65
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA EM REDE NACIONAL HORÁCIO LEONEL DOS SANTOS SOUSA APLICAÇÕES COMBINATÓRIAS À TEORIA DOS NÚMEROS FORTALEZA 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA EM REDE NACIONAL

HORÁCIO LEONEL DOS SANTOS SOUSA

APLICAÇÕES COMBINATÓRIAS À TEORIA DOS NÚMEROS

FORTALEZA

2017

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

HORÁCIO LEONEL DOS SANTOS SOUSA

APLICAÇÕES COMBINATÓRIAS À TEORIA DOS NÚMEROS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Matemática em Rede Nacional do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Matemática. Área de concentração: Ensino de Matemática. Orientador: Prof. Dr. José Othon Dantas Lopes.

FORTALEZA

2017

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca UniversitáriaGerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

S696a Sousa, Horácio Leonel dos Santos. Aplicações combinatórias à teoria dos números / Horácio Leonel dos Santos Sousa. – 2017. 65 f. : il. color.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências, Departamento deMatemática, Programa de Pós-Graduação em Matemática em Rede Nacional, Fortaleza, 2017. Orientação: Prof. Dr. José Othon Dantas Lopes.

1. Combinatória. 2. Teoria dos Números. 3. Aplicações. I. Título. CDD 510

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

HORÁCIO LEONEL DOS SANTOS SOUSA

APLICAÇÕES COMBINATÓRIAS À TEORIA DOS NÚMEROS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Matemática em Rede Nacional do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Matemática. Área de concentração: Ensino de Matemática.

Aprovada em: 27/07/2017.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. José Othon Dantas Lopes (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. José Valter Lopes Nunes

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Ângelo Papa Neto

Instituto Federal do Ceará (IFCE)

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

À minha família.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo apoio e incentivo.

Ao Prof. Dr. José Othon Dantas Lopes, pela excelente e sábia orientação.

Aos professores participantes da banca examinadora Dr. José Valter Lopes Nunes e Dr. Ângelo Papa Neto pelas valiosas colaborações e sugestões.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

“Deus criou os números naturais. O resto é obra

dos homens.”

Leopold Kronecker

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

RESUMO

A Teoria dos Números e a Análise Combinatória são duas áreas importantes da Matemática que

possuem alguns de seus conceitos abordados no ensino fundamental e médio, onde são cobrados

em avaliações externas como, por exemplo, o Exame Nacional do Ensino Médio e a Olimpíada

Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. A Teoria dos Números, de modo simples, trata

dos números inteiros e suas propriedades e a Combinatória, por sua vez, trata da existência de

certos eventos e, se possível, determina quantos deles existem. O presente trabalho apresenta a

aplicação de conceitos combinatórios na obtenção de vários resultados em teoria dos números.

Apresentam-se Princípios Combinatórios, como os princípios bijetivo, aditivo, fundamental da

contagem, da inclusão-exclusão e da casa dos pombos. Por fim, dar-se provas combinatórias do

pequeno teorema de Fermat e do teorema de Wilson. Deste modo, pretende-se despertar o aluno

para a importância desses assuntos, facilitando assim o processo de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Combinatória. Teoria dos Números. Aplicações.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

ABSTRACT

The Number theory and Combinatorics are two important branches of mathematics that have

some of their basic concepts addressed in elementary and high school. In Brazil, these areas of

mathematics are the subject covered in several assessment exams, such as the Brazilian

Mathematical Olympiad of Public Education, and the Brazilian National High School Exam.

The Number theory studies the integers and their properties, while Combinatorics studies the

occurrence of certain events and determines how many of them exist, when possible. This work

applies combinatorial concepts in the derivation of several results from the Number theory. In

this study presented several combinatorial principles, such as the bijection principle, the

addition principle, the multiplication principle, the inclusion–exclusion principle, and the

pigeonhole principle. At least, they are presented proofs of the Fermat’s little theorem and the

Wilson’s theorem using combinatorial principles. This work seeks to arouse students’ interest

to the importance of these subjects, thus facilitating and paving the way to teaching-learning

process.

Keywords: Combinatorics. Number Theory. Applications.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 As vinte e sete correntes de três pérolas com três cores possíveis ..................... 60

Figura 2 A formação de uma pulseira a partir de uma corrente ........................................ 60

Figura 3 As oito pulseiras de três pérolas com três cores possíveis ................................. 61

Figura 41 Os doze pentágonos estrelados ......................................................................... 62

Figura 5 Os seis 13-ágonos estrelados regulares ............................................................. 63

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

PBO Princípio da Boa Ordenação

PFC Princípio Fundamental da Contagem

PCP Princípio da Casa dos Pombos

OBM Olimpíada Brasileira de Matemática

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

LISTA DE SÍMBOLOS

ℕ Conjunto dos Números Naturais ℤ Conjunto dos Números Inteiros ∅ Conjunto Vazio

Implica

Se, e somente se

Pertence

Não pertence ⊂ Está contido

União

Interseção 𝛼 Alfa 𝜙 Fi 𝜋 Pi ⋃ Conjunto União

∑ Somatório

∏ Produtório | divide ∤ não divide , Máximo Divisor Comum de e − Função Inversa ∘ Função Composta ! Fatorial de

Número Binomial ∎ Final da Prova

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14

2 INDUÇÃO FINITA .......................................................................................... 15

2.1 Primeiro Princípio de Indução Finita .............................................................. 15

2.1.1 Forma geral do primeiro princípio de indução finita ....................................... 17

2.2 Segundo Princípio de Indução Finita ............................................................... 19

2.2.1 Forma geral do segundo princípio de indução finita ......................................... 21

2.3 Princípio da Boa Ordenação ............................................................................. 22

3 FUNDAMENTOS DE TEORIA DOS NÚMEROS ......................................... 24

3.1 Divisibilidade ..................................................................................................... 24

3.2 Algoritmo da Divisão ......................................................................................... 26

3.3 Máximo Divisor Comum ................................................................................... 27

3.4 Números Primos ................................................................................................. 28

4 COMBINATÓRIA APLICADA À TEORIA DOS NÚMEROS .................... 32

4.1 Princípio Bijetivo ............................................................................................... 32

4.2 Princípio Aditivo ............................................................................................... 34

4.2.1 Extensão do princípio aditivo ............................................................................ 35

4.3 Princípio Fundamental da Contagem ............................................................. 36

4.3.1 Extensão do princípio fundamental da contagem ............................................ 37

4.4 Números Binomiais ........................................................................................... 40

4.5 Combinação Simples ......................................................................................... 45

4.6 Binômio de Newton ........................................................................................... 46

4.7 Princípio da inclusão-exclusão ......................................................................... 50

4.8 Princípio da Casa dos Pombos ......................................................................... 55

4.9 Os Teoremas de Fermat e Wilson .................................................................... 59

5 CONCLUSÃO ................................................................................................... 64

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 65

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

14

1 INTRODUÇÃO

O ensino de Matemática pode tornar-se difícil às vezes, pois a maioria dos alunos

demonstra certo desinteresse pela disciplina. De tal modo, uma proposta interessante para atrair

a atenção dos estudantes é apresentar conexões e aplicações existentes entre temas distintos da

Matemática como a Análise Combinatória e a Teoria dos Números que sempre são cobrados no

Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e também em olimpíadas de Matemática.

Este trabalho tem como objetivo apresentar alguns resultados da teoria dos números

justificados por conceitos, ideias e métodos combinatórios, fortalecendo os aspectos teóricos e

colocando a combinatória em prática através de exemplos ligados à teoria dos números que vão

desde assuntos básicos aos mais sofisticados.

Inicialmente, apresentamos os princípios de indução e o princípio da boa ordenação,

que constituem ferramentas imprescindíveis na obtenção de vários resultados combinatórios e

aritméticos. Em seguida, abordamos definições, propriedades e resultados sobre o conjunto dos

números inteiros (divisibilidade, máximo divisor comum e números primos) com destaque para

o Algoritmo da Divisão e o Teorema Fundamental da Aritmética.

Por fim, abordamos alguns princípios e conceitos combinatórios como os princípios

bijetivo, aditivo e fundamental da contagem com evidência para a fórmula que calcula o número

de divisores positivos de um número inteiro, os números binomiais e o binômio de Newton com

destaque para a prova do pequeno teorema de Fermat, o princípio da inclusão-exclusão utilizado

para calcular o número de inteiros positivos menores ou iguais e relativamente primos com um

inteiro positivo, o princípio da casa dos pombos empregado na solução de alguns problemas de

existência e finalmente damos provas combinatórias para o pequeno teorema de Fermat baseada

na contagem de certas pulseiras construídas usando-se pérolas de cores diferentes e também

para o teorema de Wilson, baseada na contagem do número de diferentes polígonos estrelados

que podemos construir com pontos distribuídos em um círculo.

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

15

2 INDUÇÃO FINITA

O princípio de indução finita é um método eficiente para demonstrar fatos referentes

a números naturais, sendo utilizado na obtenção de muitos resultados importantes. Seguiremos

Muniz Neto [1] no desenvolvimento das seções 2.1 e 2.2.

2.1 Primeiro Princípio de Indução Finita

Seja um subconjunto dos números naturais ℕ = { , , , … }, tal que e para

todo , temos que + . Então, assegura que . Logo, implica que

e assim por diante. Logo, podemos concluir que contém todos os números naturais e,

portanto, = ℕ. Essa ideia está formalizada no seguinte axioma.

Axioma 2.1.1 (Primeiro Princípio de Indução Finita) Seja um subconjunto de ℕ tal que:

;

Se , então + .

Então = ℕ.

Seja 𝑃 uma propriedade do natural , cuja a veracidade desejamos mostrar para

todo ℕ. A aplicação do axioma 2.1.1 como ferramenta de demonstração consiste em definir

o subconjunto como = { ℕ | 𝑃 é verdeira} e observando que

= ℕ 𝑃 é verdadeira para todo ℕ,

vemos que, para demonstrar que 𝑃 é verdadeira para todo ℕ, basta mostrar que = ℕ,

ou seja, pelo primeiro princípio de indução, que

; + .

E pela definição de , mostrar os dois itens acima equivale mostrar que

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

16

𝑃 é verdadeira; 𝑃 verdadeira 𝑃 + verdadeira.

Essas ideias nos permitem estabelecer a seguinte proposição.

Proposição 2.1.1 Dada uma propriedade 𝑃 do natural , temos 𝑃 verdadeira para todo ℕ se e só se as duas condições a seguir forem satisfeitas:

𝑃 é verdadeira; 𝑃 verdadeira 𝑃 + verdadeira.

Exemplo 2.1.1 Prove que, para todo ℕ, temos

∑−= = − .

Prova. Para provarmos, por indução, a validade da propriedade

𝑃 : ∑−= = − ,

temos de verificar que

𝑃 é verdadeira; 𝑃 verdadeira 𝑃 + verdadeira.

A verificação de é imediata, pois

∑−= = ∑= = = = − .

Para provarmos , supomos que 𝑃 é verdadeira, isto é, que

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

17

+ + + + − = −

e queremos deduzir que 𝑃 + também é verdadeira, isto é, que

+ + + + − + = + − .

Mas desde que estamos supondo a validade de 𝑃 , segue que

+ + + + − + = − +

= ⋅ −

= + − .

Portanto, por indução, 𝑃 é verdadeira para todo ℕ. ∎

2.1.1 Forma geral do primeiro princípio de indução finita

Uma forma mais geral do primeiro princípio de indução é o seguinte axioma.

Axioma 2.1.2 Seja ℕ e um subconjunto de { , + , + , … } tal que:

. Se , então + .

Então = { , + , + , … }.

Dada uma propriedade 𝑃 do natural , cuja veracidade desejamos provar para

todo natural , analogamente ao axioma 2.1.1, a aplicação do axioma 2.1.2 como método

de demonstração consiste em definirmos o subconjunto como = { ℕ | 𝑃 é verdeira}

e observar que

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

18

= { , + , + , … } 𝑃 é verdadeira para todo natural.

Assim, podemos estabelecer uma forma mais geral para a proposição 2.1.1 como a seguir.

Proposição 2.1.2 Dados ℕ e uma propriedade 𝑃 do natural , temos 𝑃 verdadeira

para todo natural se e só se as duas condições a seguir forem satisfeitas:

𝑃 é verdadeira; 𝑃 verdadeira 𝑃 + verdadeira.

Exemplo 2.1.2 (OBM) Para cada número inteiro > , mostre que existem naturais dois a

dois distintos, tais que a soma de seus inversos é igual a .

Prova. Façamos indução sobre . Para verificar o caso inicial, basta notar que

+ + = .

Agora, suponhamos, por hipótese de indução, que para certo natural existam

naturais < < < tais que

+ + + = .

Multiplicando ambos os membros da igualdade acima por ½ e somando ½ a ambos os membros

da igualdade resultante, obtemos então

+ + + + = .

Agora, como < < < < , obtivemos + naturais dois a dois distintos com

soma dos inversos igual a , completando assim nossa prova por indução. ∎

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

19

2.2 Segundo Princípio de Indução Finita

Existe outra forma importante de indução, o segundo princípio de indução também

chamado de princípio de indução forte ou princípio de indução completa.

Este método consiste em considerar um subconjunto de ℕ tal que e para ℕ, suponhamos que se { , … , } é um subconjunto de , então + . Como,

temos que { } ⊂ e, portanto . Sendo assim, { , } ⊂ e então, e assim por diante.

Podemos concluir então que contém todos os números naturais e, portanto, = ℕ. Essa ideia

está formalizada no seguinte axioma.

Axioma 2.2.1 (Segundo Princípio de Indução Finita). Seja um subconjunto de ℕ tal que:

. Se { , … , } ⊂ , então + .

Então = ℕ.

Dada uma propriedade 𝑃 do natural , cuja veracidade desejamos provar para

todo ℕ. A aplicação do axioma 2.2.1 como ferramenta de demonstração consiste em definir

o conjunto como = { ℕ | 𝑃 é verdeira} e observando que

= ℕ 𝑃 é verdadeira para todo ℕ,

vemos que, para demonstrarmos que 𝑃 é verdadeira para todo ℕ, basta mostrarmos que = ℕ, ou seja, pelo segundo princípio de indução, que

; { , … , } ⊂ + .

E pela definição de , mostrar os dois itens acima equivale a mostrar que

𝑃 é verdadeira;

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

20

𝑃 , … , 𝑃 verdadeiras 𝑃 + verdadeira.

Podemos então estabelecer a seguinte proposição.

Proposição 2.2.1 Dada uma propriedade 𝑃 do natural , temos 𝑃 verdadeira para todo ℕ se e só se as duas condições a seguir forem satisfeitas:

𝑃 é verdadeira; 𝑃 , … , 𝑃 verdadeiras 𝑃 + verdadeira.

Exemplo 2.2.1 Considere a sequência = , = e = − + − , para . Prove

que < , para todo .

Prova. Considere a propriedade 𝑃 : < . Note que 𝑃 e 𝑃 são verdadeiras, pois

= < = e = < = .

Agora, suponhamos 𝑃 válida para todo = , , … , . com . Desse modo, segue que

+ = + − < ( ) + ( ) −

= ( ) − ( + )

= ( ) − ( )

< ( ) − ( )

= ( ) + .

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

21

Logo, 𝑃 + é verdadeira. Portanto, pela proposição 2.2.1, temos 𝑃 verdadeira para todo ℕ. ∎

2.2.1 Forma geral do segundo princípio de indução finita

Uma forma mais geral do segundo princípio de indução é o seguinte axioma.

Axioma 2.2.2. Seja ℕ e um subconjunto de { , + , + , … } tal que:

. Se { , + , + , … , } ⊂ , então + .

Então = { , + , + , … }.

Dada uma propriedade 𝑃 do natural , cuja veracidade desejamos provar para

todo natural . Analogamente ao axioma 2.2.1, a aplicação do axioma 2.2.2 como método

de demonstração consiste em definir o subconjunto como = { ℕ| 𝑃 é verdeira} e

observar que

= { , + , + , … } 𝑃 é verdadeira para todo natural.

Assim, podemos estabelecer uma forma mais geral para a proposição 2.2.1 como a seguir.

Proposição 2.2.2 Dados ℕ e uma propriedade 𝑃 do natural , temos 𝑃 verdadeira

para todo natural se e só se as duas condições a seguir forem satisfeitas:

𝑃 é verdadeira; 𝑃 , 𝑃 + , … , 𝑃 verdadeiras 𝑃 + verdadeira.

Exemplo 2.2.2 Considere a sequência = , = e = − + − , para . Prove

que < , para todo .

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

22

Prova. Considere a propriedade 𝑃 : < , para todo . Observe que 𝑃 e 𝑃

são verdadeiras, pois

= < = e = < = .

Agora, suponhamos 𝑃 válida para todo = , … , . com . Desse Modo, segue que

+ = + − < ( ) + ( ) −

= ( ) − ( + )

= ( ) − ( )

< ( ) − ( )

= ( ) + .

Logo, 𝑃 + é verdadeira. Portanto, pela proposição 2.2.2, temos 𝑃 verdadeira para todo . ∎

2.3 Princípio da Boa Ordenação

O Princípio da Boa Ordenação (PBO) é um recurso muito útil na prova de resultados

em matemática. Um fato interessante é que o PBO, o primeiro princípio de indução e o segundo

princípio de indução finita são equivalentes. A seguir, provaremos o PBO partindo do primeiro

princípio de indução, o segundo princípio de indução a partir do PBO e o primeiro princípio de

indução a partir do segundo princípio de indução, seguindo Lima [2].

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

23

Teorema 2.3.1 (PBO) Todo subconjunto não vazio de ℕ possui um menor elemento.

Prova. Sejam um subconjunto de ℕ que não possui um menor elemento e o conjunto

= { ℕ | 𝐼 = ∅ },

onde 𝐼 = { ℕ | }, ou seja, 𝐼 = { , … , }.

Note que , pois do contrário 𝐼 ≠ ∅, isto é, { } ≠ ∅, então e,

portanto, teria um menor elemento, o que é uma contradição já que é um subconjunto de ℕ

que não possui um menor elemento.

Agora, se , então 𝐼 = ∅, isto é, , … , . Se + , então +

seria o menor elemento de , novamente uma contradição, deste modo + . Sendo assim, , … , , + , isto é, 𝐼 + = ∅, logo + e então, pelo axioma 2.1.1, temos que = ℕ. Consequentemente = ∅. Portanto, todo subconjunto não vazio de ℕ possui um menor

elemento. ∎

Teorema 2.3.2 PBO Segundo Princípio de Indução Finita.

Prova. Seja um subconjunto de ℕ tal que:

. Se { , … , } ⊂ , então + .

Se ≠ ℕ, então o conjunto = ℕ − é um subconjunto não vazio de ℕ. Daí, pelo

PBO, possui um menor elemento, digamos . Assim, todos os números naturais menores do

que pertencem a . Logo, por , tem-se , o que é uma contradição. Portanto = ℕ. ∎

Teorema 2.3.3 Segundo Princípio de Indução Finita Primeiro Princípio de Indução Finita.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

24

Prova. Seja um subconjunto de ℕ tal que:

;

Se , então + .

Suponhamos que { , … , } ⊂ , então . Logo, por , segue que + . Portanto, pelo segundo princípio de indução finita, = ℕ.

3 FUNDAMENTOS DE TEORIA DOS NÚMEROS.

Abordaremos nesse capitulo algumas definições e resultados sobre o conjunto dos

números inteiros ℤ = {… , − , − , − , , , , , … }, onde o subconjunto { , , , … } é chamado

conjunto dos inteiros positivos e { , , , , … } é dito conjunto dos inteiros não negativos.

3.1 Divisibilidade

A noção de divisibilidade é fundamental em teoria dos números, pois é o objeto de

vários resultados importantes. Iniciamos com as definições abaixo que seguem Muniz Neto [3].

Definição 3.1.1 Dados , ℤ, ≠ , dizemos que divide , e escrevemos | , se existir ℤ tal que = . Caso não divida , escrevemos ∤ .

Definição 3.1.2 Seja um inteiro não nulo. Se divide , dizemos que é um divisor de ,

que é divisível por ou ainda que é um múltiplo de . Se divide e > , então é

um divisor positivo de .

Proposição 3.1.1 Sejam , e , inteiros positivos e , inteiros quaisquer.

Se | , então . Se | e | , então = . Se | e | , então | + . 𝑣 Se | e | , então | .

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

25

Prova.

Se | , então = , com ℤ. Como , > , segue que > . Logo . Então,

e como = , segue que .

Se | e | , temos, pela proposição 3.1.1 , que e . Portanto, = .

Se | e | , então existem , ℤ tais que = e = , então

+ = + = + = + ,

Como + ℤ, temos que | + .

𝑣 Se | e | , então existem , ℤ tais que = e = , logo = , então = e, portanto | . ∎

Proposição 3.1.2 Sejam , , … , números inteiros e positivos, tais que | , … , , então | + + para todos , … , ℤ.

Prova. Se = , o resultado segue da proposição 3.1.1 , para = , = e = . Se = , o resultado segue da proposição 3.1.1 , para = , = , = e = .

Agora, suponhamos o resultado válido para = . Se | , … , , + , temos que | , … , . Assim, por hipótese de indução, | + + para todos , … , ℤ.

Como | + , temos, pela proposição 3.1.1 , que

| [ ⋅ + + + + + ] | + + + + + +

para todos , … , , + ℤ. Logo, o resultado vale para = + . Assim, pela proposição

2.1.2, temos que | + + para todos , … , ℤ. ∎

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

26

Exemplo 3.1.1 Se e são inteiros positivos, tais que

+ ℤ,

prove que = = ou .

Prova. Seja ℤ tal que + = .

Logo,

+ = + = + = = − = − | .

Analogamente, | . Portanto, pela proposição 3.1.1 , segue que = . Assim sendo, temos

+ = = = | = ou = . ∎

3.2 Algoritmo da Divisão

Sejam , ℤ, ≠ . Se | , então = , ℤ. Porém, se ∤ , qual a relação

entre e ? A proposição a seguir, conhecida como algoritmo da divisão, responderá isso.

Proposição 3.2.1 (Algoritmo da Divisão) Dados , ℤ, com > , existem únicos , ℤ

tais que = + , com < .

Prova. Seja o maior número inteiro tal que . Então < + , de modo que − < , e assim, = − é tal que = + , com < .

Agora, supondo = + = ′ + ′, onde , ′, , ′ ℤ e , ′ < , temos

que − ′ = ′ − . Supondo, sem perda de generalidade, ′, temos − ′ < e

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

27

assim, ′ − < e como > , tem-se, ′ − < , então ′ − = , ou seja, = ′. Desse modo, − ′ = ′ − = ⋅ = e, portanto = ′. ∎

Definição 3.3.1 Os inteiros e , obtidos na proposição 3.2.1, são chamados, respectivamente,

de quociente e de resto da divisão de por .

Proposição 3.2.2 Sejam , e inteiros, com > . Se e possuem restos iguais na divisão

por , então | − .

Prova. Se e possuem restos iguais na divisão por , então, pela proposição 3.2.1, segue que = + e = ′ + , com , ′ ℤ. Logo − = − ′ , ou seja, | − já que − ′ ℤ.

3.3 Máximo Divisor Comum

Definição 3.3.2 O máximo divisor comum de dois números inteiros e positivos e , denotado

por , , é o maior inteiro que divide e .

Definição 3.3.3 Dois inteiros positivos e são ditos primos entre si, ou relativamente primos,

se , = .

Proposição 3.3.1 Para todo inteiro positivo , temos que , + = .

Prova. Seja = , + , logo, pela definição 3.3.2, temos que , | e | + .

Assim, pela proposição 3.1.1 , temos que | + − , ou seja, | . Daí, pela proposição

3.1.1 , segue que e, portanto = . ∎

Teorema 3.3.1 Sejam e números inteiros e positivos, então existem inteiros e tais que

, = + .

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

28

Prova. Seja 𝑆 = { + | + > ; , ℤ }, um subconjunto não vazio de ℕ, já que ⋅ + ⋅ = 𝑆. Deste modo, pelo PBO, 𝑆 possui um menor elemento = + e pelo

algoritmo da divisão, existem inteiros e tais que = + , com < . Então

= − = − + = − + − .

Se > , então 𝑆, pois − , − ℤ, o que é uma contradição, pois < e é o menor

elemento de 𝑆. Portanto, = e assim, = , ou seja | . De maneira análoga, | .

Agora, seja = , , então | e | , daí, = ℎ e = , com ℎ, ℤ.

Logo

= + = ℎ + = ℎ + | .

Daí, pela proposição 3.1.1 , e como | , | e é o maior inteiro que divide e , só

nos resta = , isto é, , = + . ∎

Proposição 3.3.2 Sejam , e inteiros positivos. Se | e , = , então | .

Prova. Como , = , pelo teorema 3.3.1, existem inteiros e tais que + = ,

logo + = . Como | e | , temos, pela proposição 3.1.1 , que | + ,

ou seja, | . ∎

3.4 Números Primos

Definição 3.4.1 Um inteiro > é chamado de número primo, ou simplesmente primo, se seus

únicos divisores positivos são e , um inteiro > que não é primo é denominado composto.

Proposição 3.4.1 Sejam e primos e e inteiros positivos quaisquer.

Se | , então = .

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

29

Se ∤ , então , = .

Se | , então | ou | .

Prova.

Se | , então = ou = , pois é primo. Sendo primo, temos > . Logo, = .

Sendo primo, seus únicos divisores positivos são e . De tal modo, , = ou , = . Como ∤ , não podemos ter , = , portanto , = .

Por hipótese, é primo. Se ∤ , pela proposição 3.4.1 , temos que , = e

como | , pela proposição 3.3.2, segue que | . ∎

Proposição 3.4.2 Sejam , , … , números primos e , … , inteiros positivos quaisquer,

para todo inteiro .

Se | , então | para algum = , , , .

Se | , então = para algum = , , , .

Prova.

Façamos indução sobre , sendo o caso = verdadeiro pela proposição 3.4.1 .

Agora, suponhamos o resultado válido para = . Se | + , segue que | + . Como é primo, pela proposição 3.4.1 , temos que | ou | + .

Pela hipótese de indução, se | , então | para algum = , , , . Caso contrário | + . Daí, temos que | para algum = , , , , + . Portanto, pela proposição 2.1.2,

segue o resultado.

Se é primo e | , então, pela proposição 3.4.2 , | para algum = , , , .

Como é primo, pela proposição 3.4.1 , temos que = para algum = , , , . ∎

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

30

Proposição 3.4.3 Se um inteiro > é composto, então existem , ℤ tais que = , com < , < .

Prova. Se é composto, então existe um inteiro positivo , diferente de e , tal que | . Pela

proposição 3.1.1 , temos que < < . Mas, se | , então existe um inteiro positivo tal

que = . Se = ou = , então = ou = , que contradiz < < . Assim, segue

que < < . ∎

Teorema 3.4.1 (Teorema Fundamental da Aritmética) Todo número inteiro > se escreve

de modo único como um produto =

onde é um inteiro e são primos.

Prova. Façamos indução completa sobre , sendo o caso = válido, pois para = e = temos uma e única escrita.

Agora, suponhamos o resultado válido para todo inteiro menor do que e provemos

que vale para . Se é primo, então = e = garantem a escrita e de modo único. Se

é composto, pela proposição 3.4.3, temos = , com , ℤ e < , < . Pela hipótese

de indução, podemos escrever = e = ,

onde , ℤ, e são primos. Portanto, = e

ordenando esses = + primos em ordem crescente, obtemos a escrita.

Suponhamos agora, que = = , com < , ℤ, e

primos. Logo, | e pela proposição 3.4.2 , tem-se = para algum = , , , . Como , temos . Analogamente temos , de modo que = . Então, = . Como < , por hipótese de indução, temos =

e = para todo = , , .

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

31

Agrupando em potências os números primos repetidos que figuram na escrita única,

apresentada no teorema fundamental da aritmética, temos

= 𝛼 𝛼

onde , 𝛼 , … , 𝛼 são inteiros e < < são primos. Essa representação de um inteiro > como um produto de potências de primos distintos é dita sua fatoração ou decomposição

canônica em fatores primos.

Proposição 3.4.4 Sejam e primos distintos e 𝛼 , 𝛼 inteiros quaisquer. Então

( 𝛼 , 𝛼 ) = .

Prova. Seja = ( 𝛼 , 𝛼 ). Se > , pelo teorema fundamental da aritmética, existe um

primo tal que | . Como | 𝛼 e | 𝛼 temos, pela proposição 3.1.1 𝑣 , que | 𝛼 e | 𝛼

e então, pela proposição 3.4.2 , temos = e = , de modo que = , o que é uma

contradição, pois por hipótese, temos ≠ . Logo, = e, portanto ( 𝛼 , 𝛼 ) = . ∎

Proposição 3.4.5 Seja = a decomposição canônica do inteiro > e um inteiro

positivo. Então

| = , com , para todo = , , .

Prova. Seja um inteiro positivo que divide . Se = , então = , com =

para todo = , , .

Se > , então, pelo teorema fundamental da aritmética, existe um número primo

tal que | . Como | , pela proposição 3.1.1 𝑣 , temos que | , ou seja, | . Daí,

pela proposição 3.4.2 , | 𝑖 para algum = , , . Logo, pela proposição 3.4.2 , temos = para algum = , , . Logo, os fatores primos de pertencem ao conjunto { , … , },

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

32

podendo ocorrer que ∤ para um ou mais valores de = , , . Portanto, = ,

com para todo = , , .

Agora, seja 𝑖 para algum = , , . Se = , temos que , pois

para todo = , , . Portanto, temos = , com , para todo = , ,

tal que = .

Agora, suponhamos > . Como 𝑖| e | , pela proposição 3.1.1 𝑣 , decorre

que 𝑖| . Mas, pela proposição 3.4.5, ( 𝑖 , ) = para todo ≠ . Logo, pela

proposição 3.3.2, segue que 𝑖| 𝑖. Daí, pela proposição 3.1.1 , temos que 𝑖 𝑖 e assim

. Portanto, = , com , para todo = , , .

Reciprocamente, seja = , com = − para todo = , , .

Como , temos que = − para todo = , , . Dessa forma, temos que ℤ e = , ou seja, | . ∎

4 COMBINATÓRIA APLICADA À TEORIA DO NÚMEROS

Neste capitulo abordaremos alguns conceitos, métodos e princípios combinatórios

que permitem a contagem de determinados subconjuntos de um conjunto finito, sem a explícita

necessidade de listá-los, ou que assegurem a existência de determinados subconjuntos, também,

sem a explícita necessidade de exibi-los, exemplificando suas aplicações na teoria dos números.

4.1 Princípio Bijetivo

Contar é uma das ações primitivas do ser humano, por exemplo, existem indícios

históricos que os pastores de ovelhas contavam os rebanhos utilizando pedrinhas, separando em

uma bolsa uma pedrinha para cada ovelha que era solta para pastar. No retorno dos animais, o

pastor retirava da bolsa uma pedra para cada ovelha que retornava. Dessa forma, se sobrassem

pedrinhas na bolsa, o pastor saberia que perdeu ovelhas, se faltassem pedrinhas, ele saberia que

outras ovelhas se juntaram ao rebanho.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

33

Em linguagem matemática moderna, a correspondência feita pelo pastor de ovelhas

ao separar uma pedrinha para cada ovelha é dita uma bijeção entre conjuntos, que é um tipo de

função. Conforme Muniz Neto [4], dados dois conjuntos não vazios e , informalmente, uma

função de em é uma regra que associa a cada um único . Escrevemos : ⟶ para denotar que é uma função de em . Nesse caso, o elemento associado a

por é denotado por = .

As seguintes definições e resultados são fundamentais para o desenvolvimento dos

princípios de enumeração combinatória.

Definição 4.1.1 [4] Uma função : ⟶ é dita:

(a) Injetora, ou injetiva ou, ainda, uma injeção, se, para todo , existir no máximo um

tal que = .

(b) Sobrejetora, ou sobrejetiva ou, ainda, uma sobrejeção, se, para todo , existir pelo

menos um , tal que = .

(c) Bijetora, ou bijetiva ou, ainda, uma bijeção, se for ao mesmo tempo injetora e sobrejetora.

Definição 4.1.2 [4] Dadas as funções : ⟶ e : ⟶ , a função composta de e

(nessa ordem) é a função ∘ : ⟶ definida, para cada , por ∘ = .

Proposição 4.1.1 [4] Sejam : ⟶ e : ⟶ funções dadas. Se e são bijetoras, então ∘ é bijetora.

Definição 4.1.3 [4] Seja : ⟶ uma bijeção. A função inversa de é a função − : ⟶

tal que, para , , temos − = = .

Proposição 4.1.2 Conforme Lima [5], uma função : ⟶ possui inversa se, e somente se,

é uma bijeção.

Definição 4.1.1 [5] Denotaremos por 𝐼 o conjunto { , … , } dos números naturais de até ,

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

34

mais precisamente, dado ℕ, temos 𝐼 = { ℕ | }.

Definição 4.1.2 [5] Um conjunto é finito quando é vazio ou quando existe, para algum ℕ, uma bijeção

: 𝐼 ⟶ .

No primeiro caso, diremos que possui zero elementos. No segundo caso, diremos que ℕ

é o número de elementos de , ou seja, que possui elementos.

Denotaremos por | | o número de elementos de um conjunto finito. Agora, temos

bagagem suficiente para enunciar e provar o princípio bijetivo, seguindo Muniz Neto [6].

Proposição 4.1.3 (Princípio Bijetivo) Se e são conjuntos finitos e não vazios, então

| | = | | se e só se existe uma bijeção : ⟶ .

Prova. Suponhamos que | | = | | = , então, pela definição 4.1.2, existem bijeções

: 𝐼 ⟶ e ℎ: 𝐼 ⟶ .

Logo, pelas proposições 4.1.2 e 4.1.1, a função = ℎ ∘ − : ⟶ é uma bijeção de em .

Reciprocamente, suponhamos que exista uma bijeção : ⟶ . Se | | = , existe

uma bijeção : 𝐼 ⟶ . Daí, ∘ : 𝐼 ⟶ também é bijeção, de modo que | | = e, portanto | | = | |. ∎

4.2 Princípio Aditivo

Uma consequência do princípio bijetivo é o princípio aditivo da contagem, que nos

diz como contar o número de elementos da união de dois conjuntos finitos e disjuntos, ou seja,

conjuntos cuja interseção é vazia.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

35

Proposição 4.2.1 (Princípio Aditivo) Se e são conjuntos finitos, disjuntos e não vazios,

Então

| | = | | + | |.

Prova. Sejam e conjuntos finitos e não vazios com | | = , | | = e bijeções

: 𝐼 ⟶ e ℎ: 𝐼 ⟶ .

Consideremos a função : 𝐼 + ⟶ , dada por = , se e + = ℎ , se . Como = ∅, é uma bijeção e, pelo princípio bijetivo,

segue que

| | = |𝐼 + | = + = | | + | |. ∎

4.2.1 Extensão do princípio aditivo

Podemos generalizar o princípio aditivo da contagem para conjuntos finitos e dois

a dois disjuntos, como na proposição a seguir.

Proposição 4.2.2 Sejam , … , conjuntos finitos tais que = ∅, para todo ≠ , então

|⋃= | = ∑| |= .

Prova. Façamos indução sobre , sendo o caso = válido pela proposição 4.2.1. Agora,

suponhamos, por hipótese de indução, que

|⋃= | = ∑| |= ,

para todo ℕ tal que − . Agora, como

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

36

⋃= = (⋃−= ) ,

que é uma união disjunta, pois = ∅ para todo ≠ , segue, pela proposição 4.2.1, que

|⋃= | = |⋃−= | + | |,

e por hipótese de indução, temos que

|⋃= | = (∑| |−= ) + | |,

e portanto

|⋃= | = ∑| |= . ∎

4.3 Princípio Fundamental da Contagem

Uma consequência do princípio aditivo é o princípio multiplicativo ou fundamental

da contagem (PFC), que nos diz como contar o número de elementos do produto cartesiano de

dois conjuntos finitos e não vazios.

Definição 4.3.1 Dados e conjuntos finitos e não vazios, seu produto cartesiano é o conjunto × , formado por todos os pares ordenados , tais que e , isto é,

× = { , | , }.

Proposição 4.3.1 (PFC) Se e são conjuntos finitos e não vazios, então

| × | = | | ⋅ | |.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

37

Prova. Seja = { , … , }, para algum ℕ, ou seja,

= ⋃ { }= . Logo

× = × (⋃ { }= ) = ⋃ × { }= ,

que é uma união disjunta, e assim, pela proposição 4.2.2, temos

| × | = |⋃ × { }= | = ∑| × { }|= .

No entanto | × { }| = | | para todo = , , , . Portanto,

| × | = ∑| × { }|= = ∑| |= = | | ⋅ = | | ⋅ | |. ∎

4.3.1 Extensão do princípio fundamental da contagem

Definição 4.3.2 Dados , , … , conjuntos finitos e não vazios, seu produto cartesiano é o

conjunto × × × , formado por todas as n-uplas , , … , , tais que , , … , . Isto é,

× × × = { , , … , | , , … , }.

Proposição 4.3.2 (Extensão do PFC) Se , … , são conjuntos finitos e não vazios, então

| × × | = ∏| |= .

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

38

Prova. Façamos indução sobre , sendo o caso = válido pela proposição 4.3.1. Agora,

suponhamos, por hipótese de indução, que

| × × | = ∏| |= ,

para todo ℕ tal que − e seja = { , … , }, ℕ. Segue que

= ⋃ { }= .

Logo

× × − × = × × − × (⋃ { }= ) = ⋃ × × − × { }=

que é uma união disjunta, e assim, pela proposição 4.2.2, temos

| × × − × | = |⋃ × × − × { }= | = ∑| × × − × { }|= .

No entanto | × × − × { }| = | × × − | para todo = , , , . Portanto,

| × × − × | = ∑| × … × − |= ,

e, por hipótese de indução, podemos concluir que

| × × − × | = ∑ ∏| |−== = ∏| |−

= ⋅ = ∏| |−= ⋅ | | = ∏| |= .

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

39

Proposição 4.3.1 Se = é a decomposição canônica de um inteiro > e é

o seu número de divisores positivos, então

= ∏ += .

Prova. Pela proposição 3.4.5, os divisores positivos de = são da forma ,

com para todo = , … , . Então, para cada temos + possibilidades e pelo

PFC, temos que

= + + = ∏ += . ∎

Exemplo 4.3.1 Pela proposição 4.3.1, o número de divisores positivos de = , é

= + + + = ⋅ ⋅ = .

Exemplo 4.3.2 (ENEM 2014 - Adaptada) Durante a Segunda Guerra Mundial, para decifrarem

as mensagens secretas, foi utilizada a técnica de decomposição em fatores primos. Um número 𝑁 é dado pela expressão ⋅ ⋅ , na qual , e são números inteiros não negativos. Sabe-

se que 𝑁 é múltiplo de e não é múltiplo de .

O número de divisores positivos de 𝑁, diferentes de 𝑁, é

A) ⋅ ⋅

B) + ⋅ +

C) ⋅ ⋅ −

D) + ⋅ + ⋅

E) + ⋅ + ⋅ + −

Solução. Como 𝑁 não é múltiplo de , temos que = . Desse modo, pela proposição 4.3.1, o

número de divisores positivos de 𝑁, diferentes de 𝑁, é + ⋅ + − . Entretanto, como

= , segue que

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

40

+ ⋅ + ⋅ + − = + ⋅ + − .

Portanto, a alternativa correta é o item E.

Proposição 4.3.2 Seja um conjunto finito e não vazio com elementos. Então, há exatamente − − + escolhas ordenadas de elementos distintos de .

Prova. Temos modos de escolher qual elemento de será o º. Tendo escolhido o º, temos − modos de escolher qual elemento de será o º e sucessivamente, − + modos de

escolher qual elemento de será o º. Portanto, pelo princípio fundamental da contagem, temos − − + escolhas ordenadas de elementos distintos de . ∎

4.4 Números Binomiais

Os números binomiais têm um papel importante na combinatória, e também, como

veremos, na teoria dos números. Eles utilizam a noção de fatorial, que apresentamos a seguir.

Definição 4.4.1 Dado um inteiro não negativo , o fatorial de , é o número

! = { , = .∏ − , .−=

Assim,

! = ; ! = ∏ −= = − = ; ! = ∏ −= = − − = ⋅ = ;

! = ∏ −= = − − − = ⋅ ⋅ = .

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

41

Mais geralmente, temos que

+ ! = + ⋅ !, para todo inteiro .

Proposição 4.4.1 Seja um conjunto finito e não vazio com elementos. Então, há exatamente ! modos distintos de ordenar os elementos de .

Prova. Temos modos de escolher qual elemento de será o º. Tendo escolhido o º, temos − modos de escolher qual elemento de será o º e sucessivamente, modo de escolher

qual elemento de será o último. Portanto, pelo princípio fundamental da contagem, temos

− ⋅ = !

modos distintos de ordenar os elementos de . ∎

Proposição 4.4.2 Para todo inteiro , existem inteiros consecutivos e compostos. Isto é,

existem lacunas arbitrariamente grandes na sequência dos números primos, chamadas desertos

de números primos.

Prova. Dado um inteiro > , a sequência

+ ! + , + ! + , … , + ! + + .

De números inteiros positivos é formada por números consecutivos, todos compostos, pois

divide + ! + , para todo ℕ tal que + . ∎

Exemplo 4.4.1 Pela proposição 4.4.2, a sequência de inteiros positivos

+ ! + , + ! + , … , + ! + + ,

É formada por um milhão de números consecutivos, todos compostos.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

42

Definição 4.4.2 Dados inteiros e , com , definimos o número binomial por

= !! − ! ⋅

Proposição 4.4.3 (Relação de Stifel) Se e são naturais tais que < , então

= ( − ) + ( −− ).

Prova. Pela definição de número binomial, segue que

( − ) + ( −− ) = − !! − − ! + − !− ! − ! = − 𝒌 − !! − 𝒌 − − ! + 𝒌 − !𝒌 − ! − ! = − − !! − ! + − !! − ! = [ − + ] − !! − ! = − !! − ! = !! − ! = . ∎

Proposição 4.4.4 Para todos os inteiros e tais que , temos que ℕ.

Prova. Se = , segue que

= = !! − ! = !! ! = !! = ℕ.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

43

Se = < , segue que

= = !! − ! = !! ! = !! = ℕ.

Se < < , façamos indução completa sobre , sendo o caso = válido,

pois o único número binomial nessas condições é ( ) = ℕ.

Agora, suponhamos, por hipótese de indução, que − ℕ, para todo inteiro

tal que − . Logo, − e −− são naturais e pela relação de Stifel, segue que

= ( − ) + ( −− ) ℕ. ∎

Exemplo 4.4.2 Prove que, para todo ℕ, o número + é um múltiplo de .

Prova. Se = , então + = + ⋅ = + = , que é um múltiplo de .

Se = , então + = + ⋅ = + = , que é outro múltiplo de .

Se , pela proposição 4.4.4, temos que , , ℕ, isto é,

= !! − ! = − !− ! = ℕ; = !! − ! = − − !− ! = − ℕ;

= !! − ! = − − − !− ! = − − ℕ.

Desse modo,

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

44

[ + + ] = [ + − + − − ]

é um múltiplo de . Daí,

+ − + − − =

[ + − + − − ] =

[ + − + − ] =

[ + − + ] =

[ + − ] = [ + ] = + é um múltiplo de . ∎

Exemplo 4.4.3 Prove que o produto de naturais consecutivos é sempre divisível por !.

Prova. Seja 𝑃 = + + + o produto de números naturais consecutivos,

para todo inteiro não negativo . Então

𝑃 = 𝒌! ! [ + + + ]𝒌! !

𝑃 = ! + !! !

𝑃 = ! ( + ) ! |𝑃,

pois, pela proposição 4.4.4, temos que + ℕ. ∎

Proposição 4.4.5 Se é primo, então | para todo inteiro tal que − .

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

45

Prova. Decorre, da definição de número binomial, que

= !! − ! ! = ! − ! .

Daí, divide ! − ! , pois divide !. Logo, pela proposição 3.4.2 , temos que | ! ou | − ! ou | .

Suponhamos que | !, então, pela proposição 3.4.2 , temos que | para algum

inteiro tal que − , um absurdo pela proposição 3.1.1 . Portanto, ∤ !.

Analogamente, ∤ − !, já que − − . Portanto, | . ∎

4.5 Combinação Simples

Definição 4.5.1 Seja um conjunto finito com elementos. Uma combinação simples dos

elementos de , tomados a , com , é um subconjunto de com elementos.

Definição 4.5.2 Denotamos o número de combinações simples de elementos tomados a ,

com , por .

Proposição 4.5.1 Para quaisquer inteiros e , tais que , temos que = .

Prova. Seja um conjunto finito com elementos. Se = , então = , pois ∅ é o único

subconjunto de com 0 elementos. Por outro lado, = e, portanto = nesse caso.

Agora, suponhamos que < . Pela proposição 4.3.2, o número de escolhas

ordenadas de elementos distintos de é

− − + .

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

46

Por outro lado, ! é também o número de escolhas ordenadas de elementos distintos de ,

pois dado um subconjunto de com elementos, pela proposição 4.4.1, podemos ordená-lo de ! modos e como existem subconjuntos de com elementos, o total é ! . Portanto,

! = − − +

= − − +!

= − − + − 𝒌 !! − 𝒌 !

= !! − ! = . ∎

Observamos que, em outras palavras, a proposição 4.5.1 calcula o número de modos

de se escolher objetos distintos entre objetos distintos dados.

4.6 Binômio de Newton

Nessa seção, apresentaremos uma expressão para o desenvolvimento de + ,

para todo ℕ, conhecida como fórmula do binômio de Newton, que possui várias aplicações

importantes em teoria dos números.

Teorema 4.6.1 (Binômio de Newton) Para todo ℕ, temos que

+ = ∑ −= .

Prova. Façamos indução sobre , sendo o caso = válido, pois

∑ ( ) −= = ( ) + ( ) = + = + .

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

47

Agora, supondo o resultado válido para e observando que

+ + = + + = + + + ,

temos, por hipótese de indução, que

+ = ∑ −=

= ∑ − +=

= + + ∑ + −=

= + + ∑ + −=

E

+ = ∑ ( ) −=

= ∑ ( ) − +=

= ∑ ( ) − +−= + +

= ∑ − + −= + +

onde = − . Desse modo, temos que

+ + = + + ∑ + −= + ∑ − + −= + +

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

48

= + + ∑ [ + − ] + −= + + .

Assim, pela relação de Stifel, segue que

+ + = + + ∑ ( + ) + −= + +

= ∑ ( + ) + −+= .

Ou seja, o resultado vale também para + e, portanto, vale para todo ℕ. ∎

Exemplo 4.6.1 [3] Prove que, para todo ℕ, o número − é um múltiplo de 9.

Prova. Pelo teorema 4.6.1, temos que

− = + − = ∑ ( ) −= − = ∑ ( ) −−= = ∑ ( ) − −−

= .

Novamente um múltiplo de 9, pois

∑ ( ) − −−= ℕ

visto que − e desse modo ( ) ℕ. ∎

Proposição 4.6.1 Para todo ℕ, temos que

+ + + = .

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

49

− + + − = .

Prova.

Pelo teorema 4.6.1, temos que

= + = ∑ −= = ∑= = + + + .

Pelo teorema 4.6.1, temos que

= ( + − ) = ∑ − −= = ∑ −= = − + + − . ∎

Exemplo 4.6.2 Prove que, se = 𝛼 𝛼 é a decomposição canônica de um inteiro > ,

então pode ser escrito como produto de dois números relativamente primos de − modos.

Prova. Seja = , com , = e ℤ tal que . Se exatamente primos de { , , … , } figuram na decomposição canônica de , então todos os outros − figuram na

decomposição canônica de , pois , = . Assim, é suficiente contar de quantos modos

podemos escolher primos distintos entre primos distintos, para formarem o número , o que

pode ser feito, pela proposição 4.5.1, de modos. Portanto, para todo ℤ tal que ,

esse total de modos, pela proposição 4.6.1 , é

∑ ( )= = ( ) + ( ) + + ( ) = .

Porém, nessa contagem, para cada produto = também contamos = . Portanto, pode

ser escrito como produto de dois números relativamente primos de ⁄ = − modos. ∎

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

50

Exemplo 4.6.3 (Pequeno Teorema de Fermat) Se é um primo e um inteiro positivo, então | 𝑝 − .

Prova. Façamos indução sobre , sendo o caso = válido, pois 𝑝 − = e | .

Agora, supondo o resultado válido para , iremos prová-lo para + . Pela fórmula

do Binômio de Newton, temos

+ 𝑝 − + = 𝑝 − + 𝑝− + + − .

Como, por hipótese de indução, | 𝑝 − e, pela proposição 4.4.5, divide , , − ,

temos, pela proposição 3.1.2, que divide 𝑝 − + 𝑝− + + − . Portanto,

divide + 𝑝 − + , o que conclui nossa prova por indução finita. ∎

4.7 Princípio da inclusão-exclusão

O princípio da inclusão-exclusão é uma extensão do princípio aditivo da contagem,

pois determina o número de elementos da união finita de conjuntos finitos, não necessariamente

disjuntos dois a dois.

A proposição a seguir diz como calcular o número de elementos da diferença de um

conjunto finito e um subconjunto.

Proposição 4.7.1 [6] Se é um conjunto finito e ⊂ , então | \ | = | | − | |.

Prova. Como = \ é uma união disjunta, temos pelo princípio aditivo que

| | = | \ | = | | + | \ |

| \ | = | | − | |. ∎

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

51

A forma mais simples do princípio da inclusão-exclusão, que calcula o número de

elementos da união de dois conjuntos finitos, consta na seguinte proposição.

Proposição 4.7.2 [6] Se e são conjuntos finitos, então | | = | | + | | − | |.

Prova. Como e \ são conjuntos disjuntos e tais que = \ , temos

| | = | | + | \ |.

Por outro lado, temos também a união disjunta = \ , donde segue que

| | = | | + | \ |.

Substituindo essa relação na expressão para | |, obtemos

| | = | | + | | − | |. ∎

Para a união de três conjuntos finitos , e , temos, pela proposição 4.7.2, que

| | = | | = | | + | | − | |.

Como = , pela proposição 4.7.2, temos que

| | = | | + | | − | |

= | | + | | − | | + | | − | | .

Como = , pela proposição 4.7.2, segue que

| | = | | + | | − | | + | | − | | + | | − | |

= | | + | | + | | − | | − | | − | | + | |.

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

52

Então, motivados pela proposição 4.7.2 e pela relação obtida acima, o Princípio da

inclusão-exclusão para a união de conjuntos finitos é o resultado do próximo teorema.

Teorema 4.7.1 (Princípio da inclusão-exclusão) Se , , ..., são conjuntos finitos, então

| | = ∑ | |≤ ≤ − ∑ | |≤ < ≤ + ∑ | |≤ < < ≤ − + − − | |. .

Prova. Seja tal que pertença a exatamente dos conjuntos , , … , . Mostremos que é contado exatamente uma vez pelo segundo membro de . . Pela

Proposição 4.5.1, é contado exatamente:

vezes em ∑ | |≤ ≤ ; vezes em ∑ | |≤ < ≤ ; vezes em ∑ | |≤ < < ≤ ;

( ) vezes em ∑ | 𝑝|≤ < < < 𝑝≤ ;

E claramente, nenhuma vez em

∑ | |≤ < < ≤ ,

para todo inteiro tal que < , pois a interseção de mais de conjuntos não contem .

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

53

Logo, o número de vezes que é contado pelo segundo membro de . é igual a

− + + + − 𝑝− .

Mas, pela proposição 4.6.1 ,

− + − + + − 𝑝 =

− [ − + + + − 𝑝− ] =

− + + + − 𝑝− =

− + + + − 𝑝− = . ∎

Definição 4.7.1 Dado um inteiro positivo , denotamos por 𝜙 o número de inteiros positivos

menores ou iguais a que são relativamente primos com .

Teorema 4.7.2 Se = 𝛼 𝛼 é a decomposição canônica de um inteiro > , então

𝜙 = ∏ ( − )= .

Prova. Seja 𝐼 o conjunto dos inteiros positivos menores ou iguais a e o conjunto dos

elementos de 𝐼 que são múltiplos de , para todo inteiro tal que . Como

𝐼 \ = { | , = }

e 𝜙 = |{ | , = }|, temos, que

𝜙 = |𝐼 \ |.

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

54

Logo, pela proposição 4.7.1, segue que

𝜙 = |𝐼 | − | |

𝜙 = − | |. .

Agora, observando que

= { , , … , } | | = ; = { , , … , } | | = ≠ ;

| | = ⋅

Temos, pelo teorema 4.7.1, que . equivale a

𝜙 = − ( + + + ) + ( + + − ) −

+ −

= ( − ) ( − ) ( − )

= ∏ ( − )= . ∎

Exemplo 4.7.1 Pelo teorema 4.8.2, 𝜙 para = = , é

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

55

𝜙 = ( − ) ( − ) ( − )

= ( ) ( ) ( ) = .

Ou seja, existem inteiros , tais que e , = .

4.8 Princípio da Casa dos Pombos

O Princípio da Casa dos Pombos (PCP) tem um enunciado simples e bem intuitivo,

mas permite resolver vários problemas, especialmente os que tratam de provar a existência de

certos elementos ou subconjuntos.

Teorema 4.8.1 (Princípio da Casa dos Pombos) Se + pombos são colocados em gaiolas,

então pelo menos uma gaiola conterá mais de um pombo.

Prova. Se cada uma das gaiolas contiver, no máximo, 1 pombo, o número total de pombos nelas

colocados será, no máximo , o que é uma contradição, pois foram colocados + pombos. ∎

Exemplo 4.8.1 Mostre que todo inteiro positivo tem um múltiplo que se escreve apenas com

os algarismos e .

Solução. Considere a sequência , , , , . . . , . . . , formada por + números, onde

o último número tem + algarismos . Dividindo-os por , pela proposição 3.2.1, os restos

dessas divisões só podem ser iguais a , , , … , − .

Agora, pensando nos números como pombos e nos restos como gaiolas, temos, pelo

PCP, que pelo menos dois números dessa sequência têm restos iguais na divisão por , digamos . . . ( algarismos) e . . . ( algarismos), com < . Assim sendo, pela proposição 3.2.2,

a diferença desses números é um múltiplo de , escrito como . . . . . . , com algarismos

e − algarismos .

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

56

Exemplo 4.8.2 Mostre que todo inteiro positivo , primo com , possui um múltiplo que se

escreve apenas com algarismos .

Solução. Pelo exemplo 4.8.1, possui um múltiplo da forma . . . . . . , com algarismos

e − algarismos , ou seja, divide . . . × 𝑝. Como é relativamente primo com ,

temos que , 𝑝 = , o que implica, pela proposição 3.3.2, que divide . . . , ou seja, . . . , com − algarismos , é um múltiplo de .

Exemplo 4.8.3 Mostre que todo subconjunto de { , , … , }, com + elementos, possui um

par de elementos consecutivos e consequentemente primos entre si.

Solução. Como { , , … , } = { , } { , } { − , }, que é uma união disjunta

de subconjuntos (gaiolas), temos, pelo PCP, que ao tomarmos + elementos (pombos) de

{ , , … , }, acabamos por escolher os dois elementos de pelo menos um desses subconjuntos,

os quais são consecutivos e, pela proposição 3.3.1, primos entre si.

Exemplo 4.8.4 Mostre que todo subconjunto de { , , … , }, com + elementos, possui um

par de elementos tais que um deles divide o outro.

Solução. Primeiro, observamos que todo inteiro pode ser escrito na forma = , sendo

um número ímpar e um inteiro não negativo, com > , caso seja um número par e = ,

caso seja um número ímpar. Desse modo, se { , , … , }, então = onde só pode

um dos inteiros ímpares , , , … , − . Daí, ao tomar-se + elementos de { , , … , },

temos, pelo PCP, que pelo menos dois deles terão o mesmo . Sejam = e = tais

números, onde < . Segue então, que = − , ou seja, | .

Exemplo 4.8.5 Prove que em qualquer conjunto de inteiros existe um par de inteiros cuja

soma ou cuja diferença é divisível por .

Solução. Dividindo os inteiros por , temos, pela proposição 3.2.1, que os possíveis restos

são , , , … , , , , … , , . Organizando esses restos em gaiolas como abaixo

{ }, { , }, { , }, . . . , { , }, { },

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

57

Temos, pelo PCP, que há dois inteiros dentre os , que têm restos numa mesma gaiola. Se essa

gaiola for { } ou { }, então a soma e a diferença desses números será divisível por . Se a

gaiola for qualquer uma das outras, então a diferença será divisível por , se os restos forem

iguais e a soma será divisível por , se os restos forem diferentes.

Exemplo 4.8.6 Mostre que qualquer conjunto com inteiros possui subconjunto cuja soma dos

elementos é divisível por .

Solução. Seja = { , , … , } um conjunto de inteiros e considere as somas abaixo

𝑆 = 𝑆 = + 𝑆 = + +

𝑆 = + + + +

Se alguma dessas somas for divisível por , não há mais o que mostrar. Suponhamos

agora, que nenhuma dessas somas seja divisível por . Segue então, que nenhuma pode ter resto

nulo na divisão por , ou seja, os únicos restos possíveis são, , , … , − . Como existem

somas e apenas − restos possíveis, pelo PCP, pelo menos duas delas, digamos 𝑆 e 𝑆 , com < , possuem restos iguais na divisão por . Logo, pela proposição 3.2.2, temos que

𝑆 − 𝑆 = + + + + +

é divisível por e, portanto, { + , + , … , } é o subconjunto procurado.

Exemplo 4.8.7 Seja um inteiro positivo ímpar, mostre que existe um inteiro positivo tal que

∑=

é divisível por .

Solução. Considere as potências , , , … , . Dividindo-as por , temos, pela proposição

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

58

3.2.1, que os possíveis restos são , , , … , − . Como temos + potências (pombos) e

restos (gaiolas), temos, pelo PCP, que pelo menos duas potências, digamos e , com < ,

possuem restos iguais na divisão por . Logo, pela proposição 3.2.2, segue que | − ,

ou seja, | − − . Mas, como é ímpar, temos que , = , de modo que, pela

proposição 3.3.2, | − − . Por fim, observando que, para > , temos ≠ + , pois

do contrário, | − − = + − − = − = , o que é uma contradição; e também,

pelo exemplo 2.1.1, tem-se

− − = ∑− −= .

Portanto, = − − é o inteiro positivo procurado.

Teorema 4.8.2 (Generalização do PCP) Se + pombos são colocados em gaiolas, então

pelo menos uma gaiola deverá conter pelo menos + pombos.

Prova. Se cada gaiola contiver no máximo pombos, como são gaiolas, no máximo terão

sido distribuídos, o que é uma contradição. ∎

Exemplo 4.8.8 Selecionam-se oito números distintos no conjunto { , , … , }. Mostre que há

pelo menos três pares de números selecionados com a mesma diferença entre o maior e o menor

número do par.

Solução. Como os números são escolhidos no conjunto { , , … , }, os valores possíveis para

a diferença de dois números são , , … , (ou seja, há valores possíveis). Por outro lado,

os oito números formam = pares. Destes, no máximo resulta em uma diferença igual

a (quando formado por e ). Em consequência, há pelo menos pares cujas diferenças

pertencem ao conjunto { , , … , }. Como = ⋅ + , pelo teorema 4.8.2, há pelo menos

uma gaiola (diferença) contendo pelo menos + = pombos (pares). Assim, há pelo menos

três pares de números em que a diferença entre o maior e o menor número do par é a mesma.

Exemplo 4.8.9 Do conjunto = { , , … , , }, escolhemos ao acaso números. Mostre

que entre os números escolhidos existem dois cuja a diferença é .

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

59

Solução. Consideremos as gaiolas numeradas , , , … , , onde o número é colocado na

gaiola se, e só se, o resto da divisão de por é . Desse modo, temos as gaiolas:

Gaiola = { , , , , , , , , , , };

Gaiola = { , , , , , , , , , , , };

Gaiola = { , , , , , , , , , , };

Gaiola = { , , , , , , , , , , };

Gaiola = { , , , , , , , , , , };

Gaiola = { , , , , , , , , , , };

Gaiola = { , , , , , , , , , , };

Gaiola = { , , , , , , , , , , };

Gaiola = { , , , , , , , , , , }.

Como = ⋅ + , pelo teorema 4.8.2, há pelo menos uma gaiola contendo pelo menos += dos números escolhidos. Mas em cada gaiola há no máximo números. Então, pelo

exemplo 4.8.3, há dois números sucessivos em tal gaiola, isto é, dois números cuja diferença é

.

4.9 Os Teoremas de Fermat e Wilson

A Teoria dos Números possui vários resultados importantes sobre números primos,

dentre eles, o Pequeno Teorema de Fermat e o Teorema de Wilson. Nesse capítulo, provaremos

esses dois teoremas empregando técnicas combinatórias.

No exemplo 4.6.3, provamos o Pequeno Teorema de Fermat por Indução, utilizando

o Binômio de Newton. A seguir, apresentamos outra prova, seguindo Santos [7] e Andrews [8].

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

60

Teorema 4.9.1 Se é um primo e é um inteiro positivo, então | 𝑝 − .

Prova. Suponhamos que desejamos formar correntes com pérolas coloridas cada uma e que

possuímos, em mãos, pérolas suficientes que nos permitem o uso ilimitado de cada uma das

cores. Desse modo, pelo PFC, o número de correntes que podemos formar é 𝑝, pois cada pérola

pode ser escolhida de maneiras e são escolhas para cada corrente. A Figura 1 ilustra o caso

em que = e = .

Figura 1 – As vinte e sete correntes de três pérolas com três cores possíveis.

Fonte: Andrews.

Das 𝑝 possibilidades, exatamente correntes possuem pérolas de apenas uma cor.

Colocando estas à parte e, de maneira ilustrada na Figura 2, juntamos as duas extremidades de

cada uma das 𝑝 − correntes formando 𝑝 − pulseiras.

Figura 2 – A formação de uma pulseira a partir de uma corrente

Fonte: Andrews.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

61

Nós podemos alterar qualquer corrente de pérolas, removendo uma pérola da parte

de cima e colocando-a na parte de baixo. Tal alteração produz uma corrente diferente sem alterar

a pulseira resultante. Quando = e = , as correntes multicoloridas podem ser reunidas

em grupos de correntes que podem ser obtidas, uma das outras, por uma ou mais repetições

da alteração que descrevemos. Veja os oito primeiros grupos da Figura 1. Observamos que, para

cada um destes oito diferentes grupos corresponde uma pulseira distinta (veja Figura 3).

Figura 3 – As oito pulseiras de três pérolas com três cores possíveis (pulseiras de uma cor excluídas).

Fonte: Andrews.

Agora, seja o menor número de vezes que esta alteração pode ser repetida até que

a corrente original seja reproduzida. Assim, temos > , pois excluímos todas as correntes em

que todas as pérolas são de uma mesma cor. Observe que após alterações a pulseira original

será reproduzida novamente e, de forma semelhante, após , , etc. pelo algoritmo da divisão

(Proposição 3.1.2) existem ℎ e tais que = ℎ + , com < .

Como uma corrente é reproduzida após ℎ alterações e é também reproduzida após

alterações, serão necessárias alterações, após a ℎ ª alteração para se obter a reprodução da

coloração inicial. Como < e é o menor número inteiro positivo de alterações necessárias

para a obtenção de uma reprodução, então = . Daí, = ℎ , ou seja, | e, portanto, = ,

já que > e é um primo. Consequentemente, as 𝑝 − correntes podem ser agrupadas em

grupos de correntes cada, e é claro que cada grupo gera uma pulseira diferente.

Portanto, o número de pulseiras 𝑁 multiplicado por fornece o número de correntes

que não são formadas de uma única cor, que é 𝑝 − . Logo, 𝑁 = 𝑝 − , isto é, | 𝑝 − . ∎

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

62

A prova do teorema de Wilson, apresentada a seguir, segue [7] e [8].

Teorema 4.9.2 (Wilson) Se é primo, então | [ − ! + ].

Prova. Se = , O resultado é evidente. Suponhamos então, que agora seja um primo ímpar.

Consideramos pontos em um círculo distribuídos de tal forma que eles dividem o círculo em

arcos iguais. Quantos polígonos podemos formar unindo estes pontos (cruzamentos de arestas

são permitidos)? Estes polígonos são chamados -ágonos estrelados pelo fato de seus vértices

serem os vértices de um polígono regular convexo de lados. É de se esperar que o total de tais

polígonos, seja ! Isto porque temos escolhas para o primeiro vértice, − para o segundo

e assim sucessivamente. Observe, entretanto, que podemos descrever cada um destes -ágonos

de maneiras diferentes, isto é, iniciando em qualquer um dos vértices e escolhendo um ou

outro dos dois segmentos naquele vértice como inicial. Portanto, obtemos, na realidade, !⁄

diferentes -ágonos. A Figura 4 mostra os doze pentágonos estrelados.

Figura 4 – os doze pentágonos estrelados.

Fonte: Andrews.

Dos !⁄ -ágonos, exatamente − ⁄ ficam inalterados quando submetidos

a uma rotação de 𝜋⁄ radianos. Estes chamam-se -ágonos estrelados regulares uma vez que

são “estrelas” de pontos onde cada ponto é o vértice de um ângulo de + 𝜋⁄ radianos,

onde < − ⁄ .

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

63

No caso = , há duas de tais figuras, mostradas na terceira linha da Figura 4. No

caso = as seis figuras estão ilustradas na Figura 5.

Figura 5 – Os seis 13-ágonos estrelados regulares

Fonte: Andrews.

Os restantes !⁄ − − ⁄ -ágonos estrelados pertencem, naturalmente, a

conjunto de elementos onde os componentes de cada conjunto podem ser obtidos de um único

elemento por sucessivas rotações de 𝜋⁄ radianos. A observação de que existem elementos

em cada conjunto pode ser verificada como na demonstração do Pequeno Teorema de Fermat,

onde mostramos que cada pulseira provém de grupos de pérolas. Quando = , existem dois

de tais conjuntos que constituem a primeira e segunda linhas da Figura 4. Desta forma, o número

total de conjuntos, é

! − − = − ! − − ⋅

Portanto, | [ − ! − + ]. Consequentemente, | [ − ! + ], como desejado. ∎

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

64

5 CONCLUSÃO

Despertar o interesse dos alunos para a Matemática não é uma tarefa fácil e na busca

pela excelência no processo de ensino-aprendizagem se empregam várias estratégias. Com esse

intuito, nossa proposta apresenta uma tática diferenciada para trabalhar análise combinatória e

aritmética.

Acreditamos que o ensino de Matemática possa resultar em uma aprendizagem real

e significativa para os estudantes, e para que isso ocorra, é fundamental a precisão da linguagem

matemática, as demonstrações, as conexões e aplicações entre diferentes temas matemáticos e

por isso, foi priorizado nesse trabalho a construção precisa dos conceitos e também a prova dos

resultados apresentados sobre combinatória e aritmética.

A Análise Combinatória causa, comumente, um certo temor nos alunos, pela visão

de possuir apenas problemas mecânicos envolvendo fórmulas. No entanto, trata-se de uma parte

fascinante da Matemática que contém problemas de enunciado extremamente simples, mas que

exigem, às vezes, para sua solução, raciocínios perspicazes e engenhosos.

A Teoria dos Números, tida como a rainha das matemáticas, é outra parte fascinante

da Matemática que contém problemas muito interessantes, no entanto ainda é pouco trabalhada

em sala de aula apesar de sua importância no Enem e em olímpiadas matemáticas.

Portanto, as aplicações combinatórias à teoria dos números nos fornecem caminhos

alternativos para se abordar esses temas importantes em sala de aula e desse modo exercer um

fascínio nos estudantes, despertando-os para o prazer que é a Matemática.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS ... · PFC Princípio Fundamental da Contagem PCP Princípio da Casa dos Pombos OBM Olimpíada Brasileira de Matemática ENEM Exame

65

REFERÊNCIAS

[1] MUNIZ NETO, A. C. Tópicos de Matemática Elementar – Volume 1 – Números Reais – Coleção do Professor de Matemática 2. ed. Rio de Janeiro: SBM, 2014.

[2] LIMA, E. L. et al. A Matemática do Ensino Médio – Volume 1 – Coleção do Professor

de Matemática 5. ed. Rio de Janeiro: SBM, 2001.

[3] MUNIZ NETO, A. C. Tópicos de Matemática Elementar – Volume 5 – Teoria dos Números – Coleção do Professor de Matemática 2. ed. Rio de Janeiro: SBM, 2013.

[4] MUNIZ NETO, A. C. Tópicos de Matemática Elementar – Volume 3 – Introdução à Análise – Coleção do Professor de Matemática 2. ed. Rio de Janeiro: SBM, 2013.

[5] LIMA, E. L. Curso de Análise – Volume 1 – Projeto Euclides 12. ed. Rio de Janeiro:

IMPA, 2007.

[6] MUNIZ NETO, A. C. Tópicos de Matemática Elementar – Volume 4 – Combinatória

– Coleção do Professor de Matemática 1. ed. Rio de Janeiro: SBM, 2012.

[7] SANTOS, J. P. O. Introdução à Teoria dos Números – Coleção Matemática

Universitária 3 ed. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: IMPA, 2005.

[8] ANDREWS, G. E. Number Theory 1 ed. New York: DOVER, 1994.