303
7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sígnicas - Uma Reflexão Sobre as Artes Visuais Contemporâneas http://slidepdf.com/reader/full/wanner-maria-celeste-de-almeida-paisagens-signicas-uma-reflexao-sobre 1/303 SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros WANNER, MCA. Paisagens sígnicas: uma reflexão sobre as artes visuais contemporâneas  [online]. Salvador: EDUFBA, 2010. 302 p. ISBN 978-85-232-0672-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org >. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Paisagens sígnicas: uma reflexão sobre as artes visuais contemporâneas Maria Celeste de Almeida Wanner

WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sígnicas - Uma Reflexão Sobre as Artes Visuais Contemporâneas

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    1/303

    SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

    WANNER, MCA. Paisagens sgnicas: uma reflexo sobre as artes visuais contemporneas[online].

    Salvador: EDUFBA, 2010. 302 p. ISBN 978-85-232-0672-7. Available from SciELO Books.

    All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non

    Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

    Todo o contedo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio -Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.

    Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia Creative Commons

    Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

    Paisagens sgnicas:uma reflexo sobre as artes visuais contemporneas

    Maria Celeste de Almeida Wanner

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    2/303

    Paisagens Sgnicas:Uma reflexo sobre as artes visuais contemporneas

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    3/303

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    Reitor

    Naomar Monteiro de Almeida FilhoVice Reitor

    Francisco Jos Gomes Mesquita

    EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    Diretora

    Flvia Goullart Mota Garcia Rosa

    CONSELHO EDITORIAL

    Titulares

    ngelo Szaniecki Perret Serpa

    Caiuby Alves da Costa

    Charbel Nin El-Hani

    Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti

    Jos Teixeira Cavalcante Filho

    Alberto Brum Novaes

    Suplentes

    Antnio Fernando Guerreiro de Freitas

    Evelina de Carvalho S Hoisel

    Cleise Furtado Mendes

    Maria Vidal de Negreiros Camargo

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    4/303

    Salvador2010

    Paisagens Sgnicas:Uma reflexo sobre as artes visuais contemporneas

    Maria Celeste de Almeida Wanner

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    5/303

    2010 by Maria Celeste de Almeida WannerDireitos para esta edio cedidos Editora da Universidade Federal da Bahia.

    Feito o depsito legal.

    PROJETO GRFICO E DIAGRAMAOGenilson Lima Santos

    CAPAMaria Celeste de Almeida Wanner

    REVISO DE TEXTO E NORMALIZAOCida Ferraz

    EDUFBA Rua Baro de Jeremoabo, s/n Campus de Ondina,

    Salvador Bahia CEP 40170 115 Tel/fax 71 3283 6164

    www.edufba.ufba.br [email protected]

    Editora filiada :

    Wanner, Maria Celeste de Almeida.Paisagens sgnicas : uma reflexo sobre as artes visuais contemporneas / Maria

    Celeste de Almeida Wanner. - Salvador : EDUFBA, 2010.302 p.

    ISBN 978-85-232-0672-7

    1. Paisagem na arte. 2. Arte moderna. 3. Natureza (Esttica). 4. Semitica.5. Sinais e smbolos. I. Ttulo.

    CDD - 704.9436

    Sistema de Bibliotecas - UFBA

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    6/303

    A meus Pais e Dinda,

    amor recproco e incondicional.A meu neto Joaquim,

    milagre da vida,onde tudo recomea,

    segundo Novalis,amor feito visvel.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    7/303

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    8/303

    AGRADECIMENTOS

    minha supervisora Prof Dr Lucia Santaella, exemplo de elegnciaprofissional, vitalidade e disposio intelectual contagiante, sempre atentaaos assuntos mais novos e familiaridade com os mais clssicos. Constantecompanheira, desde os primeiros momentos do projeto. Lucia, aqui ex-presso minha maior e eterna gratido, sempre!

    Ao Prof. Dr. Ivo Assad Ibri, pelo papel fundamental que desempenhou noimpulso minha pesquisa, com entusiasmo ao repassar seus conhecimentossobre a filosofia de Charles Sanders Peirce e a filosofia da natureza.

    Presto meus sinceros agradecimentos ao Conselho Nacional deDesenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), pelo continuadoapoio minha formao acadmica e de pesquisa, desta vez como bolsista

    Ps-Doutorado Snior (PDS), 2007-2008.

    Fundao de Apoio Pesquisa do Estado da Bahia (Fabesp), pelopatrocnio deste livro.

    Ao Programa de Estudos Ps-Graduados de Comunicao e Semiticada Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC/SP), por ter me

    acolhido em um espao de pesquisa acadmica, o que para mim foi umgrande privilgio.

    A todos os colegas e amigos do Grupo de Pesquisa sobre Pragmatismo(PUC/So Paulo/CNPq), representados na pessoa de Tiago da Costa eSilva, pelo prazer em trabalharmos juntos.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    9/303

    Especiais agradecimentos:

    Prof Dr Ceclia Salles (PUC/SP) e ao Prof. Dr. Vincent Colapietro,research professor of Philosophy at Penn State University, EUA, presidentedo Peirce Edition Project, pelas valiosas discusses.

    s professoras Diana Seplveda Tourinho, Flvia Garcia Rosa e toda aequipe da Editora da Universidade Federal da Bahia (Edufba), por teremacolhido meu trabalho, com profissionalismo e excelncia. A Cida Ferraz,pela impecvel reviso final, fruto de seu entusiasmo pelas artes e letras.

    bibliotecria da Escola de Belas Artes da Universidade Federal daBahia (EBA/Ufba), Leda Maria Ramos Costa, pela primeira normalizaobibliogrfica.

    Aos colegas do Grupo de Pesquisa Arte Hbrida (Ufba/CNPq), e a todosos queridos alunos e ex-alunos (graduao e ps-graduao), aqui repre-sentados por Eriel Arajo, Bia Santos, Tonico Portela e Virgnia Medeiros,pela demonstrao de carinho, alegria, sobretudo por suas inquietaesque me levaram constante pesquisa sobre a Arte.

    Aos amigos de sempre, incentivadores neste projeto: Maerbal Marinho,Cleomar Rocha, Maria Vidal, Clia Maria Barreto Gomes e FernandoFreitas Pinto e Eduardo Baioni.

    aIannis Mastronikolis, por ter trazido tona uma das maislindas lembranas que guardo at hoje da minha infncia, a cultura grega.

    A Marta Gmeiner e Clara Wanner.

    A meu querido irmo Miguel. Aos meus amados filhos Julia e Joaquim.

    A meus pais, exemplos de coragem, amor, determinao e respeito incon-dicional pelas diferenas do outro.

    Maria Celeste de Almeida Wanner

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    10/303

    CORRESPONDNCIAS

    A natureza um templo onde vivos pilaresDeixam filtrar no raro inslitos enredos;

    O homem o cruza em meio a um bosque de segredosQue ali o espreitam com seus olhos familiares.

    Como ecos longos que distncia se matizamNuma vertiginosa e lgubre unidade,

    To vasta quanto a noite e quanto a claridade,Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.

    H aromas frescos como a carne dos infantes,

    Doces como o obo, verdes como a campina,E outros, j dissolutos, ricos e triunfantes,

    Com a fluidez daquilo que jamais termina,Como o almscar, o incenso e as resinas do Oriente,

    Que a glria exaltam dos sentidos e da mente.

    Charles Baudelaire

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    11/303

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    12/303

    SUMRIO

    PREFCIO:

    A tica de curiosidade, Lucia Santaella

    UM ENCONTRO COM O ADMIRVEL

    UMA REFLEXO SOBRE A FILOSOFIA DE C. S. PEIRCE Fenomenologia 28Esttica 32

    tica 35Lgica ou Semitica 36Signo 38Objeto 41cone, ndice e Smbolo 43Metafsica 44Pragmatismo e Semiose 44Charles Sanders Peirce: uma possvel Filosofia da Natureza 47

    REPRESENTAO

    Natureza 61Paisagem Landscape 66Natureza da Arte: Martin Heidegger 74Espao Tempo Lugar 83

    NDICES DE CONTEMPORANEIDADE NAS ARTES VISUAIS Assinatura do Modernismo: primeiro conceito de Vanguarda 95

    O advento da Fotografia e sua relao com a Pintura 99A crise da Pintura Vincent van Gogh 102A Fotografia e seu processo de elevao categoria Arte 109Alfred Stieglitz 112

    Edward Weston 114Ansel Adams 114

    Perodo Modernista 116Alegoria, Colagem e Fotomontagem 120Arte no barulho de um motor 121

    Construtivismo 126A travessia do Atlntico: Europa e Amrica 129

    Jackson Pollock: quadro ao 134Paisagem dos Signos Paisagem das Mdias 141

    Arte Cintica: o espao na obra de Calder 148

    .

    .

    .

    .

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    13/303

    REPENSANDO A REPRESENTAO Do Moderno ao Contemporneo 156

    Desconstruo 158

    Isto no um cachimboe Canyon 164Isto real ou arte? 168Por que alguma coisa arte enquanto outra no ? 171Depois do fim da Arte: Arthur C. Danto 172

    Apropriao e outros conceitos 177Multiculturalismo 186Paradigma da Matria 193

    A Crise do Espao nas Artes Plsticas 196Escultura 196Temporalidade e Durao da Experincia 200Earth Art 204Instalao 207

    PERODO PLURALISTA: REMEMORAO Por que Richard Serra? 212Do Artesanato Arte 217O Corpo est em Cena 219Tecidos, Roupas e Bronze 222

    Kiki Smith 223Louise Bourgeois 226

    A IMAGEM REVISADA Fotografia: Espelho e Janela 232

    Apropriao na Fotografia 235A Fotografia depois da Fotografia 240

    Andreas Gursky 244Spencer Tunick 246

    Atta Kim 247Misha Gordin 248

    A humanizao da mquina e o pensamento oriental 250

    O RETORNO NATUREZA E AO SUBLIME

    Agnes Denes: Campos de Trigo uma confrontao 257Campos de Girassis:Anselm Kiefer e Vincent van Gogh 262Anselm Kiefer e Van Gogh no Sul da Frana 269

    REFERNCIAS

    .

    .

    .

    .

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    14/303

    PREFCIOA tica de curiosidade

    Vivemos em um mundo hipercomplexo: na economia, poltica e, sobretudo,na cultura. Um mundo que repele julgamentos peremptrios e a seguranadas certezas. Zigmund Bauman ficou famoso ao chamar e caracterizaresse mundo com o adjetivo lquido: modernidade lquida, vida lquida,amor lquido, medo lquido. Que o amor seja lquido, no espanta. Mas

    se at o medo se tornou lquido, o que sobra de slido? Em outra ocasio(Linguagens lquidas na era da mobilidade,2007, p. 131-136), para responder pergunta em que cultura vivemos, esbocei algumas de suas propriedades:nossa cultura global e glocal, hbrida e cbrida, conectada, ubqua enmade, lquida, fluida, voltil. , em suma, uma cultura mutante.

    Como poderia a arte, que sempre foi, e ser, sinalizadora, farol eantena dos movimentos, da vida e das pulsaes da cultura, estar foradessas mutaes? Jamais. Ao contrrio, palpita por todos os cantos e

    esquinas, centros e bordas da cultura. Se quisermos saber para onde so-pram os ventos vivos da cultura, preciso se acercar da arte, por maiscomplexa que ela nos parea, como, de fato, est, no s complexa, mashipercomplexa.

    H arte dos artefatos, dos objetos, da matria, dos stios especficos,da terra e do p.

    H arte do cu e do espao.

    H arte dos no-objetos, dos imateriais, da luz e da brisa.H arte da construo e da desconstruo, da representao e daanti-representao, da anti-arte e do alm da arte.

    H arte do espetacular e do escondido, do barulho e da discrio.H arte do gesto que fica e do gesto que desvanece, da ao e do

    silncio.H arte do objeto nico, do distributvel, do reprodutvel, do transmis-

    svel e da ubiquidade.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    15/303

    Paisagens Sgnicas

    H arte pr-mdia, miditica e ps-mdia. Pr-fotogrfica, fotogrficae ps-fotogrfica.

    H arte contemplativa, reativa, participativa, interativa, colaborativa.Enfim, a arte hoje transborda todos os limites. Incategorizvel. Noexiste quem possa erguer a tbua de critrios vlidos contra os invlidospara o fazer da arte. Partir para a denncia do vale-tudo tambm nonos leva longe. Pior ainda, pode nos cegar para sementes que brotam emterrenos inesperados.

    Diante da desmesurada densidade das diferenas, cumpre colocarem prtica a tica da curiosidade. No para cultivar a esperana de que

    possamos abraar o mapa variegado do todo, mas para que, libertos decrenas e valores fixos, possamos traar trilhas, estabelecer recortes, sem-pre contingentes, pois a tica da curiosidade impe-se contra seus grandesinimigos: a preguia e a inrcia das verdades prontas.

    Se h um atributo que poderia dar conta da apresentao desta obrade Celeste Almeida, a meu ver, este se encontra na maneira como aautora pratica a tica da curiosidade. No se trata, evidentemente, de umacuriosidade sem rumo, mas sim ancorada em anos de experincia como

    artista e como professora. Plagiando Pound, poderamos dizer: se quisersaber alguma coisa sobre arte, pergunte a um(a) artista. Em especial aum(a) artista compromissado(a) com a transmisso do fazer e do sabersobre a arte. Neste livro, atividade da artista e da mestra adiciona-se ada pesquisadora.

    Seu objeto lhe era caro: a relevncia da matria nas artes atuais.O tema lhe era claro: as transfiguraes estticas da natureza e da paisa-

    gem. Para acercar-se deles, era preciso traar os lugares da arte no ltimosculo, tarefa enredada que s podia ser cumprida com a sonda de umacuriosidade multidirecional, capaz de captar sinais ontolgicos, epistemo-lgicos, semiticos e estticos. As paisagens da arte se constroem da artee na arte. Ao fim e ao cabo, so paisagens sgnicas.

    A histria da arte, especialmente do final do sculo XIX para c, noconhece linhas retas. feita de ecos, reverberaes, rememoraes, tradu-es, confrontos, projees, reflexos e refraes. Esse traado multiforme,

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    16/303

    A tica de curiosidade

    pontilhado de reflexes apoiadas em autores selecionados, fios que apa-recem, desaparecem e reaparecem, o que o leitor ter oportunidade de

    encontrar nesta obra. Um recorte prprio e um traado personalizado nadensa e inesgotvel floresta de signos da arte contempornea.

    Lucia SantaellaSo Paulo, dezembro de 2009

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    17/303

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    18/303

    UM ENCONTRO COM O ADMIRVEL

    Paisagens Sgnicas: uma reflexo sobre as artes visuais contemporneasfruto de pesquisa desenvolvida nos ltimos 17 anos e aprofundada durante

    o Ps-Doutorado em Semitica e Artes Visuais Contemporneas, naUniversidade Pontifcia Catlica de So Paulo (PUC/SP), como bolsistasnior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico(CNPq), sob a superviso da Profa. Dra. Lucia Santaella.1O desejo detransformar em livro o extenso material j existente sobre a importnciada matria e do espao nas artes visuais contemporneas foi acolhido e

    1 Trata-se, portanto, de um desdobramento do projeto Antena e Raiz, que, voluntariamente, ou seja,no exigido pelos rgos superiores (CNPq e PUC/SP), foi alm do relatrio final.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    19/303

    Paisagens Sgnicas

    incentivado por Lucia Santaella e ento revisitado luz da filosofia deCharles Sanders Peirce.

    O que aqui denominamos de arte contempornea um conjunto desistemas visuais que se desenvolveu a partir do final do sculo XIX, atravsdo processo de desconstruo dos meios tradicionais de representao(pintura e escultura) que incluem materiais e espaos considerados lgicosnas artes plsticas , em decorrncia do advento da fotografia. Esse marcoencontra ressonncia no mbito da sociedade pr-moderna do final dosculo XIX, fundando correspondncias entre as novas maneiras de repre-sentao sgnica, com destaque para a estreita relao, ento estabelecida,

    entre o homem e a natureza e uma determinada viso de mundo.Com o surgimento da imagem fixa, parece que todos os esforos

    contriburam para levar adiante discusses acaloradas sobre a funoda arte e, respectivamente, do artista. A partir deste marco histrico, aimagem, que at ento buscava os meios tcnicos de captao, revelaoe fixao em suportes sensveis, no poupou intensivas aes para, maistarde, se elevar categoria de arte. Se olharmos retroativamente paraesse perodo, vamos verificar um expressivo desenvolvimento dessa lin-

    guagem visual de fixa a movimento atravs do cinema, da televisoe do vdeo, o que mais tarde vai contribuir acentuadamente para um dosmaiores saltos do sculo XX, a introduo de equipamentos digitais, dealta tecnologia, nas artes visuais.

    Como elucida Santaella (2007), as linguagens transformaram-se defixas a lquidas e escorrem sem que haja quaisquer hierarquias de espaoe tempo. Nesse sentido, no de se estranhar o entrelaamento dessa

    ocorrncia nas artes visuais e a comunicao cada vez mais estreita entreas artes e toda essa nova concepo de mundo fragmentado. E no toaque a enunciao da morte da pintura e da arte tenha sido, de certa forma,constante, durante todo o sculo XX. Junto s vanguardas modernistas,outras prticas visuais, inquietas, representavam um mundo dividido entreo progresso industrial, a cincia e as guerras, onde a arte se apresentacomo um fruto desse contexto. Assim, quando falamos de perodos, comomodernidade, contemporaneidade etc., devemos antes de tudo entender

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    20/303

    Um encontro com o admirvel

    como a arte se move em um mundo constantemente em transformao,como esse, o que traz alguns questionamentos, sendo o principal deles:

    seu lugarnesse cenrio.Antes de avanarmos, porm, creio que, inicialmente, seja oportunodescrever sucintamente como se deu esse desenvolvimento, dando algumdestaque aos antecedentes, pois se, por um lado, a imagem passou a habitarquaisquer tipos de espaos, contribuindo para uma sociedade global, ondea comunicao pode ser feita em tempo real, e sem fronteiras, em quasetodos os cantos do planeta, por outro lado, h de se destacar que esseprocesso tecnolgico no interrompe a atrao dos artistas pela matria

    e certos elementos, carregados de significados simples o artesanal, ofazer, a presena da mo, o gesto, o homem e seu entorno , onde orural e o urbano se encontram. Vejamos como Roland Barthes (1979, p. 11),aborda esse assunto:

    Os materiais so a matria-prima, como para os alquimistas.A matria-prima o que existe anteriormente diviso operadapelo sentido: um paradoxo enorme, porque, na ordem humana, nada

    chega ao homem que no seja imediatamente acompanhado deum sentido, o sentido que os outros homens lhe deram, e assimsucessivamente, em um infinito regresso. (traduo nossa)

    Tendo a matriacomo fio condutor, esta pesquisa se desenvolveu nombito desse entendimento. Partimos do princpio de que esse termoabrange todos os possveis suportes sensveis da concretizao da ideia

    do artista, visto que as artes visuais do forma a sentimentos e ideias.A palavra formaneste contexto significa possibilitar, um meio para seapresentar, que vai desde os materiais considerados artsticos, passandopor quaisquer outros elementos, objetos construdos artesanalmente ouapropriados imagem, variando em suas caractersticas, que se entrelaama conceitos e estratgias, como apropriao, auto e/ou biografia do artista,desconstruo, desmaterializao, feminismo, hibridizao, multiculturalis-

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    21/303

    Paisagens Sgnicas

    mo, pluralismo etc., deixando sempre o registro do pensamento humanode uma poca e de sua cultura identitria.

    Assim, para entender melhor esse processo, foi necessrio aprofundarconhecimentos na rea da semitica. Ao iniciarmos este estudo, logoverificamos a impossibilidade de desmembrar as cincias que fazem parteda arquitetura filosfica de Charles Sanders Peirce. Impossvel tambmno se encantar com as suas sutilezas, da fenomenologia ao pragmatismo,passando pela esttica, a tica, a lgica ou semitica e a metafsica. Todavia,era necessrio aplicar estas teorias ao nosso objeto de pesquisa. Mais umavez entendemos que, no sendo a semitica um mtodo, nem as outras

    cincias mencionadas, essa interao (substituindo a palavra aplicar) teriade ser estabelecida atravs da essncia do pensamento peirciano, que, noobstante ser filosfico, , sobretudo, lgico.

    Um dos elementos propulsores dessa interao deu-se de formaespontnea e progressiva, ou seja, ao passo em que se avanava no co-nhecimento da filosofia peirciana como um todo, o entendimento sobrea matria,como parte da obra em si, foi se desfazendo. Logo a separaoentre materiais, espao, tempo, representao, real etc. descortinou-se

    como um processo semitico, prprio do conceito peirciano de signo,como algo que cresce, gera novos signos, novos conhecimentos, e rompecom limites e dicotomias, tais como corpo versusmente. Ao pensar emqualquer parte constituinte da obra, todos os componentes de sua estrutura,desde os primeiros insightsao objeto finalizado, so indissociveis.

    Portanto, o carter fundamental desta pesquisa relaciona-se ao en-contro com a filosofia de Charles Sanders Peirce, durante o processo de

    investigao, indo muito mais alm de um simples entendimento dos signos.Esta perspectiva nos oferece uma nova viso de mundo, das coisas ao nossoredor, do nosso comportamento frente ao outro, atravs de conceitoscontemporneos hoje aplicados em todas as reas do conhecimento hu-mano. Sendo um pensamento lgico, sem psicologismos nem subjetividade,podemos entender a arte a partir de suas prprias caractersticas, ou seja,a partir da classificao de um signo icnico, daquilo que primo, livre, eque retorna sempre a si mesmo.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    22/303

    Um encontro com o admirvel

    Alm da semitica, o conceito peirciano de esttica, como sendo oque admirvel, tambm afasta as discusses subjetivas sobre o que e

    o que no belo. Ao sabor dessas teorias, podemos ver a arte como umjogo semitico e esttico, um ir e vir, uma necessidade de conhecer o quenos aparece, e a flexibilidade de pensar, que desperta um encantamento,pela possibilidade de entender o processo de crescimento do signo. E pormeio de seu conceito de hbito, Peirce nos leva a reconhecer um dos maisdifceis e ao mesmo tempo o mais nobre de todos: o hbito esttico.

    Segundo Santaella (2000a, p. 189), na metafsica de Peirce:

    Ele viria a ligar a razo com o agapismo, a lei do amor evolutivo.O amor como o sentimento que d ocasio para a razo se cor-porificar. assim que um cientista se apaixona por uma idia, umatenra idia, ainda sem fora, que ele passa a cultivar, a cuidar delacomo cuidamos de flores, sem nenhuma outra expectativa a noser a de que elas nos respondam com vida.

    A partir desse encontro com a filosofia de Peirce, percorremos os

    ndices de contemporaneidade nas artes visuais com um olhar mais agu-ado, com paradas substanciais, e o que antes era apenas uma questo dematria, tornou-se espao, tempo, corpo, natureza; ns e ao mesmo tempoo outro em ns. A cidade, os lugares, nada se exclui, tudo se constitui emum processo contnuo de multiplicao.

    Essa viso nos levou a reflexes sobre o lugarda arte na contemporanei-dade, e novas fontes emergiram ao longo desse processo. Nesse percurso,

    em busca de ndices de contemporaneidade, identificamos a representaocomo um dos principais conceitos da arte: o prprio signo.A partir de ento, foi se delineando um panorama que se inicia com a

    crise da representao na pintura, no final do sculo XIX, o que coincidecom a paisagem (landscape), passando, posteriormente, para outros cam-pos epistemolgicos, como espaos sgnicos ampliando-se no seu sentidoepistemolgico, ontolgico, terico, formal, esttico e potico.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    23/303

    Paisagens Sgnicas

    Nos meandros desse trajeto, vislumbramos o corpus investigativoconceitual, o que nos fez perseguir o caminho apontado pela bibliografia

    pesquisada. Com o objetivo de verificar os diversos meios mais repre-sentativos das prticas visuais, percorremos os conceitos e teorias atravsde obras de artistas que marcaram essa poca, e que, coincidentemente,apontavam para o tema natureza, paisagem. Quanto s questes sobre olugar da arte, do final do sculo XIX at o incio deste milnio, deparamo-nos com espaos labirnticos e sgnicos, os quais foram divididos em trsmomentos (paradigmticos), a saber:

    A crise da representao (final do sculo XIX), provocada1.

    pelo advento da fotografia; o Abstracionismo e as vanguardasmodernistas;A desmaterializao do objeto arte (final da dcada de 1960), mais2.especificamente a desconstruo da representao;E por ltimo, o perodo pluralista (final do sculo XX at a nossa atua-3.lidade) com o retorno da pintura e das tcnicas ditas tradicionais (escul-tura, desenho, fotografia), o que denominamos de rememorao.

    Atravs desses momentos, foi possvel delinear um contexto que estreiacom a crise da representao, ilustrada nas ltimas pinturas de Vincentvan Gogh Campos de trigo com corvos;a desconstruo do objeto arte,a partir do final dos anos 1960, exemplificada na obra de Agnes DenesCampos de Trigo uma confrontao,pela qual possvel refletir sobre arepresentao dos Campos de trigo com corvosde Van Gogh e um campode trigo real; e, por ltimo, conclumos a pesquisa dando um destaque

    especial homenagem visual que o artista alemo Anselm Kiefer presta aVincent van Gogh, atravs de Campos de Girassis,o que denominamosde rememorao.

    Um olhar retroativo aos principais ndices que marcaram a virada dosculo XIX para o sculo XX, depois de mais de um sculo em buscade materiais e suportes diversos para expressar as ideias dos artistas, osculo XXI surge como um perodo sem crise. Um perodo, denominadopor Danto (1998), de ps-histrico ou pluralista, ou seja, um perodo em

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    24/303

    Um encontro com o admirvel

    que o artista pode fazer tudo pintura, escultura, desenho, gravurae fotografia com seus meios e materiais tradicionais, juntamente a

    quaisquer prticas visuais.E a natureza? Foi atravs de Peirce que chegamos filosofia da natu-reza,de Schelling (2001a), ao conceito de admirvel, que remonta aospensadores pr-socrticos, e pode ser notadamente visto a partir dos anos1960, na Earth Art, at os dias atuais. Mas esse retorno o que AndrewBenjamin (1991), denomina de lgica do again and anew, e, para melhorexplicarmos esse termo, dedicamos um espao para defini-lo melhor, vistoque ele nos levou ao encontro do termo rememorao.

    De acordo com Donald Kuspit(1993, p. 143), se a arte tentou imitara natureza, depois de mais de um sculo, a natureza tornou-se um efeitoartstico, uma fico alcanada apenas atravs da manipulao de certognero de representao. O natural no mais algo que nos dado incon-dicionalmente, como ponto de partida para informar quaisquer abstraesdele, mas, ao contrrio, um fim para o qual algum tem que regressar, sema certeza de que ser possvel alcan-lo. A natureza no mais um critrioautenticador da arte, mas um efeito desejado e inesperado, e talvez a

    nica esperana para uma autoinovao num mundo onde o ser tornou-seabstrato e dispensvel. Essa dimenso define as novas maneiras de ver econceber um mundo at ento representado como se fosse o real.

    Devido complexidade da arte e da sua construo, que possui inter-faces com diversas reas do conhecimento, seria impossvel abordar todosos aspectos que envolvem esse processo. Pelo fato de no ser historiadoranem crtica de arte, mas pesquisadora dos meios pelos quais a arte con-

    tempornea vem sendo construda, a histria e a teoria da arte, bem comoa filosofia e a esttica so estudadas com propsitos especficos.Cabe, portanto, ressaltar que as informaes contidas neste livro no

    possuem nenhum intento de aprofundamento vertical das reas acimamencionadas, mas, sobretudo, realizar um estudo, em alicerces transdisci-plinares, e cujo eixo central est na semitica da natureza da arte, ou seja:como as ideias dos artistas so (i)materializadas.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    25/303

    Paisagens Sgnicas

    Dado o argumento, espero que este livro possa contribuir de uma formaefetiva para reflexes sobre a arte, reflexes que permitam caminhar pela

    histria da humanidade, sempre e cada vez com um novo olhar, ou comoa prpria etimologia da palavra filosofia na Grcia antiga nos indica: poramor ao saber.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    26/303

    UMA REFLEXO SOBRE A FILOSOFIADE C. S. PEIRCE

    O real aquilo que no o que eventualmente dele pen-samos, mas que permanece no afetado pelo que delepossamos pensar.Charles S. Pierce, Collected Papers1(8.12)2

    Charles Sanders Peirce (1839-1914), cientista, matemtico, historiador, fi-lsofo e lgico, graduou-se com louvor pela Universidade de Harvard em

    1 Collected Papersso manuscritos de estudos peircianos, ao todo somam 90 mil, que se encontramsob os cuidados do Departamento de Filosofia da Universidade de Harvard. Esta universidadepublicou, em 1931-35 e 1958, os seguintes volumes: I Princpios da Filosofia; II Elementos deLgica; III Lgica Exata; IV A mais simples Matemtica; V Pragmatismo e Pragmaticismo; VI Cincia Metafsica; VII Cincia e Filosofia; e VIII Comentrios, Correspondncia e Bibliografia.Disponvel em: . Acesso em: 2007.

    2 Usaremos a referncia CP para indicar Collected Papersde Charles Sanders Peirce, por exemplo CP 3.362, o primeiro nmero corresponde ao volume e os demais ao pargrafo.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    27/303

    Paisagens Sgnicas

    qumica, alm de ter dado contribuies influentes nos campos da geodsia,biologia, psicologia, matemtica, filosofia etc. Peirce fazia parte do grupo

    de intelectuais e filsofos de relevncia desse perodo, dentre eles: WilliamJames, Henry James, John Dewey, Gottlob Frege, Bertrand Russell etc.Santaella ressalta em vrios dos seus livros a grandiosa obra de

    Peirce. Primeiramente, em O que semitica,essa autora o consideraum Leonardo das cincias modernas (SANTAELLA, 1983, p. 19); emMatrizes da linguagem e do pensamento, sonora, visual, verbal,observaque Peirce deixou nada menos do que 12 mil pginas publicadas e 90 milpginas de manuscritos inditos. Os manuscritos foram depositados na

    Universidade de Harvard [...]. (SANTAELLA, 2001, p. 6) Apenas vinteanos mais tarde, na dcada de 1930, surgiria a primeira publicao de textoscoligidos nos seis volumes dos Collected Papers,editados por Hartshornee Weiss. Infelizmente, grande parte dos textos a reunidos restringiu-se aescritos que Peirce j publicara em vida. Santaella (2000a, p. 111) reafirmaque: A obra de Peirce ocenica, de uma imensido tamanha que seuslimites se perdem de vista [...]. Do mesmo modo, Ivo Ibri (1992, p. xiii),compara a obra de Peirce [...] em volume de Leibniz [...].

    Desse modo, a anlise que ora apresentamos visa introduzir sucinta-mente alguns dos principais conceitos da filosofia peirciana, os quais devemser entendidos como um apndice complementar ao assunto desenvolvidoneste livro. E como Peirce no teve a oportunidade de documentar suavaliosa obra, as informaes a que tivemosacesso devem-se, portanto,ao grupo de schollarsque vm se dedicando organizao, pesquisae traduo dos manuscritos deixados por esse grande pensador, mais

    especificamente por Lucia Santaella, Ivo Ibri e Winfried Nth.A partir da diversidade existente, podemos, portanto, dizer que Peirceconstruiu um trabalho labirntico, no qual o pesquisador tem que se deixarlevar pelos meandros do material para decifrar onde comea e terminacada parte. Por conseguinte, qualquer afirmao ou interpretao quefuja devida concepo dos seus conceitos pode se tornar um enormeequvoco. Desse modo, vamos buscar oferecer apenas concisas e precisas

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    28/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    informaes, sem perder de vista o nosso foco principal, com o cuidadoe o devido respeito que sua obra requer.

    Em Esttica: de Plato a Peirce, Santaella (2000a, p. 113) apresentao quadro desenhado por Peirce que, de acordo com sua concepopragmatista das cincias, o significado de cada cincia s aparece na redede inter-relaes que ela entretm com as demais.

    FILOSOFIA1. Fenomenologia2. Cincias Normativas

    2.1. Esttica 2.2. tica 2.3. Lgica ou Semitica2.3.1. Gramtica Pura2.3.2. Lgica Crtica2.3.3. Metodutica3. Metafsica.

    A partir desse diagrama, podemos verificar que a primeira cincia queaparece na sua filosofia a fenomenologia, seguida das cincias normativas.Assim sendo, a esttica, a tica e a lgica ou semitica so concebidascomo cincias no campo da filosofia. De acordo com Santaella (2000a,p. 113-114):

    Para Peirce, a filosofia em geral tem por tarefa descobrir o que verdadeiro, limitando-se, porm, verdade que pode ser inferida daexperincia comum que est aberta a todo ser humano a qualquertempo e hora. A primeira e talvez mais difcil tarefa que a filosofiatem de enfrentar a de dar luz s categorias mais universais daexperincia. Essa tarefa da alada da fenomenologia, uma quasecincia que tem por funo fornecer o fundamento observacionalpara o restante das disciplinas filosficas. As cincias normativasso assim chamadas porque esto voltadas para a compreenso

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    29/303

    Paisagens Sgnicas

    dos fins, das normas e ideais que regem o sentimento, a conduta eo pensamento humanos. Elas no estudam os fenmenos tal comoaparecem, quer dizer, na sua aparncia, pois essa a funo dafenomenologia, mas os estudam na medida em que podemos agirsobre eles e eles sobre ns. Elas esto voltadas, assim, para o modogeral para o qual o ser humano, se for agir deliberadamente e sobautocontrole, deve responder aos apelos da experincia. Usando osprincpios da lgica, a metafsica investiga o que real, na medidaem que esse real pode ser averiguado na experincia comum. delaa tarefa de fazer a mediao entre a fenomenologia e as cinciasnormativas, desenvolvendo uma teoria da realidade.

    Fenomenologia

    Como podemos observar, na citao acima, a fenomenologia est em pri-meiro lugar, dada a importncia que essa cincia desempenha. A esttica,Peirce associa s cincias normativas, que descobrem leis que relacionam

    os fins aos sentimentos [...] ao, no caso da tica, e ao pensamento, nalgica. (SANTAELLA, 2000a, p. 141-142) J o papel da fenomenologia proporcionar o fundamento de observao lgica e metafsica, postoque elas esto relacionadas experincia com o que se exterioriza, ou seja,como o ser humano vai reagir diante do real, o que, por sua vez, se d pormeio da mediao de signos. percepo interessa tudo aquilo que estno aqui e agora, nos diz Peirce, mas s percebemos aquilo que estamos

    equipados para interpretar. (SANTAELLA, 2000a, p. 52) A definio dotermo perceber e todos os demais conceitos da obra de Peirce possuemuma ordem lgica e no podem ser tratados independentemente deoutros conceitos. Perceberalgo no requer apenas ver, mas estar diantede algo que se apresenta como um todo, que deve ser apreendido atravsde todos os sentidos, tanto do sensorial como do cognitivo. Assim que a filosofia peirciana entende a realidade fenomenologicamente, ouseja, o real tudo aquilo que se exterioriza, que aparece e se coloca

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    30/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    experincia, por meio de trs categorias denominadas de primeiridade,segundidadeeterceiridade.

    No artigo Sobre uma nova lista de categorias(1867), Peirce apresentasuas trs categorias universais, incluindo tudo que nos afeta, seja fisicamen-te, seja emocionalmente e intelectualmente, ou o que vemos, percebemose apreendemos. Ao dividir todas essas propriedades em gradaes, elasobedecem a um sistema composto de trs elementos formais de toda equalquer experincia, categorias denominadas de qualidade, relao erepresentao. Mais tarde, Peirce substituiu o termo relao por rea-o, e o termo representao por mediao, o que veio a se tornar

    cientificamente em primeiridade, segundidadee terceiridade. Santaella(1983), descreve as categorias de Peirce com uma srie de exemplos queilustram os conceitos desse filsofo. Vejamos ento, nas consideraesque se seguem, os principais conceitos luz dessa autora.

    Primeiridade a qualidade da conscincia imediata; uma impresso(sentimento) in totum,invisvel, no analisvel, frgil. Tudo que est ime-diatamente presente conscincia de algum tudo aquilo que est nasua mente no instante presente. O sentimento como qualidade , portanto,

    aquilo que d sabor, tom, matiz nossa conscincia imediata, aquilo que seoculta ao nosso pensamento. A qualidade da conscincia, na sua imediati-cidade, to tenra que mal podemos toc-la sem estrag-la. Asecundidade a arena da existncia cotidiana, estamos continuamente esbarrando emfatos que nos so externos, tropeando em obstculos, coisas reais, factivas,que no cedem ao sabor de nossas fantasias. O simples fato de estarmosvivos, existindo, significa, a todo momento, que estamos reagindo em

    relao ao mundo. Existir sentir a ao de fatos externos resistindo nossa vontade, estar numa relao, tomar um lugar na infinita mirade dasdeterminaes do universo, resistir e reagir, ocupar um tempo e espaosparticulares. Onde quer que haja um fenmeno, h uma qualidade, isto, suaprimeiridade. Mas a qualidade apenas uma parte do fenmeno,visto que, para existir, a qualidade tem que estar encarnada numa matria.O fato de existir est nessa corporificao material. A terceiridade,a ltimadas categorias, a camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos,

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    31/303

    Paisagens Sgnicas

    atravs da qual representamos e interpretamos o mundo. Por exemplo:O azul, simples e positivo azul, o primeiro. O cu, como lugar e tempo,

    aqui e agora, onde se encarna o azul um segundo. A sntese intelectuale laborao cognitiva o azul no cu, ou o azul do cu um terceiro.(SANTAELLA, 1983, p. 51)

    Por sua vez, Ivo Ibri (1992, p. 5), com o intuito de reforar o pensamentode Peirce para inserir as trs categorias que servem de apoio fenome-nologia, nos informa que:

    As faculdades que devemos nos esforar por reunir para este tra-

    balho so trs. A primeira e a principal aquela rara faculdade, afaculdade de ver o que est diante dos nossos olhos, tal como seapresenta sem qualquer interpretao.[...] Esta a faculdade doartista que v, por exemplo, as cores aparentes da natureza comoelas se apresentam.

    A concepo epistemolgica peirciana das trs categorias tem um des-taque especial naprimeiridade,na contemplao, onde o ato de perceber

    requer um tipo de integrao com o que est sendo visto de tal formaque, conforme Peirce:

    Ao contemplar uma pintura, h um momento em que perdemos aconscincia do fato de que ela no uma coisa. A distino do reale da cpia desaparece e por alguns momentos puro sonho; no qualquer existncia particular e ainda no existncia geral. Nessemomento, estamos contemplando um cone. (CP 3.362)

    Considerando essas trs categorias, Ibri (1992, p. 6) as resume comover, atentar para e generalizar, despindo a observao de recursos es-senciais de cunho mediativo. A fenomenologia, muito embora apareacomo a primeira cincia no diagrama de Peirce, corresponde categoriadasegundidade,visto que:

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    32/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    No fenmeno, surge a idia de outro, de alter, de alteridade; comela aparece a idia de negao, a partir da idia elementar de que ascoisas no so o que queremos que sejam, tampouco so estatudaspelas nossas concepes. [...] Esta experincia de reao envolvendonegao adjetivada de bruta por Peirce, pois traz de modo direto afora de um segundo, caracterizado por ser esta coisa e no aquela.A experincia direta com isto que no aquilo se d num recorte doespao e do tempo, traando os contornos deste objeto, que foradoe reage contra a conscincia como algo individual. (IBRI, 1992, p. 7)

    Durante o processo de experincia que inclui as categorias, Santaella(2000a, p. 116) explica que a fenomenologia peirciana realiza a proeza deintegrar o geral no particular, o concreto no abstrato, dentro de uma lgicaternria que no busca se livrar do fato bruto, de um lado, alm de incluiro acaso, do outro. J a categoria da terceiridadefoi concebida por Peircepara colocar a experincia fenomenolgica em processo de continuidade,ad infinitum,docontinuum. nessa categoria que, conforme nos informaPeirce (apud IBRI, 1992, p. 14), existe a conscincia sinttica, ligao

    com o tempo, sentido de aprendizagem. [...] Da natureza do conceito edo pensamento, o elemento cognitivo deve ser geral e ter o estatuto derepresentao. A partir desse raciocnio onde quer que a Mediao sejapredominante e que encontre sua plenitude na Representao, Terceiridade,como eu uso o termo, apenas um sinnimo para Representao (IBRI,1992, p.15), sendo, portanto, todos esses conceitos (mediao, pensamento,cognio etc.) fenomnicos.

    Santaella (2000b, p. 50-51) discorre sobre a trade perceptiva, daseguinte maneira:

    Peirce chega a uma posio dialtica ou esquema tridico (comono poderia deixar de ser), que determina trs e no apenas doisingredientes de toda e qualquer percepo: o percepto, o percipuume o julgamento perceptivo. [...] Perceber perceber algo externoa ns. Mas no podemos dizer nada sobre aquilo que externo, a

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    33/303

    Paisagens Sgnicas

    no ser pela mediao de um julgamento perceptivo. Aquilo queest fora, Peirce denomina percepto, aquilo que nos diz o que nspercebemos o julgamento perceptivo.

    Por percepto,Santaella (2000b, p. 53) define tudo aquilo que seapresenta, e que percebemos, e isso nos chega apreendido num ato depercepo, algo que est fora de ns e de nosso controle; operceptotem realidade prpria no mundo que est fora de nossa conscincia, eque apreendido pela conscincia no ato perceptivo. O percipuum(objeto imediato da percepo) faz o percepto (objeto dinmico da

    percepo) se conformar a uma determinada configurao. Por ltimo,ojuzo perceptivo o julgamento de percepo ou juzo perceptivo quevai nos dizer o que estamos interpretando; este ltimo que nos dizalgo sobre o que percebido.

    Esttica

    Como nos diz Santaella (2000a, p. 188-189), [...] Peirce foi buscar no kalsgrego, algo que toda alma vagamente deseja e muito mais vagamentepercebe um ideal admirvel, tendo a nica forma de excelncia que umaidia desse tipo pode ter: a excelncia esttica.

    A noo de esttica vem da Grcia, quando esse termo estava associa-do relao do homem com a natureza. Somente a partir de meados dosculo XVIII, aproximadamente nos anos de 1750, a esttica aparece como

    cincia atravs de Alexander Gottlieb Baumgarten. Diante do exposto, nodeve causar nenhum estranhamento o significado atribudo por Peirce aesse termo admirabilidade , ideal,como vamos verificar em Santaella(2000a, p. 13):

    Peirce no deixou nenhum tratado sobre esttica. Mas, no obs-tante tenha, quando jovem, estudado, com muito cuidado e paixo,as cartas Sobre a Educao Esttica da Humanidade de Johann

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    34/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    Christoph Friedrich von Schiller (1759 1805), e fosse um grandeconhecedor da obra de Kant, no obstante tivesse um grande in-teresse pelas artes. [...] Mas, sobretudo a partir de 1900, a Estticapassou a ocupar um lugar proeminente na arquitetura filosfica dePeirce a um tal ponto que, sem a compreenso aprofundada dopapel fundamental por ela desempenhado como alicerce da ticae, por extenso, da lgica ou semitica, no possvel entender oseu segundo pragmatismo.

    Sendo a primeira das cincias normativas, Santaella (2000a, p. 114)

    sublinha que na esttica peirciana o ideal esttico nutrido pelo cultivo dehbitos de sentimentos. Sendo as obras de arte aquelas coisas que encarnamqualidades de sentimento, os hbitos de sentimento s podem ser cultivadosatravs da exposio de nossa sensibilidade s obras de arte.

    Quando Peirce afirma ser a esttica, juntamente com a tica e a lgica,responsveis pela busca de um ideal admirvel o que ele queria dizercom isso? Vejamos o que Santaella (2000a, p. 127) nos descreve:

    O admirvel por si s pode ser uma natureza esttica. S qualidades,reino da Esttica, so admirveis sem exigir explicaes. O estado decoisas admirveis no pode, assim, ser determinado aporiticamente; uma meta ou ideal que descobrimos porque nos sentimos atradospor ele como tal, e nele ficamos emanados, empenhando-nos nasua realizao concreta.

    Tais consideraes nos levam a entender que a esttica uma cinciavoltada para o conhecimento e o crescimento; portanto, as artes devemser compreendidas na filosofia peirciana dessa maneira. Tanto assim, que

    as obras de arte no so apenas ambguas encarnaes de qualidades esentimentos, mas formas de sabedoria, de um tipo em que convida a razoa se integrar ludicamente ao sentir. (SANTAELLA, 2000a, p. 150) Soelas que enchem de prazer esttico tanto o artista, poetas e escritores,como aos que as apreendem com todos os seus sentidos.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    35/303

    Paisagens Sgnicas

    Todavia, de acordo com Santaella (2000a, p. 182), nada pode haver demais vago, incerto, indeterminado e impreciso do que qualidades de sen-

    timento. A obra de arte seria aquela instncia semitica muito rara, capazde realizar a proeza de dar corpo e forma ao incerto e indeterminado.De acordo com esta autora, para Peirce, nenhum cone representa

    nada alm de forma, nenhuma forma pura representada por nada ano ser um cone [...] pois, em preciso de discurso, cones nada podemrepresentar alm de formas e sentimentos, mas, ao mesmo tempo [...],o cone [...] , no entanto, o mais revelador, porque na sua ambigidade capaz de flagrar o cerne da realidade, l onde o ambguo e o indeterminado

    fazem sua morada. (SANTAELLA, 2000a, p. 184-185)Santaella (2000a, p. 180-181) nos informa que Jorge Luis Borges apre-

    sentou passagens admirveis, observando que:

    A msica, os estados de felicidade, a mitologia, as cores trabalhadaspelo tempo, certos crepsculos e certos lugares querem nos dizeralgo, ou disseram algo que no deveramos ter perdido, ou entopara dizer algo, esta iminncia de revelao, que no se produz, ,

    talvez, o fato esttico. Foi isso o que sempre ensinei, limitando-meao fato esttico, que no pode ser coisa de definio. O fato esttico algo to evidente, imediato e indefinvel quanto o amor, o gostoda fruta, a gua.

    O prazer esttico luz desses estudiosos tem um significado especial; um sentimento que possui um continuume visa atingir um ideal: gerarhbitos, comunho de pensamento, aprendizado e conhecimento, algo

    que no pode ser aplicado indeterminadamente a qualquer tipo de arte.Santaella (2000a, p. 34) mais uma vez nos diz que em um lindo ensaiosobre Beleza e Imitao, Jacques Maritain comps o belo de Santo Tomsnuma orquestrao potica que merece ser ouvida[...], pois:

    O belo que d alegria, no qualquer alegria, mas alegria no conhe-cimento; no na alegria peculiar do ato de conhecimento, mas uma

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    36/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    alegria super abundante, extrapolada. Se algo exalta e delicia a almapelo simples fato de ser achado na intuio da alma, bom de serapreendido, belo. A beleza essencialmente o objeto de inteligncia,pois o que conhece, no pleno sentido da palavra, a mente. Apenasela aberta para a infinitude do ser. [...] O belo se relaciona visoe audio entre todos os sentidos porque esses dois so mximacognoscitiva. [...] O belo conatural ao homem aquele que vemdedicar alma atravs dos sentidos e suas intuies. Esse tambm obelo particular de nossa arte que trabalha sobre uma matria sensvelpara o paraso terrestre, porque restaura, por um breve momento,a paz simultnea e a delcia da mente e dos sentidos.

    tica

    A tica determina a lgica atravs da anlise dos fins aos quais esses meiosse dirigem; a esttica determina a tica ao definir qual a natureza de umfim que seja em si mesmo admirvel e desejvel em quaisquer circuns-

    tncias, independentemente de qualquer outra espcie de considerao.Em Peirce (2005), a tica e a lgica so subsidirias da esttica, visto quea tica recebe seus princpios bsicos da esttica. Assim, a ao deve serbaseada em atos admirveis (e, portanto, controlados por esse princpio),remetendo mais uma vez aosummum bonum.

    Nas palavras de Peirce (CP 2.199), possvel ter uma noo maisadequada dessa associao entre a tica, a esttica e a lgica. Vejamos:

    [...] para apresentar a questo da esttica em sua pureza, devemoseliminar dela no apenas todas as consideraes acerca de esforo,mas todas as consideraes sobre ao e reao, incluindo todaconsiderao acerca da nossa recepo do prazer, tudo, em sn-tese, que pertena oposio entre ego e no-ego. No temosem nossa lngua uma palavra com a generalidade requisitada.O grego kals, o francs beau apenas se aproximam, sem atingi-la

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    37/303

    Paisagens Sgnicas

    exatamente na cabea. Fine seria uma pobre substituta. Belo mau, porque um modo de ser kals depende essencialmente daqualidade ser no-bela. Talvez, contudo, a frase o belo do nobelo no fosse ofensiva. Mas beleza muito superficial ainda.Usando-se kals, a questo da esttica : Qual aquela qualidadeque, na sua presena imediata, kals? Desta questo, a tica devedepender, assim como a lgica deve depender da tica. A esttica,portanto, embora eu a tenha negligenciado terrivelmente, aparecepossivelmente como a primeira propedutica indispensvel para algica, e a lgica da esttica constitui uma parte distinta da cincialgica que no deve ser omitida.

    Lgica ou Semitica

    A semitica concebida por Peirce, que tem sua origem durante o perodocorrespondente ao final do sculo XIX e incio do sculo XX, conside-rada uma cincia dentro de uma obra filosfica arquitetnica, conforme

    ilustrado atravs do quadro elaborado por esse filsofo, j apresentado.Santaella (1983, p. 7) assinala que o termo semitica vem da raiz grega

    semeion,que quer dizer signo. Devido sua constituio e sendo pordefinio a cincia que estuda todos os tipos de signo , a semitica podeser aplicada amplamente em estudos de vrias reas. Conforme a referidaautora, semitica a cincia que tem por objeto de investigao todas aslinguagens possveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de

    constituio de todo e qualquer fenmeno de produo de significao ede sentido. (SANTAELLA, 1983, p. 13)Vamos encontrar outras definies em Nth (1995a, p. 19), que assegura

    que a semitica a cincia dos signos e dos processos significativos (semio-se) na natureza e na cultura, o que vem reforar o nosso entendimento deque dentro dessa ampla possibilidade de abrangncia, encontram-se as artesvisuais, que, por serem uma linguagem no-verbal e tambm signo, podemser analisadas atravs dessa cincia e dos seus meios de representao.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    38/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    Contudo, esse termo mais recente do que suas primeiras aplicaes, asquais estavam implicadas nos conceitos da filosofia da Grcia antiga. Ainda

    de acordo com Nth (1995a, p. 19-20), o mdico grego Galeno de Prgamo(139-199), por exemplo, referiu-se diagnstica como sendo a parte semitica(semeiotikn mros) da medicina [, e, assim como John Locke,] postulouuma doutrina dos signos com o nome de Semeiotik, [e, no sculo XVII,em 1764, Johann H. Lambert escreveu] um tratado especfico intituladoSemiotik. No sculo XX, logo aps os meados da dcada de 1960, o estudodesta cincia foi retomado por Thomas Sebeok. Portanto, de Saussure aPeirce, o signo entendido por meio de diferentes definies.

    Segundo Santaella e Nth (1997, p. 24), tanto Saussure quantoHejelmslev fundaram a tradio do signo concebido a partir de umparadigma lingstico e suas concepes se caracterizavam como umasemitica didica, do mesmo modo como se caracterizam os semioticistasda Escola de Moscou e Tartu. Somente mais tarde, na dcada de 1970, emdecorrncia da traduo para o ingls das obras da escola de Moscou, Tartue do Crculo de Bakhtin, foi que os estudos da semitica direcionaram-separa a cultura em geral. (SANTAELLA e NTH, 1997, p. 79)

    No obstante a obra de Charles Peirce ter sido criada anteriormentea esses semioticistas j mencionados, s na dcada de 1970 que a se-mitica peirciana foi divulgada graas a Roman Jakobson, que mostrou aimportncia da rica herana e do amplo domnio de pesquisa semiticadeixada por Charles Sanders Peirce [...] para o estudo dos mais diversosprocessos de signos. (SANTAELLA e NTH, 1997, p. 79) Continuandosuas observaes e concluindo com as informaes sobre a parte histrica,

    esses autores ainda esclarecem que:Assim como a comunicao, tambm os signos, isto , a produode trocas simblicas sempre existiu e so fatores de constituio daprpria condio humana. Por isso mesmo, a semitica, mesmo quenem sempre com esse nome, enquanto reflexo sobre a linguageme seus sentidos, teve suas origens j no mundo grego e atravessou,com caractersticas prprias de sua poca, toda a histria humanadesde ento. (SANTAELLA e NTH, 1997, p. 24)

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    39/303

    Paisagens Sgnicas

    Ressaltamos que a trade semitica envolve dois tipos de relaes:determinao e representao. As relaes de representao dependem

    das relaes de determinao, pelo fato de a representao somente poderocorrer atravs de uma determinao provocada pela mediao. Assim, asemitica ocupa-se do estudo do processo de significao, ou seja, pelosmeios da representao, de uma forma ampla e geral, no obstante, nestelivro, nosso eixo ser a representao nas artes visuais.

    Signo

    Muito embora diversos sejam os significados do signo, preciso algunsesclarecimentos bsicos sobre sua definio. Para Peirce (2005, p. 46), um

    signo aquilo que sob determinado aspecto ou de algum modo, representaalguma coisa para algum. Desse ponto de vista, todo pensamento signo,incluindo a natureza, todos os seres naturais, as ideias, os sentimentos, assimcomo o prprio homem. Para Santaella (2000b, p. 12):

    Signo ou representamen aquilo que, sob certo aspecto ou modo,representa algo para algum. Dirige-se a algum, isto , cria, namente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signomais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretantedo primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto.Representa esse objeto no em todos os seus aspectos, mas comreferncia a um tipo de idia que eu, por vezes, denominei funda-mento do representamen.

    Na teoria dos signos, signo ou representamen o primeiro que estem relao de representao para um segundo o objeto , para fins desua significao em um terceiro, seu interpretante. A noo peirciana designo consiste, portanto, nessa relao tridica: signo-objeto-interpretante,uma relao tambm denominada de semiose que, pode ser conside-

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    40/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    rada como sinnimo de inteligncia, continuidade, crescimento e vida.(SANTAELLA e NTH, 2004, p. 157) Ora, se um signo tem a inteno

    de representar um objeto (ou partes dele) atravs da mediao de umsigno entre um objeto dinmico e um interpretante final, nas artes visuaispodemos ilustrar essas definies a partir de qualidades, prprias dacategoria daprimeiridade,isto , sensao provocada pelas cores, pelasformas, textura etc. Nesse caso, o signo da pintura, em princpio, soessas qualidades. Outro exemplo nos dado, por Santaella e Nth (2004,p. 198), sobre o conceito de representao:

    A semitica peirciana uma teoria complexa e multifacetada da re-presentao. Esta apresenta variantes como apresentao, a quase-representao at o limite da presentificao. [...] Os conceitosde representao de mediao esto carregados de implicaesfilosficas, [...] por representar o objeto que o signo pode cumprira funo mediadora.

    Desde o incio de suas pesquisas sobre o signo, onde se debruou

    intensamente por toda a sua vida, Peirce concebeu trs tricotomias, asaber: a primeira, relacionada natureza material do signo, ou seja, umarelao de pura qualidade, de sensaes, de singularidade, de liberdade, naqual se encontra a arte, um signo que encerra qualidades. Nessa relaono h um segundo, uma alteridade como efeito bruto. Porm, h de seconsiderar que existe um diferente tipo de objeto, que pode ser qualquercoisa, como sentimentos, emoes, ideias do artista etc. Ento, devemos

    entender que esse objeto est representado no quali-signo,ou seja, orepresentamen, como quali-signo o ponto principal da semiose artstica.Nesse aspecto, um signo pode ser um quali-signo,um sin-signoou um legi-

    signo. Na segunda, existe uma relao do signo com seu objeto, podendoo signo ser cone, ndiceousmbolo,e por ltimo, a terceira, que relacionao signo ao seu interpretante, em cuja relao o signo pode ser um rema,um dicenteou umargumento.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    41/303

    Paisagens Sgnicas

    Face s consideraes enunciadas, as divises do signo, portanto, seestabelecem como as mais conhecidas das trades formuladas por Peirce

    e descritas por Santaella (2000b, p. 92), a saber:Ao signo em si mesmo (quali-signo, sin-signo, legi-signo), relaodo signo com o objeto dinmico (cone, ndice, smbolo), e relaodo signo com seu interpretante (rema, dicente, argumento). [...]Cada uma dessas divises foi ento re-subdividida de acordo comas variaes prprias das categorias de primeiridade, secundidade eterceiridade. Os signos em si mesmos podem ser: 1.1 qualidades; 1.2fatos; e 1.3 ter a natureza de leis ou hbitos. Os signos podem estarconectados com seus objetos em virtude de: 2.1 uma similaridade; 2.2de uma conexo de fato, no cognitiva; e 2.3 em virtude de hbitos(de uso). Finalmente, para seus interpretantes, os signos podemrepresentar seus objetos como: 3.1 sendo qualidades, apresentando-se ao interpretante como mera hiptese ou rema; 3.2 sendo fatos,apresentando-se ao interpretante como dicentes; e 3.3 sendo leis,apresentando-se ao interpretante como argumentos. Dessas novemodalidades, Peirce extraiu as combinatrias possveis.

    Segundo Peirce, um cone estritamente uma possibilidade envolvendouma possibilidade, e assim, a possibilidade de ele ser representado comouma possibilidade a possibilidade da possibilidade envolvida (CP 2.31),e por ser um signo cuja qualidade significante provm meramente da suaqualidade (CP 2.92), ele inscreve-se naprimeiridade. Em artes visuais, osexemplos mais comuns de hipocones so pinturas e fotografias. Nth

    (1995a, p. 80), explica que um cone puro um signo que serve como signopelo fato de ter uma qualidade que o faz significar. Em vista disso, o conepuro pode apenas constituir um fragmento de um signo mais completo.Por no alcanar a segunda categoria, o cone no tem existncia em relaoao seu objeto. O seu objeto tudo aquilo que a ele semelhante.

    Embora a complexidade da obra de Peirce seja notria para seus pes-quisadores, como j informamos anteriormente, Santaella (2000b, p. 5)sugere que devemos:

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    42/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    Aprender a olhar os signos de frente, tanto na finssima pelcula desua superfcie, quanto na viso em raio X, despidos dos subterfgiosardilosos que o racionalismo exclusivista no cessa de procriar,poderemos imediatamente enxergar com nossos olhos renovadosas eternas questes do real, da referncia, do sujeito, do papel darepresentao e da interpretao. A obra de Peirce tem muitoa nos ajudar.

    Isto porque vivemos num mundo povoado cada vez mais por signos, a talponto que, ainda segundo essa autora, se Peirce tivesse vivido neste sculo,

    teria se surpreendido com os avanos semiticos, provocados pela prpriacaracterstica de nossa era, do milnio digital das mquinas inteligentes.

    Objeto

    Santaella (2000b, p. 34-35) evidencia a imensa complexidade da noodo objeto, ou melhor, a enorme gama de variaes que essa noo pode

    recobrir, complementando:

    Para abrirmos caminho no labirinto dessas variaes, creio quecumpre reter, para comear, que o objeto algo diverso do signoe que este algo diverso determina o signo, ou melhor: o signorepresenta o objeto, porque, de algum modo, o prprio objeto quedetermina essa representao; porm aquilo que est representadono signo no corresponde ao todo do objeto, mas apenas a uma

    parte ou aspecto dele. Sempre sobram outras partes ou aspectosque o signo no pode preencher completamente.

    Desse modo, podemos dizer que o objeto tudo que pode serexpresso por um signo, todavia, em virtude da diversidade irredutvelentre signo e objeto que Peirce introduz a noo de experincia colateralcom aquilo que o signo denota, ou representa, ou se aplica, isto , seu

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    43/303

    Paisagens Sgnicas

    objeto. (SANTAELLA, 2000b, p. 35) Mas o que podemos entender porexperincia colateral?

    Experincia colateral algo que est fora do signo, portanto fora dointerpretante que o prprio signo determina. Na medida em que ointerpretante uma criatura gerada pelo prprio signo, essa criaturarecebe do signo apenas o aspecto que ele carrega na sua correspon-dncia com o objeto e no com todos os outros aspectos do objetoque o signo no pode recobrir. (SANTAELLA, 2000b, p. 36)

    A experincia colateral, de acordo com Peirce (CP 8.181), significaque, para conhecer o objeto, preciso uma experincia prvia desseobjeto individual, pois enquanto o signo denota o Objeto no precisade especial inteligncia ou Razo da parte de seu Intrprete. [...] paraconhecer o Objeto, o que preciso a experincia prvia desse ObjetoIndividual. Com a diviso do objeto, em imediato e dinmico, podemosdizer, segundo Santaella(2002, p. 34), que o objeto imediato denota umobjeto dinmico e, portanto,

    [...] o melhor caminho para comear a anlise da relao objetal odo objeto imediato. Afinal, parece no haver outro modo de come-ar, visto que o objeto dinmico s se faz presente, mediatamente,via objeto imediato, este interno ao signo.

    A diviso dos objetos do signo em dinmico e imediato mostra que,

    com o objeto dinmico, Peirce (5.212) identificou aquilo que est forada cadeia sgnica, aquilo que algumas vezes ele chamou de real ourealidade, mas que pode ser tambm fictcio. E diante da pergunta emque medida esse objeto que est fora participa do processo sgnico?,Santaella (2000b, p. 46) lembra que, de acordo com Peirce, o fato de oobjeto dinmico ser mediado pelo objeto imediato no o leva a perder opoder de exercer uma influncia sobre o signo, uma vez que o signo sfunciona como tal porque determinado pelo objeto dinmico.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    44/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    cone, ndice e Smbolo

    O cone um signo cujas condies de significao prescindem da existn-cia de seu objeto, isto , o cone pode significar quer seu objeto seja umaexistncia ou realidade. O cone prescinde do objeto para significar. Todahiptese icnica. O ndice o signo que significa to somente atravsde seu vnculo existencial com o seu objeto. Desta forma, a existncia doobjeto que determina a possibilidade interpretante do ndice. O ndice noprescinde do objeto para significar. O smbolo representa atravs de umalei geral (regras), convencional ou semiconvencional. O smbolo refere-se

    ao que possa concretizar a ideia ligada palavra. Quanto sua divisovejamos, nos dois trechos a seguir, a definio de Peirce:

    Os signos so divisveis conforme trs tricotomias; a primeira, con-forme o signo em si mesmo for uma mera qualidade, um existenteconcreto ou uma lei geral; a segunda, conforme a relao do signopara com seu objeto consistir no fato de o signo ter algum carterem si mesmo, ou manter alguma relao existencial com esse objeto

    ou em relao com um interpretante; a terceira, conforme seu inter-pretante, represent-lo como um signo de possibilidade ou como umsigno de fato ou como um signo de razo. (PEIRCE, 2005, p. 51)

    Uma progresso regular de um, dois, trs pode ser observada nastrs ordens de signos, cone, ndice e Smbolo. O cone no temconexo dinmica alguma com o objeto que representa; simples-mente acontece que suas qualidades se assemelham s do objeto e

    excitam sensaes anlogas na mente para a qual uma semelhana.Mas, na verdade, no mantm conexo com elas. O ndice estfisicamente conectado com seu objeto; formam, ambos, um parorgnico, porm a mente interpretante nada tem a ver com essaconexo, exceto o fato de registr-la, depois de ser estabelecida.O Smbolo est conectado ao seu objeto por fora da idia damente-que-usa-o-smbolo, sem a qual essa conexo no existiria.(PEIRCE, 2005, p. 73)

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    45/303

    Paisagens Sgnicas

    Metafsica

    Na filosofia de Charles S. Peirce, a metafsica procura explicar como o mundodeve ser e como ele se apresenta compatvel com as determinaes da feno-menologia, sendo, portanto, a metafsica a cincia que estuda a natureza, suasleis, comportamento, regularidades, repeties, hbitos etc. De acordo comIbri (1992, p. 123), as trs categorias da metafsica correspondem tambm aoacaso (primeiridade), existncia (segundidade) e lei (terceiridade):

    A Metafsica iluminar a compreenso semitica, e um dos pontos

    focais de luz emana do fato de que a forma do objeto se impe forma com um carter explicitamente ontolgico de morph, caberegistrar, tambm, que tal carter se perdeu ao longo da histria.

    Na filosofia peirciana, o acaso manifesta-se na forma de variedade,diversidade, mera possibilidade. Sua principal caracterstica a liberdade,a espontaneidade. Aprimeiridademetafsica , portanto, o acaso entendidocomo princpio de liberdade presente na natureza, como uma propriedade

    que se manifesta no mundo na forma de assimetria. Uma vez que a primeiracategoria ontolgica diz respeito ao mero poder-ser, quele estgio em queainda no se manifestou a existncia, mas apenas em potencialidade paravir-a-ser, ento no podemos afirmar a existncia de informao no mbitodaprimeiridade. Se o problema da representao se encontra enfatizado porPeirce na sua teoria formal dos signos, os problemas da realidade e da verda-de so abordados, respectivamente, no mbito da sua fenomenologia, isto, na teoria das categorias, e no mbito da teoria pragmtica dos signos.

    Pragmatismo e Semiose

    Segundo Santaella (2004a, p. 240), a primeira proposta do pragmatismo foifeita em 1878, particularmente nos ensaios Como tornar nossas idias claraseA fixao das crenas,mas, apenas em 1898, as ideias de Peirce referentes

    a esse tema foram expostas, atravs de William James, durante palestra

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    46/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    proferida na Universidade da Califrnia. Tal foi a repercusso, que Peirceretomou sua anlise anterior de crena em cujo ncleo estava inserida sua

    original concepo de hbito. A partir de ento, Peirce tambm retomaa teoria dos signos, especialmente dos interpretantes. (SANTAELLA,2004a, p. 241) Santaella (2004a, p. 242) conclui, assim, que, para Peirce,uma crena no nos coloca em ao prontamente, mas sim numa condiotal que deveremos agir de um certo modo quando a ocasio surgir.

    Santaella (2000b, p. 75) observa que, segundo Savan (1976),

    O efeito semitico pleno de um signo, se o seu propsito ou inten-

    o viesse a ser atingido, o interpretante final daquele signo. Umavez que esse propsito fornece a norma que influencia a sucessodos interpretantes dinmicos, ele tambm pode ser chamado deinterpretante normal. E uma vez que a evoluo de interpretantesdinmicos sucessivos tende para o padro estabelecido pelo inter-pretante final, seja este padro, de fato, plena e exatamente satisfeitoou no, ele tambm pode ser chamado de interpretante destinado.A ao desse padro, na medida em que ele afeta e influencia cadainterpretante dinmico real, o que lhe d vida e poder para setransformar em um hbito e numa crena.

    Assim posto, por pragmatismo, entende-se a ao do homem frentea uma experincia fenomenolgica, ou seja, a ao perante o alter,umsegundo, o objeto, o real, e a maneira como ele reage, que necessita tantoa anlise dos signos como dos interpretantes. Atravs desses estudos,Peirce, ento, poderia investigar a conduta, e a partir de sua regularida-

    de, a aquisio de hbito. Diferentemente de outras mentes, algumas jcristalizadas, a mente humana aquela que est mais propensa a adquirirhbitos, romper com eles atravs da ao, estabelecendo novas crenase novos hbitos. Trata-se, por conseguinte, de um processo evolutivo deconhecimento, de devir, pois o universo no esttico. Para ilustrar essasreflexes, escolhemos um trecho do artigo de Ivo Ibri, O paciente objetoda semitica,no qual esse autor poeticamente descreve o conceito doobjeto, real e semitica. Assim, vejamos:

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    47/303

    Paisagens Sgnicas

    Qual divindade entediada de sua onipotncia, o poeta descobreencanto em sua impotncia em anoitecer a noite. A noite diz no eo desafia a encontrar uma poesia possvel escrita em uma espciede face oculta da alteridade. Dotado pelos deuses do poder mgicode sempre dizer de modo oblquo toda a verdade, o poeta deparaagora com o efetivamente verdadeiro. No mais poder dizer queo universo idia sua, no mais poder trair a noite: num fecharde olhos suprimir-lhe a existncia. Algo exterior desafiadoramentepermanece. Algo objeta. Algo Objeto. , fundamentalmente, aeste ser real que Peirce se refere em sua famosa trade semitica:Signo, Objeto, Interpretante. Esta exterioridade sempre desafiadora

    que denominamos Mundo, Natureza, sedutoramente convidativa decifrao pela cincia, produo infinita de arte no dizer deSchelling. [...] Uma imediata admirabilidade suprime conscinciao tempo, e a insere novamente, desperta para a temporalidade daobservao intencionalmente cognitiva. Contudo, conhecer comoum transcender da mera aparncia, como busca de um modo deser, necessita da permanncia e daquela independncia do objetoque far com que este negue representaes falsas, ou seja, aquelas

    que predizem um curso dos fatos distinto do observvel curso dosfatos. (IBRI, 1996, p. 115-117)

    Santaella e Nth(2004, p. 160-161), observam:

    Que a semitica tambm uma teoria da comunicao, est im-plcito, em primeiro lugar, no fato de que no h comunicao semsignos. Em segundo lugar, est implcito no fato de que a semiose ,

    antes de tudo, um processo de interpretao, pois a ao do signo a ao de ser interpretado em um outro signo. Por isso mesmo,o significado de um signo um outro signo e assim por diante,processo atravs do qual a semiose est em permanente devir.

    A esse processo de transitao sgnica, Peirce denomina de semiose,ou seja, o procedimento que transforma um signo em outro infinitamente.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    48/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    Na semiose, o objeto dinmico equivale realidade e o interpretante final verdade. Se fosse possvel o signo se desenvolver at o ponto de chegar

    realizao do limite do seu potencial, teramos a revelao perfeita doobjeto dinmico, quando haveria uma superposio entre o real e a verdade.Da o real ser sinnimo de verdade.

    Charles Sanders Peirce: uma possvel Filosofia da Natureza

    Entra em teu barco do devaneio, desatraca no lago de pen-samento, e deixa o sopro do firmamento encher tua vela.

    Com teus olhos abertos, acorda para o que est volta oudentro de ti, e abre conversa contigo mesmo; pois assim toda meditao.Charles Sanders Peirce (CP 6.461)

    De acordo com Ivo Ibri,3a filosofia da natureza teve seu maior expoenteno filsofo alemo Friedrich Wilhelm Joseph Von Schelling, que reconstriuma filosofia na Alemanha de exploso do Romantismo, na passagem dosculo XVIII ao sculo XIX. Schelling recorria ideia de vida, de paixo, de

    inspirao e de beleza, contrariando o conceito de uma viso de mundomecanicista; um mundo que desde o sculo XVI fora concebido como ummundo mecnico. Nesse momento, Schelling vai presentear os seus amigospoetas com a experincia maravilhosa de contemplar, atribuir vida ondeh vida, inspirado nos gregos que povoaram a natureza de deuses porqueeles a enxergaram como destino de vida, de inteligncia e de aperfeioa-mento. Geneticamente, para Schelling, a natureza rica em diversidade,

    em qualidade, em assimetria, diferentemente de um mundo estritamentecom leis mecnicas. Porm, em termos de qualidade, no h repetio,visto que todos os dias o sol se pe, a cada dia o pr do sol diferente eessa qualidade no se repete, a natureza uma celebrao. O sentido dapalavra natureza, no entanto, j mostra a particularidade do pensamento de

    3 Anotaes das aulas do professor Dr. Ivo Assad Ibri, na disciplina Filosofia: um dilogo entreSchelling e Peirce, ministrada na PUC/So Paulo, no segundo semestre de 2007.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    49/303

    Paisagens Sgnicas

    Schelling, pois se trata de uma natureza concebida de modo extremamenteautntico, instaurada na verdade, como um momento de interpenetrao

    entre necessidade e liberdade, entre real e ideal, e de encantamento pelaunidade de contemplao: o espao e o tempo em que o eu se perde numacoisa maior que ela prpria (natureza); lugar onde a razo e a memria sedesmobilizam; lugar onde o eu e o no eu desaparecem; uma experinciade unidade aglutinante, de unidade agpica.

    Ibri fala da natureza como o lugar onde a unidade agpica reside emplenitude, concepo semelhante ao conceito de belo que, para Schelling(2001b, p. 193), do mesmo modo, retorna sempre natureza, pois esse

    conceito , antes de qualquer coisa, a obra de arte: Na arte, o mistrio dacriao se torna objetivo, e a arte , justamente por isso, pura e simplesmen-te criadora. Por ser sensvel, o belo encanta, mas no tem permanncia; um jogo constante entre o particular e o geral; onde a verdade corres-ponde necessidade, ao bem, liberdade, a qualidades que so prpriasda arte. Ainda, segundo Schelling (2001b, p. 193), chamamos de belauma figura em cujo delineamento a natureza parece ter jogado com amor,liberdade e com a mais sublime clareza de conscincia, mas sempre nas

    formas, nos limites, da mais rigorosa necessidade e legalidade. Para essefilsofo, a arte , por conseguinte, uma sntese ou interpretao recprocaabsoluta de liberdade e necessidade. Sua filosofia nos diz que a natureza um sistema que nunca est em repouso. Independente de nossa obser-vao sobre seu desenvolvimento, todos os seres naturais crescem, cadaum cria hbitos a depender de seu prprio tempo. A ns ela no aparececomo um todo, so sempre recortes, e o nico conhecimento imediato

    que possumos do nosso prprio ser. [...] Fora de ns nunca poderemoscompreender, mas pod-lo-emos se ela se realiza em ns, porque nessecaso somo-la, ela que constitui a nossa prpria natureza. (SCHELLING,2001b, p. 193) Na apreciao de Santaella (2000a, p. 72), Schelling queriaconstruir uma sntese da arte e da filosofia, na medida em que, para ele,ambas so representativas [...] e relacionadas com o corpo disponvel derepresentaes compartilhveis. Contudo, havia uma questo presentena filosofia da natureza que era chegar inteligncia, partindo da natureza,

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    50/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    e para esse filsofo a natureza, como um sistema evolutivo, se desenvolvea partir de suas prprias leis.

    Segundo Ibri (1992, p. 57), para Peirce, a natureza somente pareceinteligvel na medida em que parece racional, ou seja, na medida em queseus processos so considerados similares a processos de pensamento.Tal entendimento de Peirce tambm reconhecido por Santaella (2000b,p. 148-149), na passagem que se segue:

    A natureza um repertrio de fatos muito mais vasto e muitomenos claramente ordenado do que um relatrio do censo; e se a

    humanidade no tivesse vindo a ela com aptides especiais paraadivinhar corretamente, teramos tudo para duvidar se, nos dezou vinte mil anos de sua existncia, suas grandes mentes teriamsido capazes de chegar quantidade de conhecimento. [...] Todoconhecimento humano, at os mais altos pncaros da cincia, no seno o desenvolvimento de nossos instintos animais inatos. sempre a hiptese mais simples, no sentido de mais dcil e natural,aquela que o instinto sugere, aquela que deve ser proferida.

    Consequentemente, a relao do homem com a natureza no apenasuma relao de escolha, ou seja, o homem no se volta natureza porvontade prpria e nela tenta descobrir um mundo diferente do seu, mas,pelo contrrio, homem e natureza esto ligados por elos que so inerentes sua constituio. Ainda segundo Santaella (2004a, p. 104-106), de acordocom Peirce:

    No pode haver nenhuma dvida razovel de que a mente humana,tendo se desenvolvido sob as influncias das leis naturais, pensanaturalmente por essa razo, de um modo similar aos padresda natureza. [...] A espcie humana desenvolveu essa faculdadeprovavelmente no curso do crescimento evolutivo de sua consti-tuio fsica e mental. Certas uniformidades, certas idias geraisde ao. Certas leis de movimento operam por todo o universo,e a mente humana, a mente raciocinante um produto dessas leis

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    51/303

    Paisagens Sgnicas

    altamente onipresentes. [...] O homem tem o insight natural dasleis da natureza.

    luz desse entendimento, Richard Rorty assim se expressa:

    Sendo parte da natureza, a mente emergiu do mesmo processoevolutivo que perpassa a biosfera. H, consequentemente, umaconaturalidade entre a mente e o cosmos, o que significa que ohomem tem uma afinidade com a natureza, est em sintonia comela, e possui uma adaptao natural para imaginar teorias e idias

    que traduzem essa sintonia. Mente e natureza desenvolvem-sejuntas, esta ltima implantando, na primeira, sementes de idias queiro amadurecer em comum concordncia. (RORTY, 1988 apudSANTAELLA, 2004a, p. 106)

    Essa teoria vai desmistificar algumas ideias presentes no pensamentohumano, sobretudo na cultura ocidental, de que o homem um ser supe-rior que cria e domina a natureza sua vontade. Do mesmo modo que

    Schelling (2001b) entende o belo como um conceito de vida, de belezanatural, beleza orgnica, beleza no sentido do sistema inteligente e dotadade telos(palavra grega que significa fim, realizao, objetivo, misso), aesttica conhecida como a filosofia do belo tambm para Peirce afilosofia da admirabilidade, do que admirvel, o modo pelo qual algumage para atingir, alcanar o ideal, a natureza da experincia puramentesensvel. O sentido da palavra admirvel de Peirce est contido, segundo

    Santaella (2004a, p. 147), nas palavras de Schelling:O mundo ideal move-se poderosamente para a luz, mas aindarefreado pelo fato de a Natureza se ter retirado como mistrio.Os prprios segredos que residem no mundo ideal no se podemtornar verdadeiramente objetivos seno no referido mistrio daNatureza. As divindades ainda desconhecidas, que o mundo idealprepara, no podem surgir enquanto tais antes de poderem tomar

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    52/303

    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    posse da Natureza. Depois de todas as formas finitas serem des-troadas e de no vasto mundo nada existir para alm daquilo queuniu os homens como intuio comum, somente a intuio daidentidade absoluta na totalidade objetiva mais perfeita.

    Em Schelling (2001b), tambm possvel encontrar a semente dopragmatismo de Peirce: ao e conhecimento; exteriorizar o conhecimentoatravs da ao, de um agir. essa a noo do pragmatismo que serestudado por Peirce, que se configura por ser uma permanente construode interpretantes, de aprendizagem, ou seja, pensar, agir e refletir sobre a

    ao. nessa ao, denominada por Ivo Ibri (1992) de impulso semitico,impulso csmico, que o significado vai se construir, pois todos os seresnaturais agem conforme a alma do mundo. Dessa forma, alm do conceitode pragmatismo, Ibri (1992) ainda esclarece que, desde Scrates a Peirce,somente Schelling vai falar sobre a liberdade dos fenmenos. E no foioutro o interesse de Peirce (2005), ao criar a esttica e a categoria de

    primeiridade,conceito que j se encontrava na Grcia antiga, conhecidocomo acaso, ou seja, a associao de obteno de um objetivo perfeio,

    que na esttica peirciana corresponde ao signo icnico, de pura liberdade.O belo, para Peirce (2005), um dos predicados dosummum bonum,e aarte um dos canais, um dos caminhos para se chegar a uma experinciade totalidade. Contudo os conceitos de beleza e de arte no devem estarconfinados ao ser humano, pois esse conceito abrange tudo aquilo queest em torno de ns, incluindo a natureza.4

    Santaella (1992, p. 107-108) oferece informaes adicionais que ampliam

    nosso conhecimento sobre a maneira pela qual Peirce entendia a arte e acincia: com uma noo prpria, uma visosui generis, ao estabelecertrs espcies de homens:

    A primeira consiste naqueles para quem a coisa est nas qualidadesdos sentimentos. Esses homens criam a arte. A segunda consiste

    4 Anotaes das aulas do professor Dr. Ivo Assad Ibri, na disciplina Filosofia: um dilogo entreSchelling e Peirce, ministrada na PUC/So Paulo, no segundo semestre de 2007.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    53/303

    Paisagens Sgnicas

    nesses homens prticos, que levam frente os negcios do mundo.Estes no respeitam outra coisa seno o poder, e o respeitam namedida em que ele pode ser exercido. A terceira espcie consistenos homens para quem nada parece ser grande a no ser a razo.Se a fora lhes interessa, no sob o aspecto do seu exerccio, masporque ela tem uma razo e uma lei. Para o homem da primeiraespcie, a natureza uma pintura; para os homens da segunda, ela uma oportunidade; para os homens da terceira, ela um cosmos,to admirvel que penetrar nos seus caminhos lhe parece a nicacoisa que a vida valeu a pena. Esses so os homens que vemosestarem possudos pela paixo por aprender, do mesmo modo queoutros tm paixo por ensinar e disseminar sua influncia. Se no seentregam totalmente paixo por aprender porque exercitam oautocontrole. Estes so os homens cientficos, e eles so os nicoshomens que tm qualquer sucesso real na pesquisa cientfica.

    Em muitas passagens dos manuscritos deixados por Peirce (apudSANTAELLA, 2004a, p. 105), vamos encontrar uma maneira poeticamenteparticular de ver e entender a relao entre a mente humana e a natureza,ainda que segundo um raciocnio cientificamente lgico, quando diz, porexemplo, que: nossa faculdade de adivinhao corresponde aos poderesvoadores e musicais dos pssaros, isto , ela para ns o que estes sopara eles: o mais atirado dos nossos poderes meramente intuitivos. Assim,

    a habilidade para fazer conjecturas para o homem aquilo que o vo eo canto so para os pssaros, [pois, na filosofia de Peirce,] o instintofunciona como um fio comum unindo todos os seres vivos da natureza,

    desde os vegetais, passando pelos animais inferiores at o homem.

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    54/303

    REPRESENTAO

    Uma obra de arte um desafio; no a explicamos, ajustamo-nos a ela. Ao interpret-la, fazemos uso dos nossos prpriosobjectivos e esforos, dotamo-la de um significado que tem asua origem nos nossos prprios modos de viver e pensar.

    Hauser, 1988

    Em Lendo imagens: uma histria de amor e dio(2003), Alberto Manguel,fala que, em meados do sculo I d.C., no trigsimo quinto livro da suahistria natural, o erudito Plnio, o Velho, escreveu que embora os egp-cios reclamassem para si a inveno das artes da pintura e da escultura,os gregos afirmavam que essa inveno tivera lugar em Sicone ou emCorinto. Assim, continua Manguel (2003, p. 89):

  • 7/25/2019 WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens Sgnicas - Uma Reflexo Sobre as Artes Visuais Contemporneas

    55/303

    Paisagens Sgnicas

    A filha de um certo ceramista apaixonou-se por um jovem estran-geiro. Quando chegou a poca de seu amado partir, ela traou ocontorno da sombra do rosto dele em uma parede e pediu ao paipara preencher as linhas com argila, criando assim uma imagem doseu amante ausente. Apreender fielmente a realidade por meio docontraste entre sombra e luz parecia a Plnio o objetivo da arte e elelouvava, por exemplo, o trompe-loeil do artista Zuxis.

    Este pequeno trecho trata da noo de representao do real, que, pormuitos sculos, esteve sob a responsabilidade da pintura e da escultura.

    Manguel (2003, p. 90) observa que, na concepo de Plnio (sc. I d.C.),a narrao da histria de Zuxis visava mostrar como as pinturas po-dem comportar um espelho fidedigno do mundo, pois o velho pensadorconsiderava a subjetividade como algo nocivo arte.

    O conceito de representao, portanto, embora recorrente nas teoriasestticas a partir do sculo XX, uma preocupao que vem desde aGrcia antiga e ainda suscita maiores investigaes, sobretudo no que dizrespeito s implicaes ontolgicas e semiticas. Por ser um assunto que

    permeia toda nossa investigao, trazemos esse conceito, luz de vriostericos, dando maior nfase s principais concepes que serviram deaporte terico a reflexes posteriores.

    Charles Sanders Peirce j pretendia uma teoria geral da repr