26
GOVERNANÇA GLOBAL Volume I

Volume I - Arraes Editores · Emerson Garcia Felipe Chiarello de Souza Pinto Florisbal de Souza Del’Olmo Frederico Barbosa Gomes Gilberto Bercovici ... ELY CAETANO XAVIER JUNIOR

  • Upload
    vutuyen

  • View
    212

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Governança Global

Volume I

MARILDA ROSADO DE SÁ RIBEIRO(Organizadora)

FERNANDA TORRES VOLPON(Colaboração)

Belo Horizonte2017

Governança Global

Volume I

337.1 Governança global – v. 1 / Marilda Rosado de Sá Ribeiro (Org.),G721 Fernanda Torres Volpon (Colab.). Belo Horizonte: Arraes Editores,2017 2017. p.383

ISBN: 978-85-8238-270-7 (v. 1) ISBN: 978-85-8238-272-1 (Coleção)

1. Direito internacional. 2. Governança global. 3. Governança econômica global. 4. Governança ambiental global. 5. Governança energética global. 6. Global governance. 7. Corrupção – Medidas de combate. I. Ribeiro, Marilda Rosado de Sá (Org.). II. Volpon, Fernanda Torres (Colab.). III. Título.

CDD(23.ed.)–337.1 CDdir – 341.1

Belo Horizonte2017

Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-700

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2017.

Coordenação Editorial: Produção Editorial e Capa:

Revisão:

Fabiana CarvalhoDanilo Jorge da SilvaResponsabilidade do Autor

www.arraeseditores.com.br [email protected]

CONSELHO EDITORIALÁlvaro Ricardo de Souza Cruz

André Cordeiro LealAndré Lipp Pinto Basto Lupi

Antônio Márcio da Cunha GuimarãesBernardo G. B. Nogueira

Carlos Augusto Canedo G. da SilvaCarlos Bruno Ferreira da Silva

Carlos Henrique SoaresClaudia Rosane Roesler

Clèmerson Merlin ClèveDavid França Ribeiro de Carvalho

Dhenis Cruz MadeiraDircêo Torrecillas Ramos

Emerson GarciaFelipe Chiarello de Souza Pinto

Florisbal de Souza Del’OlmoFrederico Barbosa Gomes

Gilberto BercoviciGregório Assagra de Almeida

Gustavo CorgosinhoGustavo Silveira Siqueira

Jamile Bergamaschine Mata DizJanaína Rigo Santin

Jean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – PortugalJorge M. LasmarJose Antonio Moreno Molina – EspanhaJosé Luiz Quadros de MagalhãesKiwonghi BizawuLeandro Eustáquio de Matos MonteiroLuciano Stoller de FariaLuiz Henrique Sormani BarbugianiLuiz Manoel Gomes JúniorLuiz MoreiraMárcio Luís de OliveiraMaria de Fátima Freire SáMário Lúcio Quintão SoaresMartonio Mont’Alverne Barreto LimaNelson RosenvaldRenato CaramRoberto Correia da Silva Gomes CaldasRodolfo Viana PereiraRodrigo Almeida MagalhãesRogério Filippetto de OliveiraRubens BeçakVladmir Oliveira da SilveiraWagner MenezesWilliam Eduardo Freire

Matriz

Av. Nossa Senhora do Carmo, 1650/loja 29 - Bairro Sion Belo Horizonte/MG - CEP 30330-000

Tel: (31) 3031-2330

Filial

Rua Senador Feijó, 154/cj 64 – Bairro Sé São Paulo/SP - CEP 01006-000

Tel: (11) 3105-6370

V

Dedico esta obra a três gerações de mestres, que soube-ram ensinar a mim e a outros, pela acolhida, exemplo no despertar e no diálogo interinstitucional,

JOÃO GRANDINO RODAS, orientador do doutora-do da Faculdade de Direito da USP que abriu as por-tas da cooperação a vários colegas egressos da Escola do Rio de Janeiro

DIEGO P. FERNÁNDEZ ARROYO, orientador e re-ferência para tantos latino-americanos , para os quais aponta uma nova dimensão de internacionalização e inspirador da presente obra

BRUNO ALMEIDA (in memoriam) que antes de sua partida precoce muito conquistou entre amigos e discípulos, fazendo a ponte entre sua alma mater, a UERJ, e a UFRRJ.

VI

autores

BERNARD POTSCHBacharel, Mestre e Doutorando em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Sócio de Batista Martins Advogados.

BRENDA MARIA RAMOS ARAÚJOGraduada em Direito e pós-graduada em Relações Internacionais. Atualmente, está cursando mestrado em Direito Internacional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

CAROLINA ARAÚJO DE AZEVEDO PIZOEIRODoutoranda em Direito Internacional, Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ (2017), LL.M em Direito da Energia, Petróleo e Gás, Uni-versidade de Oklahoma - OU (2013); Mestre em Direito Internacional, Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ (2012); Pós-Graduada em Relações Internacionais, Universidade Cândido Mendes-UCAM RJ (2010); Pós-Graduada em Direito do Trabalho, Universidade Veiga de Almeida-UVA RJ (2009); e Bacharel em Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro--UFRJ (2006). Advogada.

CAROLINE DA ROSA PINHEIROMestre em Direito pela Fundação Getúlio Vargas – RJ e Doutoranda pela UERJ, na linha de pesquisa Empresa e Atividades Econômicas. Advogada e Professora de Direito Empresarial no UNIFESO e no IBMEC-RJ.

EDUARDO PAREDESEduardo Paredes é mestrando em direito internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), especialista em Direitos Humanos pela PUC--Minas e Defensor Público Federal.

ELIZABETH GORAIEBDoutoranda em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em

VII

Direito pela Universidade Cândido Mendes. Mestre em Direito Internacional e da Integração Econômica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora de Direito Internacional Privado do IBMEC e Professora de Direito Internacional Público e Privado da Universidade Cândido Mendes.

ELY CAETANO XAVIER JUNIORProfessor Assistente de Direito Internacional da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universi-dade de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Universidade de Londres. Advogado.

ERALDO SILVA JÚNIORMestre em direito internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janei-ro. Doutorando em direito internacional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Defensor Público Federal.

FELIPE ALBUQUERQUEMestre (2016) e doutorando em direito internacional pela UERJ. Advogado no escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados.

FERNANDA TORRES VOLPONDoutoranda em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universida-de do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil.

GUILHERME DE JESUS FRANCEMestrando em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Bacharel em Direito pela UERJ e em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Advogado e Pesquisa-dor do Centro Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio.

ISABELLA ALMEIDA DE SÁ E BENEVIDESMestranda em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil. Bacharel em Direito pela Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Experiência na área de Direito Internacional e de Direitos Humanos. Membro da Association of International Petroleum Negotiators. Advogada.

VIII

LUIS EDUARDO BIANCHI CERQUEIRAGraduado em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes -Centro, em Economia pela Universidade Cândido Mendes - Centro, em Psicologia pela Universidade Estácio de Sá - João Uchoa. Mestre e Doutorando - Direito Inter-nacional - , pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Especialista em Cenários Econômicos de Curto Prazo - UFRJ e em Propriedade Industrial - PUC/EMARF. Ex-Procurador da Fazenda Nacional e Juiz Federal. É Presiden-te da 6a Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro e Diretor Social e Cultural da AJUFERJES.

MARILDA ROSADO DE SÁ RIBEIROProfessora Associada de Direito Internacional Privado e Direito do Petróleo da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutora em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Editora-Chefe da Revista Brasileira de Direito do Petróleo, Gás e Energia. Advogada no setor de Óleo e Gás.

MATHEUS FARINHAS DE OLIVEIRAMatheus Farinhas de Oliveira. Mestrando em Direito Constitucional pelo (PPGDC/UFF). Bacharel em Direito pela UCAM. Cursando licenciatura em Fi-losofia na Universidade Federal Fluminense. Assistente editorial da Revista Cul-turas Jurídicas (PPGDC/UFF). Membro da Sociedade Latino-Americana de Di-reito Internacional (SLADI). Pesquisador do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições - LETACI. Bolsista da Capes.

ORLANDO JOSÉ GUTERRES COSTA JÚNIORMestre em Direito Internacional pela UERJ. Ex-Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Direito Internacional da UERJ (NEPEDI-UERJ). Mem-bro do Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais da Universidade de São Paulo (NETI-USP), subgrupo ICSID/CPA. Advogado.

PEDRO FARIAS OLIVEIRABacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Mestrando em Direito Internacional pela UERJ.

RAPHAEL VIEIRA DA FONSECA ROCHAMestrando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na linha de Direito Internacional. Advogado.

RODRIGO CERVEIRA CITTADINOMestrando em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade

IX

Católica do Rio de Janeiro e em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

VLAMIR COSTA MAGALHÃESPós-graduado em Regulação e Direito Público Econômico pela Universidade de Coimbra. Mestre em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutorando em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Juiz Federal.

X

suMário

PREFÁCIO ................................................................................................................. XIII

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... XIX

PARTE IINVESTIMENTOS ESTRANGEIROS E ARQUITETURA ECONÔMICA NA GOVERNANÇA GLOBAL ............................................................................. 1

CaPítulo 1REGULAÇÃO DOS INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS E A GOVERNANÇA GLOBAL: CONVERGÊNCIA DAS DIMENSÕES PÚBLICAS E PRIVADAS DO DIREITO INTERNACIONALMarilda Rosado de Sá Ribeiro e Ely Caetano Xavier Junior ....................... 2

CaPítulo 2PUBLICIDADE, TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO EM ARBITRAGENS DE INVESTIMENTOS: CREDIBILIDADE DO REGIME DE PROTEÇÃO A INVESTIMENTOS EM DEBATEOrlando Jose Guterres Costa Junior..................................................................... 29

CaPítulo 3O FMI COMO ARQUITETO DA ESTABILIZAÇÃO FINANCEIRA: O PAPEL DOS EMERGENTES NA GOVERNANÇA ECONÔMICA GLOBALBrenda Araujo .......................................................................................................... 56

CaPítulo 4DÍVIDA SOBERANA, FUNDOS ABUTRES E GOVERNANÇA GLOBALRodrigo Cittadino .................................................................................................... 71

XI

CaPítulo 5A GOVERNANÇA GLOBAL DO COMÉRCIO E DA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONALBernard Potsch .......................................................................................................... 100

CaPítulo 6GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E REGULAÇÃO: AS RELAÇÕES ENTRE A COMPETIÇÃO REGULATÓRIA E O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADOFelipe Albuquerque .................................................................................................. 114

CaPítulo 7GOVERNANÇA GLOBAL E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO CONTEMPORÂNEOLuís Eduardo Bianchi ............................................................................................. 127

PARTE II GOVERNANÇA GLOBAL, EMPRESAS TRANSNACIONAIS E COMBATE À CORRUPÇÃO ................................................................................ 146

CaPítulo 8CASTELO DE AREIA: DESAFIANDO O CONSENTIMENTO ESTATAL E (DES)CONSTRUINDO A LEGITIMIDADE DO GRUPO DE AÇÃO FINANCEIRAGuilherme France ..................................................................................................... 147

CaPítulo 9A CONVENÇÃO DA OCDE SOBRE O COMBATE DA CORRUPÇÃO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS ESTRANGEIROS EM TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS E SEUS IMPACTOS SOBRE A GOVERNANÇA GLOBAL E O COMPLIANCECaroline Pinheiro e Raphael Rocha ..................................................................... 169

CaPítulo 10GOVERNANÇA GLOBAL, GOVERNANÇA CORPORATIVA E CRIMINAL COMPLIANCE: ENTRE CONCEITOS, ASPECTOS HISTÓRICOS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOSVlamir Costa Magalhães ....................................................................................... 188

CaPítulo 11A ISO 37001:2016: DESDOBRAMENTOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO GLOBAL NO COMBATE À CORRUPÇÃOCarolina Azevedo ..................................................................................................... 203

XII

Parte III DIMENSÕES TRANSFRONTEIRIÇAS DA GOVERNANÇA GLOBAL .... 216

CaPítulo 12GOVERNANÇA GLOBAL E GOVERNANÇA DA INTERNET: UMA ANÁLISE DO DIREITO INTERNACIONAL E BRASILEIROIsabella Benevides .................................................................................................... 217

CaPítulo 13O IMPACTO DO ACORDO DE PARIS NA GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBALPedro Oliveira ........................................................................................................... 230

CaPítulo 14O MOSAICO REGULATÓRIO DA GOVERNANÇA ENERGÉTICA GLOBALFernanda Torres Volpon ........................................................................................ 249

Parte IV A PROTEÇÃO DO INDIVÍDUO NA GOVERNANÇA GLOBAL .............. 269

CaPítulo 15UM OUTRO OLHAR SOBRE OS INDIVÍDUOS: PASSOS PARA UMA DEMOCRATIZAÇÃO DO ESPAÇO INTERNACIONAL?Matheus Farinhas .................................................................................................... 270

CaPítulo 16GOVERNANÇA GLOBAL EM TEMPOS DE CRISE: A EXPERIÊNCIA DO DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOSEraldo Silva Junior .................................................................................................. 285

CaPítulo 17A GOVERNANÇA GLOBAL E AS “FRONTEIRAS” DO ESTADO-NAÇÃO: O PROJETO DESLOCADOS INTERNOSEduardo Paredes ....................................................................................................... 301

CaPítulo 18TRÁFICO DE PESSOAS E GOVERNANÇA GLOBALElizabeth Goraieb e Rodrigo Cerveira Cittadino ............................................. 330

XIII

PreFácio

Será o canto de cisne do Estado?Definitivamente, 2016 não foi um ano bom para a globalização. O atro-

pelo da consulta popular britânica apontando para fora do continente euro-peu e a promessa de abandono da Parceria Trans-Pacífico por seus principais beneficiários, os Estados Unidos, estão bem longe de ser boas notícias para os que tanto apostaram no incremento da interdependência econômica e na força construtiva de tratados e organizações para a superação definitiva dos tantos ressentimentos e temores incrustados em cada centímetro quadrado dos terre-nos nacionais, onde máculas sanguinolentas jazem a milímetros da superfície. Dessa matéria alimentam-se os Estados. Resta saber se as mais recentes notícias encerram um último grito em face do inevitável fim, ou se são expressão de uma vitalidade verdadeira e bem sustentada.

Globalização e governança global são questões obviamente imbricadas. Isso decorre não apenas do uso da mesma referência ao globo, mas a razões de fundo que se colocam na base das dinâmicas econômicas, sociais e políticas subjacentes à emergência de estruturas de governança sem governo, para empregar expressão cunhada por Rosenau e Czempiel em 19921, ainda naquele momento, entre a Queda do Muro de Berlim e o Onze de Setembro, em que tudo parecia confluir para o incremento da influência de instituições internacionais e, conforme tantos e tantos, um mundo amalgamado pelas forças benfazejas do mercado. Hoje, em face das ameaças explícitas de novas formas de nacionalismo e o fortalecimento de um mercantilismo conservador, pautado pela promessa de manutenção de postos de trabalho, parece arrefecer a temática da construção paulatina de insti-tuições capazes de ordenar, de baixo para cima, o campo internacional.

Nesse contexto, é importantíssimo este livro. Como resultado de refle-xão recente e bem fundamentada, lança novos olhares sobre as inúmeras pos-sibilidades abertas pelo futuro e em temas como o comércio internacional, os investimentos estrangeiros, as empresas transnacionais, o meio ambiente

1 ROSENAU, J. N; CZEMPIEL, E. O. Governance Without Government: Order and Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.

XIV

em sua dimensão mundial, corrupção, compliance, energia e movimentos de pessoas, como imigrantes e refugiados. Há, ainda, o tratamento adequado de bases e princípios teóricos vinculados à governança, com a discussão da com-petência regulatória, a função e os limites de instrumentos democráticos e a generalização de parâmetros mediante as formas não hierarquizadas do que vem se convencionando chamar o Direito Administrativo Global.

Percebe-se, desde logo, a regência bem afinada e compassada da Profa. Maril-da Rosado de Sá Ribeiro. Ao conduzir os trabalhos com as mãos suaves e batuta rigorosa, concatenou obra coletiva dotada de elevados padrões de coerência e unidade: se põe longe de um mero amontoado de textos, mas se faz na forma de contribuição cooperada e com sólido compartilhamento de bases bibliográficas e teóricas, geradoras de grande harmonia. Assim soam as boas sinfonias...

Dito isso, há umas poucas digressões a fazer sobre o tema da governança global.

A narrativa histórica mais difundida a respeito da ampliação dos espaços geográficos submetidos a padrões uniformes de regulação parece se concentrar, com o perdão da simplificação excessiva, na seguinte hipótese: desenvolvimen-tos materiais relacionados com o incremento da produtividade se dão em relação direta com a especialização e escala que criam condições para medidas políticas de expansão territorial dos espaços institucionalmente favoráveis à circulação e produção de bens e serviços. Em outras palavras, se propõe uma circularidade virtuosa entre (a) aumento da produtividade, (b) aumento da escala técnica, (c) maiores espaços de circulação e (d) estruturação institucional e política de áreas geográficas mais amplas.

Trata-se, claro, de uma proposição razoavelmente frouxa, cuja abertura possibilita especulações ao longo de larguíssimas seções do espectro ideológi-co, do marxismo à economia neoinstitucional. Como construída pressupondo uma complexa causalidade circular, não propõe uma discussão de origem; a questão de se as instituições se adaptam às mudanças econômicas ou se estas são liberadas pelas reconfigurações sociais ou políticas não se coloca ou, me-lhor dizendo, pode ser tida como uma falsa questão. Não se pretende, aqui, qualquer aprofundamento na direção da construção de hipóteses mais especí-ficas e, portanto, mais sujeitas à falseabilidade, para lançar mão do velho crité-rio popperiano. Seleciona-se, porém, o tema das características das autoridades capazes de gerar a ampliação geográfica, ou seja, da conformação orgânica e normativa das formas de ampliação e consolidação de âmbitos econômicos.

O problema e seu tratamento se aglutinam em torno da seguinte questão: a estruturação dos espaços e instituições depende da centralização do poder em uma autoridade organizada, ou pode, tout court, emergir das dinâmicas sociais e econômicas? Os roteiros de resposta mais comuns apontam para a prévia formação da autoridade. É o caso da weberiana transformação do poder

XV

carismático em burocrático a partir da rotina2, do cercamento dos campos na Inglaterra e a constatação marxista de seus efeitos sobre a formação do prole-tariado3, das transformações territoriais e institucionais alemãs descritas no clássico texto de Gustav Schmoller4 e da Grande Transformação descrita por Karl Polanyi5, entre outros. Cabe enfatizar, não obstante, a longa distância de tal linha em relação à visão naïf da existência prévia de autoridades suficiente-mente fortes, mas deixam clara a imbricação profunda entre as transformações sociais e econômicas e a composição da política; não se abre mão, entretanto, de centralização organizacional e normativa como necessária para a integração de unidades menores em mercados mais amplos.

Os estudos de governança global, porém, observam os fenômenos atuais de perspectiva bem diferente: a da estruturação a partir da emergência de for-mas descentralizadas de estabilização e regulação de relações.

Tal posição parte do reconhecimento da extrema dificuldade de transfor-mação do sistema internacional de Estados em contínua tensão, caracterizado pela ausência de uma hierarquia institucionalizada e vínculos formais capa-zes de gerar coesão de ações. Assim, embora não seja incomum o flerte com tendências cognitivistas e construtivistas das Relações Internacionais, a noção de ajustes institucionais emergentes como forma de ordenação de aspectos da vivência transnacional se dá relativamente bem com o realismo. Em outros termos: teorias de governança global não são apontadas para a solução da ques-tão da ordem, ou anarquia, internacional, nem implicam necessariamente em afirmações cabais sobre o incremento da interdependência e do adensamento institucional emergente como formas de construção de uma unidade mundial política e social. Sua preocupação é mais tópica; delimitada tematicamente. Daí, aliás, a estrutura do livro, composto pela análise de vários aspectos da go-vernança sobre o pano de fundo teórico da governança sem governo.

Por outro lado, pelo menos observando desde a matriz ocidental de compreensão histórica e geográfica, as formas de governança são específicas e exclusivas do momento em que se vive, assim como a origem e o hipocentro da globalização se situam na Europa e no Atlântico Norte, respectivamente. Mais interessante, porém, é o caráter essencial do mercado para a compreen-são desses fenômenos.

Um breve lembrete: ocupar o tempo de uma ou duas gerações é suficien-te para que algo seja visto como antigo, formado desde tempos imemoriais. Por exemplo, ver uma árvore centenária inspira sentimentos de eternidade.

2 WEBER, M. Economía y sociedad. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1964.3 MARX, K. O Capital, v. 1. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/4 SCHMOLLER, G. The mercantile system and its historical significance, illustrated chiefly from Prussian history.

Nova Iorque, MacMillan and Co, 1896.5 POLANYI, K. The Great Transformation. Boston: Beacon Press, 1957.

XVI

Ora: o Estado e o mercado tais quais os conhecemos são extremamente recentes na História, com esforço contam dois séculos e há inúmeras áreas do globo às quais não chegaram.

Como se sabe, a ideia de uma economia de mercado, compreendida in-tegralmente como um sistema de elevada autonomia na tomada de decisões para o aproveitamento ótimo de recursos escassos, depende da transformação profunda das atividades produtivas, sobretudo na compreensão do trabalho6. Decerto, moeda e trocas são elementos existentes há longuíssima data; a própria História ocidental as identifica na Antiguidade.

Mas, e esse é o ponto mais importante, nunca, antes do final do século XVIII em alguns lugares da Europa e América, o trabalho havia sido organi-zado fora de estruturas tradicionais ou, no máximo, de autoridade. A ideia de trabalho livre remunerado ou, como preferem os marxistas, convertido em mercadoria, é estranha a qualquer outra Idade ou Civilização. A comoditização do trabalho é elemento essencial para a calculabilidade dos processos produtivos; noções como custo total, médio ou marginal, tão importantes para a formação da oferta, são totalmente alheias a qualquer outra organização social, da antiga China aos maias, dos faraós aos barões medievais.

Não é a toa que, pelo menos desde Adam Smith, uma das temáticas cen-trais da política e da sociedade é a tensão entre a necessidade de institucionali-zar e regular o mercado, por um lado, e a de criar espaços de organização pro-dutiva e intercâmbio privados, por outro. Considerando a globalização como o fenômeno de alcance radical e último do mercado, conquistador de novas terras e âmbitos da vida humana, a governança global surge como proposta alternativa à constituição de uma autoridade mundial, cuja missão é institucio-nalizar, regular e manter espaços econômicos privados. São processos com uma dinâmica em que as dimensões externa – marcada pelas trocas entre unidades político-econômicas, como cidades medievais e Estados modernos – e interna – caracterizada pela integração complexa dos fatores produtivos na forma de mercado – se complementam, havendo influência e imbricação mútua entre o fortalecimento de redes internacionais de troca e a transformação dos arranjos sociais e econômicos internos que, mediante homogeneizações estruturais de longo prazo, assentam as bases da emergência de formas políticas com maior abrangência territorial e setorial7.

Dos temas debatidos nessa obra, pode-se afirmar um ajuste perfeito com os aspectos fulcrais da governança e seus desafios. O tratamento do comércio e dos investimentos se põe na vertente externa de expansão dos âmbitos de trocas e fluxos entre unidades políticas discretas, apontando para as vantagens

6 POLANYI. Op. cit. 7 SWEDBERG, Richard. Markets in society. SWEDBERG and GRANOVETTER (Orgs.), The Sociology of eco-

nomic life, 2a Ed. Boulder: Westview, 2001.

XVII

de organização e institucionalização consistentes. Não obstante, a percepção de um vácuo normativo e as necessidades de adaptação às sistemáticas regulatórias dos Estados tornam possível e desejável a articulação de instâncias internacio-nais e transnacionais de atuação e controle: corrupção, ambiente, energia, co-municações e fluxos de pessoas se apresentam, portanto, na forma de âmbitos temáticos nos quais ações de governança vem emergindo para constituir bases compartilhadas de relacionamento.

Afigura-se, nesse contexto, ingênua a visão de uma luta entre o mercado e a regulação pela ocupação dos vácuos existentes nos interstícios da política e do Direito internacionais. Embora permeado por conflitos e fraturas, o embate entre forças redutoras e geradoras de formas regulatórias pode ser melhor en-tendido e estudado a partir da constatação da indissociabilidade de economia e política, não de atores econômicos contra atores políticos. A purificação extre-ma das relações econômicas proposta pela Economia, sobretudo a neoclássica, estabelece um bom referencial teórico para a avaliação e o direcionamento das ações, mas é incapaz de abarcar os processos concretos de tomada de decisão: a exploração de minérios em um país estrangeiro necessariamente envolve as-pectos econômicos e políticos e, aí, nenhuma ação pode ser entendida desde um único ponto de vista, pois no mundo real o agir humano é necessariamente único, talvez à exceção de alguns quadros psicopatológicos. Ainda que em outra medida, mesmo quem compra uma maçã na feira não realiza uma operação impessoal e descolada da realidade social e política.

Ademais, a ideia de vácuos intersticiais ocupados pela governança se revela igualmente falaciosa. Melhor, nesse ponto, observar o aparecimento de novos mo-dos de relacionamento que se espremem nas esferas interna e externa, abrindo es-paço para novas manifestações constitutivas e regulatórias. Não se trata da ocupa-ção de espaços vazios, mas de cunhas impulsionadas por forças reais que deslocam e comprimem outros corpos. Destarte, a governança não se revela como frágil, apenas suficiente para ocupar o vácuo: ela é dinâmica e suficientemente plástica para abrir caminhos a outros meios de integração econômica, social e política.

Até hoje, o Estado e o mercado são irmãos siameses. A contradição entre um capitalismo mundial e estruturas políticas nacionalistas, portanto, ou é meramente ideológica, ou estabelece tensões cuja resolução pode se dar pela superação mediante uma mundialização política e econômica, a qual já foi prevista como sendo a da união internacional do proletariado. Talvez ainda venha a ser, pois as formas econômicas atualmente predominantes são as pau-tadas pela transformação do trabalho em mercadoria. Mas certamente a ideia de governança sem governo alega estar bem longe da de uma revolução capaz de reestruturar a política: ela, pelo menos aparentemente, abarca apenas aquilo que o Estado não cobre (vácuo) em campos onde é necessário fortalecer ou conter as forças do mercado (luta entre mercado e regulação).

XVIII

A construção de uma entidade política mundial centralizada ainda parece estar longe. Como árvores centenárias, os Estados parecem eternos. A integra-ção, vista como caminho incremental para um mundo unificado há quinze ou vinte anos, sofre ultimamente seus golpes: imobilidade da OMC, impasses dos mega-acordos, indícios de fragilidade da Europa unificada, inanição do Merco-sul. A globalização e a governança também vêm passando por seus apuros, em-bora, já que menos formais e rígidas, não mostrem sinais de fadiga definitiva.

Mesmo que não se possa prever o futuro, porém, a compreensão da go-vernança, seus limites e sua dinâmica são hoje fundamentais não apenas para entender o presente, mas para alinhavar estratégicas bem cortadas. Desse modo, as reflexões presentes nessa obra são necessárias para a compreensão dos âmbi-tos e formas da governança a partir de uma perspectiva brasileira, indispensável passo para compreender o papel do Direito, interno e internacional, na arqui-tetura, engenharia e concreção dos novos mundos.

JOSÉ AUGUSTO FONTOURA COSTAProfessor da Faculdade de Direito de São Paulo (USP). Professor do Mestrado em Direito da Saúde da UniSanta. Bolsista em produtividade do CNPq.

.

XIX

aPresentação

Uma vivência muito gratificante ao longo dos anos, na minha atuação como professora na pós-graduação na Faculdade de Direito da UERJ, foi o tra-balho com os Grupos de Pesquisa Institucional- os GPI´s. Neles compartilha-mos inquietações e fontes bibliográficas com os alunos, que muitas vezes estão engajados nos passos preliminares de suas pesquisas individuais para elabora-ção de suas dissertações e teses. Procurei sempre contribuir para que os textos debatidos em sala ajudassem a iluminar e fazê-los descobrir novas vertentes de análise para seus projetos.

O ano de 2014 foi um momento de inflexão nessas pesquisas, quando tive a oportunidade de conduzir estudos de pós-doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Sciences-Po, na França, sob a orientação do prof. Diego Fernández Arroyo, que ali atua como co-diretor do Centro de Governança Global.

A presença ao final do mesmo ano do professor entre nós, sob o patro-cínio do programa de cátedras francesas, permitiu que ele fosse co-regente de minhas duas turmas da pós. Foi sob sua inspiração que ofereci, pela primeira vez naquele ano, o GPI em Governança Global no programa de Direito Inter-nacional, atraindo para a primeira turma um numero reduzido de mestrandos e doutorandos. A partir de então passei a oferecer regularmente a cada ano a proposta em torno do tema da Governança Global, agregando novas fontes e perspectivas, passando a envolver gradativamente um grupo maior e mais diversificado, com alguns participantes egressos de outras linhas de pesquisa.

A presente obra é um inventário parcial do trabalho dos últimos três anos, e devo parte dos créditos ao apoio institucional recebido do CNPQ para a fase anterior dos estudos aqui referidos. Já se prevê sua continuidade, sobretudo a partir da articulação de parcerias com outros centros de pesquisa que contam com professores interessados no tema. O convite ao prefaciador da obra já ma-terializa uma dessas alianças, pois o prof. José Augusto Fontoura Costa, com o qual havíamos já colaborado em matéria de investimentos, também foi um dos primeiros autores brasileiros de Direito Internacional a escrever sobre o tema da Governança no Brasil.

XX

O norte para as parcerias a serem construídas está alicerçado, no exte-rior, no trabalho empreendido naquele centro de excelência (Universidade de Sciences-Po). Os seminários ali realizados facilitaram o processo de irradiação e inter-relacionamento com diversos centros de pesquisa no exterior, e a pro-dução acadêmica tem sido tão intensa, que este trabalho nem almeja fazer um inventário completo da abrangente temática.

Reportando-me à recente obra coletiva1 organizada pelo prof. Diego P.F. Arroyo com a profa. Horatia Muir Watt, posso pelo menos citar as vertentes ali focalizadas- o desafio epistemológico, que inclui, entre outros temas: (a) uma nova visão do direito comparado e da política e técnica do Direito Inter-nacional Privado em uma abordagem pós-crítica; (b) uma crítica política da homogeneização; (c) uma busca de legitimidade.

A relação entre os estudos de Governança Global e os novos rumos do Direito Internacional Privado foi focalizada em nossas discussões e também em dois artigos recentes de minha autoria2 assim como em trabalhos de alunos. Todos representam apenas uma fase embrionária de um projeto mais amplo que pretendemos continuar a desenvolver.

Vale mencionar que alguns autores estudados em nossos grupos de discus-são acadêmica3 defendem instigantes ideias quanto ao papel a ser exercido pelo Direito Internacional- uma verdadeira “função planetária”, além da cisão his-tórica entre os seus ramos público e privado. Um desafio maior seria o enfren-tamento da complexa questão do poder privado transnacional4. Entre outras demandas, nota-se o requerimento do reconhecimento do pluralismo jurídico, apesar das questões de legitimidade relacionadas,5 assim como a necessidade de redefinição do conceito clássico de territorialidade proveniente da divisão entre os ramos público e privado do Direito Internacional6. O Direito Internacional Privado pode contribuir no enfrentamento do poder privado informal ao rein-corporar o global na disciplina e construir uma ponte com o local, conectando os standards universais às circunstâncias locais7.

1 H. M. Watt / D. P F. arroyo, “Private International Law and Global Governance”, Oxford, 2014.2 RIBEIRO , Marilda Rosado de Sá, Novos rumos transnacionais do direito internacional privado. In; TIBURCIO,

Carmen, org. MORAES, Carlos Eduardo Guerra; RIBEIRO, Ricardo Lodi, coord. Direito Internacional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p.417-439. (Coleção Direito UERJ,6, ; RIBEIRO , Marilda Rosado de Sá, Novos ru-mos do Direito Internacional Privado, in ARROYO, Diego P. Fernández e RODDRIGUEZ, José Antonio Moreno , Contratos Internacionales , Jornadas de la SADIP, 2016. Buenos Aires, OEA e ASADIP. pp.351- 376.

3 Grupos de pesquisa da pós-graduação da FDUERJ.4 H. M. Watt, “Private International Law Beyond the Schism”, Transnational Legal Theory, Oxford, vol. 2, n. 3, 2011,

pp. 393-395.5 H. M. Watt, “Private International Law Beyond the Schism”, Transnational Legal Theory, Oxford, vol. 2, n. 3, 2011,

pp. 405-407.6 H. M. Watt, “Private International Law Beyond the Schism”, Transnational Legal Theory, Oxford, vol. 2, n. 3, 2011,

pp. 402, 403.7 H. M. Watt, “Private International Law Beyond the Schism”, Transnational Legal Theory, Oxford, vol. 2, n. 3, 2011,

pp. 420-423.

XXI

Ralf Michaels nota que a situação por vezes referida como crise de gover-nabilidade se tornou clara. Nesta, as ideias tradicionais sobre regulação focadas na regulação direta estatal não eram mais eficazes. Sob o aspecto normativo, era desejável mirar reformas mais amplas do que apenas naquelas das instituições estatais. A governança, então, permitiu uma alternativa ao governo por ser mais abrangente e incluir, além dos Estados, atores não estatais e ferramentas adicio-nais àquelas impostas em uma regulação de cima para baixo8.

Michaels defende ainda uma governança que transcenda a distinção entre as normas estatais e não estatais e viabilize a implementação da governança além de uma eventual dicotomia estatal/não estatal.

Apesar da crescente relevância adquirida pela produção normativa não estatal, por meio da proliferação do aparato regulatório dos atores corporati-vos, das organizações não governamentais e outras entidades, o autor critica a concepção da governança não estatal. Defende-se que essa esfera pode ter sido importante para superar a ideia de que toda norma é estatal, mas que, por outro lado, por se constituir da negação de uma ideia, não possui potencial construtivo. Para Michaels, a governança à qual se deve atentar positivamente é a governança além do Estado, que transcende as mencionadas barreiras e busca um sistema global funcionalmente diferente9.

A globalização se reflete positivamente na percepção de que a atuação lo-cal não deve ser desconectada de um pensamento global, conscientizando-se da universalidade e transcendência de fronteiras de inúmeras questões relevantes10, como o meio ambiente, o acesso a alimentos, os direitos humanos, e também a regulação do mercado financeiro, uma vez que crises internacionais e injustiças sociais podem assolar grande parte da sociedade internacional.

Nessa conjuntura, as esferas de autoridade chamam a atenção para as inúme-ras áreas nas quais diferentes atores interagem hierarquicamente. Enquanto em algumas esferas, os Estados e as organizações intergovernamentais são os atores prioritários, em outras, os Estados são atores secundários em relação a determina-das empresas transnacionais, organizações não governamentais, sociedades pro-fissionais, minorias étnicas, entre outros agentes da mudança na esfera global11.

Além disso, as situações privadas internacionais devem ser distinguidas. Se, por um lado, há a mitigação da multiplicidade de ordenamentos pela ela-boração de normas comuns por sistemas de integração, por outro, há o grande aumento dos fatos e relações jurídicas multiconectados.

8 r. MicHaels, “The mirage of non-state governance”, in: Utah Law Review, North America, 2010, 9.07.2010, p. 34.9 r. MicHaels, “The mirage of non-state governance”, in: Utah Law Review, North America, 2010, 9.07.2010, p. 59.10 D. P F. arroyo, “El Derecho Internacional Privado en el Inicio del Siglo XXI”, em: Direito Internacional: Estudos

em homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 91-92.11 . N. roseNau, The Study of World Politics, Volume 2: globalization and governance, 1ª ed., New York, Routledge,

2006, p. 34.

XXII

A presente obra faz um inventário de uma rica gama de temas, explorados com versatilidade e engajamento pelos jovens juristas, alguns dos quais já em proeminente posição em suas carreiras. Ao invés de discorrer mais longamente sobre a doutrina que discutimos, passo, em breve síntese, a apresentar os assun-tos abordados por cada um dos co-autores.

Em virtude da complexidade de temas envoltos à governança global e tra-zidos pelos co-autores em suas visões particulares, nosso objetivo foi criar seções em que os trabalhos dialogam entre si. Desse modo, a relação da Governança Global com investimentos estrangeiros e aspectos econômicos representou a te-mática desenvolvida na Parte I do livro. Em meu artigo em co-autoria com Ely Caetano Xavier Junior, intitulado Regulação dos investimentos estrangeiros e a governança global: convergência das dimensões públicas e privadas do Direito Internacional tratamos da Regulação dos investimentos estrangeiros e a governança global, desenvolvendo os aspectos de convergência das dimensões públicas e privadas do Direito Internacional.

Nesse cenário, em que a governança global se expressa através do meca-nismo de arbitragens, Orlando José Guterres Costa Júnior aborda a questão da publicidade, transparência e participação nas arbitragens de investimentos no trabalho Publicidade, transparência e participação em arbitragens de inves-timentos: credibilidade do regime de proteção a investimentos em debate.

Sob um viés econômico-financeiro, Brenda Maria Ramos Araújo investiga as políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI), com o trabalho inti-tulado: O FMI Como Arquiteto da Estabilização Financeira: O Papel dos Emergentes Na Governança Econômica Global. Neste trabalho, é analisada a efetividade do FMI como arquiteto da estabilização financeira, levando em consideração que a sua função de estabilizador depende da sua capacidade de acompanhar as mudanças da economia mundial. A pesquisa aproveita a con-juntura internacional contemporânea para refletir sobre o papel do FMI como um ator de governança global.

Aprofundando no tema mercado financeiro sob a ótica da governança global, Rodrigo Cerveira Cittadino se debruça em Divida Soberana, Fundos Abutres e Governança Global sobre o problema suscitado pelas ações condu-zidas pelos fundos abutres. Nessa perspectiva, procurou enumerar os mecanis-mos – contratuais, multilaterais, nacionais e jurisprudencial-doutrinários – que, na ausência de uma normatização internacional abrangente que regule a atua-ção desses investidores, ao menos conformam um regime de governança global voltado para conter eventuais abusos por eles cometidos.

Em seu artigo A Governança Global do Comércio e da Arbitragem Comercial Internacional, Bernard Potsch analisa os principais instrumentos de governança global do comércio e da arbitragem comercial internacional, identificando-os para, então, pontuar suas interações e influências no passado e

XXIII

na atualidade. Felipe Albuquerque traz, por sua vez, algumas reflexões sobre o uso da competição regulatória como paradigma para a regulação transnacional no trabalho intitulado Globalização Econômica e Regulação: as Relações en-tre a Competição Regulatória e o Direito Internacional Privado. A premissa básica por trás do modelo analisado subverte a lógica tradicional da regulação: os Estados devem se conformar às preferências dos particulares, e não o contrá-rio. O artigo apresenta algumas reflexões sobre o uso da competição regulatória como paradigma para a regulação transnacional.

Encerrando a Parte I do livro, Luis Eduardo Bianchi Cerqueira se propõe a mostrar as diferentes maneiras, pelas quais a doutrina tem compreendido a relação entre o Direito Internacional Privado e a Governança Global. Am-bos podem ser vistos como parte de um Direito Administrativo Global; outros doutrinadores afirmam que o Direito Internacional Privado é uma mera parte da Governança Global; outros trabalhos sugerem que existiria uma relação dia-lética entre um e outro; a Governança Global também é percebida como um desafio ao Direito Internacional Privado; o Direito Internacional Privado é considerado um problema de Governança Global e, por fim, mas, não menos importante, existe a visão crítica sobre a posição que vê o Direito Internacional Privado como uma questão de Governança Global. Todas essas visões são cami-nhos para a compreensão do fenômeno.

Partiu-se, portanto, para o desenvolvimento da Parte II do livro que busca tratar da interação entre governança global, empresas transnacionais e combate à corrupção. Guilherme de Jesus France apresenta o instigante título: Castelo de Areia: desafiando o consentimento estatal e (des)construindo a legitimidade do Grupo de Ação Financeira para abordar o desenvolvimento de um regime global de governança dos fluxos financeiros, com preocupação central na ques-tão da lavagem de dinheiro e, principalmente, do financiamento do terrorismo. Neste artigo pretende-se desmitificar uma narrativa amplamente disseminada a partir de uma visão crítica dos movimentos relacionados à governança global.

Caroline da Rosa Pinheiro e Raphael Vieira da Fonseca Rocha sob o título A Convenção da OCDE Sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais e seus Im-pactos Sobre A Governança Global e o Compliance, analisam o instituto do compliance, no qual se busca estabelecer os pontos convergentes e divergentes em relação à governança global, examinando a evolução do compliance no Brasil e destacando a importância da matéria após a entrada em vigor da Lei 12.846/13.

Ainda no âmbito da temática da Parte II do livro, Vlamir Costa Magalhães apresenta o texto Governança Global, Governança Corporativa e Criminal Compliance: entre conceitos, aspectos históricos e desafios contemporâ-neos, que além de tratar sobre questões como a definição da expressão gover-nança global e noções decorrentes deste tema, busca abordar o conceito de

XXIV

governança corporativa e sua vinculação com o ideal de prevenção e repressão da delinquência econômico-empresarial, nos moldes do que se convencionou denominar modernamente de criminal compliance.

Carolina Araújo de Azevedo Pizoeiro contribui com o tema: A ISO 37001:2016: Desdobramentos do Direito Administrativo Global no Com-bate à corrupção. Através da contextualização do tema da corrupção trans-nacional e da emergência de um Direito Administrativo Global decorrente de um processo de globalização econômico financeira, a autora informa acerca da recente edição da ISO 37001, a qual tem como objetivo principal ajudar as empresas a implementar o que se chama de “sistemas de gerenciamento anti--propina” (anti-bribery management systems – “ABMS”).

A Parte III do livro condensa os artigos que desenvolveram as dimensões transfronteiriças da governança global focalizando a internet, o meio-ambiente e a energia.

Isabella Almeida de Sá e Benevides apresenta o texto Governança Glo-bal e Governança Da Internet: Uma Análise Do Direito Internacional E Brasileiro, o qual aborda o fenômeno da governança global e a gover-nança da Internet no contexto da revolução da informação contemporânea, que através das tecnologias de informação e comunicação vem permitindo a transmissão multidirecional da informação e modificando a sociedade em seus diversos setores. São analisados os exemplos de regulação da internet no Brasil que, através da atuação do CGI.br. e por meio do Marco Civil da Internet, estabelecem garantias e princípios, como o princípio da garantia da neutralidade da rede, e uma governança em consonância com as liberdades fundamentais e os direitos humanos.

Pedro Farias Oliveira investiga O impacto do Acordo de Paris para a Governança Ambiental Global, trabalho que pretende analisar dois grandes instrumentos consagrados como a Convenção-Quadro das Nações Unidas so-bre Mudança do Clima e o Protocolo de Quioto, identificando suas principais características e falhas para, em seguida, adentra-se a análise do recente Acordo de Paris, procurando-se estabelecer seus principais traços e diferenças em rela-ção aos mecanismos já vigentes.

Fernanda Torres Volpon em seu artigo O Mosaico Regulatório da Governança Energética Global, se debruça sobre os aspectos fundamentais da governança energética global, seu objeto e atores. Neste trabalho, Fernanda Vol-pon busca, ainda, tratar dos dilemas da governança em um setor tão estratégico, já que um grande número de políticas se desenvolveu em torno da regulação do setor da energia resultando em um cenário inquietante de fragmentação.

A proteção do individuo na governança global é tema da Parte IV do livro. Matheus Farinhas de Oliveira lança a seguinte temática: Um outro olhar sobre os indivíduos: passos para uma democratização do espaço internacional?

XXV

objetivando uma análise da teoria do direito internacional, no momento em que tanto o direito internacional público como o direito internacional privado buscam uma superação ao voluntarismo. Para Matheus Farinhas, existem dois caminhos: o primeiro leva a uma filosofia moral abrangente que fundamente o direito internacional; o segundo é o da governança global como a criação de um direito administrativo global, nascido da autorregulação desses atores no cenário internacional.

Eraldo Silva Júnior trata da Governança global em tempos de crise: o caso do direito internacional dos refugiados, partindo do cenário de crise econômica mundial iniciada em 2007, a qual ainda está produzindo efeitos devastadores e levando à rediscussão do tema da boa governança. O direito internacional dos refugiados, no qual diversos atores públicos e privados atuam em conjunto, oferece bons exemplos de conjugação de governança pública e privada que, em alguma medida, podem ser replicados em outros contextos.

Eduardo Paredes estuda a Governança Global e as “Fronteiras” Do Estado-Nação: O Projeto Deslocados Internos, aprofundando o Projeto Deslocados Internos, que vem sendo desenvolvido por Estados, organizações internacionais, organizações não-governamentais, comunidades e indivíduos, demonstrando como os mecanismos de governança global podem dialogar na construção dos direitos humanos dos deslocados internos e revisando o concei-to da soberania como responsabilidade

Esta última parte do livro finaliza-se com a contribuição de Elizabeth Goraieb e Rodrigo Cittadino, co-autores que propõem uma análise jurídica do Tráfico de pessoas e governança global, elencando os instrumentos inter-nacionais que buscam prevenir e combater esse crime, bem como os variados atores que participam de seu enfrentamento. Apresenta-se, ainda, a política brasileira antitráfico, a fim de demonstrar como o Brasil se insere nesse regime de governança global.

Esperamos que esta obra coletiva contribua para o aprofundamento da pesquisa brasileira sobre o tema da governança global. O amplo espectro de temas de interesse desenhado pelas descobertas feitas ao longo dos estudos dos GPI´s demonstra que ainda temos muito a desenvolver. O projeto de estudos vai além desta produção coletiva, almejando na fase subsequente uma amplia-ção do diálogo com a produção internacional sobre o tema.

Esta iniciativa não seria possível sem o inestimável engajamento de Fer-nanda Volpon, doutoranda que já havia feito o mestrado sob minha orienta-ção, e voltou aos estudos após alguns anos de rica experiência profissional. Ali acumulou uma experiência de gerenciamento de crises que permitiu a su-peração dos desafios para atingirmos as metas. Também devemos ao sempre presente querido Ely Caetano Xavier Jr. sua valiosa colaboração com dicas de organização escudado na experiência da obra coletiva que ajudou a organizar.

XXVI

À antiga orientanda e agora professora e coordenadora da pós da UFF Clarissa Brandão, pelo estímulo de sua amizade e pelo encorajamento para continuar a enfrentar o trabalho de publicações coletivas e os percalços e compensações envolvidos. Também ao nosso editor, Renato Caram, que confiou em nosso trabalho e acreditou ser possível enfrentar os desafios dos prazos exíguos.

MARILDA ROSADO