32
0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ELZA SANTOS EPISTEMOLOGIA DO AFETO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO AMARGOSA 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

0

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

ELZA SANTOS

EPISTEMOLOGIA DO AFETO

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

AMARGOSA

2017

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

1

ELZA SANTOS

EPISTEMOLOGIA DO AFETO

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de

Licenciatura em Filosofia do Centro de Formação de

Professores da Universidade Federal do Recôncavo da

Bahia, como requisito parcial para a obtenção do título de

licenciada em Filosofia.

Orientador (a): Prof. Dr. Emanoel Roque Soares

AMARGOSA

2017

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

2

ELZA SANTOS

EPISTEMOLOGIA DO AFETO

Este TCC foi apresentado no CFP da UFRB, em Amargosa, BA, no dia 06 de

abril de 2017.

___________________________________________________________

Prof. Dr. Emanoel Roque Soares (UFRB)

___________________________________________________________

Profª. Drª. Denise Magalhães

__________________________________________________________

Prof. Dr. Ricardo Henrique Andrade

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

3

“Os sentimentos modificam o pensamento, a ação e o entorno; A ação modifica o

pensamento, os sentimentos e o entorno; o entorno influi nos pensamentos, nos sentimentos e

na ação; os pensamentos influem no sentimento, na ação e no entorno.”

José Antonio Marina

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

4

AGRADECIMENTOS

À Deus,

Que nunca me deixou só nos momentos difíceis. Que através de sua presença no próximo

transmitiu a luz da sabedoria, a fé e a coragem e acima de tudo agradecer pela vossa

misericórdia derramada sobre mim para que pudesse chegar com êxito ao final de mais uma

caminhada.

À minha família,

Meu sincero agradecimento pela dedicação e pelo exemplo não saberia exprimir em palavras

o especial carinho e minha eterna gratidão.

Aos colegas e amigos,

Até aqui viajamos juntos. Passaram vilas e cidades, cachoeiras e rios, bosques e florestas. Não

faltaram os grandes obstáculos. Frequentes foram as cercas, ajudando a transpor abismos. As

subidas e descidas foram realidade sempre presente. Juntos, percorremos retas, nos apoiamos

nas curvas, descobrimos cidades. Chegou o momento de cada um seguir viagem sozinho. Que

as experiências compartilhadas no percurso até aqui sejam a alavanca para alcançarmos a

alegria de chegar ao destino projetado. A nossa saudade e a nossa esperança de um reencontro

aos que, por vários motivos, nos deixaram, seguindo outros caminhos. Obrigado a todos que

contribuíram direta e indiretamente para que este momento se tornasse real, agradeço em

especial a Daiane soares e Eliene Silva que comigo dividiram as dificuldades e os méritos

desta conquista. Meninas uma despedida é necessária antes que possamos nos encontrar

novamente. Que nossas despedidas sejam um eterno reencontro.

Aos professores,

Guardo comigo a certeza de nossa amizade e o reconhecimento pelo carinho e dedicação em

compartilharem comigo o seu saber. E de forma especial ao meu orientador Emanuel Soares.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

5

RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso aborda a importância da afetividade na relação

professor-aluno no contexto de sala de aula. Sabe-se que a afetividade é um dos fatores

indispensáveis ao desenvolvimento integral do aluno. A aprendizagem começa nos primeiros

momentos da vida da criança e segue por toda vida. A criança vai para escola com uma

bagagem afetiva com base no que ela vivenciou com seus pais. Portanto, a relação afetiva e a

cognitiva caminham juntas em sala de aula e o professor deve proporcionar ao aluno uma

ação educativa que favoreça o seu crescimento intelectual e emocional, tornando o processo

ensino-aprendizagem um momento de encantamento e de integração social. Assim, espera-se

que os estudos feitos aqui possam corroborar com a prática pedagógica e servir de

instrumentos ao processo educacional.

Palavras-chaves: Afetividade. Ensino-aprendizagem. Relação professor-aluno.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

6

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO . ...................................................................................................................7

2. AFETIVIDADE EM ROUSSEAU..............................................................................10

2.1 Emilio ou Da Educação....................................................................................................12

2.2 A condição humana no estado de natureza...............................................................15

3. AFETIVIDADE EM PIAGET ...................................................................................19

3.1 A afetividade e a aprendizagem ...............................................................................19

3.2 A relação professor-aluno em sala de aula ..............................................................22

4. Considerações Finais ...............................................................................................28

5. Referências............................................................................................................... 30

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

7

1. INTRODUÇÃO

Estamos vivenciando a era da tecnologia em que temos acessos a inúmeros serviços e

informações desenvolvidos para facilitar nossas atividades diárias. Ao mesmo tempo,

contudo, podemos perceber um maior afastamento entre as pessoas, que dão preferência ao

entretenimento virtual, ocupando o seu tempo com aparelhos eletrônicos em detrimento das

relações humanas, aquelas que verdadeiramente contribuem no nosso autoconhecimento, na

compreensão dos nossos sentimentos e conflitos interiores. Assim sendo, os espaços da

educação formal é um lugar privilegiado no que tange a interação entre os indivíduos por

instigar e proporcionar as relações interpessoais, pelo encontro diário entre pessoas que

objetivam a construção do saber, do conhecer e do dialogar. Além disso, passamos a maior

parte da nossa vida na escola, onde vivenciamos experiências extremamente significativas no

processo de construção da nossa identidade, da nossa vida social e afetiva.

Dito isto, o que pretendemos apresentar é a importância da comunicação, da relação

humana, do diálogo e, sobretudo, do afeto no desenvolvimento das nossas capacidades

cognitivas, no processo de construção do nosso conhecimento, no reconhecimento daquilo

que somos e de tudo aquilo que faz parte do mundo em que habitamos. Defenderemos ainda,

o quanto o resultado daquilo que nos tornamos pode ser influenciado pelas experiências

vividas durante o nosso processo educativo. Em outras palavras, a educação tem um papel

fundamental na formação do nosso conceito de mundo e se esse conceito será positivo ou

negativo vai depender de como vivenciamos a sociabilidade, o respeito, o acolhimento, os

estímulos, a interação entre professor e aluno, enfim se há ou não afetividade. Destarte, de

acordo com o dicionário filosófico a palavra afeto

Designa o conjunto de atos ou de atitudes como a bondade, a benevolência,

a inclinação, a devoção, a proteção, o apego, a gratidão, a ternura, etc, que,

no seu todo, podem ser caracterizados como a situação em que uma pessoa

“preocupa-se com” ou “cuida de” outra pessoa ou em que esta responde,

positivamente, aos cuidados ou a preocupação de que foi objeto

(ABBAGNANO, 2007, p. 21).

Nesse sentido, mais que uma variedade do amor, o afeto é uma necessidade, pois

sentimos sua ausência, necessitamos de proteção, acolhimento, compreensão, atenção, ou

seja, de um ambiente em que podemos sentir a segurança daqueles que estão a nossa volta,

daqueles que constituem nosso ciclo de relacionamento. É nessa perspectiva, que

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

8

abordaremos a afetividade como possuidora de importância fundamental no

desenvolvimento cognitivo da criança.

Nossa proposta visa defender que um ambiente baseado sob o vinculo mútuo da

benevolência, da simpatia, do apreço, da estima e da afeição, provavelmente propiciará uma

melhor integração entre os envolvidos no processo educacional e, consequentemente, um

melhor aprendizado. Não obstante, quando fazemos menção a aprendizagem não temos em

mente a transmissão de determinados conteúdos transmitidos de um indivíduo para outro,

antes nos referimos à aprendizagem no tocante as relações humanas, àquilo que somos

enquanto seres gregários, possuidores de sentimentos e emoções contraditórias que precisam

ser balanceadas no decorrer da nossa existência.

Desta forma, os educadores não podem negligenciar que o fator afetivo contribui

significativamente no crescimento, amadurecimento e adaptação do educando ao mundo

coletivo. O que significa que devemos ter em mente que nossas emoções podem se constituir

como estimulo tanto positivo, quanto negativo no decorrer do nosso percurso educacional.

Como parte integrante daquilo que somos e como nos relacionamos, o afeto é

imprescindível na construção dos vínculos que serão estabelecidos durante o processo de

ensino aprendizagem e, por conseguinte, ampliados nas demais esferas das relações

humanas.

Um ambiente educacional construído a partir de sentimentos primitivos como

hostilidade, agressividade, ameaça e constrangimentos podem inibir as aspirações daqueles

que estão em processo de construção da compreensão dos significados da vida. Assim sendo,

é vital que o ambiente educacional deva ser desenvolvido de tal forma que proporcione ao

educando a sensação de segurança, tranquilidade, proteção e cuidado. Isto posto, irá

possibilitar o pleno desenvolvimento da autoconfiança do educando, permitindo o

desbravamento do mundo a sua volta, a fim de que ele disponha dos enriquecedores

aprendizados das experiências emocionais na vivência gregária, sem ter o enriquecimento do

seu mundo interior podado ou a inibição da descoberta dos diversos sentidos que nos levam a

desejar e construir um mundo melhor.

Dito isto, tendo como base grandes pensadores como Jean Piaget e Jean-Jacques

Rousseau este trabalho monográfico apresentará o tema da afetividade, tendo como enfoque

principal a relação entre professor e aluno.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

9

Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-

Jacques Rousseau, no que tange a educação, buscando ver nas entrelinhas como aparece a

afetividade nos textos que tratam da educação, principalmente nos escritos do “Emilio” e

“Projeto para educação do senhor de Sainte-Marie”. Assim sendo, buscamos mostrar como

Rousseau pensa a educação com base na relação estabelecida entre o educador e o educando

tendo em vista a afetividade.

Por sua vez, no segundo capítulo da presente monografia, apresentaremos como esta

relação é apresentada pelo filósofo suíço Jean Piaget, sobretudo a base sobre a qual se

constrói o conhecimento racional dentro da realidade social em que estão inseridos e os

principais distúrbios que interferem na aprendizagem dos alunos. Segundo Piaget, a

afetividade é um dos fatores indispensáveis para o desenvolvimento intelectual. As junções

afetivas dizem respeito à necessidade de expressão e sua finalidade. Apesar de distinguir as

funções de conhecimento, da representação e da afetividade, estas se desenvolvem de forma

interdependente, indissociável e complementar. É sob este prisma que no sistema teórico de

Piaget a afetividade se apresenta.

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

10

2. CAPÍTULO I

A AFETIVIDADE EM ROUSSEAU

Pretendemos neste capitulo apresentar as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jaques

Rousseau no que tange a educação. Buscamos ver nas entrelinhas como aparece a afetividade

nos textos que tratam da educação, especificamente nos escritos do Emilio e Projeto para

educação do senhor de Sainte-Marie. Nessa esteira, investigaremos como Rousseau projeta o

processo educativo que, de antemão, tem por base a relação estabelecida entre o educador e o

educando. Assim sendo, nosso caminho investigativo buscou não perder de vista o papel da

afetividade no cerne dessa relação.

É preciso ter em mente que no “Projeto para a educação do Senhor de Sainte-Marie” é

apresentado uma proposta de educação especifica para uma criança determinada, é uma

espécie de sistematização do processo educativo que será seguido para educar os filhos do Sr.

Jean Bonnot de Mably1. Nesse projeto o educador ou mestre como o filósofo prefere utilizar,

desenvolve um papel importantíssimo no desenvolvimento do educando e esse papel,

podemos observar, necessita de um relacionamento que tenha como pressuposto uma

aproximação afetiva, por assim dizer.

Assim como a relação entre pai e filho é estabelecida sob sentimentos recíprocos de

afeto e reconhecimento, por parte do filho, da autoridade da figura do pai. Da mesma forma, o

mestre e o educando devem estabelecer um relacionamento de mútua correspondência afetiva.

E igualmente deve o jovem, que está sendo educado, reconhecer no educador uma espécie de

autoridade. Disto segue que a figura do mestre exerce um papel fundamental no processo

educativo, tal como afirma Rousseau:

Um mestre deve ser temido; é preciso para tanto que o aluno esteja bem

convencido de que ele está no direito de puni-lo: mas deve sobretudo ser

amado, e que meios tem um governante de se fazer amar por uma criança a

quem ele nunca tem a propor senão ocupações contrárias ao seu gosto, se

não tiver, por outro lado, poder para conceder-lhe esporadicamente pequenos

agrados que quase nada custam em despesas ou perda de tempo, e que não

deixam , se oportunamente proporcionados , de causar profunda impressão

numa criança, e de ligá-la bastante a seu mestre (ROUSSEAU, 1994, P.23).

1 Em 1740, Rousseau foi convidado por Jean Bonnot de Mably para ser o preceptor dos seus filhos François

(Saint-Marie) de 5 anos de idade e Jean (Condillac) de 4 anos.

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

11

O processo pedagógico elaborado aqui é rígido e com regras bem estabelecidas.

Estas regras, contudo, podem ser negociadas entre mestre e aluno. Essa negociação configura-

se, sobretudo, como uma forma de recompensar o educando pela sua dedicação aos estudos e

pela sua boa conduta. Dito de outra forma, o mestre deve ser amado, mesmo tendo que impor

regras e disciplina ao jovem e a forma como ele irá conquistar seu aluno será dosando as

regras com algumas regalias. Em outras palavras, deve-se utilizar o bom senso para equilibrar

a rigidez da disciplina com a compensação de bônus pelo cumprimento das ordens

estabelecidas.

Outro aspecto observado na obra acima citada, no que tange a proposta pedagógica

do nosso filósofo é que ele se posiciona de forma contrária ao método de maus-tratos, como

por exemplo, com palmadas. Isso pode ser observado na descrição feita por Rousseau do

relacionamento entre o educando e as pessoas que o rodeiam. O gosto pelos estudos de forma

alguma será adquirido por meios violentos. A repulsa aos estudos que por ventura venha a

surgir é proveniente do fato do momento dedicado aos estudos significar o afastamento das

crianças dos momentos de lazer. Durante a infância as brincadeiras significam a maior fonte

que proporciona satisfação e enquanto o infante estiver ocupado com as atividades educativas

estará longe das horas mais divertidas da sua vida.

Já a violência não deve ajudar em nada, expliquei anteriormente o motivo:

mas para que isto volte a ele naturalmente, é preciso remontar até às raízes

desta antipatia. Essas raízes estão no gosto excessivo pela indisciplina que

ele adquiriu brincando com seus irmãos e sua irmã, que faz com que ele não

possa suportar ser afastado deles um instante sequer, e que tome aversão a

tudo o que produza este efeito: pois , por outro lado , estou convencido de

que ele não sente nenhum ódio pelo estudo em si, e que até existem nele

aptidões que prometem muito (ROUSSEAU, 1994, p. 75).

De antemão, podemos afirmar que a educação elaborada por Rousseau não é

conteudista, mas disciplinadora. A sua eficiência não está ancorada no acúmulo de

conhecimentos enciclopédicos, mas sim na conservação dos bons costumes e,

consequentemente, na repreensão dos maus hábitos adquiridos no convívio social. Nesse

“Projeto para educação do senhor de Sainte-Marie”, o filósofo aduz que o processo

pedagógico deve pretender o pleno desenvolvimento da dimensão humana, e assim, propõe

para a educação de um jovem formar-lhe o coração, o juízo, e o espírito seguindo essa ordem

respectivamente.

As primeiras aprendizagens acontecem no contato direto com a natureza que, por

assim dizer, é o primeiro mestre. É nesse momento que começa o processo de formação do

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

12

coração, o que significa que é preciso preservar as virtudes da criança dos possíveis danos

causados pelo contato com ações humanas corruptíveis. Essa fase também inclui o processo

de autoconhecimento e controle das paixões. Contudo, a convivência social igualmente é

essencial, até porque a sua proposta é de preparar o jovem para ser integrado a sociedade, ou

seja, para ser cidadão. Apesar de ressaltar a importância do aprendizado com a natureza, a

razão é um elemento essencial na formação do jovem:

A retidão do coração, quando fortalecida pelo raciocínio, é a fonte da justeza

do espírito; um homem de bem quase sempre pensa justamente, e quando se

é acostumado desde a infância a não desconsiderar a reflexão e a só se

entregar ao prazer presente depois de ter ponderado suas conseqüências e

pesado as vantagens e os inconvenientes, se possui, com um pouco de

experiência, quase todo o cabedal necessário para formar o entendimento.

Parece, com efeito, que o bom senso depende mais ainda dos sentimentos do

coração do que das luzes do espírito, e constata-se que as pessoas mais

sábias e mais esclarecidas nem sempre são aquelas que se comportam

melhor nos assuntos da vida (ROUSSEAU,1994, p.60).

2.1 Emilio ou Da Educação

No Emilio por sua vez, temos uma obra elaborada, abrangente e universal, vale

ressaltar que Emilio é um personagem imaginário, e que não é nosso objetivo descrever

detalhadamente todos os passos do processo educativo desse tratado, mas tão somente elencar

alguns aspectos de sua proposta de educação. Assim como “Projeto para educação do senhor

de Sainte-Marie”, no “Emilio” ou “Da Educação”, o filósofo fala do cuidado em não tornar o

mestre, diante do educando, uma autoridade despótica, além disso, as regras e disciplina

necessárias para o processo formativo não deve retirar da criança o prazer e o gozo

proveniente dessa fase da vida, qual seja, a infância.

Amai a infância; favorecei suas brincadeiras, seus prazeres, seu amável

instinto. Quem de nós não teve alguma vez saudade da sua época em que o

riso está sempre nos lábios, e a alma está sempre em paz? Por que quereis

retirar desses pequenos inocentes o gozo de um tempo tão curto que se lhes

foge, de um bem tão precioso, de que não poderiam abusar? Por que quereis

encher de amargura e de dores esses primeiras anos tão velozes, que não

mais voltarão para ele, assim como não voltarão para vós? (ROUSSEAU,

2004, p.72)

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

13

A partir desse momento faremos um breve panorama das fases trabalhadas por

Rousseau na sua proposta de educação, destacando as características que distinguem cada fase

da vida de Emílio.

Dito isto, a primeira frase descrita é a que vai do nascimento aos dois anos de idade;

sendo assim, de acordo com as características biológicas a criança nasce plena de bondade e,

desta forma, ela necessita de cuidados e proteção para que seu desenvolvimento ocorra de

maneira saudável, contudo, esses cuidados devem ser dosados de tal forma que não

comprometa o seu desenvolvimento espontâneo e natural. Para que isso ocorra o adulto, que

tem a função de ser o mediador deve suprir as necessidades da criança, a fim de evitar o

surgimento dos vícios que podem prejudicar sua formação.

Nascemos sensíveis e, desde o nascimento, somos afetados de diversas

maneiras pelos objetos que nos cercam. Assim que adquirimos, por assim

dizer, a consciência de nossas sensações, estamos dispostos a procurar ou a

evitar os objetos que as produzem, em primeiro lugar conforme elas sejam

agradáveis ou desagradáveis, depois, conforme a conveniência ou

inconveniência que encontramos entre nós e esses objetos e, enfim,

conforme os juízos que fazemos sobre a ideia de felicidade ou de perfeição

que a razão nos dá (ROUSSEAU, 2004, p.10).

O papel da educação, na idade da natureza ou segunda infância, é favorecer o contato

direto com a natureza sensível onde a criança poderá exercitar livremente o seu corpo estando

em contato direto com as provações da natureza. Feito dessa forma, o desenvolvimento de

suas habilidades ocorrerá adequadamente através de sua própria experiência onde ela adquire

consciência de suas capacidades e limitações. A criança deve conhecer suas fraquezas sem,

contudo, sofrer; uma vez que seu desenvolvimento cognitivo deve ser constituído segundo

tais capacidades. Em contato direto com a natureza a criança vivenciará as provações e

diversidades que lhes tornará preparada para enfrentar tais dificuldades, assim aprenderá a

cultivar as boas coisas. O objetivo dessa fase é aprimorar os sentidos e fortalecer o corpo, a

fim de que a criança possa vivenciar suas capacidades naturais, desfrutando cada momento

dessa etapa da vida que possui manifestações particulares.

Já na idade da força que é dos 12 aos 15 anos a imaginação está em pleno

desenvolvimento, assim sendo, por meio dos efeitos do contato direto com natureza, a criança

conhece a relação existente entre necessidade, sentidos e sentimentos que serão os meios para

a educação intelectual onde será capaz de transpor da necessidade para a utilidade.

No “Emílio” o mestre aparece como um governante, uma vez que Rousseau prefere

esse termo ao invés de preceptor, pois trata-se mais de conduzir do que instruir. Nessa obra

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

14

podemos perceber que o filósofo é enfático ao demonstrar que a relação entre o educador e o

educando é mais importante do que uma dita transmissão de saber. Em outras palavras, no

relacionamento diário entre professor e aluno o que deve ser tratado é antes o relacionamento

em si e não um conteúdo a ser transferido para aquele que é “despossuído de conhecimento”.

Nas etapas finais do processo educativo descrito pelo filósofo é dos 15 aos 20 anos,

onde a formação pedagógica, que até então tinha como pressuposto fortalecer o corpo e

refinar os sentidos, assume nessa fase, que é a idade da razão, o compromisso com as questões

dos sentimentos e das paixões que constituem a base da racionalidade e da moralidade. Assim

sendo, a educação deve proporcionar estruturas que favoreçam que o educando assuma a

responsabilidade para que alcance autonomia e assim possa exercer suas capacidades morais,

tais como, a bondade e a justiça.

Por sua vez, dos 20 aos 25 anos caracteriza-se por ser a idade da sabedoria, Emílio

alcançando a fase adulta já deve ter desenvolvido as habilidades corporais e intelectuais

necessárias para alcançar a independência e prover de seu próprio sustento. Nessa fase está

apto para fazer uso dos juízos e julgamentos morais, políticos e sociais, ou seja, está

preparado para assumir o seu papel de cidadão podendo construir laços matrimoniais com

Sofia2 para juntos formarem uma família.

Do que foi exposto podemos afirmar que de acordo com Rousseau a educação deve

ter em vista a vida da própria criança – e isso justifica-se uma vez que é ela o objeto e a fonte

da educação -, e não deve objetivar prepará-la ou modelá-la para a vida futura, pois uma vez

que os educadores tem essas pretensões isso poderá ser danoso ao desenvolvimento do

educando. Aquilo que a criança poderá se tornar deve ser o resultado de um processo,

auxiliado pelo mestre, que visa o seu desenvolvimento a partir da sua vivencia concreta, o que

perpassa as suas necessidades, os seus sentimentos, pensamentos e impulsos.

Não obstante, não prega que é necessário abandonar o educando à mercê dos

instintos. O processo educativo é o acompanhamento de todas as fases da vida do educando.

Destarte, a educação é permanente, é um processo de desenvolvimento, físico e intelectivo,

sentimental e racional. De forma alguma, o aluno deverá ser visto como um adulto em

2 O livro V do “Emílio” é dedicado a educação feminina que é representada pela figura de Sofia. A esta cabe o

papel de ser a mãe zelosa que faz o elo entre o pai e os filhos, além disso, os costumes, paixões, gostos, prazeres

e felicidade dos filhos são atributos provenientes dela. A proposta educacional para Sofia é diferenciada da de

Emílio, enquanto ele é educado pelos preceitos da razão, ela é considerada como despossuída de capacidade para

se envolver com as coisas da ciência. Em suma, seu papel social é meramente de esposa e mãe.

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

15

miniatura, todas as fases da sua vida deve ser respeitada, a brincadeira, o contato com a

natureza, as suas primeiras descobertas são tão importantes quanto as responsabilidades da

vida adulta. Tudo dependerá, para ocorrer na medida certa, da forma como será conduzido

pelo orientador.

2.2 A condição humana no estado de natureza

Chegamos a um ponto em que achamos necessário apresentar alguns elementos

conhecidos que caracterizam a filosofia de Jean-Jacques Rousseau para melhor

fundamentarmos nosso tema de pesquisa. Para tanto, faremos uso de algumas afirmações que

podem ser encontradas na obra “O Contrato Social”, em que Rousseau afirma que “o homem

nasce livre e por toda parte ele está agrilhoado (ROUSSEAU, 1999, p.9)”. Afirmação essa

que evidencia seu pensamento filosófico no que diz respeito a dicotomia em que o homem se

encontra em estado de natureza e vivendo em estado social.

O filósofo genebrino nos conduz a pensar, hipoteticamente, um estado natural em

que o homem se encontrava antes da convivência em sociedade, portanto contrário à História.

Nesse estado, ele concebe o homem privado de toda e qualquer característica adquirida na

vida em sociedade. Assim, descreve o homem natural como sendo solitário, independente,

preocupado apenas com o minuto presente, levando uma vida de ociosidade, tranquilidade e

inocência. Em suma, no estado de natureza o homem é um animal que vive em perfeita

harmonia com a natureza, sendo a mesma fonte de tudo que é necessário para sua

conservação.

Entretanto, é preciso salientar que há duas características que distingue o homem dos

outros animais, qual seja, a perfectibilidade e a liberdade. A primeira diz respeito a

capacidade da pessoa humana de se aperfeiçoar, aprender e evoluir; ela se desenvolve através

das circunstâncias e é acionada inconscientemente. A liberdade por sua vez, é a faculdade que

confere ao homem o poder de escolher, desejar e querer.

Assim sendo, podemos perceber que no estado natural não há leis ou qualquer tipo de

convenção, o homem vive livre, sem regras, acordos, laços afetivos ou qualquer tipo de

consciência moral. É guiado apenas pelo instinto de auto conservação, que por sua vez é

denominado por Rousseau como amor de si. Aqui podemos questionar se esse instinto não

levaria os homens a entrarem num estado de guerra de todos contra todos. Contudo, Rousseau

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

16

argumenta que o amor de si não é uma aptidão egoísta, porque esta é regulada pelo princípio

de piedade que se caracteriza pela repulsa em ver o sofrimento alheio.

Ao sair do estado natural, saída esta que ocorre quando a perfectibilidade é posta em

ação, a condição humana é alterada decorrendo daí todos os males que afligem a humanidade.

O amor de si perde espaço para o amor-próprio. Este último, por sua vez, prevalecerá na

vivencia em comunidade, dando espaço para surgir os conflitos, as desigualdades e todos os

tipos de infortúnios existentes.

A partir deste momento faz-se necessário, para manter a ordem e a boa convivência,

o surgimento de leis que regulem a vida em sociedade para que o caos não se estabeleça. Por

isso é necessário que haja o contrato social para garantir a existência da liberdade no estado

civil.

Disto segue que a corrupção no coração do homem é atribuída tão somente à

sociedade. Pois, em estado natural o coração humano está livre de todo tipo de perversidade.

Nesse contexto o papel da educação é preparar o homem para o convívio em sociedade,

buscando afastá-lo dos comportamentos indesejáveis. E isso comporta a educação integral,

tanto no que diz respeito à razão, quanto aos sentimentos, tanto a parte física, quanto ao que

diz respeito ao intelecto.

Nesse sentido a liberdade a pouco mencionada deve ser bem orientada para que não

sucumba a uma liberdade desordenada. A criança deve ser bem conduzida através das leis

estabelecidas na sociedade, a fim de evitar que ela se corrompa a qualquer vício. Se bem

orientada a criança terá todas as suas potencialidades direcionada ao caminho que conduzirá

ao amor pela conservação do bom convívio em sociedade, os seus instintos terá o devido

amadurecimento e, consequentemente, o pleno desenvolvimento da razão, que por sua vez

deve ser a principal responsável para conduzir a vida social.

Em síntese, a educação na proposta de Rousseau tem por objetivo evidenciar a

superioridade da razão. Esta em nada tem a ver com transmissão de informações ou com

moldar a natureza da criança, enquadrá-la em padrões de formas de pensamento, de ação e

sentimento. Antes, é um misto de natureza e vida social, em que uma deve trabalhar em

beneficio da outra, ambas devem formar um conjunto presente em todos os momentos do

desenvolvimento humano de forma uníssona. O que irá culminar no homem integral, em que

razão e sentimento estão bem orientados para o mantenimento do bem comum, para a boa

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

17

condução da ordem dos pilares da sociedade civil. Ou seja, é o caminho para uma sociedade

harmônica, livre de competições egoístas e disputas caóticas.

Podemos pensar com a atualização do pensamento de Rousseau, aprender com seus

ensinamentos pedagógicos e filosóficos que a educação em nada tem a ver com a

mecanização institucional do conhecimento, antes o significado que deve ser atribuído ao ato

de educar diz respeito a construção de sentidos direcionados a formação humana, a existência

integral do homem enquanto ser social e gregário. Com seus escritos aprendemos a

importância de refletir as dimensões humanas que devem ser o cerne da formação de cada

indivíduo.

As contribuições da sua proposta educacional para os dias de hoje são extremamente

significativas e necessárias. Chama a nossa atenção para as especificidades e complexidade do

ser homem em constante desenvolvimento físico e psíquico, e, por isso necessita de um

acompanhamento adequado para que este possa expandir suas potencialidades da melhor

maneira, tanto no âmbito do individuo quanto no âmbito do coletivo.

Assim sendo, o ato de educar deve se constituir a todo o momento como um processo

livre e natural que precisa de condução, a fim de proporcionar as condições adequadas para

um desenvolvimento que possa se aproximar cada vez mais da perfeição. Nesse sentido, o

papel da afetividade funciona como elemento que confere sentido ao trabalho pedagógico,

uma vez que educar é cuidar, regar, acompanhar, seguir, estimular. É dessa maneira que

percebemos que o afeto está presente na contribuição do processo formativo do indivíduo e,

por conseguinte, é indispensável na prática daqueles que educam.

Por conseguinte, nosso objetivo foi elencar alguns aspectos que podem evidenciar

que o projeto de educação proposto por Rousseau, nos textos aqui citados, estabelecem regras

rígidas que exigem que o mestre imponha disciplina a seus educandos, mas ao mesmo tempo

mostra, mesmo que de maneira implícita, que esse relacionamento entre professor e aluno

deve ser mantido sob uma base afetiva. O aluno deve reconhecer a autoridade daquele que é

responsável pela sua educação formal, mas deve também reconhecer o bem a que as lições do

mestre visam. E ao ser contra qualquer tipo de violência, maus-tratos e sofrimento no decorrer

do processo educativo, deixa brechas para pensarmos que os sentimentos afetivos são

fundamentais para o pleno desenvolvimento do cidadão.

Além disso, acreditamos que a interação entre o educador e o educando será mais

eficiente e significativa se ocorrer num ambiente prazeroso, rico em diálogo e de afetividade

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

18

recíproca. Da mesma forma, a depender do contexto criado, a relação entre mestre e aluno

poderá se estabelecer com afastamento e criar uma resistência intransponível para o diálogo, o

que dificultará qualquer tentativa de comunicação.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

19

3. CAPÍTULO II

A AFETIVIDADE EM PIAGET

Criador da Epistemologia Genética, Piaget foi um pesquisador cuja principal

preocupação era o desenvolvimento humano e seu objeto de estudo centrava-se no

pensamento lógico-matemático, também entendido como sinônimo da inteligência e de

estrutura cognitiva, reconhecendo que a afetividade é o agente motivador da mesma. Não há

comportamento cognitivo puro, como não há comportamento afetivo puro. Em cada caso, o

comportamento tem influencia da afetividade.3

Pretendemos neste capítulo mostrar que o conhecimento implica a ação sobre os

objetos, mas essa ação nunca é puramente cognitiva, pois nela intervêm em graus diversos a

afetividade, os interesses e os valores. No ato de conhecer e em todo comportamento humano,

a afetividade e a inteligência estão sempre presentes. Para Piaget, a afetividade e inteligência

são dois aspectos indissociáveis de uma mesma ação. Assim, quando se trata de avaliar o

domínio dos afetos, nada parece haver de muito enigmático: a afetividade é comumente

interpretada como uma “energia”, portanto como algo que estimula as ações. O

desenvolvimento da inteligência permite, sem dúvida, que a motivação possa ser despertada

por um número cada vez maior de objetos ou situações. Todavia, ao longo desse

desenvolvimento, o principio básico permanece o mesmo: a afetividade é a mola propulsora

das ações.4

3.1 A Afetividade e a aprendizagem

Piaget, sempre direcionou estudos que enfatizavam a importância da relação de

afetividade entre pais, educadores e educandos para o desenvolvimento de processos

construtivos como mediadores para um desenvolvimento cognitivo afetivo das crianças.

Pretendemos mostrar, aqui, que tais práticas em sala de aula podem contribuir para que a

criança ou o jovem tenha uma vida social com interação e relação com a comunidade que está

3 Conf. PIAGET, 1999, p.30

4 Conf. LA TAILLE, 1992, p.65

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

20

inserida. A inserção nas atividades sociais, tornarão mais interessantes e eficazes as relações

humanas na sociedade em que se vivi, pois são fundamentais na relação comportamental do

indivíduo com relação ao aprender. Dirá-nos então Piaget que:

A vida afetiva, como a vida intelectual é uma adaptação contínua e as duas

adaptações são, não somente paralelas, mas interdependentes, pois os

sentimentos exprimem os interesses e os valores das ações, das quais a

inteligência constitui a estrutura. (PIAGET, 1999, p. 27)

Ainda em diálogo com Piaget podemos dizer que é o relacionamento interpessoal

que fará do indivíduo um ser social. Assim, é indispensável a troca de valores sociais e

afetivos entre as crianças e aqueles com os quais elas convivem, pois tanto as emoções,

quanto os sentimentos e os desejos, são revelações da vida afetiva e devem ser estimulados.

O processo de aprendizagem se dá por meio de interações interpessoais constantes,

ou seja, é por meio do contato com o outro que o indivíduo molda seus pensamentos e ações,

construindo assim novos conhecimentos. Aqui é importante salientar o fato de que a questão

da afetividade irá aparecer em Piaget relacionada com a inteligência, sendo impossível pensa-

las separadamente, pois incidem mutuamente no desenvolvimento psicológico. Assim, não é

possível explicar os comportamentos através da separação de ambas. Isso, no entanto, não

quer dizer que a afetividade e a inteligência possuem a mesma natureza, pelo contrário,

segundo Piaget, a afetividade não está direcionada apenas aos sentimentos ou emoções, mas

também possui relação direta com as tendências e a vontade. Assim somos levados a inferir

que:

A inteligência e a afetividade são diferentes em natureza, mas indissociáveis

na conduta concreta da criança, o que significa que não há conduta

unicamente afetiva, bem como não existe conduta unicamente cognitiva. A

afetividade interfere constantemente no funcionamento da inteligência,

estimulando-o ou perturbando-o, acelerando-o ou retardando-o. (PIAGET

apud SOUZA, 2003, pag. 57)

A afetividade não modifica as estruturas da inteligência, sendo somente o elemento

energético das condutas. Em todo processo de relação afetiva o sujeito precisa do auxilio da

cognição. Assim torna-se evidente que com a ausência do afeto não haverá interesses e

pensamentos, em vista disto o afeto é a mola propulsora das ações. O desenvolvimento da

inteligência e da afetividade é sem duvida a motivação que será despertada por objetos ou

situações de desejos e sentimentos. Compreende-se que o individuo é um ente sociável, que

interage entre si:

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

21

Relações entre afetividade da primeira inteligência e o desenvolvimento

metal da criança a principio a inteligência estabelece os sentimentos próprios

do individuo que segue os processos dos mesmos; a segunda estabelecem

relações reciprocas afetivas entre sujeitos. (PIAGET, 1990, p. 61)

Em vista disto, os sentimentos amor-afetividade alicerçado deste o nascimento entre

mãe e filho. O desenvolvimento que constitui o enriquecimento afetivo da criança fazendo

notar-se que este desenvolvimento afetivo é continuado, onde a constituição dos sentimentos

está de modo direto ligado aos valores e aperfeiçoamento á sociedade. De acordo com Piaget,

os sentimentos interindividuais são edificados com a colaboração do outro e os

interindividuais são processados com o auxilio dos outros seres, sendo a permutação entre si.

O desenvolvimento da inteligência permite, sem dúvida, que a Motivação

possa ser despertada por um número cada vez maior de objetivos ou

situações. Todavia, ao longo desse Desenvolvimento, o princípio básico

permanece o mesmo: a afetividade é a mola propulsora das ações, e a razão

está ao seu serviço (DE LA TAILLE, 1992, p:65).

A partir desta citação somos levados a inferir que a afetividade constitui uma

importante parte funcional do nosso psicológico e da estrutura dos conhecimentos cognitivos;

as construções intelectuais são permeadas simultaneamente pelo aspecto afetivo. Piaget

salienta o quanto os nossos afetos podem se manifestar em forma de emoções ou sentimentos.

Piaget demonstra em sua teoria que a afetividade pode levar a aceleração ou

retardamento das estruturas cognitivas, mas não é a causa da formação delas. O presente

afetivo é determinado pelo histórico emocional vivido pelo sujeito e considera todas as ações

da criança inteligentes, independentemente dos níveis de desenvolvimento. Então, pode-se

dizer que toda criança é capaz de executar, de estabelecer relações com o outro a partir de sua

habilidade estrutural. O termo estruturado dentro desta teoria refere-se aos níveis de

desenvolvimento que a criança estabelece no percurso de sua maturação biológica em

consonância com a estruturação cognitiva. A afetividade, portanto, assume uma notável

dimensão neste complexo processo estrutural da inteligência. De acordo com Piaget as

estruturas,

[...] são variáveis e serão as formas de organização da atividade mental, sob

um duplo aspecto: motor ou intelectual de uma parte, e afetivo de outra, com

suas dimensões individual e social. (PIAGET, 1999, p. 13)

No livro “Psicologia na Educação” (1994), as autoras Claudia Davis e Zilma de

Oliveira fazem alusão à importância das ligações afetivas para o desenvolvimento e

aprendizado sadio da criança. Segunda as autoras, ao nascer, um bebê traz consigo

predisposições para interação e estruturas orgânicas que levam a privilegiar estímulos do

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

22

meio. Deste cedo o recém-nascido consegue distinguir a voz de outros sons presentes no

ambiente, além de orientar-se pelos traços do rosto humano colocado á sua frente. Porém, as

estruturas perceptuais são ativadas pelas ações dos adultos, ocasionando assim, uma

interdependência comportamental entre o adulto e o bebê.

É nessa relação com os adultos que se inicia a construção dos esquemas (perceptuais,

motores, cognitivos, linguísticos) e de sua afetividade. Portanto, é através da interação com os

indivíduos mais experientes no seu meio social que a criança constrói suas funções mentais

superiores e forma sua personalidade.

3.2 A Afetividade na Relação Professor-aluno

Sabemos que o processo de aprendizagem se dá através do interesse mútuo, de

forma contextualizada. Quando essa aprendizagem se dá num contexto de imaginação e

ludicidade, os ganhos para a educação são enormes, visto que o processo educativo fica

completo: o aluno apreende os conhecimentos e o professor é respeitado e admirado.

Quando a relação é sadia ambos saem ganhando, pois sedimenta o conhecimento sob

uma base de relação prazerosa. No entanto, uma relação entre professor e aluno pode também

ocorrer de forma negativa. Quando isso ocorre, os prejuízos são visíveis, tanto no contexto de

sala de aula quanto nos resultados finais da aprendizagem. Com isso a sociedade sai perdendo

porque o processo de formação do cidadão pleno fica comprometido e isso influirá na sua

vida futura no meio social.

Uma aprendizagem afetiva favorece o relacionamento entre professor e aluno que,

num processo de interação do aprendizado, possibilita o desenvolvimento intelectual dos

alunos com mais interesse e responsabilidade. A sala de aula é o espaço onde acontecem todas

as experiências vivenciadas pelos alunos e professores, é onde se dá traços mútuos de carinho

e afeto. Esses desafios causam grande impacto na aprendizagem de aluno, pois promovem

uma barreira no processo ensino-aprendizagem.

A maneira como o assunto é abordado pelo professor e a sua postura em sala de aula

tem grande importância para o aprendizado. Muitos professores se preocupam apenas em

passar o conteúdo esquecendo-se da importância da relação professor aluno. Tal forma

equivocada de ensinar tem levado a um fracasso muito grande na educação. Muito têm se

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

23

dito que a relação afetiva tem grandes efeitos na auto-estima com o aluno. O aluno, ao

perceber que os professores têm afetividade por eles, torna-se interessado e progridem nos

estudos. Já as aulas mal planejadas levam os alunos ao fracasso, e por conseqüências sua

baixa auto-estima.5

Outro fator determinante é a relação familiar. A criança vai para escola com uma

bagagem efetiva com base no que ela vivenciou com seus pais. Assim, uma criança que é

amada, terá mais facilidade para desenvolver um bom aprendizado. Por isso, essa carência

deve ser observada e corrigida na sala de aula. O aluno, que já não encontra carinho na família

tende a ser um ser desajustado na escola para chamar atenção dos professores. Portanto, a

escola deve ser o porto-seguro para elas, suprindo as carências afetivas negadas pelas pessoas

do convívio extra-escolar. Sobre isso Piaget nos dirá que:

[...] o educador deve respeitar e compreender a criança, considerando o

referencial dela, o seu modo de pensar sobre si, sobre os outros e sobre sua

realidade.( PIAGET, apud DE LA TAILLE, 1992, p. 17)

A criança que tem dificuldade para o aprendizado e para pensar pode ter passado por

algumas discriminações ou pode ter sido desvalorizada pelos familiares ou professores. Como

resultado, ela perde a vontade de aprender. Assim, para reverter esse quadro é preciso que a

criança seja valorizada, receba estímulos e afeto para fortalecer o seu ego. Educar é uma arte e

os artistas principais são pais e professores. A estes, cabem a tarefa de fazer das crianças

pessoas felizes e realizadas, capazes de resolver seus conflitos sem dramas.

Qual seria então o método mais apropriado para abordar os sentimentos humanos

como um conteúdo escolar, de forma sistematizada uma vez que isto é visto de forma insólita

em nossa realidade educacional? Como trabalhar na sala de aula os conteúdos tradicionais e

conteúdos do cotidiano, como os sentimentos? A princípio nós educadores podemos achar

que isso é muito difícil de ser realizado. Mas, se nos desprendermos das formas tradicionais

de educação de acordo com os quais fomos acostumados a pensar, quem sabe isso deixasse de

ser tão utópico como parece.

Sabemos que é muito mais difícil abandonar velhas formas de pensamento que

durante anos nos pareceram as únicas possíveis do que descobrir e praticar novas

5 Conf. Souza, 2003, p. 59-65

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

24

metodologias e uma forma de ensino mais acolhedora e menos discriminatória. Sobre isso

Moreno nos dirá que:

[...] mais difícil do que adquirir novos conhecimentos é conseguir

desprender-se dos velhos. Abandonar uma idéia supõe renunciar a uma parte

de nosso pensamento, é deixar-se fascinar pelo insólito, é nisso que reside o

gérmen do progresso. (MORENO, 2003, p. 144)

É importante atentarmos para o fato de que não se trata de abandonar os conteúdos

tradicionais e sim, de tentar conduzi-los de forma diferenciada. A proposta é possibilitar uma

via de aproximação entre o científico e o cotidiano, tornando o processo de ensino-

aprendizagem mais atraente e útil aos educandos e não uma obrigação, um tédio. Não se pode

falar de uma verdadeira mudança, se forem mantidos os vazios tradicionais do conhecimento

social e afetivo já que é este conhecimento que conduz às mudanças reais no comportamento

das pessoas.

Valores como a solidariedade, a ajuda mútua, a luta contra a discriminação, a

consciência ecológica podem ser aprendidas na escola. Não com grandes discursos, mas por

intermédio de ações solidárias e de reflexões sobre os próprios sentimentos e

comportamentos. A escola aqui deve ter como objetivo ajudar o homem desde a sua infância,

não somente, a interagir com os objetos e as regras do meio, mas principalmente consigo

mesmo.

A educação, por sua vez, não pode se transformar em uma simples transmissão de

conhecimento, de um saber ou até mesmo de uma conduta, mas sobretudo, uma iniciação à

vida. É o local das primeiras interações com um meio mais amplo. Um dos espaços onde a

pessoa começa a viver com os primeiros elementos simbólicos que lhe lembram o lugar de

onde veio. Um lugar onde possa se preparar para enfrentar e assimilar o contexto social. Nesta

perspectiva, é um espaço e um tempo intermediário entre o nascimento e o destino, o trabalho,

a profissão, a vida madura e adulta.

Somos emoções, e estas estão presentes quando buscamos conhecer, quando

procuramos estabelecer relações com objetos físicos, com concepções ou com outros

indivíduos. Assim:

Afeto e cognição constituem aspectos inseparáveis, presentes em qualquer

atividade, embora em proporções variáveis. A afetividade e a inteligência se

estruturam nas ações e pelas ações dos indivíduos. O afeto pode, assim, ser

entendido como a energia necessária para que a estrutura cognitiva passe a

operar. E mais: ele influencia a velocidade com que se constrói o

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

25

conhecimento, pois, quando as pessoas se sentem seguras, aprendem com

mais facilidade. (DAVIS, OLIVEIRA, 1990,pag. 85-86)

A partir do que foi elencado até aqui, podemos dizer que tanto a inteligência quanto a

afetividade são mecanismos de aprendizagem. Elas permitem ao indivíduo construir noções

sobre os objetos, as pessoas e as situações conferindo-lhes atributos qualidades e valores.

Contribuindo, desta forma, para a construção do próprio sujeito, sua identidade e visão de

mundo.

Para que a interação professor-aluno possa levar a construção de conhecimentos, a

interpretação que o professor faz do comportamento dos alunos é fundamental. Ele precisa

está atento ao fato de que existem muitas significações possíveis para os comportamentos

assumidos por seus alunos, buscando verificar quais delas melhor traduzem as intenções

originais. Além disso, o professor necessita compreender que aspectos da sua própria

personalidade (seus desejos, preocupações e valores) influem em seu comportamento, ao

longo de interações que ele mantém com a classe.6

A vida humana necessita das relações afetivas para seu desenvolvimento emocional e

cognitivo, que é de fundamental importância para a compreensão e aprendizado do aluno

como um todo. A afetividade e inteligência são mecanismos para a aprendizagem e adaptação

do indivíduo, que se dá na construção de noções de valores as quais são responsáveis pela a

construção do próprio eu e para uma maior visão de mundo. Dessa forma, amor, ódio, tristeza,

alegria ou medo levam o indivíduo a procurar ou evitar certas pessoas. Segundo Piaget:

A Emoção é a manifestação de um estado subjetivo com componentes

fortemente orgânicos, mais precisamente tônicos; e a expressão própria da

afetividade. Dessa forma, amor, ódio, tristeza, alegria ou medo, levam o

individuo a procurar ou evitar certas pessoas. E na interação que

professor/aluno estabelecem na escola, os fatores cognitivos de ambos

exercem influência em varias áreas e tendências cognitivas de cada

indivíduo a falta de afetividade influencia de modo significativo. (PIAGET

apud ALMEIDA, 2001, pag. 27)

A sala de aula é um espaço de vivências, de convivência e de relação pedagógicas,

espaços constituídos pela diversidade e heterogeneidade de idéias, valores e crenças. Assim,

impregnado de significados, espaço de formação humana, onde a experiência pedagógica o

ensinar e o aprender é desenvolvida no vinculo: tem uma dimensão histórica intersubjetiva e

intra-subjetiva. A afetividade e a aprendizagem andam de mãos dadas. O aprendizado é

construído a partir de uma boa relação entre os sujeitos e o contexto de interação. O bom

6 Conf. OLIVEIRA, 1990, pag. 84-87

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

26

relacionamento no processo de desenvolvimento e aprendizagem no terreno das emoções que

é muito complexo e varia de um ser para outro, que se desenvolve a partir do convívio entre

si.

A educação é uma arte. Não é uma mera profissão ser educador. Nós manipulamos a

educação com as duas mãos: do afeto e da lei e das regras. O afeto buscando o prazer que se

transforma em interesse e este por sua vez provoca a interação com o meio. Por que eu

aprenderia, recriaria no meu interior aquilo que não me interessa? Para educar o ser humano é

imprescindível conhecê-lo profundamente, bem como, respeitar seu desenvolvimento. É

necessário ter a percepção correta de como esse ser se desenvolve. Em vista disso:

As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de

conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em demasia para a

construção de neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de

fantasias, de símbolos e de dores. (SALTINI, 1997 p. 15)

O papel da escola é mediar o conhecimento que se dá com a interação entre os

sujeitos. O afeto é um componente essencial para o processo ensino aprendizagem, a criança

não aprende se não se sente estimulada para conhecer. E impossível trabalhar no espaço

escolar sem que a afetividade e suas manifestações sejam a favor da aprendizagem, pois o

afetivo e o intelectual são inseparáveis para o desenvolvimento humano.

Nós educadores, precisamos nos atentarmos ao fato de que, enquanto não voltarmos

a nossa atenção ao fator afetivo na relação educador-educando, estaremos correndo o risco de

estar só trabalhando com a constituição do real, do conhecimento, deixando de lado o trabalho

da constituição do próprio sujeito que envolve valores e o próprio caráter, necessário para o

seu desenvolvimento integral.

A teoria de Piaget acerca da afetividade abre um vasto campo empírico que pode

servir de base, para o inicio de muitos estudos acerca das emoções. Está, portanto, mais do

que evidenciada a necessidade de se cuidar do aspecto afetivo no processo ensino-

aprendizagem, levando em conta que a criança é diferente, tanto na área cognitiva quanto na

afetiva em cada fase do seu desenvolvimento, pois a afetividade exerce um papel fundamental

nas correlações psicossomáticas básicas, além de influenciar decisivamente a percepção, a

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

27

memória, o pensamento, a vontade e as ações, e ser, assim, um componente essencial da

harmonia e do equilíbrio da personalidade humana.7

7 Conf. Profª Mônica Maria Baruffi- Instituto de Pós Graduação e Extensão – IPGEX- Educação Infantil, Séries

Iniciais e Gestão Escolar. texto publicado em 09/07/07.

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

28

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por que escrever sobre afeto? Bom, desde muito pequena fui uma criança solitária

que tinha apenas amigos imaginários. Quando comecei a frequentar a escola me deparei com

situações bastante constrangedoras, fui para uma sala multisseriada onde a maioria eram

adolescentes e a professora era nada amigável, então desde já me sentia inferior as outras

crianças e esse sentimento de inferioridade me acompanhou por toda minha vida. Como era

de se esperar criei resistência ao ambiente escolar. Lá eu me sentia coagida, diminuída,

humilhada. Então sempre fui considerada uma “má aluna” e isso permaneceu latente em

minha vida desde a alfabetização até o ensino Superior.

Através das minhas terapias descobri que muitos psiquiatras acreditam que os

traumas ocorridos na infância são os principais responsáveis pelas neuroses que nos

acompanham na vida adulta. Passar por experiências emocionais desagradáveis deixou marcas

profundas na minha personalidade, o que muitas vezes impedem a realização de determinadas

atividades sociais e pessoais.

Em vista desta minha trajetória encontrei na afetividade um campo fértil para

finalmente expressar o quanto o papel da afetividade - mesmo que nos pequenos gestos e

palavras-, é peça crucial e, portanto, precisa está presente na base do processo educativo

escolar. A educação formal é uma das responsáveis pela nossa formação humana, pela

construção da nossa personalidade, pelas nossas descobertas, pela maneira como enxergamos

o mundo e o nosso semelhante e, com isso, justifica-se termos pesquisado no presente

trabalho a pedagogia do desenvolvimento de Piaget.

A forma como encaramos o mundo, as visões otimistas e/ou pessimistas que nos

acompanham durante nossas ações diárias estão intrinsecamente relacionadas com as

vivencias que fazem parte do nosso histórico de vida. A consciência daquilo que somos e

daquilo que somos capazes de realizar em nossas vidas, começam a serem construídas nas

nossas primeiras experiências, ou seja, na infância.

O que quero dizer é que, na maioria das vezes, a escola é o primeiro ambiente em

que nos é exigido conviver com pessoas desconhecidas, pessoas que estão fora do nosso

vínculo familiar habitual. Destarte, pensar na melhor forma de desbravamento desse novo

mundo de descobertas e vivencias, é pensar em um ambiente cujas bases de relacionamento

interpessoais estão enraizadas nos sentimentos acolhedores de amor, paciência, benevolência,

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

29

simpatia e apreço. O contrário disto talvez seja responsável por criar traumas que futuramente

podem vir a desenvolver manifestações de sintomas neuróticos inimagináveis.

Assim sendo, após estudos feitos com autores relacionados à temática da afetividade

como fator de grande importância na relação professor-aluno no contexto escolar, percebemos

que o processo ensino-aprendizagem deve está permeado por uma relação afetiva sadia entre

os envolvidos no processo educacional, visto que a afetividade proporciona a sedimentação de

valores que contribuem para a aprendizagem dos indivíduos.

Afinal, o papel da escola é mediar o conhecimento que se dá com a interação entre os

sujeitos. O afeto é um componente essencial para o processo ensino aprendizagem, pois a

criança não aprende se não se sentir estimulada para o conhecimento. É impossível trabalhar

no espaço escolar sem que a afetividade e suas manifestações sejam a favor da aprendizagem,

pois o afetivo e o racional são inseparáveis para o desenvolvimento humano.

Nesse sentido, escolhemos apresentar a visão rousseauniana a respeito da educação,

porque este nos ajudou a defender a idéia que o processo de aprendizado não deve ser

entendido como transmissão de certos conteúdos que são passados do professor para o aluno.

A educação em todas as esferas deve se referir aquilo que diz respeito ao conhecimento

humano dos sujeitos nas relações sociais.

Por fim, almejamos que este estudo sirva de introdução para um maior

aprofundamento posterior do nosso aporte teórico. Esperamos também que os educadores,

comprometidos com a educação, repensem suas práticas pedagógicas, a fim de levar em

consideração o lado emocional de seus alunos e não apenas o intelectivo. Em suma, a escola

já não pode leva em conta só as notas, o quantitativo, mas deve considerar também o espírito

de cooperação, a integração, a ajuda mútua, o auto- controle e principalmente o auto-

conhecimento. Ao ingressar na escola a criança vivencia o domínio, pelos menos, parcial, dos

impulsos negativos como a ira, a ansiedade, a melancolia e os ímpetos repressores, então para

que estas percebam emocionalmente a si mesmas e aos outros de forma positiva, o afeto deve

ser o caminho das flores.

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

30

5. REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2007.

ALMEIDA, Ana Rita Silva. A emoção na sala de aula. São Paulo: Papiro, 2001.

ANTUNES, Celso. A Inteligência Emocional na Construção do Novo Eu. Petrópolis:

Vozes, 2003

COELHO, Maria Thereza. As Relações entre Afetividade e Inteligência no

Desenvolvimento Psicológico. Universidade de São Paulo Psicologia: Teoria e Pesquisa,

Vol. 27 n. 2, p. 249-254, 2011

DAVIS, Cláudia & OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Psicologia na Educação. 2ª Ed,

São Paulo: Cortez, 1994.

LA TAILLE, Y; OLIVEIRA, M. K. ; DANTAS, H. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias

Psicogenéticas em discussão. 21ed. São Paulo: Summus, 1992.

MORENO, M. et. al. Falemos de sentimentos: a afetividade como um tema transversal.

São Paulo: M'zoderna, 1999.

PESSOA, Vilma Sabim. A Afetividade sob a ótica Psicanalítica e Piagetiana. Publicatio

UEPG – Ciencias Humanas 8(1), P. 97-107, 2000

PIAGET, J. A Psicologia da Criança. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968.

__________. A Linguagem e o Pensamento da Criança. 6. ed.São Paulo: Martins Fontes,

1993.

__________.Para onde vai a Educação. 10.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988.

__________. Seis estudos em psicologia. Trad. Maria Alice Magalhães D’Amorim e Paulo

Sergio Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense. 1999.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio ou Da Educação. Trad.

_____________________. Projeto para a educação do senhor de Sainter-Marie. Trad.

Dorothée de Bruchard. Porto Alegre: Editora Paraula, 1994.

_____________________. O contrato Social. Trad. Antonio de Pádua Danesi. 3.ed. São

Paulo: Martins Fontes, 1999.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA · 2018-09-25 · Destarte, no primeiro capitulo apresentaremos as ideias do filósofo suíço-francês Jean-Jacques Rousseau, no que tange

31

SALTINI, Cláudio J. P. Afetividade & inteligência. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1997.