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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ NATALIA DE LIMA BUENO TECNOLOGIA EDUCACIONAL E REIFICAÇÃO: UMA ABORDAGEM CRÍTICA A PARTIR DE MARX E LUKÁCS CURITIBA 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ NATALIA DE … · universidade federal do paranÁ natalia de lima bueno tecnologia educacional e reificaÇÃo: uma abordagem crÍtica a partir de marx

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    NATALIA DE LIMA BUENO

    TECNOLOGIA EDUCACIONAL E REIFICAO: UMA ABORDAGEM CRTICA

    A PARTIR DE MARX E LUKCS

    CURITIBA

    2013

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    NATALIA DE LIMA BUENO

    TECNOLOGIA EDUCACIONAL E REIFICAO: UMA ABORDAGEM CRTICA

    A PARTIR DE MARX E LUKCS

    Tese apresentada ao Programa de Ps Graduao

    em Educao, Linha de pesquisa Escola, cultura e

    ensino, Setor de Educao, Universidade Federal

    do Paran, como requisito parcial obteno do

    ttulo de Doutor em Educao.

    Orientadora: Prof. Dra. Rosa Maria Cardoso

    Dalla Costa

    CURITIBA

    2013

  • Catalogao na publicao Fernanda Emanola Nogueira CRB 9/1607

    Biblioteca de Cincias Humanas e Educao - UFPR

    Bueno, Natalia de Lima Tecnologia educacional e reificao : uma abordagem crtica a

    partir de Marx e Lukcs / Natalia de Lima Bueno. Curitiba, 2013. 503 f. Orientadora: Prof. Dr. Rosa Maria Cardoso Dalla Costa

    Tese (Doutorado em Educao) Setor de Educao da Universidade Federal do Paran.

    1. Tecnologia educacional. 2. Ensino fundamental. 3. Ensino

    auxiliado por computador. 4. Reificao. I.Ttulo. CDD 371.33

  • Dedicatria

    Nomia, Ovande (In memoriam), Me, Pai, os primeiros Doutores em minha vida.

    Profunda gratido! Aprendi e cresci sobre os ombros de gigantes.

    Ao Ser que seria Heloisa: "Amor incondicional".

    Nei, por me ajudar a permanecer tolerante, resiliente e persistente.

  • VI

    Agradecimentos

    A Deus, Me Divina, Tao.

    Ao povo brasileiro que, atravs da Capes, confiou e financiou parte do tempo dessa pesquisa.

    Muito Obrigada!

    professora Orientadora Rosa Cardoso Dalla Costa por acreditar nessa pesquisa, respeitando

    minhas posies. Sua presena nessa fase de minha vida foi marcante. Muito Obrigada!

    Em especial aos professores Maria Dativa e Joo Augusto Bastos, por confiarem nessa

    pesquisa e entenderem profundamente a possvel contribuio. Com sua sabedoria me

    guiaram a perceber melhor o caminho;

    Aos professores da Ps-Graduao em educao da UFPR, onde tive a honra de aprender em

    suas disciplinas e conviver com seus saberes: Noela Invernizzi, Tais Moura, Jaison Bassani,

    Maria Auxiliadora Schmidt, Accia Kuenzer, Glaucia Brito, Rosa Dalla Costa, Regina

    Michelotto, Ricardo de S. Ajudaram-me a observar alm!

    Aos professores Lgia Klein, Maria de Ftima Pereira e Walter Bazzo, pela brilhante

    colaborao no encaminhamento dessa pesquisa na fase de qualificao.

    s escolas municipais de Curitiba integrantes dessa pesquisa, em especial aos professores

    participantes do trabalho de campo, seus relatos me ajudaram a perceber melhor o objeto de

    pesquisa e conferiram vivacidade investigao;

    Secretaria Municipal de Educao de Curitiba, atravs do Departamento de Ensino

    Fundamental e de Tecnologia Educacional, pela receptividade, seriedade e diplomacia ao

    tratarem dessa pesquisa acadmica.

    Aos meus irmos(s), por me ensinarem a conviver e crescer na diversidade, na dialtica da

    vida entre muitos(as)! Maria, Roberto, lvaro, Fbio, Mauro, Paulo, Jussara e Rui. Cada um

    de ns compe a sua histria. E cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz.....;

    Eternas(os) amigas(os) irms(os), sempre presentes em minha caminhada e, especialmente,

    nesses quatro anos: Mestre Chan, Mestre Wu, Nei, Joo Paulo, Liang, Wuei Chiou, Andr,

    Victrio, Miriam, Rafael, Rossana, Endrigo, Eros, Beatriz, Bia, Ivi, Angela, Sandra,

    Guilherme, Ktia, Bruna, Lin, Lvia, Joe, Assionara, Jandicleide, Bira e famlia, Bastos,

    Regina, Celso e Graciela. Amizade um(a) irmo() que se escolhe!

    Aos amigos(as) de longa histria: Silvio, Ana Lcia, Mariclia, Hilria, Raul, Maristela,

    Maroly, Glucia, Maria Olinda, Elza, Karina, Emerson e Ana Tereza. A amizade um re-

    encontro de afinidades;

    Pela prontido em estarem comigo: amado afilhado Gustavo, Louise, Marco, Ayrton, Tia

  • VII

    Zilda, Tio Neno, Nair e Odilo Birk, Silvani, Dirci e Joana Knapp, Beth, Alexandre, Regina,

    Reginaldo, Izabel, Danielle, Ivanilda, Jaqueline. A todos, no me esquecerei de seu valoroso

    amparo! Trouxeram-me mais conforto nesse perodo;

    Aos colegas de Ps-Graduao da UFPR, da turma de 2009. Em especial aos colegas da

    representao estudantil, um breve tempo dedicado militncia sempre presente; conscincia

    revolucionria permanente! Lvia, Thiago, Cassius, Lucas, Marcelo. Obrigada pelo

    aprendizado sempre renovado. Pelo coleguismo e afinidade Rita e Luciano; nos debates

    profcuos nas disciplinas Jos e Ademir.

    Aos professores da gesto da Ps-Graduao em Educao da UFPR, dos anos de 2009 a

    2013. Nesse tempo em que aprendi a perceber o valor de cada um, em encontros rpidos ou

    em reunies de colegiado: Tania Braga, Angelo Ricardo, Paulo Vincius, Mnica Ribeiro.

    Aos funcionrios da secretaria do PPGE-UFPR, pela prontido e receptividade sempre em me

    atender e orientar;

    Todos (as) os (as) companheiros da caminhada no movimento social, na educao popular.

    Fase fundamental de minha construo profissional e humana. Tal trajetria me permitiu

    ampliar a viso de educao, transpondo-a, concretamente, para alm dos muros da escola.

    Pude perceber a coerncia e prtica da teoria crtica da educao comprometida com a

    emancipao dos sujeitos.

    Aos colegas de trabalho da UEPG que ofereceram um fragmento de seu tempo para ouvir os

    meus relatos da pesquisa: Regina, Joana, Deborah, Nvio, Beatriz, Alessandra, Andreia,

    Cristiane e Marcelo. Obrigada pela acolhida!

    Essa pesquisa tambm um estmulo para meus amados(as) sobrinhos(as), que, na

    convivncia, ajudaram-me a entender melhor a educao: pequena Nomia, Flvia, Lucas,

    Guilherme, Mariana, Letcia, Gustavo, Bruna, Fernanda, Vincius, Louise e Thais, pequeno

    Jorge, Betina, Breno, Larissa e Gabriela.

    Aos meus alunos da graduao da UEPG, pela convivncia e aprendizado permanentes.

    Vocs so a minha esperana na conduo de uma educao mais histrico-crtica e

    libertadora. Na formao de educadores que possam olhar alm da aparncia das coisas,

    observar mais a realidade concreta e serem sujeitos de transformao;

    Aos meus alunos do passado-presente, da persistncia na educao. Do maternal Ps-

    Graduao, atravs de vocs eu tenho aprendido muito a ser 'diariamente', uma professora

    melhor.

  • Quem conhece a sua ignorncia

    Revela a mais alta sapincia.

    Quem ignora a sua ignorncia

    Vive na mais profunda iluso.

    No sucumbe iluso

    Quem conhece a iluso como iluso.

    O sbio conhece o seu no-saber,

    E essa conscincia do no-saber

    O preserva de toda a iluso.

    (Lao-Ts)

  • RESUMO

    O objetivo dessa pesquisa foi o de "Investigar os processos de reificao e superao no

    desenvolvimento da tecnologia educacional na escola de Ensino Fundamental" e o problema

    de pesquisa: Como a escola de Ensino Fundamental, atravs do trabalho dos educadores com

    a tecnologia educacional, no uso dos computadores, pode evidenciar processos de reificao e

    caminhos superao da lgica de produo capitalista? Focamos o estudo da reificao e

    superao a partir da perspectiva em Marx e Lukcs, passando por outros autores que

    estudaram a reificao. Optamos pelo caminho da perspectiva crtica em Marx e Lukcs por

    entend-la como mais apropriada para o estudo do objeto de pesquisa proposto, qual seja: a

    tecnologia educacional na escola de Ensino Fundamental. Tratamos de relacionar a base

    terica crtica com autores que discutem a tecnologia e a tecnologia educacional numa

    perspectiva histrico-crtica tais como Feenberg, Burris e Vieira-Pinto e a partir do contexto

    da escola como Garcia-Vera, bem como, identificar algumas perspectivas da tecnologia

    educacional que buscam manter lgica dominante da produo capitalista. Os estudos de

    Marx e Lukcs nos permitiram fazer uma reflexo crtica em face do trabalho com a

    tecnologia e a tecnologia educacional nas escolas de ensino fundamental. Resgatamos desses

    dois autores a discusso da reificao e relacionamos ao avano da tecnologia educacional

    presente em projetos nas escolas pblicas, com base nos documentos consultados e,

    evidenciado na prtica pedaggica dos professores a partir de seus relatos em entrevistas.

    Utilizamos pesquisa bibliogrfica, documental e de campo com base no mtodo dialtico de

    anlise. A amostra da pesquisa contou com o cmputo de treze escolas pblicas de Ensino

    Fundamental pesquisadas, dispostas em nove Ncleos Regionais de Educao na cidade de

    Curitiba, de modo que contemplasse uma realidade escolar por regio na cidade, envolvendo

    quinze professores entrevistados na totalidade. Focamos esse estudo no trabalho com a

    Informtica na escola, como uma ramificao da discusso da tecnologia educacional, por

    apresentar as caractersticas singulares e similares do estudo da mercadoria na perspectiva da

    teoria crtica marxista. Apontamos a seguinte tese: "a escola de Ensino Fundamental, em face

    do trabalho com tecnologia educacional reproduz o modo de produo capitalista, atravs do

    processo de reificao representado na forma de mercadoria, uso dos computadores no ensino,

    mas pode revelar caminhos superao da lgica capitalista" e respondemos ao problema de

    pesquisa a partir do caminho proposto com base na pesquisa de abordagem dialtica. Tais

    caminhos no se mostram abertamente ao olhar do sujeito imerso no sistema econmico

    capitalista que se estende na escola de ensino fundamental, requer um esforo permanente que

    convoque os sujeitos no interior da escola superao da conscincia reificada apontada por

    Lukcs, posto que exige uma formao poltica contnua, trata-se de algo mais do que uma

    simples mudana de pensamento, urge uma ao concreta ante o avano da tecnologia no

    interior das escolas. No decorrer da pesquisa foi possvel perceber convergncias com as

    categorias j evidenciadas nos estudos de Lukcs e Marx e que se reproduzem concretamente

    no interior das escolas pblicas de ensino fundamental para propor uma abordagem histrico-

    crtica revolucionria tecnologia educacional.

    Palavras-chave: Reificao. Tecnologia educacional. Abordagem histrico-crtica. Ensino

    Fundamental.

  • 10

    ABSTRACT

    The objective of this research was to "investigate the processes of reification and overcoming

    in the development of educational technology in the Elementary Education school and the

    research problem was to check how Elementary School, through the work of educators with

    educational technology in use computers, can demonstrate processes of reification and ways

    to overcome the logic of capitalist production. We focus on the study of reification and

    overcoming from Marx and Lukcs perspective, and of other authors who studied the

    reification. We chose the critical perspective of Marx and Lukcs because we understand it as

    more appropriate to study the object of intended by this research, namely: educational

    technology in the elementary school. We tried to relate the theoretical critique with authors

    who discuss technology and educational technology in a historical and critical perspective

    such as Feenberg, Burris and Vieira-Pinto and from the context of the school as Garcia-Vera

    understand it, as well as to identify some perspectives of educational technology which seek

    to maintain the dominant logic of capitalist production. Studies of Marx and Lukcs allowed

    us to reflect critically in face of working with technology and educational technology in

    elementary schools. We have rescued from these two authors their discussion of reification

    and related it to the advancement of educational technology projects present in the public

    schools, based on the documents consulted, and clearly showed in the pedagogical practice of

    teachers from their reports during the interviews. We used literature, documental and field

    research based on the dialectical method of analysis. The survey sample included the

    computation of thirteen public schools Elementary researched, disposed in nine Regional

    Centers of Education in the city of Curitiba, Paran, Brazil, in order to contemplate a school

    reality in the city by region, involving fifteen teachers interviewed altogether. We focus this

    study on the work with computers in school, as an offshoot of the discussion of educational

    technology to present the unique and similar characteristics of the merchandize study in the

    perspective of Marxist critical theory. We point out the following thesis: "The School of

    Primary Education, in the face of working with educational technology reproduces the

    capitalist mode of production, through the process of reification represented in the form of

    goods, the use of computers in teaching, but it may reveal ways to overcome the capitalist

    logic" and respond to the research problem from the proposed path-based research of dialectic

    approach. These paths do not openly show themselves to the look of the subjects immersed in

    the capitalist economic system which extends itself in the elementary school, it requires an

    ongoing effort to convene the subjects within the school to overcome the reified

    consciousness reported by Lukcs, since it requires a continuous training policy, it is

    something more than a simple change of thought, it needs concrete action before the advance

    of technology within schools. During the research, it was possible to notice convergences

    with the categories already evidenced in studies of Marx and Lukcs which reproduce

    themselves specifically within public elementary schools to propose a revolutionary

    historical-critical approach to educational technology.

    Palavras-chave: Reification. Educational technology. Historical-critical perspective.

    Elementary schools.

  • 11

    RESUMEN

    El objetivo de esta investigacin fue "investigar los procesos de reificacin y superar en el

    desarrollo de la tecnologa educativa en la escuela de Educacin Primaria" y el problema de

    investigacin: Cmo Elementary School, a travs del trabajo de los educadores con la

    tecnologa educativa en el uso ordenadores, pueden demostrar los procesos de reificacin y la

    manera de superar la lgica de la produccin capitalista? Nos centramos en el estudio de la

    reificacin y la superacin desde la perspectiva de Marx y Lukcs, pasando por otros autores

    que han estudiado la reificacin. Hemos elegido el camino de la perspectiva crtica de Marx y

    Lukcs entendiendo como ms apropiado para estudiar el objecto de la investigacin

    propuesta: la tecnologa educativa en la escuela de primaria. Tratamos de relacionar la crtica

    terica con los autores que hablan de la tecnologa y la tecnologa de la educacin en un

    contexto histrico-crtica, como Feenberg, Burris y Vieira-Pinto y desde el contexto de la

    escuela como Garca-Vera, as como identificar algunas perspectivas de la tecnologa

    educativa que tratan de mantener la lgica dominante de la produccin capitalista. Los

    estudios de Marx y Lukcs nos permitieron reflexionar crticamente cmo trabajar con la

    tecnologa y la tecnologa de la educacin en las escuelas primarias. Rescatamos de los

    estudios de estos dos autores la discusin de la reificacin y relacionamos con el avance de

    los proyectos de tecnologa educativa presentes en las escuelas pblicas, con base en los

    documentos consultados, y lo qu se evidencia en la prctica pedaggica de los docentes de

    sus informes en las entrevistas. Utilizamos la literatura, documental y de campo basado en el

    mtodo de anlisis dialctico. La muestra de la investigacin incluy el clculo de trece

    escuelas pblicas primarias, dispuestas en nueve Centros Regionales de Educacin de la

    ciudad de Curitiba, Paran, Brasil, con el fin de contemplar una realidad por la escuela y por

    regin de la ciudad, con la participacin de quince profesores entrevistados en total. Nos

    centramos el estudio en el trabajo con computadoras en las escuelas, como una rama de la

    discusin de la tecnologa educativa, pues presenta las caractersticas nicas del estudio y de

    mercancas similares desde la perspectiva de la teora crtica marxista. Destacamos la

    siguiente tesis: "La Escuela de Educacin Primaria, en la forma que trabaja con la tecnologa

    educativa reproduce el modo de produccin capitalista, a travs del proceso de reificacin

    representado en forma de mercancas, el uso de las computadoras en la enseanza, pero

    pueden revelar maneras de superar la lgica capitalista" y responder al problema de la

    investigacin de la propuesta basada en la investigacin dialctica. Estos caminos no

    muestran abiertamente la mirada del sujeto inmerso en el sistema econmico capitalista que se

    extiende en la escuela primaria, requiere un esfuerzo continuo para convocar a los sujetos

    dentro de la escuela para superar la conciencia cosificada informado por Lukcs, ya que

    requiere una contna formacin poltica, es algo ms que un simple cambio de pensamiento, y

    instar a la accin concreta ante el avance de la tecnologa en las escuelas. Durante la

    investigacin se revel convergncias convergencias con las categoras ya evidenciadas en los

    estudios de Marx y Lukcs y se reproducen dentro de las escuelas primarias pblicas y

    proponer un enfoque histrico-crtico revolucionario a la tecnologa educativa.

    Palabras clave: Reificacin. La tecnologa educativa. Enfoque histrico-crtico. Educacin

    Bsica.

  • SUMRIO

    PROLEGMENOS .................................................................................................................................. 14

    CAPTULO I ............................................................................................................................................. 26

    CONTEXTUALIZANDO O PROCESSO DE REIFICAO E SUPERAO ............................... 26

    1. Conceituando reificao: aportes tericos .................................................................................. 27

    1.1 O processo de Reificao em Marx: um dilogo permanente com a alienao ............... 32

    1.2 A reificao em O Capital: a mercadoria e seu fetiche ...................................................... 53

    1.3 A propriedade inerente mercadoria: fetichismo e seu segredo ...................................... 62

    1.4 Reificao e a frmula trinitria produo de mercadorias .......................................... 74

    2. O fenmeno da Reificao em Lukcs ....................................................................................... 84

    2.1 A reificao e a conscincia do proletariado ....................................................................... 94

    CAPTULO II - ATUALIDADE DA REIFICAO E SUPERAO ............................................ 128

    1. Da teoria da positividade capitalista superao da reificao .............................................. 128

    1.1 Uma teoria das relaes reificadas ..................................................................................... 128

    1.2 Superao e conscincia de classe ...................................................................................... 135

    2. Reificao e outros estudos ......................................................................................................... 147

    2.1 Teoria crtica e a reificao ................................................................................................ 147

    2.2 Uma leitura sobre o esquecimento e reconhecimento ...................................................... 161

    2.3 A relao reificao , Tecnologia Educacional e Novas tecnologias ............................. 166

    CAPTULO III ........................................................................................................................................ 183

    TECNOLOGIA EDUCACIONAL: ESSNCIA OU APARNCIA? ................................................ 183

    1. Essncia e aparncia no estudo da tecnologia e da tecnologia educacional ........................... 183

    2. Reificao e as novas tecnologias: a submisso da tecnologia e da tecnologia educacional

    ao capitalismo ...................................................................................................................................... 198

    3. O hierglifo da Tecnologia Educacional: reificao e superao ........................................... 215

  • 13

    4. Uma perspectiva crtica Tecnologia Educacional e s NTIC ............................................... 220

    5. Outros caminhos superao .................................................................................................... 236

    6. A Informtica educacional e a mediao tecnolgica ............................................................ 241

    CAPTULO IV ........................................................................................................................................ 252

    REIFICAO E TECNOLOGIA EDUCACIONAL: UMA ABORDAGEM DIALTICA ........... 252

    1. Amostra da Pesquisa ................................................................................................................... 274

    2. Caracterizao das escolas participantes da amostra .............................................................. 277

    3. O Projeto de Tecnologia Educacional da SME-Curitiba: antecedentes histricos ............... 284

    4. Projetos de Tecnologia Educacional das escolas pesquisadas ................................................ 295

    CAPTULO V - REIFICAO E SUPERAO NA ESCOLA DE ENSINO

    FUNDAMENTAL: ANLISE DOS DADOS DA PESQUISA DE CAMPO ..................................... 298

    1. Categorias do Mtodo e Categorias de anlise ......................................................................... 300

    1.1 Da Reificao ....................................................................................................................... 300

    1.2 Da Superao ....................................................................................................................... 302

    1.1.1 A reificao da Tecnologia e da Tecnologia educacional: ............................................... 305

    1.1.2 A estrutura da reificao e a tecnologia educacional: ...................................................... 319

    1.1.3 A liberdade reificada ........................................................................................................... 333

    1.1.4 A conscincia reificada ........................................................................................................ 352

    1.1.5 Invlucro reificado .............................................................................................................. 380

    1.2.1 Conscincia e prtica revolucionrias ............................................................................... 391

    1.2.2 O sujeito-histrico do processo: ........................................................................................ 401

    1.2.3 A mediao tecnolgica: ..................................................................................................... 413

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................................. 418

    REFERNCIAS ...................................................................................................................................... 435

    APNDICES ............................................................................................................................................ 451

    ANEXOS .................................................................................................................................................. 488

  • PROLEGMENOS

    Um tese j por natureza uma contradio, pois ao mesmo tempo em que

    uma concluso tambm um incio; o fim apenas um comeo. Portanto, no vejo

    final, mas incio de uma nova caminhada com a interrogao que se iniciou com essa

    tese. Para sair um pouco do tom formal da linguagem acadmica, necessrio para o

    fluir da pesquisa, gostaramos de fazer uma breve defesa da tese, antes da jornada na

    leitura dessa pesquisa. Se essa pesquisa pudesse ser defendida na explicao de um

    conto pequeno escreveramos assim:

    Isso apenas uma gota no oceano, mas quando a gota cai no oceano j no

    mais gota, mas oceano. Comecei gota e virei oceano! Comecei fragmento e virei

    espelho de muitas possibilidades, mas precisei me delimitar para escolher e me

    transformei maior do que a chuva quando se dissipa no rio. Por isso no me caibo em

    mim mesma, necessito ser compartilhada, preciso sair de mim, mas estou focada em

    minha prpria imagem, me aprofundando na essncia para buscar a materialidade do

    porvir. Preciso me projetar no mundo, defendendo a ideia da materialidade. Agora

    que j me encontrei, tenho que sair de mim mesma e me dividir com os diferentes

    olhares, pois j sou mundo no entremeio de mim mesma. Porque me interrogo para

    focar e me exalto para fluir. O ttulo desse pequeno conto poderia ser: "Catarse da

    tese". Por qu? Porque o devaneio de ideias iniciais da experincia emprica nos

    permitiram dizer: me constru, no desvendar da caminhada. Portanto, de uma ideia

    primeira me aprofundei na prtica concreta do meu prprio caminho e pude olhar de

    fora e de dentro ao mesmo tempo toda a problemtica aqui levantada.

    Nessa pequena explicao transformada figurativamente em conto podemos

    resumir um pouco da trajetria dessa pesquisa que comea por pequenas observaes

    na vivncia da trajetria profissional, surge a partir de nossa prtica concreta atuando

    em projetos de tecnologia educacional, das constataes no cotidiano e amadurece se

    aprofundando teoricamente. Isto posto, parece acertado dizer que essa pesquisa pode

    tranquilamente ser lida comeando pela anlise da pesquisa de campo para depois

    chegar na parte terica, pois ao exame do contexto das entrevistas logo se percebe

    que o modo como a tecnologia educacional chega s escolas , pode determinar um

    modo reificado da prpria tecnologia, dos sujeitos e, por certo, das escolas. o

    mesmo que afirmar o modo como a tecnologia, a tecnologia educacional chegam nas

  • 15

    escolas de Ensino Fundamental no deveria ser como a realidade concreta nos

    evidencia, mas a partir dessa realidade que traamos nossas anlises para encontrar

    a raiz de tudo isso. Logo nos deparamos que a raiz mais profunda do que se

    imaginava. Isso somente demonstra como foi a trajetria dessa pesquisa que partiu

    em primeiro lugar do que vinha acontecendo nas escolas, como os professores no

    trabalho com tecnologia educacional, comeamos a perceber as contradies

    inerentes implantao dos laboratrios nas escolas pblicas de Ensino Fundamental

    para poder, aps buscar sustentao na base terica, afirmar que deve existir outras

    possibilidades. Essa contradio nos impulsionou a buscar outras leituras e

    percepes. Depois de algum tempo atuando com projetos de tecnologia educacional,

    acompanhando cursos de professores, pudemos perceber a necessidade de se

    aprofundar teoricamente para entender a totalidade do processo de insero dos

    computadores nas escolas, atravs da rea especfica da Tecnologia educacional.

    Portanto, enraizado na realidade concreta que se inicia a construo dessa

    pesquisa. Posteriormente vamos construindo as relaes necessrias teoria em Marx

    e Lukcs sobre reificao. Tal realidade aparece primeiro na constatao, pela

    experincia vivida, de que havia um processo alienado do professor ante o trabalho

    com tecnologia educacional, qual seja, condiciona o conceito de tecnologia a coisa

    objeto-computador. Com efeito, construmos nossa pesquisa a partir da experincia e

    prticas de dez anos no trabalho com tecnologia educacional e depois recorremos s

    fontes tericas para sustentar nosso olhar ainda obscurecido, mas questionador e

    problematizador para comear nossa reflexo.

    Ao exame disso podemos afirmar que vivemos um tempo em que se impe a

    anlise crtica sobre o modelo econmico-poltico-social mundial em que se

    questiona que tipo de sistema econmico este que no atende a uma demanda cada

    vez mais significativa de excludos socialmente. A resposta histrica traz na raiz do

    capitalismo a natureza da relao explorador, explorado, opressor, oprimido; em

    outras palavras a origem do capitalismo a origem da desigualdade social

    contempornea; posto que a origem da diferena social a propriedade privada. Em

    verdade, a lgica capitalista, como nos apontam vrios pesquisadores perversa.

    Nesse contexto de desigualdade lanamos outras perguntas: onde se encontram

    escola, educadores e tecnologia? Que relaes tm a leitura universal da produo

  • 16

    capitalista com a percepo singular da produo escolarizada e o uso da tecnologia

    educacional?

    Alertando para essas questes alguns pesquisadores, como por exemplo,

    SINGER (2003) prope outra alternativa econmica para um modelo to desgastado e

    que faz alargar cada vez mais as diferenas sociais impostas tambm pelo avano

    contnuo do desenvolvimento tecnolgico. Um modelo que j no responde s reais

    necessidades sociais criadas por uma lgica competitiva e desumanizada sob a gide

    das polticas econmicas mundiais. Com efeito, tambm se questiona, que alternativa

    tecnolgica temos?

    um fato que o avano tecnolgico proporcionou muitas vantagens e

    confortos para a sociedade, colocou o ser humano num patamar de desenvolvimento

    da cincia inimaginvel, confirmado cada vez mais com as novas descobertas

    cientficas, como tambm mister dizer que trouxe consigo um reforo das

    desigualdades sociais, onde h um contingente que produz, compra e desenvolve

    tecnologia e outro que somente consome. Paira uma aura em torno da tecnologia, o

    endeusamento da tecnologia trouxe consigo uma pasteurizao da prpria vida, da

    humanizao. Correntes cientficas caminham para contnuas buscas sobre novas

    formas de inovao da tecnologia e colocam em papel coadjuvante o ser humano.

    Posto que a tecnologia desumanizada o puro conceito distorcido de uma sociedade

    que coisifica a prpria vida. Com isso, parece acertado novamente inquirir: a

    tecnologia a servio do que, de quem, para que, para quem? Nessa mesma senda se

    localiza a tecnologia educacional a que podemos depreender os mesmos

    questionamentos.

    Segundo BORN (1998, p. 104) "este formidvel avano cientfico e

    tecnolgico vai continuamente fragmentando o social e potencializando as polticas

    conservadoras, condenando grande parte da populao marginalidade". Nesta

    perspectiva, a relao, tecnologia, trabalho, educao e escola, configuram-se como

    uma vertente cada vez mais necessria investigao. Os descaminhos da educao

    neste sculo promovem cada vez mais o avano da sociedade capitalista que coloca o

    professor-trabalhador como ser que somente consome tecnologia, no se coloca como

    sujeito do contexto tecnolgico. Tal professor, do Ensino Fundamental que aqui

    propomos investigar em seu contexto de trabalho, est cada vez mais relegado

  • 17

    condio de alienado perante o avano tecnolgico. Ao escolher recursos

    tecnolgicos a sua prtica educativa, cada vez mais os escolhe por questes tcnicas

    ou imposies, no polticas, torna-se, neste sentido, um perifrico da mquina que o

    conduz a consumir recursos, mas no a questionar o que, como, por que e em

    detrimento de qu? possvel inferir com isso que tanto professor,quanto tecnologia,

    escola e tecnologia educacional se reificam. Com isso, a tecnologia no ambiente

    escolar, assume o discurso, a imagem, a forma e o simbologia da sociedade

    capitalista de produo e consumo e, por conseguinte, todo o contexto histrico

    humanizado, que pressupe ser a tecnologia, torna-se algo muito distante da

    interpretao de cada educador, transformando a tecnologia como coisa, algo

    sinnimo de mquina.

    verdade que os recursos tecnolgicos sempre estiveram presentes nas

    escolas, sobretudo, a partir da dcada de 1970, com termos adotados como recursos

    audivisuais na educao, depois na dcada de 1980 com o grande avano da

    Informtica na educao e com as pesquisas em tecnologia na educao, novas

    discusses colocam a escola na berlinda dessa discusso. Portanto, discutir a

    tecnologia educacional hoje no seria mais novidade, mas a partir da perspectiva que

    propomos pensar nessa tese coloca novamente a escola, a tecnologia educacional na

    berlinda. No entanto de modo a questionar o modo como chegou nas escolas e como

    trabalhando, propondo olhar uma outra faceta, o da tecnologia submetida lgica

    capitalista e os caminhos decorrentes disso. Trazendo tona um questionamento

    importante a essa tese: estaria todo o processo escolar j reificado, atravs do

    trabalho com tecnologia educacional? Procuramos desvelar isso na trajetria dessa

    pesquisa.

    Com efeito, os impactos do modo de produo capitalista desde o sc. XVIII

    vm criando alternativas eficazes, intensifica-se o trabalho do professor, produzem-

    se variados recursos tecnolgicos que so aceitos ingenuamente pelas escolas e, por

    certo, condicionam manuteno da tecnologia e do ser humano condio de

    objeto. possvel, contudo, aferir, que tais condies e contradies do atual

    sistema capitalista que so reproduzidos no ambiente de trabalho do educador, faz

    com que a tecnologia educacional, quando assume um discurso de inovao

    educativa, possa tambm contribuir com a alienao, a reificao do educador e da

  • 18

    escola, imperioso pensar que no a reificao sozinha, como j afirmou Marx, 'o

    capitalismo em si no a reificao', resulta num processo muito mais amplo de

    relao explorador e explorado e tudo isso se corporifica pela ao e pelos conceitos

    do educador.

    Nesses termos possvel pensar que, tanto as formas de organizao escolar,

    os conceitos atribudos tecnologia, a tecnologia educacional pelos educadores,

    como as polticas pblicas em torno da insero da tecnologia em ambientes

    escolares, podem reforar o pensar a tecnologia reificada e, por sua vez, professor

    cada vez mais alienado. Suas condies de trabalho que, por um lado cobram deste

    trabalhador cada vez mais a utilizao de recursos tecnolgicos, para ser sinnimo

    de um educador contemporneo, por outro lado, no lhe permite decidir que

    recursos, para que, como, contribuem cada vez mais para sua alienao diante do

    contexto tecnolgico. ANTUNES (1997, p. 34) fazendo uma anlise das condies de

    alienao do trabalhador no capitalismo aponta: o que e como produzir, no

    pertence aos trabalhadores, esse no pertencimento explcito ao conceito de

    alienao em Marx, qual seja, o produto do esforo do trabalhador no lhe pertence,

    j lhe estranho. Nesse sentido, o ambiente de trabalho que condiciona o educador

    condio de coisa e, contribui para a manuteno do sistema capitalista, poder

    reforar que todo o trabalho utilizando tecnologias educacionais depender cada vez

    mais da mquina e no do educador. essa sensao de algo estranho a sua atividade

    de trabalho que coloca tal educador frente ao trabalho com tecnologia educacional

    como algo que no lhe pertence concretamente, pois est alheio s suas condies de

    trabalho, uma de nossas preocupaes na produo dessa pesquisa.

    Investigar o ambiente de trabalho deste educador do Ensino Fundamental

    diante da insero da tecnologia educacional, buscando identificar o fenmeno da

    reificao, torna-se cada vez mais essencial. Posto que necessrio repensar as

    alternativas de mediao frente tecnologia na escola a fim de que o modo como a

    tecnologia imposta e consumida seja repensada e se transforme num elo de relao

    entre ser humano, desenvolvimento tecnolgico e formas de superao da sociedade

    capitalista. Nessa senda, estudar como os educadores interpretam a tecnologia

    podemos refletir de que modo a tecnologia educacional est continuamente

    reproduzindo a sociedade de desigualdades, consumista e oportunizando a criao de

  • 19

    um fascnio sobre a mentalidade daqueles que continuam a alimentar a naturalizao

    da sociedade capitalista de produo; sob o argumento de que no h outro caminho a

    ser seguido, necessrio se adaptar. Para tanto, os relatos dos educadores sujeitos

    conscientes ou reificados do processo de insero da tecnologia na escola se torna

    objeto de anlise dessa pesquisa.

    Pretendemos com isso evidenciar caminhos dialticos, desvelando o processo

    da reificao e as formas de superao diante do trabalho do educador, mas a partir

    dos conceitos atribudos tecnologia, tecnologia educacional, concretamente ao

    uso do computador na escola. Com isso poder apontar alternativas que contribuam

    superao da reificao e, por certo, de sua condio de alienado diante da influncia

    do capitalismo no desenvolvimento tecnolgico, dos recursos tecnolgicos.

    Se por um lado, as pesquisas sobre uso de recursos tecnolgicos pelos

    educadores e o desenvolvimento da tecnologia educacional, avanam

    substancialmente para tratar cada vez mais dos novos aparatos tecnolgicos

    oferecidos no mercado, ao nosso olhar ainda obnubilada a noo da tecnologia no

    espao da escola como reprodutora da sociedade capitalista de produo e consumo,

    impedindo, desta forma, a possibilidade de proporcionar aos educadores uma

    reflexo mais profunda da tecnologia e de suas questes histricas, polticas, sociais

    e ideolgicas, impedindo-os de assumirem o papel de sujeitos do processo e no de

    objetos. Decifrar o papel dos sujeitos na escola, focando no trabalho do educador

    tambm nossa preocupao a partir das concepes apontadas em Marx e Lukcs.

    O que pretendemos com os caminhos dessa tese avanar nessas questes,

    propondo re-pensar um educador conscientizado e no robotizado, sujeito da histria

    da tecnologia educacional e no puramente usurio, capaz de contribuir com uma

    outra tecnologia; de tecnologia educacional crtica que pressuponha coloc-la como

    possibilidade de mudar tambm o movimento da lgica da produo capitalista que

    usa da tecnologia como meio eficaz na manuteno das desigualdades sociais ; capaz

    de opinar em torno do projeto poltico-pedaggico da instituio pblica inserindo

    conscientemente os aspectos tecnolgicos da sociedade contempornea sem,

    entretanto, mitificar, endeusar, tampouco se alijar destas questes. Trata-se de

    avanar na perspectiva da totalidade e no da fragmentao do sujeito educador, da

    tecnologia, da tecnologia educacional e da cincia.

  • 20

    Portanto, torna-se importante evidenciar o outro lado, o da contradio, pois

    ao mesmo tempo em que se pretende colocar a tecnologia educacional como

    necessria ao ambiente de trabalho do educador, por outro lado sem um olhar crtico,

    contribui no mesmo sentido para sua reificao e manuteno da reproduo e

    fortalecimento do sistema capitalista, mas possvel aferir que h meios superao.

    Com efeito, nossa proposta de pesquisa evidencia tais questes.

    Essa pesquisa parte do seguinte pressuposto: os conceitos atribudos

    tecnologia, tecnologia educacional, a partir do relato de educadores, suas

    experincias levam ao desenvolvimento da tecnologia educacional reificada,

    tornando a escola, e o educador coadjuvantes do processo tecnolgico. Reificados,

    portanto, alijados de uma leitura crtica do avano tecnolgico e impossibilitados de

    serem sujeitos de interveno social, portanto, obnubilados da totalidade histrica.

    No entanto, pode-se apontar que a superao dessa da viso reificada da tecnologia,

    da tecnologia educacional, quando o professor se coloca como sujeito do processo

    e circunscrito a um espao coletivo de trabalho leva a uma prtica consciente e

    revolucionria. Essas afirmaes se tornam o arcabouo da tese aqui apresentada com

    esse Relatrio de pesquisa, qual seja: 'H processos de reificao e superao na

    escola de Ensino Fundamental a partir da viso de seus professores no trabalho com

    tecnologia educacional". Portanto, os pressupostos tericos adotados pela escola e

    revelados na fala dos sujeitos que trabalham com tecnologia educacional no interior

    da escola de Ensino Fundamental podem demonstrar uma perspectiva tcnica-

    instrumental ou uma perspectiva crtico-social ou contra-hegemnica, a partir do que

    se prope apontar. Em outras palavras, pode tanto desvelar processos de reificao

    ou superao da fragmentao da tecnologia, da tecnologia educacional submetida

    lgica da sociedade capitalista.

    Isto posto a Tese ora apresentada : "a escola de Ensino Fundamental, em face

    do trabalho com tecnologia educacional reproduz o modo de produo capitalista,

    atravs do processo de reificao representado na forma de mercadoria, uso dos

    computadores no ensino, mas pode revelar caminhos superao da lgica capitalista".

    Buscamos responder tal afirmao com base nos pressupostos tericos adotados - a pesquisa

    bibliogrfica - , com a pesquisa de campo apresentada, bem como, com a pesquisa

    documental.

  • 21

    Nessa senda lanamos como problema de pesquisa o seguinte questionamento: Como

    a escola de Ensino Fundamental, atravs do trabalho dos educadores com a tecnologia

    educacional, no uso dos computadores, pode evidenciar processos de reificao e

    contraditoriamente caminhos superao da lgica de produo capitalista?

    Destacamos que, como caminho da pesquisa, algumas questes norteadoras se mostraram

    naturalmente trajetria terica e da pesquisa de campo, a saber:

    a. As condies e contradies do atual sistema capitalista que manifestado no

    ambiente de trabalho do educador (escola), faz com que a tecnologia educacional,

    quando assume um discurso de inovao educativa, contribua tambm com a

    reificao do educador e da escola;

    b. As formas de organizao do trabalho do educador, bem como, as propostas

    pedaggicas em torno da insero da tecnologia em ambientes escolares, reforam o

    pensar reificao da tecnologia e, por sua vez, o trabalhador educador cada vez mais

    alienado;

    c. O modo como o educador trabalha com a tecnologia educacional (o

    computador) pode se constituir num processo de reificao;

    d. Atravs da anlise do relato dos professores entrevistados, no trabalho com a

    tecnologia educacional, pode-se verificar processos de reificao ou superao;

    e. A proposta pedaggica adotada pela escola de Ensino Fundamental pode

    demonstrar contradies quando se analisam os conceitos do educador no trabalho

    com tecnologia educacional.

    Nosso objeto de pesquisa despontou em primeiro plano tecnologia educacional (uso

    do computador na escola), e no mesmo bojo, a escola de Ensino Fundamental e o educador

    das sries iniciais, especificamente aqueles que trabalham com projetos de Informtica

    educacional; portanto, uma relao entre esses trs aspectos objetos a partir da anlise da

    tecnologia educacional.

    Para problematizar o objeto escolhido propusemos o seguinte objetivo de

    pesquisa: Investigar os processos de reificao e superao no desenvolvimento da

    tecnologia educacional na escola de Ensino Fundamental.

    As fases dessa caminhada se desenvolveram a partir de objetivos especficos traados

    e revistos exaustivamente durante a pesquisa, da seguinte maneira: 1. descrevemos os

    pressupostos tericos da reificao com base na teoria crtica, em Marx e Lukcs, atualizando-

  • 22

    a em relao tecnologia educacional; 2. revelamos os processos de reificao e superao da

    tecnologia educacional a partir da abordagem terica escolhida. Posteriormente, 3. coletamos

    informaes a respeito das concepes dos educadores do trabalho com tecnologia

    educacional, no uso da Informtica na educao, a fase da pesquisa de campo. 4.

    Relacionamos as formas de trabalho alienado em relao tecnologia educacional,

    identificando a reificao do educador, da tecnologia educacional e da escola de Ensino

    Fundamental. 5. Identificamos algumas alternativas de superao dos processos de reificao

    do educador e da escola no trabalho com a tecnologia educacional, com base no relato dos

    educadores e a abordagem terica tratada.

    Para que os objetivos se efetivassem destacamos as categorias prvias de anlise da

    pesquisa de abordagem dialtica, ou seja, as categorias do mtodo dialtico. Reificao e suas

    correlaes com a tecnologia educacional, a escola e o trabalho do educador. Superao,

    como anlise contraditria, dialtica categoria reificao. No desenvolvimento dos projetos

    de tecnologia educacional, do computador. Como caminho alternativo frente s evidncias

    dos processos de reificao na escola de Ensino Fundamental. Dessa reflexo em torno das

    categorias do mtodo buscamos verificar em campo as categorias que surgiram a partir dos

    argumentos apontados pelos entrevistados e, relacionamos aos termos adotados por Lukcs.

    O estudo da reificao em relao tecnologia educacional, s novas tecnologias e,

    especificamente ao uso do computador na escola se torna fundamental ante o avano da

    implantao de projetos de tecnologia educacional descontextualizados de uma dimenso

    epistemolgica, filosfica e poltica, portanto, desconectados da viso de totalidade resultando

    em pura mecanizao e instrumentalizao. Nesse sentido, afirmar: se o capitalismo j fosse

    superado no seria mais pertinente resgatar e se aprofundar em suas contradies e categorias

    substanciais de anlise. Com o avano da tecnologia, percebe-se que se intensificam as formas

    do capitalismo, levado ao ambiente escolar atravs de diferentes recursos tecnolgicos. Urge

    esclarecer todo o processo de reificao, a partir dos pressupostos em Marx, para apontar que

    necessrio entender o processo capitalista a partir do estudo da mercadoria. Nessa lgica se

    faz necessrio estudar a reproduo do capitalismo de mercado na escola atravs do uso

    singular das ferramentas tecnolgicas, na forma dos computadores no ensino.

    A insistncia no aprofundamento da anlise da 'reificao', nosso objeto de interesse

    desde a concluso da pesquisa de mestrado, quando tivemos a oportunidade de verificar a

    dificuldade dos educadores em atribuir um conceito mais amplo tecnologia, a tecnologia

  • 23

    educacional, colocando-as no patamar da coisificao, obnubilando a possibilidade de

    enxergar alm da forma, da mquina. Desta inquietao surgiu o interesse em aprofundar e

    entender que tal conceito velado, revela o que concretamente? Nossa caminhada profissional

    apontou surpresas, que em muitos ambientes, pblicos ou privados, nveis de escolarizao e

    formao de educadores e educandos, os conceitos se reproduziam. Portanto, continuvamos

    nosso questionamento: O que est por trs dessa invisibilidade necessrio, urgente revelar,

    pois h algo alm da aparncia. Nessa reflexo apontamos as questes; por que se torna

    fundamental aprofundar a temtica reificao para tentar entender da o processo tecnolgico

    inerente ao processo escolarizado? No que se transformou a escola? No que se transformou a

    tecnologia educacional a partir do uso dos computadores no ensino? Mais precisamente, por

    que importante o resgate e atualizao do fenmeno - para Lukcs - e da categoria reificao

    em Marx? Percebemos que, como alguns autores destacam, ainda no avanamos para alm

    do capitalismo, nessa caminhada histrica da civilizao moderna, houve um

    aperfeioamento, uma intensificao das formas do capitalismo de produo e no que

    concerne s novas tecnologias, a tecnologia educacional somente uma imerso naquilo que j

    existia. Nessa pesquisa, nos propomos a repensar em que contexto histrico, a tecnologia

    educacional na escola, precisa ser estudada. Para tanto, organizamos a pesquisa da seguinte

    maneira:

    No captulo I tratamos de aprofundar desde os conceitos em Marx, Lukcs focando

    nossa opo de anlise a partir dos argumentos de Marx e Lukcs. Nesse momento

    resgatamos tanto nos escritos do Capital como nos Grundrisse algumas reflexes em torno da

    reificao necessrios atualidade. No mesmo captulo apontamos a discusso sobre

    reificao na obra de Lukcs e identificamos algumas categorias que serviram de base

    anlise da pesquisa de campo nos captulos posteriores.

    No captulo II trazemos tona a atualidade do estudo da reificao, apresentando

    outros pesquisadores que estudaram a reificao e das reflexes em torno da reificao e a

    superao para que pudssemos relacionar aos estudos de Marx e Lukcs. No mesmo captulo

    com o objetivo de adentrar-se ao prximo captulo fazemos uma breve correlao reificao e

    tecnologia educacional a partir dos apontamentos de Burris e Garcia-Vera.

    O captulo III se traduz numa inteno de reforar os argumentos do captulo I em

    relao ao captulo II, mas a partir das reflexes especficas da tecnologia educacional e da

    submisso dessa ao modo de produo capitalista, enfatizando, contudo, que h um 'hierglifo

  • 24

    da tecnologia educacional' que precisa ser desvelado luz da teoria crtica de Marx e Lukcs,

    portanto, a partir de uma abordagem dialtica aos estudos da tecnologia educacional.

    Defendendo com isso que possvel e urgente uma teoria crtica da tecnologia educacional.

    No captulo IV, com o tema: 'Reificao e tecnologia educacional: uma abordagem

    dialtica' apresentamos a metodologia e procedimentos adotados, os instrumentos de coleta de

    dados, bem como, a caracterizao do universo pesquisado, a partir de uma abordagem

    dialtica da pesquisa em educao. Revelando com isso a necessidade de relacionar o mtodo

    dialtico com as pesquisas em Tecnologia educacional e das Novas tecnologias. A

    organizao da pesquisa tomou como base a pesquisa bibliogrfica, de campo e documental.

    A amostra da pesquisa contou com a participao de quinze entrevistados, envolvendo treze

    escola pblicas de Ensino Fundamental na cidade de Curitiba, dispostas em nove Ncleos

    Regionais de Educao.

    No captulo V nos propomos a analisar a pesquisa de campo, com a temtica prvia:

    'Reificao e superao e tecnologia educacional na escola de Ensino Fundamental'

    apresentamos a anlise das entrevistas em consonncia com a proposta terica escolhida,

    portanto, retomando as bases tericas em Marx e as categorias de anlise, os termos adotados

    da anlise de Lukcs ao fenmeno da reificao e relacionando tecnologia educacional, bem

    como, com a anlise dos documentos consultados. Com isso as categorias de anlise nos

    permitiram um maior aprofundamento na realidade da escola de Ensino Fundamental a partir

    do relato dos entrevistados.

    No captulo VI, apresentam-se os encaminhamentos finais dessa pesquisa.

    Demonstramos at onde pudemos responder ao problema da pesquisa apontado inicialmente,

    como pudemos avanar, quais as limitaes da pesquisa e das possibilidades de contribuies

    para outras pesquisas convergentes. Reafirmando com isso a necessidade emergencial do

    resgate da categoria reificao em face do avano da tecnologia na escola.

    Por fim, trazemos as referncias bibliogrficas citadas no relatrio de pesquisa e das

    obras consultadas.

    Apndice dessa pesquisa constam os seguintes documentos:

    1. Protocolo de entrevistas I/Pesquisa exploratria (primeiro protocolo aplicado no

    estudo piloto)

    2. Protocolo de entrevistas II (segundo protocolo definitivo aplicado, aps leituras

    tericas e fase experimental)

  • 25

    3. Questes de anlise para o protocolo de entrevistas (o que nos propomos analisar

    quando elaboramos cada pergunta);

    4. Tabela/Sntese do documento Projeto Pedaggico das escolas pesquisadas - anos 2006

    a 2008 - alguns apontamentos relacionados tecnologia educacional.

    5. Quadro Sntese do Perfil dos Entrevistados

    Os anexos desse Relatrio de pesquisa so os seguintes:

    I - Tabela Sntese de alguns dados do Projeto de Informtica educacional da

    parceria das escolas pesquisas com uma das empresas prestadora de servios;

    II - Estabelecimentos da Rede Municipal de ensino, por tipo, segundo Ncleo

    Regional de Curitiba 2012;

    III Distribuio dos Ncleos Regionais de Educao do Municpio de Curitiba.

  • 26

    CAPTULO I

    CONTEXTUALIZANDO O PROCESSO DE REIFICAO E SUPERAO

    Introduo:

    Vrios estudos1 apontam a metamorfose que o capitalismo vem demonstrando ter

    desde a produo de Marx e, que detectam suas formas de proliferao e fortalecimento,

    gerando na sociedade determinadas mudanas sociais. Outros ainda, seguindo a mesma

    descrio dos autores apontados, ressaltam a grande influncia que a educao vem sofrendo

    e se alterando para servir a um sistema de reproduo ou caminhos de superao. Nesta senda

    unnime entre os pesquisadores afirmar que o capitalismo vem, em sua raiz histrica desde

    a crtica de Marx, manifestando a contnua explorao do trabalho, portanto, se intensificando

    e manifestando novas e at inovadoras formas de se reproduzir, mantendo a lgica do

    mercado e transformando e - embora, os tipos de trabalho tambm tenham se modificado -

    as formas de explorao somente se transformaram, mas se mantm. Para uns evidente uma

    crise estrutural, para outros ainda possvel enxergar possibilidades de superao. Nestes

    termos, podemos aferir que ainda estamos imersos num sistema econmico que determina as

    condies sociais e, certamente, influencia a educao, a escola. Com efeito, podemos ainda

    afirmar - a partir dos argumentos dos autores citados - que muito embora algumas categorias

    de anlise do mtodo dialtico em Marx foram se atualizando, elas ainda se mantm. Em

    outras palavras dizer que se estivssemos imersos em outro sistema econmico, poderamos

    at repensar todas as categorias de anlise abordadas por Marx e aprofundadas por estudos

    posteriores. No entanto, ntido que a humanidade ainda no superou as formas

    determinadas e determinantes pelo modo de produo capitalista, neste sentido, justo seguir

    uma anlise das condies de trabalho, sociais, educacionais circunscritas ao entendimento de

    que a lgica da economia capitalista permeia todas as instncias. Isto posto, no coerente

    desconsiderar esta via de anlise e, certamente, criar possibilidades de se aprofundar e

    atualizar suas categorias, pois uma categoria deve ser analisada ao longo de seu

    desenvolvimento histrico.

    1 Mszros (2008, 2009, 2011), Sader (1995), Oliveira (1995), Kuenzer (2007, 2008, 2009), Frigotto (1995, 2003, 2008, 2010) , Therborn

    (1995), Antunes (1995), Harvey (1992), Born (1995), MacLaren (2002) Gentili (1995, 2001, 2008), Saviani (1994), Bauman (2010), entre outros.

  • 27

    Neste contexto que situamos a necessidade de aprofundamento da categoria

    reificao e seu contrrio, qual seja, a possibilidade de 'superao' em relao educao e a

    tecnologia educacional no interior das escolas. No encontrando um termo especfico para

    contrapor a reificao, poderamos at usar desreificao2, no entanto, ainda encontraramos

    circunscrito a ideia da 'superao' encontrada nos argumentos de alguns autores que

    estudaram e se aprofundaram na reificao, desde Marx, e, apontaremos mais frente. Com

    efeito, unnime entre os autores que estudaram a reificao que o termo ' superao' de suas

    formas mais coerente descrever, haja vista, que estudar a reificao no se resume a

    encontrar uma palavra-chave unicamente, um antnimo ou sinnimo, mas entender suas

    ramificaes, portanto, entend-la como um processo mais amplo, que faz parte de um

    processo histrico caracterizado pela luta de classes.

    Para que possamos desvelar o processo tecnolgico no interior da escola de Ensino

    Fundamental necessrio olhar alm da aparncias que todo o aparato tecnolgico pode

    revelar. Da que optamos neste estudo em tirar o vu, ou seja, evidenciar como a reificao e a

    possibilidade de superao no estudo da tecnologia educacional pode ser profundamente

    necessrio para o avano dos estudos nesta rea especfica da educao.

    1. Conceituando reificao: aportes tericos

    Aparentemente muito simples o conceito de reificao, que deriva do latim res =

    coisa, reifis, tornar coisa, coisificar, portanto, pensar em algo j formatado, uma coisa um

    objeto, uma ao materializada que toma vida prpria, no entanto, somente a partir de uma

    perspectiva dialtica, da teoria de Marx que a reificao ganha um carter mais significativo,

    identificada e analisada luz de uma concepo crtica de sociedade capitalista.

    Em BOTTOMORE3 (2001, p. 315), com base no estudo do pensamento marxista, a

    reificao :

    o ato ( ou resultado do ato) de transformao das propriedades, relaes e aes humanas em

    propriedades, relaes e aes de coisas produzidas pelo homem, que se tornaram

    independentes (e que so imaginadas como originalmente independentes) do homem e

    governam a sua vida. Significa igualmente a transformao dos seres humanos em seres

    semelhantes a coisas, que no se comportam de forma humana, mas de acordo com as leis do

    mundo das coisas. A reificao um caso "especial" de alienao. sua forma mais radical e

    generalizada, caracterstica da moderna sociedade capitalista.

    2 termo adotado por Feenberg (2010)

    3 BOTTOMORE, Tom. Dicionrio do pensamento Marxista. Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed., 2001.

  • 28

    A personificao das coisas e a reificao das relaes de produo a anlise central

    do pensamento marxiano. BOTTOMORE4

    lembra, contudo, que "Como equivalente a

    expresso Verdinsglichung Marx usa expresso Versachlichung, e, para o oposto de

    Versachlichung, ele usa o termo Personifisierung [...] Considera como contrapartida

    ideolgica da "reificao" e da "personificao", o "materialismo grosseiro", e o "idealismo

    grosseiro" ou "fetichismo".

    Neste sentido, os estudos marxistas, sobretudo, os Manuscritos Econmicos-

    filosficos (2004) e O Capital revelam objetivamente e subjetivamente a reificao a partir do

    modo de produo capitalista. Em Marx o estudo da mercadoria, dotado do carter reificante,

    ganha um espao central no desvelamento do capitalismo e conjuntamente a isto a reificao

    em dilogo com a categoria alienao.Fazendo um paralelo na reificao inserida na condio

    da mercadoria e por conseguinte estendendo ao trabalho humano, ao ser humano que

    coisificado, reificado se encontra imerso em todo o modo capitalista de produo. Nos

    Grundrisse (2011) revela o carter coisificado que o dinheiro tem na sociedade capitalista e,

    neste sentido, dotado do entendimento de mercadoria. Mais tarde Lukcs (2003), considerado

    o fundador da esttica marxista, retoma esta categoria fundamental dos estudos marxistas para

    investigar o capitalismo na modernidade e os movimentos revolucionrios em pleno sculo

    XX. Ampliando e detalhando o conceito fundamental teoria de Marx (1818-1883), que

    demonstra ser um processo histrico inerente s sociedades capitalistas, evidenciado na

    atividade produtiva e por todas as relaes sociais inerentes ao processo de produo.

    Lukcs, em seu livro mais contestado Histria e conscincia de classe aponta uma

    objetividade e subjetividade ao desvelamento da categoria reificao para relacion-la

    conscincia de classe e ao movimento revolucionrio da poca. Mais tarde vamos encontrar,

    tambm, a categoria reificao nos estudos da Escola de Frankfurt, sobretudo, pelos escritos

    de Adorno e Horkheimer (1985) focados na investigao da dialtica do esclarecimento,

    inserido a esta obra as discusses sobre a indstria cultural no sculo XX. Tambm Kosik

    (2002) em seu estudo sobre Dialtica do concreto discorre sobre uma base metodolgica

    fundamental ao estudo da reificao. Outros pesquisadores ainda no sculo XX, retomam a

    categoria reificao para desvelar mais ainda sua complexidade inerente s mudanas sociais

    contemporneas, alguns deles: Axel Honneth (2005), focando as novas tecnologias, Val

    Burris (1998), Feenberg (2002), em funo do discurso da ps-modernidade e a atualizao da

    4 Ibid, p. 315

  • 29

    categoria reificao, Harvey (1994) e Mszaros (2009) como discpulo de Lukcs resgata os

    estudos da reificao de seu mestre e se aprofunda numa categoria dialgica com a reificao,

    a alienao. No caso do Brasil temos concretamente os estudos de Netto (1981) propondo

    refletir sobre uma teoria da positividade capitalista, Nobre (2001) desvelando, luz da teoria

    em Lukcs,os limites e a superao da reificao, e aqueles que estudaram especificamente a

    trajetria de Lukcs e demonstraram em suas obras uma influncia evidente do fenmeno da

    reificao, como Konder (1980), Lwy (1979 e 1988) e outros estudos como o de Lessa

    (1993) que reconhecemos fundamental ao estudo da categoria de totalidade em Marx, mas

    no foram objeto de aprofundamento em nossa pesquisa nesse momento. Bottomore5 contudo

    destaca que:

    Grande controvrsia tem se manifestado sobre a relao entre reificao, alienao e

    fetichismo da mercadoria. Enquanto alguns autores identificam a reificao ou com a

    alienao, ou com o fetichismo da mercadoria (ou com ambos) outros tentaram manter os trs

    conceitos separados. Ao passo que alguns consideram alienao um conceito "idealista" que

    deve ser substitudo pelo conceito "materialista" de "reificao", outros a entendem como um

    conceito filosfico cuja contrapartida sociolgica a reificao.

    A partir desta reflexo que propomos uma contextualizao da categoria reificao

    numa viso crtica-dialtica. Muito embora relatemos brevemente os estudos de alguns

    autores citados anteriormente, apontamos que o foco da pesquisa ter como abordagem

    terica os estudos de Marx e Lukcs, Burris e Garcia-Vera por conta da discusso em torno da

    tecnologia educacional e das novas tecnologias. Algumas reflexes do que aponta Feenberg e

    sucintamente as afirmaes de Harvey sobre a intensificao da produo de mercadorias na

    ps-modernidade, com o intuito de resgatar tal categoria. nossa leitura a reificao se

    configura como um processo mais amplo correspondendo a dimenso ontolgica do ser

    humano como expressada no pensamento de Lukcs, para mais frente correlacion-la com a

    tecnologia educacional, s novas tecnologias, na expresso da Informtica educacional, do

    uso do computador na escola e, nesse sentido optamos em manter os trs conceitos juntos,

    quais sejam: reificao, alienao e fetichismo6. Muito embora. o foco de nossa pesquisa seja

    evidenciar a reificao no encontramos possibilidade de desconectar esses trs conceitos,

    enfatizando a opo pela categoria de anlise 'reificao', haja vista que nosso objeto de

    estudo a escola de Ensino Fundamental em relao tecnologia educacional e que, ao nosso

    5 Ibid, p. 316

    6 Netto(1981) j evidenciou em seus estudos a impossibilidade de desvelar separadamente as trs categorias, reificao, alienao e fetichismo, pois esto diretamente relacionadas teoria ampla de Marx.

  • 30

    olhar, tendem mais para uma evidncia do fenmeno da reificao - ante o contexto de

    constante produo de aparatos tecnolgicos utilizados, por vezes mecanicamente, no interior

    das escolas - o que trataremos mais frente.

    pertinente, contudo, arrolar uma breve trajetria dos estudos sobre reificao, aps

    os escritos de Marx e Lukcs e que optamos como base terica para relacionar ao estudo da

    tecnologia educacional mais frente. Netto (1981)7 ao se aprofundar no estudo da reificao

    situa a discusso a partir da base marxiana e demonstra uma teoria das relaes reificadas que

    no sendo submetida a uma teoria crtica, significa uma positividade capitalista, e com base

    em Mszaros e Vasquez, aponta (p. 73):

    Sem uma teoria da alienao impossvel pensar a problemtica do fetichismo. Para Marx, o

    fetichismo uma modalidade de alienao. Todavia, quando a concretizao histrica

    alcanada pela reflexo a partir de 1857-1858 permite-lhe colocar integralmente o problema

    do fetichismo, a teoria da alienao torna-se um complexo terico-crtico que passa a abarcar

    um amplo conjunto categorial onde desempenhar papel-chave a noo de reificao.

    Para o autor o estudo da teoria da alienao em Marx abarca o fetichismo e a partir do

    aprofundamento terico em Marx o estudo da coisificao, reificao se torna mais amplo

    circunscrito a teoria da alienao e problematizando toda a produo capitalista de consumo,

    alienao-fetichismo, reificao. Nestes termos, pensar em estudar o processo de reificao

    implica diretamente estudar o problema da alienao e do fetichismo na sociedade capitalista.

    ntido para este autor que o estudo da reificao no pensamento marxista ficou relegado a

    coadjuvante do estudo do processo capitalista de produo, pois foi dada pouca importncia a

    tal categoria to subjacente e para alguns subliminar, pois "os problemas conexos do

    fetichismo e da reificao, estiveram por tanto tempo confinados aos pores do pensamento

    socialista revolucionrio"8. na discusso do capitalismo tardio que o processo de reificao

    retoma centralidade, com o avano, intensificao e requinte da produo de mercadorias foi

    inevitvel no repensar e retomar tal categoria como fundamental anlise do processo de

    produo capitalista.

    Para Netto, Lukcs foi o primeiro a estudar a reificao extrada da raiz marxiana, no

    entanto, h um nmero considervel de autores que relacionam a teoria da reificao ao

    fetichismo e teoria da alienao. Alguns, a saber: Schaff na obra La alienacin, Lefebvre, na

    7 NETTO, Jos Paulo. Capitalismo e reificao. So Paulo: Livraria Editora Cincias Humanas, 1981.

    8 Ibid, p.18

  • 31

    obra Critique, tericos da Escola de Frankfurt9 como Horkheimer na obra Eclipse da razo de

    1979, destacando a citao "A reificao um processo cuja origem deve ser buscada no

    comeo da sociedade organizada e do uso de instrumentos". Para Netto, nos escritos

    marxistas de 1844 no fica ntida uma distino entre alienao e reificao. Fato este que

    evidenciaremos mais frente, quando trataremos resumidamente do dilogo alienao e

    reificao.

    Em Honneth (2005)10

    encontramos uma breve trajetria terica apontando autores da

    Sociologia, da Filosofia, Antropologia e, ainda, da Psicologia, neste ltimo, sobretudo, da

    rea especfica da neuro-psicologia e que no optamos em aprofundar em funo do objeto e

    categoria de anlise pautada numa viso crtica aqui destacada, pois no identificamos uma

    viso crtica que reconhea a influncia do capitalismo de produo. O autor destaca que aps

    a II guerra o diagnstico da categoria reificao foi esquecido, pois em funo do terror do

    Holocausto muitos tericos passaram a se dedicar a estudos sobre a eficincia da democracia

    e justia, sem fazer relaes com patologias sociais como, ao que afirma o autor, ser tambm

    a reificao. leitura do autor que a partir de 1960, com crescimento dos movimentos

    estudantis, sociais, Adorno resgata tal anlise desta categoria, portanto, o projeto de anlise da

    reificao mostrou uma parte do passado. Evidenciando um estudo sobre a cultura e o

    pertencimento11

    . Para Honneth, atualmente, surge um nmero crescente de estudos

    demonstrando que o estudo da reificao se evidencia e, "como filosoficamente uma pepita

    no explorada a categoria reificao tem emergido e retomado o lugar do discurso terico"12

    .

    Exemplo disso o que o autor destaca como crescente o nmero de romances que discorrem

    sobre a aura esttica da comercializao na vida cotidiana. Entendemos com isso que tal

    resgate deve-se ao fato de que a intensificao da sociedade capitalista de produo gera

    continuamente uma mudana social e, consequentemente interfere nas relaes sociais,

    portanto, nossa leitura esse resgate da categoria possivelmente "esquecida" desde Lukcs,

    demonstra unicamente que o argumento de Marx ainda se mantm, qual seja, para aprofundar

    o estudo do capitalismo h que se aprofundar tambm, no estudo da mercadoria, ou seja, da

    9 Para o autor os tericos da Escola de Frankfurt desenvolveram uma peculiar teoria da reificao, rastreando fenmenos nas formas

    elementares da sociedade. Portanto, a crtica da reificao se transforma visivelmente numa crtica do intelecto, da cincia e tecnologia. 10 HONNETH, Axel. Reification: A recognition-theorical view. The tanner lectures on human values. Delivered at University of

    Califrnia, Berkeley, March 14-16-2005. 11 Entendemos que o que j foi apontado nos estudos de Adorno sobre indstria cultural, por exemplo.

    12 Ibid, p. 92

  • 32

    reificao. Honneth tambm aponta que alguns estudos atualmente concebem a reificao

    presente numa atmosfera de humor e outros estudos recentes de Sociologia analisam a

    reificao como uma forma modificada de comportamento. Aponta outros estudos de

    Sociologia e Psicologia que discutem a sociologia da cultura e psicologia que tm

    demonstrado uma enorme tendncia da uma parte subjetiva de um certo sentimento de

    fingimento ou desejo para razes oportunistas decorrentes da personalidade13

    . Reconhece que

    outras abordagens tambm demonstram a anlise da economia utilizando o mesmo termo

    adotado por Marx sobre "objetificao" e alienao, resgatando rapidamente a categoria

    reificao. Com efeito, ainda discorre sobre o estudo da reificao relacionado ao

    desenvolvimento da vida social contempornea e, neste aspecto, exemplifica os estudos da

    bio-psicologia.

    Isto posto, apontamos e optamos nesta pesquisa em discorrer sobre a raiz da reificao

    inserida numa concepo da sociedade capitalista que historicamente se metamorfoseia e

    acreditamos, mantm a categoria reificao muito acesa e se espalhando em vrias instncias,

    a exemplo do que apontaremos no universo da escola de Ensino Fundamental mais frente.

    1.1 O processo de Reificao em Marx: um dilogo permanente com a alienao

    Para discutir acerca da reificao se faz necessrio apontar a que contexto estamos nos

    referindo. Destacar que reificao descolada dos processos de alienao, j arrolado em Marx,

    seria leitura e reflexo ingnua quando a inteno , justamente, refletir em torno da

    reificao inserida nos processos de contradio do modo de produo capitalista. Assim

    como a anlise da totalidade inerente em todo o processo de produo capitalista, revelado

    nos escritos de Marx, na mesma medida lcito reconhecer que tanto reificao como

    alienao - para alguns categoria de anlise em toda a obra marxiana, para outros, trata-se de

    um processo que deve ser estudado detalhadamente e em convergncia - caminham no mesmo

    compasso da anlise da totalidade do processo de produo capitalista. Em outras palavras,

    afirmar que estudar a obra de Marx esquecendo da viso de totalidade, alienao e reificao

    como passar em brancas nuvens e em plcido repouso adormecer ante uma grandiosa obra

    de desvelamento da realidade da explorao e expropriao do trabalho a que o ser humano

    esteve e est submetido ante o avano da economia capitalista.

    No foroso ressaltar que, para alguns pensadores no crticos, a teoria da alienao

    13 Como exemplo o autor aponta o argumento de Lukcs sobre o trabalho dos jornalistas.

  • 33

    em Marx no passaria de pura utopia terica, desconsiderando toda a questo da prtica

    concreta explcita na sociedade dialtica capitalista. Vieira (2002) vai nos apontar que ainda

    hoje existem tentativas de 'enterrar' o pensamento marxista a partir de duas perspectivas, uma

    factual e outra epistemolgica. Assim descreve:

    A primeira constata o fracasso da experincia socialista em certos pases, da encontrando a

    confirmao definitiva para demonstrar que o marxismo no uma teoria susceptvel de ser

    concretizada, estando mais no nvel de uma teoria abstrata do que realizvel. A segunda

    perspectiva, a epistemolgica, visa a demonstrar os problemas tericos da teoria social de

    Marx e sua inaplicabilidade realidade social. Assim, algumas categorias, como alienao,

    no teriam qualquer valor terico ou prtico, estando privadas de qualquer sentido

    revolucionrio, porque no fundariam nada de concreto.14

    Para Bottomore (2001, p. 315) "apesar de o problema da reificao ter sido discutido

    por Marx em O Capital [...] essa anlise da reificao foi negligenciada durante muito tempo".

    Nestes termos, nos propomos a arrolar em que medida o processo de reificao est bifurcado

    com a alienao, muito embora, a todo o momento em sua obra Marx relaciona estas duas

    categorias de anlises, pois falar de alienao do processo de trabalho e do trabalhador

    implica reconhecer, por exemplo, que para se encontrar alienado de seu prprio processo

    produtivo - o trabalhador - j se encontra reificado, coisificado. Isto posto, no possvel

    desvelar o processo de reificao - oriundo na anlise marxiana da produo de mercadoria -

    desconsiderando o estado de alienao do trabalho e do trabalhador.

    Em uma de suas obras tambm conhecida como Manuscritos de Paris15

    , Marx se

    desdobra numa minuciosa crtica tica e poltica ao capitalismo, economia nacional da

    poca. Escrito em 1844 e antecede os estudos de O Capital, quando Marx estava com 26 anos,

    permanecendo inditas em quase cinqueta anos depois de sua morte, o que, serviu de apoio

    reestruturao de outras teorias trazendo o marxismo como base de apoio. possvel aferir,

    contudo, que serve como base dos argumentos retomados em O Capital. Tal obra foi

    descoberta por D. Riazanov - aponta Raniere na introduo dos Manuscritos de Paris junto

    com Kautsky e Berstein trabalhando na investigao e ordenamento dos materiais deixados

    por Marx em Engels. Lukcs, segundo vrios pesquisadores, foi aquele que se debruou

    exaustivamente na anlise da reificao no capitalismo moderno e foi muito influenciado por

    14 Cf. : In www. Unicamp.br/cemarx/antoniovieira.htm, 2002. acessado em 2006, conferido em 23/11/2012.

    15 MARX, Karl. Manuscritos Econmicos-Filosficos. Traduo Jesus Ranieri. So Paulo: Boitempo, 2008.

  • 34

    estes escritos, declarando mais tarde16

    :

    Quando estive em Moscou, em 1930, Riazanov me mostrou os textos escritos por Marx em

    Paris, em 1844. Vocs nem podem imaginar minha excitao, a leitura desses manuscritos

    mudou toda a minha relao com o marxismo e transformou minha perspectiva filosfica. (...)

    Pelos meus conhecimentos de filosofia, trabalhei determinando quais palavras ou letras que

    desapareceram; vezes havia palavras comeando com g e terminando com s e ns tnhamos

    de adivinhar o que havia no meio. Penso que a edio publicada saiu muito boa sei porque

    colaborei nela. Riazanov era o responsvel por esse trabalho; no era um terico, mas um

    grande fillogo.

    Na Crtica Economia Poltica, Marx revela a histrica reproduo da indstria no

    capitalismo. Desta obra traamos um conceito fundamental reflexo desta pesquisa, como

    alienao - com a discusso do trabalho estranhado - e reificao, categorias fundamentais e

    que ocupam todos os escritos de Marx em o Capital, muitas vezes subjetivo, outras vezes

    expondo outro conceito inerente a estes. O componente ideolgico e histrico inerente

    economia poltica j fora descoberto por Marx. Segundo Ranieri 17

    o componente humano

    nada mais era do que um componente da atividade capitalista de produo o trabalho

    humano igualado a qualquer outro elemento da produo de mercadorias, uma vez que no

    processo predomina a percepo do indivduo isolado, puro ente subordinado ao territrio das

    determinaes.

    Continua Raniere afirmando que h nos Manuscritos uma discusso acerca dos

    conceitos extrados de Hegel, um princpio para o entendimento dos elementos das relaes

    capitalistas de produo, qual seja, distino (e similitude) entre alienao (Entusserung) e

    estranhamento (Entfremdung). Portanto, pela descoberta da contradio interna da

    propriedade privada que se estruturam em Marx todos os desdobramentos do estranhamento

    do trabalho. Para Raniere (2008)18

    a marca maior dos Manuscritos se encontra na

    "apresentao do estranhamento genrico do ser humano sob a gide do trabalho subordinado

    ao capital".

    Tal obra de Marx inicia uma anlise estruturada do modo de produo capitalista. Com

    efeito, tal trabalho surge como categoria fundamental aos estudos de Marx, como modo que

    concretiza o ser social e amplamente desenvolvido. possvel entender que na medida em

    16 Cf. em Nota edio de Ivana Jinking, 2004. Citando entrevista concedida sucursal da New Review em Budapeste, em 1968, e publicada no nmero 68, em 1971. Em MARX, Karl. Manuscritos Econmico-filosficos. Traduo Jesus Ranieri. 2. Reimpresso. So

    Paulo: Boitempo, 2008.

    17 Apud MARX, Karl. Manuscritos Econmicos-Filosficos. Traduo Jesus Ranieri. So Paulo: Boitempo, 2008.

    18 Ibid, p. 14

  • 35

    que a produo se enriquece, a produtividade aumenta, resultando na sofisticao do processo

    de trabalho. Portanto, o trabalho sob as relaes da produo capitalista traz a impossibilidade

    da superao do estranhamento, pois seu controle determinado pela necessidade da

    apropriao privada do trabalho alheio.

    Ranieri lembra, ainda 19

    , que acerca da traduo da obra, vale uma informao com

    relao aos termos fundamentais de todo o seu trabalho, qual seja, alienao, estranhamento.

    Nesta traduo h uma distino sugerida entre os termos Entusserung (alienao) e

    Entfremdung (estranhamento), a saber:

    muito comum compreender-se por alienao um estado marcado pela negatividade, situao

    essa que s poderia ser corrigida pela oposio de um estado determinado pela positividade

    emancipadora, cuja dimenso seria, por sua vez, completamente compreendida a partir da

    supresso do estgio alienado, esse sim aglutinador tanto de Entusserung quanto de

    Entfremdung. No capitalismo, os dois conceitos estariam identificados como formas de

    apropriao do excedente de trabalho e, consequentemente com a desigualdade social, que

    aparece tambm nas manifestaes tanto materiais quanto espirituais da vida do ser humano.

    Assim, a categoria alienao cumpriria satisfatoriamente o papel da categoria universal

    servindo de instrumento para a crtica de conjunto do sistema capitalista. (RANIERI, Apud,

    MARX, 2008, p. 15)

    Nestes termos, Entusserung significa remeter para fora, extrusar, passar de um estado

    a outro qualitativamente distinto. Igualmente despojamento, realizao de uma ao de

    transferncia, carregando consigo, portanto, o sentido da exteriorizao, segundo Ranieri20

    que no texto traduzido, uma alternativa amplamente incorporada, uma vez que sintetiza o

    movimento de transposio de um estgio a outro de esferas da existncia, momento de

    objetivao humana no trabalho por meio de um produto resultante de sua criao.

    Entfremdung, enfatiza o autor21

    :

    ao contrrio objeo socioeconmica realizao humana, na medida em que veio,

    historicamente determinar o contedo do conjunto das exteriorizaes ou seja, o prprio

    conjunto de nossa sociedade atravs da apropriao do trabalho, assim como da

    determinao dessa apropriao pelo advento da propriedade privada.

    Portanto, os dois termos apontados se referem ao poder do estranhamento sobre o

    conjunto das alienaes humanas, ou seja, h uma ideia de conjunto das alienaes inerente

    ao conjunto da sociedade, pois no se resumem a um nico tipo de alienao e o

    19 Id, Ibid p. 15

    20 Ibid, p. 16

    21 Id

  • 36

    estranhamento se sobressair no conjunto, O que segundo Ranieri22

    , para Marx possvel

    perceber pela relao concreta entre as duas categorias, pois as exteriorizaes surgem no

    interior do estranhamento, mesmo impossvel de eliminar da existncia social com base no

    trabalho humano.

    O trabalho inserido no modo de produo capitalista sempre vai gerar um

    estranhamento, uma exteriorizao, da a impossibilidade de ignorar da existncia social, pois

    o trabalho por natureza conduz existncia das relaes sociais. Por certo, o trabalho

    estranho, que no pertence ao homem, produz exteriorizaes, alienaes, desvincula-se de

    sua existncia social, ou seja, o trabalho no tem outro sentido para o trabalhador na lgica

    capitalista - se no unicamente criar produtos, no possui sua identidade, assim lhe estranho

    e ao se apresentar desta maneira produz modos de alienao dependendo do contexto em que

    se circunscreve o trabalhador.

    J no prefcio do Caderno I, dos Manuscritos Econmico-Filosficos (2008) Marx,

    quando argumenta sobre o salrio, aponta que o homem inserido no sistema capitalista de

    produo resulta em mercadoria a servio dos caprichos dos ricos. Faz a sua primeira

    exposio da relao homem reificado pelo universo capitalista. Ao se referir ao salrio

    lembra que o homem sendo uma mercadoria para o capitalista seu salrio ser pago na medida

    em que atender seus interesses, assim se no h interesse do trabalhador pelo salrio ofertado,

    outra mercadoria-homem pode substitu-lo. Assim expe (p. 24):

    A procura por homens regula necessariamente a produo de homens assim como de

    qualquer outra mercadoria. Se a oferta muito maior que a procura, ento uma parte dos

    trabalhadores cai na situao de misria ou na morte pela fome. A existncia do trabalhador ,

    portanto, reduzida condio de existncia de qualquer outra mercadoria. O trabalhador

    tornou-se uma mercadoria e uma sorte para ele conseguir chegar ao homem que se interesse

    por ele. E a procura, da qual a vida do trabalhador depende, depende do capricho do rico e

    capitalista.

    Na medida em que seja retirado das mos do trabalhador seu produto de trabalho, pois

    este uma coisa a ser usada pelo capitalista - e no dono de sua fora de trabalho, qui do

    produto produzido - , seu trabalho se defronta com algo alheio, concentrando cada vez mais

    seus meios de existncia, pois existe pela relao social de trabalho, nas mos do capitalista.

    O trabalhador transformado condio de mquina pela diviso do trabalho, que o

    mantm sempre mais dependente do capitalista e, igualmente transformado condio de

    22 Id

  • 37

    objeto de um sistema, que ao mesmo tempo eleva a fora produtiva do trabalho

    empobrecendo-o, nega sua condio de sujeito do processo produtivo. Marx iniciando sua

    crtica economia nacional revela que tal sistema a economia - reconhece no trabalhador

    apenas uma condio de subservincia, como um animal de trabalho. Est, contudo,

    apontando todas as condies de explorao do trabalhador em vrios pases, sobretudo, na

    Alemanha, Inglaterra e Frana, a ponto de questionar (2008, p. 32) at que ponto os homens

    trabalham com mquinas, ou at que ponto eles trabalham como mquinas. 23

    Sua crtica economia nacional na poca evidenciou a condio de coisa, mercadoria

    estendida ao prprio trabalho do trabalhador; retoma ao conceito de reificao anteriormente

    revelado. Assim afirma (2008 p. 35) A economia nacional considera o trabalho

    abstratamente como uma coisa; o trabalho uma mercadoria; se o preo alto, a mercadoria

    muito procurada; se baixo, [a mercadoria] muito oferecida; como mercadoria, o trabalho

    deve baixar cada vez mais de preo". Marx estava revelando com esta afirmao, que a

    mercadoria j estava no bojo da anlise do sistema capitalista de produo. Neste sentido,

    abstrai-se o processo de reificao da raiz de seus escritos anteriores ao Capital,

    complementado e ampliado com esta obra. Admitindo, contudo, que o trabalho sendo a vida,

    o sentido da vida do trabalhador precisa permutar todos os dias em comida, em produtos de

    suas necessidades bsicas. Sendo vida, denota da, que a existncia e continuidade da

    existncia do ser humano dependem da continuidade de seu trabalho. No entanto, para que

    esta vida seja uma mercadoria o trabalho como vida - necessrio, no entendimento de

    Marx, admitir a escravido. Neste aspecto possvel aferir que tal escravido se refere s

    condies de trabalho, dentro do sistema capitalista de produo que condiciona o trabalhador

    intensa produtividade, por um salrio irrisrio, mas submetido para garantir a sua prpria

    vida, no lhe restando alternativa.

    No captulo II, Marx analisa que o ganho de capital explora as condies em que se

    baseia o capital, qual seja, a propriedade privada dos produtos do trabalho alheio. Trabalho

    este expropriado da fora do trabalhador, condicionando-o situao de coisa. Marx, ainda

    nesta via, destaca que o cap