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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA AMAZÔNIA
JOSÉ ALBERTO LIMA DE CARVALHO
TERRAS CAÍDAS E CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS: COSTA DO MIRACAUERA – PARANÁ DA TRINDADE, MUNICÍPIO DE
ITACOATIARA – AM, BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, vinculado ao Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Hailton Luiz Siqueira da Igreja
MANAUS 2006
1
JOSÉ ALBERTO LIMA DE CARVALHO
TERRAS CAÍDAS E CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS: COSTA DO MIRACAUERA – PARANÁ DA TRINDADE, MUNICÍPIO DE
ITACOATIARA – AM, BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, vinculado ao Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do título de Mestre.
Aprovado em 17 de julho de 2006
BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Hailton Luiz Siqueira da Igreja, Presidente. Universidade Federal do Amazonas Prof.ª Drª Sandra Baptista da Cunha, Membro Universidade Federal Fluminense, UFF Profª Drª Amélia Regina Batista Nogueira, Membro Universidade Federal do Amazonas
2
Ficha Catalográfica elaborada pelo Departamento de Biblioteconomia
C331t Carvalho, José Alberto Lima de.
Terras caídas e conseqüências sociais: Costa do Miracauera – Paraná da Trindade, Município de Itacoatiara – Am, Brasil/ José Alberto Lima dCarvalho. – 2006.
e
141p.; il.;27cm.
Dissertação (Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia) –Universidade Federal do Amazonas - UFAM.
Orientador: Prof. Hailton Luiz Siqueira da Igreja, Dr.
1. Amazônia 2. Rios 3. Várzea 4.Terras caídas 5. Ribeirinhos I.Título.
CDU 911.2 :556(811)
3
A minha esposa Ioná Mara Andrade de Souza que comigo compartilhou as angústias do tempo, aos meus queridos filhos, Aline, Nalberto e Nalbert em parte cúmplice desse trabalho. A minha mãe, Dona Luzia, irmãos e amigos pelo incentivo. Ao primo/amigo Paulo Sérgio que em vida entusiasticamente tanto me ajudou no trabalho de campo. Ao meu querido Pai José Carvalho por nos ter legado os princípios de vida.
4
AGRADECIMENTOS
Ao Pai celeste por ter me iluminado no momento mais difícil deste trabalho;
Aos meus familiares pela confiança e apoio;
Ao meu orientador, Prof. Dr. Hailton da Igreja, pela orientação, acompanhamento em
campo, pelo entusiasmo e paciência;
Aos colegas do Departamento de Geografia que sempre acreditaram no meu trabalho,
em especial o sempre amigo Prof. Masulo que comigo esteve em campo no início da pesquisa,
Deize Carneiro e Marcela Vieira pelas contribuições na confecção dos gráficos, fotos e
configuração do trabalho.
Aos meus amigos e incansáveis companheiros de campo Paulo Sérgio, Adãozinho,
Miguel Cordovil, e os manos Aldível, Carlos, Zé Carlos, Val e Mazonina; Ao meu muito
amigo de todas as horas Jorge Pinto que por lá esteve me ajudando;
Meus agradecimentos a todos os moradores e familiares da área, que com a
simplicidade que lhes é peculiar, sempre me receberam com carinho. Da comunidade Nª Sª
Aparecida; Sr. Anastácio Filgueira, Carlos Figueira, Lucy Lima, Marlúcia Lima, Ana Lúcia
Lima, Amadeu Lima, Geraldo (in memória). Os moradores da “boca” do Miracauera Srs.
Pedro e Francisco de Souza Santos; os moradores da Comunidade Nª Sª do Perpétuo do
Socorro (Boca do Padre) Srs. Pedro Libório, Marcos Libório, Terly Libório, Cleudo Moreira,
Raimundo Leite, Maria Leite, José Maia, Raimundo Teixeira (Mineiro), Cleuto Teixeira
(Pelé), João Teixeira, Maria Deuzuíta Teixeira, Manoel Rosa, Siqueirinha e Meire , Ricardo
(Bombom), José Raimundo, Edmilson Sena, Maria Justina, Raimundo Caldeira (Mundaia),
Raimundo Gregório (Mundego), Antônio Vieira (Pilatos), Antônio Caldeira, Everaldo
Cordovil e Rosenildo Pinheiro (Dudu). A todos sou eternamente grato. Sou muito grato
também ao meu ex-aluno, posterior colega de mestrado e de Departamento Prof. MSc.
Marcos Castro de Lima pelo inestimável apoio técnico.
5
RESUMO
O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo compreender e explicar melhor o fenômeno das terras caídas nas margens do rio Amazonas e de como essa erosão lateral acelerada afeta a vida dos moradores ribeirinhos. Terras caídas é uma terminologia regional amazônica usada principalmente para designar indiferenciadamente todo processo de erosão fluvial lateral como escorregamento, deslizamento, desmoronamento e desabamento. É um fenômeno essencialmente natural que acontece com maior intensidade no curso médio e inferior dos rios de água branca, nos trechos em que os mesmos são margeados pela planície Holocênica, cuja composição é predominantemente de areia pouco coesa. As terras caídas resultam de processos complexo, interdependente envolvendo a pressão hidráulica da água canalizada, pressão hidrostática na planície de inundação, composição do material das margens, fatores climáticos como vento e chuva, neotectônicos e mais recentemente fatores antropogênicos como desmatamento das margens e ação de barcos e navios. Pela intensidade com que ocorre provoca sérios transtornos sócio-econômicos aos moradores ribeirinhos como diminuição de propriedade, mudança de residência, perda de plantações, risco de morte de pessoas por desabamento, dificuldade de embarque e desembarque, dificuldade e risco para os afazeres domésticos como lavar roupa, reconstrução contínua das escadas no barranco, risco à navegação etc.A metodologia consistiu em levantamento bibliográfico geral e regional, entrevista com moradores, uso de material cartográfico e imagens de satélite, GPS e ecobatímetro. A evolução das terras caídas no trecho escolhido do Paraná da Trindade foi feita através de medições de pontos de referência como casas e árvores. A nossa conclusão é de que a erosão lateral acelerada é um processo muito complexo envolvendo vários fatores que, isolados ou conjugados, provocam o fenômeno das terras caídas. Conclui-se com isso que a literatura básica sobre erosão fluvial não permite compreender esse complexo processo de erosão lateral que acontece nas margens do rio Amazonas.
Palavras chave: Amazônia, Rios, Várzea, Terras caídas, Ribeirinho
6
ABSTRACT The present research work has as objective to comprehend and to explain the phenomenon of the fallen lands better in the margin of the Amazon River and that accelerated lateral erosion affects the riparian residents' life. Fallen lands are an Amazonian regional terminology used mainly to designate the only every process of lateral fluvial erosion as slipping, sliding, crumbling and collapsing. It is a phenomenon essentially natural that it happens with larger intensity in the medium and inferior course of white water of the rivers, in the passages that the same ones are bordered by the holocenic plain, whose composition is predominantly of sand a little united. The fallen lands result of complex processes, interdependent involving the hydraulic pressure of the channeled water, hydrostatic pressure in the flood plain, composition of the material of the margin, climatic factors as wind and rain, neotectonics and more recently anthropogenics factors as deforestation of the margin and action of boats and ships. For the intensity with that it happens provokes serious socioeconomic upset to the riparian residents as property decrease, residence change, loss of plantations, death risk of people's by collapsing, embarkation difficulty and disembarkation, difficulty and risk for the household chores as to wash clothes, continuous reconstruction of the stairways in the ravine, risk to the navigation etc. The methodology consisted of general and regional bibliographical rising, interview with residents, use of cartographic material and satellite images, GPS and ecobatímetro. The evolution of the fallen lands in the chosen passage of Paraná da Trindade was realized through measurements of reference point as houses and trees. Our conclusion is that the accelerated lateral erosion is a very complex process involving several factors that, isolated or conjugated, they provoke the phenomenon of the fallen lands. It is concluded with this that the basic literature about fluvial erosion doesn't allow comprehending this complex process of lateral erosion that it happens in the margins of the Amazon River. Key-words: Amazonian, Rivers, Cultivated plain, Fallen lands, Riparian
7
LISTA DE FIGURAS
Nº
CONTEÚDO PÁGINA
Figura 1 Curva hipsométrica da bacia Amazônica 24 Figura 2 Mapa de distribuição de chuvas na Amazônia 48 Figura 3 Situação da Comunidade Nª Sª do Perpétuo Socorro 53 Figura 4 Corrosão na margem do Paraná da Trindade 65 Figura 5 Corrente ascendente no rio Amazonas 70 Figura 6 Corrente em forma de vórtice no rio Amazonas 72 Figura 7 Árvores tombadas na margem após forte chuva 75 Figura 8 Buraco causado por solapamento na margem 79 Figura 9 Erosão na margem do rio Negro causado pelo banzeiro 80 Figura 10 Navio se deslocando próximo da margem 85 Figura 11 Rachadura na margem da Costa do Rebojão 87 Figura 12 Erosão do tipo desmoronamento na Costa do Miracauera 89 Figura 13 Erosão do tipo desabamento na Costa do Miracauera 90 Figura 14 Mapa de localização da área estudada 92 Figura 15 Mapa fundiário da Costa do Miracauera 104 Figura 16 Imagem de localização dos perfis batimétricos 108 Figura 17 Perfil 01 - composição granulométrica 115 Figura 18 Perfil 02 – composição granulométrica 117 Figura 19 Mapa estrutural neotectônico da área estudada 120 Figura 20 Cotas do rio Amazonas – período 1995-2005 122 Figura 21 Perfil esquemático de percolação da água na várzea 123 Figura 22 Mapa de sobreposição de imagens LANDSAT 125 Figura 23 Casa de morador sendo desmanchada 130 Figura 24 Terra caída soterrando a ponte do morador 131 Figura 25 Tronco na margem ameaçando embarcações 133
8
LISTA DE GRÁFICOS
Nº
CONTEÚDO PÁGINA
Gráfico 01 Velocidade anual dos rios Madeira e Amazonas 39 Gráfico 02 Regime do rio Amazonas no porto de Manaus 52 Gráfico 03 Perfil batimétrico nº 01 109 Gráfico 04 Perfil batimétrico nº 02 110 Gráfico 05 Perfil batimétrico nº 03 112 Gráfico 06 Perfil batimétrico nº 04 113
9
LISTA DE QUADROS
Nº
CONTEÚDO PÁGINA
Quadro 01 Dados de qualidade da água de rios Amazônicos 29 Quadro 02 Velocidade da correnteza no Paraná da Trindade 39 Quadro 03 Tipos de furos na planície Amazônica 45 Quadro 04 Tipos de lagos na planície Amazônica 46 Quadro 05 Índice de cheia e vazante no porto de Manaus 50 Quadro 06 Índice de cotas das cheias e vazantes no porto de Manaus 51 Quadro 07 Pluviosidade em Itacoatiara 97 Quadro 08 Estrutura etária da população 102 Quadro 09 Dimensão das propriedades 105 Quadro 10 Fatores controladores das terras caídas 119 Quadro 11 Locais de maior erosão na Costa do Miracauera 121 Quadro 12 Dados das medições das terras caídas na área 126
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CPRM Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais UFAM Universidade Federal do Amazonas INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INMET Instituto Nacional de Meteorologia - Ministério da Agricultura INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia SEPROR Secretaria de Produção Rural do Estado do Amazonas EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica IRD Institute Rechecher Desenvolviment INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ZFM Zona Franca de Manaus ZCIT Zona de Convergência Inter Tropicais HIBAm Hidrologia e Geoquímica da Bacia Amazônica UnB Universidade Nacional de Brasília CNPq Conselho Nacional de Pesquisa Científica
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................... 13
CAPITULO 1: CARACTERÍZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA
DO RIO AMAZONAS ................................................................................
18
1 Bacia de drenagem e bacia hidrográfica ..................................................... 18
2 A bacia hidrográfica do rio Amazonas........................................................ 20
3 Os tipos de rios da bacia amazônica ........................................................... 26
4 O rio Amazonas .......................................................................................... 34
5 A formação da atual planície de inundação do rio Amazonas ................... 40
6 O regime climático da Amazônia ............................................................... 47
7 O regime hidrológico do rio Amazonas .................................................... 49
CAPÍTULO 2: O ESTADO ATUAL DE CONHECIMENTO SOBRE
AS TERRAS CAIDAS NA AMAZÔNIA ..................................................
55
1 Definição de terras caídas ........................................................................... 55
2 Revisão bibliográfica sobre as terras caídas na Amazônia ......................... 56
3 A visão dos naturalistas e viajantes sobre o fenômeno das terras caídas ... 60
4 Questão conceitual sobre erosão fluvial ..................................................... 64
5 Os fatores causadores das terras caídas ..................................................... 66
5.1 A hidrodinâmica ...................................................................................... 67
5.2 Pressão hidrostática ................................................................................. 72
5.3 A neotectônica ......................................................................................... 75
5.4 Fatores climáticos .................................................................................... 77
5.5 A composição do material das margens .................................................. 80
5.6 Fatores antropogênicos ............................................................................ 81
6 O processo das terras caídas ....................................................................... 86
6.1 Escorregamento ....................................................................................... 86
6.2 Desmoronamento ..................................................................................... 88
6.3 Desabamento ........................................................................................... 89
12
CAPÍTULO 3: LOCALIZAÇÃO, ASPECTOS FISIOGRÁFICOS E
SÓCIO-ECONÔMIOCOS DA COSTA DO MIRACAUERA ................
91
1 Localização geográfica .............................................................................. 91
2 Aspectos fisiográficos ................................................................................ 93
2.1 Aspectos geológico e geomorfológico .................................................... 93
2.2 Clima e vegetação .................................................................................. 96
3 Aspectos socioeconômicos ........................................................................ 99
3.1 Processo histórico de ocupação da várzea ............................................... 99
3.2 População e principais atividades econômicas ........................................ 102
3.3 Situação fundiária na Costa do Miracauera............................................. 104
CAPÍTULO 4 : CARACTERIZAÇÃO DAS TERRAS CAÍDAS E O
IMPACTO SÓCIO-AMBIENTAL PARA OS MORADORES DA
COSTA DO MIRACAUERA .....................................................................
107
1 Geometria do Paraná da Trindade .............................................................. 107
2 A composição do material da Costa do Miacauera..................................... 114
3 Análise e interpretação das terras caídas na Costa do Miracauera ............. 118
4 A evolução das terras caídas na Costa do Miracauera ............................... 124
4.1 Sobreposição de imagens ........................................................................ 124
4.2 Medições diretas das terras caídas ........................................................... 125
5 Principais conseqüências sociais causadas pelas terras caídas aos
moradores ribeirinhos ....................................................................................
127
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 134
6. REFERÊNCIAS ...................................................................................... 136
13
INTRODUÇÃO
O mapa de hoje, flagrantemente verdadeiro, é compulsado amanhã inçado de erros. Foi o rio que se alterou. No seu esforço tumultuário e contínuo, fazendo e desfazendo, retificando e encurvando, abarreirando e aprofundando, estreitando e alargando, ao tempo em que arrasta, no seio ciclópico, planícies e cordilheiras, ele se desfigura, transmuta a fisionomia. Raymundo Moraes – Na planície Amazônica
A bacia de drenagem do rio Amazonas ocupa uma área estimada em 6,5 milhões de
quilômetros quadrados ao longo da faixa equatorial, tendo como tronco formador o rio
Amazonas com 7100 km de extensão, abrangendo vários países da América do Sul. É o mais
abrangente e possivelmente o mais complexo e dinâmico sistema flúvio-lacustre do planeta.
É uma rede de drenagem caracterizada pelo padrão dendrítico e formada por três tipos
de rios: rios de água preta, rios de água clara e rios de água branca. Os rios de água preta
nascem no embasamento cristalino das guianas e deságuam no curso médio e inferior da
margem esquerda do rio Amazonas, a partir do rio Negro até a sua foz, tendo como exceção o
rio Branco que é de água turva e esbranquiçada. Os rios de água clara nascem no
embasamento cristalino brasileiro e deságuam da mesma forma no curso médio e inferior do
rio Amazonas. Já os rios de água branca nascem na cordilheira andina e pré-andina de onde
transportam grande quantidade de sedimentos daquela região montanhosa e que são
depositados em grande parte nos cursos médios e inferior desses rios e nas áreas de
transbordamento dos mesmos, formando a atual planície de inundação.
Estudos mais recentes sobre o atual sistema fluvial amazônico associam os padrões de
drenagem aos fatores estrutural, tectônico e as profundas mudanças climáticas ocorridas no
Pleistoceno. Esses fatores, portanto, desempenharam papel determinante na geomorfogênese
dos vales atuais.
14
Como resultado dessa pluralidade de interações, entre outras, tem-se a erosão lateral
acelerada, famosa e temida na região pela sua intensidade, capacidade de transformação da
paisagem e pelos transtornos que causa aos moradores ribeirinhos e risco à navegação. A essa
erosão fluvial lateral dá-se o nome regional de “terras caídas”.
Terras caídas é uma terminologia regional amazônica utilizada para designar,
indistintamente, escorregamento, deslizamento, desmoronamento e desabamento que acontece
nas margens dos rios. Embora as terras caídas aconteçam em outros tipos de rios, o termo é
mais utilizado para designar a erosão que acontece com mais frequência e intensidade nas
margens dos rios de água branca, nos trechos em que os mesmos são margeados pela atual
planície de inundação.
Essa planície fluvial é composta basicamente por sedimentos arenosos, areno-siltosos
e areno-argilosos de baixa coesão, oferecendo assim, pouca resistência a ação dos agentes
causadores das terras caídas, como a pressão hidrodinâmica, pressão hidrostática, fatores
estruturais e neotectônicos, fatores climáticos, litológico, e antropogênico.
Apesar dos transtornos e prejuízos causados pelos transbordamentos dos rios e pelas
terras caídas, é nessa unidade geomorfológica que historicamente sempre se concentrou a
maior densidade demográfica da região. A explicação mais plausível está no fato da mesma
oferecer melhores condições de subsistência, quer pela maior oferta de pescado em seu
complexo sistema lacustre, quer pela excelente produtividade de seus “solos” que são
enriquecidos anualmente durante os transbordamentos do rio.
O objetivo dessa pesquisa foi compreender e explicar os fatores que atuam no
processo da erosão lateral acelerada e de como esse fenômeno natural afeta a vida da
população ribeirinha que ocupam as margens desses rios, levando em consideração a relação e
a forma com que os mesmos convivem com as terras caídas.
15
A busca de uma melhor compreensão e sistematização desse fenômeno poderá
contribuir para futuros planejamentos em busca de alternativas para a melhoria das condições
de vida desses moradores ribeirinhos. Ou pelo menos para evitar equívoco como o que
aconteceu na referida área pesquisada, quando uma empresa contratada pelo INCRA, em
1997, para demarcar as propriedades o fez colocando os marcos divisores das propriedades
com trinta metros da margem. Hoje, muito desses marcos já foram levados pelas terras caídas.
Consideramos ainda que esse estudo é uma contribuição importante para ampliar os
conhecimentos sobre a dinâmica do rio Amazonas e os efeitos dessa dinâmica para os
moradores ribeirinhos.
Justifica-se ainda estudar esse fenômeno pelo pouco conhecimento que se tem do
mesmo e pela raridade de produção científica sobre a problemática no rio Amazonas que se
julga relevante, mas que não tem despertado maiores interesses por parte de pesquisadores.
Além do mais, é um tema que possibilita refletir sobre a relação da sociedade com a natureza,
discussão que tem sido retomada com ênfase em dias atuais. Ao final da pesquisa, acredita-se
estar contribuindo para um melhor conhecimento teórico e conceitual sobre os fatores
causadores da erosão fluvial lateral no rio Amazonas.
No campo da ciência geográfica é um desafio para se trabalhar uma Geografia como
pensa Morin (2002, p. 27-29), “[...] a Geografia, ciência complexa por princípio, uma vez que
abrange a física terrestre, a biosfera e as implicações humanas. [...] reencontra suas
perspectivas multidimensionais, complexas e globalizantes”. A nossa proposta, portanto, é
trabalhar a Geografia na perspectiva de uma visão multidimensional, procurando melhor
compreender e explicar o fenômeno natural e suas implicações sociais para os moradores
ribeirinhos, diminuindo assim o espaço entre Geografia Física e Geografia Humana, ou se
quiser, entre sociedade e natureza.
16
Para tanto, o trabalho foi dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo trata da
caracterização mais geral da Bacia Hidrográfica do rio Amazonas, os tipos de rios que
formam a rede de drenagem e a formação da atual planície de inundação, pois é nessa unidade
geomorfológica que o processo de erosão é acelerado. No segundo capítulo é feita uma
revisão da literatura geral e regional. Inicialmente, se faz uma discussão dos conceitos de
erosão fluvial contidos na literatura básica, onde se procura mostrar que os fundamentos
gerais não são suficientes para compreender o complexo processo das terras caídas no rio
Amazonas. O terceiro capítulo trata da localização e características fisiográficas da área
estudada. No quarto capítulo, é feita a análise dos resultados obtidos no levantamento
bibliográfico, em laboratório e de campo. Nesse capítulo, busca-se principalmente analisar e
relacionar as principais implicações socioeconômicas para os moradores ribeirinhos,
mostrando que além das dificuldades socioeconômicas enfrentadas pelos ribeirinhos, os
mesmos ainda enfrentam esse problema natural que é pouco conhecido e por isso
desconsiderado pelo poder público e pela sociedade.
A metodologia da pesquisa consistiu em levantamento bibliográfico, trabalho de
campo e trabalho de gabinete/laboratório.
A bibliografia utilizada foi de caráter geral e regional, sendo essa última levantada
principalmente nos órgãos públicos federais e estaduais, nas instituições de pesquisas e na
Universidade. O INPA, SEPROR, UFAM, CPRM, INCRA, Museu Amazônico, Capitania dos
Portos, Administração do Porto de Manaus e Ministério da Agricultura (INMET) foram os
principais órgãos consultados.
Em gabinete/laboratório foram utilizados mosaicos e cartas planimétricas na escala de
1:250.000 e de 1:100.000 do Radambrasil, cuja cobertura aerofotogramétrica é do final da
década de 70 do século 20. Utilizou-se também imagens de satélite do ano de 1986 e de 2001,
17
visando através de sobreposição, mostrar as mudanças ocorridas dentro do canal na área
pesquisada.
O material para análise granulométrica foi coletado de um poço afastado 110 m da
margem que foi tradado a uma profundidade de até 17m e um segundo perfil foi coletado de
um barranco da margem. A análise física e química dessas amostras foi realizada no
laboratório da EMBRAPA/AM.
Em trabalho de campo utilizou-se GPS (Garmim 12), máquina fotográfica e bússola
geológica. Utilizou-se também cartas da área na escala de 1:100.000, mosaico do Radambrasil
na escala de 1:250.000 e carta geológica de 1:1.000.000 e imagem de satélite. Para as
medições batimétricas foi utilizado um ecobatímetro, modelo APELCO –260.
O monitoramento da evolução linear do processo erosivo na margem do rio foi feito de
forma direta através de medições de pontos de referência. Inicialmente, foram distribuídas 28
estacas ao longo de 9 Km da Costa do Miracauera, com distância de 30m da margem do rio e
de 250 a 350m distante uma das outras. Após o primeiro ano de medição, as estacas foram
substituídas por outros pontos de referências como árvores de grande porte ou por residências.
A substituição das estacas por referência mais fácil de ser encontrada no período seguinte
deveu-se a perdas de algumas estacas derrubadas durante as inundações e até mesmo retiradas
por moradores. O monitoramento foi iniciado em janeiro de 1995 e a última medição foi
realizada em setembro de 2005, totalizando 25 medições durante esse período.
O levantamento dos dados referentes à população, os problemas socioeconômicos
vividos pelos moradores e a concepção dos mesmos sobre as terras caídas foram realizados
através de questionário e entrevistas gravadas. Esclarecemos que para fins desta pesquisa
estamos considerando os 9 Km da margem esquerda do Paraná da Trindade como Costa do
Miracauera por estar o furo homônimo localizado na parte mais côncava do Paraná na metade
da área pesquisada. É, portanto, a toponímia de maior referência naquele trecho.
18
CAPÍTULO 1 – CARACTERIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO
AMAZONAS
Os canoeiros do Alto Amazonas vivem no constante temor das “terras caídas”. Eu teria considerado exagerados os relatos desses desmoronamentos se não tivesse tido oportunidade de presenciar um deles, de consideráveis proporções. Certa manhã fui acordado antes do nascer do sol por um barulho que semelhava o troar de artilharia. [...] os ruídos vinham de muito longe [...] pouco depois, outra forte explosão se fez ouvir. O índio Vicente acordou e me disse que se tratava de “terra caída”, mas achei difícil acreditar nele.
Henry Bates – naturalista inglês no Solimões
1 – Bacia de drenagem e bacia hidrográfica
Bacia de drenagem é entendida por Suguio e Bigarella (1990); Cunha (1994) como
sistema fluvial definido pela área abrangida por um rio principal e seus afluentes. Para os
autores, a delimitação e geometria da rede de drenagem resultam da inter-relação dos fatores
topográfico, índice pluviométrico, cobertura vegetal, tipo de solo, litologia e estrutura
geológica.
Rodrigues e Adami (2005, p. 147-148 ), conceituam bacia hidrográfica como um
“sistema que compreende um volume de materiais predominantemente sólidos e líquidos,
próximo à superfície terrestre, delimitado interna e externamente por todos os processos que,
a partir do fornecimento de água pela atmosfera, interferem no fluxo de matéria e de energia
de um rio ou de uma rede de canais fluviais”. Concebem a bacia hidrográfica como sendo um
sistema aberto, composto por outros subsistemas, sendo as vertentes, os canais fluviais e as
planícies de inundação, os principais subsistemas.
19
Portanto, bacia de drenagem ou bacia hidrográfica é conceituado como sistema aberto
fundamentado na concepção sistêmica.
A concepção sistêmica foi formulada inicialmente pelo biólogo austríaco Ludwig von
Bertalanffy, membro do “Círculo de Viena”, que sistematizou essa discussão paradigmática
na década de 1930 na “Teoria Geral dos Sistemas” que foi publicada somente em 1945, ao
final da Segunda Guerra (GAMA e HADLICH, 1995).
Bertalanffy (1993), definiu três tipos de sistemas: sistema aberto, sistema fechado e
sistema isolado. Sistema aberto foi definido pelo autor como todo sistema que recebe matéria
e energia (input), processa esses elementos no interior do sistema e em seguida troca esses
elementos com o ambiente adjacente (output). Sistema fechado é quando há troca de energia,
porém, não há troca de matéria com o exterior. Já o sistema isolado é quando não há troca
nem de energia e nem matéria com o meio.
Christofoletti (2002, p. 92), considera os “elementos componentes do sistema”, os
“inputs” e “outputs”, fatores importantes na dinâmica de um sistema de drenagem. Para o
autor os elementos componentes do sistema são: “A cobertura vegetal, a superfície
topográfica, os solos e os aqüíferos subterrâneos”. Enquanto que “a precipitação responde
pelos inputs e os demais processos como a evapotranspiração, fluxos induzidos e as
transferências interbacias respondem pelos outputs”.
Uma bacia de drenagem ou bacia hidrográfica se encaixa perfeitamente no conceito de
sistema aberto, dinâmico e complexo, pois está em contínua interação com o ambiente externo
trocando matéria, energia e informação. É um sistema complexo que comporta múltiplos
níveis de organização; é também um sistema dinâmico porque está em contínua mudança no
tempo.
20
Na bacia hidrográfica, que é por definição um sistema aberto, a água é o principal
agente da sua dinâmica. Por isso, o tempo de permanência da água na bacia hidrográfica é de
fundamental importância. Alterações significativas nas precipitações e nos elementos
componentes da bacia, principalmente a cobertura vegetal, podem retardar ou acelerar o
tempo de permanência da água no sistema, comprometendo o balanço hídrico da bacia
(SALATI,1983; SHUBART,1983).
2 – A bacia hidrografia do rio Amazonas
A região Amazônica, enquanto região natural, é mais caracterizada pelo domínio das
florestas, porém o sistema flúvio-lacustre, constitui-se num fator de grande relevância na
caracterização e organização do espaço geográfico amazônico. É através do sistema fluvial e
lacustre que se define de certa forma, os limites territoriais e as paisagens nesta região.
A evolução e definição da atual drenagem do rio Amazonas estão muito associadas à
Orogenia Andina e às mudanças climáticas, principalmente às flutuações ocorridas no
Pleistoceno1.
O levantamento da Cordilheira dos Andes, iniciada no final do Cretáceo, estendeu-se
por todo Terciário e início do Quaternário, tendo ao final do Mioceno o período mais
dinâmico dessa evolução (ROZO, 2004, p. 17). Na medida em que os Andes se soerguia,
aumentava o bloqueio da comunicação do Atlântico com o Pacífico e conseqüentemente
formou-se um grande lago no interior da bacia durante o Terciário. A elevação dos Andes
proporcionou maior capacidade de preenchimento da depressão com seus sedimentos e fez
desaparecer, no Neógeno, grande lago que se formou no Centro-Oeste da bacia, no que é hoje
a região de fronteira entre Brasil, Peru, Bolívia e Colômbia. Com isso o atual sistema
1 Os “quaternristas” convencionaram em 1997, em congresso internacional que o Pleistoceno é o período que teve início há 1,8 milhão de anos e término em 10.000 anos A.P., quando iniciou o Holoceno.
21
Solimões/Amazonas se definiu no final do Mioceno e Plioceno (Neógeno), dando a atual
configuração.
Mesmo já definida no final do Terciário, esse sistema de drenagem continuou a sofrer
alterações significativas no Pleistoceno devido às profundas mudanças climáticas que
caracterizaram essa época do Quaternário, ao qual Agassiz2 chamou de “era do gelo”, pois no
seu entendimento, esse período de glaciação resultou de um “inverno cósmico” em que teria
submetido toda a Terra durante o Pleistoceno.
Agassiz (1975), quando esteve no Rio de Janeiro no ano de 1865 e na Amazônia em
1866, ficou ainda mais convencido de que o “drift”3 encontrado no Rio de Janeiro e no vale
do rio Amazonas, seria a prova incontestável do efeito das glaciações. Para o teórico das
glaciações, a atual rede de drenagem do rio Amazonas teria resultado do derretimento do gelo
acumulado na depressão durante o “inverno cósmico”, tese essa negada posteriormente.
Mesmo sendo negadas as idéias de Louiz Agassiz de que a drenagem do rio Amazonas
teria resultado de glaciação, os avanços nos conhecimentos confirmaram que as flutuações
paleoclimáticas ocorridas no Pleistoceno provocaram sérias conseqüências paleoecológicas na
região Amazônica, principalmente para a flora e fauna, e também alterações significativas na
atual rede de drenagem (LATRUBESSE e FRANZINELLI, 1993; RANZI, 2000).
Latrubesse e Franzinelli (1993) consideram que as profundas mudanças climáticas
ocorridas nos últimos 120 mil anos provocaram alterações significativas, não só na flora e
fauna, mas também, alterações drásticas no sistema fluvial. Para os autores, a ocorrência de
depósitos de material grosseiro, com seixos de até 3 cm de diâmetro, em rios da margem
direita do rio Negro como Uaupés, Tiqué e Curicuriari e nos rios Purus e Juruá, cuja
hipsometria é inferior a 500m, são indicadores de forte sazonalidade de vazões e de
2 Louiz Agassiz ficou conhecido como o precursor da Teoria das Glaciações Pleistocênicas quando publicou, em 1840, um artigo sobre o “inverno cósmico”, onde o autor defendia a tese de que a Terra sofrera um longo período de glaciações, inclusive nas regiões equatoriais. 3 Termo inglês usado para designar todos os depósitos de origem glacial (GUERRA, 1993).
22
diminuição da cobertura vegetal, resultado das mudanças climáticas ocorridas no final do
Pleistoceno.
Durante as glaciações, os oceanos e mares sofreram diminuição no volume de água,
devido à retenção de grande quantidade de água na forma de gelo sobre os continentes e
mares glaciados, fazendo com que o nível dos mesmos ficassem a dezenas de metros abaixo
do nível atual. Com isso, por gravidade, os rios aumentaram sua capacidade de erodir e
encaixar seu leito. Foi o que aconteceu com o rio Amazonas, durante a última glaciação,
quando o mar descendo ao nível de 120 a 130 metros abaixo do atual (SUGUIO, 1999, p.
240-241), fez com que o rio Amazonas, no curso médio e inferior, encaixasse seu leito ao
nível médio de 100 metros. Situação essa, que o mesmo mantém em muitos trechos, entre os
quais na frente da cidade de Itacoatiara. Esse aprofundamento do rio Amazonas durante as
glaciações do Quaternário foi possível devido principalmente ao recuo do mar, causando
aumento da declividade e pela grande capacidade do mesmo em remover e transportar
material do seu leito.
Nos períodos interglaciais o processo é inverso. A elevação da temperatura da Terra
provoca derretimento do gelo retido sobre os continentes, lagos e mares glaciados, fazendo
aumentar o nível das águas dos oceanos e mares. Ao elevar seu nível de água, os oceanos e
mares afogam as bacias exorréicas que apresentam baixa declividade em seu curso inferior,
fazendo com que os rios depositem grande parte do material transportado em seu próprio vale
escavado, elevando seu nível de base e aumentando a área de transbordamento, formando
planícies. Por esse processo de encaixamento e elevação do seu nível de base, o rio Amazonas
formou os terraços Pleistocênicos e a atual planície de inundação, que ainda se encontra em
formação.
23
A bacia hidrográfica do rio Amazonas, com superfície estimada em 6,5 milhões de
km2, não é apenas a maior bacia hidrográfica da Terra, mas possivelmente um dos mais
complexos sistemas fluvial e lacustre, notadamente na sua calha principal.
Essa bacia de drenagem ultrapassa os limites da floresta ao Norte do Brasil, no Brasil
Central e na Cordilheira dos Andes. Estende-se desde a longitude de 79º W (rio Chamaya,
Peru) até a longitude de 48º W (rio Pará, Brasil), e de 5º de latitude N (rio Cotingo, Brasil) até
a latitude de 20º S (rio Parapeti, Bolívia), (FILIZOLA, et al., In: RIVAS & FREITAS, 2002,
p.33).
A localização geográfica e a geometria da bacia de drenagem do rio Amazonas são
importantes fatores que influenciam nas características ambientais da região, principalmente
na distribuição das chuvas, que acontece de forma irregular espacial e temporalmente,
contribuindo assim, para definir o atual regime hidrológico do rio Amazonas, pois a mesma
recebe contribuições pluviométricas constantes ao longo do ano e dos dois hemisférios.
A bacia de drenagem do rio Amazonas se estende por vários países, sendo que mais da
metade está no Brasil (63%), Peru (17%), Bolívia (11%), Colômbia (5,8%), Equador (2,2%),
Venezuela (0,7%) e Guiana (0,2%), (FILIZOLA, op. cit p. 33). A bacia é margeada a oeste
pela Cordilheira dos Andes e a leste pelo Oceano Atlântico; ao norte pelo escudo guianense e
ao sul é limitada pelos relevos elevados do escudo brasileiro.
Os rios que nascem na Cordilheira dos Andes apresentam perfis longitudinais abruptos
ao entrarem na depressão Amazônica. No conjunto, a bacia de drenagem possui
aproximadamente 8% dos seus rios com nascente em altitude entre 1.000 a 5.000m, sendo que
mais de 90% da bacia encontra-se em altitude inferior a 1.000m. Observando a Figura 1,
percebe-se que 80% dos rios que compõem a bacia de drenagem apresentam hipsometria
inferior a 500m. Essa assimetria abrupta em seu perfil longitudinal, associada ao desgelo dos
Andes e ao elevado índice pluviométrico no curso superior desses rios, são fatores
24
importantes que influenciam na dinâmica do sistema de drenagem, particularmente no
processo de deposição e erosão na zona de transferência (curso médio), em função da
declividade e do volume de água drenada.
Figura 1 – Curva hipsométrica da Bacia Amazônica. FONTE: FILIZOLA et al. In: RIVAS e FREITAS, 2002 Org. Alberto Carvalho/06
A atual rede de drenagem do rio Amazonas tem sido interpretada em seu conjunto,
como sendo uma rede fortemente orientada pela tectônica. Essa interpretação só foi possível
quando a tecnologia de recobrimento aerofotogramétrico possibilitou a montagem de
mosaicos para a confecção de material cartográfico em escala que permitiu a interpretação da
rede de drenagem em seu conjunto.
Coube a Sternberg (1950), o pioneirismo nessa interpretação a partir de recobrimento
aerofotogramétrico realizado pela Força Aérea Americana em 1948, onde foi mapeado o
curso inferior do rio Solimões e Negro, rio Preto da Eva, rio Urubu e o curso médio e inferior
da margem direita do rio Uatumã na escala de 1:1.000.000. Interpretando o padrão de
drenagem desses rios em seu conjunto, Sternberg observou que essa rede, principalmente o rio
Urubu, apresenta forte orientação tectônica, com lineamentos de direção predominante NE-
25
SW e NW-SE, ao qual, no seu entendimento, essa geometria da drenagem teria resultado do
abatimento do embasamento cristalino em função do peso do material acumulado na bacia
intracratônica.
Tricart (1977) estudando a gênese e os tipos de planícies aluviais e de leitos fluviais na
Amazônia brasileira, a partir de interpretação de mosaicos do Radambrasil, considera que os
fatores estruturais, tectônicos, as oscilações climáticas e conseqüentemente as flutuações do
nível do mar desempenharam papel determinante na geomorfogênese dos fundos de vales
atuais na Amazônia.
Iriondo (1982), estudando a geomorfologia da planície amazônica em território
brasileiro considera que a atual rede fluvial da bacia amazônica permite observar que ela é
controlada por importantes alinhamentos estruturais evidentes. Aponta dois indícios dessas
manifestações na calha do rio Amazonas; indícios de subsidência representados pelo
alargamento da planície aluvial, divagação do canal, abundância de lagos e grandes curvaturas
de bancos e meandros; indícios de levantamento que provocou o estreitamento da planície,
trechos retos ou pouco divagantes do canal, mudanças angulares de direção, ausência de lagos
e bancos com fraca curvatura.
Para Costa (1996), o quadro neotectônico da Amazônia, que reúne os sistemas
estruturais, as seqüências sedimentares de relevo e os elementos das bacias hidrográficas, data
do Terciário Superior e do Pleistoceno Superior ao Recente. Considera que provavelmente até
no Oligoceno predominava o regime extensional, mudando para o regime direcional dextral a
partir do Terciário Superior no interior da placa Sul-Americana. Analisando a calha do rio
Amazonas, no trecho compreendido entre a confluência dos rios Negro e Solimões até a foz
do rio Amazonas, o autor observa que há registro de elementos estruturais e geomorfológicos
que resultaram de movimentos tectônicos do Mioceno-Plioceno e do Quaternário (COSTA,
1996, p. 35).
26
Igreja e Catique (1997), analisando as configurações neotectônicas do lineamento de
Itacoatiara, consideram que o atual modelo geotectônico da Região Amazônica tem sido
interpretado como um Sistema Direcional Destral Este-Oeste, originado por tensões
compressivas e transcorrentes, resultante da movimentação das placas Sul-Americana de
Nazca e a Caribenha. Em decorrência desse macro-controle estrutural, consideram que a
Bacia Hidrográfica atual, particularmente seus principais rios, delineiam extensos elementos
tectônicos, cujas planícies de inundação manifestam aspectos morfoestruturais e sedimentares
que indicam a evolução quaternária do Sistema Neotectônico Amazônico.
Souza Filho et.al. (1999), estudando a compartimentação morfoestrutural e
neotectônica do sistema fluvial Guaporé-Mamoré-Alto Madeira, consideram que o
desenvolvimento do sistema fluvial daquela região de Rondônia, foi controlado por fatores
litológicos, climáticos e principalmente tectônicos, sendo este último associado ao
neotectonismo atuantes no Cenozóico, principalmente em função da Orogenia Andina e
reativação das linhas estruturais herdadas do Pré-Cambriano.
Extrapolando os limites da bacia sedimentar, com rios nascendo nos escudos
cristalinos e na Cordilheira dos Andes, a rede de drenagem do rio Amazonas, apresenta em
seu conjunto três tipos de rios: rios de água branca, rios de água preta e rios de água clara.
3 – Os tipos de rios da bacia amazônica
Outro aspecto importante na caracterização da bacia hidrográfica do rio Amazonas são
os tipos de rios. Sioli (1985), tomando como parâmetro a coloração das águas, classificou os
rios amazônicos em três tipos: rios de água preta, rios de água clara e rios de água branca.
Apesar dessa classificação ter tido um reconhecimento acadêmico, o autor adverte para o fato
de que existem outras especificidades nos rios da região que necessitam de maior
27
aprofundamento, reconhece que a cor das águas não é o único critério existente para
caracterizar os tipos de rios, pois há outras propriedades específicas de cada rio, que são
igualmente notáveis entre os tipos de rios, como por exemplo, a morfologia dos leitos.
Quanto às causas para os diferentes tipos de águas, Harald Sioli afirma que “a resposta
é fácil de encontrar, remontando-se os rios até suas nascentes” (SIOLI, 1985, p. 31). Na
verdade, a tipologia dos rios amazônicos decorre da interação de diversos fatores, como:
formação vegetal, formação geológica, tipos de solos entre outros.
Até chegar ao tronco principal de uma bacia de drenagem, a água precipitada escoa
sobre diversas superfícies, com diferentes tipos de solos, de rochas, de vegetação e percolam
subterraneamente e chegam ao rio trazendo as características químicas e físicas por onde
passa. Assim, dependendo da área de drenagem do rio, vários fatores podem influenciar e
determinar a qualidade da água. Neste sentido, os diferentes de tipos rios da bacia amazônica
são condicionados pelas formações geológicas, tipos de solos, cobertura vegetal e pela
hidrodinâmica do rio. A resultante desse processo se expressa por meio dos rios de água preta,
rios de água clara e rios de água branca.
A partir de 1970, têm sido sistematizados trabalhos de medições hidrológicas na
Amazônia Brasileira, pelo extinto Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica -
DNAEE4, CNPq, CPRM, UnB e ORSTOM 5. Destaca-se o fato de que desde 1970 até 1997,
os objetivos das “campanhas" (como são chamados os trabalhos de campo dessas
instituições), tinham como objetivo maior fazer medições de descarga líquida e de sedimentos
dos principais rios, visando conhecer melhor o potencial hidrelétrico da região para futuro
aproveitamento energético.
No entanto, com a crise cada vez maior da qualidade da água potável, às instituições
que fazem pesquisas hidrológicas sistemáticas na bacia amazônica como a ANEEL, CNPq,
4 O DNAEE foi transformada na Agênica Nacional de Energia Elétrica -ANEEL 5 Atualmente o ORSTOM chama-se IRD (Institute Rechecher Desenvolviment – Hydrologie - França).
28
UnB, CPRM e o IRD ( Institute Rechecher Desenvolviment – Hydrologie - França ) passaram
a analisar, a partir de 1998, a qualidade da água em seus aspectos físico e químico. Além da
medição de vazão líquida e de sedimentos, novos parâmetros foram incorporados e
monitorados pelas instituições de pesquisa, como temperatura da água, condutividade elétrica,
acidez, turbidez, material em suspensão, carbono particulado, carbono dissolvido e mercúrio.
No Quadro 01, são apresentados os principais parâmetros monitorados tais como:
vazão líquida, temperatura da água, condutividade elétrica, acidez e material em suspensão de
alguns dos principais representantes dos rios de água branca, de água preta e de água clara.
Para melhor comparação entre os rios e a época do ano, selecionou-se rios que
apresentam dados coletados em meses diferentes do mesmo ano; cheia e vazante.
Os dados permitem observar as variações dos principais parâmetros medidos e
comparar essas variações entre os tipos de rios e no mesmo rio, mas em épocas diferentes,
principalmente nos parâmetros vazão, material em suspensão e sais minerais dissolvidos e
com menor índice de variação na temperatura e acidez da água.
Observando o Quadro 1, percebe-se que o rio Madeira, na foz, apresenta maior
flutuação de energia entre o período de cheia e vazante em comparação com os outros rios.
No mês de março, máximo de cheia, a vazão chega a 40.000 m3/s, caindo drasticamente para
menos de 6.000 m3/s em outubro quando o rio está em vazante.
Situação semelhante pode ser observada nos extremos de cheia e vazante do rio
Amazonas, na estação hidrológica de Itacoatiara, onde a vazão atingiu naquele ano valor de
176.668 m3/s durante a cheia e diminuindo para 88.690 m3/s na vazante.
29
Rio Local Data
(1998)
Vazão m3/s Temp.
º C
C. Elétr.
uS/cm
pH MES
mg/l
Madeira1 Foz 19/04 39.884 28,6 45,9 6,5 594,4
Madeira1 Foz 01/10 5.980 30,4 78 7,3 34,5
Amazonas1 Itacoatiara 20/04 167.433 29 69,8 5,5 175,7
Amazonas1 Itacoatiara 01/10 88.690 29,8 80 6,8 28,2
Amazonas1 Óbidos 02/05 176.668 29,3 53 6,2 76,2
Amazonas1 Óbidos 04/10 98.690 31,3 55,1 6,8 18,4
Solimões1 Tabatinga 29/09 - 30,6 41 6,4 114,5
Solimões1 Manacapuru 28/04 115.055 28,9 71 6,5 154,3
Negro2 Curicuriari 22/09 12.380 27,4 21 4,0 1,2
Rio Branco1 Na foz 25/09 3.350 30,6 20,9 6,4 21,5
Negro2 Paricatuba 21/04 13.183 31,1 11 4,2 3
Negro2 Paricatuba 28/09 30.650 30,3 10,2 4,6 2,5
Trombetas2 Oriximina 02/05 4.566 31,2 14 5,4 5,8
Uatumã2 Santana (Foz) 01/05 - 30 6 5,7 4,8
Tapajós3 A. do Chão 05/05 10.793 29,2 10 6,6 5,0
Aripuanã3 N.Aripuanã 18/04 7.268 28,6 10 5,6 6,8
1 – água branca 2 – água preta 3 – água clara Quadro 1 - Dados de medições físico-químicas e de material em suspensão (MES) de alguns rios Amazônicos, no ano de 1998. FONTE: HiBAm - Hidrologia da Bacia Amazônica: Campanha Negro 98 e Campanha Rio Madeira 98 – ORSTOM \ CNPq \ ANEEL\ UnB Org. Alberto Carvalho
Essa flutuação de energia dentro do canal se reflete na dinâmica fluvial e nos demais
parâmetros físicos como na quantidade de material em suspensão e químicos.
Foram classificados como rios de água preta os que nascem na margem esquerda da
bacia, no desgastado escudo cristalino das Guianas. A partir do rio Negro, com exceção do rio
Branco, todos os rios que deságuam no curso médio e inferior do rio Amazonas são de água
preta. Na verdade, o rio Branco apresenta coloração esbranquiçada no seu curso médio e
inferior, pois os seus formadores como o Uraricuera tem a coloração clara e cristalina.
Junk (1983, p. 51-52) observa que alguns rios menores que nascem nos sedimentos
Neógeno da Formação Solimões, portanto, no interior da floresta, são de água preta, pois
30
nessa depressão os processos erosivos são pouco intensos e reduzidos ainda mais pela densa
floresta pluvial, justificando a cor e transparência das águas devido ao reduzido transporte de
sedimentos e a decomposição de matéria orgânica. É o caso do rio Ipixuna que pela
etimologia tupi é rio de água preta e se enquadra no exemplo acima.
A maioria dos rios classificados como de água preta a que Sioli (op. cit. p. 31)
assemelha a “café preto” e no copo a “chá fraco”, apresentam essa coloração mais forte no
seu curso superior se tornando mais transparentes no curso inferior, pois, ao receberem novas
águas de rios menores e igarapés e associado a perda de velocidade a água se torna mais
transparente.
Os rios de água preta, com exceção do rio Negro, são menores em extensão do que os
rios de água clara que nascem no cerrado do Brasil Central. Apresentam perfis longitudinais
acentuados no curso superior e médio, formando cachoeiras e corredeiras. No entanto, esses
rios possuem baixa declividade no curso inferior, tendo como característica a sua foz afogada
em forma de ria fluvial6.
Em função da transparência e baixa turbidez, o que permite maior penetração dos raios
solares, a visibilidade também é maior, variando de 1,5 a 2,5m, como pode ser observado no
rio Negro, aliás, o clássico e maior rio de água preta (SIOLI, 1985, p. 31).
A pobreza dos solos que margeiam esses rios associados à acidez de suas águas, cujo
pH varia de 4 a 5 em seus principais representantes, baixa condutividade elétrica em função
do baixo índice de sais minerais dissolvidos, com temperatura variando de 30 a 31 ºC,
associado a pouca carga de material em suspensão (vide Quadro 1), dificulta o
desenvolvimento de plantas aquáticas e consequentemente a fauna e ictiofauna entre outros
elementos que o caracterizam, fazendo com que esses rios fossem por muito tempo
denominados como “rios da fome”.
6 O conceito de ria fluvial na Amazônia foi consagrado por Pierre Gorou em 1946 que descreveu como sendo vales encaixados e muito digitados (GOROU, Pierre - Observações geográficas na Amazônia, p. 391)
31
Assim os rios de água preta, escoando sobre rochas muito antigas, apresentam pouca
competência para remover material consolidado das margens e pouca capacidade de carga a
ser transportado, tendo suas margens pouco alteradas pela ação erosiva da água corrente. No
entanto, onde o material das margens é menos resistente a ação da água corrente, essa situação
muda consideravelmente. É o caso do rio Negro que, ao entrar nos tenros sedimentos da
Formação Solimões, sofre erosão lateral por solapamento. Essa situação foi observada e
registrada pelo autor dessa pesquisa na margem direita do rio Negro a montante de Barcelos.
Naquele trecho o rio Negro apresenta clara manifestação do solapamento em sua margem,
onde a mesma se apresenta na forma de falésia, semelhante ao trabalho realizado pelo rio
Solimões na sua margem direita logo a jusante da cidade de Coari.
Os rios de água clara, por sua vez, são caracterizados pela transparência e cor
esverdeada das suas águas. A origem desses rios provém dos antiqüíssimos maciços do Brasil
Central, os quais, em virtude do relevo mais regular, não possuem alta capacidade de erosão,
embora a região não seja coberta por densa floresta protetora, mas pela vegetação aberta do
cerrado. Como estas regiões estão submetidas as estações secas e chuvosas bem marcadas,
esses rios só transportam quantidades maiores de material em suspensão no período das
chuvas; já na longa e profunda estiagem, especialmente no Brasil Central, tais rios apresentam
clareza cristalina e coloração verde-clara (SIOLI, op. cit. p. 35-36).
Os rios de água clara, em sua maioria, nascem sobre o cristalino antigo, mas cortam
transversalmente as formações sedimentares do Paleozóico, Cretáceo/Terciário vindo a
desembocar nos sedimentos do Quaternário. Junk (1983) observa que essas mudanças nas
formações geológicas provocam maior variação nos parâmetros hidroquímicos, fazendo com
que haja uma heterogeneidade relativamente grande nas águas desses rios. “Os valores de pH
podem variar entre 4,5 e mais que 7, enquanto que a condutividade elétrica varia entre 6 uS e
mais que 50 uS/cm” (JUNK, op.cit. p. 52).
32
Os dados contidos no Quadro 01 mostram os rios de água clara, no caso o rio
Aripuanã e Tapajós com pH variando de 5,6 a 6,6 ambos com condutividade elétrica no valor
de 10 uS/cm e baixa quantidade de material em suspensão variando de 5,0 a 6,8 mg/l.
É importante destacar o fato que os rios de água clara que nascem no Brasil Central
drenam uma área muito maior do que os rios da margem esquerda, devido os rios da margem
direita serem bem mais extensos do que os da margem oposta. Essa observação se reveste de
importância quando se estuda a distribuição das precipitações e evidentemente no regime
fluvial do rio Amazonas.
Os rios de água branca nascem nas elevações Andina e pré-Andina e apresentam uma
passagem abrupta do domínio montanhoso andino para a depressão, conforme pode ser
observado na Figura 01.
Embora os rios de água branca sejam classificados com essa cor, na verdade,
apresentam águas com tonalidades amareladas, barrentas, turvas devido a grande quantidade
de material transportados em suspensão, tanto detrítico como dissolvidos. É o caso do rio
Amazonas, Purus, Juruá e rio Madeira, entre outros, cujas profundidades limites de
visibilidade vão de menos de 10 cm a 50 cm (SIOLI, 1985).
Na Cordilheira Andina predominam os profundos vales em forma de V que pela
gravidade aumentam o processo erosivo, onde grande quantidade de material detrítico é
carreado para os estreitos vales e transportados para a depressão num contínuo processo de
erosão/transporte/deposição. Com o aumento da carga de sedimentos em suspensão, aumenta
a turbidez, provocando a cor branca das águas. No entanto, Sioli chama atenção para o fato de
que mesmo nos profundos vales escarpados, mas recobertos por densa floresta que impede a
erosão superficial do solo, faz com que os rios apresentem águas claras durante a maior parte
do tempo (SIOLI, op. cit. p. 31-32).
33
Tricart (1977) destaca que os rios que nascem na região Andina e pré-Andina, ao
passarem de forma abrupta para a depressão, diminuem consideravelmente a declividade
fazendo com que o grande volume de material detrítico, transportado dos Andes, seja
depositado dentro do canal e na área de transbordamento. Com baixa declividade, mas com
muita energia, esses rios removem com facilidade os sedimentos inconsolidados das margens
côncavas e depositam nas margens convexas, provocando o serpenteamento desses canais. A
erosão das margens côncavas leva ao estrangulamento do meandro formando os “sacados”.
Esse equilíbrio entre erosão e deposição na zona de transferência (curso médio), faz
com que o padrão de canal desses rios se torne predominantemente meândrico do tipo
divagante. É o caso dos rios Juruá e Purus que são menos sinuosos no curso superior e se
tornam meândricos do tipo divagante no seu curso médio e inferior, onde chegam a apresentar
índice de sinuosidade7 superior a 2,0. Segundo Guyot (1993, apud, FILIZOLA, et al., 2002,
p. 37) há canais na planície da Amazônia boliviana com índice de sinuosidade variando de 1,5
a 4,0.
Um dos resultados dessa contínua migração lateral nos rios meândricos do tipo
divagante (muito comum nos rios da margem direita do Solimões) são as formações de
meandros abandonados, conhecidos regionalmente por “sacado”. Monteiro (1964), em “O
Sacado” faz uma longa avaliação sobre a morfodinâmica fluvial, a formação dos sacados e as
conseqüências desse processo para as populações ribeirinhas desses rios, e até mesmo os
problemas políticos causados na fronteira em decorrência das mudanças ocorridas dentro de
canais. Monteiro (op. cit. p. 12), considera que “O sacado é um dos mais complexos
fenômenos de mobilidade fluvial”.
As regiões Andina e pré-Andina são formadas em sua maior parte por sedimentos do
Cretáceo, que são alcalinos e relativamente ricos em sais minerais, principalmente cálcio e
7 Considera-se canal meândrico quando o índice de sinuosidade for igual ou superior a 1,5 (CHRISTOFOLETTI, 1981, p. 164; CUNHA, 1994, p. 219).
34
magnésio, fazendo com que a composição química da água seja quase neutra, com pH
variando de 6,5 a 7 (JUNK, 1983, p. 50).
Os cursos dos rios de água branca na Amazônia são muito instáveis, pois estão
constantemente divagando em seus sedimentos e remodelando seus leitos, sobretudo na zona
de transferência e de deposição, influenciando sobremaneira no modo de vida das populações
que habitam suas margens.
Embora todos os tipos de rios tenham a sua importância, neste trabalho os rios de água
branca se revestem de importância ainda maior, pois são nesses tipos de rios, nos trechos em
que os mesmos são margeados pela planície Holocênica, que o fenômeno das terras caídas é
mais evidente e catastrófico. Neste sentido, é importante caracterizarmos o rio Amazonas e
sua planície de inundação.
4 - O Rio Amazonas
O rio Amazonas foi por muito tempo considerado como sendo o segundo, terceiro e
até mesmo quarto rio mais extenso do mundo. Essa discussão sobre o principal formador do
rio Amazonas e, por conseguinte, sua extensão, perdurou por séculos e só foi definido na
década de 1990, quando várias expedições científicas, utilizando-se de novas tecnologias,
estiveram nos Andes buscando definir sua nascente.
Até o final do século 19, o rio Marañon era considerado o principal formador da bacia.
Esse entendimento reflete de certa forma o processo histórico pelo qual o rio Amazonas foi
conhecido pelos colonizadores europeus.
O reconhecimento do rio Amazonas se deu no sentido inverso da maioria dos rios, ou
seja, da nascente para a foz. Isto porque o reconhecimento inicial se deu pelos espanhóis, que,
ávidos pelos rumores de que existiam grandes riquezas no interior da bacia, mais
35
precisamente no país de La Canela e o El Dorado, estimularam várias incursões rios abaixo
iniciadas a partir dos aportes do Marañon que nascem no extremo oeste e noroeste da bacia de
drenagem.
A disposição dos rios que nascem nas elevações dos Andes, ou seja, no oeste/noroeste
da bacia, faz com que o deslocamento no sentido jusante conduza inevitavelmente ao rio
Marañon. Como a colonização espanhola estava sendo intensificada nessa região Andina, era
evidente que as incursões para o “interior” da bacia acontecessem a partir das cabeceiras
desses rios que deságuam no rio Marañon. Foi o caso da expedição de Francisco Orellana, que
desgarrada da expedição maior de Gonçalo Pizarro, desceu o rio Amazonas pelo Marañon no
ano de 1541.
O reconhecimento do rio Amazonas no sentido montante só aconteceu no ano de
1637/39 quando a expedição de reconhecimento comandada por Pedro Teixeira subiu o rio
Amazonas até Quito no Peru.
Quando La Condamini descia o Marañon, no ano de 1743, ao passar pela confluência
com o Ucayali, diz que:
Há motivos para dúvidas sobre qual dos dois é o tronco principal, do qual o outro não passa de uma ramificação [...] É verdade que o Ucayali nunca foi sondado e que se ignoram o número e o tamanho dos rios que recebe. Tudo isso me convence de que a questão não poderá ser inteiramente resolvida enquanto o Ucayali não for melhor conhecido ( LA CONDAMINI, 1992, p. 62).
A definição da nascente e extensão do rio Amazonas só aconteceu recentemente
quando cientistas do projeto Amazing Amazon, pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisa
Espacial – INPE – divulgaram, em 1995, resultados de pesquisas realizadas na nascente e ao
longo de toda sua extensão até a foz.
36
Utilizando-se de imagens de satélite e realizando análise comparativa dos aspectos
físicos e químicos das águas e dos sedimentos coletados nas nascentes e na foz do rio
Amazonas, os cientistas daquele Instituto concluíram que o rio Apurimac é o principal
formador do rio Amazonas. Tal definição se deve ao fato de que os sedimentos encontrados
na nascente do referido rio foram os que mais se assemelharam aos sedimentos encontrados
na foz do rio Amazonas. Assim conseguiram localizar a nascente do Apurimac e definir que o
mesmo nasce no Peru, entre os montes Mismi com 5.699m e Kcahuich com 5.577m de
altitude, situado ao sul da cidade de Cuzco e próximo do lago Titicaca. Com essa definição do
local da nascente do rio Amazonas, sua extensão até a foz foi medida em 7.100 km, passando
a ser o maior rio do mundo, não só em volume, mas também em extensão.
Apesar do rio Amazonas e seus principais tributários andinos nascerem em altitude
superior a 5000 m, a maior parte da extensão de seu perfil longitudinal no curso médio e
inferior possui baixa declividade, variando de 1 a 2 cm/km aproximadamente.
Filizola et al. (op. cit. p. 37), consideram que em território brasileiro o padrão de canal
do rio Amazonas é marcadamente retilíneo, com índice de sinuosidade variando de 1,0 a 1,2.
Para Christofoletti (1981, p.153), a classificação mais adequada para o padrão de canal
do rio Amazonas em território brasileiro é o padrão ramificado. Para esse autor, o canal
ramificado surge quando existe um braço de rio que volta ao leito principal, formando ilha
cuja junção pode ocorrer até dezenas de quilômetros à jusante.
Tricart (1977), utilizando-se dos mosaicos do Radambrasil para estudar os tipos de
planícies e de leitos fluviais na Amazônia Brasileira, aponta uma série de anomalias de
dissecção manifestadas no rio Solimões e no rio Negro ao qual atribui a fatores tectônicos.
No rio Solimões, destaca o fato do mesmo se encontrar predominantemente encaixado
na margem direita, formando margem escarpada na formação Neógena. Para Tricart, “Tal
disposição resulta provavelmente de basculamento para o sul, do bloco que domina a
37
depressão de ângulo de falha, na qual o rio se alojou”. A autocaptura do rio Solimões na
formação Neógena nas imediações de Coari, formando um cotovelo de 90º e tomando a
direção N-S, é apontada pelo autor como sendo a manifestação mais evidente dessa anomalia
ao qual atribui ao basculamento de bloco para sul. Considera ainda que “Toda a tectônica de
blocos, com a formação da depressão de ângulo de falha, na qual se alojou o Solimões, é
posterior ao Quaternário médio” (TRICART, 1977, p. 06-07)
No Rio Negro, o autor destaca o fato do mesmo apresentar vale e leito mal calibrado e
duas expansões lacustres e colmatadas de forma incompleta. A primeira expansão, formada à
montante da confluência com o rio Branco e preenchida parcialmente por sedimentos da
Formação Solimões, anastomosou aquele trecho do rio, originando o maior arquipélago
fluvial que é o Arquipélago de Mariuá. O autor sugere que essa expansão resultou de uma
pequena fossa tectônica, que os depósitos do rio Negro foram insuficientes para preencherem
completamente.
A segunda expansão lacustre se formou no curso inferior, nos sedimentos da
Formação Alter do Chão, originando o segundo trecho anastomosado do rio Negro que é o
Arquipélago de Anavilhanas. Observa ainda que o curso inferior do rio Negro, apresenta as
mesmas características de ângulo de falha que o Solimões à montante de Coari e dissimetria
entre a margem direita abrupta e a margem esquerda com declividade suave.
Os resultados das campanhas do programa Hidrologia e Geoquímica da Bacia
Amazônica – HiBAm realizadas pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica - CNPq,
Institute Rechecher Desenvolviment – IRD Hydrologie da França8, Agência Nacional de
Energia Elétrica - ANEEL e pela Universidade de Brasília – UnB, no rio Solimões em
período de águas altas, mostram que a largura do rio varia de 1.000m em Tabatinga a 7.000m
8 O IRD Hydrologie corresponde ao antigo ORSTOM.
38
em Almeirim, enquanto as profundidades variam de 30m em Tefé a 100m em Itacoatiara
(FILIZOLA.op. cit. p. 37).
A medição da velocidade é importante para correlacionar com a maior ou menor
capacidade de erosão ou deposição dentro de um canal (SUGUIO e BIGARELLA,1990;
CHRISTOFOLETTI,1981). Os dados referentes à velocidade da correnteza do rio Amazonas
e do rio Madeira, foram levantados na Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais – CPRM-
que faz medições sistemáticas de velocidade e vazão dos principais rios amazônicos desde
1982, em conjunto com a ANEEL e o IRD. Para confeccionar gráfico de velocidade do
Amazonas foram utilizados os dados da Estação Hidrológica de Jatuarana, situada à montante
da área deste trabalho de dissertação, enquanto que os dados do rio Madeira são da Estação
Hidrológica de Borba.
O Gráfico nº 1 mostra a velocidade dos referidos rios com periodicidade diferente e
uma variação bem maior do rio Madeira em relação ao rio Amazonas. O rio Madeira, no seu
curso médio/inferior, chega a atingir velocidade de até 7 km/h no mês de abril e diminui a
menos de 2km/h no mês de setembro, quando se encontra em máximo de vazante. Já o rio
Amazonas, na estação Jatuarana, apresenta máxima de velocidade em junho e julho quando
atinge velocidade de 5,7 km/h durante a máxima de cheia e diminui para 3,7 km/h em
novembro quando esse rio está em menor vazante9.
9 Os dados mensais são médias de velocidade medidas desde o ano de 1978 a 1997. Os dados do rio Madeira são da estação hidrológica de Borba e do rio Amazonas estação Jatuarana, à jusante de Manaus.
39
0
1
2
3
4
5
6
7
8
J F M A M J J A S O N D
Km
/h
AmazonasMadeira
Velocidade do Rio Amazonas e
Gráfico 1 – Comportamento da velocidade anual nos rios Madeira e Amazonas. Observar a diferença de flutuação de energia entre os rios. FONTE: ANEEL/DNAEE/CPRM Org. Alberto Carvalho/2006
Além dos dados dos órgãos acima referidos, foram realizadas medições de velocidade
nos extremos e na metade da área, em distância de 10 e 100m da margem (Quadro 02). O
método utilizando foi de flutuador, conforme propõe Cunha (1996).
Local Hora Vento Dist. margem (Velo. m/s) Km/h
Extremo superior 09:00 Moderado 10m 0,33 1,18
100m 1,06 3,81
Meio da área 10:00 Moderado a médio 10m 0,77 2,77
100m 1,36 4,89
Extremo inferior 11:00 Médio a forte 10m 0,66 2,37
100m 1,26 4,53 Quadro 2 – Velocidade da correnteza no Paraná da Trindade medida com flutuador. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006
40
O rio Amazonas e seus afluentes de água branca são caracterizados por possuírem uma
intensa dinâmica fluvial, sobretudo nos seus cursos médio e inferior, deslocando
constantemente seu curso e modelando uma variedade de formas topográficas tanto dentro
como fora dos canais.
Uma das manifestações de destaque na bacia de drenagem do rio Amazonas é a sua
vasta planície de inundação. É nessa unidade geomorfológica que a dinâmica fluvial se
manifesta com maior intensidade, quer seja pela erosão ou deposição de sedimentos dentro do
canal, como pelos efeitos dos transbordamentos periódicos. No entanto, é nessa mesma
unidade que historicamente se encontra a maior densidade da população ribeirinha.
5 – A formação da atual planície de inundação do rio Amazonas
Um outro elemento marcante na paisagem hidrográfica amazônica é a expressiva
planície Holocênica formada ao longo do curso médio e inferior dos principais rios de água
branca, com maior expressão no rio Amazonas, que controla essa unidade geomorfológica
através da sua dinâmica e do regime fluvial, que ao transbordar deposita grandes volumes de
sedimentos sobre a planície.
Essa atual planície de inundação, conhecida regionalmente por várzea amazônica,
forma extensas áreas baixas ao longo da calha do rio Solimões/Amazonas, perfazendo uma
área estimada em 64.400 km2, o correspondente a 1,5 % da Amazônia em território brasileiro
(SOARES, 1989, p. 102).
Para Sternberg (1955); Tricart (1977); Iriondo (1982), a planície de inundação é
controlada por arcos estruturais e sua influência se manifesta na largura, sinuosidade e
declividade dos rios. Assim sua largura e extensão em território brasileiro são bastante
assimétricas, variando de menos de 10 a 100 km de largura.
41
Nas cartas geológicas ao milionésimo do Radambrasil que cobre a calha do rio
Amazonas, verifica-se que a maior largura da várzea é verificada no Solimões, no trecho logo
à montante da confluência do mesmo com os rios Japurá e Juruá. Nesse trecho a várzea atinge
largura de até 100 km, vindo a diminuir de largura no sentido jusante, com 50 km verificados
em Tefé. No “cotovelo” de Coari, a várzea diminui de largura chegando a 10 km.
Na confluência com o Purus, o leito maior do Solimões volta a aumentar chegando a
80 km e alarga-se até Manacapuru. O trecho mais estreito da várzea encontra-se entre
Manacapuru e a confluência com o rio Negro, onde sua largura diminui até 5 km. A partir da
confluência com o rio Negro volta a aumentar chegando a 30 km na confluência com o rio
Madeira.
No trecho entre Itacoatiara e Óbidos, a largura da várzea do rio Amazonas é mais
regular, variando de 20 a 60 km. A partir de Óbidos, no sentido jusante, as formações
Paleozóica e Cretáceo/Terciária se aproximam muito do rio, diminuindo a largura da planície
de inundação voltando a aumentar na sua foz, principalmente ao redor da Ilha de Marajó.
Essa imensa planície de inundação abriga, no seu interior, um complexo sistema de
drenagem como ilhas, diques marginais, lagos, furos e paranás que são transbordados parcial
ou totalmente durante o período máximo de cheia que no rio Solimões/Amazonas acontece
normalmente nos meses de junho e julho.
Nascimento, Mauro e Garcia (1976, p. 145-146), usando o critério hidrológico,
classificaram a planície do rio Amazonas em “planície fluvial alagada” e “planície inundável
ou de inundação”. Consideraram como planície fluvial alagada a várzea baixa que em
condições normais começa a ser transbordada nos três primeiros meses do ano, enquanto que
a planície inundável foi classificada como várzea alta, cuja inundação total só acontece
durante as grandes enchentes.
42
Iriondo (1982), interpretando mosaicos do Radambrasil que recobrem a calha do rio
Amazonas em território brasileiro, e utilizando um critério por ele denominado de descritivo-
genético, classificou essa unidade geomorfológica em “depósitos de inundação” na parte
interior da unidade e de “planície de bancos e meandros atuais” na zona de contato direto com
o rio Amazonas. O autor caracterizou os “depósitos de inundação” como áreas planas e
homogêneas, originada por processos de colmatação que ocorrem durante as enchentes,
formando lagos de formas e tamanhos diversos e canais irregulares muito pequenos. Como
“planície de bancos e meandros atuais” foi caracterizada a faixa de sedimentos arenosos que o
rio deposita dentro do canal durante a fase atual.
Tricart (1977) atribui a gênese dessa unidade à transgressão marinha que se elevando
rapidamente, provocou represamento do rio Amazonas. Esse rio transportando grande
quantidade de sedimentos represou e afogou seus afluentes no curso inferior e médio. Esse
último represamento ocorrido no Holoceno fez com que o rio Amazonas e seus tributários de
água branca preenchessem seus vales escavados durante a regressão com os seus próprios
sedimentos.
Para Iriondo (1982, p. 347), os vales afogados dos afluentes do rio Amazonas resultam
de processo complexo envolvendo três fatores que isolados ou combinados entre si, definiram
essa atual forma da foz desses rios que são:
a) barragem das desembocaduras dos tributários por sedimentos do rio principal;
b) implantação de regime estuarino durante a transgressão marinha Holocênica, fato
esse evidenciado até algumas centenas de quilômetros a montante da foz atual, e;
c) subsidência de blocos de falhas por movimentos neotectônicos atingindo trechos de
até dezenas de quilômetros.
Junk (1983) considera que a subida do nível do mar até a sua altura atual começou
cerca de 15 mil anos A.P. e provocou um represamento da água dos rios nos seus próprios
43
vales, causando uma diminuição de velocidade da correnteza e os rios começaram a encher
seus vales afogados com os seus próprios sedimentos. Os rios de água branca, que
transportam grande quantidade de sedimentos de fundo e em suspensão preencheram quase
que completamente seus vales. O mesmo não acontecendo com os rios de águas pretas e
claras, que transportando pouco material, não conseguiram preencher seus vales afogados,
ficando com a forma de ria fluvial. Observa que o rio Negro, na altura de Manaus, tem largura
de até 12 km e a profundidade chega a 100 m. Considera que a correnteza de menos de 2
km/h não explica a erosão de um vale tão largo e fundo (JUNK, 1983, p. 46-47).
Estudando as antigas linhas de costa formadas na plataforma do Rio Grande do Sul,
Corrêa (1996, apud SUGUIO, 1999, p. 240-241), identificou paleolinhas de praias escarpadas
com 120 a 130 m abaixo do nível atual, como sendo o limite máximo da regressão do nível do
mar durante o Último Máximo Glacial ao qual consideram 17.500 anos AP.
Suguio (1999), estudando as variações do nível do mar ao longo do litoral brasileiro,
entre o sul de Santa Catarina até Salvador/BA, e tomando como base os terraços Holocênicos,
constatou as flutuações do nível do mar no Holoceno com as seguintes variações:
a – O atual nível médio do mar foi ultrapassado pela primeira vez entre 7.000 e 6.500
anos AP;
b – Há cerca de 5.100 anos AP o nível do mar subiu entre 3 e 5 m acima da média
atual;
c – Cerca de 3.900 anos AP o nível relativo do mar deve ter estado 1,5 a 2 m abaixo do
atual;
d – Há aproximadamente 3.600 anos AP o nível do mar subiu entre 2 a 3,5 m acima do
atual;
e – Há 2.800 anos AP ocorreu novamente um pequeno rebaixamento, atingindo um
nível inferior ao nível atual;
44
f – Há cerca de 2.500 anos AP foi atingido um nível 1,5 a 2,5m acima do atual. [...] os
dados baseados nos registros instrumentais (maregramas) indicaram que, nos últimos
40 anos, estaria ocorrendo uma subida de nível de 30 cm/século na região de
Cananéia-SP (SUGUIO, 1999, p. 148-249).
Os dados acima nos permitem observar que nos últimos 7.000 anos AP, o mar esteve
por quatro vezes acima do nível atual e três vezes abaixo, com flutuação de 5 a 7m. Por volta
de 5.000 anos AP, chegou a estar entre 3 a 5m acima do nível atual e por volta de 3.900 anos
AP esteve de 1,5 a 2m mais baixo do que se encontra atualmente. Destaca-se o fato que os
dados registrados, nos últimos 40 anos, pelos instrumentos estão acusando uma ligeira subida
do nível do mar.
Esses dados são relevantes quando se considera a baixa declividade do rio Amazonas
no seu curso inferior e médio que chega a ser menor de 2 cm/km. Associado a sua
descomunal descarga líquida, cujo volume médio de descarga no oceano é de 209.000 m3/s,
qualquer variação positiva ou negativa do nível do mar provoca efeitos imediatos no seu leito.
As variações diárias da maré, no baixo curso do rio Amazonas, nos permitem uma
idéia dos efeitos dessa flutuação. Segundo Soares (1989, p. 115), a amplitude média das
marés na foz do Amazonas varia de 3,5 a 4m, o suficiente para represar o rio Amazonas até
Óbidos, distante a mais de 1.000 km do oceano e em menos de seis horas de preamar.
Portanto, a gênese da atual planície do rio Amazonas e de seus tributários, além do
regime hidrológico, está associada a essas flutuações positivas do nível do mar que, elevando-
se até 5m acima do nível atual afogou o rio Amazonas. Esse, ao ser represado pelo Oceano
Atlântico, passa a depositar seus sedimentos dentro do canal, e com isso elevando seu nível de
base. Com a elevação do nível de base o rio Amazonas aumentou sua área de
transbordamento formando essa imensa planície de inundação que continua em processo de
formação.
45
Nascimento, Mauro e Garcia (1976, p. 145-146), caracterizaram essa complexa e
densa rede de drenagem como sendo formada por paranás, furos, igarapés, vales fluviais com
foz afogada, lagos com forma e gênese diferenciadas, diques aluviais, áreas de inundação e
constantemente alagadas com brejos e igapós, cursos fluviais anastomosados com numerosas
ilhas, além de outros.
Os referidos autores, que trabalharam os aspectos geomorfológicos da Folha SA-21
Santarém, considerando a complexidade dos elementos da hidrografia da várzea, propuseram
uma classificação para os variados furos e lagos existentes na planície do Médio Amazonas.
Furo, conceituado como sendo todo canal de drenagem que liga um rio a outro rio, um
rio a um lago ou um lago a outro lago, os geomorfólogos da equipe identificaram seis tipos de
furos e propuseram a seguinte classificação:
Nº Tipo de furo Descrição 01 Furo em captura Ocorre em planície fluvial e funciona como foz para um ou mais
rios que deixam de escoar diretamente para o rio principal.
02 Furo em colmatagem Ocorre em planície fluvial e funciona como condutor das águas do rio principal para os lagos que se encontram em colmatagem.
03 Furo em vale morto Ocorre em vale fluvial abandonado e funciona como ligação entre rios e/ou lagos utilizando vale abandonado por ocorrência de captura.
04 Furo em contato litológico
Ocorre em áreas de contato litológico e funciona como ligação entre rios e/ou lagos em áreas em contato litológico, principalmente de aluviões com sedimentos da Formação Alter do Chão.
05 Furo adaptado a tectônica
Ocorre em alinhamentos estruturais e funciona como ligação entre rios e/ou lagos, adaptando-se a alinhamentos de falhas ou diáclase.
06 Furo ligando lagos Ocorre geralmente em planície fluvial e funciona como ligação entre lagos.
Quadro 3 – Tipos de furos na planície do Médio Amazonas. FONTE: Nascimento, Mauro e Garcia. Radambrasil, FOLHA –SA -21,1976. Org. Alberto Carvalho
46
Considerando as variedades de forma e associando a gênese, os referidos autores
identificaram sete tipos de lagos na planície e propuseram a seguinte tipologia para esses
lagos na Folha SA-21:
Nº Tipo de lago Descrição 01 Lago de várzea Lagos que ocorrem na planície fluvial e sua gênese estão associados
ao transbordamento do rio principal que promove a decantação dos sedimentos. No período de vazante e sem o material transportado, devolve através de furos as águas ao rio principal.
02 Lago de contato litológico
Ocorre em áreas de contato entre os depósitos quaternários (várzea) e os sedimentos da Formação Alter do Chão ( terra firme). São áreas alimentadas por afluentes e/ou pelas chuvas onde ocorre contato de litologias.
03 Lago de meandro Ocorre em planície fluvial e sua gênese está associada a áreas de recuperação fluvial, isoladas do rio principal por colmatagem.
04 Lago de dique Ocorre entre diques aluviais e tem forma alongada.
05 Lago de restinga Ocorre isolado do rio principal por processo de colmatagem do tipo. Sua gênese está associada a antigas “baias” fluviais isoladas do rio principal.
06 Lago adaptado a tectônica
Ocorre em áreas de subsidência localizada, controladas por alinhamentos estruturais. São alimentados por afluentes e ou pelas águas da chuva.
07 Lago de barragem Ocorre a jusante dos rios que apresentam a foz afogada ou barrada. Muito desses rios, por apresentarem largura desproporcional no seu curso inferior, são chamados de lagos.
Quadro 4 – Tipos de lagos na planície do Médio Amazonas FONTE: Nascimento, Mauro e Garcia. Radambrasil, FOLHA –SA -21,1976. Org. Alberto Carvalho
É importante estacar que a várzea é um sistema muito complexo, mas também frágil.
Controlada pelo rio Amazonas, esse sistema sofre anualmente transbordamento parcial ou
total. Durante o período de cheia, o rio principal deposita grande volume de sedimentos sobre
as áreas deprimidas da planície, tornando os lagos, lagoas e canais mais rasos ou até mesmo
desaparecendo completamente. Esse fato é relevante, pois quando acontecem as grandes
47
vazantes muito dos lagos e lagoas secam completamente provocando sérios problemas sociais
e ambientais.
6 – O regime climático da Amazônia
A bacia de drenagem do Rio Amazonas tem a forma de leque e apresenta certa
eqüidistância entre largura e comprimento. No sentido longitudinal, possui uma variação de
31º, enquanto que no sentido latitudinal, a variação é de 25º sendo, portanto, maior no sentido
longitudinal por apenas 5º.
Embora a variação latitudinal seja menor do que a longitudinal, torna-se mais
importante para o clima regional, pois, é essa variação latitudinal de 25º que associado ao
domínio da floresta, define de certa forma a distribuição irregular das precipitações na bacia
de drenagem, que por sua vez vai definir o regime fluvial dos rios da margem direita e
esquerda do rio Amazonas.
No ciclo hidrológico, a relação da vegetação com o clima desempenha papel
fundamental nesse processo. Visando compreender melhor a importância da floresta
amazônica para o clima regional e global, foram intensificadas, a partir de 1980 pesquisas na
região em busca de melhor compreensão dessa relação entre clima e floresta.
Salati (1983) estudando a relação clima/floresta na Amazônia é afirmativo no título “O
Clima Atual Depende da Floresta”, da qual conclui que 50 % da precipitação pluviométrica
que cai no centro-oeste da bacia de drenagem resulta da evapotranspiração da floresta.
A Figura 3 permite observar o quanto é irregular a distribuição pluvial na Amazônia.
No extremo leste da bacia, na Costa do Amapá o índice pluviométrico chega a 3000 mm/ano,
diminuindo no baixo Amazonas, no chamado corredor de estiagem. A partir do Médio
48
Amazonas, no sentido montante, há um aumento da pluviosidade chegando a 6000 mm/ano
nas encostas dos Andes.
Figura 2 – Mapa demonstrativo da distribuição espacial e temporal das chuvas na Amazônia FONTE: Salati, 1983.
Org. Alberto Carvalho
A Figura 2 permite observar que, no sentido longitudinal, há um aumento da
pluviosidade na medida em que os ventos alísios empurram as nuvens para o oeste até serem
barradas pelos Andes. Convergindo para o Centro-Oeste da bacia, as nuvens carregadas de
umidade formam uma nova massa de ar que é a Massa Equatorial Continental (mEc). Essa
nova massa de ar, formada na parte ocidental da Amazônia, é responsável pelas intensas
chuvas convectivas que são bem distribuídas durante quase todo o ano no noroeste da bacia.
A maior variação da pluviosidade é observada no sentido latitudinal em função da
diferença na distribuição de energia nos Hemisférios, provocando o deslocamento da Zona de
Convergência Intertropical (ZCIT). Assim o período de maior pluviosidade no Norte da bacia
acontece no meio do ano, entre maio e julho, enquanto que no sul da bacia está em período de
49
estiagem. Já os rios que drenam a água do sul da bacia o máximo pluviométrico acontece de
dezembro a março.
Segundo Filizola et al. (2002, p. 40), dados de 850 postos pluviométricos coletados em
diferentes países Amazônicos, no período de 1970-1996, dão para o conjunto da bacia um
índice pluviométrico médio de 2300 mm/ano.
7 – O regime hidrológico do rio Amazonas
O regime hidrológico do rio Amazonas resulta fundamentalmente do regime
pluviométrico que é muito irregular espacial e temporalmente na região.
Essa irregularidade na distribuição das chuvas na bacia, principalmente no sentido
Norte/Sul (ver Figura 3), é que provoca uma desigualdade no regime fluvial dos rios da
margem direita e da margem esquerda. É esse desequilíbrio, conhecido como “fenômeno da
interferência”, quem define o regime anual único para o rio Amazonas, que é de cheia e
vazante.
Dados da Companhia Docas do Pará – Administração Porto Velho - registrados no
período de 1982 a 1996, mostram que a freqüência de cheia no rio Madeira é de 66,7 % em
abril e 33,3 % em março, coincidindo com o período chuvoso. A vazante tem a freqüência de
50,0 % em setembro, 48,9 % em outubro e apenas 1,1 % em agosto.
Já o rio Negro em São Gabriel da Cachoeira, atinge a máxima de cheia em julho e
agosto enquanto que a vazante acontece em janeiro.
As medições da cota do rio Amazonas/Negro, realizadas diariamente no porto de
Manaus, desde o segundo semestre de 1902, mostra uma regularidade na freqüência da cheia
no mês de junho com 75,7 %, enquanto que a vazante é mais irregular, com uma maior
50
frequência nos meses de outubro com 46,1%, novembro 41,2 % e dezembro 11,8%, conforme
Quadro 5.
CHEIA VAZANTE
Mês Freqüência % Mês Freqüência %
Maio 5,8 Setembro 0,9
Junho 75,7 Outubro 46,1
Julho 18,5 Novembro 41,2
Dezembro 11,8
Quadro 5 – Índice dos meses com maior freqüência de cheia e vazante no porto de Manaus (Período 1903 a 2005) FONTE : Administração do Porto de Manaus Org. Alberto Carvalho
Ressalta-se o fato de que mesmo sendo as cotas registradas no Porto de Manaus,
portanto, no rio Negro, a influência maior no regime é do Rio Solimões/Amazonas, pois esse
rio provoca represamento hidráulico do rio Negro até acima de Manaus, conforme observa
Guyot (1993, apud FILIZOLA, 2002, p. 43). “Na verdade, as cotas registradas no rio Negro
pela estação de Manaus são fortemente influenciadas pelos níveis do rio Solimões, não
correspondendo à vazão do Rio Negro”. Observa ainda, que “Este efeito de barramento
hidráulico é largamente observado em todos os afluentes do rio Solimões-Amazonas”.
Pelo exposto consideram-se os dados fluviométricos registrados no Porto de Manaus
como sendo do regime do rio Solimões/Amazonas e não necessariamente do Rio Negro.
51
CHEIA VAZANTE
Cotas (m) Valor absoluto Valor ( % ) Cotas (m) Valor absoluto Valor ( %)
> 29 09 8,7 21 a 22 07 6,9
28 a 29 41 39,8 20 a 21 07 6,9
27 a 28 32 31,1 19 a 20 13 12,7
26 a 27 17 16,5 18 a 19 15 14,7
25 a 26 2 1,9 17 a 18 24 23,5
24 a 25 1 0,9 16 a 17 23 22,5
23 a 24 - - 15 a 16 6 5,9
22 a 23 - - 14 a 15 6 5,9
21 a 22 1 0,9 13 a 14 1 0,9
Quadro 6 – Índice das cotas das cheias e vazantes do rio Amazonas/Negro medidas no porto de Manaus – período 1903-2005. FONTE : Administração do Porto de Manaus Org. Alberto Carvalho/06
Outro fato a se destacar no Quadro 6 e no Gráfico 2 é que 48,5 % das cheias estão na
cota acima de 28 m em relação ao nível do mar. Esse fato é relevante, pois as cheias com cota
a partir de 28m no porto de Manaus provoca transbordamento em mais de 90% da planície do
curso médio e inferior do rio Amazonas, enquanto que cheias acima de 28,5m alagam
praticamente toda planície, conforme observa-se na Figura 3. Isto significa dizer que os
moradores da várzea têm suas terras transbordadas parcial ou totalmente em quase 50% do
período.
Nesses 103 anos de medições no porto de Manaus, aconteceram 09 cheias
excepcionais (cheias acima de 29 m) o equivalente a 8,9%, e 07 vazantes excepcionais
(abaixo da cota de 15m) o equivalente a 6,8 %, com causas e conseqüências ainda pouco
estudadas.
52
Regime do Rio Amazonas/Negro
12141618202224262830
1903
1908
1913
1918
1923
1928
1933
1938
1943
1948
1953
1958
1963
1968
1973
1978
1983
1988
1993
1998
2003
( m )
Cheia Vazante
Gráfico 2 - Regime do rio Amazonas/Negro no Porto de Manaus FONTE: Administração do Porto de Manaus Org. Alberto Carvalho/06
O Gráfico 2 permite observar o comportamento das cheias e vazantes desde 1903 até
2005. Percebe-se que a freqüência das cheias é mais regular do que as vazantes que
apresentam maior variação no seu gradiente.
53
Figura 3 – Situação da Comunidade Nª Sª do Perpétuo do Socorro (Boca do Padre), localizada na área pesquisada em 02/06/97, quando a cota do rio Amazonas no Porto de Manaus estava em 28,88m. Autor: Alberto Carvalho/97
Considerando que nas grandes cheias e nas excepcionais, a várzea fica totalmente
submersa entre final de abril a final de julho, é neste período que graves problemas são
vividos pelos moradores dessa planície, tais como: falta de terra para se trabalhar, risco de
afogamento de crianças, risco de destruição das casas pela correnteza, pelos banzeiros do
vento e dos barcos, aparecimento de cobras e jacarés etc.. Porém, não são somente as grandes
cheias que causam transtornos para as populações da várzea. As grandes vazantes também
provocam sérios problemas não só sociais, mas também mudanças significativas dentro dos
canais e na área de transbordamento.
A diferença da situação extrema do regime do rio Amazonas é que as grandes cheias
chamam mais atenção de governantes e da mídia pelo fato da população ficar dentro d’água e
sem terra para trabalhar por um período de 3 a 4 meses, enquanto que as dificuldades vividas
54
pelas populações da várzea durante as grandes vazantes são em muito desconhecidas de
governantes e da sociedade em geral.
55
CAPÍTULO 2 – O ESTADO ATUAL DE CONHECIMENTO SOBRE AS TERRAS
CAÍDAS NA AMAZÔNIA
As barrancas de terras caídas, faz barrento nosso rio mar, Amazonas rio da minha vida, imagem tão linda que meu Deus criou, fez o céu, a mata e a terra, uniu os caboclos, construiu o amor. Braulino Lima – compositor de boi-bumbá
1 – Definição de terras caídas
Terras caídas é um termo regional amazônico usado principalmente para designar
erosão fluvial acelerada que envolve desde os processos mais simples a altamente complexos,
englobando indiferenciadamente escorregamento, deslizamento, desmoronamento e
desabamento que acontece às vezes em escala quase que imperceptível, pontual, recorrente e
não raro, catastrófico, afetando em muitos casos distâncias quilométricas. É um fenômeno
predominantemente complexo, inter-relacionado causado por fatores hidrodinâmico,
hidrostático, litológico, climático, neotectônico e ainda que em pequena escala antropogênico.
Guerra (1993) define as terras caídas como sendo uma denominação dada na Região
Amazônica ao escavamento produzido pelas águas dos rios, fazendo com que os barrancos
sejam solapados intensamente, assumindo por vezes aspecto assustador. Diz inclusive que, em
alguns casos, podem-se ver pedaços grandes de terra sofrerem deslocamentos como se fossem
ilhas flutuantes.
Embora haja desbarrancamento nas margens dos rios de água preta e água clara,
apresentando forma de falésia fluvial, o termo terras caídas é mais utilizado para se referir ao
intenso processo erosivo que acontece nas margens dos rios de água branca.
56
2 - Revisão bibliográfica sobre as terras caídas na Amazônia
Apesar da grande capacidade de transformação da paisagem ribeirinha e pelos
transtornos que causam aos moradores e viajantes, o fenômeno ainda não mereceu maior
atenção por parte dos pesquisadores. Essa afirmativa é constatada pela pouca publicação de
pesquisas sobre o assunto. Somente alguns trabalhos fazem referência ao fenômeno, porém,
de forma tangencial por não ser o objetivo maior da pesquisa.
Porém, se as terras caídas ainda não mereceram a devida atenção por parte de
pesquisadores, o mesmo não podemos dizer da preocupação que os moradores ribeirinhos e
navegantes do rio Amazonas sempre tiveram com o fenômeno. Essa preocupação por certo
remonta ao período pré-colonial, pois é certo que os nativos também temessem o que
chamavam de tiritiri. Essa preocupação é expressa por Mario Ypiranga Monteiro em “O
Sacado” quando diz que:
É um fenômeno tão comum êsse do comportamento da água em relação à terra, que não escapou à observação do selvagem, associando êle o desmoronamento das margens ( tiritiri) à freqüência com que o jacaré sagrado da sua mitologia se sacode no interior da terra, ou muda de posição. O freqüentativo nheengatú ou tupi corresponde à comum expressão portuguêsa terra-caída. É o ataque lateral da corrente ( MONTEIRO, 1964, p. 10-11).
As terras caídas se manifestam também na cultura popular, onde o fenômeno aparece
nas narrativas das populações ribeirinhas muito associadas aos grandes animais moradores do
fundo dos rios, principalmente a cobra grande e outros seres fantásticos que “povoam” o
imaginário dessas populações.
Figueiredo (1941), em excursão pelo rio Solimões no ano de 1940, observou o
fenômeno a distância e publicou um dos primeiros artigos sobre a temática com o título
“Terras Caídas”. Apesar do título o eminente professor fez apenas um registro histórico com
57
uma breve descrição do fenômeno. Diz apenas que “De súbito, ouve-se um estrondo que nos
chega aos ouvidos, como de longe, muito longe, houvesse explodido formidável carga de
explosivo, é a terra caída” (FIGUEIREDO, 1945, p. 238).
Meis (1968), realizando estudos geomorfológicos na rodovia AM-010 e no rio
Amazonas, no trecho entre Manaus e Itacoatiara, relaciona as terras caídas aos “ventos
gerais”, pois observa que as “costas” onde o solapamento acontece com maior intensidade,
coincidem com os trechos dos rios onde pela sua direção, são mais atingidos pelos referidos
ventos. Mesmo considerando que o fenômeno merece um estudo aprofundado, Meis relaciona
as terras caídas à ação conjugada de dois outros fatores: “a força de cisalhamento ligada à
dinâmica do curso d’água” e a “resistência oferecida pelos materiais das margens”.
Tricart (1977), estudando a gênese e os tipos de leitos fluviais na Amazônia, atribui a
erosão lateral acelerada às fortes amplitudes das oscilações de descarga durante a subida das
águas que favorece o solapamento, onde “Árvores são desenraizadas e tombadas no leito. Elas
aumentam a turbulência e provocam muitas vezes a formação de nichos de turbilhonamento
que fazem chanfraduras nas margens”. Observa que “A vazante, por seu lado, dá origem a
numerosos furos semicirculares nas aluviões argilo-arenosas, que ficam saturadas durante a
submersão”. Considera que “A pressão hidrostática desempenha um papel importante nesse
fenômeno” (TRICART, 1977, p. 10).
Sternberg (1998), estudando a relação do homem ribeirinho com a várzea no Careiro
interpretou o fenômeno, seus efeitos, e considerou algumas das implicações sócio-
econômicas aos moradores ribeirinhos da Ilha, dizendo que:
58
Com efeito, o terreno hoje depositado, amanhã poderá ser destruído. A ablação das margens dá-se pelo fenômeno das ‘terras caídas’, sobre cujos efeitos há numerosos e dramáticos relatos na literatura amazônica. Também no Careiro, arrebatam boas terras marginais, tragando, com a mesma indiferença, cemitérios, pomares e pastagens, ameaçando as moradas e engolindo-as, quando os proprietários não as recuam a tempo (STERNBERG, 1998, p. 62).
Sternberg (op. cit. p. 62 ), faz referência ao entendimento dos ribeirinhos sobre o
fenômeno dizendo que muitos moradores “Atribui-se a terra caída ao embate direto da
correnteza [...] Alguns explicam a terra caída como uma conseqüência do desmatamento, ou
melhor da remoção das raízes que seguram o solo”. No entanto, o autor questiona esse
entendimento e adverte para o fato de que “tais explicações deixam de levar em conta outro
fenômeno, que se passa na profundidade das águas turvas”. O autor se refere à competência
das correntes turbilhonar em remover material bem abaixo do nível das raízes das árvores.
Portanto, o autor atribui como causa principal das terras caídas às “correntes
turbilhonares ascendentes” que através do processo de erosão do tipo eversão provoca o
aprofundamento do “álveo”, causando em seguida o escorregamento do barranco. Esse
entendimento fica claro ao afirmar que, “O principal fator responsável pela aluição dos
barrancos e conseqüente recuo das margens é o aprofundamento do álveo. O mesmo se dá por
uma ação vorticosa, gerada na ascensão de uma massa d’água” (STERNBERG, op. cit. p. 63).
Portanto, o entendimento do autor é que as terras caídas resultam da retirada do
material do fundo e das margens pela pressão hidráulica da água corrente canalizada,
associado à pressão hidrostática no pacote sedimentar. Observa ainda que o aprofundamento
do álveo que acontece durante a cheia provoca erosão do tipo escorregamento da margem
durante a vazante, onde esse mecanismo é prenunciado nas margens por rachaduras no terreno
próximo à margem, razão pela qual os moradores, conhecedores do fenômeno se retiram em
tempo de evitar perdas pessoais (STERNBERG, op. cit. p. 62-63).
59
Sioli (1985), referindo-se à falta de estabilidade dos diques marginais dos rios de água
branca, considera que essas margens não são estáveis, havendo trechos com imensa erosão
marginal que podem assumir a forma das terríveis “terras-caídas”.
Igreja e Catique (1997), em trabalho sobre a neotectônica na Amazônia, reforçam o
entendimento de que a atual rede de drenagem, e, por conseguinte, a erosão lateral acelerada
está relacionada com o controle geoestrutural e tectônico. Estudando o megalineamento
neotectônico Madre de Dios-Itacoatiara, os autores consideram que a “Bacia Hidrográfica
Amazônica, particularmente seus principais rios, delineiam extensos elementos tectônicos, em
cujas planícies de inundação, denotam-se aspectos morfoestruturais e sedimentares que
indicam a evolução quaternária do Sistema Neotectônico Amazônico”.
Rozo (2004), analisando a evolução do rio Amazonas no Holoceno, no trecho entre a
confluência com o rio Negro e o rio Madeira, observa que no período de 15 anos (1986 –
2001) houve uma predominância do processo erosivo em 3,9 % em relação à deposição nesse
trecho do rio. Isso significa dizer que o rio Amazonas, pelo menos nesse trecho estudado pelo
autor, está ficando mais largo, resultado da maior pressão do rio nas suas margens. Uma das
conclusões foi que o rio Amazonas no trecho estudado apresenta forte indício de mudança de
um padrão meândrico para um padrão anastomosado, fato esse ocorrido nos últimos 2000
anos.
Estudos mais recentes e abrangentes como de Franzinelli & Igreja (1990); Igreja
(1997); Costa (1997), estão sendo desenvolvidos na Amazônia, permitindo melhor
compreensão do modelo neotectônico da Amazônia e de sua relação com a drenagem e
dinâmica fluvial.
60
3 – A visão dos naturalistas e viajantes sobre o fenômeno das terras caídas
A preocupação com o fenômeno das terras caídas, devido aos riscos que oferecia à
navegação próxima das margens, aparece em quase todos os relatos de cronistas, naturalistas e
viajantes que navegavam no rio Amazonas, notadamente quando subiam o rio.
O ímpeto da correnteza do rio Amazonas fazia com que as embarcações navegassem
muito próximo das margens, se expondo aos riscos de naufrágio por desbarrancamento e
tombamento de grandes árvores, pois até então a várzea era povoada por árvores frondosas
como a sumaumeira (Ceiba petandra), castanha sapucaia (Lecythis paraensis Aubi.),
açacuzeiro (Hura creptans L.) e tantas outras árvores de grande porte.
Em outras situações, quando o processo de erosão é do tipo escorregamento mais
lento, as árvores descem em prumo e permanecem em pé por muito tempo, dificultando e
colocando em risco a navegação.
Os naturalistas Spix e Martius (1981), ao o rio Amazonas até Tabatinga nos anos de
1819-1820, fazem referência ao fenômeno, permitindo uma dimensão das dificuldades e dos
riscos que passavam os navegadores, atribuindo as causas das terras caídas;
A falta de pedra rija e a impetuosidade das águas são a razão porque as margens se soltam às vezes em grandes trechos e desabam no rio, com as árvores neles arraigadas contribuindo com grande perigo para as canoas que navegam ao longo da margem [...] De ordinário, aparecem barrancos rasgados pela pressão das vagas em cones e paredões em prumo e ameaçam fazer soçobar, com a sua derrocada, os barcos que passam. Não raro isso acontece, especialmente quando altas árvores arraigadas na areia ou no barro amolecido são arrancadas (SPIX e MARTIUS, 1981, p. 288-299).
O naturalista inglês Hanry Bates (1979), ao subir o Solimões em 1850 e ao presenciar
os efeitos das terras caídas nas margens do Solimões, próximo a Coari, fez um registro
histórico e dramático de uma experiência vivida. Relata que numa madrugada, quando
dormiam numa canoa ancorada na margem daquele rio, foram acordados por uma seqüência
61
de “estrondos que mais parecia trovão, parecendo ora muito perto, ora muito distante” esses
estrondos foram seguidos de banzeiro que fazia jogar violentamente a embarcação. A
primeira impressão que teve era que se tratava de um terremoto. Acordado pelos primeiros
estrondos perguntou ao índio Vicente do que se tratava e o índio disse que se tratava de terra
caída, mas “achei difícil acreditar nele”. Assim relata Bates;
Os canoeiros do Alto-Amazonas vivem no constante temor das terras caídas, [...]. Embarcações de grande porte são às vezes cobertas por essas avalanches de terra e árvores. Eu teria considerado exagerados os relatos desses desmoronamentos se não tivesse tido oportunidade de presenciar um deles, de consideráveis proporções [...] Grandes porções da mata, com árvores de tamanho colossal, que mediam talvez mais de sessenta metros de altura, oscilavam de um lado para outro depois iam mergulhando, sucessivamente, nas águas do rio. Após cada desmoronamento, a onda causada por ele refluía com violência contra o barranco em desagregação, provocando a queda de novos pedaços da mata, ao solapá-lo [...]. Foi um grande espetáculo; cada desmoronamento provocava uma nuvem de borrifos, e o impacto causado num determinado lugar abalava pontos diferentes, fazendo com que desabassem novos trechos do barranco [...]. Quando afinal nos afastamos dali, duas horas depois do nascer do sol, a destruição ainda continuava (BATES, 1979, p. 199).
Relato semelhante foi registrado pelo padre Samuel Fritz, nas imediações da Costa do
Jatuarana, margem esquerda do rio Amazonas a jusante de Manaus. O religioso relata que:
A 6, pela manhã, começaram na banda do norte as terras que, no ano passado de 1690, pelo mês de junho, houve um grandíssimo tremor. Pareciam ruínas de grandes cidades; penhascos caídos; árvores grossísimas desarraigadas e lançadas ao rio; terras muito altas caídas com seus matagais encima; desmoronadas do alto e amontoadas sobre o rio, terras brancas, vermelhas a amarelas, pedras e arvoredos; em outras partes, lagoas abertas, bosques destruídos e tudo misturado sem ordem [...] ao mesmo tempo houve horrível marulhada no rio, morrendo muitíssimo peixe. ( FRITZ, S. apud PORRO, 1993, p. 185).
62
Pelas descrições do naturalista inglês e do religioso alemão, parece mesmo que se trata
de abalos sísmicos, relacionados à evolução dos Andes, contribuindo para reativação de falhas
e conseqüentemente com as terras caídas.
La Condamine, quando desceu o rio Amazonas entre os anos de 1735-1745, também
fez referência ao fenômeno dizendo que “um dos maiores perigos dessa navegação é a colisão
com algum tronco de árvores arrancado, encravado na areia ou no lodo e oculto sob a água”
onde “Muitos botes foram assim destroçados e submergiram com todos remadores”. Diz
inclusive que durante sua viagem de descida pelo Solimões seu barco foi a pique ao se chocar
com um tronco submerso ( LA CONDAMINE, 1992, p. 71 ).
Situação semelhante aconteceu com um dos bergantins de Orellana quando “[...] o
menor não viu um pau que estava coberto pela água, e deu tal golpe que uma tábua se fez em
pedaços e o barco anegou” (CARVAJAL, 1941. p. 74).
Louiz Agassiz ao subir o rio Solimões até Tabatinga no ano de 1865 faz referência aos
desmoronamentos das margens do referido rio, particularmente em São Paulo de Olivença
onde afirma que:
Em toda essa região, as margens são minadas pelas águas; enormes fragmentos se destacam e desabam no rio, arrastando consigo árvores. Esses desmoronamentos são muito freqüentes e se dão numa extensão bem grande; por isso, a navegação muito próxima das margens é perigosa para as pequenas embarcações (AGASSIZ, 1975, p. 134).
Euclides da Cunha (2003), em missão diplomática representando o governo brasileiro
na solução da questão do Acre, subiu o rio Purus em 1905, o qual considerou aquele rio entre
os mais interessantes “rios trabalhados”. Euclides da Cunha testemunhou o fenômeno das
terras caídas e fez uma longa descrição da paisagem das margens e do leito do rio Purus.
63
Realmente nesse afonoso derruir de barrancas, para torcer-se em seus incontáveis meandros, o Purus entope-se com as raízes e troncos das árvores que o marginam. [...] Não raro o viajante, à noite, desperta sacudido por uma vibração de terremoto, e aturde-se apavorado ouvindo logo após o fragor indescritível de miríades de frondes, de troncos, de galhos, entrebatendo-se, rangendo, estalando e caindo todos a um tempo, num baque surdo e prolongado, lembrando o assalto fulminante de um cataclismo e um desabamento da terra. São, de fato, as ‘terras caídas’ (EUCLIDES DA CUNHA, 2003, p. 69).
O eminente cientista brasileiro diz ter tido a impressão de que “o Purus, em vários
lugares, parece correr por cima de uma antiga derrubada”, tanto era a quantidade de árvores
soterradas aparecendo nas margens e no leito do mesmo, resultado da intensa dinâmica fluvial
e do elevado grau de meandramento do tipo divagante que mais caracteriza aquele rio.
Como podemos observar nos rápidos relatos dos naturalistas e viajantes mencionados,
as terras caídas se constituíam em problemas e ameaças constantes para os navegadores do rio
Amazonas.
No entanto, de toda fonte primária pesquisada quem melhor expressou a preocupação
com os riscos de tombamento de grandes árvores pelas terras caídas nas margens do rio
Amazonas foi o Ouvidor Sampaio que em viagem de inspeção pelo Solimões em setembro de
1774 assim se manifestou:
Foi pouco agradável o dia de hoje; porque além das contínuas correntezas, toda a margem, que era necessário seguir em pouca distancia da terra, estava embaratada de grossísimos troncos, e ramos de árvores, ou arrojadas no rio, ou cahidas da terra da mesma margem. Esta estava continuamente desabando em largas porções. Passávamos por baixo de árvores altíssimas, que já ameaçavão momentânea cahida; porque o terreno pouco sólido, as raízes já a superfície, e a água sucessivamente minando, assim o indicavão e a cada passo se vião terras precipitadas de fresco. Este he hum dos grandes perigos desta viagem, e que tem sido a cauza de muitos naufrágios com perda de inumeráveis vidas ( SAMPAIO, Ouvidor 1825, p. 14).
Um dos fatos que se destaca nos relatos dos cronistas e viajantes do rio Amazonas era
a preocupação com o tombamento das grandes árvores nas margens dos rios.
64
Atualmente esse risco foi reduzido devido à diminuição dessas espécies de grande
porte que teve sua derrubada acelerada a partir de meados do século 20 para dar lugar às
plantações, principalmente para o cultivo da juta e malva, e posteriormente pelo que Fraxe
(2000), chama de “pecuarização” da várzea. No mesmo período a indústria madeireira passou
também a beneficiar as mais variadas espécies da floresta de várzea na produção de
compensados e laminados, contribuindo assim para a diminuição dessas grandes árvores que
povoavam a várzea e que tanto riscos ofereceram aos viajantes do rio Amazonas.
Antes de apresentar a atual interpretação sobre as terras caídas, considera-se pertinente
discutir primeiramente os fundamentos conceituais sobre erosão fluvial contidos na literatura
básica, por constatar-se que os mesmos são insuficientes para explicar o complexo fenômeno
das terras caídas no rio Amazonas.
4 - Questão conceitual sobre erosão fluvial
Chistofoletti (1981, p. 236); Suguio e Bigarella (1990, p. 71); Cunha (1995, p. 231),
conceituam erosão fluvial como sendo o processo de retirada de material do fundo e das
margens de um canal e que acontece, segundo os autores, através do processo de corrosão,
corrasão (ou abrasão) e cavitação.
A erosão por corrosão resulta da dissolução de material solúvel durante a percolação
da água no solo e da reação que se realiza entre a água corrente e o material que se encontra
nas margens do canal. Na Figura 04 observa-se o efeito da ação química da água na margem
do rio, após percolação no pacote sedimentar.
65
Figura 04 – Manifestação corrosiva da água no pacote sedimentar na área da pesquisa. Em segundo plano a canoa e o espinhel (instrumento de pesca) utilizado na pesca do peixe liso (surubim). Foto: Alberto Carvalho – 01/10/96
A erosão do tipo corrasão ou abrasão é conceituada como sendo o desgaste provocado
pelo atrito mecânico das partículas entre si e com o material das margens, que ao se chocarem
provocam fragmentação das rochas. Suguio e Bigarella (1990, p. 27), são enfáticos em
afirmarem que, “A capacidade de erosão de um rio depende, principalmente, das partículas
por ele transportadas, do que do volume de água”. A ênfase é dada à ação abrasiva do material
transportado sendo o principal fator causador da erosão fluvial. Por esse entendimento, a força
hidráulica imprimida pela velocidade e volume é fator secundário.
Chistofoletti (1981, p. 236), pondera sobre o poder abrasivo do material transportado
em suspensão. Considera que a corrasão está relacionada diretamente com a carga do leito do
rio, pois a carga em suspensão, geralmente formada por pequenas partículas, tem pouco poder
abrasivo, agindo mais como polimento do que como agente ativo na erosão lateral. Para o
66
autor isso explica por que os rios intertropicais não conseguem entalhar as rupturas de declive,
devido transportar material fino em suspensão.
A erosão do tipo cavitação também resulta de impacto hidráulico. No entanto, esse
processo só acontece quando o canal fluvial sofre aumento de declividade provocando
aumento de velocidade e variação de pressão, que incidindo nas paredes do canal facilita a
fragmentação das rochas. Hjulstrom (1935 apud CHRISTOFOLETTI, 1981, p.237), considera
que a velocidade mínima da correnteza necessária para que haja cavitação é de
aproximadamente 12 m/s, o equivalente a 43,2 km/h, velocidade essa muito superior a do rio
Amazonas e de seus afluentes, no seu curso médio e inferior, conforme podemos observar no
Gráfico 1.
O rio Amazonas, maior rio de planície, com declividade inferior a 2cm/km em seu
curso médio e inferior e transportando areia fina, silte e argila em suspensão e com velocidade
de 2 a 7 km/h tem evidentemente pouco poder abrasivo. Portanto, a erosão por cavitação no
rio Amazonas não ocorre no seu curso médio e inferior, apenas no seu curso superior onde o
declive é bem acentuado.
Pelos conceitos mencionados e já consagrados na literatura, a erosão fluvial resulta da
ação química e principalmente da ação mecânica da água corrente canalizada, porém, com
ênfase para a ação abrasiva do material transportado de fundo e em suspensão, ao qual
consideram-se insuficientes para explicar o processo erosivo no rio Amazonas.
5 – Os fatores causadores das terras caídas
Nesta pesquisa, a análise e interpretação apontam para o fato de as terras caídas no rio
Amazonas resultam de um processo muito mais dinâmico e complexo do que aparece na
literatura, resultado da ação conjugada de vários fatores discorridos a seguir:
67
a) a pressão hidrodinâmica da água canalizada imprimida pela velocidade e por uma
descomunal descarga fluvial;
b) a pressão hidrostática exercida pelo peso e capacidade de desagregação da água no
pacote sedimentar, causada pela ação conjugada da pressão hidráulica do rio com a água
retida pelo transbordamento e pela ação da água precipitada durante as pesadas chuvas;
c) a composição do material que constitui as margens dos rios de água branca, que no
caso da várzea é composto principalmente por areia fina inconsolidada, silte e argila;
d) fatores estruturais e tectônicos que atuam como controladores do processo de
deposição e erosão;
e) fatores climáticos como os ventos, as temperaturas elevadas e chuvas torrenciais;
f) fatores antropogênicos como desmatamentos das margens e as embarcações que
cada vez mais potentes, provocam deslocamento de massa líquida formando banzeiro cada
vez maior, aumentando a capacidade de solapamento das margens.
Pelo exposto, fica claro que os fundamentos conceituais clássicos não dão conta de se
compreender e explicar as terras caídas nas margens do rio Amazonas, pois outros fatores
atuam no processo aumentando a complexidade do fenômeno. Na continuidade, apresentamos
os fatores que de forma conjugada atuam no processo das terras caídas.
5.1 – A hidrodinâmica
O volume de água precipitada numa bacia de drenagem que chega até o canal principal
expressa o escoamento fluvial que é alimentado pelas águas superficiais e subterrâneas. Do
total de água precipitada numa bacia de drenagem, somente a água evapotranspirada não
escoa pelo rio principal da bacia. As proporcionalidades das águas de escoamento superficial
e subterrânea dependem dos fatores climáticos, tipos de solo, tipos de rocha, declividade da
68
bacia e do tipo de cobertura vegetal (CUNHA, 1995; SUGUIO e BIGARELLA, 1990;
CHRISTOFOLETTI, 1981).
A água é o principal agente da dinâmica de um sistema hidrográfico. Sua ação tanto
pode ser mecânica quanto química. Ao se precipitar ou quando escoa dentro do canal, por
exemplo, a água atua principalmente como agente mecânico, mas também como agente
químico. No entanto, ao escoar superficialmente ou quando percola no solo e subsolo, a água
em contato com outros minerais, atua também como um agente químico, pois além da sua
composição a mesma transporta elementos dissolvidos que atuam como reagentes dentro do
sistema.
Dentro de um canal a água desempenha claramente essas funções: física, através do
impacto hidráulico; química, através da ação corrosiva ao contato com o material presente nas
margens.
No processo de erosão, transporte e deposição fluvial, a distribuição da velocidade e a
turbulência do fluxo desempenham papel determinante. São processos interdependentes e suas
ações dependem da declividade do perfil longitudinal, volume da descarga, forma da secção
transversal, coeficiente de rugosidade do leito e da viscosidade da água (CUNHA, 1995, p.
227).
Para Cunha (op. cit.), a capacidade de erosão, transporte e deposição fluvial dependem
principalmente da velocidade da água dentro do canal e da forma de seus movimentos dentro
do mesmo, que via de regra acontece de forma turbulenta.
Embora esses princípios sejam aplicados para todo tipo de canal, a influência dos
mesmos varia em função das especificidades de cada rio.
No rio Amazonas, os principais fatores que atuam dentro do canal e que se aponta
como os principais responsáveis pela erosão lateral acelerada é a grande energia contida em
69
seu descomunal volume de água, associado às “macroturbulências” com que os fluxos se
deslocam dentro do canal e o peso que esse volume de água exerce dentro do mesmo.
Para reforçar esse argumento de que a pressão hidráulica da água canalizada atua
como principal fator causador das terras caídas faremos referência aos dados de medições
hidrológicos mais recentes onde novas tecnologias têm permitido maior precisão nos dados de
mensuração de vazão.
A partir de 1994, as instituições que fazem medições hidrológicas sistemática de
descarga líquida do rio Amazonas (DNAEE/CNPq/ORSTOM/UnB) passaram a utilizar o
ADCP – Acoustic Doppler Current Profiler, equipamento esse que permitiu maior precisão
nas medições de vazão. Com esse equipamento, foi possível medir a vazão líquida do rio
Amazonas com muito mais precisão, onde a média anual do rio Amazonas foi estimada em
209.000 m3/s. Considerando os fatores apontados como causadores de erosão fluvial como
declividade, que no curso inferior e médio é muito baixa (menos de 2cm/km), a sua grande
área molhada (área atingida pela máxima de cheia), a rugosidade e a viscosidade, a conclusão
é que esses fatores desempenham papel secundário no processo erosional do rio Amazonas.
No Quadro 01, observa-se que a vazão do rio Amazonas em Óbidos apresenta
flutuação de descarga líquida variando de 90.000 a 230.000 m2/s durante a vazante e a cheia,
respectivamente. Esse imenso volume de água se deslocando com velocidade de 4 a 7 km/h, e
com movimentos turbulentos apresenta grande capacidade de remoção do material do fundo
do leito (eversão) e do desmonte dos sedimentos arenosos e inconsolidados de suas margens.
No rio Amazonas, é comum e de grandes magnitudes os movimentos ascendentes que
ao chegarem à superfície formam os “rebojos”. Esse movimento turbilhonar ascendente
possui força trativa crítica capaz de retirar partículas, geralmente de areias finas, do fundo do
canal e transportar até a superfície para em seguida serem incorporadas por outras correntes e
pela perda de energia são depositadas a jusante.
70
Essas correntes ascendentes ao chegarem à superfície do espelho d’água, formam
círculo, onde no interior se forma um “liso” e na borda fica “piriricando”10 devido o choque
de correntes contrárias, conforme pode ser observado na Figura 05.
Figura 05 – Corrente ascendente no rio Amazonas (rebojo). Observar no interior da corrente o “liso” e na borda do círculo o banzeiro “piriricando”. Esse tipo de movimento contribui para manutenção de material em suspensão. Foto : Alberto carvalho – 06/09/96
As correntes ascendentes, a partir de uma força trativa crítica, retiram material do
fundo do canal formando depressões de tamanhos variados, geralmente de forma circular, e o
restabelecimento do equilíbrio acontece quando pela força da gravidade, o material da
margem se desloca em direção às depressões escavadas. Geralmente, esse processo provoca
erosão do tipo escorregamento na base, seguido de desmoronamento na superfície. Como já
observara Sternberg (op. cit. p. 63), a escavação do leito causado pelas correntes ascendentes
10 Na linguagem regional piriricar significa banzeiro que está agitado pelo vento e pela correnteza. Segundo Silveira Bueno - Vocabulário Tupi-Guarani, Piririca significa agitado, rápido. A correnteza de um rio.
71
acontecem mais quando o rio está em cheia, mas os efeitos sobre as margens, ou seja, os
escorregamentos acontecem mais durante a vazante.
Outra forma de movimento do fluxo dentro do canal causador de erosão é o
movimento helicoidal. Essa forma de movimento ocorre nos canais sinuosos e ataca mais as
margens côncavas aumentando a sinuosidade do mesmo.
As correntes secundárias marginais também desempenham papel importante na
dinâmica fluvial, principalmente nas enseadas e nas margens convexas dos canais onde a água
perde velocidade e chega a se deslocar no sentido contrário, com inversão ao fluxo principal,
provocando decantação de parte do material transportado em suspensão.
Na parte superior das enseadas e no local onde a margem se projeta no rio, a corrente
principal é empurrada para fora da margem, formando as temidas “pontas d’águas” e na
enseada forma uma zona de calmaria com corrente secundária se desloca no sentido inverso
ao fluxo principal. Esses correntes secundários, ao se deslocarem no sentido inverso ao fluxo
principal, provocam uma zona de turbulência formando movimentos em forma de vórtice, em
certos casos espetaculares e também perigosos para as pequenas embarcações, conforme
podemos observar na Figura 06.
72
Figura 06 – Movimento da corrente em forma de vórtice no rio Amazonas. Além do risco que oferece às pequenas embarcações, esse movimento vorticoso contribui para manter e distribuir material em suspensão. Autor: Alberto Carvalho/96
A pressão hidráulica da água canalizada e suas formas turbulentas, em ação conjugada
com a pressão gravitacional da água retida no pacote sedimentar, como já observara Sternberg
(1998), são os principais fatores responsáveis pelas terras caídas no rio Amazonas.
5.2 – Pressão hidrostática
Pressão hidrostática é entendida como a pressão da água no solo causado pelo peso e
pela força de gravidade. Assim, quanto maior for o volume de água no solo, maior é a pressão
hidrostática e conseqüentemente maior é a capacidade de provocar escorregamento e
deslizamento.
Nas margens do rio Amazonas, como já afirmara Tricart (1977, p. 10), a pressão
hidrostática desempenha um papel importante no processo erosivo.
73
No entanto, uma pergunta há de se fazer. Por que a pressão hidrostática não é
considerada na literatura básica como fator de erosão fluvial?.Considera-se que a ausência
desse fator, na literatura especializada, está no fato de que os estudiosos da Geomorfologia
Fluvial e de Hidrologia trabalharem com rios de média e alta declividade, conseqüentemente
com pequena área de transbordamento, tendo a pressão hidrostática pouca relevância. Nesses
tipos de rios quase todos os processos fluviais acontecem dentro do leito menor, ou seja,
dentro do canal propriamente dito.
A importância dessa pressão nas margens do rio Amazonas acontece devido a sua
imensa área de transbordamento, cuja planície é formada por uma complexa rede flúvio-
lacustre com grande capacidade de retenção de água na superfície e no seu interior.
Tricart (1977 ); Sternberg (1998), observam que nas margens do rio Amazonas essa
pressão é mais atuante durante a vazante, causando erosão por escorregamento.
Essa pressão na planície do rio Amazonas atua em dois momentos bem definidos;
quando o rio está em vazante devido à água retida no pacote sedimentar e durante as pesadas
chuvas que se precipitam na calha do rio, principalmente no período de dezembro a março.
O rio Amazonas tem um regime fluvial único e bem definido. O período de enchente
inicia em nov/dezembro e vai até junho, iniciando sua vazante em julho e parando de vazar
em outubro/novembro. Em média passa sete meses enchendo, com pico em março e abril cuja
subida chega a 13cm/dia e desce em cinco meses com pico em setembro onde chega a descer
24 cm em 24 horas. Portanto, a velocidade de vazante é bem maior do que a velocidade de
enchente.
Estando a planície saturada de água devido ao preenchimento dos espaços vazios dos
sedimentos durante a enchente e o rio Amazonas descendo a uma velocidade de até 24
cm/dia, fazendo com que o nível da água no pacote (nível piezométrico) não acompanhe a
velocidade de descida do rio. Como o nível piezométrico não acompanha a velocidade de
74
descida do rio, faz aumentar o peso e consequentemente a força de gravidade no pacote,
portanto aumento da pressão hidrostática. Ademais, como observa Terzaghi (1980), a água
retida nos sedimentos atua como desagregadora das partículas, facilitando os escorregamentos
e desmoronamentos.
Além da água retida dentro do pacote, grande volume de água do transbordamento e
das chuvas ficam retidas na superfície da planície formando lagos abertos ou recobertos por
aningais, lagoas, pântanos e canais fluviais. Essas águas retidas nesses ambientes, além da
evaporação, parte escoam superficialmente pelos canais e outra parte é infiltrada vindo em
fluxo subterrâneo percolar no interior do pacote e sair na margem do rio. Essa água fluindo no
interior dos sedimentos, que no dizer do ribeirinho “vai agoando por baixo” provoca quebra
na resistência do material, facilitando os escorregamentos e desmoronamentos na margem do
rio. Esse processo é mais observado durante a vazante do rio.
Um segundo momento importante do aumento da pressão hidrostática no pacote
sedimentar, é durante o período das fortes chuvas que se precipitam na calha do rio
Amazonas, via de regra, entre dezembro e abril. Nesse período é comum se registrar índice
pluviométrico de até 500 mm/mês, com chuvas de mais de 80 mm/dia.
Com as fortes chuvas precipitadas na calha do rio, a várzea volta a ficar saturada e
pelo aumento do volume de água infiltrada, há aumento do peso e da pressão hidrostática,
conforme já descrito.
Observações de campo e de moradores nos permitem afirmar que quanto maior e mais
concentradas forem as chuvas, maior é o desmonte do material das margens, principalmente
onde a composição é de areia solta, sem coesão. Quando isso acontece as margens ficam
“minadas” por árvores tombadas em grandes extensões, mais parecendo com efeito de uma
tormenta, conforme podemos observar na Figura 07.
75
Esse processo de desmoronamento é mais extensivo, ou seja, acontece ao longo das
margens, ao contrário dos escorregamentos que são mais localizados.
Figura 07 – Árvores tombadas ao longo da Costa do Miracauera durante e após chuva torrencial Autor: Alberto Carvalho - março/96
5.3 – A neotectônica
Como já abordado no Capítulo 1, a atual rede de drenagem do rio Amazonas é
caracterizada em seu conjunto como sendo uma drenagem fortemente orientada pelos fatores
estruturais e neotectônicos. Anomalias de drenagem, capturas fluviais, lineamentos, tipos e
formas de lagos, irregularidades na seqüência de sedimentos, entre outras anomalias, são
atribuídos a fatores neotectônicos.
Os primeiros trabalhos relacionando os padrões de drenagem dos rios amazônicos aos
fatores estruturais e tectônicos foram de Sternberg (1950; 1953). Inicialmente, interpretando
mapas resultantes de fotografias aéreas, Sternberg demonstrou que os vales da planície
amazônica e a padronagem dos rios Urubu, Rio Preto da Eva e Uatumã estão condicionados a
lineamentos de direção NE-SW e NW-SE. Em seguida e inquieto com a possibilidade de que
76
a bacia Amazônica sofrera com efeitos sísmicos, Sternberg publicou em 1953 o artigo
Sismicidade e Morfologia na Amazônia Brasileira em que aponta para essa região acima
citada como uma das principais regiões sismogênicas da Amazônia, associando o fenômeno
das terras caídas a atividades tectônicas recente. Para reforçar seu argumento o pesquisador
cita o registro histórico de Samuel Fritz quando passou nesse trecho, conforme já
mencionado.
Mauro, Nascimento e Garcia (1976); Franco, e Moreira (1977 ); Oliveira, Pitthan e
Garcia (1977), que trabalharam a Geomorfologia do Radambrasil, respectivamente as Folhas
SA-21- Santarém; SA-19 Içá e SB-19 Juruá apontam uma série de anomalias de drenagem
como resultante de movimentos tectônicos. Salientam que a seqüência dos processos de
erosão e deposição acontecidos no Quaternário, associados às mudanças climáticas e eventos
tectônicos provocaram modificações nas feições do relevo através de reativação dos processos
erosivos.
Mais recentemente Igreja (1999), define o modelo geral da neotectônica na região
amazônica como um Sistema Destral Este-Oeste. Considera que a atual planície, até então
interpretada como uma unidade geomorfológica estável, na verdade é uma unidade
relativamente movimentada, em que o eixo principal, no caso o rio Amazonas, representa uma
“Zona Principal de Deformação transcorrente essencialmente destral, compondo uma extensa
e sistermática malha de grandes falhas e fraturas [...]. Trata-se, nesse caso, de reflexo da
interação das placas Sul-Americana, de Nazca e Caribenha” (IGREJA, 2006, p. 225).
Portanto, a interpretação mais recente sobre a depressão amazônica é que os aspectos
fisiográficos dos rios, suas anomalias de drenagem, a formação das ilhas, o processo de
deposição dos sedimentos na bacia e a erosão acelerada do rio Amazonas são processos
influenciados pela neotectônica.
77
5.4 – Fatores climáticos
Os principais fatores climáticos que contribuem mais diretamente com o fenômeno das
terras caídas são os ventos, as fortes chuvas e as mudanças de temperatura.
O vento, como já observara Mousinho Méis (1968), desempenha um papel importante
no processo de terras caídas ao produzir banzeiros de altura e intensidade elevadas, que,
solapando as margens provocam desmoronamento e desabamento dos barrancos. Observa a
pesquisadora que nas “costas” onde o solapamento acontece com maior intensidade,
coincidem com os trechos dos rios onde pela sua direção, são atingidos pelos “ventos gerais”.
Observa ainda que a erosão lateral é mais rigorosa nos locais onde o canal atinge larguras
consideráveis e conseqüentemente, oferecendo maior superfície de atrito às correntes
atmosféricas e portanto maior formação de banzeiro e de solapamento das margens.
Essa observação é importante pelo fato que os grandes rios e os grandes lagos
amazônicos apresentam espelho d’água de grandes dimensões, onde qualquer vento soprando
mais forte assim como as tempestades fazem levantar banzeiro que mais parece ondas de mar,
inclusive colocando em risco e até provocando naufrágios de embarcações.
Chistofoletti (1981, p. 235-236), chama atenção para o fato que o registro da ação
erosiva dos banzeiros nas margens dos rios nem sempre são conservados.
Nos trechos aluviais, todavia, as marcas e as formas topográficas erosivas são facilmente obliteradas pela sedimentação posterior ou pela intensa movimentação detrítica [...] Ao contrário, as marcas erosivas e as formas topógráficas em leitos rochosos são mais perenes, facilmente percebidas e criam a imagem falsa de que a erosão só é atuante nesses trechos.
78
Realmente o trabalho erosivo dos banzeiros nas margens do rio Amazonas nem
sempre fica registrado, principalmente nos locais onde o pacote é formado por areia
inconsolidada. Nesses trechos de aluviões arenosos, as marcas da erosão são facilmente
removidas pelos solapamentos das margens. No entanto, nos trechos em que o rio é margeado
por sedimentos mais consistentes, via de regra argiloso ou siltoso, a ação dos banzeiros fica
conservada por mais tempo, principalmente na parte superior do barranco. Nos trechos de
estratificação mais heterogênea e de resistência variada do material, o trabalho do rio forma
margem mais arrampada e com degraus.
Observa-se também que em determinado trecho do rio, onde a composição do material
apresenta maior coesão, geralmente argiloso ou argilo-siltoso, a ação dos banzeiros produzem
buracos nas mesmas, causando desabamento de pequenos blocos da parte superior do
barranco, exemplificado na Figura 08.
79
Figura 08 – Buraco na margem esquerda do Paraná da Trindade, provocado pelo solapamento de banzeiro do vento com contribuição dos barcos. Observar no estrato superior ravinamento produzido pelo escoamento superficial. Autor: Alberto Carvalho /98
O efeito da ação dos ventos nas margens dos rios fica mais conservado em trechos de
rios de água preta, como na margem direita do rio Negro, em frente da cidade de Manaus.
Naquele local do rio Negro, os ventos que sopram de nordeste se deslocam ao longo de um
grande espelho d’água do rio Amazonas, provocando banzeiro forte que solapando
continuamente àquela margem, retira a camada do solo, provocando a derrubada das árvores e
deixando exposta a rocha intemperizada, coesa da Formação Alter do Chão, conforme se pode
observar na Figura 09.
80
Figura 09 – Erosão fluvial provocado por solapamento de banzeiro dos ventos na margem direita do rio Negro, em frente à cidade de Manaus. Autor: Alberto Carvalho
5.5 – A composição do material das margens
A composição do material que se encontra nas margens de um rio são elementos
importantes no processo de erosão, pois de certa forma, a competência do rio em retirar esse
material depende muito do tipo e do grau de coesão do material que constituem as mesmas.
Como já mencionado, a grande planície de inundação que margeia o rio Amazonas é
composta basicamente de sedimentos arenosos finos e pouco coesos do Holoceno.
Dados de textura analisados numa tradagem de 17m de profundidade a 110 m da
margem ( Figura 17 ) e de um perfil do barranco ( Figura 18 ), mostram que o material que
compõe a planície é predominantemente arenoso, com granulometria fina. Essas amostram,
apesar de localizadas, permitem uma idéia da composição dos sedimentos da várzea.
81
Esse material arenoso, que no dizer do caboclo é “falso”, possui pouca coesão, sendo
facilmente removido das margens pela ação das correntes, pelo solapamento dos banzeiros e
pelo escoamento superficial durante as chuvas torrenciais.
5.6 – Fatores antropogênicos
As terras caídas no rio Amazonas é um fenômeno basicamente natural. Antecede a
presença do homem e ocorre em locais onde não há moradores e nem embarcações
perturbando as margens.
No entanto, estamos considerando a participação humana como um fator
antropogênico no processo de terras caídas pelo fato de que mais recentemente sua ação tem
sido sentida como um agente facilitador do processo. Apontamos duas situações em que o
homem, ainda que em escala diminuta, vem contribuindo com a erosão das margens; o
desmatamento das margens do rio Amazonas e os banzeiros dos barcos que, cada vez mais
numerosos e mais potentes, estão deslocando volume de água cada vez maior e com mais
intensidade, e com isso aumentando o solapamento e a erosão das mesmas.
A planície holocênica do rio Amazonas, à medida que se forma, vai rapidamente
sendo recoberta por uma complexa e rica fitodiversidade. Esse rápido recobrimento dos
depósitos holocênicos por vegetação da várzea apresenta estágio de ocupação bem definida.
No estágio inicial, os depósitos de canal e de transbordamento são povoados pela vegetação
pioneira, cuja oeirana (Salix humboldtiana var martiana) é a principal representante,
acompanhada de variedades de capins aquáticos como capim-mori (Paspalum fasciculatum), e
a canarana fluvial (Eichnochloa polystachya). Essa vegetação pioneira é pouco competitiva e
já nos primeiros anos de ocupação é dominada pelas espécies conhecidas como invasoras,
82
cuja embaubeira (Cecrópia spp.) é a invasora principal e é acompanhada por outras espécies
como mungubeira (Bombax munguba), taxizeiro (Tachigalia sp.) entre outras.
O estágio seguinte e final da sucessão de vegetais da várzea é a floresta, cuja tipologia
Sioli (1981), chamou de mata de várzea.
A mata de várzea apresenta extrato arbóreo inferior ao da floresta de terra firme. No
entanto, algumas espécies vegetais da várzea se destacam pela sua postura majestosa, entre as
quais a sumaumeira (Ceiba petandra) uma das maiores árvores da Amazônia, que chega a
crescer de 40 a 50m de altura, com raiz tabular (sapopema ou sapobemba) que chega a 5 m de
altura (JUNK, 1981, p. 58). Outras espécies de árvores de grande porte e de vida mais longa
que povoam e se destacam na várzea são: o pau-mulato (Calycophyllum spruceanum), a
macacaúba ( Platymiscium paraenses), paracuúba (Mora paraensis), jacareúba (Calophyllum),
piranheira ( Piranhea tripoliata), açacu (Hura crepitons), muiratinga (Maquira sclerophylla),
castanha-de-macaco (Courupita guianensis), castanha sapucaia ( Lecythis paraensis Aubi).
Grande parte da mata de várzea que povoava as margens do rio Amazonas, em seu
curso médio e inferior, sofreu uma grande redução em seu domínio a partir da agricultura de
juta que se tornou a principal atividade econômica do vale do rio Amazonas a partir de 1940.
Com o rápido domínio das técnicas de plantio e coleta da juta pela população ribeirinha, a
floresta ciliar do rio Amazonas foi rapidamente derrubada para dar lugar aos roçados de juta.
Paralela ao cultivo de juta e com a desvalorização da mesma em meados de 1970, houve uma
intensa expansão da atividade pecuária na várzea.
Concomitantemente a essas atividades houve também uma crescente valorização de
madeiras na Amazônia.
Na década de 1970, houve incentivo governamental à exportação de madeiras em
toras, as quais foram exportadas para serem beneficiadas no exterior. Com a proibição da
exportação da madeira em toras, proliferaram as serrarias, fábricas de compensado e
83
laminado. Com o aumento do uso de madeira em forma de compensado e laminado, muitas
espécies da várzea que até então não tinham valor comercial, passaram a ser utilizada pela
indústria madeireira. É o caso da muiratinga, açacu, sumaúma e tantas outras que entraram no
rol das espécies comercializadas e transformadas em laminados e compensados. O resultado
foi uma diminuição drástica da floresta primária da várzea com conseqüências ainda pouco
avaliada. Hoje essas espécies que tanto chamavam atenção dos naturalistas já não estão tão
presentes na paisagem ribeirinha.
Embora o principal trabalho de erosão realizado pelo rio aconteça em profundidade,
bem abaixo das raízes das árvores, como demonstrou Sternberg (1998), o comportamento da
água dentro do pacote sedimentar deixada pelo transbordamento e quando das pesadas chuvas
nas áreas desmatadas, não tem o mesmo comportamento das áreas florestadas. A velocidade
de infiltração e consequentemente a variação do nível piezométrico no pacote sedimentar
sofre alterações. Essas alterações da dinâmica da água no pacote sedimentar, causados pelo
desmatamento da várzea, ainda não foi devidamente avaliada e dimensionada.
A contribuição mais evidente da ação antrópica em trechos das margens do rio
Amazonas está relacionada com a navegação.
A relação espaço/tempo no rio Amazonas sofreu mudanças significativas a partir da
década de 1970, em função principalmente do desenvolvimento do modelo Zona Franca de
Manaus (ZFM). O fortalecimento desse modelo de desenvolvimento se fez sentir também no
transporte fluvial, pois o mesmo foi intensificado e modernizado. O grande volume de
produtos a serem transportados da e para a Zona Franca fez surgir o transporte rodofluvial que
consiste em transportar container em carretas nas rodovias e embarcadas diretamente nas
balsas, como bem analisou Nogueira (1999).
Esse modelo de transporte teve modernizado e ampliado sua capacidade com a
construção do terminal graneleiro de soja em Itacoatiara, onde a empresa proprietária do
84
referido terminal construiu empurradores com potência de 5 a 6 mil HPs, para empurrar
grandes balsas no rio Madeira entre Porto Velho e Itacoatiara. O real impacto desse transporte
naquele rio ainda está por merecer estudos detalhados.
No final da década de 1990 a competição cada vez mais acirrada entre os proprietários
de embarcações para conquistar o passageiro, através da diminuição do tempo da viagem, fez
surgir os barcos expressos. Esse novo meio de transporte vem provocando mudanças
conceituais de distância e tempo amazônicos. Os expressos são barcos de baixos calados
construídos essencialmente com alumínio, material metálico leve que oferece pouco atrito
com a água e excelente hidrodinâmica. São geralmente equipados com motores potentes11 e
de alta rotação, chegando a desenvolver velocidade de 40 a 70 Km/h, velocidade essa
extraordinária para superfície d’água. Com isso, viagens desconfortáveis como de Parintins
para Manaus que na década de 1970 durava até mais de 30 horas, passou a ser vencida e com
certo conforto em menos de 10 horas.
Além dos barcos regionais, os navios também têm contribuído com o aumento do
solapamento das margens. O aumento no trânsito dessas grandes embarcações de carga foi
intensificado no rio Amazonas a partir da década de 1970, em função do desenvolvimento da
Zona Franca de Manaus.
Mais recentemente com o desenvolvimento do turismo ecológico, a partir de 1980,
Manaus entrou na rota dessa nova modalidade. Com isso navios de turismo passaram a subir
com mais freqüência o rio Amazonas até Manaus (Figura 10).
O aumento na capacidade de refino de petróleo na Refinaria de Manaus ( REMAN ) e
o aumento na exploração de petróleo na bacia de Urucu fez aumentar também a frota de
navios petroleiros no rio Amazonas. Mais recentemente, com a exploração de petróleo no
Urucu, os navios petroleiros estão chegando até aquela base da Petrobras. 11 Como exemplo dessa revolução no transporte fluvial podemos citar os expressos “A jato” que é equipado com dois motores de 550 HPs e com capacidade para transportar 80 passageiros, ou o “Dona Regina” um expresso equipado com dois motores de 1050 HPs e com capacidade para transportar 160 passageiros.
85
Essa revolução que vem acontecendo no transporte fluvial de passageiros e de carga
tem seu preço. Se por um lado esses barcos velozes estão encurtando distâncias e tempo, estão
também provocando problemas sociais e ambientais, pois o volume de água deslocado por um
barco a 50, 60 Km/h é grande, fazendo muito banzeiro e solapando as margens. Além de
contribuir com a erosão lateral através do solapamento, esse novo modelo de transporte está
oferecendo risco de vida e prejuízos para moradores ribeirinhos e para pequenos barcos e
canoas que se encontram nas margens.
Figura 10 – Navio de turismo internacional se deslocando na Costa do Miracauera. Inicialmente o deslocamento da embarcação provoca um pequeno recuo da água seguido de forte banzeiro, potencializando os fatores causadores das terras caídas. Autor: Alberto Carvalho – 06/02/94
86
6 – O processo das terras caídas
No rio Amazonas a erosão lateral resulta de um processo complexo envolvendo
simultaneamente escorregamento, desmoronamento e desabamento.
6. 1 – Escorregamento
Terzaghi (1980, p. 01) define escorregamento como “um deslocamento rápido de uma
massa rochosa, solo residual, ou sedimentos adjacentes de um talude no qual o centro de
gravidade da massa em movimento avança numa direção orientada para fora e para baixo”.
Para movimento similar, mas com deslocamento muito lento, o autor define como rastejo.
Guerra (1993), define escorregamento como a descida de solo ou das massas de rochas
decompostas, geralmente por efeito da gravidade, que nas estruturas inclinadas os
escorregamentos de terrenos são mais facilitados.
Os escorregamentos, conforme a forma de ruptura, são classificados em movimento
rotacional e translacional. Os escorregamentos do tipo rotacional são em geral mais profundos
e com ruptura apresentando forma curva e côncava. Esse tipo de movimento tem como
principal causa as variações do nível freático. O escorregamento do tipo translacional
apresenta forma de ruptura mais rasa e plana atingindo maior extensão.
Lima (1998, p. 104), estudando os impactos ambientais dos movimentos de massa no
rio Acre, observa que o escorregamento em primeiro momento apresenta-se bastante
acelerado, mas à medida que o processo é desencadeado tende a tornar-se mais estável,
tomando a característica e forma de rastejo. Essa situação também é freqüentemente
observada nas margens do rio Amazonas e evidentemente na área estudada.
87
Neste trabalho estamos utilizando o conceito de escorregamento como movimentos
associados mais lentos.
Na margem do rio Amazonas o processo de escorregamento é mais localizado,
formando chanfraduras nas margens, às vezes de grandes proporções12. O escorregamento só
não causa mais vítimas humanas ou outros danos materiais aos moradores ribeirinhos porque
o mesmo apresenta sinais durante a quebra do equilíbrio, como rachaduras na margem e
aumento de espumas no leito do rio, prenúncio de que a terra vai aluir.
Figura 11 – Processo inicial de escorregamento na Costa do Rebojão, na Ilha do Careiro. Observar a rachadura na margem Autor: Nunes, Set. /2004
Conhecedores desses sinais, os moradores ribeirinhos se apressam em tomar
providências para evitar perdas maiores. No entanto, nem sempre isso é possível e quando
acontece, as perdas materiais são inevitáveis. Histórias dramáticas de situações vividas como
12 No ano de 1999 houve um escorregamento logo à montante do Porte de Iranduba de grandes proporções. Abriu uma chanfradura na margem do rio de 170m no sentido transversal e 280m no sentido longitudinal ao rio.
88
perdas de bens materiais e de risco de morte no beiradão do rio Amazonas causado por terras
caídas é tão comum quanto história de cobra grande.
Esse processo como já observara Tricart (1977), Sternberg (1998); acontece com
maior intensidade durante a vazante do rio, resultado da ação conjugada da pressão hidráulica
da água corrente que é aumentada durante a subida da água do rio com a pressão hidrostática
aumentada durante a descida do rio.
6 . 2 – Desmoronamento
Para Guerra (1993), desmoronamento é o mesmo que avalanche sendo que esse termo
é usado em dois sentidos: para indicar a queda rápida de uma geleira ou para designar
desmoronamento ou escorregamento de terra devido à erosão.
O desmoronamento é aqui utilizado para designar movimento rápido de material do
barranco onde o mesmo apresenta plano de ruptura muito próximo do vertical.
Lima (1998, p. 113), em trabalho de campo, monitoramento pluviométrico e
hidrológico do rio Acre, observa que esse tipo de movimento está diretamente relacionado à
saturação do material pela infiltração da água, tanto por via pluvial como fluvial.
89
Figura 12 – Desmoronamento do material da margem durante forte chuva. Dias anterior à forte chuva o local estava com rachadura de 2 a 4 cm. Autor: Alberto Carvalho jan/96
Corroborando com essas observações verificou-se também na área da pesquisa que os
desmoronamentos acontecem de forma associado e quase simultâneo aos escorregamentos,
durante e após as pesadas chuvas. A Figura 12 mostra a situação da margem do Paraná da
Trindade logo depois de pesada chuva em que grande volume de material da margem foi
deslocado em forma de avalanche.
6 . 3 – Desabamento
Desabamento é o movimento abrupto de queda livre, em que o movimento é
extremamente rápido e resulta da ação da gravidade, não havendo, portanto, uma superfície de
deslizamento.
90
Figura 13 – Erosão do tipo desabamento na Costa do Miracauera. É um movimento rápido e mais contínuo que acontece abaixo do nível das raízes causado por solapamento no nível da água e em profundidade, fazendo o material desabar pela ação da gravidade. Autor: Alberto Carvalho /96
Na margem do rio Amazonas, esse processo resulta principalmente da ação dos
banzeiros do vento e até mesmo dos barcos que, solapando as margens, provoca queda livre
do material que compõem o barranco. Outra situação provocadora de desabamento é a
retirada do material que se encontra abaixo do nível das raízes das árvores até o fundo do rio,
provocado pela ação das correntes, conforme já bem abordada por Sternberg (1998). Apesar
do termo terras caídas na Amazônia se referir a todo tipo de erosão fluvial, o desabamento é o
que mais se coaduna literalmente à terminologia.
Constatou-se que a literatura especializada em erosão de encostas é muito rica, mas os
conceitos e as terminologias utilizadas nem sempre se coadunam devidamente ao ambiente
fluvial. A razão primordial é o fato de que a erosão de encostas de vale tem como principal
causa a ação da gravidade, enquanto que na erosão fluvial é a ação da água corrente que atua
como principal agente.
91
CAPÍTULO 3: LOCALIZAÇÃO, ASPECTOS FISIOGRÁFICOS E
SOCIOECONÔMICOS DA COSTA DO MIRACAUERA
Quando eu tinha 13 anos nós tava dormindo, uma noite, a minha mãe se acordô com uns istralos assim, esquisito, né? E ela se lavantô e foi vê o que era quando se deparô foi com uma rachadura por trás do nosso barraco, aproximadamente ele tinha dois dedo de largura, e aí aquela hora da noite nós fomo tirá o nosso bagulho de dentro da casa.[...] a noite não caiu a terra, quando amanheceu o dia, por volta de umas 10:00 horas do dia, aí caiu àquela enorme enseada medonha.
Depoimento de um morador da área pesquisada
1 - Localização geográfica
O trecho do rio Amazonas selecionado para a pesquisa sobre as terras caídas e suas
implicações sociais foi a Costa do Miracauera13, localizada na margem esquerda do Paraná da
Trindade14. Esse Paraná, formado na margem esquerda do rio Amazonas, contorna a Ilha
homônima, a partir da confluência com o rio Madeira, conforme observado na Figura 14.
13 Miracauera – Segundo Stradelli (1929), de mira = gente, nação, povo; cauera= osso, ossada. Etmologia tupy que significa onde tem osso de gente, no caso um cemitério. Essa terminologia está de acordo com a explicação de um morador antigo da área, pois segundo o mesmo, o furo do Miracauera, ao entrar na planície formava um lago, para em seguida voltar a forma de canal. Na margem mais elevada do lago havia um cemitério ao qual o referido morador disse ainda ter encontrado cerâmica quando fez um roçado no local. 14 A toponímia Trindade para a Ilha e Paraná por certo é uma alusão a “João Trindade”, um velho e famoso agricultor que morava na parte superior da ilha, ao qual o naturalista Henry Bates permaneceu por nove dias na casa desse agricultor, no ano de 1849. Embora a toponímia seja mantida nos mapas e cartas, a população local reconhece a Ilha mais com o nome de “Ilha do Cumaru”.
92
Localização da área estudada
LAT. 3º 13’ 36”
LAT. 3º 25’ 05”
58º 3
4’ 4
9”
58º 45’29”
Figura 14 - Em destaque a Costa do Miracauera no Paraná da Trindade. No centro da imagem está a Ilha da Trindade formada na confluência com o rio Madeira que se encontra com sua foz no canto inferior da imagem. Org. Alberto Carvalho/06
93
Na divisão político-administrativo do IBGE esse trecho do rio Amazonas está inserido
na Micro-Região 09 da Meso-Região Centro Amazonense, pertencente ao município de
Itacoatiara, no Estado do Amazonas.
Para efeito de interpretação da inserção do Paraná da Trindade no leito maior do rio
Amazonas foi delimitado uma área de 480 Km2, inserida nas coordenadas de 3º 13’08’’ a 3º
24’03’’ de latitude S e 58º32’51’’ a 58º45’50’’ de longitude Oeste, conforme Figura 14.
2 – Aspectos fisiográficos
2.1 – Geológico e geomorfológico
O rio Amazonas entre a cidade de Manaus e Itacoatiara é margeado por duas unidades
morfoestruturais; a Formação Alter do Chão que apresenta relevo bastante dissecado e os
depósitos fluviais Holocênicos formador da atual planície de inundação.
O relevo modelado sobre a Formação Alter do Chão que domina a margem esquerda
do rio Amazonas, foi classificado por Nascimento, Mauro e Garcia (1976), como Planalto
Dissecado Rio Trombetas-Rio Negro; Gatto (1991), Planalto Negro-Jari; Ross (2000),
Planalto da Amazônia Oriental. Enquanto que a deposição aluvional Holocênica que domina
toda margem direita do rio Amazonas, foi classificada por Nascimento, Mauro e Garcia (op.
cit.) como Planície Amazônica; Ross (op. cit.), Planície Amazônica; Gatto (op. cit.), Planície
Interiorana.
A Formação Alter do Chão datada do Cretáceo/Terciário aparece ao longo de quase
toda margem esquerda do rio Amazonas, se afastando apenas na antiga foz do rio Urubu, na
margem oposta à foz do rio Madeira, reaparecendo na mesma margem logo à montante da
cidade de Itacoatiara, mais precisamente onde é hoje o porto graneleiro da HERMASA. Pela
94
margem direita, entre Manaus e Itacoatiara, o rio Amazonas é todo margeado pelos aluviões
Holocênicos.
A grande área deposicional formada na confluência do rio Amazonas com o rio
Madeira, que deu origem a Ilha da Trindade e o Paraná de mesmo nome, resultou do forte
controle da tríplice junção tectônica que são os megalineamentos Trindade/Surubim que
controla o rio Amazonas, Madre de Dios que controla o rio Madeira e o lineamento Urubu.
A grande deposição formada na antiga foz do rio Urubu faz com que o mesmo, que
tem lineamento de direção NE-SW e NW-SE infletisse no sentido N até o limite litológico
com a Formação Alter do Chão, vindo a ser capturado pela bacia do rio Caru, esse, afluente
do rio Anebá onde após a junção deságuam no grande lago do Canaçari.
Essa unidade geomorfológica tem 37 Km de extensão e largura variando de 8 a 10
Km e é cortada transversalmente por três furos pelos quais o rio Amazonas transporta água
para o rio Urubu. São eles;
a ) Furo do Xituba - localizado no extremo inferior da planície, nas proximidades de
Itacoatiara. Esse furo liga o rio Amazonas ao rio Urubu e funciona como um típico “furo de
contato litológico” segundo Nascimento, Mauro e Garcia (1976), pois se encontra encaixado
entre o Terciário e o Quaternário;
b ) Furo do Cainamã - localizado no extremo superior da unidade e próximo do
contato litológico da planície com o Terciário (Costa do Amatari). Esse furo se formou no que
restou da antiga foz do rio Urubu. Nas suas proximidades foram formados lagos de várzea de
forma arredondados como o Lago Grande, Lago Preto, Lago Redondo, Lago Comprido, Lago
do Castanho e uma rede de pequenos canais recobertos pela floresta de igapó, sendo que
muito dessa drenagem está parcial ou totalmente recobertos por chavascais e aningais;
95
c ) Furo do Arauató15 – o mais importante furo da unidade formado transversalmente
no meio da planície ligando o rio Amazonas ao rio Urubu. Possui 25 Km de extensão, largura
de 12 a 15 metros, e de 8 a 10 metros de profundidade. É o furo pelo qual o rio Amazonas
melhor se comunica com o rio Urubu, pois tem leito definido em todo seu trecho e sem
obstáculo, o que permite a água fluir livremente até àquele rio. Essa comunicação acontece
normalmente entre os meses de janeiro a setembro. O furo do Arauató possui apenas um lago
ao longo do seu percurso.
No trecho da área de estudo o rio Amazonas se comunica com o Arauató através de
três furos menores que são os furos do Limão, furo do Miracauera e o furo da Boca do Padre,
ambos no trecho da pesquisa.
O furo do Limão tem a entrada localizada nas coordenadas de lat. 3º 14’ 53” e long.
58º 37’ 15” com direção estrutural N 45 E. Possui 4 Km de extensão e apresenta acelerado
processo de sedimentação na sua entrada.
O furo do Miracauera tem a entrada localizada nas coordenadas de lat. 3º 15’ 03’’ e
long. 58º 38’ 38’’ com direção estrutural de N 40 E. O mesmo liga o rio Amazonas ao
Arauató numa extensão de apenas 1 Km. Possui de 8 a 10m de largura e profundidade de 6 a
8m.
O furo da Boca do Padre localizado nas coordenadas de lat. 3º 16’ 02’’ e long. 59º 40’
adentra a planície com a direção estrutural N 40 E. Apesar desse furo apresentar leito bem
definido na sua entrada, o mesmo perde essa condição quando entra no igapó e aningal. Além
desses canais menores há algumas brechas de extravasão pelo qual o rio Amazonas esparge
sedimentos na mata de várzea.
15 Segundo Stradelli (1929), Arauató é Etmologia tupy que significa casta de símio, mais conhecido como “macaco de cheiro”, tão comum nas matas que margeiam àquele furo. Os moradores do local e adjacências chamam esse furo de “Paraná do Arauató”. No conceito acadêmico é um furo. Esse furo sempre teve grande importância para os moradores do rio Urubu, devido ser a principal via de acesso entre esse rio e o rio Amazonas.
96
O trecho do rio Amazonas selecionado para a nossa pesquisa está toda inserida na
planície holocênica.
Na classificação de Iriondo (1982), a planície fluvial nessa área apresenta duas sub-
unidades; os “depósitos de inundação” e a “planície de bancos e meandros atuais”.
Os depósitos de inundação correspondem à parte mais antiga e no interior da planície,
alimentados pelo rio Amazonas somente quando do seu transbordamento, onde o mesmo, pelo
processo de decantação deposita os sedimentos finos. A planície de bancos e meandros atuais
são na verdade os depósitos de canal, geralmente barras arenosas longitudinais e em crescente
que o rio depositou na fase atual.
Dados da análise grunulométrica mostram que esses depósitos recentes são mais
arenosos com pouca coesão e, portanto mais sujeito a ação dos agentes erosivos.
2.3 – Clima e vegetação
O clima da área de estudo é o mesmo da calha do Médio Amazonas, ou seja,
Equatorial quente e úmido com estiagem entre os meses de julho e outubro e com muita
pluviosidade entre os meses de dezembro a maio.
Os dados utilizados para caracterizar o clima da área foram da Estação Meteorológica
de Itacoatiara, localizada a 22 km à jusante da mesma.
Os dados do Quadro 7 analisados no período de 1978 a 1995 (dezoito anos) mostram
que, em Itacoatiara, a média de chuva no período foi de 2.406 mm/ano, enquanto que a
umidade relativa do ar teve média de 85,8 %. No mesmo período, a média de dias de
chuva/ano registrado na Estação foi de 185,4, ou seja, 50,6 % do ano chove em Itacoatiara.
97
Ano Meses com maior índice de chuva
Valor em mm Meses com maior volume de chuva/dia
Em mm/dia
1978 Fevereiro 430 Dezembro 110 1979 Fevereiro 348 Outubro 83 1980 Abril 298,4 Janeiro 77 1981 Janeiro 401,4 Janeiro 84 1982 Janeiro 411,8 Abril 85 1983 Março 346,1 Março 130 1984 Fevereiro 358 Março 102,7 1985 Janeiro 661 Novembro 125,4 1986 Março 373,3 Fevereiro 125,8 1987 Abril 373,9 Março 133 1988 Janeiro 406,2 Novembro 96,2 1989 Janeiro 355 Julho 123,7 1990 Janeiro 355 Julho 123 1991 Janeiro 636,4 Março 150 1992 Março 497,3 Março 211,9 1993 Março 444,8 Março 49,3 1994 Março 409,8 Março 100,4 1995 Abril 364,9 Março 121,6 Quadro 7 - Dados pluviométricos da Estação Meteorológica de Itacoatiara. FONTE: Instituto Nacional de Meteorologia – INMET – Ministério da Agricultura – Manaus Org. : Alberto Carvalho/2006
Observando o Quadro 7, percebe-se que os primeiros meses do ano são os mais
chuvosos, com maior concentração no mês de março, tanto no acumulado do mês como nas
chuvas concentradas/dia. Os dados mostram ainda que chuvas com mais de 100mm/dia é
freqüente na área.
Essa maior concentração de chuvas no início do ano contribui para acelerar o processo
das terras caídas nas margens do rio Amazonas e evidentemente na área do estudo. Dados de
campo, como veremos mais adiante, confirmam a aceleração das terras caídas nesse período,
pois provoca o aumento da pressão hidrodinâmica e hidrostática.
Com relação à vegetação, a predominância é de floresta de inundação. Sioli (1985)
classificou as florestas das áreas inundadas em mata de igapó e mata de várzea. Mata de
igapó foi definida como sendo as florestas inundadas dos rios de água preta particularmente
do rio Negro, enquanto que a floresta da várzea que margeia os rios de água branca foi
classificada como mata de várzea. Em sendo toda área de estudo formada pela planície de
98
inundação controlada pelo rio Amazonas a formação vegetal se enquadra no conceito de mata
de várzea.
Coelho et.al. (1976), identificaram na calha do médio Amazonas as Áreas de Tensão
Ecológica, assim denominadas as áreas que apresentam tipos de vegetação que se contactam e
se misturam, e subdividiram em três grandes unidades fisionômicas: a Savana, Formações
Pioneiras e Floresta Densa.
Por essa classificação toda a planície onde se encontra a área da pesquisa foi mapeada
como sendo de Contato Formações Pioneiras/Florestas. Portanto é uma área de Tensão
Ecológica caracterizada, essencialmente, por uma Floresta de porte médio, por vezes de
grande porte e por Formações Pioneiras, arbóreas arbustivas e graminosas, que ora se alinham
ao lado da Floresta, ora formam enclaves ( COELHO, et. al. 1976, p. 341).
A distribuição da população na várzea, como já observara os cronistas e naturalistas,
acontece sempre nas restingas mais próximas das margens, como pode ser observado no mapa
fundiário. Assim a vegetação nas proximidades da margem é predominantemente secundária,
ficando a vegetação primária mais para o interior da planície, que, via de regra apresenta
terrenos mais baixos para o interior da mesma, formando lagos, chavascais e aningais.
Na área estudada, podemos observar três situações no que diz respeito à vegetação. Na
parte inferior até o meio da área a vegetação é secundária com predomínio das embaubeiras,
resultado das atividades agrícolas de ciclo curto. No meio da área até a Comunidade Sª Nª do
Perpétuo Socorro, a vegetação é mais de gramínea, resultado da expansão pecuária. A partir
dessa Comunidade, no sentido montante, o predomínio é dos sítios agro-florestais, com
destaque para o cacau e seringueira.
99
3 - Aspectos socioeconômicos da Costa do Miracauera
Para entender a forma de ocupação da área de estudo se faz necessário conhecer um
pouco o processo histórico de ocupação desse complexo sistema amazônico que é a várzea.
3. 1 – Processo histórico de ocupação da várzea
A ocupação da Amazônia é tema que deve ser abordado de forma relativa, pois quase
sempre possui enfoque que vislumbra a perspectiva estabelecida a partir do conquistador
europeu.
É possível e coerente analisar o processo de ocupação da Amazônia sob duas
dimensões: a ocupação passada, preconizada pelos povos autóctones, denominados pelos
próprios colonizadores, por um equívoco geográfico, de indígenas, e a colonização
estabelecida nos moldes europeus; num primeiro momento espanhóis, posteriormente e
efetivamente pelos portugueses.
Acredita-se que o processo de ocupação e povoamento da Amazônia pretérita se deu
de forma gradual, durante milhares de anos, tendo seu início a partir de fluxos migratórios,
visto que, segundo Porro “Todos os povos indígenas da América [...] são originários da Ásia
e, possivelmente, também da Oceania. Em época [...] que pode ter começado há mais de 40
mil ou 50 mil anos [...]” (PORRO, 1996, p. 14).
Considerando o tempo que transcorreu entre o possível inicio da ocupação indígena e
a ocupação européia, pode-se afirmar que diferentemente do que se considerou durante muito
tempo, a Amazônia não foi um “vazio demográfico”, como não o é também hoje. Tal idéia foi
baseada em estudos que sustentavam a premissa de que o tamanho de uma população era fator
determinante do poder nacional, concluindo-se que o fato de os povos indígenas terem sido
100
vencidos e dominados pelos invasores significava que a sua população era pouco expressiva
em termos numéricos. Assim:
A postura predominante na antropologia americana, com relação à demografia indígena, caracterizou-se, até a década de 1960, pelo conservantismo. Partia-se quase sempre da premissa de que as estimativas dos primeiros cronistas eram sempre exageradas, e, portanto, deviam ser descartadas. Essa postura parece ter resultado da noção geopolítica de que o tamanho da população é um fator determinante do poder nacional ou tribal. Projetava-se dessa forma, para o passado, uma imagem construída a partir do índio submetido. (PORRO, 1996, p. 20).
Antônio Porro (op. cit.) exprime de forma bastante clara a visão que se cultivou, e
diríamos ainda se cultiva acerca da Amazônia, a visão de uma região pouco habitada,
selvagem, inóspita, cuja sociedade deve ainda ser concebida como aquela que precisa ser
tutelada, vista de forma exótica, com pouca importância em termos de organização e
complexidade social. Neste sentido, a concepção da antropologia americana ainda se constitui
num discurso bastante forte e atual, não somente no exterior, mas também no próprio Brasil
que em passado recente viu ser implementado uma geopolítica de integração nacional cujo
discurso era de “levar homens sem terra para uma terra sem homens”.
No entanto, se a antropologia americana mantinha uma postura conservantista até
1960, o mesmo não se pode dizer dos demógrafos da “escola de Berkeley”, que, a partir de
1970, aprofundaram os estudos de demografia histórica, redimensionando os números sobre a
população indígena da Amazônia. Entre os vários trabalhos sobre o tema destaca-se o de
Denevan (1976), cujos estudos apontaram para a diferenciação da ocupação nos ambientes de
várzea e terra firme, ao qual podemos afirmar que a proporção inversa em termos
populacionais nesses dois ambientes é significativa, pois segundo este autor a terra firme, que
corresponde a cerca de 98% da Amazônia, teria uma densidade demográfica de 0,2 hab./km2,
101
ao passo que a várzea, correspondente a uma parte pouco expressiva em termos territoriais,
teria cerca de 14,6 hab./km2, conforme pode ser observado no gráfico abaixo.
A várzea, portanto, sempre foi o ambiente com a maior densidade demográfica na
Amazônia, desde a ocupação pretérita, ou seja, dos indígenas. Isso pode ser confirmado pelos
relatos dos cronistas, que chegavam muitas vezes a admirar-se da quantidade de índios e de
aldeias que encontravam nas margens dos rios, como Cristóbal de Acuña que no ano de 1641
diz que:
Todo esse novo mundo é habitado por bárbaros de distintas províncias e nações [...] Passam de cento e cinqüenta, todas as línguas diferentes, tão vastas e povoadas como as que vimos por todo esse caminho [...] Essas nações ficam tão próximas umas das outras, que, em muitas delas, dos últimos povoados de uma se pode ouvir o lavrar da madeira nas outras [...] ( ACUÑA, 1994, p. 95).
É de se considerar ainda o fato de que a ocupação da várzea sempre foi maior nas
bordas das ilhas e nas proximidades das margens onde o processo de deposição é maior,
elevando o nível das restingas e oferecendo melhores condições de moradia.
102
3.2 – População e principais atividades econômicas
O padrão de ocupação atual da área de estudo obedece aos mesmos padrões da
ocupação do ambiente da várzea amazônica, constituindo-se de pequenas propriedades com as
casas construídas nas proximidades das margens dos rios.
Em levantamento de campo realizado em dezembro de 1997 registrou-se 38 famílias
distribuídas ao longo dos nove quilômetros da Costa, perfazendo um total de 243 pessoas,
com a seguinte faixa etária; jovens 56,37 %; adultos 37,86 %; idosos apenas 5,76 %.
Acresceste-se o fato de que 43,06 % da população jovem estão na escola que oferece
ensino até a 4ª série nas escolas das duas comunidades.
O Quadro 8 mostra a composição da população por sexo que era de 53,5 % de homens
e 46,5 % de mulheres e etária no momento da pesquisa, assim composta:
Jovem ( %) Adulto ( %) Velho ( %)
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
28,39 27,98 21,39 16,46 3,7 2,05
Quadro 8 - Estrutura etária da população da Costa do Miracauera FONTE : Alberto Carvalho - Trabalho de campo – dez/97
Na Amazônia, sobretudo em sua parte ocidental, a agricultura na várzea sempre se
constituiu em principal atividade, ao lado da pesca. No entanto a pecuária tem mudado essa
paisagem na várzea do Médio Amazonas, iniciando-se a partir do município de Parintins,
onde, segundo Fraxe (2000, p. 112), ocorreu um “processo de pecuarização”, com reflexo
também na área da pesquisa, como veremos mais adiante.
No que concerne às atividades econômicas, a agricultura, a pesca e ultimamente a
pecuária se constituem em importantes bases produtivas. Embora o plantio da mandioca,
103
visando à produção da farinha, se destaque na agricultura, a existência e proximidade com a
feira do produtor em Itacoatiara fizeram com que os pequenos agricultores passassem a
produzir e vender seus produtos naquela feira, como banana, macaxeira, verduras e alguns
legumes. Na parte superior da área ainda são mantidos os antigos sítios agroflorestais,
particularmente o cacau que ainda tem algum valor comercial, a seringueira além de árvores
frutíferas.
A pesca, a partir da década de 1970, passou a ter maior importância econômica para os
moradores ribeirinhos. Na área em estudo, essa atividade é praticada como atividade
complementar em dois momentos bem distintos; (a) na piracema16 do peixe de igapó que sai
para o rio Amazonas nos meses de maio e junho, principalmente o jaraqui e matrinxã e ; (b) a
pesca do peixe liso e a piracema de peixe miúdo como a sardinha, pacu, aracu entre outras
variedades que saem dos lagos e formam cardumes que migram no sentido montante durante
os meses de agosto a outubro, quando o rio está em vazante.
Com relação à atividade pecuária na Costa do Miracauera percebe-se que a mesma
está em expansão e mudando a paisagem da Costa. Em menos de trinta anos o rebanho bovino
saiu do zero para 200 cabeças, com dezenove famílias criando gado branco e um criador de
búfalo.
Assim, discorrendo sobre o processo de ocupação da várzea amazônica, pode-se aferir
que tanto na ocupação primitiva, pelos povos indígenas, quanto na ocupação posterior, com a
colonização, este ambiente sempre foi o mais propício ao estabelecimento humano, seja pela
proximidade com os rios, ou pelas condições favoráveis à agricultura. Na margem do rio onde
este trabalho se realizou obedece a tais padrões, ou seja, significativa densidade demográfica e
fundiária.
16 Segundo Octaviano Mello Do tupi pirá = peixe; cema = abundância. Cardume, abundância de peixe.
104
3.3 – Situação fundiária
A Figura 15 mostra o mapa fundiário da Costa do Miracauera com dados cadastrais do
extinto Instituto de Terras do Amazonas – ITERAM – realizado em 1982. Pelos dados
cadastrais daquele órgão, havia 32 pequenas propriedades ao longo de 9 km de extensão da
Costa do Miracauera, cujo tamanho médio das mesmas é de 10 hectares. É, portanto, um
padrão fundiário bastante distoante quando comparado com os latifúndios de terra firme.
Parana da Trindade
Area de estudo
Ilha da Trindade
Lago do ArariRio Amazonas
ESCALA1 100.000
Fonte: ITERAM/1982Org. Alberto Carvalho/2006
MAPA FUNDIÁRIO
Figura 15 - Mapa fundiário da Costa do Miracauera. Observa-se a predominância da pequena propriedade em toda área da várzea FONTE: Instituto de Terras do Amazonas - ITERAM Org. Alberto Carvalho/Marcos Castro
105
Os dados de campo mostram ainda que o número de famílias é maior do que os de
propriedades. Considerando que em alguns terrenos não havia moradores, pode-se afirmar que
há mais de uma família constituída em muitas dessas pequenas propriedades.
Outro fato a se destacar, além do tamanho, é a geometria dos terrenos como podemos
observar no Quadro 09. Muito dos terrenos foram cadastrados e 1982 com 400 a 600 metros
de fundo quando no trecho mais côncavo da Costa só em dez anos a erosão lateral já recuou a
margem em quase trezentos metros. A rigor, muitas das propriedades estão com tamanho
virtual, pois na realidade, já foram reduzidas pela metade.
Ordem Dimensão ha Ordem Dimensão ha 1 200 x 1000 20 17 500 x 2000 100 2 400 x 100 40 18 150 x 200 3 3 500 x 400 20 19 150 x 300 4,5 4 500 x 600 30 20 150 x 500 7,5 5 250 x 1000 25 21 200 x 1000 20 6 350 x 200 7 22 150 x 500 7,5 7 110 x 500 5,5 23 150 x 1000 15 8 500 x 600 30 24 140 x 1000 14 9 200 x 700 14 25 140 x 1000 14
10 150 x 1000 15 26 150 x 700 10,5 11 500 x 1000 50 27 200 x 500 10 12 600 x 600 3,6 28 200 x 200 4 13 400 x 500 20 29 100 x 100 1 14 450 x 600 27 30 100 x 1000 10 15 350 x 400 14 31 200 x 500 10 16 250 x 400 10 31 160 x 400 6,4
Quadro 9 - Tamanho das propriedades na Costa do Miracauera FONTE : Governo do Estado do Amazonas – levantamento realizado em 1982 pelo extinto ITERAM Org. Alberto Carvalho/06
106
A título de conclusão do capítulo podemos dizer que a várzea é um complexo e frágil
sistema flúvio-lacustre controlado pelo rio Amazonas que a submete ao transbordamento total
ou parcial todos os anos. Pelas condições físico-químicas de suas águas e “solos” possui rica
biodiversidade, inclusive muitos mosquitos. Mesmo com as adversidades, a várzea como visto
anteriormente, sempre foi historicamente a unidade mais povoada do médio e baixo
Amazonas. Entender essa situação populacional da várzea não é tão difícil. Perguntado a um
morador da área por que ele continuava naquele lugar se tem tanta terra caída, alagação quase
todos os anos e muito carapanã, a resposta foi rápida “ É porque aqui tudo que se planta dá”.
107
CAPÍTULO 4 – CARACTERIZAÇÃO DAS TERRAS CAÍDAS E O IMPACTO
SOCIOAMBIENTAL PARA OS MORADORES DA COSTA DO MIRACAUERA
Acho que tô pagando imposto de água porque minha terra tá acabando! [...] que quando eu comecei a morá aqui a primera restinga que tinha já se acabô, nós temos já na segunda restinga, já na última quase.
Depoimento de um morador da área
1 – Geometria do Paraná da Trindade
A distribuição das correntes dentro de um canal fluvial depende muito da forma
transversal do seu leito. Conhecer a geometria de um canal é importante, pois o processo de
erosão e deposição dos sedimentos está em função da posição do talvegue dentro do mesmo
(SUGUIO & BIGARELLA,1990; CUNHA,1995).
Para se estudar a relação da geometria do canal com a erosão lateral, foram realizados
quatro perfis batimétricos transversais no Paraná da Trindade, conforme Figura 16.
A medição batimétrica consistiu no uso de um ecobatímetro, modelo Apelco – 260,
cujo sensor ficava a 40cm de profundidade, preso a uma vara amarrada ao lado da
embarcação. A velocidade da embarcação foi de 6 a 8 Km/h e continuamente a cada 10
segundos se registrava um dado do visor do aparelho.
Visando comparar possíveis alterações no leito do Paraná da Trindade, através de
sobreposição de gráficos, as medições batimétricas das secções foram repetidas em anos
diferentes. A primeira medição foi realizada em 15/01/96 quando a cota do rio Amazonas no
Porto de Manaus estava em 21,89m e a última medição foi realizada em 24/10/05 quando a
cota do rio estava em 14,77m acima do nível do mar. A diferença da cota, portanto é de
7,12m.
108
O Paraná da Trindade é um canal retilíneo com direção N 45º E, medindo 23 Km de
extensão e largura variando de 1,5 Km na parte mais estreita, próximo a sua entrada,
chegando a 3,4 Km no trecho mais largo onde se encontra a pequena Ilha da Benta, na
extremidade nordeste, voltando ao rio Amazonas tem a largura de 2,1 Km (Figura 16).
LAT. 3º 13’ 36”
4 3
2
1
58º 45’29”
58º 3
4’ 4
9”
LAT. 3º 25’ 05” Figura 16 – Imagem de satélite com a localização dos perfis transversais realizados no Paraná da
Trindade. Observar o canal alargado nas proximidades da pequena Ilha da Benta. Em destaque maior aIlha da Trindade, tendo a foz do rio madeira no canto esquerdo inferior. FONTE : Google Earth//2006 Org. Alberto Carvalho/2006
109
O Gráfico 03 mostra o perfil batimétrico n° 01 (margem esquerda lat. 3º16’29’’S long.
58º 41’ 12’’W; direita lat 3º 17’31’’S e long. 58º 40’36’’W ) realizado no limite superior da
área estudada, onde o Paraná tem 2000m de largura (Figura 16).
Nessa secção transversal os gráficos mostram um canal com o fundo simétrico
ligeiramente aprofundado nas proximidades da margem esquerda.
A simetria do fundo do canal parece estar relacionada com a uniformidade da
distribuição de energia dentro do mesmo, resultado da retilinidade do canal e de uma maior
uniformidade na resistência do material. Os dados granulométricos do local mostram que a
composição dos sedimentos que é predominantemente silto-argiloso e argilo-siltoso, portanto
com maior grau de coesão. Os dados de monitoramento das terras caídas mostram que nesse
local a velocidade de erosão lateral é muito baixa se comparado com o trecho mais côncavo
da Costa.
0
5
INSERIR FRÁFICO 1 COM COOR
Perfil Transversal nº 1
10
15
20
25
30
35
40Largura 2.000m
(m)
1996 (15/01) - Cota 21,89m 2005 (24/10) - Cota 14,77m
Direita Esquerda
Gráfico 03 – Perfil batimétrico transversal do Paraná da Trindade. A diferença do nível do rio entre as duas medições é de 7,21m. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006
110
O Gráfico 04 mostra o perfil transversal nº 2, (Esq. lat. 3º16’42’’S e long.
58º39’32’’W; Dir. lat 3º17’16’’S e long. 58º39’19’’W) realizado no meio da área pesquisada
próximo à Ilha da Benta, onde o Paraná da Trindade atinge 3,4 Km de largura.
Esquerda
Direita
Perfil Transversal nº 2
-5
0
5
10
15
20
25
30
35
40 Largura 3.400m
(m)
15.01.96- Cota 21,89m 24.10.05 - Cota 14,77m
praiaDireita
Esquerda
Gráfico 04 – Sobreposição dos gráficos do perfil transversal do Paraná da Trindade, rente a Ilha da Benta. O gráfico batimétrico de 2005 mostra uma grande praia na parte superior da Ilha da Benta. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006
Os gráficos sobrepostos mostram que as maiores profundidades estão rentes às
margens, sendo que a margem esquerda apresenta maior aprofundamento. Essa maior pressão
nas laterais resulta da bifurcação do fluxo pela pequena Ilha da Benta, principalmente na
Costa do Miracauera, onde o processo das terras caídas é mais acelerado.
111
O perfil realizado em 15/01/96 confirma essa pressão lateral quando mostra que as
maiores profundidades estão rentes às margens, com ligeiro aprofundamento na margem
esquerda. O gráfico da segunda medição realizada em 24/10/05 e sobreposta à anterior
confirma as alterações significativas ocorridas no Paraná da Trindade. Percebe-se pela
sobreposição dos gráficos que houve grande deposição ao longo do canal a montante da Ilha
da Benta e para a margem direita do Paraná. Enquanto que na margem esquerda o canal está
sendo encaixado.
O Gráfico 05 mostra o perfil transversal de nº 3 realizado da Costa do Miracauera (
lat.3º 15’32’’S e long.58º 38’53’’W) para o meio da Ilha da Benta (lat.03º15’10’’S e long.
58º39’06’’W), durante a grande vazante de 2005. O gráfico nos permite observar que o canal
estava com apenas 1/3 (495m) de água corrente durante a excepcional vazante, enquanto que
2/3 do canal (995m) estava tomado por praias, resultado de depósito de fundo. Percebe-se que
o canal está com seu talvegue ao longo do barranco, razão pela qual a erosão é mais acelerada
nesse trecho da costa.
112
Perfil Transversal nº 03
-15
-10
-5
0
5
10
15
20
Largura 1.700m
(m)
24.10.05 - Cota 14,77m
Esquerda Direita
Praia (995m)
Gráfico 05 – Perfil transversal do Paraná da Trindade mostrando a dissimetria do canal entre a Ilha da Benta e a Costa do Miracauera, durante a grane vazante de 2005. Observe que o canal está com apenas 1/3 de água corrente e com talvegue rente a margem, enquanto que 2/3 do canal é de praia. FONTE: Trabalho de campo realizado em out./2005 Org. Alberto Carvalho/2006
O Gráfico 06 mostra o perfil batimétrico nº 4 realizado no extremo inferior da área da
pesquisa (esquerda lat.3º14’51’’S e 58º36’34’’long.W; direita lat. 3º16’02’’ S e long.
58º36’23’’ W). O gráfico da primeira medição mostra o canal bastante assimétrico com um
forte encaixamento na margem esquerda. Dados de campo e cartográfico confirmam que
nesse ponto havia um lago que foi assoreado recentemente por sedimentos arenosos, sendo
facilmente removidos pelas fortes correntes turbulentas que acontece na margem facilitando o
aprofundamento do talvegue. A sobreposição mostra que houve deposição de fundo no local e
em todo o canal. Percebe-se também que à jusante da Ilha da Benta houve grande deposição
de sedimentos de fundo, formando grande extensão de praias e conseqüentemente
assoreamento e estreitamento do canal na margem direita.
113
Perfil Transversal nº 4
-505
10152025303540
Largura 1.800m
(m)
15.01.96 - Cota 21,89m 24.10.05 - Cota 14,77m
praia Direita Esquerda
Gráfico 06 – Perfil transversal do Paraná da Trindade, extremo nordeste da área pesquisada. A sobreposição dos perfis mostra uma diminuição da dissimetria do canal, com deposição em ambas as margens com trecho longo de praia nas proximidades da margem direita. Org, Alberto Carvalho/2006
Os gráficos batimétricos, a sobreposição das imagens de satélite e os depoimentos dos
moradores mais antigos permitem afirmar que o Paraná da Trindade está em processo
acelerado de alargamento no trecho bifurcado pela Ilha da Benta. A velocidade de erosão é
ligeiramente maior na margem esquerda onde o mesmo está encaixando seu talvegue. Na
margem direita do Paraná, a erosão lateral é menor e o canal está sofrendo deposição de
fundo, se tornando progressivamente mais raso já apresentando grande extensão de praias
emersas.
Essa situação foi constatada em 24 de outubro de 2005, durante trabalho de campo
quando o rio estava no seu nível mais baixo. Nessa excepcional vazante (2005) a Ilha da
Benta estava cercada de grandes extensões de praias em todo seu entorno, sendo que a
margem direita apresentava maior elevação de depósito de fundo, quase fechando o canal.
114
Essa mudança na dinâmica fluvial do Paraná da Trindade também é confirmada pelos
relatos dos moradores antigos do Paraná e adjacências. Um desses moradores deu o seguinte
depoimento;
Na minha lembrança, em 1933, a largura da marge do Miracauera pra pegá a Ilha da Benta, mais que dava era 200m, era estreito, aí foi caindo, caindo [...] e o canal passava entre a Benta e a Trindade, aonde passava os navio grande. Essa parte daqui não passava embarcação grande, nem na enchente e nem na seca. [...] Quando a gente vinha de Itacoatiara, só andava por fora que aquela terra que arriava não puxá a canoa pra afundá [...] Essa terra cai por causa de muito olho d’água. Ela transmite por baxo da terra, que vem daqueles aningal. [...] ela vai partindo a terra. Ela escorrega a terra ( Depoimento de um morador antigo, 80 anos).
2 – A composição do material da Costa do Miracauera
A relação da secção do canal com a velocidade de fluxo determina a competência do
rio, definida como o tamanho máximo do material a ser removido e o volume de carga a ser
transportado, definido como capacidade do rio (SUGUIO e BIGARELLA, 1990, p. 29) .
Portanto a competência de um rio está relacionada também com a composição e resistência
dos materiais das margens. Meis (1968), já afirmara que as terras caídas nas margens do rio
Amazonas têm relação direta com a “ resistência oferecida pelos materiais das margens”.
Para relacionar a intensidade das terras caídas com a composição do material das
margens foram retiradas amostras de dois perfis. As análises granulométricas das amostras
foram realizadas nos laboratórios da EMBRAPA – Manaus.
O primeiro local escolhido para coleta das amostras foi o extremo superior da área de
estudo. O material foi retirado por meio de uma tradagem de 17m de profundidade, distante
110m da margem e a cada metro, conforme mostra a Figura 17.
115
Figura 17 – Perfil da composição granulométrica do material da margem esquerda do Paraná da Trindade, no extremo superior da área da pesquisa. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006
110 m
17
16
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
11 2 3 4 5 6 7 8 9
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22
Areia grossa
Areia fina
Silte Argila % Areia
0,20 83,26 15,44 1,10 83,46
5,58 10,81 64,96 18,65 16,39
0,89 36,84 51,57 10,70 37,73
1,77 90,75 4,78 2,70 92,52
0,25 77,28 19,27 3,20 77,53
0,58 35,60 54,32 9,50 36,18
1,26 8,58 72,61 17,55 9,84
0,59 4,80 66,41 28,20 5,39
0,38 7,82 93,90 27,90 8,20
0,63 4,98 68,64 25,75 5,61
3,18 6,52 64,85 25,45 9,70
0,13 9,93 74,94 15,00 10,06
0,24 5,20 71,81 22,75 5,44
0,32 27,29 58,29 14,10 27,61
0,06 17,14 66,33 16,15 17,52
0,32 59,49 34,89 5,30 59,81
0,70 72,63 25,02 1,65 73,33
Nos dois primeiros metros o material é predominantemente siltoso, sobreposto a um
extrato extremamente arenoso nos dois metros seguintes. A partir de cinco metros até
quatorze metros de profundidade o material é predominantemente siltoso, ao silto-argiloso. A
partir dos quinze metros de profundidade o sedimento se torna arenoso a areno-siltoso. Uma
amostra retirada do fundo do canal a 80m distante da margem, durante a excepcional vazante
de 1977, mostra que a composição é areno-siltosa com 48,15% de areia fina e 45,28% de silte
com apenas 6,5% de argila.
116
O segundo perfil granulométrico foi realizado no trecho mais côncavo da Costa do
Miracauera (coord. de lat. 3º15’12” S e long. 58º39’06” W), em um barranco com 6,1m de
altura e em forma de micro-falésia. O material foi retirado das camadas que se encontravam
intercaladas e visualmente bem estratificadas, conforme se observar na Figura 18.
No primeiro metro de profundidade, há um equilíbrio entre areia e silte, com um
ligeiro predomínio de areia. No terceiro e quarto metro de profundidade as camadas são
essencialmente siltosas, de cor cinza, intercaladas por uma camada predominantemente
arenosa de cor amarela. Nas camadas inferiores, a predominância é de areia de cor cinza,
sendo que a camada que se encontra no nível da água chega a 90,4% de areia.
Nesse ponto, os dados granulométricos do barranco mostram que o pacote sedimentar
é predominantemente arenoso, intercalado por estratos siltosos e com diminuição de argila.
Os dados mostram ainda que o percentual de areia é crescente na medida em que se
aprofunda, pelo menos até no nível da água.
117
Figura 18 – Foto mostrando os estratos bem definidos no barranco. Em destaque uma camada amarela extremamente arenosa intercalada por duas camadas siltosas de cor cinza. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006
A análise granulométrica da Costa do Miracauera apresenta diferenças significativas
na sua composição. Os dados mostram que no extremo superior da área, onde a velocidade de
erosão é pequena, o material é predominantemente siltoso a silto-argiloso. No sentido jusante,
onde a erosão lateral é acelerada coincide com o aumento no índice de areia, com
intercalações de camadas areno-siltosa e diminuição no índice de argila. No extremo inferior
da área os dados mostram um aumento ainda maior no percentual de areia e diminuição de
argila. Essa diferença na composição e evidentemente no grau de coesão dos sedimentos
influencia na velocidade de erosão fluvial, sendo maior onde ocorre mais areia.
118
3 – Análise e interpretação das terras caídas na Costa do Miracauera
As terras caídas nas margens do rio Amazonas resultam de processos complexos
envolvendo a pressão da água corrente, pressão da água retida na planície, fatores
neotectônicos, climáticos, litológicos e em alguns trechos das margens a ação antrópica tem
dado pequena contribuição.
Após levantamento de literatura, análise neotectônica em mosaicos de radar, imagens
de satélite e cartas planimétricas, complementado com estudos em campo no Paraná da
Trindade e no rio Amazonas foi possível elaborar o mapa estrutural dos principais
lineamentos da área (Figura 19). Constatou-se que a presença de estruturas neotectônicas
transtensionais são uma constante. Verificou-se que a tríplice junção dos lineamentos Urubu,
Trindade/Mandií/Surubim que controlam o rio Amazonas e o Megalineamento Madre de Dios
que controla o rio Madeira, atuam como os principais fatores controladores da erosão e
deposição na área da pesquisa. Essa interpretação é recorrente na literatura especializada
(FRANZINELLE, H. & IGREJA, H. 1990; COSTA, S. 1996; IGREJA, H. 1997; FILHO, P.
et al. 1999) os quais afirmam que os eventos catastróficos acontecem principalmente nos
cruzamentos dos grandes lineamentos geológicos.
O Quadro 10 sintetiza a interpretação atual dos fatores que de forma isolada ou em
conjunto atuam no processo erosivo do Paraná da Trindade.
119
FATORES REGIONAL LOCAL
Hidrodinâmicos Relevo topográfico diminui de NO para SE. Pressão
lateral e vertical causado pelo grande volume de
descarga do rio Amazonas. Turbulência e variação
sazonal do nível d’água do rio Amazonas.
Corrente fluvial solapando o
barranco. Ilha no meio do canal
bifurca o fluxo fazendo pressão
nas margens.
Hidrostáticos Grande volume de água do transbordamento sazonal e
das chuvas retido na imensa planície de inundação.
Ocorrência de lagos, pequenos
canais e aningais na área, além
da água da chuva.
Climáticos Estiagem e insolação prolongada com chuvas
torrenciais. Elevado índice pluviométrico nos
primeiros meses do ano. Regime fluvial do rio
Amazonas transbordando a planície. Ação dos ventos
provocando banzeiros.
Chuvas torrenciais alimentando
os lagos e saturando a planície.
Banzeiros do vento solapando as
margens. Temperaturas elevadas
nos cinturões arenosos do
quaternário, desagregando as
areias e ressecando as argilas.
Litológicos Formação de grandes depósitos de sedimentos
Holocênicos ao longo da calha do rio Amazonas.
Predomínio de estratos arenosos
na composição do pacote
sedimentar.
Neotectônicos Tensão intraplaca litosférica; Ciclos de compressão e
distensão tectônicas. Sistema Neotectônico
Transcorrente Destral Atual; Zona Principal de
Deformação Solimões/Amazonas; Cruzamento de
grandes lineamentos; Megalineamento Madre de Dios
– Itacoatiara; Lineamentos neotectônicos ativos e
inativos principalmente NO-SE e NE-SO
Lineamento Urubu,
Trindade/Surubim e Itacoatiara;
Alívio transtensional do bloco
subsidente Quaternário da foz
do Urubu. Depósitos quaternário
sintectônicos; Cruzamento de
falhas e juntas neotectônicas
quaternárias.
Antropogênicos Retirada da vegetação ciliar e ação dos barcos. Desmatamento para a prática
agrícola, banzeiros de barcos
regionais e navios.
Quadro 10 - Fatores que promovem o fenômeno das terras caídas na Costa do Miracauera, Paraná da Trindade Org. – Igreja e Carvalho/2005
120
Falhas e Lineamentos Tectônicos
Ilha Benta
Prai
a do
Pre
tinho
Ilha Espirit
o Santo
Enseada do Madeira
Lago
do
Arap
apa
Furo Miracauera
Lago
Gra
n de
Lag o
Re d
o nd o
Lago
Com
prid
o
Lago Preto
Costa da Conce icao
Furo Ca inama
Lineamento da Trindade
Lineamento Mandií
Linea
men
to S
urub
im
Lineamento Urubu
MAPA NEOTECTÔNICO DA ÁREA
Escala aproximada 1:200.000Fonte: Imagens Landsat 1986 e 2001Org. Alberto Carvalho/2006
Figura 19 – Mapa estrutural dos principais lineamentos da área Org. Alberto Carvalho/2006
Em conformidade com os fundamentos hidrodinâmicos (CHRISTOFOLETTI, 1981;
SUGUIO & BIGARELLA, 1990; CUNHA, 1995) em canal sinuoso a pressão lateral é maior
na margem côncava enquanto que a margem convexa predomina a deposição. Os dados de
campo e de sobreposição de imagens confirmam esse princípio hidrodinâmico, quando
mostram que a erosão acelerada é maior na parte mais côncava do canal e para jusante onde o
impacto hidráulico é maior, coincidindo também com o trecho em que há aumento do índice
de areia na composição do pacote sedimentar, como visto nas Figuras 17 e 18.
O Quadro 11 mostra que no extremo superior da área (NO), onde a formação dos
sedimentos é mais siltosa ou silto-argilosa, portanto maior coesão das partículas e onde a
pressão hidráulica é menor, a velocidade de erosão lateral é muito baixa em relação a
seqüência do trecho no sentido jusante (NE). No trecho Nordeste em dez anos de medição a
erosão foi lenta variando de 7,4 a 10,7m, com a margem se apresentando em degraus. A
121
formação de degraus está associada à intercalação de camadas arenosa, siltosa e argilosa, pois
as mesmas oferecem diferentes resistências à ação dos banzeiros do vento e das embarcações
que passam muito próximo da margem.
À medida que aumenta a pressão hidráulica para a margem côncava do canal, a erosão
é acelerada e a margem toma a forma de microfalésia, ou seja, de barranco vertical.
Além dos fatores acima mencionados os estudos mostram que a erosão lateral é maior
onde a corrente atinge os locais de geomorfologias mais susceptíveis à erosão como lagos,
paleolagos recobertos por aningais, canais e paleocanais. O Quadro 11 ilustra essa relação;
Nº do ponto Valor do recuo (m) Local e Característica
9 277,8 Furo do Miracauera. Canal ativo que até final de 1960
desaguava em um lago
2 246,3 Paleolago com ocorrência de grandes árvores soterradas
1 245,9 Lago em fase terminal de assoreamento. Depósito
extremamente arenoso
3 237,8 Furo do Limão em fase acelerada de assoreamento na
entrada
6 206,6 Paleocanal do Arauatozinho com sedimentação ao nível
do terreno
Quadro 11 - Pontos de referência onde ocorreram os maiores índices de terras caídas na Costa do Miracauera FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006
122
A velocidade das terras caídas também varia em função do regime fluvial do rio
Amazonas. Os dados de monitoramento linear da erosão lateral mostram que no ano em que
mais o processo foi acelerado coincide com o ano de grandes cheias. Os dados do Quadro 12
mostram que as medições realizadas em setembro de 1997, outubro de 1999, setembro de
2001, setembro de 2002 e setembro de 2005 foram os anos em que mais caiu terra,
coincidindo com os anos de grandes cheias (Figura 20).
0
5
20
35
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
(m)
Cheia Vazante
30
25
15
10
Figura 20 - Cotas do rio Amazonas registrados no porto de Manaus no período da pesquisa FONTE : Administração do Porto de Manaus Org. Alberto Carvalho/2006
Com relação ao período de maior intensidade das terras caídas, os dados de campo
mostram que as terras começam cair a partir de dezembro e aceleram nos quatro meses
seguintes devido ao aumento da pluviosidade na bacia de drenagem. É o período mais
chuvoso na Amazônia, que ao escoar esse imenso volume de água precipitada, faz aumentar a
vazão e proporcionalmente a pressão hidráulica. Há também um aumento na turbulência do
fluxo e com isso, aumenta a capacidade do rio em remover o material das margens. Os dados
mostram ainda que durante a subida do rio, predomina o processo de desabamento devido ao
123
maior solapamento causado pela pressão hidráulica e pelo banzeiro. Essa constatação está de
acordo com a maioria dos moradores entrevistados na área da pesquisa.
Já na descida do rio, predomina o processo de escorregamento devido ao aumento da
pressão hidrostática causada pela água do transbordamento do rio.
A retenção de água do transbordamento no pacote sedimentar, alimentado pelas águas
retidas na superfície pelos pequenos lagos rasos, furos e brecha de extravasão desempenham
papel importante no processo erosivo. A Figura 21 permite uma melhor interpretação desse
mecanismo. A água retida no lago infiltra e percola entre as camadas até chegar ao barranco,
provocando a desagregação e desmanche do mesmo. O nível piezométrico dos poços
perfurados entre o lago e a margem confirma essa interpretação.
92 m 17 m
N 2
N 1
Camada siltosa
Nível do Rio
20 cm
Camada siltosa
Camada arenosa
Camada arenosa
0
1
2 3 4 5 6 7 8
m
Figura 21 - Perfil transversal da planície de inundação na área, evidenciando nos Poços, a disposição e profundidade do nível de saturação da água no pacote. O perfil da água nos poços denuncia a infiltração da água do lago ao fundo, provocando o aumento da pressão hidrostática. FONTE: Trabalho de campo – em 03/12/1996 Org. Alberto Carvalho/06
124
Com relação à ação antrópica, além do desmatamento como já foi visto, os barcos têm
dado sua contribuição para a erosão das margens. Como o Paraná da Trindade está com seu
talvegue encaixado muito próximo da Costa do Miracauera, isso faz com que as embarcações
regionais e navios se desloquem muito próximo da margem durante todo período do ano,
contribuindo com o solapamento da mesma.
4 - A evolução das terras caídas na Costa do Miracauera
As análises das mudanças laterais ocorridas na Costa do Miracauera foram realizadas
de duas formas: a) pela sobreposição de imagens de satélite e: b ) pela medição direta em
campo.
4.1 – Sobreposição de imagens
Para analisar as mudanças ocorridas no canal através de produtos de sensoriamento
remoto, foram utilizadas imagens do satélite LANDSAT do ano de 1986 e de 2001. As
imagens foram tratadas no programa Corel Draw 10. A sobreposição das imagens (Figura 22 )
mostra que a erosão é mais acelerada à medida em que se aproxima do interior da enseada,
onde a pressão hidráulica é maior e a composição do material é predominantemente arenoso,
confirmando portanto os dados de campo.
125
MAPA DA EVOLUÇÃO DAS TERAS CAÍDAS
Fonte: Imagens Landsat 1986 e 2001Org. Alberto Carvalho/2006
LEGENDAImagem de 1986Imagem de 2001
Figura 22 – Mapa demonstrativo das alterações ocorridas na área através da sobreposição das imagens de satélite LANDSAT do ano de 1986 e 2001. A sobreposição mostra alterações significativas, menor no Paraná da Trindade e extraordinário no rio Amazonas. Observar o crescimento lateral da Ilha da Trindade e o recuo da margem na Costa do Mandií em apenas 15 anos. Org. Alberto Carvalho/06
4.2 – Medição direta das terras caídas
A medição linear do avanço do rio na planície foi feita diretamente em campo através
de medições a partir de pontos de referência. No início da pesquisa, foram distribuídas 28
estacas ao longo de 9 Km da Costa do Miracauera, com distância de 30m da margem do rio e
de 250 a 350m distante uma das outras. Após o primeiro ano de medição, as estacas foram
substituídas por outros pontos de referências como árvores de grande porte ou por residências.
QUADRO DA EVOLUÇÃO DAS TERRAS CAÍDAS NA COSTA DO MIRACAUERA
Pont
os
07.0
9.95
06.1
1.95
15.0
1.96
09.0
3.96
06.0
9.96
12.1
1.96
14.0
1.97
08.0
3.97
08.0
9.97
17.0
2.98
03.1
0.98
12.0
2.99
10.1
0.99
22.0
4.00
07.0
9.00
06.0
9.01
06.0
1.02
06.0
9.02
02.0
2.03
06.0
9.03
10.0
4.04
06.0
9.04
23.0
1.05
04.0
9.05
TOTAL
1 7 1 6,2 10,7 9 0,5 0,5 1 14,5 10,4 4,6 2 23 36 0 50 3 27 6 13,5 6,5 3 0,5 10 245,92 5 1,5 8 7,3 9 2 0 4 23 5 15,2 6,8 28 17,5 0 50 4 23 0 12 10 3 0 12 246,33 5,4 1 7 8,6 5 0 2,5 4,8 22,7 9 9 13 19 24,3 3 16 6,3 10,2 9 9 21 12 2 18 237,84 2 2 6,5 8,5 5 3 0 5,6 24,4 2 12 13 19 11 0 15 2 14 0 3 15 6 3 12,5 184,55 4 0 5 3,6 7,5 2,5 1 5 24 3,4 12,6 1 13 10 10 25 3 5 8 8 8 6 12 17 194,66 4,2 0,8 7,2 4 5,5 0,5 0,5 2,4 27,6 5 ,3 27 15 11 7,6 12 2,4 18,6 1,5 19,5 11,5 6,5 10 24 206,67 5 0,2 9,3 7,3 0,2 2 3,5 4,2 7,9 12,3 6,9 6,8 22 12 5 10 5 20 2,5 21 4 6 1 24 198,18 3,5 1,5 2,8 10 3 0 2 5 7 1,5 5 8,5 18,6 11,6 8 26,2 6 16,4 8 19,5 3 5 1,3 21 194,49 7 23 1 4,6 3,9 0,5 0 0 30 35,1 1,2 14 15 12 10 37,6 8,4 12 21 18 1 5 1 16,5 277,8
10 3 25 0 5 2 0,8 2,8 7 21 18 21 5 24 7 75, 28 2 9 10 12 0 2,5 11 14 235,811 3,4 1,5 5,5 1,4 1,5 0,7 2,2 5 15,3 11 9 5 24,6 8,6 4,4 25 0,6 11 9,5 6,6 6,4 1 2 8 169,212 4 0 14 3 0 0 2,5 1,2 10,8 7 8 3 24,2 0 0 28 0 10 8,5 6,4 12,5 3 0 10 156,113 1,2 0 10 3 2,2 0 7 3,5 7,2 3,5 4,8 6 10,7 8 0 17 0 29 10 4,4 10,1 0,5 8 12 158,114 4 4 9 4,8 1,5 0,2 3,5 4,4 0,3 5,4 12,6 0,5 7,5 14 0 9 2 6 8 8 16 10 0 10,5 141,215 3 0 6 4 2 0,6 7,4 5,7 3 3,3 8,3 0,6 5,5 11,4 0 8 0 12 2 5,3 3 7 0,7 6,4 105,216 0 1 17 1 1 3,3 0 6 2 1 6 0,8 4,3 10 0,7 6 0 17,2 0 4,6 0 5 0,5 2,2 89,617 4,2 1 2 0 2 0 0 2 3 0 7 2 7 11,5 0,5 3 0 21,5 0 3 2 3 0 2 76,718 3,1 0 19 0 2 0 0 1 3 0,5 8 0 1 2,5 0,5 7 0 19 0 2 0 1,6 0 3,2 73,419 8,2 0,4 5,5 0 3,9 0 0 1 4,7 1,2 10,8 0 1,3 4 0 4 0 15 0 0 5 4,5 0 4 73,520 3 0,2 10 0 2 0 0 0 5 0 1 0 2 2,7 4,3 5 0 9 0 ,5 0 2 00 2 48,721 8 0 2 0 0,3 0 0 0 1 0 3 0 0 0 0 12 0 0 0 2 0 7 0 2 37,322 2,2 1,3 5,1 0 3,1 0 0 0,3 2,7 0 1 0 1,3 0,5 0 0,4 0 7 0 1 1 0 0 3 29,923 5 0,7 5,7 0,5 0,4 0 0 0,5 2 0 0 0 2 0 1 0,5 0 3 0 3 0 1 0 3 28,324 3,6 0 3,5 0,5 2 0 0 1,5 0,5 0 3 6 2 3,5 0,5 1 0 2,5 0 2 0 1 0 2 35,125 0,5 0 0,5 0 1,5 0 0 0 0,5 0 0 0 1,7 0,6 0 0 0 0 0 1 0 2 0 1 9,326 1,7 0 1,2 0 2 0 0 0,3 0 0 1 0 1,6 0 0 0 0 0 0 ,5 0 0 00 1,3 9,627 0,6 1 1 0 1 0 0 0 0 0 ,4 00 1,4 0 30, 0 0 1 0 1,3 0 0,7 0 2 10,728 0,8 0 0,5 0 1,4 0 0 0 0,5 0 ,2 00 0,5 0 0 1 0 0,7 0 1 0 0,8 0 0 7,4
Quadro 12 – Dados das medições das terras caídas na Costa do Miracauera. Em destaque as datas com maiores índices de erosão. Org. Alberto Carvalho/2006
Os dados do Quadro 12 mostram que a evolução das terras caídas em dez anos foi
muito irregular espacial e temporalmente.
No trecho superior da Costa o índice foi de 7 a 10 metros nos quatro primeiros pontos,
aumentando para 30 a 70 metros nos oito pontos seguintes, 100 a 160 metros na continuidade
e chegando 277 metros na parte mais côncava do canal que coincidentemente é a boca do furo
do Miracauera. Desse furo no sentido jusante o recuo da margem variou de 190 a 245 metros.
Os dados mostram também que a velocidade das terras caídas coincide com o regime
do rio Amazonas. Assim, nas grandes cheias o processo é acelerado, enquanto que nos anos
de cheias pequenas o processo é menor.
Outro aspecto a considerar é que no trecho superior da Costa, onde o material é mais
argiloso e coeso, a margem se apresenta na forma de degraus. A formação desses degraus se
deve a resistência diferenciada dos estratos ao solapamento. Nesse caso o degrau superior só é
erodido pelo solapamento do rio quando o mesmo está iniciando o transbordamento. Por isso
é que os pontos situados no extremo superior da área só aparecem alterados após o início da
vazante.
5 – Principais conseqüências sociais causadas pelas terras caídas aos moradores
ribeirinhos
As terras caídas na margem do rio Amazonas provocam sérios transtornos aos
moradores ribeirinhos e risco às embarcações que trafegam próximo das margens.Os impactos
sociais causados por esse fenômeno não se restringem aos moradores ribeirinhos da zona
rural. Muitos são os povoados, vilas e cidades que sofrem continuamente ataque das terras
caídas. Cidades como São Paulo de Olivença, Careiro, Urucurituba Velho, Parintins são
alguns exemplos das que estão constantemente com suas ruas da frente ameaçadas e em
128
alguns casos tomadas pelas terras caídas. Porém, em nenhum caso recentemente conhecido,
envolvendo cidade, o fenômeno foi tão catastrófico como o que aconteceu em Juruti, no
Estado do Pará no ano de 1980 e 1981.
A cidade de Juruti, construída na terra firme (Formação Alter do Chão) teve sua frente
acrescida por sedimentos do rio Amazonas. Com a elevação do nível do depósito, os
moradores passaram a ocupar construindo casas comerciais, casas de serviços, oficinas ruas
etc. De tal forma, como disse uma moradora, “a cidade deceu pra varge”. Possivelmente por
mudança na dinâmica do rio, associado ao aumento do peso no depósito, o equilíbrio foi
rompido e tudo desceu, sendo levado pelas águas. “Era uma coisa admirada, a área comercial
se acabô, ficô só já a parte da terra firme” (depoimento de um morador da cidade de Juruti).
Uma outra moradora apontava para o rio mostrando que “ Esse meio do Amazonas tinha
casas boa, era cidade, era melhor parte de Juruti, era a frente. Deve ter caído uns duzentos
metro [...] Começô umas oito e meia da noite, quando deu meia noite tava terminado. Aquilo
não caia assim desabando, assim como cai na berada, né? Ela não decia, afundava” (
depoimento de uma moradora de Juruti).
A seguir são apresentados os principais problemas vividos cotidianamente pelos
moradores da Costa do Miracauera que por certo são os problemas enfrentados por moradores
de outros lugares ribeirinhos.
a ) Perda de propriedade – com a chegada e dominação do modo de produção
capitalista no vale amazônico, a terra, inclusive de várzea que até então era devoluta, passou a
ser apropriada, registrada, delimitada. Passou a ter dono e valor de mercadoria. Com isso, o
morador ribeirinho teve seu espaço delimitado para desenvolver suas atividades econômicas e
de subsistência. Assim a diminuição da propriedade causada pelas terras caídas é o principal
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problema vivido pelo ribeirinho, pois dela depende para sua sobrevivência. Quando a água
leva a sua terra, com ela está indo também a plantação, restando o desalento e até migração.
Conforme já visto anteriormente, os moradores do trecho mais côncavo da Costa do
Miracauera estão com suas propriedades reduzidas quase que pela metade. Muitas das
mesmas estão cadastradas como tendo 400, 500, 600 ou 1000m de fundo. No entanto o
monitoramento de dez anos feito na Costa mostra que nesse trecho a margem recuou quase
300 metros.
Embora o mapa fundiário não mostre, mas no furo do Arauató, têm moradores com
propriedades registradas com frente para aquele furo e fundo para o rio Amazonas. Como o
Arauató chega a ter menos de 500 metros de distância para o rio Amazonas, não há dúvidas
de que naquele local já há sobreposição fundiária. Alguém não tem mais as terras que
constam no cadastro oficial, ou seja, os lotes são menores que o levantamento inicial.
b ) Mudança de residência – o morador ribeirinho que constrói sua casa próxima da
margem está freqüentemente ameaçado pelas terras caídas e tendo que mudar de lugar. No
decorrer de vinte e cinco idas em campo para medição dos pontos de referências, registrou-se
o desmonte de várias casas. Uma dessas casas monitoradas que estava com 35m distante da
margem em 06/02/95, já estava sendo desmontada em 09/09/97, conforme Figura 23. No mês
seguinte, foi reconstruída a 58 m da margem do rio. Três anos após, registramos novamente o
desmanche da casa que dessa vez foi reconstruída a mais de 200 metros da margem.
Sobre esse problema disse um morador da Comunidade Nª Sª Aparecida ( 57 anos ) ;
A primera coisa que a dificuldade que a gente infrenta é na questão da residência. A gente não pode construí uma casa melhó porque a terra caída, ameaça [...] Eu tô com poco meses aqui e já tive que mudá a casa. Tinha uns 50 metro quando anoiteceu, que amanheceu não tinha mais que dez, aí eu tive que mudá a uma distância de aproximadamente 150 a 200 metro. [...] a gente fica assim meio espantado porque é uma vida assim meio dificultosa.
130
Construir a casa muito distante da margem, além de não ser hábito regional, se torna
também um problema social dadas as dificuldades para os moradores com o abastecimento de
água, lavagem de roupa, louça etc. Ademais, o morador ribeirinho construindo sua casa muito
distante da margem perde o olhar simbólico que é o olhar o rio e os motores que passam.
Figura 23 – Casa de um morador sendo desmanchada devido às terras caídas. FONTE : Trabalho de campo - Em 09/09/97 Autor: Alberto Carvalho/06
c ) Risco de morte – o risco de desabamento ou desmoronamento é uma realidade
constante para os moradores ribeirinhos, principalmente para as mulheres que passam maior
tempo na “beira” lavando roupa, louça ou outros afazeres.
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A dificuldade que eu acho da terra caída é da gente encher água, subir a rebanceira e quando a gente chega muito cansada e quando a gente vai lavá ropa, porque a gente não vai lavá ropa com a frente pra bera da terra, né?. Vai lavá ropa com a costa pro lado da terra e é arriscado a terra caí em cima da gente e a gente não ta enchergando. (Moradora da Comunidade Nª. Sª Aparecida – 48 anos ).
Figura 24 – Material desabado sobre a ponte do morador, por pouco não vitimou a pessoa à direita da foto. FONTE: Trabalho de campo – Em 14/12/96 Autor. Alberto Carvalho/2006
Nos trabalhos de campo, testemunharam-se vários momentos de terras caídas. Em um
deles ocorreu um desabamento que por fração de minutos não soterrou o ajudante de campo
(Figura 24).
132
d ) Dificuldade de embarque e desembarque – é um dos problemas sérios para os
moradores dos locais de terras caídas, onde a margem se encontra em forma de falésia é o
embarque/desembarque das pessoas ou de produtos. Escoar a produção ou “pegar o barco de
linha” é sempre um drama vivido pelos moradores.
e ) Construção de escadas – devido ao fenômeno das terras caídas, o ribeirinho que
mora na margem de barranco está semanalmente reconstruindo a escada de barro que dá
acesso ao porto.
O maior perigo da terra caída que eu acho é por causa das criança que todo dia eu cavo aí, por causa dos meus filho que vão encher água e dirrepente cai barranco [...] e aí eu cavo todo dia, parte de cima e parte de baxo da decida da escada, né? Acho que é muito perigoso, né? ( Morador da Comunidade de Aparecida – 59 anos)
f ) Perda de canoas – a preocupação com as canoas é uma constante para os
moradores ribeirinhos. Onde a terra caída forma barranco vertical com 6 a 7metros de altura
impossibilita o morador de proteger sua canoa, ficando sujeita a ser levada pelas terras caídas.
g) Risco a navegação – com a erosão avançando lateralmente tronco de árvores são
expostos na margem. Navegar em trechos desconhecidos é sempre um risco. A figura 25
permite visualizar melhor esse permanente risco para barcos regionais.
133
Figura 25 – Troncos de piranheira sendo expostos na margem pela erosão. Durante a cheia esses troncos ficam submersos e se tornam uma ameaça para as embarcações. FONTE : Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006
Nas últimas décadas, acidentes de barco causados por tronco como o exposto têm
diminuído muito. Naufrágios de embarcações causados por esbarroamento com troncos foram
muito comuns até aproximadamente 1970, principalmente por “barcas do Pará” que se
deslocando por longas distâncias sem maiores conhecimentos das margens acabavam se
chocando com troncos como o exposto na Figura 25.
Resumidamente podemos dizer que, além das mudanças da paisagem ribeirinha, das
perdas materiais acima expostas, as terras caídas também provocam perdas simbólicas como
cemitério, a casa que nunca mais será a mesma, a árvore frutífera de estimação para citar
algumas dessas perdas.
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5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após interpretação da literatura geral e regional, análise em laboratório do material
coletado, o uso de produtos de sensoriamento remoto e cartográfico, e os dados levantados em
de campo, permitiram ao final da pesquisa chegar a algumas considerações, sobre as terras
caídas.
Uma das constatações é de que apesar de se tratar de um fenômeno de grande escala e
de intensidade nas margens do rio Amazonas, chegando a causar espanto aos navegadores, há
uma lacuna de literatura acadêmica regional sobre as terras caídas. Essa carência de literatura
tem contribuído para o desconhecimento do fenômeno no meio acadêmico, pelas instituições
de pesquisa, autoridades governamentais e pela sociedade em geral. Pode-se atribuir a esse
desconhecimento do comportamento da dinâmica fluvial na margem do rio Amazonas, fato
como o de uma empresa contratada pelo INCRA em 1997, para demarcar as propriedades na
área da pesquisa, ter colocado o marco divisório com trinta metros da margem. Atualmente,
em menos de dez anos, poucas são as propriedades que ainda têm os marcos com divisórias na
área.
A complexidade do processo das terras caídas envolvendo fatores hidrodinâmicos,
hidrostáticos, tectônicos, litológicos, climáticos e mais recentemente a ação antrópica está por
exigir uma revisão nos fundamentos de erosão fluvial. Os conceitos de erosão fluvial do tipo
corrosão, corrasão e cavitação contidos na literatura básica são limitados, não permitindo uma
compreensão e explicação da erosão acelerada nas margens do rio Amazonas.
Com relação à temporalidade, os dados de campo permitem observar que, na área
pesquisada, a erosão é maior quando o rio está enchendo, devido ao aumento da pressão
hidráulica, associado ao aumento das chuvas. Observou-se que, nesse período de subida do
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rio, o processo de desabamento e desmoronamento é predominante, enquanto que na vazante
predomina o processo de escorregamento.
Com relação às conseqüências sociais causadas pelas terras caídas, os moradores
apontaram a diminuição das propriedades, perda de plantações, necessidade de mudança da
casa, dificuldade de acesso ao porto, risco de soterramento e de perdas de canoas como sendo
as principais dificuldades vividas pelos mesmos.
No que diz respeito à diminuição de terrenos constatou-se que no trecho mais crítico
da Costa, onde a mesma é margeada pelo Furo do Arauató, o recuo da margem já causa
sobreposição fundiária, podendo a vir provocar problemas de vizinhança em futuro próximo.
As dificuldades vividas cotidianamente pelas populações ribeirinhas em função das
terras caídas é mais um dos problemas desconhecidos do grande público e das autoridades.
Acredita-se, ao final dessa pesquisa, ter contribuído para o avanço do conhecimento
sobre os agentes e mecanismos das terras caídas e de como esse fenômeno afeta a vida dos
moradores ribeirinhos do Paraná da Trindade. No entanto, temos clareza de que se trata de um
trabalho que requer continuidade por se tratar de um processo dinâmico e complexo, que não
se esgota com apenas uma pesquisa.
136
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