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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS E DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES DAMILA SOARES DE CARVALHO A CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO DE FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO ESCOLAR: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO ALEGRE 2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE …portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_12536_Disserta%E7%E3... · 2018. 12. 14. · DAMILA SOARES DE CARVALHO A CONSTRUÇÃO DE UM

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

    CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS

    E DA SAÚDE

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, EDUCAÇÃO BÁSICA E

    FORMAÇÃO DE PROFESSORES

    DAMILA SOARES DE CARVALHO

    A CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO DE FORMAÇÃO CONTINUADA NA

    PERSPECTIVA DA INCLUSÃO ESCOLAR: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DO

    AGIR COMUNICATIVO

    ALEGRE

    2018

  • DAMILA SOARES DE CARVALHO

    A CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO DE FORMAÇÃO CONTINUADA NA

    PERSPECTIVA DA INCLUSÃO ESCOLAR: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DO

    AGIR COMUNICATIVO

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores do Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito para obtenção do grau de Mestre em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores.

    Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mariangela Lima de Almeida.

    ALEGRE

    2018

  • Dedico este trabalho a meus pais, Paulo e Vanilda, ao

    Heitor, ao Matheus e a todos os alunos público-alvo

    da Educação Especial.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente a Deus, meu Criador, pelo infinito e imerecido amor, pela fidelidade e

    sustento ao longo desta caminhada, guiando-me e fortalecendo-me em todos os

    momentos. Toda honra, toda glória e todo louvor Lhe sejam dados!

    Aos meus pais, Vanilda e Paulo, pelo amor incondicional, por acreditarem em mim e

    por compartilharem comigo meus sonhos, incentivando-me a seguir em frente.

    Ao meu irmão Douglas, pelo carinho, pelo apoio e pelos presentes que me deu: Laura

    e Luiza (que está chegando).

    À minha Laurinha tão amada, pelos lindos momentos vividos, por sua doce voz e pelo

    sorriso inocente de criança que me contagiam e me dão forças.

    Aos meus amigos e familiares, que fazem parte da minha vida, por torcerem por mim

    e me ajudarem nesta jornada. À minha prima Silvana, por me abrigar e sustentar em

    oração. Peço-lhes desculpas pelos momentos de ausência, que muitas vezes se

    fizeram necessários.

    À minha orientadora, professora Mariangela Lima de Almeida, pela acolhida, pela

    ajuda, pelos ensinamentos e incentivo ao longo desta pesquisa. Obrigada pela

    confiança e por tantos aprendizados compartilhados.

    Aos professores Agda Felipe Silva Gonçalves e Alexandro Braga Vieira, pela

    contribuição na elaboração deste trabalho, desde a defesa do projeto.

    À professora Denise Meyrelles de Jesus, pela disponibilidade e por contribuir com seu

    conhecimento no estágio final desta pesquisa.

    Aos professores e alunos da turma 1 do Programa de Pós-Graduação em Ensino,

    Educação Básica e Formação de Professores, pelos momentos compartilhados.

    A Clayde, Conceição, Dayane e Simone, que comigo formaram o Quinteto Fantástico,

    pela amizade que levarei para a vida toda. As conversas e as risadas (muitas risadas)

    que compartilhamos foram muito significativas para mim. Minhas idas para o Alegre

    não seriam as mesmas sem a companhia de vocês.

    Às Musas da Pesquisa-Ação, Fernanda, Islene, Maria José e Nazareth, irmãs lindas

    da família Lima de Almeida, que tornaram mais leve e agradável para mim esta

  • jornada, agradeço pela amizade, pelo incentivo, pela cumplicidade e pelo apoio em

    todos os momentos.

    Ao GRUFOPEES, com o meu carinho, pelos ensinamentos compartilhados e pelo

    crescimento que me proporcionou.

    Aos profissionais da Rede Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim, pela

    participação nesta pesquisa, pela disponibilidade de tempo e atenção e pelo

    comprometimento de cada um.

    À CAPES, pelo fomento financeiro concedido para a realização deste trabalho.

  • O Senhor é a minha força e o meu escudo; nele o meu coração confia, e dele recebo

    ajuda. Meu coração exulta de alegria, e com o meu cântico lhe darei graças.

    Salmos 28:7

  • RESUMO

    Este trabalho analisa as concepções, propostas e ações que se referem à formação

    dos profissionais da educação na perspectiva da inclusão dos alunos público-alvo da

    Educação Especial na Rede Municipal de Ensino de Cachoeiro de Itapemirim-ES.

    Objetiva mapear as políticas municipais relativas à formação continuada desses

    profissionais no que se relaciona à escolarização de alunos público-alvo da Educação

    Especial; dialogar com os profissionais sobre os processos e perspectivas de

    formação continuada sob o olhar da inclusão, considerando conceitos e concepções

    teórico-metodológicas; refletir com os profissionais da Rede Municipal de Ensino

    sobre o modo como as ações formativas propostas pela Secretaria de Educação se

    articulam com as diferentes intencionalidades e demandas do contexto educativo,

    bem como se têm constituído em possibilidades para a construção de propostas de

    trabalho; construir espaços discursivos entre os diferentes profissionais, buscando,

    pela mediação da autora, momentos em que todos possam expor seus argumentos e

    suas intencionalidades por meio dos atos de fala, com vistas a alcançarem

    entendimento mútuo e consensos provisórios sobre os princípios de currículo de

    formação continuada na perspectiva da inclusão escolar. O aporte teórico

    fundamenta-se nos pressupostos da Teoria do Agir Comunicativo e nos conceitos de

    discurso, entendimentos e consensos. Para tanto, utiliza a metodologia do estudo de

    caso e, como instrumentos de coleta de dados, o mapeamento documental,

    entrevistas semiestruturadas e encontros de grupos focais. Tem como campo de

    investigação a Secretaria Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim-ES e,

    como participantes, os gestores municipais de Educação Especial, diretores,

    pedagogos, professores regentes de turma, professores do atendimento educacional

    especializado, cuidadores e pesquisadores da universidade. A coleta e a análise dos

    dados constituem-se com base nos pressupostos habermasianos, através de espaços

    discursivos nos quais se busca alcançar entendimentos mútuos a partir dos

    argumentos e intencionalidades dos diferentes profissionais. A pesquisa evidencia

    ações e concepções formativas com características do Agir Instrumental, tais como

    as dificuldades em lidar com a diferença, a pouca oferta de propostas formativas para

    os professores regentes e gestores escolares por parte da Rede Municipal de Ensino,

    a inversão de papéis entre profissionais e a necessidade de incorporação do trabalho

    colaborativo. No que tange ao Agir Comunicativo, evidencia a criação de espaços

  • discursivos como princípios fundamentais na construção de currículo de formação

    continuada, tais como espaço discursivo sobre formação na escola e interescolar,

    espaço discursivo sobre colaboração família e escola e espaço discursivo sobre

    intersetorialidade. Destaca a necessidade de diálogo entre gestão municipal e escola,

    objetivando uma formação continuada pensada a partir das demandas da escola, que

    envolva todos os profissionais que lidam cotidianamente com a inclusão dos alunos

    público-alvo da Educação Especial.

    Palavras-chave: Formação continuada. Educação Especial. Currículo de formação.

  • ABSTRACT

    This work analyzes conceptions, proposals and actions concerning the continuous

    formation of education professionals under the perspective of Special Education

    target-public students’ inclusion in the municipal public schools of Cachoeiro de

    Itapemirim, ES, Brazil. It aims to map municipal policies enforcing the continuous

    formation of professionals regarding special education target-public students’

    schooling; dialoging with the professionals about continuous-formation processes and

    perspectives under the inclusion viewpoint, considering both theoretic-methodological

    concepts and conceptions; reflecting with professionals about the way Education

    Board’s formative actions articulate themselves with the different intents and demands

    from the education context, as well as if they have been constituted in possibilities for

    the construction of proposals of work; through the mediation of the author, moments in

    which all can expose their arguments and their intentionalities through the acts of

    speech, with a view to reaching mutual understanding and provisional consensuses on

    the principles of continuing education curriculum from the perspective of school

    inclusion.Theoretical contribution was grounded on Communicative Action Theory, as

    well as on the concepts of speech, understanding, and consensus. For that purpose,

    case-study methodology was used, along with data-collection instruments like:

    documental analysis, semi-structured interviews, and focal-groups meetings.

    Investigation field was the Education Board of Cachoeiro de Itapemirim; participants

    were Special-Education municipal managers, school principals, class-monitor

    teachers, specialized education-assistance teachers, university staff, and professors.

    Data-collection and -analysis were based on Habermas’ assumptions, reaching

    agreement in speech-spaces conducting to mutual understanding out of the different

    professionals’ reasoning and intents. This research has evidenced formative actions

    and formation conceptions presenting Instrumental Action’s features, such as difficulty

    in handling differences, few formative proposals for monitoring teachers and Education

    Board’s school managers, hard role reversion between professionals and slow

    incorporation of collaboration-work. About Communicative Action, speech-spaces’

    creation is grounding a continuous-formation curriculum, like speech-spaces around

    formation in and between schools, around family-school collaboration, and inter-

  • sectors speech-space. This work highlights the necessary dialogue municipal

    administration-school, aiming at continuous formation out of the school’s demands,

    involving all professionals coping in the everyday with Special Education target-public

    students’ inclusion.

    Keywords: Continuous formation. Special Education. Formation curriculum.

  • LISTA DE SIGLAS

    ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

    AEE Atendimento Educacional Especializado

    ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da

    Educação

    ANPAE Associação Nacional de Política e Administração da Educação

    ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

    Educação

    APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

    BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

    CAEE Centro de Atendimento Educacional Especializado

    CANE Coordenadoria de Atendimento às Necessidades Especiais

    CECAPEB Centro de Referência, Pesquisa e Capacitação do Professor de

    Educação Básica “Dr. Dirceu Cardoso”

    CEIDD Coordenadoria de Educação Inclusiva e do Direito à Diversidade

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

    DT Designação Temporária

    EAD Educação a Distância

    EJA Educação de Jovens e Adultos

    GRUFOPEES Grupo de Pesquisa Formação, Pesquisa-Ação e Gestão em

    Educação Especial

    GTs Grupos de trabalho

    IFES Instituto Federal do Espírito Santo

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

    OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

    ONEESP Observatório Nacional de Educação Especial

    MEC Ministério da Educação

    NEE Necessidades Educacionais Especiais

    PAEE Público-Alvo da Educação Especial

    PAES Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo

    PEPP Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica

  • PNE Plano Nacional de Educação

    PNEE-PI Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

    Educação Inclusiva

    PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação

    PPGEEDUC Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e

    Formação de Professores

    RENAFOR Rede Nacional de Formação Continuada de Professores na

    Educação Básica

    SEDU Secretaria de Estado da Educação

    SEEL/PCR Secretaria de Educação, Esporte e Lazer da Prefeitura da Cidade

    do Recife

    SEME Secretaria Municipal de Educação

    SRE Superintendência Regional de Educação

    SRM Sala de Recursos Multifuncionais

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    TGD Transtorno Global do Desenvolvimento

    UAB Universidade Aberta do Brasil

    UFES Universidade Federal do Espírito Santo

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 –

    Tabela 2 –

    Tabela 3 –

    Tabela 4 –

    Tabela 5 –

    Tabela 6 –

    Tabela 7 –

    Tabela 8 –

    Tabela 9 –

    Natureza dos estudos analisados..................................................

    Número de matrículas na Educação Básica..................................

    Evolução no número de matrículas da Educação Especial...........

    Número de Matrículas na Educação Especial - Classes Comuns.

    Evolução das SRMs.......................................................................

    Formação AEE...............................................................................

    Formação Libras Básico.................................................................

    Formação Libras Intermediário.......................................................

    Formação Cuidadores....................................................................

    46

    98

    100

    101

    103

    138

    138

    138

    138

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 –

    Quadro 2 –

    Quadro 3 –

    Quadro 4 –

    Quadro 5 –

    Quadro 6 –

    Quadro 7 –

    Temáticas abordadas nos estudos..............................................

    Regiões/Universidade dos estudos abordados............................

    Escola de Frankfurt: diferentes pensamentos..............................

    Agir comunicativo X agir estratégico............................................

    Agir comunicativo fraco e forte.....................................................

    Perfil dos participantes da pesquisa.............................................

    Mapeamento dos documentos do município de Cachoeiro de

    Itapemirim.....................................................................................

    44

    45

    66

    70

    71

    79

    106

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 –

    Figura 2 –

    Convite para o primeiro encontro do grupo focal...........................

    Convite para o segundo encontro do grupo focal...........................

    85

    87

  • LISTA DE GRÁFICOS

    Gráfico 1 –

    Gráfico 2 –

    Gráfico 3 –

    Evolução dos estudos sobre Formação Continuada e Educação

    Especial........................................................................................

    Porcentagem dos participantes da pesquisa................................

    Organograma da Secretaria Municipal de Educação...................

    43

    78

    96

  • LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 –

    Mapa 2 –

    Mapa 3 –

    Regiões geoescolares urbanas........................................................

    Estado do Espírito Santo..................................................................

    Divisão geopolítica do Município......................................................

    77

    93

    94

  • SUMÁRIO

    1

    1.1

    2

    2.1

    2.2

    3

    3.1

    3.2

    3.3

    4

    5

    5.1

    5.2

    5.3

    5.3.1

    INTRODUÇÃO..........................................................................................

    DA CONSTITUIÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA ÀS NOSSAS

    IMPLICAÇÕES NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS SOBRE

    FORMAÇÃO DE PROFESSORES............................................................

    A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO

    ESCOLAR: OS CAMINHOS PERCORRIDOS NESSE PROCESSO.......

    A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CONTEXTO DA INCLUSÃO

    ESCOLAR: QUE CAMINHOS ESTAMOS SEGUINDO?...........................

    QUESTÕES ATUAIS DA EDUCAÇÃO.....................................................

    O DIÁLOGO COM OUTRAS PESQUISAS E AS CONTRIBUIÇÕES DO

    AGIR COMUNICATIVO NA CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO DE

    FORMAÇÃO CONTINUADA....................................................................

    A FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO

    INCLUSIVA DESENVOLVIDA PELA UNIÃO, PELOS ESTADOS E

    PELOS MUNICÍPIOS................................................................................

    O CONTEXTO DA PRÁTICA EDUCATIVA E OS INDÍCIOS PARA

    ELABORAÇÃO DE CURRÍCULOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA.......

    UM OLHAR PARA “DENTRO”: O QUE APRENDEMOS A PARTIR DA

    PRODUÇÃO DOS GRUPOS DE PESQUISAS DA UNIVERSIDADE.......

    O DIÁLOGO NA CONSTRUÇÃO DE CURRÍCULO DE FORMAÇÃO

    CONTINUADA NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO ESCOLAR: AS

    CONTRIBUIÇÕES DE JÜRGEN HABERMAS.........................................

    PERSPECTIVA TEÓRICO-METODOLÓGICA E OS CAMINHOS DA

    PESQUISA................................................................................................

    A NATUREZA DA PESQUISA...................................................................

    OS LOCAIS E OS PARTICIPANTES DA PESQUISA...............................

    OS PROCEDIMENTOS DA PESQUISA...................................................

    Primeiro momento: levantamento documental e identificação dos

    participantes............................................................................................

    22

    22

    30

    34

    37

    41

    47

    55

    62

    65

    74

    74

    75

    79

    80

  • 5.3.2

    5.3.3

    5.3.4

    5.4

    6

    6.1

    6.1.1

    6.1.2

    6.2

    6.3

    6.4

    6.4.1

    6.4.2

    6.4.3

    6.4.4

    6.5

    6.5.1

    6.5.2

    6.5.3

    7

    Segundo momento: escuta dos profissionais da escola....................

    Terceiro momento: potencializando o diálogo por meio do grupo

    focal..........................................................................................................

    Quarto momento: dialogando com os gestores de Educação

    Especial....................................................................................................

    PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DOS DADOS.................................

    A FORMAÇÃO CONTINUADA EM CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM-ES:

    CONCEPÇÕES E PROPOSIÇÕES..........................................................

    O CONTEXTO DA PESQUISA: UM OLHAR PARA O MUNICÍPIO DE

    CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM.................................................................

    A educação em Cachoeiro de Itapemirim.............................................

    A Educação Especial no município de Cachoeiro de

    Itapemirim................................................................................................

    A FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO

    ESCOLAR PELA VIA DOS DOCUMENTOS NORTEADORES: ENTRE O

    DISCURSO TEÓRICO E O DISCURSO PRÁTICO..............................

    CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSÃO ESCOLAR:

    INTENCIONALIDADES E CONHECIMENTOS.........................................

    TENSÕES E DESAFIOS QUE EMERGEM NO COTIDIANO ESCOLAR:

    ENTRE O AGIR INSTRUMENTAL E O AGIR COMUNICATIVO..............

    Dificuldades em lidar com a diferença..................................................

    A inversão de papéis entre os profissionais........................................

    A necessidade do trabalho colaborativo entre a sala comum e o

    AEE............................................................................................................

    Pouca oferta de propostas formativas para os professores regentes

    e gestores escolares por parte da Rede Municipal de

    Ensino.......................................................................................................

    A TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO E A CONSTRUÇÃO DE UM

    CURRÍCULO DE FORMAÇÃO..................................................................

    Espaço Discursivo sobre formação na escola e interescolar.............

    Espaço Discursivo sobre colaboração família e escola......................

    Espaço Discursivo sobre intersetorialidade.........................................

    CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................

    82

    84

    88

    89

    91

    93

    95

    98

    105

    113

    125

    126

    129

    134

    136

    145

    147

    152

    153

    157

  • 8 REFERÊNCIAS.........................................................................................

    APÊNDICES..............................................................................................

    APÊNDICE A – Quadro-análise dos estudos............................................

    APÊNDICE B – Estudos abordados (2007-2017)......................................

    APÊNDICE C – Questões investigadoras: 2º Encontro do Grupo Focal.....

    ANEXOS....................................................................................................

    ANEXO A – Autorização para a realização da pesquisa...........................

    ANEXO B – Protocolo para a autorização da pesquisa.............................

    ANEXO C – Autorização concedida..........................................................

    164

    183

    184

    185

    195

    196

    197

    198

    199

  • 22

    1 INTRODUÇÃO

    A temática de investigação proposta neste estudo reporta-se às possibilidades de

    concebermos outras/novas formas de produção de currículos de formação continuada

    dos profissionais da educação, capazes de “responder” aos interesses do cotidiano

    escolar pela heterogeneidade e pela diferença. Para isso, tomamos o estudo de caso

    como potencial investigativo, numa abordagem crítica e sensível que busque, pela

    escuta dos diferentes atores do contexto, propiciar entendimentos sobre a relação

    entre teoria e práxis na produção de políticas e ações formativas.

    Procuramos analisar as intencionalidades impressas nos discursos (teórico e prático)

    que fundamentam atualmente as propostas e ações de formação continuada para os

    profissionais da educação na Rede Municipal de Ensino de Cachoeiro de Itapemirim-

    ES, em busca de consensos possíveis acerca de seus princípios, ideologias,

    interesses e conhecimentos produzidos.

    Assim, apropriamo-nos da teorização filosófica dos estudos teórico-epistemológicos

    que Jürgen Habermas realiza com base na discussão da Teoria do Agir Comunicativo.

    Essa apropriação é conduzida em três perspectivas: (a) como aporte epistemológico

    e metodológico para, em conjunto com a análise de conteúdo, permitir-nos analisar os

    documentos do Município na área de Educação Especial/inclusão escolar; (b) como

    perspectiva teórica que nos ajude a interpretar e compreender os discursos dos atores

    do contexto (professores, diretores, pedagogos e cuidadores) sobre as concepções,

    demandas e ações formativas implementadas atualmente; e (c) como possibilidade

    de sustentação teórica e filosófica com vistas a propor um currículo para a formação

    continuada que responda aos interesses do contexto socioeducativo desafiado pela

    inclusão escolar. Assim, trazemos, neste primeiro capítulo, algumas marcas que

    constituem nossa trajetória de pesquisa e os contextos de tensões e possibilidades

    das práticas educativas.

    1.1 DA CONSTITUIÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA ÀS NOSSAS

    IMPLICAÇÕES NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS SOBRE FORMAÇÃO

    DE PROFESSORES

    O interesse e o envolvimento nas discussões concernentes a essa questão marcam

  • 23

    os desdobramentos de nossa trajetória acadêmico-profissional, sobretudo as

    descobertas da pesquisa educacional propiciadas pelo curso de Pedagogia, a atuação

    como estagiária que acompanhava dois alunos público-alvo da Educação Especial

    (PAEE), as discussões oportunizadas por disciplinas do curso de mestrado em

    Ensino, Educação Básica e Formação de Professores, além das discussões/reflexões

    constituídas no grupo de pesquisa “Formação, Pesquisa-ação e Gestão em Educação

    Especial” – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

    (Grufopees-CNPq) do qual participamos.

    O interesse pela formação de professores e pela prática docente, diante da

    heterogeneidade dos alunos, presentificou-se, ainda, com o percurso acadêmico no

    curso de Pedagogia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). As

    possibilidades de reflexões propiciadas com base nas disciplinas oferecidas,

    especialmente a de Introdução à Educação Especial, revelaram-nos um arcabouço de

    conceitos e princípios essenciais à compreensão da escola como espaço de acesso

    ao conhecimento para todos os alunos, inclusive aqueles que constituem o PAEE.

    No curso de graduação, as questões relativas ao movimento inclusivo emergiram

    como primeiras inquietações investigativas. Por inclusão escolar, estamos referindo-

    nos a uma escola que atenda a todos indistintamente e seja repensada em função das

    novas demandas da sociedade atual e das exigências de seus novos atores sociais.

    Pensar a escola inclusiva é pensar numa escola que precisa

    [...] formar seus professores e equipe de gestão, bem como rever as formas de interação vigentes entre todos os segmentos que a compõem e que nela interferem. Isto implica em avaliar e redesenhar sua estrutura, organização, projeto político-pedagógico, recursos didáticos, práticas avaliativas, metodologias e estratégias de ensino (GLAT; PLETSCH; FONTES, 2007, p. 6).

    Desse modo, durante nossa trajetória no curso de Pedagogia, foi possível vivenciar

    situações em que essas tensões eram expressas no cotidiano da prática educativa.

    Por vários semestres, a disciplina de Pesquisa, Extensão e Prática Pedagógica

    (PEPP) desafiou-nos a investigar a prática pedagógica pela via da pesquisa. Em um

    dos trabalhos realizados na disciplina de PEPP I, foi possível compreender, através

    de um estudo exploratório, como essa discussão era/é cercada por dúvidas e desafios

    sobre o processo de escolarização do aluno PAEE, resultantes da necessidade de

    formação continuada dos profissionais.

  • 24

    Concomitante à graduação, tivemos a oportunidade de ingressar em um estágio na

    Prefeitura Municipal de Vitória, na função de apoio à Educação Especial. Durante o

    período de dois anos, acompanhamos de perto o processo de ensino-aprendizagem

    de dois alunos, um com Síndrome de Edwards e outro com Autismo. Tal cenário nos

    incomodava, porque muitas vezes os alunos eram invisibilizados em sala de aula,

    quando não ficavam restritos à sala de recursos multifuncionais (SRM). Essa

    experiência reafirmou nosso desejo de trabalhar com os alunos da Educação Especial

    e alertou-nos para a importância da formação de professores nesse processo, a fim

    de que os alunos pudessem de fato, além de frequentar o espaço da sala de aula, ter

    acesso ao conhecimento historicamente produzido.

    Em 2016, com a abertura do primeiro programa de pós-graduação voltado para a área

    de ensino no sul do Estado, tivemos a oportunidade de aprofundar as pesquisas na

    nossa área de interesse. O Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação

    Básica e Formação de Professores (PPGEEDUC) implantado na Ufes (Campus de

    Alegre-ES) propõe a disseminação de estudos que contemplem pesquisas voltadas

    para as práticas de ensino de Física, Matemática, Ciências Biológicas, Química e

    Ciências Humanas na Educação Básica, tendo também como propulsores do

    conhecimento os estudos voltados para a formação inicial e continuada de

    professores.

    Com a inscrição no PPGEEDUC, deu-se nosso ingresso no Grufopees. O grupo

    integra atividades de ensino, pesquisa e extensão na Ufes e se dedica ao avanço do

    conhecimento sobre a gestão pública em Educação Especial, mediante o movimento

    de elaboração de políticas de formação continuada para profissionais da educação na

    perspectiva da inclusão escolar.

    Assim, é nesse contexto, mais especificamente o de nossa inserção no curso de

    mestrado e no grupo de pesquisa, que vamos constituindo nossa pesquisa. Como

    professora-pesquisadora em constituição, as buscas pela compreensão dos

    processos de formação foram delineando-se a partir do conhecimento e análise de

    outras pesquisas.

    As pesquisas no estado do Espírito Santo (ALMEIDA, 2016; ALMEIDA; JESUS;

    CUEVAS, 2013; JESUS, 2012a, 2012b; JESUS; PANTALEÃO; ALMEIDA, 2015;

    VIEIRA; RAMOS, 2012) revelam a preocupação dos setores de Educação Especial

  • 25

    das Redes Municipais e Estadual de Ensino em fomentar processos formativos. Entre

    2010 e 2012, a Ufes realizou uma pesquisa em parceria com a Secretaria de Estado

    da Educação (Sedu) cujo principal objetivo foi oferecer formação continuada para

    profissionais gestores públicos da Educação Especial.

    Vieira e outros (2011) evidenciam que a formação desses sujeitos se constituiu em

    uma ação política capaz de potencializar a formação continuada de outros

    profissionais da educação com novas possibilidades, assumindo as angústias vividas

    pelos envolvidos no processo de inclusão escolar na perspectiva da Educação

    Especial, com propostas e temáticas a serem discutidas coletivamente.

    O estudo realizado pelo Grufopees-UFES-CNPq1, de acordo com Almeida (2016),

    focalizou os projetos e ações formativas construídos e implementados pelos gestores

    pertencentes a três Superintendências Regionais de Educação (SREs)2, a saber:

    Afonso Cláudio, Cachoeiro de Itapemirim e Guaçuí. Teve por objetivo analisar os

    desafios e as possibilidades na construção de outros modos de conceber e constituir

    processos de formação continuada de profissionais da educação e gestores públicos

    de Educação Especial.

    Apostou-se na potência do trabalho em grupo, intitulado nesta pesquisa de grupo de

    estudo-reflexão, em que os participantes e pesquisadores se constituíram na condição

    de grupo, traçando objetivos em comum, criando identificações e analisando

    especificidades para, a partir daí, iniciar um processo de construção de políticas de

    formação para os profissionais da educação (ALMEIDA, 2016).

    Assim, a dissertação se constituiu no contexto dessa investigação. Este estudo

    justificou-se mediante a análise de produções anteriores do grupo de pesquisa

    (ALMEIDA, 2016; ALMEIDA; ALVES; ZAMBOM, 2014; ALVES, 2014; ALVES;

    BARROS), as quais destacam a necessidade de potencializar a formação continuada

    e a inclusão dos alunos PAEE nos municípios pertencentes à SRE de Cachoeiro de

    1 “Processos de formação continuada de profissionais desencadeados pela gestão de Educação Especial: a região sul do estado do Espírito Santo”. Pesquisa financiada pelo CNPq. 2 A Rede Estadual de Ensino no Espírito Santo está organizada em onze SREs, de acordo com as regiões administrativas.

  • 26

    Itapemirim-ES3.

    Em decorrência da necessidade de estudos apontada pelas produções do grupo de

    pesquisa e de nossa implicação direta no município de Cachoeiro de Itapemirim, como

    moradora da cidade, cujo percurso escolar (Educação Infantil, Ensino Fundamental e

    Médio) se deu na Rede Pública de Ensino, além do interesse em produzir

    conhecimentos sobre inclusão escolar dos alunos PAEE, fomos dando forma e

    contornos a esse estudo. Inserida no Grufopees, as discussões produzidas pelo/no

    grupo nos direcionavam a pensar sobre as ações formativas desenvolvidas no

    Município.

    Assim, embora a temática da pesquisa emane das demandas do contexto histórico-

    social, partilhamos das argumentações de Barbier (1985, p. 106), que afirma: “[...] o

    contexto do pesquisador, sua formação, seus grupos de referência, os gostos

    intelectuais do momento desempenham papel decisivo [...]” na escolha do objeto de

    investigação.

    Nesse contexto, surgiram estes questionamentos: Em quais princípios e pressupostos

    teórico-metodológicos se sustentam as ações formativas? Há diálogo com as

    demandas do contexto das escolas? Os profissionais das escolas municipais de

    Cachoeiro de Itapemirim-ES estão sendo ouvidos na composição de um currículo de

    formação continuada?

    Desse modo, o estudo investigou as ações formativas propostas e implementadas nos

    últimos seis anos, no município de Cachoeiro de Itapemirim-ES, com base nas

    implicações, demandas e discursos dos profissionais e gestores.

    Nesse sentido, nossa pergunta-problema remete a compreender de que forma é

    possível construir um currículo de formação continuada a partir do

    entendimento mútuo entre os diferentes profissionais que vivenciam, em sua

    prática educativa, a inclusão dos alunos com deficiência, transtornos globais do

    desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação.

    Para tanto, buscamos na concepção de discurso em Habermas (2003) embasamento

    3 A SRE de Cachoeiro de Itapemirim é composta por doze cidades; Cachoeiro de Itapemirim, Castelo,

    Iconha, Vargem Alta, Muqui, Atílio Vivácqua, Rio Novo do Sul, Mimoso do Sul, Presidente Kennedy,

    Itapemirim, Jerônimo Monteiro e Marataízes.

  • 27

    teórico para compreender os modos possíveis de construção de currículos pela via do

    entendimento mútuo.

    Para o filósofo, esse é um momento privilegiado em que os sujeitos (sociais) são

    atores-agentes do conhecimento com base no mundo vivido. Assim, interessa-nos, na

    perspectiva da racionalidade comunicativa, constituir espaços discursivos entre os

    diferentes profissionais de modo que seus argumentos possam fundamentar as

    pretensões de validade, a fim de chegarmos ao entendimento mútuo na construção

    de um currículo de formação continuada.

    Desse modo, temos o seguinte objetivo geral para este estudo:

    Analisar as concepções, propostas e ações formativas para os profissionais da

    educação diante do processo de inclusão dos alunos com deficiência, TGD e

    altas habilidades/superdotação da Rede Municipal de Ensino de Cachoeiro de

    Itapemirim-ES, levando em consideração as diferentes intencionalidades dos

    sujeitos envolvidos.

    Como forma de adensar o processo de produção de conhecimento, delimitamos

    quatro objetivos específicos:

    • Mapear as políticas municipais, considerando a legislação, os projetos e/ou planos

    de trabalho relativos à formação continuada dos profissionais da educação em

    relação à escolarização de alunos PAEE.

    • Dialogar com os profissionais das escolas e da Secretaria Municipal de Educação

    (Seme) sobre os processos e perspectivas de formação continuada voltados à

    inclusão, desenvolvidos pela gestão de Educação Especial dos últimos seis anos,

    considerando conceitos e concepções teórico-metodológicos.

    • Refletir com os profissionais da Rede Municipal de Educação (professores do

    ensino regular, professores do Atendimento Educacional Especializado – AEE,

    diretores e pedagogos) sobre o modo como as ações formativas propostas pela

    Seme se articulam com as diferentes intencionalidades e demandas do contexto

    educativo bem como se se têm constituído em possibilidades para a construção

    de propostas de trabalho educativo na perspectiva da inclusão dos alunos PAEE.

    • Construir espaços discursivos entre os diferentes profissionais, buscando, pela

  • 28

    mediação da autora, momentos em que todos possam expor seus argumentos e

    suas intencionalidades por meio dos atos de fala4, com vistas a alcançarem

    entendimento mútuo e consensos provisórios sobre os princípios de currículo de

    formação continuada na perspectiva da inclusão do PAEE.

    Cumpre destacar que os objetivos conduzem nosso olhar e análise em diferentes

    momentos, a fim de permitir um diálogo entre eles; portanto, não são lineares ao

    processo investigativo.

    Delimitamos como espaço temporal desta pesquisa o período de 2013 a 2018, por se

    tratar do último mandato do prefeito anterior e da atual gestão. O propósito do trabalho

    é contribuir para que a Rede Municipal de Ensino de Cachoeiro de Itapemirim-ES e

    os processos de formação continuada desenvolvidos avancem no empenho da

    inclusão dos alunos com deficiência, TGD e altas habilidades/superdotação.

    Assim, utilizamos a metodologia do estudo de caso, que nos permite o

    aprofundamento analítico do objeto, buscando entender os encaminhamentos para a

    formação continuada, desde a elaboração até a efetivação das propostas. Permite-

    nos também imersão na realidade, buscando possíveis caminhos. Estudos recentes

    sobre formação continuada de profissionais da educação (CREPALDI, 2008; DIAS,

    2012; GRAZIOLA JUNIOR, 2016; NOGUEIRA, 2006; ROCHA, 2013; ROSA, 2002)

    têm apostado no estudo de caso como referencial metodológico capaz de contribuir

    para o avanço do conhecimento sobre os processos formativos.

    Este texto está organizado em sete capítulos. O primeiro, que acabamos de

    apresentar, traz a introdução, que aborda o contexto que envolve a pesquisa bem

    como sua justificativa e os objetivos que pretendemos alcançar.

    O segundo capítulo apresenta um apanhado do processo de inclusão escolar, seu

    reflexo na formação dos profissionais da educação e as questões atuais da educação,

    tendo em vista o contexto político que estamos vivendo.

    O terceiro capítulo compreende um diálogo com outras pesquisas que buscam

    potencializar o processo de inclusão escolar através da formação continuada,

    levando-nos a conhecer as principais discussões que perpassam essa temática a

    4 Atos de fala neste estudo estão impressos nas entrevistas, grupos focais e documentos orientadores.

  • 29

    partir do olhar de outros autores.

    O quarto capítulo apresenta os fundamentos teórico-filosóficos da pesquisa, baseados

    nos pressupostos de Jürgen Habermas na Teoria do Agir Comunicativo e suas

    contribuições, ao propormos novos modos de conceber e elaborar currículos de

    formação continuada.

    O quinto capítulo apresenta a natureza da pesquisa bem como o percurso

    metodológico e os caminhos do desenvolvimento.

    O sexto capítulo abrange o resultado da análise dos dados coletados, fundamentado

    no referencial habermasiano e em diferentes autores que norteiam os discursos sobre

    a formação continuada dos profissionais da Educação Especial.

    Por fim, o sétimo capítulo traz as considerações finais da pesquisa, apresentando

    nossa aprendizagem, apontamentos e encaminhamentos feitos a partir do que

    evidenciamos nos diferentes momentos. Dessa forma, buscamos contribuir para o

    avanço do conhecimento acerca da construção de currículo de formação continuada,

    considerando a prática educativa na diversidade e na diferença.

  • 30

    2 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO ESCOLAR: OS

    CAMINHOS PERCORRIDOS NESSE PROCESSO

    Tendo em vista o objetivo principal deste estudo, qual seja, de analisar as diferentes

    concepções existentes no contexto escolar bem como as diferentes intencionalidades

    dos sujeitos envolvidos, com vistas a estruturarmos um currículo de formação

    continuada, buscando avançar na inclusão do aluno PAEE, fez-se necessário

    estabelecermos um olhar sensível sobre a história da Educação Especial, os

    movimentos de avanços e retrocessos, até chegarmos ao movimento de inclusão

    escolar numa perspectiva emancipatória pela qual lutamos. Isto porque, ainda hoje,

    são presentes no pensamento dos profissionais da educação conceitos simplistas,

    ligados a uma teoria positivista, que destoam do que de fato são, tendo como base os

    atuais atos legislativos.

    Esse processo iniciou a partir dos movimentos sociais de caráter sociopolítico e

    cultural, que buscavam resistir e lutar contra a opressão e exclusão dos grupos

    minoritários, em um movimento de busca pela liberdade (GOHN, 2011). Decorrente

    dessa época, o movimento internacional de inclusão social, que ganhou forças no final

    do século XX, defende a ideia de uma sociedade democrática e de igualdade,

    independentemente das especificidades de cada indivíduo, na qual todos conquistam

    sua cidadania, a diversidade é respeitada e há aceitação e reconhecimento político

    das diferenças (MENDES, 2002).

    Assim, princípios antes esquecidos, como aceitação, respeito e valorização, passaram

    a ser vistos como necessários numa tentativa de homogeneização social e de

    construção de uma sociedade mais justa. Dessa forma, os movimentos sociais,

    exprimem sua força à medida que, coletivamente, por meio da comunicabilidade,

    constroem novas propostas a partir de um diagnóstico preciso da realidade social

    (GOHN, 2011).

    Nesse propenso horizonte homogeneizador, vimos surgir um vasto conjunto de

    documentos que defendem a inclusão dos indivíduos que antes viviam à margem da

    sociedade nos espaços escolares. A diferença e a diversidade, por muito tempo,

    representaram um dilema a ser enfrentado no contexto escolar, uma vez que todos

    aqueles que estavam fora do padrão, do limite aceitável imposto pela sociedade,

    também estavam afastados do processo de ensino-aprendizagem.

  • 31

    Por se tratar de um movimento social que perpassa os diferentes ambientes, a escola

    ganha um importante destaque nesse processo. Desse modo, concordamos com Lima

    e outros (2008, p. 3-4), que sublinham princípios importantes para a inclusão,

    alegando que

    [...] incluir implica considerar que a escola não é uma estrutura pronta, acabada, inflexível, mas uma estrutura que deve acompanhar o ritmo dos alunos, em um processo que requer diálogo nos grupos de trabalho, na relação com a comunidade escolar e com os outros campos do conhecimento, tais como a saúde, o desenvolvimento social, as universidades e outros.

    Entre as propostas criadas para ajustar as condições de pessoas excluídas ao longo

    do processo histórico, destacamos aqui, como marcos internacionais, a Conferência

    Mundial sobre Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994).

    Esses marcos apontam para a democratização da educação e para a necessidade de

    se assegurar acesso, permanência e aprendizagem a todos, independentemente das

    particularidades dos alunos.

    Mesmo não se referindo propriamente à Educação Especial e tratando a inclusão de

    uma maneira mais ampla, esses marcos trouxeram significativos impactos para a

    área. No Brasil, destacamos uma nova visão para o processo de escolarização dos

    alunos PAEE. Os reflexos desencadeados evidenciaram a falta de uma política

    educacional direcionada para esses indivíduos em nosso país e, após anos de

    discussão, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n.º 9.394, de

    20 de dezembro de 1996) introduziu no discurso legal o termo necessidades

    educativas especiais e ainda afirmou a prioridade do ensino regular a essa parcela da

    população.

    No entanto, apesar de a LDB e demais atos legislativos provenientes da década de

    1990 contribuírem com significativos avanços para a Educação Especial, as melhorias

    não foram suficientes para desvincular a Educação Especial brasileira do modelo

    assistencialista (MENDES, 2010).

    Ao longo da última década dos anos 2000, outros documentos foram surgindo,

    voltados para a Educação Especial em uma perspectiva inclusiva. Em nível

    internacional, destacamos a Convenção de Guatemala (2001) e a Convenção de Nova

    Iorque (2006), que influenciaram a difusão de outros dispositivos legais no Brasil, a

    saber: a Resolução CNE/CEB n.º 2, de 11 de setembro de 2001, que institui Diretrizes

  • 32

    Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), e a

    Resolução CNE/CP n.º 1/2002, que normatiza a formação de professores,

    contemplando conhecimentos da Educação Especial (BRASIL, 2002).

    Destacamos aqui um significativo salto para a temática. Os alunos PAEE, que antes

    eram atendidos preferencialmente em classes ou escolas especiais, passaram a ser

    atendidos extraordinariamente nessas dependências, ou seja, apesar de se preservar

    a lógica de integração/segregação, modificou-se a expressividade (GARCIA;

    MICHELS, 2011).

    Contudo, é possível observar nesses documentos uma concepção muito abrangente

    do aluno PAEE. A perspectiva envolta no termo necessidades educacionais especiais

    engloba alunos com diferentes particularidades, que vão desde questões congênitas

    às de cunho social, cultural e econômico.

    Assim, percebe-se que não há uma unanimidade de pensamento sobre educação

    inclusiva, destacando-se ideias vinculadas a inclusão referente à deficiência e à

    necessidade de educação especial; inclusão como resposta a exclusões disciplinares;

    inclusão que diz respeito a todos os grupos vulneráveis à exclusão; inclusão como

    forma de promover a escola para todos; inclusão como “educação para todos” e

    inclusão como uma abordagem de princípios à educação (AINSCOW, 2009).

    Ainscow (2009), ao discorrer sobre como a educação inclusiva deve ser

    conceitualizada, destaca que, de modo geral, independente dos seus sentidos, o

    objetivo desse processo precisa ser o de eliminar a exclusão social, considerando-se

    as diferenças quanto a etnia, idade, classe social, religião, gênero e habilidades,

    consolidando-se a educação como princípio básico dos direitos humanos, para

    construção de uma sociedade mais justa.

    Somente em 2008, com a promulgação da Política Nacional de Educação Especial na

    Perspectiva Inclusiva (PNEE-PI), é que houve alteração do alunado a ser atendido pela

    Educação Especial, agora compreendido por aqueles que apresentam deficiências,

    TGD e altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2008a). Outra alteração proposta por

    essa legislação refere-se à redefinição do conceito de Educação Especial, que deixou

    de estar vinculado à ideia de uma proposta pedagógica para direcionar recursos e

    serviços, assumindo a ideia de complementaridade e suplementaridade à escola

  • 33

    comum por meio do AEE (GARCIA; MICHELS, 2011). O AEE

    [...] identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008b).

    Ainda nesse caminhar de idas e voltas, destacamos o Plano Nacional de Educação

    (PNE), meta quatro, que retrocede às conquistas anteriores, visto que,

    universalizando a Educação Básica para os alunos PAEE, cede outra vez lugar para

    a atuação de instituições especializadas.

    Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (BRASIL, 2014, grifos nossos).

    Em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão foi mais um passo no processo de inclusão e

    aceitação dos alunos PAEE, desta vez na Rede Privada de Ensino, que passou a ficar

    impedida de efetuar a cobrança de taxas extras na mensalidade desses alunos e a

    responsabilizar-se por tudo o que for referente ao processo de ensino e aprendizagem

    dessa clientela (BRASIL, 2015).

    Considerando tudo o que foi evidenciado, podemos notar que o processo de inclusão

    escolar se constituiu como movimento social de luta pela democracia e aceitação das

    diferenças, caracterizando-se por muitas contradições no decorrer da história

    (GARCIA; MICHELS, 2011).

    Dessa maneira, a escola vem tentando constituir-se como espaço propício de

    convivência e troca entre os diferentes, possibilitando avanços e crescimento de

    ambos os lados. Porém, foram e ainda são vários os problemas enfrentados por esses

    sujeitos na busca de inclusão. Se a inclusão dos alunos PAEE já se destacou com

    uma tendência assistencialista e de valorização dos aspectos médico e psicológico,

    nos dias atuais o grande desafio está em garantir a permanência e a aprendizagem

    desses alunos na escola regular.

    Ainda hoje, vivenciamos uma escola que se institui e insiste na negação das

  • 34

    diferenças, mascarando as múltiplas figurações dos sujeitos que nela vivem o

    cotidiano educativo;

    […] uma escola desenhada para promover a homogeneidade e negar a diversidade inerente à pessoa humana. Uma escola que, embora se expanda por meio de um processo de “universalização do ensino”, contribui ainda para a manutenção da exclusão dentro de seus muros, por meio de metodologias descontextualizadas e descompassadas, programações lineares, temporalidade inflexível e categorias, como de sucesso e insucesso, normalidade e anormalidade, atraso e fracasso escolar (ALMEIDA, 2010, p. 19).

    Em síntese, vivemos em uma sociedade onde predomina uma racionalidade orientada

    aos fins, à padronização, que, ao mesmo tempo em que busca avançar, retrocede no

    reconhecimento das diferenças, evidenciando uma lógica tecnicista de progresso. No

    entanto, concordamos com Victor, Vieira e Oliveira (2018, p. 17) quando destacam:

    Nem de longe, essa empreitada tem sido fácil e desconectada de desafios! Podemos dizer de uma caminhada processual em que os desafios são assumidos como elementos de investigação e motores da composição de várias políticas públicas educacionais e de práticas pedagógicas, situação que desvela a busca por possibilidades para educar na diferença/diversidade, assumindo essas categorias como intrínsecas ao desenvolvimento humano.

    Nessa perspectiva, seguimos confiando no que Habermas nos propõe como inclusão

    do outro, garantindo a todos a igualdade de direitos: “[...] a ‘inclusão do outro’ significa

    que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos – também e justamente

    àqueles que são estranhos um ao outro – e querem continuar sendo estranhos”

    (HABERMAS, 2004a, p. 8).

    Assim, tendo em vista todas essas transformações sofridas ao longo dos anos, toda

    essa dubiedade no conceito de Educação Especial, que ora avançava no atendimento

    desses alunos, buscando para eles autonomia e aprendizagem, ora retrocedia,

    alargando o leque de sujeitos embarcados nesse contexto e aproximando-os de um

    atendimento clínico e assistencialista, faz-se necessário voltarmos nosso olhar para

    os professores e para as políticas de investimento em sua formação, como

    intermediários nesse processo de inclusão escolar, como abordado a seguir.

    2.1 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CONTEXTO DA INCLUSÃO

    ESCOLAR: QUE CAMINHOS ESTAMOS SEGUINDO?

    Uma vez garantido aos sujeitos PAEE o acesso à escola, um longo caminho precisa

  • 35

    ser trilhado para que o direito ao processo de ensino-aprendizagem seja também

    assegurado. Um dos grandes desafios para pesquisadores, gestores e professores

    diz respeito à formação dos profissionais da educação diante da necessidade de

    constituir novas/outras práticas pedagógicas e educativas.

    No entanto, não queremos desconsiderar toda a história percorrida no processo de

    formação desses profissionais, por isso torna-se necessário um resgate histórico a fim

    de identificarmos como se deu esse processo no que tange ao atendimento dos alunos

    PAEE.

    Como destaca Tardif (2002, p. 15), “[...] o saber dos professores é profundamente

    social e é, ao mesmo tempo, o saber dos atores individuais que o possuem e o

    incorporam à sua prática profissional, para a ela adaptá-lo e transformá-lo”. Assim,

    não podemos negar que o crescimento do número de matrículas dos alunos da

    Educação Especial na escola regular mexe com esses docentes.

    Ao se referir ao aumento no número de matrículas dos alunos PAEE, Prieto (2007)

    destaca que esse crescimento tem levado os órgãos federais, estaduais e municipais

    a se preocuparem mais com a qualificação de seus profissionais.

    O panorama da evolução dos direitos legais e de matrículas dos alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas comuns tem contribuído muito para que a formação dos professores com conhecimentos sobre o atendimento dessa população seja uma preocupação de vulto nacional (PRIETO, 2007, p. 85).

    Conforme pudemos observar na fala da autora, a inclusão desses alunos nas escolas

    regulares tem ocasionado um movimento de pensar sobre a qualidade desse

    atendimento e, consequentemente, de qualificação desses profissionais. No entanto,

    a história da formação desses indivíduos segue a mesma perspectiva instrumental

    das políticas de inclusão escolar. O artigo 59, inciso 3.o, da LDB reforça esse

    pensamento ao destacar que há necessidade de professores capacitados para

    integrar os alunos na escola (BRASIL, 1996). Não sendo dessa forma, faz-se

    necessária uma formação crítico-reflexiva desse profissional, relacionando aspectos

    teóricos importantes para fundamentar a prática docente: “[...] professores com

    especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento

    especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a

    integração desses educandos nas classes comuns” (BRASIL, 1996).

  • 36

    Já em 2011, foi assegurado aos profissionais, a partir da PNEE-PI, “[...] IV – formação

    de gestores, educadores e demais profissionais da escola para a educação na

    perspectiva da educação inclusiva, particularmente na aprendizagem, na

    participação e na criação de vínculos interpessoais” (BRASIL, 2011).

    No entanto, apesar de reconhecermos que o documento é enfático ao ratificar a todos

    os profissionais da escola formação em educação inclusiva, destacamos que este

    ainda é um desafio a ser superado. Milanesi (2012, p. 106) destaca que

    [...] os cursos voltados para a área da Educação Especial são, em grande parte, oferecidos para os profissionais atuantes nas SRMs, ficando para os professores comuns a possibilidade de acesso às formações somente quando há excesso de vagas. Essa é uma questão de política pública de educação, a qual deve considerar a formação e a valorização de professores e estar, sobretudo, comprometida com o desenvolvimento de profissionais capazes de lidar com a diversidade humana.

    Ao questionarmos o que deve ser levado em consideração quando refletimos sobre

    formação continuada na perspectiva de uma inclusão escolar, concordamos com

    Almeida (2012), quando diz que é preciso considerar que o AEE em salas

    multifuncionais nas escolas ou nos centros dedicados a esse atendimento é uma das

    possibilidades, e não a única. Ressalte-se ainda que, para atuar em salas

    multifuncionais (professor do AEE) ou em salas comuns (professor de classe comum),

    se torna urgente e necessário discutir e repensar a formação desses profissionais.

    Mesmo reconhecendo os avanços existentes no processo histórico no que concerne

    à legislação, entendemos que ainda há muito a fazer a fim de promover a

    universalização com acesso, permanência e aprendizagem, oferecendo, além de

    acessibilidade ao ambiente físico, materiais adaptados, profissionais qualificados para

    desempenharem tal função.

    Assim, concordamos com Mantoan (2015), para quem reconhecer as mudanças

    ocorridas na política de Educação Especial, com significativos impactos na garantia

    de matrícula, no financiamento público em recursos, não significa dizer que problemas

    históricos relacionados à garantia do direito à educação dos estudantes PAEE foram

    solucionados.

    Gatti (2009) destaca:

    Nas instituições formadoras, de modo geral, o cenário das condições de formação dos professores não é animador pelos dados obtidos em inúmeros

  • 37

    estudos e pelo próprio desempenho de sistemas e níveis de ensino, revelado por vários processos de avaliação ampla ou de pesquisas regionais ou locais. Reverter um quadro de formação inadequada não é processo para um dia ou alguns meses, mas para décadas (GATTI, 2009, p. 95).

    Desse modo, observando as transformações ocorridas desde o início do processo de

    inclusão social até a chegada à inclusão escolar, temos presenciado um aumento

    significativo de ações e pesquisas relacionadas à formação continuada de

    profissionais da educação.

    Com esse olhar mais amplo sobre o processo de inclusão escolar dos alunos PAEE,

    que passou a acolher os alunos antes excluídos dos processos de ensino-

    aprendizagem nas escolas regulares de ensino, pela via da inclusão social (MENDES,

    2002) e suas reflexões na formação de professores, voltamos nossa atenção para as

    questões de ordem política e econômica que emergiram e trouxeram impactos

    significativos para a educação nacional e estadual.

    2.2 QUESTÕES ATUAIS DA EDUCAÇÃO

    Como podemos observar na trajetória descrita acima, temos acompanhado ao longo

    dos anos um movimento de inclusão dos alunos PAEE nos espaços escolares e o

    avanço na legislação voltada para esse processo. No entanto, como sinalizado,

    reconhecemos que há um caminho a ser percorrido a fim de promover a permanência

    na escola e a aprendizagem desses alunos, caminho incerto tendo em vista o contexto

    político que estamos vivenciando.

    Estamos sendo atravessados por projetos carregados de ideologias políticas e de

    controle do Estado, que têm ameaçado o direito a uma educação gratuita, laica e de

    qualidade. Como exemplo, destacamos os projetos Escola Sem Partido, Reforma do

    Ensino Médio e Base Nacional Comum Curricular. O programa Escola sem Partido

    elenca seis deveres obrigatórios ao docente, defendendo a ilusória ideia de

    neutralidade do conhecimento, impedindo os professores de se expressarem como

    sujeitos sociais, históricos e de direitos. Cara (2016), em reportagem publicada,

    ressalta que “[...] não é possível [ser neutro] porque qualquer tema que se aborde leva

    um juízo de valor do professor, o que é importante”. O que ele não pode fazer é limitar

    a aula a seu juízo de valor. Parafraseando Freire (1987), o autor acrescenta que,

  • 38

    apesar de apresentar sua visão de mundo, o professor não pode ficar limitado a ela,

    abrindo dessa forma um leque de opções para os docentes.

    Sobre a Reforma do Ensino Médio, o Governo propôs uma flexibilização da grade

    curricular que possibilita ao aluno escolher a área de interesse do conhecimento que

    deseja aprofundar. Decorrente desse movimento, foi construída a Base Nacional

    Comum Curricular, que traz uma proposta de currículo comum a todas as escolas e

    outra flexível. Essa proposta define o que é essencial ao aprendizado do estudante,

    possibilitando aos estados uma organização de acordo com as demandas dos alunos,

    almejando a valorização de uma formação técnica e profissional. Martins e Carvalho

    (2017, p. 70) fazem considerações a respeito:

    Analisando a particularidade do capitalismo e neoliberalismo brasileiro, focamos na “Reforma” do Ensino Médio e a instituição de mecanismos de desvalorização do conhecimento escolar, na formação de um currículo entrelaçado por um discurso ideológico que integre as formas de depauperamento do trabalho formal. Não poderíamos deixar de registrar a luta dos estudantes contra o esfacelamento da escola e a resistência aos achaques da mídia burguesa, resultando no maior movimento de ocupações de escolas ocorridos na história do Brasil. Da mesma forma, concluímos nossa reflexão, reafirmando o papel primordial da educação escolar na formação da consciência e personalidade dos indivíduos. A luta pela escola torna-se também uma forma de resistência aos processos de subordinação e obnubilação das consciências individuais aos efeitos devastadores da produção alienada do capital.

    Seguindo essa mesma ordem tecnicista e de repressão, vemos no estado do Espírito

    Santo a criação de programas, como a Escola Viva e o Pacto pela Aprendizagem no

    Espírito Santo (PAES), que buscam desenvolver competências técnicas nos alunos,

    sem reflexividade, e elevar o número de indicadores em avaliações de larga escala.

    O PAES defende a padronização do currículo, do material didático e da formação de

    professores como mecanismo de monitoramento e controle da aprendizagem e da

    avaliação.

    Assim, temos observado a valorização do modelo de educação pensado pela

    racionalidade instrumental, objetivando a produção, com foco no mercado de trabalho

    e na mão de obra barata para o desenvolvimento da economia. Quanto menos os

    alunos pensarem e quanto menos tiverem fundamentos para refletir de forma crítica

    na sociedade, melhor para o Estado, que terá o controle desses indivíduos, que

    continuarão como massa de manobra.

  • 39

    Com tantos retrocessos, já é possível observar uma redução nos investimentos na

    educação em nosso Estado, “[...] com fechamento de 41 escolas públicas e de 6.507

    turmas, deixando mais de 60.000 crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola, o

    que fortalece a mercantilização do ensino público e a negação do direito à educação”

    (CONFERÊNCIA NACIONAL POPULAR DE EDUCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO,

    2018).

    Decorrentes desses e de outros retrocessos e cortes na educação pública e de

    qualidade em nosso país e estado, observamos reflexos também na escolarização

    dos alunos PAEE. Notamos um movimento de combate à inclusão escolar e a

    retomada da segregação.

    No contexto estadual, políticas de transferências de recursos às instituições privadas conveniadas e/ou filantrópicas têm sido implementadas, desonerando o poder público de suas responsabilidades, conforme previsto nos documentos nacionais, para assegurar a escolarização na escola comum com vistas à efetivação do processo de inclusão escolar (CONFERÊNCIA NACIONAL POPULAR DE EDUCAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO, 2018).

    Essa alteração pela estrutura da esfera pública se dá pelo progresso do capitalismo e

    do incentivo à privatização, até mesmo da Educação, que tem perdido seu caráter

    político e formador. Com isso, as grandes organizações têm ganho cada vez mais

    autonomia e o Estado vem-se acuando em suas funções. Habermas (2003) ressalta

    que esse enfraquecimento permite que a racionalidade sistêmica com fins

    estratégicos cresça descontroladamente, restando-nos apenas reproduzi-la.

    Temos presenciado um movimento político elaborado de cima para baixo, lutando

    contra a Teoria do Agir Comunicativo. Não se ouvem mais as escolas, os estudantes

    e a universidade. Assim, como forma de resistir a tudo o que está sendo imposto

    autoritariamente, colocamo-nos na condição de romper com a lógica do silenciamento,

    tão presente atualmente, que se reflete, entre outras situações, na formação dos

    professores.

    A ação instrumental orienta-se por regras técnicas que se apoiam no saber empírico. [...] O comportamento da escolha racional orienta-se por estratégias que se baseiam num saber analítico. Implicam deduções de regras de preferências (sistemas de valores) e máximas gerais: estas proposições estão deduzidas de um modo correto ou falso (HABERMAS, 1968, p. 57).

    Em contrapartida, Habermas acredita na força da racionalidade comunicativa, pois, de

    acordo com o filósofo, a linguagem, além de reproduzir pensamento, carrega a

    possibilidade de entendimento, do consenso, da troca e da comunicação entre os

  • 40

    diferentes sujeitos, por meio do diálogo e da força do melhor argumento.

    Dessa forma, buscamos caminhar no movimento de escuta das escolas e de seus

    profissionais para a composição de currículos de formação continuada com viés

    democrático e participativo. Para tanto, no capítulo a seguir, realizamos uma retomada

    de estudos já realizados, buscando identificar o que vem sendo feito no intuito de

    romper em direção a novas possibilidades.

  • 41

    3 O DIÁLOGO COM OUTRAS PESQUISAS E AS CONTRIBUIÇÕES DO AGIR

    COMUNICATIVO NA CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO DE FORMAÇÃO

    CONTINUADA

    Neste momento, buscamos refletir sobre a formação continuada dos profissionais da

    Educação Básica na perspectiva da escolarização dos alunos PAEE. Para tanto, fez-

    se necessário voltar nosso olhar para os estudos já realizados, desenvolvendo o que

    Vielle (1981), citado por Sánchez-Gamboa (2007), chama de “pesquisa das pesquisas”,

    estabelecendo um diálogo com eles e buscando entender, por meio de outros

    trabalhos, os principais desafios que perpassam essa temática bem como as

    contribuições que nos indicam caminhos a seguir para avançarmos na construção do

    conhecimento.

    De acordo com Prodanov e Freitas (2013, p. 78), “[...] a revisão de literatura tem papel

    fundamental no trabalho acadêmico, pois é através dela que você situa seu trabalho

    dentro da grande área de pesquisa da qual faz parte, contextualizando-o”. Assim, no

    intuito de estruturarmos uma visão sobre o objeto em destaque – a formação

    continuada com vistas à inclusão dos alunos PAEE –, tomamos como ponto de partida

    a pesquisa bibliográfica na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

    (BDTD)5 e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações do Programa de Pós-

    Graduação em Educação (PPGE) da Ufes6, utilizando como espaço temporal o

    período de dez anos (2007-2017).

    Procedemos também a uma busca nas publicações disponíveis no site da Associação

    Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped)7, referentes aos

    grupos de trabalhos (GTs) Formação de Professores (8), Currículo (12) e Educação

    Especial (15), e de periódicos que se destacam na área da Educação, a saber:

    Cadernos de Pesquisa em Educação, Revista Brasileira de Educação e Revista

    Educação Especial. Nesta varredura, selecionamos como data-corte o período de

    2012 a 2017.

    No que tange à busca na BDTD, utilizamos a combinação de diferentes descritores,

    tais como formação continuada, formação em serviço, educação especial, inclusão

    5 http://bdtd.ibict.br/vufind/ 6 http://educacao.ufes.br/pos-graduacao/PPGE 7 http://www.anped.org.br/

    http://bdtd.ibict.br/vufind/http://educacao.ufes.br/pos-graduacao/PPGEhttp://www.anped.org.br/

  • 42

    escolar, prática docente, currículo, currículo de formação continuada e política de

    formação continuada, em diferentes combinações.

    De modo geral, com o passar dos anos tivemos um crescimento no número de

    pesquisas envolvendo as diferentes temáticas, salvo nos dois últimos anos (2016,

    2017), em que houve uma queda significativa no total de estudos. Notou-se também

    o quão vasta é a bibliografia na área de formação continuada e currículo.

    Nos demais ambientes pesquisados (sites do PPGE/Ufes e da Anped), não foi

    possível uma busca por descritores, pois esses sites não dispunham do mecanismo

    adequado. No entanto, seguimos a mesma lógica usada na busca de estudos que se

    relacionassem com o tema desta pesquisa. Assim, selecionamos aqueles que tinham

    como título e/ou palavras-chave ao menos um dos termos usados nos descritores

    acima citados.

    Nas buscas realizadas no site da Anped, abrangemos as últimas três edições do

    evento (2012, 2013 e 2015), uma vez que até 2013 os encontros foram realizados

    anualmente e, depois de uma alteração, passaram a acontecer de dois em dois anos.

    Os trabalhos referentes à última edição (2017) ainda não estão disponíveis para

    consulta.

    Realizamos, também, uma busca de livros que explicam o processo da pesquisa bem

    como produções dos participantes dos grupos, tomando como base a biblioteca

    pessoal do Grufopees (Google Drive), uma vez que esta pesquisa de mestrado nasceu

    da produção de estudos anteriores de grupos de pesquisas da Universidade que se

    voltam para a temática na Educação Especial.

    Na primeira etapa de mapeamento das pesquisas, chegamos ao quantitativo de 119

    trabalhos, buscando estudos que não destoassem da nossa área de interesse, uma

    vez que, no primeiro levantamento, selecionamos pesquisas de diferentes áreas e

    assuntos, como ciências da natureza, direito, informática, saúde, entre outros. Essa

    primeira varredura foi realizada levando em consideração apenas os títulos dos

    trabalhos.

    Posteriormente, realizamos a leitura dos resumos dos textos selecionados, buscando

    identificar aqueles que discutiam a Educação Especial e a importância da formação

    continuada bem como os que tomavam a prática como disparadora nesse processo.

  • 43

    Com esse movimento, selecionamos 68 trabalhos cujos textos foram lidos em sua

    totalidade (Anexo A). No geral, os estudos enfatizam a temática de formação de

    professores com intuito de preparar os profissionais para a Educação Especial. O

    Gráfico 1 nos mostra a evolução (ano a ano) dos estudos desenvolvidos.

    Gráfico 1 – Evolução dos estudos sobre Formação Continuada e Educação Especial

    Fonte: Elaborado pela autora (2017).

    Podemos observar que de 2012 a 2015 temos uma concentração de estudos sobre a

    temática da formação continuada na área de Educação Especial na perspectiva

    inclusiva. Será isso um reflexo das políticas municipais e estaduais que buscaram

    atender as diretrizes nacionais a partir de 2008? Os grupos de pesquisa focalizam

    essa temática considerando quais aspectos: a formação de professores de sala

    comum, a formação de professores de Educação Especial? Assim, no Quadro 1

    trazemos as temáticas encontradas nesses estudos. Vale destacar que um mesmo

    estudo aborda mais de uma temática, assim o total corresponde ao número de vezes

    em que foi discutida no conjunto dos estudos.

    Considerando o foco de nosso estudo, grande parte dos trabalhos (dissertações, teses

    e artigos científicos) que selecionamos problematizam a formação de profissionais da

    Educação. Dessas produções, 19,44% focalizam a formação continuada de

    professores de Educação Especial, o que condiz com as políticas adotadas no mesmo

    período (2008 a 2018), na qual as diretrizes enfatizam a atuação do professor de

    Educação Especial em salas de recursos multifuncionais. No entanto, muitos estudos

    buscam refletir sobre a formação do professor de sala comum (16,6%) e outros

    destacam o ensino colaborativo como estratégia para formação (2,7%). Esses estudos

    32

    01

    5

    1312 12

    10

    6

    4

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    14

    2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

  • 44

    nos mostram que o foco é a inclusão do aluno PAEE na escola e na sala comum.

    Quadro 1 – Temáticas abordadas nos estudos

    TEMÁTICAS

    TOTAL

    Formação de professores

    72

    Formação continuada de professores sala comum

    12 Formação de professores de educação Especial

    14

    Formação de gestores de educação Especial

    8

    Formação de gestores escolares

    6

    Políticas de formação de professores

    7

    Formação continuada pela via da prática pedagógica

    1

    Formação em serviço pela via dos grupos 2

    Formação docente na relação universidade e escola 1

    Formação pela via do ensino colaborativo 2

    Currículo de formação continuada 9

    Formação continuada dos profissionais da educação 8

    Formação e desenvolvimento profissional docente

    2

    Prática Pedagógica 7

    Trabalho colaborativo entre Educação Especial e comum 3 Prática pedagógica inclusiva 2

    Trabalho do professor de Educação Especial

    1

    Políticas Públicas 2

    Políticas de educação inclusiva no Brasil 1 Análise de programas de formação 1

    Fonte: Elaborado pela autora (2017).

    Um dado relevante é o aumento de pesquisas sobre a formação de gestores públicos

    de Educação Especial (11,11%). Esses estudos destacam o importante papel do

    gestor na elaboração de políticas públicas. Outro dado é que 9,72% dos estudos

    discutem a formação dos gestores escolares, principalmente do coordenador

    pedagógico ou do supervisor pedagógico. No Quadro 2, apontamos as principais

    universidades que vêm destacando-se na realização desses estudos.

  • 45

    Quadro 2 – Regiões/Universidade dos estudos abordados

    Região Norte Universidade Federal do Pará

    Região Nordeste Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Paraíba Universidade Federal do Rio Grande do Norte Universidade Federal do Ceará Universidade Federal de Alagoas

    Região Centro-Oeste Universidade de Brasília Universidade Federal de Goiás

    Região Sudeste Universidade Federal do Espírito Santo Universidade Estadual de Campinas Universidade Federal de São Carlos Centro Universitário Moura Lacerda Universidade de São Paulo Universidade do Estado do Rio de Janeiro Universidade Federal de Ouro Preto Universidade Nove de Julho Unigranrio Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Estadual Paulista

    Região Sul Universidade do Extremo Sul Catarinense Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal do Rio Grande do Sul Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Estadual de Londrina Universidade Estadual do Oeste do Paraná

    Fonte: Elaborado pela autora (2017).

    Observamos que as Regiões Sul e Sudeste foram as que mais se destacaram quanto

    ao número de pesquisas encontradas no que se refere às temáticas abordadas neste

    estudo. Já o menor quantitativo foi identificado na Região Norte do país: apenas um

    estudo no estado do Pará. Dessa forma, surgem indagações do tipo: Como tem sido

    realizada a formação continuada nas cidades do norte do Brasil? Quais os fatores

    econômicos e culturais por trás desse resultado? Por que essa discrepância na

    quantidade dos estudos?

    Essa análise permitiu-nos delimitar dezoito pesquisas que tratam de questões

    relacionadas ao objeto deste estudo: inclusão escolar dos alunos PAEE por meio da

  • 46

    construção de um currículo de formação continuada que envolva os diferentes

    profissionais da escola. Tais pesquisas, usadas na ação comunicativa com esta

    revisão de literatura, ajudaram-nos a alcançar nosso objetivo. A tabela a seguir nos

    mostra a natureza dos estudos analisados.

    Tabela 1 – Natureza dos estudos analisados

    Natureza Quantidade

    Anais de eventos 3

    Artigos 3

    Capítulos de livros 3

    Dissertações 6

    Teses 3

    Fonte: Elaborada pela autora (2017).

    Com base nesse panorama dos estudos, elaboramos o Quadro Análise (Apêndice A)

    como metodologia de organização do material, que permitiu entender e situar os

    resultados das pesquisas encontradas.

    Assim, a partir da análise desses estudos, organizamos os trabalhos em três

    categorias que norteiam esta pesquisa: a formação continuada na perspectiva da

    educação inclusiva desenvolvida pela União, pelos estados e pelos municípios; o

    contexto da prática educativa e os indícios para elaboração de currículos de formação

    continuada, e um olhar para “dentro”: o que aprendemos a partir da produção dos

    grupos de pesquisa da universidade, as quais nos levaram ao objetivo de analisar as

    concepções, propostas e ações formativas para os profissionais da educação em

    relação ao processo de inclusão dos alunos PAEE, considerando as diferentes

    intencionalidades dos sujeitos envolvidos.

    Na primeira categoria, dialogamos com seis estudos: Gonçalves (2008), Lima e

    Dorziat (2013), Nóvoa (2012), Padilha (2013), Rocha (2013) e Silva (2016). Na

    segunda categoria, conversamos com outros seis autores: Astori (2014), Borges

    (2007), Caetano (2007), Rabelo (2012), Vieira (2012), Vilaronga (2014). Na terceira e

    última categoria, destacamos as pesquisas de Almeida, Rocha e Silva (2012),

    Almeida, Silva e Alves (2017), Almeida, Zambon e Piloto (2014), Honorino, Carvalho

    e Almeida (2017), Nogueira, Jesus e Effgen (2012), Silva, Vieira e Senna (2012). Posto

  • 47

    isso, nos próximos itens discutiremos, com mais afinco, essas pesquisas.

    3.1 A FORMAÇÃO CONTINUADA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

    DESENVOLVIDA PELA UNIÃO, PELOS ESTADOS E PELOS MUNICÍPIOS

    Para este tópico, dialogamos com diferentes trabalhos que abordam a temática da

    formação continuada sob a perspectiva das secretarias municipais de educação

    (Seme). Uma vez que nos propomos analisar as concepções, propostas e ações

    formativas elaboradas e implementadas pela Rede Municipal de Ensino de Cachoeiro

    de Itapemirim, precisamos voltar um olhar para outros estudos, considerando o que

    vem sendo realizado e os resultados alcançados. Cabe ressaltar que englobamos

    neste tópico estudos que se debruçam a analisar programas do Governo Federal e

    Estadual, visto que são implementados em diferentes municípios, o que traz à nossa

    mente questionamentos de como uma formação pensada num contexto macro reflete

    em mudanças no micro.

    Um dos estudos abordados foi apresentado na XXXVI Reunião Anual da Anped por

    Lima e Dorziat (2013) e trata do recorte de uma pesquisa realizada em três creches e

    pré-escolas municipais em Campina Grande-PB. As autoras buscaram analisar as

    concepções e as práticas pedagógicas adotadas pelas professoras de salas regulares

    (regentes de turma) e do AEE, que desenvolviam atividades com crianças com

    deficiência no cotidiano. Tendo em vista as diferenças e particularidades de cada

    indivíduo, as pesquisadoras questionaram-se sobre o impacto da política de inclusão

    na Educação Infantil, a percepção dos docentes que atuam com os alunos com

    deficiência e o modo como o trabalho estava sendo realizado.

    Os dados coletados por meio de observação e entrevistas evidenciaram práticas

    cotidianas marcadas por situações de exclusão, nas quais era negado às crianças

    com deficiência participar de vivências fundamentais para o seu desenvolvimento.

    Essa constatação levou-as a perceber a necessidade de investimentos em formação

    continuada que envolvam as temáticas educação inclusiva e educação infantil, num

    trabalho coletivo e colaborativo com toda a comunidade escolar.

    Lima e Dorziat (2013) ressaltam que oferecer um ensino de qualidade a todos os

    educandos, incluindo aqueles que têm alguma deficiência ou alguma dificuldade que

  • 48

    possa afetar sua aprendizagem, não é uma tarefa fácil para um sistema que se coloca

    como inclusivo. No entanto, é preciso que a escola reorganize sua estrutura, seu

    funcionamento, sua metodologia, seus recursos pedagógicos e, principalmente, que

    se conscientize da premência desses ajustes e garanta que seus profissionais estejam

    abertos para essa nova realidade.

    As autoras frisam a necessidade de superação dessa abordagem, presente nas

    escolas de caráter generalista de desenvolvimento, que relaciona a aprendizagem

    com pressupostos da “normalidade”. Assim, podemos observar que, por falta de

    conhecimento e informação, muitos docentes, apesar de não se colocarem contra a

    inclusão, acabam excluindo os alunos por não saberem como trabalhar com eles.

    Ao almejarmos avançar no conhecimento acerca da inclusão dos alunos PAEE em

    Cachoeiro de Itapemirim, corroboramos o pensamento evidenciado nesta pesquisa de

    que a formação contínua deve servir como mecanismo de superação dos modelos de

    exclusão, de incapacidade, mostrando os vários possíveis existentes através de

    estratégias de participação mediada.

    Mesmo não tratando de uma pesquisa que investiga o processo formativo, Lima e

    Dorziat (2013), ao apontarem os resultados de seu estudo, reforçam nosso

    pensamento sobre a importância da formação contínua no processo de inclusão

    escolar e nossas indagações sobre como os diferentes municípios têm caminhado e

    avançado nessa questão.

    Outro estudo com o qual estabelecemos um diálogo nesta revisão foi elaborado por

    Gonçalves (2008) em sua tese de doutorado. Abordando a temática da formação

    continuada sob a perspectiva das políticas públicas, a autora investiga a

    implementação da inclusão escolar em um município do Espírito Santo, no que tange

    às políticas públicas, à formação continuada e às práticas educativas e organizativas

    da escola. Para tanto, o estudo envolveu os profissionais da escola, familiares e

    técnicos da Secretaria de Educação.

    Sobre as práticas de formação desenvolvidas, a autora ressalta que esse processo

    vem sendo atravessado e produzido por políticas capitalistas, diante das quais o

    docente, cada dia mais, tem perdido o sentido de seu trabalho. Dessa forma, o que

    vemos são propostas de políticas de formação pensadas de cima para baixo por

  • 49

    pessoas que não as vivenciam, ou seja, os responsáveis pelos processos de

    formação, na maioria das vezes, não participam deles, e as escolas juntamente com

    seus profissionais precisam moldar-se a esses padrões externos.

    Sobre essas políticas, Ferreira (2006, p. 65) ressalta:

    [...] além de estarem sendo formuladas numa realidade econômica e social cuja tendência é fortemente excludente, também caíram num contexto escolar que historicamente tem suas práticas educacionais orientadas por processos seletivos e que assumem a homogeneidade como princípio organizativo. Daí se originam inúmeras barreiras que dificultam a implementação das propostas de inclusão escolar.

    Ainda com base em Ferreira, destacamos que, como consequência dessas políticas

    capitalistas, pensadas de cima para baixo, é possível afirmar que “[...] é grande a

    possibilidade, hoje, de um aluno com deficiência ter acesso à escola, lá permanecer,

    mas, na sala de aula, ficar excluído dos processos de ensino-aprendizagem”

    (FERREIRA, 2006,