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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros DALMONTE, EF. Pensar o discurso no webjornalismo: temporalidade, paratexto e comunidades de experiência [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, 256 p. ISBN 978-85-232-0589-8. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org >. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Webjornalismo: as fases de implantação e a renovação do fazer jornalístico Edson Fernando Dalmonte

Webjornalismo - As Fases de Implantação e a Renovação Do Fazer Jornalísticico

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Webjornalismo - As Fases de Implantação e a Renovação Do Fazer Jornalísticico

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    DALMONTE, EF. Pensar o discurso no webjornalismo: temporalidade, paratexto e comunidades de experincia [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, 256 p. ISBN 978-85-232-0589-8. Available from SciELO Books .

    All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

    Todo o contedo deste captulo, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio - Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.

    Todo el contenido de este captulo, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

    Webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    Edson Fernando Dalmonte

  • 3Webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalsticoQuando o assunto em questo a chamada comunicao de massa, lin-

    guagens e formatos, audincia, efeitos, esbarra-se numa tradio de estu-

    dos j consolidada, que data dos incios sculo xx. Para aquele momento,

    mais que abordar a especificidade do fenmeno emergente, optou-se pela

    nfase em relao aos efeitos perversos das mensagens daqueles novos

    meios de comunicao, capazes de se dirigir s multides.

    com base nesse modelo linear de comunicao que a pesquisa comu-

    nicacional se organizou, pressupondo um emissor e vrios receptores. Em

    nossa histria recente, em especial a partir da dcada de 1990, a difuso

    da Internet impe outros imperativos quanto relao entre emissor e

    receptor. Em relao rede, ainda busca-se entender como se organiza

    o contato entre a produo e o consumo, tendo os produtos como ponto

    de contato entre eles.

    Se, numa perspectiva mcluhaniana (1976), cada meio de comunicao

    est contido no seu sucessor, o que atualmente chamado de conver-

    gncia (larose; straubhaar, 2004), a Internet marca, na verdade, a

    abertura de novas fronteiras para onde podem ser direcionados inmeros

    produtos, inclusive a informao. A esse universo, que propicia tantas

    inovaes e transformaes, devem ser adicionadas vrias indagaes no

    s quanto ao momento atual, mas tambm quanto ao porvir.

    A rede mundial de computadores um novo meio de comunicao,

    uma nova mdia ou um novo suporte que, numa lgica mcluhaniana,

    abriga vrios meios de comunicao? Sobre essa relao, Palacios (2003,

    p. 7) sugere que a melhor definio a de um sistema que funciona

    como um ambiente de informao e comunicao, interligando-se a

    outros sistemas.

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    A Internet, entendida como um novo ambiente de conjugao mi-

    ditica, por um nico canal, oferece a possibilidade de encontro entre o

    receptor e as diversas faces da comunicao, dispersas por vrios suportes

    especficos. Contrria lgica de uma dispora comunicacional, pro-

    movida por realidades estanques, que podem ser apropriadas a partir do

    impresso, do udio e do vdeo, a rede possibilita a coabitao de todas as

    modalidades de comunicao num mesmo espao.

    Com a juno das vrias modalidades comunicacionais num mesmo

    ambiente, tem-se a possibilidade da interao entre essas frentes, no

    como uma mera cooperao entre realidades discursivas distintas, mas

    como uma complementao, o que necessariamente faz pensar sobre as

    especificidades dessa outra organizao discursiva, que pe em contato

    discursos que seguem lgicas prprias de organizao.

    Salaverra (2005), ao situar a reportagem no mbito da Web, trata do

    que chama gnero emblemtico para a interpretao, visto que pode ser

    de cunho mais informativo ou estar mais prximo da narrativa literria,

    com o objetivo de analisar os acontecimentos de atualidade, indo das

    causas s conseqncias. Ao tratar da Web, o autor situa uma discursivi-

    dade, no caso da reportagem, compatvel com este novo ambiente, a re-

    portagem multimdia que, para ele, um gnero mais apropriadamente

    ciberperiodstico. Caracteriza-se por aproveitar a fundo as possibilidades

    audiovisuais da Web, mediante o uso de galerias fotogrficas, infografias

    interativas, sons e vdeos. (p. 163).

    esta nova forma de fazer jornalismo uma das grandes transforma-

    es nos fins do sculo xx e incio do xxi. Como ressalta Pavlik (2001,

    p. xi), a poca marcada por uma profunda transformao dos modos de

    produo do jornalismo, com destaque para caractersticas como notcias

    onipresentes, acesso global a uma diversidade de informao, interati-

    vidade, cobertura em tempo real, material multimdia e personalizao

    de contedos.

    Para o entendimento da modalidade de jornalismo na rede, alguns

    pesquisadores se dedicam a estudar suas caractersticas, como Bardoel

    e Deuze (2001) e Palacios (2002, p. 2), que aponta como sendo as se-

    guintes: 1) multimidialidade, 2) interatividade, 3) hipertextualidade, 4) personalizao, 5) atualizao e 6) memria (base de dados). As referidas

    caractersticas sero adotadas como categorias de anlise a partir do pre-

    sente captulo e dos subseqentes.

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  • webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico | 121

    O Webjornalismo caracterizado no como um novo jornalismo, mar-

    cado por ruptura e negao de uma tradio, e sim como a renovao de

    antigas prticas. A partir das caractersticas atribudas a esse jornalismo,

    pode-se verificar o papel preponderante das continuidades e potencia-

    lizaes observadas, em detrimento de rupturas ou negao da prxis

    jornalstica em outros suportes. (palacios, 2002, p. 3).

    A breve histria do Webjornalismo tem sua origem numa fase anterior,

    que prepara as bases para a passagem do impresso para a Web, tendo no

    processo de informatizao das redaes o primeiro passo1. Desde esse

    momento, de forma sucessiva, o jornalismo vem passando por trans-

    formaes que, na fase atual, do indicativos quanto consolidao de

    caractersticas prprias.

    J se passou uma dcada do surgimento dos primeiros Webjornais no

    mundo e no Brasil. Aqui, o Jornal do Brasil foi o primeiro a estar disponvel

    na rede, em 1995. Tomando por base este perodo, tm sido apresenta-

    das vrias publicaes que fazem mapeamentos dos estudos acerca da

    temtica, situando o estado da arte da pesquisa sobre o jornalismo na

    Internet, dentre eles Dez anos depois do boom dos dirios digitais (qua-

    dros, 2006) e Estudos sobre jornalismo digital no Brasil. (quadros;

    mielniczuk; barbosa, 2006).

    No tocante ao Webjornalismo, pesquisadores tm apontado trs fases

    distintas em sua trajetria recente: Webjornalismo de primeira, segunda

    e terceira gerao. John Pavlik (2001, p. 43) prope essa distino tendo

    por parmetro a produo e disponibilizao de contedos, com base no

    uso dos recursos multimdia da Web. Mielniczuck (2003) afirma que

    o jornalismo desenvolvido para a web no um fenmeno concludo, e,

    sim, em constituio e, mesmo com menos de uma dcada de histria,

    vem apresentando transformaes significativas. Por um lado, por causa

    dos avanos tecnolgicos pelos quais a prpria web tem passado, por

    outro, devido s descobertas de possibilidades oferecidas pela web para a

    prtica do jornalismo. (p. 21).

    O Webjornalismo de primeira gerao (mielniczuck, 2003, p. 32-

    33) no estabelece uma narrativa jornalstica especfica, no obstante

    as possibilidades tecnolgicas. Esse modelo tambm definido como

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    transpositivo (silva jnior, 2000), o que ilustrado pela proposta dos

    pioneiros jornais online, cuja fomatao e organizao seguia o modelo

    do homnimo impresso.

    O material que vai para a rede apenas transportado e disponibilizado,

    o que marca um aproveitamento do produto jornalstico que, j desde

    meados da dcada de 1990, totalmente elaborado segundo critrios de

    digitalizao, resultado da informatizao das redaes.

    A fase posterior, definida como Webjornalismo de segunda gerao,

    deixa-se perceber em finais dos anos 90. Nesse perodo comeam a surgir

    modalidades de um produto jornalstico elaborado com base nas possibi-

    lidades oferecidas pela rede. No entanto, importante ressaltar que essa

    segunda modalidade ainda est aparelhada ao modelo do jornal impresso,

    que lhe serve de referncia, fazendo que seja conhecida como fase da

    metfora. (mielniczuck, 2003, p. 34).

    Entre as principais inovaes, pode-se notar que:

    as publicaes para a web comeam a explorar as potencialidades do

    novo ambiente, tais como links com chamadas para notcias de fatos que

    acontecem no perodo entre as edies; o e-mail passa a ser utilizado

    como uma possibilidade de comunicao entre jornalista e leitor ou en-

    tre os leitores, atravs de fruns de debates e a elaborao das notcias

    passa a explorar os recursos oferecidos pelo hipertexto. A tendncia

    ainda a existncia de produtos vinculados no s ao modelo do jornal

    impresso enquanto produto, mas tambm s empresas jornalsticas cuja

    credibilidade e rentabilidade estavam associadas ao jornalismo impresso.

    (mielniczuck, 2003, p. 34).

    Na seqncia, experimenta-se o Webjornalismo de terceira gerao. Na

    obra de 2001, Pavlik diz que o terceiro estgio est apenas comeando a

    emergir. (p. 43). Para o autor, esse estgio marcado por uma produo

    jornalstica especialmente desenvolvida para a Web, o que compreende a

    internet como um ambiente inovador, apontado como um novo meio de

    comunicao. Nessa fase h o enriquecimento da narrativa jornalstica, so-

    bretudo pelo uso de recursos multimdia e de interatividade, dentre outros.

    interessante ressaltar que as referidas fases no so excludentes, mas

    possvel localizar marcas distintas convivendo num mesmo produto.

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    Nos produtos jornalsticos dessa etapa, possvel observar tentativas

    de, efetivamente, explorar e aplicar as potencialidades oferecidas pela

    web para fins jornalsticos. Nesse estgio, entre outras possibilidades, os

    produtos jornalsticos apresentam recursos em multimdia, como sons e

    animaes, que enriquecem a narrativa jornalstica; oferecem recursos

    de interatividade, como chats com a participao de personalidades

    pblicas, enquetes, fruns de discusses; disponibilizam opes para a

    configurao do produto de acordo com interesses pessoais de cada leitor/

    usurio; apresentam a utilizao do hipertexto no apenas como um re-

    curso de organizao das informaes da edio, mas tambm comeam

    a empreg-lo na narrativa de fatos. (mielniczuck, 2003, p. 36).

    O material jornalstico presente na Web passa a ser produzido de

    acordo com as novas possibilidades tecnolgicas, o que caracteriza tanto

    o produto quanto a prpria rotina de produo, que agrega narrativa

    dos fatos novas perspectivas. Como exemplos, podem ser citados dois

    portais noticiosos, o brasileiro www.estadao.com.br (Fig. 16) e o fran-

    cs www.lemonde.fr (Fig. 17). Em comum, possvel notar que de fato

    se configuram enquanto ambientes jornalsticos, que vo alm de uma

    mera base de informao. Ao usurio so oferecidas notcias atualizadas,

    fotos, vdeos. Estas possibilidades contribuem para a implementao do

    que Pavlik (2001, p. 4) chama de jornalismo contextualizado e pode

    reforar o efeito de real do material jornalstico.

    interessante notar, contudo, que no tocante narrativa jornalstica,

    a notcia atualizada, bem como a oferta de fotos ou vdeos, no marcam

    grandes inovaes, visto que esto em consonncia com o novo ambiente

    da rede, que viabiliza a convergncia de linguagens miditicas distintas.

    Elementos novos so agregados, por exemplo, quando o portal passa a

    articular blogs, fotologs, chats e fruns de discusso, originados a partir

    de matrias disponibilizadas pelo prprio portal. Essa parcela de uma

    importante caracterstica do Webjornalismo, a interatividade. (bardoel;

    deuze, 2001; palacios, 2002; daz noci, 2006).

    Na linha evolutiva das pesquisas aplicadas ao jornalismo na Internet,

    j se fala de um Webjornalismo de quarta gerao, referindo-se ao im-

    pacto do uso das bases de dados na narrativa Webjornalstica2. (barbosa,

    2007). Para Machado (2004), diferentemente dos bancos de dados simples,

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  • 124 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    que organizam as informaes de uma pessoa fsica, os bancos de dados

    complexos, como aqueles empregados no jornalismo e que permitem a

    recuperao rpida de informaes, os dados armazenados em Bancos de

    Dados complexos so tudo menos uma simples coleo de itens. (p. 3).

    Figura 16: http://www.estadao.com.br

    Figura 17: .

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  • webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico | 125

    As possibilidades de uso das bases de dados para a composio de

    distintas narrativas digitais foram apontadas por Manovich (2001; 2005).

    Para o autor (2001, p. 231), uma narrativa pode ser auxiliada pelo banco

    de dados e a construo dessa narrativa assegurada pela ligao/ordena-

    mento desses dados numa determinada ordem3. Segundo ele, a narrativa

    virtual, ao passo que o banco de dados existe materialmente.

    Esta uma realidade que desponta com as novas mdias que, de acordo

    com Manovich (2005),

    podem ser compreendidas como o mix de antigas convenes culturais

    de representao, acesso e manipulao de dados e convenes mais

    recentes de representao, acesso e manipulao de dados. Os velhos

    dados so representaes da realidade visual e da experincia humana,

    isto , imagens, narrativas baseadas em textos e audiovisuais o que

    normalmente compreendemos como cultura. Os novos dados so

    dados digitais. (p. 36)

    Para Machado (2004, p. 5), o uso das bases de dados permite a ininter-

    rupo do fluxo informacional, o que torna possvel e confivel o acesso s

    informaes, podendo estreitar ainda mais as relaes entre uma organi-

    zao jornalstica e seus leitores. O texto Webjornalstico, incrementado

    pelo banco de dados, pode viabilizar vrios caminhos a determinados

    contedos e o usurio pode acess-los a qualquer momento.

    Tem-se, dessa forma, uma nova relao entre o leitor e o contedo

    informativo, o que aponta dicotomias quanto organizao e dispo-

    nibilizao textuais. Se o jornalismo historicamente definido como a

    revelao de fatos que irrompem na ordem do dia (franciscato, 2005),

    a partir da Web ele est associado a um desdobramento desse fato, indo

    do mais atual ao mais antigo. Recupera-se a narrativa cronolgica dos

    fatos jornalsticos (mouillaud; ttu, 1989), que apresentada ao leitor,

    via base de dados.

    Num contexto marcado pela convergncia das tecnologias da comuni-

    cao, o uso da base de dados tem permitido que o Webjornalismo avance

    em novos territrios. Cada vez mais essa prtica jornalstica lana as bases

    para a consolidao de uma organizao discursiva prpria, concernente

    aos avanos tecnolgicos at ento implementados. Para Machado (2006,

    jornalismo.indb 125 6/12/aaaa 11:19:53

  • 126 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    p. 8), a pertinncia das bases de dados passa a ser determinante para a es-

    truturao e organizao do processo de produo jornalstica, passando

    pela apurao, composio, edio e circulao.

    As vrias possibilidades decorrentes do uso das bases de dados, que

    vm sendo implementadas desde a dcada de 1970, tm agregado ao

    jornalismo uma caracterstica de renovao.

    O emprego de bases de dados no jornalismo sempre foi um condicio-

    nante de inovao. Seja atendendo aos propsitos de armazenamento

    das informaes para recuperao e compartilhamento; como fontes

    de pesquisa e anlise, integradas s etapas de apurao e elaborao de

    textos jornalsticos mais contextualizados; ou usadas para a distribuio

    de notcias por meio de sistemas como o videotexto, seja para atender s

    necessidades colocadas para a publicao das edies digitais dos jornais,

    elas foram importantes protagonistas. (barbosa, 2007, p. 124).

    Os avanos que se tem observado no Webjornalismo em grande parte

    se devem s possibilidades abertas pelo uso das bases de dado, seja pelo

    armazenamento, seja pela facilidade de manuseio do material armazena-

    do. Para Quadros (2006, p. 65), desde o surgimento dos primeiros dirios

    digitais, tem sido possvel observar a implementao de iniciativas, das

    mais tmidas s mais ousadas, indo de reprodues de outros meios at

    novas solues, condizentes com o ambiente da rede. O processo de di-

    gitalizao e armazenamento das informaes e a formao de robustas

    bases de dados, seguramente, podem ser apontados como determinantes

    para esse processo de constante inovao.

    PARATEXTO COMO MODO DE EXISTNCIA DO TEXTO WEbJORNALSTICO

    Antes de tratar do texto Webjornalstico e comear a empreender as an-

    lises, faz-se necessrio conceituar a forma de organizao textual que

    desponta com a Web. Pavlik (2001, p. 01) ressalta que os novos meios

    esto reconfigurando as tcnicas narrativas, oferecendo audincia uma

    cobertura informativa mais contextualizada, por meio da qual o leitor

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  • paratexto como modo de existncia do texto webjornalstico | 127

    pode navegar. A caracterstica principal do relato interativo que ele

    congrega uma diversidade de modalidades comunicacionais, como texto,

    imagens, vdeos etc. Escritura e leitura apartam-se de delimitaes line-

    ares. O texto prev ainda a participao do leitor, que pode coment-lo

    e reenvi-lo. A tecnologia possibilita ao texto uma existncia cada vez

    mais marcada pela fluidez.

    Mediante tal premissa, na perspectiva da Anlise do Discurso, para que

    se empreenda a anlise, necessrio reposicionar o conceito de texto a

    partir da realidade da Web. Para as propostas do presente trabalho, o texto,

    enquanto matria significante, no pode ser compreendido apenas como

    uma notcia, por exemplo, mas como uma realidade textual/ textualidade

    que interage com vrias frentes discursivas. O texto, na Web o hiper-

    texto , formado por links, que estabelecem ligaes com outros textos,

    independentemente de seu formato udio, vdeo etc. Da mesma forma,

    para se compreender o posicionamento discursivo do Webjornalismo deve

    ser considerada a organizao discursiva que envolve a apresentao, di-

    vulgao e disponibilizao do material informativo na Web.

    Para dar conta deste texto em contato com outros textos ser explo-

    rada a noo de paratexto, proposta por Genette (1982; 1987). Tal conceito

    compreende o texto como estando em ntima ligao com uma estrutura

    que o envolve e contribui para que tome forma, produza sentido. Este

    texto, segundo Genette (1987, p. 7), geralmente se apresenta reforado

    por certo nmero de produes, verbais ou no.

    A palavra paratexto composta com o auxlio do prefixo grego

    para, designando uma modificao da palavra texto (bailly, 1901, p. 651).

    Conforme a etimologia de origem, tal prefixo indica: algo que se coloca

    perto de, ao lado de; receber ou apanhar qualquer coisa das mos de al-

    gum. Pode ser usado para exprimir a idia de tempo, durao. Algo que

    acontece paralelamente a outra coisa. Ao compor a nova palavra, sinaliza

    uma organizao textual que se coloca ao lado de uma outra, com a qual

    mantm uma relao direta; no de dependncia, mas de continuidade.

    Para Genette (1982, p. 10), os elementos que constituem o paratexto so:

    Ttulo, subttulo, interttulos; prefcios, posfcios, prembulos, apresen-

    tao, etc.; notas marginais, de rodap, de fim; epgrafes; ilustraes;

    dedicatria, tira, jaqueta [cobertura], e vrios outros tipos de sinais aces-

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  • 128 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    srios, [...], que propiciam ao texto um entorno (varivel) e s vezes um

    comentrio, oficial ou oficioso, do qual o leitor mais purista e o menos

    inclinado erudio externa nem sempre pode dispor to facilmente

    quanto ele gostaria e pretende.

    Genette (1987, p. 07) considera que estes elementos exercem uma

    dupla ao sobre o texto: o envolvem e o prolongam. Na perspectiva pa-

    ratextual, o texto ampliado pelos elementos que o envolvem, como os

    elementos pr-textuais e ps-textuais, mas tambm pela rede de comen-

    trios, especializados ou no. Numa relao interdiscursiva, chega-se ao

    hipertexto. A prolongao da obra, a partir do seu invlucro, tem as fun-

    es de apresentar e presentificar: apresentar (divulgar) e torn-la pre-

    sente, assegurando sua presena no mundo, sua recepo e consumo.

    O paratexto se constitui como um umbral, que pe em relao o que

    est dentro (no texto) e fora (o discurso sobre o texto). Para Genette (1987,

    p. 08), a referncia ao umbral no remete apenas a uma zona de transio

    entre uma textualidade e outra, mas, sobretudo, uma zona de transao

    enquanto local privilegiado para estratgias, visando uma ao sobre o

    pblico, com o intuito de melhorar a acolhida do texto.

    Os elementos que constituem o paratexto so oriundos de um conjun-

    to marcado pela diversidade de prticas e discursos, que confluem para a

    formao do sentido da obra num contexto mais amplo. O interessante

    que a noo de atualizao envolvendo a obra resulta de uma movimen-

    tao social em torno de um produto que, no obstante traga as marcas

    que lhe foram agregadas no processo de feitura, est aberta a receber

    outras inscries, como resultado da apropriao social. Essa sobre-

    posio de textualidades a marca do que Genette (1982, p. 08) chama de

    palimpsesto ou tipos de relaes transtextuais.

    Embora as reflexes acerca do paratexto estejam ligadas literatura

    e tradio do livro, as vias e modos do paratexto sofrem modificaes

    constantes a partir das pocas, culturas, gneros etc. Como ressalta

    Genette (1987, p. 09), fica patente que na poca miditica multiplicada

    a produo de discursos que circundam uma obra, o que contribui sobre-

    maneira para sua divulgao. A partir da premissa de que no existe texto

    sem paratexto, tal realidade abre uma srie de questes quando se pensa

    nas potencialidades abertas pelas novas mdias.

    jornalismo.indb 128 6/12/aaaa 11:19:53

  • paratexto como modo de existncia do texto webjornalstico | 129

    Os elementos que constituem o paratexto, segundo Genette (1987, p.

    12-13), correspondem a trs tipos de manifestaes: icnicos (as ilus-

    traes), materiais (decorrentes, por exemplo, das escolhas tipogrficas

    que, marcam a composio de um livro) ou simplesmente factuais. Por

    factual o autor entende no uma mensagem explcita, mas um fato cuja

    existncia, quando conhecida pelo pblico, agrega valor ao produto,

    criando uma discusso sobre o mesmo, colocando-o na ordem do dia.

    Como elementos factuais, podem ser elencados a indicao do autor a um

    prmio, para uma academia etc.

    Cora Rnai (2006) organizou um livro com textos falsos que circulam

    na Internet, celebrizados por serem atribudos a autores renomados. Sem

    grandes estratgias, o que os verdadeiros autores fizeram foi estabelecer

    um plano de divulgao de seus textos, atrelando-os a figuras proemi-

    nentes. Os textos apcrifos no teriam grandes chances de serem lidos,

    pois estariam soltos na rede, no anonimato. Interessante notar, por meio

    desse exemplo, a importncia de um processo indentitrio mesmo na

    Web, como determinante para a aceitao de um produto.

    Conforme sinaliza Genette (1987, p. 10-11), o paratexto formado por

    duas modalidades de elementos paratextuais. Dependendo da realidade

    material, pode-se falar do peritexto e do epitexto. O peritexto refere-se a

    uma categoria espacial marcada pela continuidade ou unicidade da obra.

    Os elementos peritextuais circundam o texto dentro do prprio espao da

    obra, estando em continuidade direta, como o nome do autor, os ttulos,

    interttulos e toda a materalidade da advinda, como as indicaes de

    coleo, capa etc. O epitexto tambm est situado nos entornos do texto,

    estando, contudo, a uma distncia marcada por uma descontinuidade

    em relao obra. Os elementos epitextuais so divididos em pblicos,

    os que tomam forma nos suportes miditicos, como as entrevistas com o

    autor, debates etc e privados, como correspondncias e dirios que, com

    o tempo, podem passar a integrar a obra.

    O peritexto ou o paratexto contnuoO prefixo peri (bailly, 1901, p. 683-684) designa, na funo adverbial, um

    lugar a partir do qual; em torno de, com ou sem movimento. A respeito

    de; que diz respeito a algum ou alguma coisa. Ao redor de, de modo a

    envolver. Aquilo que se localiza nas margens de algo, podendo designar

    jornalismo.indb 129 6/12/aaaa 11:19:53

  • 130 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    a partilha de um mesmo ponto de vista. O peritexto designa aquilo que

    est ligado ao texto de forma direta, no tocante continuidade de um

    posicionamento discursivo.

    Genette (1987, p. 20) chama de peritexto editorial toda a faixa do pe-

    ritexto que se encontra sob responsabilidade direta do editor. edio

    competem as escolhas no tocante ao formato e apresentao de uma obra,

    bem como a deciso de uma reedio e insero de novos elementos. As

    escolhas, no ato da edio, podem orientar a obra para um pblico es-

    pecfico, como um formato ou selo, designando seja a inovao, seja a

    popularizao de um livro.

    Dentro da lgica das colees, o selo editorial cumpre o papel de de-

    monstrar o quo diversificada a rea de abrangncia de uma casa editora.

    Seguindo essa orientao, o selo de coleo tem por premissa indicar ao

    leitor o tipo, ou o gnero, da obra pretendida: literatura nacional ou es-

    trangeira, vanguarda ou tradicional. (genette, 1987, p. 25).

    A localizao paratextual do nome do autor pode ser errtica ou cir-

    cunscrita. Errtica quando o nome do autor se dissemina, com o ttulo, na

    esfera epitextual, como em anncios, prospectos, entrevistas, artigos etc.

    Circunscrita quando ocupa o lugar oficial em um livro, ou seja, epitex-

    tual. (genette, 1987, p. 39). Essa dupla possibilidade assumida por um

    mesmo dado demonstra o potencial que os elementos paratextuais tm

    para transitar de uma esfera a outra: do peritexto ao epitexto. Mesmo na

    tradio do livro impresso possvel perceber a fluidez dos elementos que

    compem a obra, segundo a perspectiva paratextual.

    Se o peritexto envolve o texto de forma direta, em continuidade a ele,

    enquanto parte constituinte do material, alguns elementos podem ser

    destacados e passar esfera epitextual, como o nome do autor, impor-

    tante indicativo do prestgio de uma obra. Da mesma forma, a editora,

    o tipo de impresso, dentre outros, podem ampliar a obra, fazendo que

    saia de um espao delimitado e passe a circular em outras instncias. No

    jornalismo bastante comum o nome do jornalista assumir relevncia nos

    espaos assinados ou, no caso da televiso, o ncora passar a ser identi-

    ficado com o produto.

    O epitexto ou o paratexto descontnuoNum outro extremo est o epitexto que, segundo Genette (1987, p. 316),

    jornalismo.indb 130 6/12/aaaa 11:19:53

  • paratexto como modo de existncia do texto webjornalstico | 131

    se distingue do peritexto por um princpio puramente espacial. Como

    ressalta o autor, epitexto todo elemento paratextual que no se encon-

    tra materialmente anexado ao texto no mesmo volume, mas que circula

    livremente em um espao fsico e social virtualmente ilimitado.

    O prefixo epi refere-se quilo que est na superfcie, de modo a reco-

    brir algo. (bailly, 1901, p. 326-328). empregado para marcar o ponto

    de apoio, o ponto por meio do qual uma coisa se liga a uma outra. Designa

    continuidade, com a idia de sucesso. Marca estabilidade e permanncia.

    usado ainda para sinalizar uma idia de dependncia, em vista de algo.

    A continuidade prevista por este prefixo refere-se tanto unicidade do

    pensamento, quanto manuteno de um mesmo tpico sem, contudo,

    estar materialmente unido ao objeto em questo, o que d abertura para

    a descontinuidade.

    A idia de descontinuidade presente no epitexto est baseada na li-

    gao com a obra, sem necessariamente estar anexada a ela. O epitexto

    faz parte de uma obra sem ser a obra. Espacialmente, no interessa onde

    fora do livro, como em jornais ou revistas, emisso de rdio ou televiso,

    enfim, a dimenso pblica do epitexto. Como ressalta o autor (genette,

    1987, p. 318), a realidade do epitexto nos faz confrontar com a ausncia

    de limites externos, fazendo dele a franja da franja4, que o pe em contato

    com outros elementos discursivos sobre um referido tpico.

    O epitexto pblico est endereado ao pblico em geral e, por meio

    do suporte miditico, pode atingir uma parcela significativa do pblico

    em questo. (genette, 1987, p. 323). Por meio da ao da mdia, a obra

    posicionada no mercado. Antes do produto, o que chega aos leitores

    so fragmentos de um paratexto na condio de elementos epitextuais.

    As resenhas e crticas, entrevistas, declaraes, por exemplo, criam um

    nvel de discusso alm da obra e que, num futuro, podem passar a fazer

    parte da obra, como numa reedio ampliada.

    Num outro extremo est o epitexto privado (p. 341), que diz respeito

    s correspondncias e anotaes ntimas de um autor. Esta modalidade

    de epitexto tambm pode passar a compor a obra, numa nova edio, ou

    resultar numa compilao que ajude a entender tanto uma obra quanto o

    prprio autor. O interessante a mobilidade de tais conceitos, que no se

    colocam de forma estanque. Um epitexto pode passar de privado a pblico,

    e de epitexto a peritexto. A textualidade, segundo a lgica paratextual,

    jornalismo.indb 131 6/12/aaaa 11:19:54

  • 132 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    marcada pela transitoriedade de seus elementos. Essa textualidade fluida

    que circunda um texto tradicional atua reforando a identidade da obra

    e colabora com sua difuso.

    Considerando-se as possibilidades de produo, armazenamento e

    distribuio de informaes, por exemplo, no contexto das novas mdias,

    os elementos paratextuais assumem papel relevante para a divulgao

    de Webjornais. O binmio apresentar e tornar presente desempenha

    uma ao pressupondo no apenas o papel da crtica especializada, mas

    tambm dando lugar ao leitor comum que, na condio de usurio, pode

    interagir com outros leitores, divulgar o material, a partir da discusso em

    torno do mesmo. Essa questo ser abordada no tpico seguinte.

    AS POSSIbILIDADES DE PRODuO A PARTIR DA CARACTERSTICA MEMRIA

    Todos os produtos situados na Web podem ser classificados como

    virtuais, conforme o conceito trabalhado por Deleuze (1968), Deleuze e

    guattari (2004) e Lvy (2001). Para Lvy (p. 15-16), o virtual no se

    ope ao real; uma realidade latente, faltando-lhe apenas a existncia.

    A existncia pode ser entendida como a materializao de uma pgina da

    rede, que existia antes mesmo do acesso, mas que depende desta ao

    para se aproximar de quem executa o acesso. A figura metafrica proposta

    por Lvy (2001, p. 15) exemplifica essa questo: a rvore est virtual-

    mente presente na semente.

    nesse sentido que o Webjornalismo deve ser entendido: em sua

    existncia virtual, real, mas que, para tomar forma, deve ser acessado.

    Pginas, cadernos, editorias, esses conceitos oriundos da tradio do

    jornalismo impresso, na Web tomam forma medida que o leitor navega

    por espaos que vo sendo construdos interativamente, com base nas

    possibilidades oferecidas pelo veculo em questo.

    Torna-se essencial entender o Webjornalismo dentro da lgica de um

    mercado que se organiza segundo os ditames da concorrncia. A ques-

    to no se resume ao fato de o Webjornal estar aberto ao internauta ou

    fechado, podendo ser acessado apenas por usurios pagantes. No geral, a

    questo principal o nmero de acesso e tempo de permanncia, critrios

    jornalismo.indb 132 6/12/aaaa 11:19:54

  • as possibilidades de produo a partir da caracterstica memria | 133

    similares aos que priorizam a tiragem, nmero de assinante e circulao

    de um jornal impresso.

    interessante notar que, embora os Webjornais estejam comumente

    divididos em abertos, acesso gratuito, e fechados, acesso pago, o acesso a

    qualquer um dos dois, no geral, exige um cadastramento. Essa exigncia

    faz pensar no sentido de comunidade de leitores que o veculo quer formar.

    O cadastro tambm usado dentro das estratgias de marketing e, como

    na tradio do impresso, a identidade do leitor de suma importncia

    para o posicionamento do Webjornal no mercado.

    Passada a fase inicial do Webjornalismo, em que se exaltavam as po-

    tencialidades libertrias da Web definido por Manovich (2005) como

    tropos ideolgicos e o livre fluxo da informao, o que se observa hoje

    um momento de maior ponderao quanto s possibilidades reais do pro-

    duto Webjornalstico se posicionar no novo ambiente. A Web representa,

    de fato, um novo ambiente informacional (palacios, 2003), mas que

    deve ser avaliado segundo critrios econmicos. Como lembram Shapiro

    e Varian (2003, p. 13), a tecnologia muda. As leis da economia no.

    Os produtos disponibilizados na Web, dentre eles o Webjornalismo,

    so os chamados bens informacionais, que tm no processo de digitali-

    zao a sua principal caracterstica.

    Empregamos o termo informao de modo bem amplo. Em essncia,

    qualquer coisa que puder ser digitalizada codificada como um fluxo

    de bits informao. Para nossos objetivos, resultados de jogos de

    beisebol, livros, bancos de dados, revistas, filmes, msica, cotaes de

    aes e pginas da Web so todos bens da informao (shapiro; varian,

    2003, p. 15, grifos do autor).

    Uma reviravolta do bem informacional, sob o ponto de vista econ-

    mico, est no cerne do produto que, ao ser produzido digitalmente, pode

    ser distribudo por distintas plataformas. a sutileza desse produto que

    possibilita uma nova organizao dos mercados informacionais, o que

    torna possvel a criao de verses de um mesmo contedo.

    Sob a perspectiva econmica, o custo mais elevado est no desen-

    volvimento do prottipo de um bem informacional, ao passo que o

    custo da reproduo, ou cpia, prximo a zero. (varian, 1997, 1998).

    jornalismo.indb 133 6/12/aaaa 11:19:54

  • 134 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    A informao cara de produzir, mas barata para reproduzir (shapiro;

    varian, 2003, p. 15, grifos dos autores). O bem informacional, produ-

    zido digitalmente, pode ser formatado de vrias maneiras. A um mesmo

    contedo, uma vez digitalizado, possvel agregar elementos ou suprimir

    outros, para que seja distribudo, por meio de distintas plataformas, a

    vrios consumidores ou grupos de consumidores.

    A facilidade de reproduo das informaes se d graas ao sistema

    de organizao das bases de dados. Por meio da agilidade conferida ao

    processo de elaborao de verses de um mesmo produto, atualmente se

    observa a modalidade de mdia cruzada cross media, ou a distribuio

    de verses de um mesmo contedo a distintas plataformas.

    Sobre essa nova realidade, diz Barbosa (2007):

    Como forma de jornalismo mais recente, o jornalismo digital feito no

    mbito da Internet e que pressupe a coleta, produo, publicao e dis-

    seminao de contedos atravs da web e tambm de dispositivos mveis

    como celulares, computadores de mo, iPods, etc. a modalidade na

    qual o computador, as bases de dados, entre outras tecnologias, j no

    so consideradas apenas ferramentas, mas, sim, constitutivas de uma

    prtica jornalstica. (p. 142)

    Dessa forma, a reprodutibilidade do material informacional abre uma

    outra questo: a criao de verses versioning de um mesmo produ-

    to. Essa uma estratgia amplamente usada pelos grupos de mdia, que

    passam a operar em distintas plataformas. O atual perfil do profissional da

    rea de comunicao exige que ele seja capaz de produzir e direcionar um

    mesmo contedo para distintas mdias, o que pressupe distintos leitores

    e contratos de comunicao e leitura. Como exemplo, pode-se tomar os

    jornais capixabas A Gazeta e Notcia Agora, de uma mesma empresa5. O

    primeiro, mais tradicional, posiciona-se no mercado dirigindo-se a um

    pblico especializado, ao passo que Notcia Agora, vendido a um tero

    do valor do outro, de carter popular. No dia 8 de julho de 2006, o jornal

    A Gazeta teve como chamada principal Cariacica supera Serra no nmero de

    homicdios e, numa estrutura menor, Universitria assassinada. Em Notcia

    Agora: Universitria morta com 4 tiros. Embora jornalistas distintos assi-

    nem as matrias, as fontes e as fotos so as mesmas. No geral, as matrias

    jornalismo.indb 134 6/12/aaaa 11:19:54

  • as possibilidades de produo a partir da caracterstica memria | 135

    comuns aos dois jornais so assinadas pelo mesmo reprter, apresentando

    apenas alguma diferena no texto.

    A criao de verses de um contedo noticioso possibilita a explorao

    do mercado de forma mais especializada. Os contedos so elaborados

    considerando-se as caractersticas do pblico e para ele so direcionados

    tais contedos. Um bom exemplo desse trabalho oferecido pela Reuters,

    que opera com o empacotamento de contedos.

    Apesar da natureza de mercadoria do produto noticioso, a Reuters tem

    conseguido sair-se bem nesse ramo de negcios. Uma das razes que

    ela tem conseguido empacotar itens noticiosos que so do interesse de

    determinados setores. Esse pacote acrescenta valor ao produto mediante

    o fornecimento de servios de filtragem e classificao servios que so

    altamente valiosos para clientes que sofrem com sobrecarga de informa-

    o. (shapiro; varian, 2003, p. 45).

    Destaca-se, dessa forma, o papel relevante das agncias de notcias

    para a organizao do mercado jornalstico mundial, conforme ressalta

    Silva Jnior (2006, p. 66). Pela agilidade das redes, as vrias verses de

    um mesmo contedo cruzam distncias, que passam a ser meramente

    geogrficas, visto que possibilitam criar junto ao leitor a iluso de

    acompanhar o desenvolvimento dos fatos em tempo real.

    Sob o ponto de vista mercadolgico, a criao de verses de contedos

    pode viabilizar a venda do produto informacional a um nmero maior de

    consumidores, dispostos a pagar valores diferenciados pela informao.

    A informao agora comumente vendida em pacotes: as revistas so pa-

    cotes de artigos e as assinaturas so pacotes de revistas. Isto faz sentido:

    h com freqncia variao considervel sobre quanto os usurios esta-

    riam dispostos a pagar pelos diferentes artigos de uma revista. (shapiro;

    varian, 2003, p. 97-98).

    Trazendo a possibilidade de adaptao dos contedos para o mbito

    das empresas Webjornalsticas e na forma de organizao de suas matrias

    significantes, percebe-se a relevncia da produo a partir do formato de

    bases de dados. Desde essa realidade, as empresas Webjornalsticas esto ca-

    jornalismo.indb 135 6/12/aaaa 11:19:54

  • 136 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    pacitadas a travar um dilogo mais estreito com seus leitores. possvel, por

    exemplo, como estratgia de aproximao entre as instncias, a fuso das

    caractersticas do Webjornalismo Memria6, Personalizao7 e Interao8.

    A partir dessa premissa, podem ser localizadas estratgias discursivas

    tais como o envio de material por e-mail para leitores, informando sobre

    atualizao de contedo ou sobre um contedo especfico, conforme

    interesse manifesto pelo leitor. O uso dessa estratgia exemplificado

    pelo www.lemonde.fr, que envia mensagem sempre que feita uma

    atualizao total da publicao, com a chamada Titres du jour9 (Fig.

    18). A mensagem pode remeter tanto pgina inicial do site (Fig. 19) como

    diretamente a um ttulo escolhido pelo internauta.

    Como resultado, tem-se a proposta de estabelecimento de um con-

    trato de comunicao entre um produto que emprega os recursos atuais

    de contato com seus leitores. Por meio desta estratgia, o Webjornal se

    coloca na ordem do dia. interessante notar que o leitor tem o poder

    de decidir se vai acessar o jornal e quando o far; da mesma forma,

    interessante notar os estratagemas empregados pela instncia produtora

    para a divulgao de seu produto, que tambm podem ser enviadas por

    mensagens de celular, tipo sms.

    Figura 18: Mensagem enviada pelo lemonde.fr, recebida em 27 de outubro de 2007.

    jornalismo.indb 136 6/12/aaaa 11:19:55

  • as possibilidades de produo a partir da caracterstica memria | 137

    O produto Webjornalstico: bens de experinciaUm conceito importante para balizar as reflexes sobre o mercado da in-

    formao o de bem de experincia (nelson, 1970, 1974; arrow, 1971,

    1984). Um bem de experincia caracterizado pela necessidade de ser

    experimentado para que lhe seja atribudo um valor. Como ressalta Arrow

    (1984, p. 138), no momento de uma incerteza, a possibilidade de reduo da dvida se d pela aquisio de informao pertinente. Nelson (1970, p.

    312) postula que, antes de experimentar um produto, o consumidor busca

    informaes com seus familiares e amigos, revistas especializadas e ann-

    cios. Esse processo de informao chamado pelo autor de experincia,

    o que habilita o indivduo para o consumo.

    Todo produto novo pode ser visto como um bem de experincia e,

    para a sua comercializao, no geral, o consumidor deve ser motivado a

    conhecer o produto em questo.

    No caso dos bens de experincia, a qualidade no conhecida ex ante10

    pelos consumidores; trata-se tanto de uma qualidade vertical (ou seja,

    correspondente a uma classificao objetiva conhecida por todos: por

    Figura 19: Pgina inicial do lemonde.fr, 27 de outubro de 2007.

    jornalismo.indb 137 6/12/aaaa 11:19:55

  • 138 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    exemplo, a confiana em uma transao: todo mundo prefere uma alta

    confiana), quanto de uma qualidade horizontal (ou seja, pela qual as

    classificaes so diferenciadas segundo os consumidores: por exemplo:

    a qualidade de um bem cultual, como um filme, depende dos gostos de

    cada um); nos dois casos, os consumidores potenciais devem se remeter

    queles que j consumiram o bem considerado, no caso de uma qualidade

    vertical, e devem confiar (caso das opinies crticas em um site como eBay,

    por exemplo), no caso de uma qualidade horizontal, eles devem poder

    estimar a proximidade entre os prprios gostos e o dos consumidores-

    crticos (caso das crticas de cd ou de dvd presentes em um site de vendas

    como Amazon.com). (gensollen, 2004, p. 7).

    Segundo essa lgica, todo produto informacional equivale a um bem

    de experincia exatamente pela forma de relao que estabelece com o

    consumidor. sempre algo novo, cuja validade apenas ser conhecida

    aps o consumo. Esta uma particularidade do produto informacional,

    que a cada dia precisa se reposicionar. Sobre esta particularidade, Shapiro

    e Varian (2003, p. 18) dizem que:

    A informao, contudo, um bem de experincia toda vez que consu-

    mida. Como podemos saber se a edio de hoje do Wall Street Journal vale

    75 centavos sem que a leiamos? Resposta: no podemos.

    Quais so, ento, as implicaes quando se percebe que o jornal est

    enquadrado na categoria de bem de experincia? preciso considerar as

    vrias estratgias utilizadas para promover a aproximao com o leitor.

    Pode-se pensar, por exemplo, nas tticas usadas nos pontos de venda,

    como as bancas, onde jornais e revistas esto disponveis para consulta.

    Mas, para Shapiro e Varian (2003),

    h vrias formas de folhear: voc pode olhar as manchetes nas bancas

    de jornais, ouvir canes populares no rdio e ver trailers no cinema. Mas

    folhear apenas parte da histria. A maioria dos produtores da mdia su-

    pera o problema do bem de experincia por meio da promoo da marca

    e da reputao. A principal razo pela qual lemos o Wall Street Journal

    porque o julgamos til no passado. (p. 18, grifos do autor).

    jornalismo.indb 138 6/12/aaaa 11:19:55

  • as possibilidades de produo a partir da caracterstica memria | 139

    Reside nessa questo a importncia da marca11, principal elemento

    facilitador de reconhecimento, o que faz ativar as reflexes acerca da

    comunicao tensionada sob a lgica contratual, segundo Charaudeau

    (1994) e Vron (1985). Um dos principais ativos do Wall Street Journal

    a marca, sendo que o jornal investe significativamente na construo

    de uma reputao de exatido, oportunidade e relevncia. (shapiro;

    varian, 2003, p. 18).

    A identidade de um produto, seja de que natureza for, essencial para

    o seu posicionamento no mercado e essa uma mxima igualmente vlida

    para os bens informacionais. Essa questo foi fundamental para o estabele-

    cimento da tradio do jornalismo, j longa, no caso do impresso. Na atuali-

    dade, essa temtica retomada no caso do Webjornalismo, visto que j no

    possvel pensar em contedos dispersos, mas sim em peas informativas

    com origem conhecida. essa origem distinta que passa, necessariamente,

    pelas questes da marca, em cuja construo est a credibilidade.

    por isso que os produtos Webjornalsticos no esto isentos dessas

    reflexes. O produto digital carrega junto a marca e toda uma tradio,

    quando o caso de um produto que surge aps o impresso, como a Folha

    online. Para os que j surgem na Web, o desafio do posicionamento no

    mercado passa tambm pela consolidao da marca, para que sirva de

    norteador para o leitor. Sobre essa relao, tomando como exemplo o

    produto digital do Wall Street Journal, pode-se dizer que

    a aparncia e o clima da edio on-line do Journal so testemunhos de quo

    longe foram os projetistas para reproduzir a aparncia e o clima da verso

    impressa, estendendo, assim, a mesma autoridade, identidade da marca e

    lealdade do cliente do produto impresso ao produto on-line. A marca Wall

    Street Journal transmite para os leitores em potencial uma mensagem sobre

    a qualidade do contedo, superando assim o problema do bem de experin-

    cia, endmico entre os bens de informao. (shapiro; varian, 2003, p. 18).

    Vrias so as estratgias que vo surgindo e sendo testadas no am-

    biente digital. Como lembra Gensollen (1999, p. 3), a prpria novidade

    da rede que propicia uma srie de indagaes: a Internet no apenas

    uma rede de dados? Ela se constitui numa nova mdia? Ou ela formar a

    infra-estrutura essencial para o amanh?

    jornalismo.indb 139 6/12/aaaa 11:19:55

  • 140 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    bens de experincia: estratgias de aproximao com o pblicoO conceito de bem de experincia abrange todos os bens culturais. Os

    bens informacionais, da mesma forma, encontram-se sujeitos a uma ne-

    cessria estratgia de exposio, ainda que parcial, da qualidade de seus

    produtos. Da mesma forma que a exibio que jornais e revistas fazem nas

    bancas, por meio de suas chamadas nas capas e primeiras pginas, os bens

    de experincia digitais necessitam de estratagemas para sua divulgao.

    nesse sentido que Gensollen (2006, p. 3) elenca as seguintes estratgias:

    Investimento em uma marca: quando os processos de produo so con-

    trolados e a qualidade produzida pode ser considerada como relativamente

    estvel, a indicao do produtor aporta, geralmente, uma informao

    suficiente e credvel.

    Fornecimento de amostras: em alguns casos, a consumao parcial

    de uma pequena parte do bem oferece, ex ante, indicaes sobre a

    qualidade.

    A crtica dos que j consumiram o bem em questo e do sua opinio

    aos que ainda no compraram: o meio principal utilizado para as obras

    culturais. A crtica pode revestir vrios aspectos:

    As opinies podem vir de crticos profissionais [...];

    Boca-boca [...]

    Atualmente, as comunidades de crticos, em um site como Amazon.

    com, ampliam consideravelmente a propenso do boca-boca: inmeros

    colaboradores opinam sobre praticamente todas as obras oferecidas;

    trata-se de uma crtica ampla e coletiva, j que obras to diversas so

    comentadas de maneira interativa.

    O investimento em uma marca faz pensar nas estratgias de anncio

    das notcias, como nas primeiras pginas, expostas em locais pblicos.

    Essa estratgia passa a ser usada pelos produtos digitais, por exemplo,

    cujas chamadas principais so disponibilizadas, alm do prprio site do

    Webjornal, nos principais portais.

    jornalismo.indb 140 6/12/aaaa 11:19:56

  • as possibilidades de produo a partir da caracterstica memria | 141

    Pelo fornecimento de amostras os produtos se aproximam dos leitores,

    uma vez que, ao indivduo, oferecida, no caso dos Webjornais fecha-

    dos, uma parte do texto. Pode-se considerar tambm a divulgao das

    principais manchetes em distintas plataformas, como envio para celular,

    e-mail etc.

    A Internet um modo maravilhoso de oferecer amostras grtis do conte-

    do da informao. As pessoas debatem h vrios anos o modelo certo de

    publicidade para a Internet, mas a resposta tem estado bem sua frente

    desde o incio: a Internet ideal para infomerciais.12 (shapiro; varian,

    2003, p. 106).

    A questo central reside nas reais possibilidades abertas pela Web

    para a reorganizao do mercado informacional, do qual o jornalismo faz

    parte. A estratgia de distribuio de amostras pode contribuir para o

    conhecimento de um produto que, no caso do Webjornalismo, deve ser

    constante, visto que no apenas a marca do produto deve ser conhecida,

    mas tambm a importncia diria do produto. Sobre o que doar, afirmam

    Shapiro e Varian (2003),

    a resposta bvia : doe somente parte de seu produto. Isso como a velha

    ttica de marketing de oferecer amostras grtis de produtos de consumo,

    s que atualizada para a era digital. A beleza da informao que parti-

    cularmente fcil doar amostras grtis de algo que tem custo marginal de

    distribuio zero. O truque dividir seu produto em componentes, dos

    quais alguns voc d, outros voc vende. As partes doadas so os anncios

    os infomerciais das partes que voc vende. (p. 106, grifo do autor).

    A ttulo de exemplo da estratgia de doar partes de um produto, ou

    amostras, possvel notar os vrios caminhos de divulgao adotados

    para os bens culturais. O escritor Khaled Hosseini ficou mundialmente

    conhecido por seu primeiro livro O caador de pipas, lanado em 2005,

    fenmeno de vendas em vrios pases que, no Brasil, ficou por mais de

    um ano e meio na lista dos mais vendidos. Por ocasio do lanamento de

    sua segunda obra, A cidade do sol, em 2007, a editora (Nova Fronteira)

    distribuiu kits contendo um dvd com uma palestra do autor (Encontro

    com Khaled Hosseini) e um livreto com trechos de captulos.

    jornalismo.indb 141 6/12/aaaa 11:19:56

  • 142 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    O Lemonde.fr destaca-se pelas estratgias de aproximao com o

    pblico pela divulgao de seu produto atravs do envio de mensagens

    contendo partes do material, antecipando a veiculao do contedo

    acabado. Pela manh, so enviadas trs mensagens (Newsletters) de di-

    vulgao do material que ser disponibilizado na seqncia. A primeira,

    Check-list (Fig. 20), apresenta parte dos tpicos que vo compor a

    verso do Webjornal.

    A segunda mensagem, Que dit Le Monde (Fig. 21), no incio traz a

    frase: O jornal Le Monde, data de quarta-feira, 24 de outubro de 2007,

    no momento em processo de fechamento, desenvolve para seus leitores

    as informaes seguintes13. Por meio da afirmativa de que est enviando

    para o leitor amostras do material no ato do fechamento do jornal, con-

    firma-se a inteno de manuteno de vnculos estreitos com a instncia

    destinatria. A terceira, La 12:15 (Fig. 22), com a divulgao de algumas

    notcias de grande repercusso.

    O papel da crtica dos que j consumiram, no caso do Webjornal, pode

    ser associado ao espao para postar comentrios sobre uma matria.

    ali que est a crtica de algum que j consumiu o produto. Ademais,

    pode-se observar tambm as estratgias de criao de fruns de leitores,

    a partir de contedos do prprio Webjornal. Essa articulao dos leito-

    res no espao do Webjornal leva criao do que Bourreau e Gensollen

    (2004) definem como comunidades de experincia, termo decorrente

    das comunidades virtuais14.

    Segundo a lgica da formao de comunidades de experincia, por

    meio da postagem de comentrios acontece o enriquecimento das bases

    de dados. Para fins de entendimento, um texto jornalstico disponibili-

    zado na Web pode representar uma base de dados simples, ao passo que

    o texto original acrescido de comentrios pode representar a complexifi-

    cao, ou enriquecimento dos dados. Como ressalta OReilly (2005)16, um

    exemplo de ampliao da base de dados pela participao dos usurios o

    site Amazon.com. Desde seu lanamento, a empresa adotou uma poltica

    de enriquecimento da informao, assegurado pela postagem de comen-

    trios e crticas de seus clientes/usurios.

    O francs Lemonde.fr, no dia 27 de outubro de 2007, traz como uma das

    principais chamadas M. Sarkozy vante une France pionnire en cologie.

    Quando a matria acessada, ao lado direito apresenta um Box com possi-

    jornalismo.indb 142 6/12/aaaa 11:19:56

  • as possibilidades de produo a partir da caracterstica memria | 143

    bilidades de interao em nveis distintos. O leitor convidado a expressar

    sua opinio e verificar a de outros internautas (Fig. 23). A partir da mesma

    matria, possvel ainda participar de debates, por meio de vrios chats.

    Estas aes se constituem em importantes estratgias de articulao de co-

    munidades de experincia, pois permitido ao leitor expressar sua opinio,

    compartilhada com a comunidade de leitores. No geral, tanto a matria

    quanto o espao das opinies podem ser enviados por e-mail, fazendo que

    aquele produto tenha maior repercusso, conforme os pressupostos de

    uma organizao textual na perspectiva do paratexto.

    Em seu conjunto, essas so estratgias que propiciam ao indivduo

    experimentar um referido bem de experincia e visualizar o que est

    contido naquele espao. Essas tticas fazem parte da materialidade dis-

    cursiva e podem ser vistas como dispositivos de apelo (vern, 1985, p.

    211) e, como os ttulos e outros elementos do discurso impresso, podem

    operacionalizar as novas modalidades de aproximao com o leitor.

    Figura 20: Mensagem enviada pelo lemonde.fr, recebida em 23 de outubro de 2007, s 04h20min.

    jornalismo.indb 143 6/12/aaaa 11:19:56

  • 144 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    Figura 21: Mensagem enviada pelo lemonde.fr, recebida em 23/10/2007, s 05h54min.

    Figura 22: Mensagem enviada pelo lemonde.fr, recebida em 23/10/2007, s 08h11min.

    jornalismo.indb 144 6/12/aaaa 11:19:57

  • as possibilidades de produo a partir da caracterstica memria | 145

    No estudo de 2004, Bourreau e Gensollen (p. 2) tratam da importncia

    das comunidades de experincia nos sites de bens culturais16. Para situar

    a relevncia de aspectos como a marca, os autores usam duas definies

    para classificar um bem cultural: bem star cujas caractersticas so

    amplamente conhecidas pelos consumidores; bem no-star cuja

    qualidade incerta antes do consumo, princpio bsico de um bem de

    experincia. Os autores consideram trs tipos de sistemas: 1) o forneci-

    mento de amostras, 2) utilitrios de pesquisa e 3) sistema de opinies e

    crticas redigidas pelos consumidores.

    Considerando-se que os novos sistemas de venda na Web necessitam

    de um formato de divulgao diferenciado, em especial por lidar com

    bens de experincia, alguns distribuidores de bens culturais passam a

    disponibilizar sistemas sofisticados, no intuito de auxiliar os consumi-

    dores na seleo dos produtos. Borreau e Gensollen (2004, p. 2) apontam

    quatro tipos de ferramentas:

    as amostras musicais ou alguns extratos de um livro podem oferecer,

    antes da compra, informaes sobre a qualidade de um bem;

    as ferramentas de busca permitem encontrar um bem especfico a partir

    do ttulo ou do nome do autor etc.;

    Figura 23: Frum do lemonde.fr.

    1.

    2.

    jornalismo.indb 145 6/12/aaaa 11:19:57

  • 146 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    as ferramentas topolgicas esclarecem ao consumidores potenciais

    sobre as afinidades entre os bens (por exemplo, indicando que os que

    gostam de x, gostaro de y);

    enfim, as opinies e crticas escritas pelas comunidades de consumidores

    fornecem informaes complexas, ao mesmo tempo em termos de quali-

    dade e de localizao no espao dos gostos dos consumidores.

    A oferta dessas ferramentas, segundo Bourreau e Gensollen (2004,

    p. 3), se justifica, sobretudo, no caso de catlogos amplos como da Amazon,

    visto que nem todos os produtos so do tipo star (amplamente conhe-

    cidos). Para o usurio, essas ferramentas passam a compor o cenrio do

    ambiente de compra, uma vez que produtos do tipo no-star (desco-

    nhecidos) podem ser parcialmente acessados.

    A Internet e seus equivalentes internos, as intranets, so suscetveis de

    induzir novos mecanismos sociais e, ento, a partir das comunidades

    online que surgem, novas rotinas coletivas de percepo, de tratamento

    da informao e de ao. (gensollen, 2005, p. 11).

    Essas estratgias todas fazem parte de um novo dispositivo de enunciao,

    cuja preocupao no reside apenas na construo de um enunciado, mas

    tambm nas modalidades do dizer e de expor esse enunciado. Nesse contex-

    to, os bens de experincia estabelecem uma relao de maior proximidade

    tanto com o produto quanto com o prprio Webjornal, pela articulao de

    estratgias como a distribuio de extratos de texto, disponibilizao de

    chamadas em distintas plataformas, bem como a possibilidade de o leitor

    reenviar esse material, ou seja, se manifestando, desenvolvendo o contato.

    As comunidades de experincia assumem um papel capital para que

    um determinado Webjornal entre na ordem do dia. Numa lgica de con-

    corrncia entre sites de venda de produtos culturais, a troca de experi-

    ncia entre consumidores, inclusive annimos (bourreau; gensollen,

    2004, p. 21), pode agregar valor circulao daqueles produtos. Nesse

    mesmo sentido, pode-se vislumbrar a relevncia das comunidades de

    experincia em relao ao Webjornalismo. O texto jornalstico no per-

    manece esttico; a partir dele podem ser gestadas outras discusses, que

    se originam da possibilidade de o leitor postar sua opinio e, por sua vez,

    tambm receber adeso ou crticas.

    3.

    4.

    jornalismo.indb 146 6/12/aaaa 11:19:57

  • paratexto e comunidade de experincia: o lugar do leitor | 147

    PARATEXTO E COMuNIDADE DE EXPERINCIA: O LuGAR DO LEITOR

    A partir da concepo da fluidez dos produtos informacionais, possvel

    estabelecer uma articulao entre os conceitos de comunidade de expe-

    rincia e paratexto. Partindo-se do princpio de que ambos os conceitos

    prevem uma movimentao que orbita em torno de produtos culturais e

    que tal movimentao impulsionada pelo contedo da obra em questo,

    pode-se dizer que a ao do indivduo leitor/comentador crucial para a

    divulgao de tal produto.

    As possveis aproximaes entre os referidos conceitos podem ser

    exemplificadas a partir do lugar ocupado pelo indivduo em cada uma

    das posies, no paratexto e na comunidade de experincia.

    No paratexto: o indivduo, no geral, o prprio autor ou o responsvel

    pela casa editora. Quando, na esfera peritextual, a ao pode ser vista

    como de carter eminentemente oficial, pois resulta dos elementos for-

    mais que compem a obra, como formato, elementos grficos, ttulos e

    interttulos etc. O autor, nesse caso, est diretamente associado obra. No

    caso dele ser amplamente conhecido, seu nome na capa funciona como

    um selo indicador. Exemplo disso o selo indicativo do prmio Nobel

    de literatura que, associado ao autor, confere prestgio obra. Embora

    externo, impresso geralmente na capa, tal elemento passa a compor pa-

    ratextualmente a obra.

    Maior mobilidade pode ser observada na esfera epitextual. Alm

    do discurso oficial, portador da voz do autor, como nos elementos de

    divulgao, o epitexto tambm abre espao para discursos oficiosos,

    ou afastados do produto em questo, tendo-se em vista a idia de des-

    continuidade material em relao obra. (genette, 1987, p. 14-15). A

    mdia assume relevante papel para a materializao do peritexto. Embora

    prevendo uma ao por meio da qual a produo epitextual possa se des-

    colar do produto do qual se origina, a concepo tradicional do paratexto

    prev uma ligao direta entre um livro, por exemplo, e os elementos

    peritextuais e epitextuais.

    Essa uma realidade de tal forma importante que os elementos con-

    siderados epitextuais podem, numa reedio, passar a compor uma nova

    verso da obra. A est a importncia do autor para os elementos paratex-

    tuais. Parte da documentao ntima, como cartas e anotaes, pode ser

    selecionada para compor futuras edies. Alm dessa produo do autor,

    jornalismo.indb 147 6/12/aaaa 11:19:57

  • 148 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    outras, como crticas ou comentrios assinados por especialistas, tambm

    podem passar a compor uma obra.

    O indivduo, segundo o paratexto, aquele responsvel por um dis-

    curso oficial que pode ser considerado parte da prpria obra, como o autor,

    ou passar a se ligar obra, devido a uma importncia reconhecida que, na

    condio de especialista, acrescente um valor simblico ao produto. O

    exemplo clssico o prefcio, que traz para o texto a relevncia de quem

    o assina.

    Na comunidade de experincia: a noo de indivduo apresenta-se

    ampliada, pois no interessa apenas a produo oficial, originada a partir

    do autor ou de uma estrutura similar. Interessa tambm a opinio de quem

    consumiu o produto, que passa a colaborar com a divulgao do material

    em questo. Enquanto no paratexto a todo instante h uma solicitao

    da presena do autor, na estrutura das comunidades de experincia o

    contato com a obra pode ser visto como o argumento necessrio para a

    instaurao de uma comunidade virtual. A partir do autor ou de sua obra,

    so criados nveis de discusso que passam a integrar o campo mais amplo

    no qual se inserem tais elementos.

    O indivduo valorizado pela experincia obtida. Ao partilhar sua

    impresso, o leitor comum tem a chance de participar de uma obra, sem

    necessariamente fazer parte de sua estrutura, segundo os moldes formais,

    como no paratexto. A liberdade assegurada ao leitor resulta de um novo

    estatuto que preconiza a liberdade do texto na Web, que permite a uma

    obra (compreendendo qualquer formato) ter sua existncia ramificada

    por vrios segmentos.

    A exemplo da crtica dos que leram um livro, um bem cultural se d

    a conhecer a partir do ponto de vista de um consumidor comum, e no

    apenas de especialistas, como tradicionalmente acontece. Na tradio do

    paratexto, em especial o peritexto, est prevista a unicidade da obra em

    sua materialidade. Ttulos e interttulos esto ligados por um fio condutor

    que assegura o sentido de completude.

    A partir da concepo de comunidade de experincia o sentido de obra

    ampliado, tendo-se em vista que a noo de paratexto flexibilizada. A

    idia de ligao entre os elementos que compem um produto ressig-

    nificada com as possibilidades abertas pela linkagem e interlinkagem. Na

    Web, o lugar dos elementos textuais passa por modificaes, visto que,

    jornalismo.indb 148 6/12/aaaa 11:19:57

  • paratexto e comunidade de experincia: o lugar do leitor | 149

    por meio da incluso de links, as partes que compem o paratexto podem

    estar numa mesma pgina, em continuidade direta obra, ou situada em

    pginas externas. Em detrimento da relao espacial que caracteriza o

    distanciamento segundo a tradio dos impressos, j no interessa onde

    o material est, visto que por meio de links o trnsito de uma rea a outra

    pode se restringir a alguns cliks.

    Com a mudana de suporte, o estudo dos elementos paratextuais

    requer uma avaliao que avalie duas frentes, aqui definidas como: o

    paratexto transplantado, considerando-se os elementos que migraram

    da tradio do impresso e o paratexto novo, originado pela fuso com

    as potencialidades da rede17. O paratexto transplantado diz respeito

    passagem de caractersticas de elementos da tradio do impresso para

    o ambiente digital. A simples passagem no abre espao para a inovao,

    uma vez que os elementos permanecem estticos, como a importn-

    cia do autor, da tradio de uma editora (pensando-se na divulgao de

    obras, por exemplo), ou de um Webjornal, que continua a partir do his-

    trico de um veculo impresso. A nfase est nos elementos peritextuais,

    decorrentes da ao oficial de um enunciador autorizado a se pronunciar

    em nome da obra.

    Por sua vez, o paratexto novo abre uma frente que permite a inovao

    ou a renovao do conceito de paratexto. Ao lado ou em decorrncia dos

    elementos que marcam a voz oficial, organizam-se outras vozes que,

    autorizadas ou no, se pronunciam acerca de produtos culturais. No

    contexto do Webjornalismo, o espao aberto participao permite ao

    leitor se manifestar, funcionando como um esgaramento do conceito

    de paratexto, que se amplia na perspectiva do epitexto, visto que os ele-

    mentos que se somam ao texto oficial so marcadamente distanciados.

    O distanciamento resultado da procedncia da colaborao, uma vez

    que o elo gerado a partir do produto e, numa produo que pode ser

    classificada como secundria, resulta do olhar do leitor.

    Como ressaltam Palacios e Mielniczuck (2001, p. 08), com base em

    Gouaz (1999), desde antigas formas de escrita e disponibilizao de

    contedos, passando pela tradio dos livros e do jornal impresso, pos-

    svel observar um crescente aumento da fragmentao ou pulverizao

    das obras. A fragmentao da realidade apresentada numa plataforma

    como a Web potencializa esse espraiamento. No h uma diminuio ou

    jornalismo.indb 149 6/12/aaaa 11:19:58

  • 150 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    desaparecimento do texto, no sentido tradicional, mas pode ser cons-

    tatado um alargamento da obra, que passa a ser composta tambm dos

    elementos paratextuais.

    no interior de comunidades de experincia que tais mudanas

    podem ser observadas. A produo de contedos, a partir de um deter-

    minado produto cultural, resulta da interao entre indivduos, o que

    colabora para que o permetro de tal produto seja ampliado, em virtude

    das trocas de informaes geradas. J no compete apenas instncia de

    produo determinar, ou tentar orientar, um tipo de abordagem a um

    produto. Passa a ser determinante a impresso do leitor/consumidor, o

    que abre novas possibilidades para que a instncia de reconhecimen-

    to se posicione. Tal posicionamento no mais apenas o resultado de

    pesquisas orientadas pela instncia de produo (como pesquisas de

    opinio, grupos focais etc), mas marcado pelas escolhas dos indivduos

    e partilhada com outros interessados.

    Essa nova relao do leitor com o produto informacional s possvel

    graas dinmica das novas mdias, cuja base, a partir do processo de di-

    gitalizao, est numa interface inteiramente inovadora. Para Manovich

    (2005), essa a principal caracterstica das novas mdias, pois os dados

    digitais podem ser manipulados mais facilmente, tendo no processo de

    automao seu elemento basilar.

    As novas mdias reduzem-se a dados digitais que podem ser manipula-

    dos por software como quaisquer outros dados. Isso permite automatizar

    muitas das operaes das mdias, gerar mltiplas verses do mesmo

    objeto, etc. (manovich, 2005, p. 29).

    A automatizao pode ser vista nas sees criadas para disponibilizar

    tpicos ou contedos gerados a partir da interao dos leitores com os

    produtos dispostos na rede, como ressalta Barbosa (2007, p. 224). Elpais.

    com disponibiliza Lo ms visto. Folhaonline.com apresenta as sees

    +lidas, +curiosas +enviadas. Estadao.com apresenta Mais vistas.

    No geral, ao final da matria, os sites oferecem as notcias relaciona-

    das ao fato abordado. O Estadao.com disponibiliza o campo de tags (Fig.

    24), que o conjunto de todos os registros acerca de uma notcia, como

    explicado no site18 (Fig. 25).

    jornalismo.indb 150 6/12/aaaa 11:19:58

  • paratexto e comunidade de experincia: o lugar do leitor | 151

    Figura 24: Tags relacionados ao tema cpmf, apareceram 234 no dia 13/10/2007.

    Figura 25: Definio do campo Tags do Glossrio do www.estadao.com.br.

    jornalismo.indb 151 6/12/aaaa 11:19:58

  • 152 | webjornalismo: as fases de implantao e a renovao do fazer jornalstico

    Pensar a comunicao, em especial o Webjornalismo, requer um em-

    penho para se observar um reordenamento dos papis das instncias de

    produo e recepo/consumo. Sob o ponto de vista da produo, a cria-

    o de verses de um mesmo contedo ilustra a passagem para um novo

    momento do processo da comunicao. Inicialmente, h uma mudana

    da idia de pblico massivo, o que ilustrado pela quebra do produto

    nico que, na condio de produto digital, pode ser adaptado para aten-

    der a demandas individuais, ou, pelo menos, de grupos menores.

    No tocante esfera destinatria, esse processo de automao confere

    maior implicao do consumidor, que j no um mero receptor, visto

    que colabora com o processo de feitura da narrativa. Num segundo mo-

    mento, esse mesmo pblico, segmentado, passa a ser fundamental no

    processo de difuso do contedo, colaborando decisivamente para ampliar

    a comunidade de experincia e divulgar um determinado produto.

    O conceito de paratexto permite compreender a organizao discursiva

    que se instaura em torno de um produto, atualizado e colocado na ordem

    do dia. A partir das possibilidades da Web, os elementos paratextuais so

    ampliados e ganham um novo significado, pois a interao com o produto

    propicia aos leitores a capacidade de estabelecer vnculos com outros lei-

    tores. A criao de comunidades de experincia permite o estreitamento

    de vnculos entre a comunidade de leitores e a instncia enunciadora.

    jornalismo.indb 152 6/12/aaaa 11:19:58

  • Entre

    inova

    es

    tecno

    lgica

    s e co

    ntratu

    ais

    E onde que

    se juntam

    O passado, o

    futuro e o pr

    esente

    Onde o samb

    a permane

    nte

    Na mangueir

    a minha gent

    e

    Os meninos

    da Mangueir

    a Tom Jobi

    m

    jornalismo.indb 153 6/12/aaaa 11:19:58