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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA AMAZÔNIA JOSÉ ALBERTO LIMA DE CARVALHO TERRAS CAÍDAS E CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS: COSTA DO MIRACAUERA – PARANÁ DA TRINDADE, MUNICÍPIO DE ITACOATIARA – AM, BRASIL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, vinculado ao Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Hailton Luiz Siqueira da Igreja MANAUS 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA AMAZÔNIA

JOSÉ ALBERTO LIMA DE CARVALHO

TERRAS CAÍDAS E CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS: COSTA DO MIRACAUERA – PARANÁ DA TRINDADE, MUNICÍPIO DE

ITACOATIARA – AM, BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, vinculado ao Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Hailton Luiz Siqueira da Igreja

MANAUS 2006

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1

JOSÉ ALBERTO LIMA DE CARVALHO

TERRAS CAÍDAS E CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS: COSTA DO MIRACAUERA – PARANÁ DA TRINDADE, MUNICÍPIO DE

ITACOATIARA – AM, BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, vinculado ao Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do título de Mestre.

Aprovado em 17 de julho de 2006

BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Hailton Luiz Siqueira da Igreja, Presidente. Universidade Federal do Amazonas Prof.ª Drª Sandra Baptista da Cunha, Membro Universidade Federal Fluminense, UFF Profª Drª Amélia Regina Batista Nogueira, Membro Universidade Federal do Amazonas

2

Ficha Catalográfica elaborada pelo Departamento de Biblioteconomia

C331t Carvalho, José Alberto Lima de.

Terras caídas e conseqüências sociais: Costa do Miracauera – Paraná da Trindade, Município de Itacoatiara – Am, Brasil/ José Alberto Lima dCarvalho. – 2006.

e

141p.; il.;27cm.

Dissertação (Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia) –Universidade Federal do Amazonas - UFAM.

Orientador: Prof. Hailton Luiz Siqueira da Igreja, Dr.

1. Amazônia 2. Rios 3. Várzea 4.Terras caídas 5. Ribeirinhos I.Título.

CDU 911.2 :556(811)

3

A minha esposa Ioná Mara Andrade de Souza que comigo compartilhou as angústias do tempo, aos meus queridos filhos, Aline, Nalberto e Nalbert em parte cúmplice desse trabalho. A minha mãe, Dona Luzia, irmãos e amigos pelo incentivo. Ao primo/amigo Paulo Sérgio que em vida entusiasticamente tanto me ajudou no trabalho de campo. Ao meu querido Pai José Carvalho por nos ter legado os princípios de vida.

4

AGRADECIMENTOS

Ao Pai celeste por ter me iluminado no momento mais difícil deste trabalho;

Aos meus familiares pela confiança e apoio;

Ao meu orientador, Prof. Dr. Hailton da Igreja, pela orientação, acompanhamento em

campo, pelo entusiasmo e paciência;

Aos colegas do Departamento de Geografia que sempre acreditaram no meu trabalho,

em especial o sempre amigo Prof. Masulo que comigo esteve em campo no início da pesquisa,

Deize Carneiro e Marcela Vieira pelas contribuições na confecção dos gráficos, fotos e

configuração do trabalho.

Aos meus amigos e incansáveis companheiros de campo Paulo Sérgio, Adãozinho,

Miguel Cordovil, e os manos Aldível, Carlos, Zé Carlos, Val e Mazonina; Ao meu muito

amigo de todas as horas Jorge Pinto que por lá esteve me ajudando;

Meus agradecimentos a todos os moradores e familiares da área, que com a

simplicidade que lhes é peculiar, sempre me receberam com carinho. Da comunidade Nª Sª

Aparecida; Sr. Anastácio Filgueira, Carlos Figueira, Lucy Lima, Marlúcia Lima, Ana Lúcia

Lima, Amadeu Lima, Geraldo (in memória). Os moradores da “boca” do Miracauera Srs.

Pedro e Francisco de Souza Santos; os moradores da Comunidade Nª Sª do Perpétuo do

Socorro (Boca do Padre) Srs. Pedro Libório, Marcos Libório, Terly Libório, Cleudo Moreira,

Raimundo Leite, Maria Leite, José Maia, Raimundo Teixeira (Mineiro), Cleuto Teixeira

(Pelé), João Teixeira, Maria Deuzuíta Teixeira, Manoel Rosa, Siqueirinha e Meire , Ricardo

(Bombom), José Raimundo, Edmilson Sena, Maria Justina, Raimundo Caldeira (Mundaia),

Raimundo Gregório (Mundego), Antônio Vieira (Pilatos), Antônio Caldeira, Everaldo

Cordovil e Rosenildo Pinheiro (Dudu). A todos sou eternamente grato. Sou muito grato

também ao meu ex-aluno, posterior colega de mestrado e de Departamento Prof. MSc.

Marcos Castro de Lima pelo inestimável apoio técnico.

5

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo compreender e explicar melhor o fenômeno das terras caídas nas margens do rio Amazonas e de como essa erosão lateral acelerada afeta a vida dos moradores ribeirinhos. Terras caídas é uma terminologia regional amazônica usada principalmente para designar indiferenciadamente todo processo de erosão fluvial lateral como escorregamento, deslizamento, desmoronamento e desabamento. É um fenômeno essencialmente natural que acontece com maior intensidade no curso médio e inferior dos rios de água branca, nos trechos em que os mesmos são margeados pela planície Holocênica, cuja composição é predominantemente de areia pouco coesa. As terras caídas resultam de processos complexo, interdependente envolvendo a pressão hidráulica da água canalizada, pressão hidrostática na planície de inundação, composição do material das margens, fatores climáticos como vento e chuva, neotectônicos e mais recentemente fatores antropogênicos como desmatamento das margens e ação de barcos e navios. Pela intensidade com que ocorre provoca sérios transtornos sócio-econômicos aos moradores ribeirinhos como diminuição de propriedade, mudança de residência, perda de plantações, risco de morte de pessoas por desabamento, dificuldade de embarque e desembarque, dificuldade e risco para os afazeres domésticos como lavar roupa, reconstrução contínua das escadas no barranco, risco à navegação etc.A metodologia consistiu em levantamento bibliográfico geral e regional, entrevista com moradores, uso de material cartográfico e imagens de satélite, GPS e ecobatímetro. A evolução das terras caídas no trecho escolhido do Paraná da Trindade foi feita através de medições de pontos de referência como casas e árvores. A nossa conclusão é de que a erosão lateral acelerada é um processo muito complexo envolvendo vários fatores que, isolados ou conjugados, provocam o fenômeno das terras caídas. Conclui-se com isso que a literatura básica sobre erosão fluvial não permite compreender esse complexo processo de erosão lateral que acontece nas margens do rio Amazonas.

Palavras chave: Amazônia, Rios, Várzea, Terras caídas, Ribeirinho

6

ABSTRACT The present research work has as objective to comprehend and to explain the phenomenon of the fallen lands better in the margin of the Amazon River and that accelerated lateral erosion affects the riparian residents' life. Fallen lands are an Amazonian regional terminology used mainly to designate the only every process of lateral fluvial erosion as slipping, sliding, crumbling and collapsing. It is a phenomenon essentially natural that it happens with larger intensity in the medium and inferior course of white water of the rivers, in the passages that the same ones are bordered by the holocenic plain, whose composition is predominantly of sand a little united. The fallen lands result of complex processes, interdependent involving the hydraulic pressure of the channeled water, hydrostatic pressure in the flood plain, composition of the material of the margin, climatic factors as wind and rain, neotectonics and more recently anthropogenics factors as deforestation of the margin and action of boats and ships. For the intensity with that it happens provokes serious socioeconomic upset to the riparian residents as property decrease, residence change, loss of plantations, death risk of people's by collapsing, embarkation difficulty and disembarkation, difficulty and risk for the household chores as to wash clothes, continuous reconstruction of the stairways in the ravine, risk to the navigation etc. The methodology consisted of general and regional bibliographical rising, interview with residents, use of cartographic material and satellite images, GPS and ecobatímetro. The evolution of the fallen lands in the chosen passage of Paraná da Trindade was realized through measurements of reference point as houses and trees. Our conclusion is that the accelerated lateral erosion is a very complex process involving several factors that, isolated or conjugated, they provoke the phenomenon of the fallen lands. It is concluded with this that the basic literature about fluvial erosion doesn't allow comprehending this complex process of lateral erosion that it happens in the margins of the Amazon River. Key-words: Amazonian, Rivers, Cultivated plain, Fallen lands, Riparian

7

LISTA DE FIGURAS

CONTEÚDO PÁGINA

Figura 1 Curva hipsométrica da bacia Amazônica 24 Figura 2 Mapa de distribuição de chuvas na Amazônia 48 Figura 3 Situação da Comunidade Nª Sª do Perpétuo Socorro 53 Figura 4 Corrosão na margem do Paraná da Trindade 65 Figura 5 Corrente ascendente no rio Amazonas 70 Figura 6 Corrente em forma de vórtice no rio Amazonas 72 Figura 7 Árvores tombadas na margem após forte chuva 75 Figura 8 Buraco causado por solapamento na margem 79 Figura 9 Erosão na margem do rio Negro causado pelo banzeiro 80 Figura 10 Navio se deslocando próximo da margem 85 Figura 11 Rachadura na margem da Costa do Rebojão 87 Figura 12 Erosão do tipo desmoronamento na Costa do Miracauera 89 Figura 13 Erosão do tipo desabamento na Costa do Miracauera 90 Figura 14 Mapa de localização da área estudada 92 Figura 15 Mapa fundiário da Costa do Miracauera 104 Figura 16 Imagem de localização dos perfis batimétricos 108 Figura 17 Perfil 01 - composição granulométrica 115 Figura 18 Perfil 02 – composição granulométrica 117 Figura 19 Mapa estrutural neotectônico da área estudada 120 Figura 20 Cotas do rio Amazonas – período 1995-2005 122 Figura 21 Perfil esquemático de percolação da água na várzea 123 Figura 22 Mapa de sobreposição de imagens LANDSAT 125 Figura 23 Casa de morador sendo desmanchada 130 Figura 24 Terra caída soterrando a ponte do morador 131 Figura 25 Tronco na margem ameaçando embarcações 133

8

LISTA DE GRÁFICOS

CONTEÚDO PÁGINA

Gráfico 01 Velocidade anual dos rios Madeira e Amazonas 39 Gráfico 02 Regime do rio Amazonas no porto de Manaus 52 Gráfico 03 Perfil batimétrico nº 01 109 Gráfico 04 Perfil batimétrico nº 02 110 Gráfico 05 Perfil batimétrico nº 03 112 Gráfico 06 Perfil batimétrico nº 04 113

9

LISTA DE QUADROS

CONTEÚDO PÁGINA

Quadro 01 Dados de qualidade da água de rios Amazônicos 29 Quadro 02 Velocidade da correnteza no Paraná da Trindade 39 Quadro 03 Tipos de furos na planície Amazônica 45 Quadro 04 Tipos de lagos na planície Amazônica 46 Quadro 05 Índice de cheia e vazante no porto de Manaus 50 Quadro 06 Índice de cotas das cheias e vazantes no porto de Manaus 51 Quadro 07 Pluviosidade em Itacoatiara 97 Quadro 08 Estrutura etária da população 102 Quadro 09 Dimensão das propriedades 105 Quadro 10 Fatores controladores das terras caídas 119 Quadro 11 Locais de maior erosão na Costa do Miracauera 121 Quadro 12 Dados das medições das terras caídas na área 126

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CPRM Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais UFAM Universidade Federal do Amazonas INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INMET Instituto Nacional de Meteorologia - Ministério da Agricultura INPA Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia SEPROR Secretaria de Produção Rural do Estado do Amazonas EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica IRD Institute Rechecher Desenvolviment INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ZFM Zona Franca de Manaus ZCIT Zona de Convergência Inter Tropicais HIBAm Hidrologia e Geoquímica da Bacia Amazônica UnB Universidade Nacional de Brasília CNPq Conselho Nacional de Pesquisa Científica

11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 13

CAPITULO 1: CARACTERÍZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA

DO RIO AMAZONAS ................................................................................

18

1 Bacia de drenagem e bacia hidrográfica ..................................................... 18

2 A bacia hidrográfica do rio Amazonas........................................................ 20

3 Os tipos de rios da bacia amazônica ........................................................... 26

4 O rio Amazonas .......................................................................................... 34

5 A formação da atual planície de inundação do rio Amazonas ................... 40

6 O regime climático da Amazônia ............................................................... 47

7 O regime hidrológico do rio Amazonas .................................................... 49

CAPÍTULO 2: O ESTADO ATUAL DE CONHECIMENTO SOBRE

AS TERRAS CAIDAS NA AMAZÔNIA ..................................................

55

1 Definição de terras caídas ........................................................................... 55

2 Revisão bibliográfica sobre as terras caídas na Amazônia ......................... 56

3 A visão dos naturalistas e viajantes sobre o fenômeno das terras caídas ... 60

4 Questão conceitual sobre erosão fluvial ..................................................... 64

5 Os fatores causadores das terras caídas ..................................................... 66

5.1 A hidrodinâmica ...................................................................................... 67

5.2 Pressão hidrostática ................................................................................. 72

5.3 A neotectônica ......................................................................................... 75

5.4 Fatores climáticos .................................................................................... 77

5.5 A composição do material das margens .................................................. 80

5.6 Fatores antropogênicos ............................................................................ 81

6 O processo das terras caídas ....................................................................... 86

6.1 Escorregamento ....................................................................................... 86

6.2 Desmoronamento ..................................................................................... 88

6.3 Desabamento ........................................................................................... 89

12

CAPÍTULO 3: LOCALIZAÇÃO, ASPECTOS FISIOGRÁFICOS E

SÓCIO-ECONÔMIOCOS DA COSTA DO MIRACAUERA ................

91

1 Localização geográfica .............................................................................. 91

2 Aspectos fisiográficos ................................................................................ 93

2.1 Aspectos geológico e geomorfológico .................................................... 93

2.2 Clima e vegetação .................................................................................. 96

3 Aspectos socioeconômicos ........................................................................ 99

3.1 Processo histórico de ocupação da várzea ............................................... 99

3.2 População e principais atividades econômicas ........................................ 102

3.3 Situação fundiária na Costa do Miracauera............................................. 104

CAPÍTULO 4 : CARACTERIZAÇÃO DAS TERRAS CAÍDAS E O

IMPACTO SÓCIO-AMBIENTAL PARA OS MORADORES DA

COSTA DO MIRACAUERA .....................................................................

107

1 Geometria do Paraná da Trindade .............................................................. 107

2 A composição do material da Costa do Miacauera..................................... 114

3 Análise e interpretação das terras caídas na Costa do Miracauera ............. 118

4 A evolução das terras caídas na Costa do Miracauera ............................... 124

4.1 Sobreposição de imagens ........................................................................ 124

4.2 Medições diretas das terras caídas ........................................................... 125

5 Principais conseqüências sociais causadas pelas terras caídas aos

moradores ribeirinhos ....................................................................................

127

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 134

6. REFERÊNCIAS ...................................................................................... 136

13

INTRODUÇÃO

O mapa de hoje, flagrantemente verdadeiro, é compulsado amanhã inçado de erros. Foi o rio que se alterou. No seu esforço tumultuário e contínuo, fazendo e desfazendo, retificando e encurvando, abarreirando e aprofundando, estreitando e alargando, ao tempo em que arrasta, no seio ciclópico, planícies e cordilheiras, ele se desfigura, transmuta a fisionomia. Raymundo Moraes – Na planície Amazônica

A bacia de drenagem do rio Amazonas ocupa uma área estimada em 6,5 milhões de

quilômetros quadrados ao longo da faixa equatorial, tendo como tronco formador o rio

Amazonas com 7100 km de extensão, abrangendo vários países da América do Sul. É o mais

abrangente e possivelmente o mais complexo e dinâmico sistema flúvio-lacustre do planeta.

É uma rede de drenagem caracterizada pelo padrão dendrítico e formada por três tipos

de rios: rios de água preta, rios de água clara e rios de água branca. Os rios de água preta

nascem no embasamento cristalino das guianas e deságuam no curso médio e inferior da

margem esquerda do rio Amazonas, a partir do rio Negro até a sua foz, tendo como exceção o

rio Branco que é de água turva e esbranquiçada. Os rios de água clara nascem no

embasamento cristalino brasileiro e deságuam da mesma forma no curso médio e inferior do

rio Amazonas. Já os rios de água branca nascem na cordilheira andina e pré-andina de onde

transportam grande quantidade de sedimentos daquela região montanhosa e que são

depositados em grande parte nos cursos médios e inferior desses rios e nas áreas de

transbordamento dos mesmos, formando a atual planície de inundação.

Estudos mais recentes sobre o atual sistema fluvial amazônico associam os padrões de

drenagem aos fatores estrutural, tectônico e as profundas mudanças climáticas ocorridas no

Pleistoceno. Esses fatores, portanto, desempenharam papel determinante na geomorfogênese

dos vales atuais.

14

Como resultado dessa pluralidade de interações, entre outras, tem-se a erosão lateral

acelerada, famosa e temida na região pela sua intensidade, capacidade de transformação da

paisagem e pelos transtornos que causa aos moradores ribeirinhos e risco à navegação. A essa

erosão fluvial lateral dá-se o nome regional de “terras caídas”.

Terras caídas é uma terminologia regional amazônica utilizada para designar,

indistintamente, escorregamento, deslizamento, desmoronamento e desabamento que acontece

nas margens dos rios. Embora as terras caídas aconteçam em outros tipos de rios, o termo é

mais utilizado para designar a erosão que acontece com mais frequência e intensidade nas

margens dos rios de água branca, nos trechos em que os mesmos são margeados pela atual

planície de inundação.

Essa planície fluvial é composta basicamente por sedimentos arenosos, areno-siltosos

e areno-argilosos de baixa coesão, oferecendo assim, pouca resistência a ação dos agentes

causadores das terras caídas, como a pressão hidrodinâmica, pressão hidrostática, fatores

estruturais e neotectônicos, fatores climáticos, litológico, e antropogênico.

Apesar dos transtornos e prejuízos causados pelos transbordamentos dos rios e pelas

terras caídas, é nessa unidade geomorfológica que historicamente sempre se concentrou a

maior densidade demográfica da região. A explicação mais plausível está no fato da mesma

oferecer melhores condições de subsistência, quer pela maior oferta de pescado em seu

complexo sistema lacustre, quer pela excelente produtividade de seus “solos” que são

enriquecidos anualmente durante os transbordamentos do rio.

O objetivo dessa pesquisa foi compreender e explicar os fatores que atuam no

processo da erosão lateral acelerada e de como esse fenômeno natural afeta a vida da

população ribeirinha que ocupam as margens desses rios, levando em consideração a relação e

a forma com que os mesmos convivem com as terras caídas.

15

A busca de uma melhor compreensão e sistematização desse fenômeno poderá

contribuir para futuros planejamentos em busca de alternativas para a melhoria das condições

de vida desses moradores ribeirinhos. Ou pelo menos para evitar equívoco como o que

aconteceu na referida área pesquisada, quando uma empresa contratada pelo INCRA, em

1997, para demarcar as propriedades o fez colocando os marcos divisores das propriedades

com trinta metros da margem. Hoje, muito desses marcos já foram levados pelas terras caídas.

Consideramos ainda que esse estudo é uma contribuição importante para ampliar os

conhecimentos sobre a dinâmica do rio Amazonas e os efeitos dessa dinâmica para os

moradores ribeirinhos.

Justifica-se ainda estudar esse fenômeno pelo pouco conhecimento que se tem do

mesmo e pela raridade de produção científica sobre a problemática no rio Amazonas que se

julga relevante, mas que não tem despertado maiores interesses por parte de pesquisadores.

Além do mais, é um tema que possibilita refletir sobre a relação da sociedade com a natureza,

discussão que tem sido retomada com ênfase em dias atuais. Ao final da pesquisa, acredita-se

estar contribuindo para um melhor conhecimento teórico e conceitual sobre os fatores

causadores da erosão fluvial lateral no rio Amazonas.

No campo da ciência geográfica é um desafio para se trabalhar uma Geografia como

pensa Morin (2002, p. 27-29), “[...] a Geografia, ciência complexa por princípio, uma vez que

abrange a física terrestre, a biosfera e as implicações humanas. [...] reencontra suas

perspectivas multidimensionais, complexas e globalizantes”. A nossa proposta, portanto, é

trabalhar a Geografia na perspectiva de uma visão multidimensional, procurando melhor

compreender e explicar o fenômeno natural e suas implicações sociais para os moradores

ribeirinhos, diminuindo assim o espaço entre Geografia Física e Geografia Humana, ou se

quiser, entre sociedade e natureza.

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Para tanto, o trabalho foi dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo trata da

caracterização mais geral da Bacia Hidrográfica do rio Amazonas, os tipos de rios que

formam a rede de drenagem e a formação da atual planície de inundação, pois é nessa unidade

geomorfológica que o processo de erosão é acelerado. No segundo capítulo é feita uma

revisão da literatura geral e regional. Inicialmente, se faz uma discussão dos conceitos de

erosão fluvial contidos na literatura básica, onde se procura mostrar que os fundamentos

gerais não são suficientes para compreender o complexo processo das terras caídas no rio

Amazonas. O terceiro capítulo trata da localização e características fisiográficas da área

estudada. No quarto capítulo, é feita a análise dos resultados obtidos no levantamento

bibliográfico, em laboratório e de campo. Nesse capítulo, busca-se principalmente analisar e

relacionar as principais implicações socioeconômicas para os moradores ribeirinhos,

mostrando que além das dificuldades socioeconômicas enfrentadas pelos ribeirinhos, os

mesmos ainda enfrentam esse problema natural que é pouco conhecido e por isso

desconsiderado pelo poder público e pela sociedade.

A metodologia da pesquisa consistiu em levantamento bibliográfico, trabalho de

campo e trabalho de gabinete/laboratório.

A bibliografia utilizada foi de caráter geral e regional, sendo essa última levantada

principalmente nos órgãos públicos federais e estaduais, nas instituições de pesquisas e na

Universidade. O INPA, SEPROR, UFAM, CPRM, INCRA, Museu Amazônico, Capitania dos

Portos, Administração do Porto de Manaus e Ministério da Agricultura (INMET) foram os

principais órgãos consultados.

Em gabinete/laboratório foram utilizados mosaicos e cartas planimétricas na escala de

1:250.000 e de 1:100.000 do Radambrasil, cuja cobertura aerofotogramétrica é do final da

década de 70 do século 20. Utilizou-se também imagens de satélite do ano de 1986 e de 2001,

17

visando através de sobreposição, mostrar as mudanças ocorridas dentro do canal na área

pesquisada.

O material para análise granulométrica foi coletado de um poço afastado 110 m da

margem que foi tradado a uma profundidade de até 17m e um segundo perfil foi coletado de

um barranco da margem. A análise física e química dessas amostras foi realizada no

laboratório da EMBRAPA/AM.

Em trabalho de campo utilizou-se GPS (Garmim 12), máquina fotográfica e bússola

geológica. Utilizou-se também cartas da área na escala de 1:100.000, mosaico do Radambrasil

na escala de 1:250.000 e carta geológica de 1:1.000.000 e imagem de satélite. Para as

medições batimétricas foi utilizado um ecobatímetro, modelo APELCO –260.

O monitoramento da evolução linear do processo erosivo na margem do rio foi feito de

forma direta através de medições de pontos de referência. Inicialmente, foram distribuídas 28

estacas ao longo de 9 Km da Costa do Miracauera, com distância de 30m da margem do rio e

de 250 a 350m distante uma das outras. Após o primeiro ano de medição, as estacas foram

substituídas por outros pontos de referências como árvores de grande porte ou por residências.

A substituição das estacas por referência mais fácil de ser encontrada no período seguinte

deveu-se a perdas de algumas estacas derrubadas durante as inundações e até mesmo retiradas

por moradores. O monitoramento foi iniciado em janeiro de 1995 e a última medição foi

realizada em setembro de 2005, totalizando 25 medições durante esse período.

O levantamento dos dados referentes à população, os problemas socioeconômicos

vividos pelos moradores e a concepção dos mesmos sobre as terras caídas foram realizados

através de questionário e entrevistas gravadas. Esclarecemos que para fins desta pesquisa

estamos considerando os 9 Km da margem esquerda do Paraná da Trindade como Costa do

Miracauera por estar o furo homônimo localizado na parte mais côncava do Paraná na metade

da área pesquisada. É, portanto, a toponímia de maior referência naquele trecho.

18

CAPÍTULO 1 – CARACTERIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO

AMAZONAS

Os canoeiros do Alto Amazonas vivem no constante temor das “terras caídas”. Eu teria considerado exagerados os relatos desses desmoronamentos se não tivesse tido oportunidade de presenciar um deles, de consideráveis proporções. Certa manhã fui acordado antes do nascer do sol por um barulho que semelhava o troar de artilharia. [...] os ruídos vinham de muito longe [...] pouco depois, outra forte explosão se fez ouvir. O índio Vicente acordou e me disse que se tratava de “terra caída”, mas achei difícil acreditar nele.

Henry Bates – naturalista inglês no Solimões

1 – Bacia de drenagem e bacia hidrográfica

Bacia de drenagem é entendida por Suguio e Bigarella (1990); Cunha (1994) como

sistema fluvial definido pela área abrangida por um rio principal e seus afluentes. Para os

autores, a delimitação e geometria da rede de drenagem resultam da inter-relação dos fatores

topográfico, índice pluviométrico, cobertura vegetal, tipo de solo, litologia e estrutura

geológica.

Rodrigues e Adami (2005, p. 147-148 ), conceituam bacia hidrográfica como um

“sistema que compreende um volume de materiais predominantemente sólidos e líquidos,

próximo à superfície terrestre, delimitado interna e externamente por todos os processos que,

a partir do fornecimento de água pela atmosfera, interferem no fluxo de matéria e de energia

de um rio ou de uma rede de canais fluviais”. Concebem a bacia hidrográfica como sendo um

sistema aberto, composto por outros subsistemas, sendo as vertentes, os canais fluviais e as

planícies de inundação, os principais subsistemas.

19

Portanto, bacia de drenagem ou bacia hidrográfica é conceituado como sistema aberto

fundamentado na concepção sistêmica.

A concepção sistêmica foi formulada inicialmente pelo biólogo austríaco Ludwig von

Bertalanffy, membro do “Círculo de Viena”, que sistematizou essa discussão paradigmática

na década de 1930 na “Teoria Geral dos Sistemas” que foi publicada somente em 1945, ao

final da Segunda Guerra (GAMA e HADLICH, 1995).

Bertalanffy (1993), definiu três tipos de sistemas: sistema aberto, sistema fechado e

sistema isolado. Sistema aberto foi definido pelo autor como todo sistema que recebe matéria

e energia (input), processa esses elementos no interior do sistema e em seguida troca esses

elementos com o ambiente adjacente (output). Sistema fechado é quando há troca de energia,

porém, não há troca de matéria com o exterior. Já o sistema isolado é quando não há troca

nem de energia e nem matéria com o meio.

Christofoletti (2002, p. 92), considera os “elementos componentes do sistema”, os

“inputs” e “outputs”, fatores importantes na dinâmica de um sistema de drenagem. Para o

autor os elementos componentes do sistema são: “A cobertura vegetal, a superfície

topográfica, os solos e os aqüíferos subterrâneos”. Enquanto que “a precipitação responde

pelos inputs e os demais processos como a evapotranspiração, fluxos induzidos e as

transferências interbacias respondem pelos outputs”.

Uma bacia de drenagem ou bacia hidrográfica se encaixa perfeitamente no conceito de

sistema aberto, dinâmico e complexo, pois está em contínua interação com o ambiente externo

trocando matéria, energia e informação. É um sistema complexo que comporta múltiplos

níveis de organização; é também um sistema dinâmico porque está em contínua mudança no

tempo.

20

Na bacia hidrográfica, que é por definição um sistema aberto, a água é o principal

agente da sua dinâmica. Por isso, o tempo de permanência da água na bacia hidrográfica é de

fundamental importância. Alterações significativas nas precipitações e nos elementos

componentes da bacia, principalmente a cobertura vegetal, podem retardar ou acelerar o

tempo de permanência da água no sistema, comprometendo o balanço hídrico da bacia

(SALATI,1983; SHUBART,1983).

2 – A bacia hidrografia do rio Amazonas

A região Amazônica, enquanto região natural, é mais caracterizada pelo domínio das

florestas, porém o sistema flúvio-lacustre, constitui-se num fator de grande relevância na

caracterização e organização do espaço geográfico amazônico. É através do sistema fluvial e

lacustre que se define de certa forma, os limites territoriais e as paisagens nesta região.

A evolução e definição da atual drenagem do rio Amazonas estão muito associadas à

Orogenia Andina e às mudanças climáticas, principalmente às flutuações ocorridas no

Pleistoceno1.

O levantamento da Cordilheira dos Andes, iniciada no final do Cretáceo, estendeu-se

por todo Terciário e início do Quaternário, tendo ao final do Mioceno o período mais

dinâmico dessa evolução (ROZO, 2004, p. 17). Na medida em que os Andes se soerguia,

aumentava o bloqueio da comunicação do Atlântico com o Pacífico e conseqüentemente

formou-se um grande lago no interior da bacia durante o Terciário. A elevação dos Andes

proporcionou maior capacidade de preenchimento da depressão com seus sedimentos e fez

desaparecer, no Neógeno, grande lago que se formou no Centro-Oeste da bacia, no que é hoje

a região de fronteira entre Brasil, Peru, Bolívia e Colômbia. Com isso o atual sistema

1 Os “quaternristas” convencionaram em 1997, em congresso internacional que o Pleistoceno é o período que teve início há 1,8 milhão de anos e término em 10.000 anos A.P., quando iniciou o Holoceno.

21

Solimões/Amazonas se definiu no final do Mioceno e Plioceno (Neógeno), dando a atual

configuração.

Mesmo já definida no final do Terciário, esse sistema de drenagem continuou a sofrer

alterações significativas no Pleistoceno devido às profundas mudanças climáticas que

caracterizaram essa época do Quaternário, ao qual Agassiz2 chamou de “era do gelo”, pois no

seu entendimento, esse período de glaciação resultou de um “inverno cósmico” em que teria

submetido toda a Terra durante o Pleistoceno.

Agassiz (1975), quando esteve no Rio de Janeiro no ano de 1865 e na Amazônia em

1866, ficou ainda mais convencido de que o “drift”3 encontrado no Rio de Janeiro e no vale

do rio Amazonas, seria a prova incontestável do efeito das glaciações. Para o teórico das

glaciações, a atual rede de drenagem do rio Amazonas teria resultado do derretimento do gelo

acumulado na depressão durante o “inverno cósmico”, tese essa negada posteriormente.

Mesmo sendo negadas as idéias de Louiz Agassiz de que a drenagem do rio Amazonas

teria resultado de glaciação, os avanços nos conhecimentos confirmaram que as flutuações

paleoclimáticas ocorridas no Pleistoceno provocaram sérias conseqüências paleoecológicas na

região Amazônica, principalmente para a flora e fauna, e também alterações significativas na

atual rede de drenagem (LATRUBESSE e FRANZINELLI, 1993; RANZI, 2000).

Latrubesse e Franzinelli (1993) consideram que as profundas mudanças climáticas

ocorridas nos últimos 120 mil anos provocaram alterações significativas, não só na flora e

fauna, mas também, alterações drásticas no sistema fluvial. Para os autores, a ocorrência de

depósitos de material grosseiro, com seixos de até 3 cm de diâmetro, em rios da margem

direita do rio Negro como Uaupés, Tiqué e Curicuriari e nos rios Purus e Juruá, cuja

hipsometria é inferior a 500m, são indicadores de forte sazonalidade de vazões e de

2 Louiz Agassiz ficou conhecido como o precursor da Teoria das Glaciações Pleistocênicas quando publicou, em 1840, um artigo sobre o “inverno cósmico”, onde o autor defendia a tese de que a Terra sofrera um longo período de glaciações, inclusive nas regiões equatoriais. 3 Termo inglês usado para designar todos os depósitos de origem glacial (GUERRA, 1993).

22

diminuição da cobertura vegetal, resultado das mudanças climáticas ocorridas no final do

Pleistoceno.

Durante as glaciações, os oceanos e mares sofreram diminuição no volume de água,

devido à retenção de grande quantidade de água na forma de gelo sobre os continentes e

mares glaciados, fazendo com que o nível dos mesmos ficassem a dezenas de metros abaixo

do nível atual. Com isso, por gravidade, os rios aumentaram sua capacidade de erodir e

encaixar seu leito. Foi o que aconteceu com o rio Amazonas, durante a última glaciação,

quando o mar descendo ao nível de 120 a 130 metros abaixo do atual (SUGUIO, 1999, p.

240-241), fez com que o rio Amazonas, no curso médio e inferior, encaixasse seu leito ao

nível médio de 100 metros. Situação essa, que o mesmo mantém em muitos trechos, entre os

quais na frente da cidade de Itacoatiara. Esse aprofundamento do rio Amazonas durante as

glaciações do Quaternário foi possível devido principalmente ao recuo do mar, causando

aumento da declividade e pela grande capacidade do mesmo em remover e transportar

material do seu leito.

Nos períodos interglaciais o processo é inverso. A elevação da temperatura da Terra

provoca derretimento do gelo retido sobre os continentes, lagos e mares glaciados, fazendo

aumentar o nível das águas dos oceanos e mares. Ao elevar seu nível de água, os oceanos e

mares afogam as bacias exorréicas que apresentam baixa declividade em seu curso inferior,

fazendo com que os rios depositem grande parte do material transportado em seu próprio vale

escavado, elevando seu nível de base e aumentando a área de transbordamento, formando

planícies. Por esse processo de encaixamento e elevação do seu nível de base, o rio Amazonas

formou os terraços Pleistocênicos e a atual planície de inundação, que ainda se encontra em

formação.

23

A bacia hidrográfica do rio Amazonas, com superfície estimada em 6,5 milhões de

km2, não é apenas a maior bacia hidrográfica da Terra, mas possivelmente um dos mais

complexos sistemas fluvial e lacustre, notadamente na sua calha principal.

Essa bacia de drenagem ultrapassa os limites da floresta ao Norte do Brasil, no Brasil

Central e na Cordilheira dos Andes. Estende-se desde a longitude de 79º W (rio Chamaya,

Peru) até a longitude de 48º W (rio Pará, Brasil), e de 5º de latitude N (rio Cotingo, Brasil) até

a latitude de 20º S (rio Parapeti, Bolívia), (FILIZOLA, et al., In: RIVAS & FREITAS, 2002,

p.33).

A localização geográfica e a geometria da bacia de drenagem do rio Amazonas são

importantes fatores que influenciam nas características ambientais da região, principalmente

na distribuição das chuvas, que acontece de forma irregular espacial e temporalmente,

contribuindo assim, para definir o atual regime hidrológico do rio Amazonas, pois a mesma

recebe contribuições pluviométricas constantes ao longo do ano e dos dois hemisférios.

A bacia de drenagem do rio Amazonas se estende por vários países, sendo que mais da

metade está no Brasil (63%), Peru (17%), Bolívia (11%), Colômbia (5,8%), Equador (2,2%),

Venezuela (0,7%) e Guiana (0,2%), (FILIZOLA, op. cit p. 33). A bacia é margeada a oeste

pela Cordilheira dos Andes e a leste pelo Oceano Atlântico; ao norte pelo escudo guianense e

ao sul é limitada pelos relevos elevados do escudo brasileiro.

Os rios que nascem na Cordilheira dos Andes apresentam perfis longitudinais abruptos

ao entrarem na depressão Amazônica. No conjunto, a bacia de drenagem possui

aproximadamente 8% dos seus rios com nascente em altitude entre 1.000 a 5.000m, sendo que

mais de 90% da bacia encontra-se em altitude inferior a 1.000m. Observando a Figura 1,

percebe-se que 80% dos rios que compõem a bacia de drenagem apresentam hipsometria

inferior a 500m. Essa assimetria abrupta em seu perfil longitudinal, associada ao desgelo dos

Andes e ao elevado índice pluviométrico no curso superior desses rios, são fatores

24

importantes que influenciam na dinâmica do sistema de drenagem, particularmente no

processo de deposição e erosão na zona de transferência (curso médio), em função da

declividade e do volume de água drenada.

Figura 1 – Curva hipsométrica da Bacia Amazônica. FONTE: FILIZOLA et al. In: RIVAS e FREITAS, 2002 Org. Alberto Carvalho/06

A atual rede de drenagem do rio Amazonas tem sido interpretada em seu conjunto,

como sendo uma rede fortemente orientada pela tectônica. Essa interpretação só foi possível

quando a tecnologia de recobrimento aerofotogramétrico possibilitou a montagem de

mosaicos para a confecção de material cartográfico em escala que permitiu a interpretação da

rede de drenagem em seu conjunto.

Coube a Sternberg (1950), o pioneirismo nessa interpretação a partir de recobrimento

aerofotogramétrico realizado pela Força Aérea Americana em 1948, onde foi mapeado o

curso inferior do rio Solimões e Negro, rio Preto da Eva, rio Urubu e o curso médio e inferior

da margem direita do rio Uatumã na escala de 1:1.000.000. Interpretando o padrão de

drenagem desses rios em seu conjunto, Sternberg observou que essa rede, principalmente o rio

Urubu, apresenta forte orientação tectônica, com lineamentos de direção predominante NE-

25

SW e NW-SE, ao qual, no seu entendimento, essa geometria da drenagem teria resultado do

abatimento do embasamento cristalino em função do peso do material acumulado na bacia

intracratônica.

Tricart (1977) estudando a gênese e os tipos de planícies aluviais e de leitos fluviais na

Amazônia brasileira, a partir de interpretação de mosaicos do Radambrasil, considera que os

fatores estruturais, tectônicos, as oscilações climáticas e conseqüentemente as flutuações do

nível do mar desempenharam papel determinante na geomorfogênese dos fundos de vales

atuais na Amazônia.

Iriondo (1982), estudando a geomorfologia da planície amazônica em território

brasileiro considera que a atual rede fluvial da bacia amazônica permite observar que ela é

controlada por importantes alinhamentos estruturais evidentes. Aponta dois indícios dessas

manifestações na calha do rio Amazonas; indícios de subsidência representados pelo

alargamento da planície aluvial, divagação do canal, abundância de lagos e grandes curvaturas

de bancos e meandros; indícios de levantamento que provocou o estreitamento da planície,

trechos retos ou pouco divagantes do canal, mudanças angulares de direção, ausência de lagos

e bancos com fraca curvatura.

Para Costa (1996), o quadro neotectônico da Amazônia, que reúne os sistemas

estruturais, as seqüências sedimentares de relevo e os elementos das bacias hidrográficas, data

do Terciário Superior e do Pleistoceno Superior ao Recente. Considera que provavelmente até

no Oligoceno predominava o regime extensional, mudando para o regime direcional dextral a

partir do Terciário Superior no interior da placa Sul-Americana. Analisando a calha do rio

Amazonas, no trecho compreendido entre a confluência dos rios Negro e Solimões até a foz

do rio Amazonas, o autor observa que há registro de elementos estruturais e geomorfológicos

que resultaram de movimentos tectônicos do Mioceno-Plioceno e do Quaternário (COSTA,

1996, p. 35).

26

Igreja e Catique (1997), analisando as configurações neotectônicas do lineamento de

Itacoatiara, consideram que o atual modelo geotectônico da Região Amazônica tem sido

interpretado como um Sistema Direcional Destral Este-Oeste, originado por tensões

compressivas e transcorrentes, resultante da movimentação das placas Sul-Americana de

Nazca e a Caribenha. Em decorrência desse macro-controle estrutural, consideram que a

Bacia Hidrográfica atual, particularmente seus principais rios, delineiam extensos elementos

tectônicos, cujas planícies de inundação manifestam aspectos morfoestruturais e sedimentares

que indicam a evolução quaternária do Sistema Neotectônico Amazônico.

Souza Filho et.al. (1999), estudando a compartimentação morfoestrutural e

neotectônica do sistema fluvial Guaporé-Mamoré-Alto Madeira, consideram que o

desenvolvimento do sistema fluvial daquela região de Rondônia, foi controlado por fatores

litológicos, climáticos e principalmente tectônicos, sendo este último associado ao

neotectonismo atuantes no Cenozóico, principalmente em função da Orogenia Andina e

reativação das linhas estruturais herdadas do Pré-Cambriano.

Extrapolando os limites da bacia sedimentar, com rios nascendo nos escudos

cristalinos e na Cordilheira dos Andes, a rede de drenagem do rio Amazonas, apresenta em

seu conjunto três tipos de rios: rios de água branca, rios de água preta e rios de água clara.

3 – Os tipos de rios da bacia amazônica

Outro aspecto importante na caracterização da bacia hidrográfica do rio Amazonas são

os tipos de rios. Sioli (1985), tomando como parâmetro a coloração das águas, classificou os

rios amazônicos em três tipos: rios de água preta, rios de água clara e rios de água branca.

Apesar dessa classificação ter tido um reconhecimento acadêmico, o autor adverte para o fato

de que existem outras especificidades nos rios da região que necessitam de maior

27

aprofundamento, reconhece que a cor das águas não é o único critério existente para

caracterizar os tipos de rios, pois há outras propriedades específicas de cada rio, que são

igualmente notáveis entre os tipos de rios, como por exemplo, a morfologia dos leitos.

Quanto às causas para os diferentes tipos de águas, Harald Sioli afirma que “a resposta

é fácil de encontrar, remontando-se os rios até suas nascentes” (SIOLI, 1985, p. 31). Na

verdade, a tipologia dos rios amazônicos decorre da interação de diversos fatores, como:

formação vegetal, formação geológica, tipos de solos entre outros.

Até chegar ao tronco principal de uma bacia de drenagem, a água precipitada escoa

sobre diversas superfícies, com diferentes tipos de solos, de rochas, de vegetação e percolam

subterraneamente e chegam ao rio trazendo as características químicas e físicas por onde

passa. Assim, dependendo da área de drenagem do rio, vários fatores podem influenciar e

determinar a qualidade da água. Neste sentido, os diferentes de tipos rios da bacia amazônica

são condicionados pelas formações geológicas, tipos de solos, cobertura vegetal e pela

hidrodinâmica do rio. A resultante desse processo se expressa por meio dos rios de água preta,

rios de água clara e rios de água branca.

A partir de 1970, têm sido sistematizados trabalhos de medições hidrológicas na

Amazônia Brasileira, pelo extinto Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica -

DNAEE4, CNPq, CPRM, UnB e ORSTOM 5. Destaca-se o fato de que desde 1970 até 1997,

os objetivos das “campanhas" (como são chamados os trabalhos de campo dessas

instituições), tinham como objetivo maior fazer medições de descarga líquida e de sedimentos

dos principais rios, visando conhecer melhor o potencial hidrelétrico da região para futuro

aproveitamento energético.

No entanto, com a crise cada vez maior da qualidade da água potável, às instituições

que fazem pesquisas hidrológicas sistemáticas na bacia amazônica como a ANEEL, CNPq,

4 O DNAEE foi transformada na Agênica Nacional de Energia Elétrica -ANEEL 5 Atualmente o ORSTOM chama-se IRD (Institute Rechecher Desenvolviment – Hydrologie - França).

28

UnB, CPRM e o IRD ( Institute Rechecher Desenvolviment – Hydrologie - França ) passaram

a analisar, a partir de 1998, a qualidade da água em seus aspectos físico e químico. Além da

medição de vazão líquida e de sedimentos, novos parâmetros foram incorporados e

monitorados pelas instituições de pesquisa, como temperatura da água, condutividade elétrica,

acidez, turbidez, material em suspensão, carbono particulado, carbono dissolvido e mercúrio.

No Quadro 01, são apresentados os principais parâmetros monitorados tais como:

vazão líquida, temperatura da água, condutividade elétrica, acidez e material em suspensão de

alguns dos principais representantes dos rios de água branca, de água preta e de água clara.

Para melhor comparação entre os rios e a época do ano, selecionou-se rios que

apresentam dados coletados em meses diferentes do mesmo ano; cheia e vazante.

Os dados permitem observar as variações dos principais parâmetros medidos e

comparar essas variações entre os tipos de rios e no mesmo rio, mas em épocas diferentes,

principalmente nos parâmetros vazão, material em suspensão e sais minerais dissolvidos e

com menor índice de variação na temperatura e acidez da água.

Observando o Quadro 1, percebe-se que o rio Madeira, na foz, apresenta maior

flutuação de energia entre o período de cheia e vazante em comparação com os outros rios.

No mês de março, máximo de cheia, a vazão chega a 40.000 m3/s, caindo drasticamente para

menos de 6.000 m3/s em outubro quando o rio está em vazante.

Situação semelhante pode ser observada nos extremos de cheia e vazante do rio

Amazonas, na estação hidrológica de Itacoatiara, onde a vazão atingiu naquele ano valor de

176.668 m3/s durante a cheia e diminuindo para 88.690 m3/s na vazante.

29

Rio Local Data

(1998)

Vazão m3/s Temp.

º C

C. Elétr.

uS/cm

pH MES

mg/l

Madeira1 Foz 19/04 39.884 28,6 45,9 6,5 594,4

Madeira1 Foz 01/10 5.980 30,4 78 7,3 34,5

Amazonas1 Itacoatiara 20/04 167.433 29 69,8 5,5 175,7

Amazonas1 Itacoatiara 01/10 88.690 29,8 80 6,8 28,2

Amazonas1 Óbidos 02/05 176.668 29,3 53 6,2 76,2

Amazonas1 Óbidos 04/10 98.690 31,3 55,1 6,8 18,4

Solimões1 Tabatinga 29/09 - 30,6 41 6,4 114,5

Solimões1 Manacapuru 28/04 115.055 28,9 71 6,5 154,3

Negro2 Curicuriari 22/09 12.380 27,4 21 4,0 1,2

Rio Branco1 Na foz 25/09 3.350 30,6 20,9 6,4 21,5

Negro2 Paricatuba 21/04 13.183 31,1 11 4,2 3

Negro2 Paricatuba 28/09 30.650 30,3 10,2 4,6 2,5

Trombetas2 Oriximina 02/05 4.566 31,2 14 5,4 5,8

Uatumã2 Santana (Foz) 01/05 - 30 6 5,7 4,8

Tapajós3 A. do Chão 05/05 10.793 29,2 10 6,6 5,0

Aripuanã3 N.Aripuanã 18/04 7.268 28,6 10 5,6 6,8

1 – água branca 2 – água preta 3 – água clara Quadro 1 - Dados de medições físico-químicas e de material em suspensão (MES) de alguns rios Amazônicos, no ano de 1998. FONTE: HiBAm - Hidrologia da Bacia Amazônica: Campanha Negro 98 e Campanha Rio Madeira 98 – ORSTOM \ CNPq \ ANEEL\ UnB Org. Alberto Carvalho

Essa flutuação de energia dentro do canal se reflete na dinâmica fluvial e nos demais

parâmetros físicos como na quantidade de material em suspensão e químicos.

Foram classificados como rios de água preta os que nascem na margem esquerda da

bacia, no desgastado escudo cristalino das Guianas. A partir do rio Negro, com exceção do rio

Branco, todos os rios que deságuam no curso médio e inferior do rio Amazonas são de água

preta. Na verdade, o rio Branco apresenta coloração esbranquiçada no seu curso médio e

inferior, pois os seus formadores como o Uraricuera tem a coloração clara e cristalina.

Junk (1983, p. 51-52) observa que alguns rios menores que nascem nos sedimentos

Neógeno da Formação Solimões, portanto, no interior da floresta, são de água preta, pois

30

nessa depressão os processos erosivos são pouco intensos e reduzidos ainda mais pela densa

floresta pluvial, justificando a cor e transparência das águas devido ao reduzido transporte de

sedimentos e a decomposição de matéria orgânica. É o caso do rio Ipixuna que pela

etimologia tupi é rio de água preta e se enquadra no exemplo acima.

A maioria dos rios classificados como de água preta a que Sioli (op. cit. p. 31)

assemelha a “café preto” e no copo a “chá fraco”, apresentam essa coloração mais forte no

seu curso superior se tornando mais transparentes no curso inferior, pois, ao receberem novas

águas de rios menores e igarapés e associado a perda de velocidade a água se torna mais

transparente.

Os rios de água preta, com exceção do rio Negro, são menores em extensão do que os

rios de água clara que nascem no cerrado do Brasil Central. Apresentam perfis longitudinais

acentuados no curso superior e médio, formando cachoeiras e corredeiras. No entanto, esses

rios possuem baixa declividade no curso inferior, tendo como característica a sua foz afogada

em forma de ria fluvial6.

Em função da transparência e baixa turbidez, o que permite maior penetração dos raios

solares, a visibilidade também é maior, variando de 1,5 a 2,5m, como pode ser observado no

rio Negro, aliás, o clássico e maior rio de água preta (SIOLI, 1985, p. 31).

A pobreza dos solos que margeiam esses rios associados à acidez de suas águas, cujo

pH varia de 4 a 5 em seus principais representantes, baixa condutividade elétrica em função

do baixo índice de sais minerais dissolvidos, com temperatura variando de 30 a 31 ºC,

associado a pouca carga de material em suspensão (vide Quadro 1), dificulta o

desenvolvimento de plantas aquáticas e consequentemente a fauna e ictiofauna entre outros

elementos que o caracterizam, fazendo com que esses rios fossem por muito tempo

denominados como “rios da fome”.

6 O conceito de ria fluvial na Amazônia foi consagrado por Pierre Gorou em 1946 que descreveu como sendo vales encaixados e muito digitados (GOROU, Pierre - Observações geográficas na Amazônia, p. 391)

31

Assim os rios de água preta, escoando sobre rochas muito antigas, apresentam pouca

competência para remover material consolidado das margens e pouca capacidade de carga a

ser transportado, tendo suas margens pouco alteradas pela ação erosiva da água corrente. No

entanto, onde o material das margens é menos resistente a ação da água corrente, essa situação

muda consideravelmente. É o caso do rio Negro que, ao entrar nos tenros sedimentos da

Formação Solimões, sofre erosão lateral por solapamento. Essa situação foi observada e

registrada pelo autor dessa pesquisa na margem direita do rio Negro a montante de Barcelos.

Naquele trecho o rio Negro apresenta clara manifestação do solapamento em sua margem,

onde a mesma se apresenta na forma de falésia, semelhante ao trabalho realizado pelo rio

Solimões na sua margem direita logo a jusante da cidade de Coari.

Os rios de água clara, por sua vez, são caracterizados pela transparência e cor

esverdeada das suas águas. A origem desses rios provém dos antiqüíssimos maciços do Brasil

Central, os quais, em virtude do relevo mais regular, não possuem alta capacidade de erosão,

embora a região não seja coberta por densa floresta protetora, mas pela vegetação aberta do

cerrado. Como estas regiões estão submetidas as estações secas e chuvosas bem marcadas,

esses rios só transportam quantidades maiores de material em suspensão no período das

chuvas; já na longa e profunda estiagem, especialmente no Brasil Central, tais rios apresentam

clareza cristalina e coloração verde-clara (SIOLI, op. cit. p. 35-36).

Os rios de água clara, em sua maioria, nascem sobre o cristalino antigo, mas cortam

transversalmente as formações sedimentares do Paleozóico, Cretáceo/Terciário vindo a

desembocar nos sedimentos do Quaternário. Junk (1983) observa que essas mudanças nas

formações geológicas provocam maior variação nos parâmetros hidroquímicos, fazendo com

que haja uma heterogeneidade relativamente grande nas águas desses rios. “Os valores de pH

podem variar entre 4,5 e mais que 7, enquanto que a condutividade elétrica varia entre 6 uS e

mais que 50 uS/cm” (JUNK, op.cit. p. 52).

32

Os dados contidos no Quadro 01 mostram os rios de água clara, no caso o rio

Aripuanã e Tapajós com pH variando de 5,6 a 6,6 ambos com condutividade elétrica no valor

de 10 uS/cm e baixa quantidade de material em suspensão variando de 5,0 a 6,8 mg/l.

É importante destacar o fato que os rios de água clara que nascem no Brasil Central

drenam uma área muito maior do que os rios da margem esquerda, devido os rios da margem

direita serem bem mais extensos do que os da margem oposta. Essa observação se reveste de

importância quando se estuda a distribuição das precipitações e evidentemente no regime

fluvial do rio Amazonas.

Os rios de água branca nascem nas elevações Andina e pré-Andina e apresentam uma

passagem abrupta do domínio montanhoso andino para a depressão, conforme pode ser

observado na Figura 01.

Embora os rios de água branca sejam classificados com essa cor, na verdade,

apresentam águas com tonalidades amareladas, barrentas, turvas devido a grande quantidade

de material transportados em suspensão, tanto detrítico como dissolvidos. É o caso do rio

Amazonas, Purus, Juruá e rio Madeira, entre outros, cujas profundidades limites de

visibilidade vão de menos de 10 cm a 50 cm (SIOLI, 1985).

Na Cordilheira Andina predominam os profundos vales em forma de V que pela

gravidade aumentam o processo erosivo, onde grande quantidade de material detrítico é

carreado para os estreitos vales e transportados para a depressão num contínuo processo de

erosão/transporte/deposição. Com o aumento da carga de sedimentos em suspensão, aumenta

a turbidez, provocando a cor branca das águas. No entanto, Sioli chama atenção para o fato de

que mesmo nos profundos vales escarpados, mas recobertos por densa floresta que impede a

erosão superficial do solo, faz com que os rios apresentem águas claras durante a maior parte

do tempo (SIOLI, op. cit. p. 31-32).

33

Tricart (1977) destaca que os rios que nascem na região Andina e pré-Andina, ao

passarem de forma abrupta para a depressão, diminuem consideravelmente a declividade

fazendo com que o grande volume de material detrítico, transportado dos Andes, seja

depositado dentro do canal e na área de transbordamento. Com baixa declividade, mas com

muita energia, esses rios removem com facilidade os sedimentos inconsolidados das margens

côncavas e depositam nas margens convexas, provocando o serpenteamento desses canais. A

erosão das margens côncavas leva ao estrangulamento do meandro formando os “sacados”.

Esse equilíbrio entre erosão e deposição na zona de transferência (curso médio), faz

com que o padrão de canal desses rios se torne predominantemente meândrico do tipo

divagante. É o caso dos rios Juruá e Purus que são menos sinuosos no curso superior e se

tornam meândricos do tipo divagante no seu curso médio e inferior, onde chegam a apresentar

índice de sinuosidade7 superior a 2,0. Segundo Guyot (1993, apud, FILIZOLA, et al., 2002,

p. 37) há canais na planície da Amazônia boliviana com índice de sinuosidade variando de 1,5

a 4,0.

Um dos resultados dessa contínua migração lateral nos rios meândricos do tipo

divagante (muito comum nos rios da margem direita do Solimões) são as formações de

meandros abandonados, conhecidos regionalmente por “sacado”. Monteiro (1964), em “O

Sacado” faz uma longa avaliação sobre a morfodinâmica fluvial, a formação dos sacados e as

conseqüências desse processo para as populações ribeirinhas desses rios, e até mesmo os

problemas políticos causados na fronteira em decorrência das mudanças ocorridas dentro de

canais. Monteiro (op. cit. p. 12), considera que “O sacado é um dos mais complexos

fenômenos de mobilidade fluvial”.

As regiões Andina e pré-Andina são formadas em sua maior parte por sedimentos do

Cretáceo, que são alcalinos e relativamente ricos em sais minerais, principalmente cálcio e

7 Considera-se canal meândrico quando o índice de sinuosidade for igual ou superior a 1,5 (CHRISTOFOLETTI, 1981, p. 164; CUNHA, 1994, p. 219).

34

magnésio, fazendo com que a composição química da água seja quase neutra, com pH

variando de 6,5 a 7 (JUNK, 1983, p. 50).

Os cursos dos rios de água branca na Amazônia são muito instáveis, pois estão

constantemente divagando em seus sedimentos e remodelando seus leitos, sobretudo na zona

de transferência e de deposição, influenciando sobremaneira no modo de vida das populações

que habitam suas margens.

Embora todos os tipos de rios tenham a sua importância, neste trabalho os rios de água

branca se revestem de importância ainda maior, pois são nesses tipos de rios, nos trechos em

que os mesmos são margeados pela planície Holocênica, que o fenômeno das terras caídas é

mais evidente e catastrófico. Neste sentido, é importante caracterizarmos o rio Amazonas e

sua planície de inundação.

4 - O Rio Amazonas

O rio Amazonas foi por muito tempo considerado como sendo o segundo, terceiro e

até mesmo quarto rio mais extenso do mundo. Essa discussão sobre o principal formador do

rio Amazonas e, por conseguinte, sua extensão, perdurou por séculos e só foi definido na

década de 1990, quando várias expedições científicas, utilizando-se de novas tecnologias,

estiveram nos Andes buscando definir sua nascente.

Até o final do século 19, o rio Marañon era considerado o principal formador da bacia.

Esse entendimento reflete de certa forma o processo histórico pelo qual o rio Amazonas foi

conhecido pelos colonizadores europeus.

O reconhecimento do rio Amazonas se deu no sentido inverso da maioria dos rios, ou

seja, da nascente para a foz. Isto porque o reconhecimento inicial se deu pelos espanhóis, que,

ávidos pelos rumores de que existiam grandes riquezas no interior da bacia, mais

35

precisamente no país de La Canela e o El Dorado, estimularam várias incursões rios abaixo

iniciadas a partir dos aportes do Marañon que nascem no extremo oeste e noroeste da bacia de

drenagem.

A disposição dos rios que nascem nas elevações dos Andes, ou seja, no oeste/noroeste

da bacia, faz com que o deslocamento no sentido jusante conduza inevitavelmente ao rio

Marañon. Como a colonização espanhola estava sendo intensificada nessa região Andina, era

evidente que as incursões para o “interior” da bacia acontecessem a partir das cabeceiras

desses rios que deságuam no rio Marañon. Foi o caso da expedição de Francisco Orellana, que

desgarrada da expedição maior de Gonçalo Pizarro, desceu o rio Amazonas pelo Marañon no

ano de 1541.

O reconhecimento do rio Amazonas no sentido montante só aconteceu no ano de

1637/39 quando a expedição de reconhecimento comandada por Pedro Teixeira subiu o rio

Amazonas até Quito no Peru.

Quando La Condamini descia o Marañon, no ano de 1743, ao passar pela confluência

com o Ucayali, diz que:

Há motivos para dúvidas sobre qual dos dois é o tronco principal, do qual o outro não passa de uma ramificação [...] É verdade que o Ucayali nunca foi sondado e que se ignoram o número e o tamanho dos rios que recebe. Tudo isso me convence de que a questão não poderá ser inteiramente resolvida enquanto o Ucayali não for melhor conhecido ( LA CONDAMINI, 1992, p. 62).

A definição da nascente e extensão do rio Amazonas só aconteceu recentemente

quando cientistas do projeto Amazing Amazon, pertencente ao Instituto Nacional de Pesquisa

Espacial – INPE – divulgaram, em 1995, resultados de pesquisas realizadas na nascente e ao

longo de toda sua extensão até a foz.

36

Utilizando-se de imagens de satélite e realizando análise comparativa dos aspectos

físicos e químicos das águas e dos sedimentos coletados nas nascentes e na foz do rio

Amazonas, os cientistas daquele Instituto concluíram que o rio Apurimac é o principal

formador do rio Amazonas. Tal definição se deve ao fato de que os sedimentos encontrados

na nascente do referido rio foram os que mais se assemelharam aos sedimentos encontrados

na foz do rio Amazonas. Assim conseguiram localizar a nascente do Apurimac e definir que o

mesmo nasce no Peru, entre os montes Mismi com 5.699m e Kcahuich com 5.577m de

altitude, situado ao sul da cidade de Cuzco e próximo do lago Titicaca. Com essa definição do

local da nascente do rio Amazonas, sua extensão até a foz foi medida em 7.100 km, passando

a ser o maior rio do mundo, não só em volume, mas também em extensão.

Apesar do rio Amazonas e seus principais tributários andinos nascerem em altitude

superior a 5000 m, a maior parte da extensão de seu perfil longitudinal no curso médio e

inferior possui baixa declividade, variando de 1 a 2 cm/km aproximadamente.

Filizola et al. (op. cit. p. 37), consideram que em território brasileiro o padrão de canal

do rio Amazonas é marcadamente retilíneo, com índice de sinuosidade variando de 1,0 a 1,2.

Para Christofoletti (1981, p.153), a classificação mais adequada para o padrão de canal

do rio Amazonas em território brasileiro é o padrão ramificado. Para esse autor, o canal

ramificado surge quando existe um braço de rio que volta ao leito principal, formando ilha

cuja junção pode ocorrer até dezenas de quilômetros à jusante.

Tricart (1977), utilizando-se dos mosaicos do Radambrasil para estudar os tipos de

planícies e de leitos fluviais na Amazônia Brasileira, aponta uma série de anomalias de

dissecção manifestadas no rio Solimões e no rio Negro ao qual atribui a fatores tectônicos.

No rio Solimões, destaca o fato do mesmo se encontrar predominantemente encaixado

na margem direita, formando margem escarpada na formação Neógena. Para Tricart, “Tal

disposição resulta provavelmente de basculamento para o sul, do bloco que domina a

37

depressão de ângulo de falha, na qual o rio se alojou”. A autocaptura do rio Solimões na

formação Neógena nas imediações de Coari, formando um cotovelo de 90º e tomando a

direção N-S, é apontada pelo autor como sendo a manifestação mais evidente dessa anomalia

ao qual atribui ao basculamento de bloco para sul. Considera ainda que “Toda a tectônica de

blocos, com a formação da depressão de ângulo de falha, na qual se alojou o Solimões, é

posterior ao Quaternário médio” (TRICART, 1977, p. 06-07)

No Rio Negro, o autor destaca o fato do mesmo apresentar vale e leito mal calibrado e

duas expansões lacustres e colmatadas de forma incompleta. A primeira expansão, formada à

montante da confluência com o rio Branco e preenchida parcialmente por sedimentos da

Formação Solimões, anastomosou aquele trecho do rio, originando o maior arquipélago

fluvial que é o Arquipélago de Mariuá. O autor sugere que essa expansão resultou de uma

pequena fossa tectônica, que os depósitos do rio Negro foram insuficientes para preencherem

completamente.

A segunda expansão lacustre se formou no curso inferior, nos sedimentos da

Formação Alter do Chão, originando o segundo trecho anastomosado do rio Negro que é o

Arquipélago de Anavilhanas. Observa ainda que o curso inferior do rio Negro, apresenta as

mesmas características de ângulo de falha que o Solimões à montante de Coari e dissimetria

entre a margem direita abrupta e a margem esquerda com declividade suave.

Os resultados das campanhas do programa Hidrologia e Geoquímica da Bacia

Amazônica – HiBAm realizadas pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica - CNPq,

Institute Rechecher Desenvolviment – IRD Hydrologie da França8, Agência Nacional de

Energia Elétrica - ANEEL e pela Universidade de Brasília – UnB, no rio Solimões em

período de águas altas, mostram que a largura do rio varia de 1.000m em Tabatinga a 7.000m

8 O IRD Hydrologie corresponde ao antigo ORSTOM.

38

em Almeirim, enquanto as profundidades variam de 30m em Tefé a 100m em Itacoatiara

(FILIZOLA.op. cit. p. 37).

A medição da velocidade é importante para correlacionar com a maior ou menor

capacidade de erosão ou deposição dentro de um canal (SUGUIO e BIGARELLA,1990;

CHRISTOFOLETTI,1981). Os dados referentes à velocidade da correnteza do rio Amazonas

e do rio Madeira, foram levantados na Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais – CPRM-

que faz medições sistemáticas de velocidade e vazão dos principais rios amazônicos desde

1982, em conjunto com a ANEEL e o IRD. Para confeccionar gráfico de velocidade do

Amazonas foram utilizados os dados da Estação Hidrológica de Jatuarana, situada à montante

da área deste trabalho de dissertação, enquanto que os dados do rio Madeira são da Estação

Hidrológica de Borba.

O Gráfico nº 1 mostra a velocidade dos referidos rios com periodicidade diferente e

uma variação bem maior do rio Madeira em relação ao rio Amazonas. O rio Madeira, no seu

curso médio/inferior, chega a atingir velocidade de até 7 km/h no mês de abril e diminui a

menos de 2km/h no mês de setembro, quando se encontra em máximo de vazante. Já o rio

Amazonas, na estação Jatuarana, apresenta máxima de velocidade em junho e julho quando

atinge velocidade de 5,7 km/h durante a máxima de cheia e diminui para 3,7 km/h em

novembro quando esse rio está em menor vazante9.

9 Os dados mensais são médias de velocidade medidas desde o ano de 1978 a 1997. Os dados do rio Madeira são da estação hidrológica de Borba e do rio Amazonas estação Jatuarana, à jusante de Manaus.

39

0

1

2

3

4

5

6

7

8

J F M A M J J A S O N D

Km

/h

AmazonasMadeira

Velocidade do Rio Amazonas e

Gráfico 1 – Comportamento da velocidade anual nos rios Madeira e Amazonas. Observar a diferença de flutuação de energia entre os rios. FONTE: ANEEL/DNAEE/CPRM Org. Alberto Carvalho/2006

Além dos dados dos órgãos acima referidos, foram realizadas medições de velocidade

nos extremos e na metade da área, em distância de 10 e 100m da margem (Quadro 02). O

método utilizando foi de flutuador, conforme propõe Cunha (1996).

Local Hora Vento Dist. margem (Velo. m/s) Km/h

Extremo superior 09:00 Moderado 10m 0,33 1,18

100m 1,06 3,81

Meio da área 10:00 Moderado a médio 10m 0,77 2,77

100m 1,36 4,89

Extremo inferior 11:00 Médio a forte 10m 0,66 2,37

100m 1,26 4,53 Quadro 2 – Velocidade da correnteza no Paraná da Trindade medida com flutuador. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006

40

O rio Amazonas e seus afluentes de água branca são caracterizados por possuírem uma

intensa dinâmica fluvial, sobretudo nos seus cursos médio e inferior, deslocando

constantemente seu curso e modelando uma variedade de formas topográficas tanto dentro

como fora dos canais.

Uma das manifestações de destaque na bacia de drenagem do rio Amazonas é a sua

vasta planície de inundação. É nessa unidade geomorfológica que a dinâmica fluvial se

manifesta com maior intensidade, quer seja pela erosão ou deposição de sedimentos dentro do

canal, como pelos efeitos dos transbordamentos periódicos. No entanto, é nessa mesma

unidade que historicamente se encontra a maior densidade da população ribeirinha.

5 – A formação da atual planície de inundação do rio Amazonas

Um outro elemento marcante na paisagem hidrográfica amazônica é a expressiva

planície Holocênica formada ao longo do curso médio e inferior dos principais rios de água

branca, com maior expressão no rio Amazonas, que controla essa unidade geomorfológica

através da sua dinâmica e do regime fluvial, que ao transbordar deposita grandes volumes de

sedimentos sobre a planície.

Essa atual planície de inundação, conhecida regionalmente por várzea amazônica,

forma extensas áreas baixas ao longo da calha do rio Solimões/Amazonas, perfazendo uma

área estimada em 64.400 km2, o correspondente a 1,5 % da Amazônia em território brasileiro

(SOARES, 1989, p. 102).

Para Sternberg (1955); Tricart (1977); Iriondo (1982), a planície de inundação é

controlada por arcos estruturais e sua influência se manifesta na largura, sinuosidade e

declividade dos rios. Assim sua largura e extensão em território brasileiro são bastante

assimétricas, variando de menos de 10 a 100 km de largura.

41

Nas cartas geológicas ao milionésimo do Radambrasil que cobre a calha do rio

Amazonas, verifica-se que a maior largura da várzea é verificada no Solimões, no trecho logo

à montante da confluência do mesmo com os rios Japurá e Juruá. Nesse trecho a várzea atinge

largura de até 100 km, vindo a diminuir de largura no sentido jusante, com 50 km verificados

em Tefé. No “cotovelo” de Coari, a várzea diminui de largura chegando a 10 km.

Na confluência com o Purus, o leito maior do Solimões volta a aumentar chegando a

80 km e alarga-se até Manacapuru. O trecho mais estreito da várzea encontra-se entre

Manacapuru e a confluência com o rio Negro, onde sua largura diminui até 5 km. A partir da

confluência com o rio Negro volta a aumentar chegando a 30 km na confluência com o rio

Madeira.

No trecho entre Itacoatiara e Óbidos, a largura da várzea do rio Amazonas é mais

regular, variando de 20 a 60 km. A partir de Óbidos, no sentido jusante, as formações

Paleozóica e Cretáceo/Terciária se aproximam muito do rio, diminuindo a largura da planície

de inundação voltando a aumentar na sua foz, principalmente ao redor da Ilha de Marajó.

Essa imensa planície de inundação abriga, no seu interior, um complexo sistema de

drenagem como ilhas, diques marginais, lagos, furos e paranás que são transbordados parcial

ou totalmente durante o período máximo de cheia que no rio Solimões/Amazonas acontece

normalmente nos meses de junho e julho.

Nascimento, Mauro e Garcia (1976, p. 145-146), usando o critério hidrológico,

classificaram a planície do rio Amazonas em “planície fluvial alagada” e “planície inundável

ou de inundação”. Consideraram como planície fluvial alagada a várzea baixa que em

condições normais começa a ser transbordada nos três primeiros meses do ano, enquanto que

a planície inundável foi classificada como várzea alta, cuja inundação total só acontece

durante as grandes enchentes.

42

Iriondo (1982), interpretando mosaicos do Radambrasil que recobrem a calha do rio

Amazonas em território brasileiro, e utilizando um critério por ele denominado de descritivo-

genético, classificou essa unidade geomorfológica em “depósitos de inundação” na parte

interior da unidade e de “planície de bancos e meandros atuais” na zona de contato direto com

o rio Amazonas. O autor caracterizou os “depósitos de inundação” como áreas planas e

homogêneas, originada por processos de colmatação que ocorrem durante as enchentes,

formando lagos de formas e tamanhos diversos e canais irregulares muito pequenos. Como

“planície de bancos e meandros atuais” foi caracterizada a faixa de sedimentos arenosos que o

rio deposita dentro do canal durante a fase atual.

Tricart (1977) atribui a gênese dessa unidade à transgressão marinha que se elevando

rapidamente, provocou represamento do rio Amazonas. Esse rio transportando grande

quantidade de sedimentos represou e afogou seus afluentes no curso inferior e médio. Esse

último represamento ocorrido no Holoceno fez com que o rio Amazonas e seus tributários de

água branca preenchessem seus vales escavados durante a regressão com os seus próprios

sedimentos.

Para Iriondo (1982, p. 347), os vales afogados dos afluentes do rio Amazonas resultam

de processo complexo envolvendo três fatores que isolados ou combinados entre si, definiram

essa atual forma da foz desses rios que são:

a) barragem das desembocaduras dos tributários por sedimentos do rio principal;

b) implantação de regime estuarino durante a transgressão marinha Holocênica, fato

esse evidenciado até algumas centenas de quilômetros a montante da foz atual, e;

c) subsidência de blocos de falhas por movimentos neotectônicos atingindo trechos de

até dezenas de quilômetros.

Junk (1983) considera que a subida do nível do mar até a sua altura atual começou

cerca de 15 mil anos A.P. e provocou um represamento da água dos rios nos seus próprios

43

vales, causando uma diminuição de velocidade da correnteza e os rios começaram a encher

seus vales afogados com os seus próprios sedimentos. Os rios de água branca, que

transportam grande quantidade de sedimentos de fundo e em suspensão preencheram quase

que completamente seus vales. O mesmo não acontecendo com os rios de águas pretas e

claras, que transportando pouco material, não conseguiram preencher seus vales afogados,

ficando com a forma de ria fluvial. Observa que o rio Negro, na altura de Manaus, tem largura

de até 12 km e a profundidade chega a 100 m. Considera que a correnteza de menos de 2

km/h não explica a erosão de um vale tão largo e fundo (JUNK, 1983, p. 46-47).

Estudando as antigas linhas de costa formadas na plataforma do Rio Grande do Sul,

Corrêa (1996, apud SUGUIO, 1999, p. 240-241), identificou paleolinhas de praias escarpadas

com 120 a 130 m abaixo do nível atual, como sendo o limite máximo da regressão do nível do

mar durante o Último Máximo Glacial ao qual consideram 17.500 anos AP.

Suguio (1999), estudando as variações do nível do mar ao longo do litoral brasileiro,

entre o sul de Santa Catarina até Salvador/BA, e tomando como base os terraços Holocênicos,

constatou as flutuações do nível do mar no Holoceno com as seguintes variações:

a – O atual nível médio do mar foi ultrapassado pela primeira vez entre 7.000 e 6.500

anos AP;

b – Há cerca de 5.100 anos AP o nível do mar subiu entre 3 e 5 m acima da média

atual;

c – Cerca de 3.900 anos AP o nível relativo do mar deve ter estado 1,5 a 2 m abaixo do

atual;

d – Há aproximadamente 3.600 anos AP o nível do mar subiu entre 2 a 3,5 m acima do

atual;

e – Há 2.800 anos AP ocorreu novamente um pequeno rebaixamento, atingindo um

nível inferior ao nível atual;

44

f – Há cerca de 2.500 anos AP foi atingido um nível 1,5 a 2,5m acima do atual. [...] os

dados baseados nos registros instrumentais (maregramas) indicaram que, nos últimos

40 anos, estaria ocorrendo uma subida de nível de 30 cm/século na região de

Cananéia-SP (SUGUIO, 1999, p. 148-249).

Os dados acima nos permitem observar que nos últimos 7.000 anos AP, o mar esteve

por quatro vezes acima do nível atual e três vezes abaixo, com flutuação de 5 a 7m. Por volta

de 5.000 anos AP, chegou a estar entre 3 a 5m acima do nível atual e por volta de 3.900 anos

AP esteve de 1,5 a 2m mais baixo do que se encontra atualmente. Destaca-se o fato que os

dados registrados, nos últimos 40 anos, pelos instrumentos estão acusando uma ligeira subida

do nível do mar.

Esses dados são relevantes quando se considera a baixa declividade do rio Amazonas

no seu curso inferior e médio que chega a ser menor de 2 cm/km. Associado a sua

descomunal descarga líquida, cujo volume médio de descarga no oceano é de 209.000 m3/s,

qualquer variação positiva ou negativa do nível do mar provoca efeitos imediatos no seu leito.

As variações diárias da maré, no baixo curso do rio Amazonas, nos permitem uma

idéia dos efeitos dessa flutuação. Segundo Soares (1989, p. 115), a amplitude média das

marés na foz do Amazonas varia de 3,5 a 4m, o suficiente para represar o rio Amazonas até

Óbidos, distante a mais de 1.000 km do oceano e em menos de seis horas de preamar.

Portanto, a gênese da atual planície do rio Amazonas e de seus tributários, além do

regime hidrológico, está associada a essas flutuações positivas do nível do mar que, elevando-

se até 5m acima do nível atual afogou o rio Amazonas. Esse, ao ser represado pelo Oceano

Atlântico, passa a depositar seus sedimentos dentro do canal, e com isso elevando seu nível de

base. Com a elevação do nível de base o rio Amazonas aumentou sua área de

transbordamento formando essa imensa planície de inundação que continua em processo de

formação.

45

Nascimento, Mauro e Garcia (1976, p. 145-146), caracterizaram essa complexa e

densa rede de drenagem como sendo formada por paranás, furos, igarapés, vales fluviais com

foz afogada, lagos com forma e gênese diferenciadas, diques aluviais, áreas de inundação e

constantemente alagadas com brejos e igapós, cursos fluviais anastomosados com numerosas

ilhas, além de outros.

Os referidos autores, que trabalharam os aspectos geomorfológicos da Folha SA-21

Santarém, considerando a complexidade dos elementos da hidrografia da várzea, propuseram

uma classificação para os variados furos e lagos existentes na planície do Médio Amazonas.

Furo, conceituado como sendo todo canal de drenagem que liga um rio a outro rio, um

rio a um lago ou um lago a outro lago, os geomorfólogos da equipe identificaram seis tipos de

furos e propuseram a seguinte classificação:

Nº Tipo de furo Descrição 01 Furo em captura Ocorre em planície fluvial e funciona como foz para um ou mais

rios que deixam de escoar diretamente para o rio principal.

02 Furo em colmatagem Ocorre em planície fluvial e funciona como condutor das águas do rio principal para os lagos que se encontram em colmatagem.

03 Furo em vale morto Ocorre em vale fluvial abandonado e funciona como ligação entre rios e/ou lagos utilizando vale abandonado por ocorrência de captura.

04 Furo em contato litológico

Ocorre em áreas de contato litológico e funciona como ligação entre rios e/ou lagos em áreas em contato litológico, principalmente de aluviões com sedimentos da Formação Alter do Chão.

05 Furo adaptado a tectônica

Ocorre em alinhamentos estruturais e funciona como ligação entre rios e/ou lagos, adaptando-se a alinhamentos de falhas ou diáclase.

06 Furo ligando lagos Ocorre geralmente em planície fluvial e funciona como ligação entre lagos.

Quadro 3 – Tipos de furos na planície do Médio Amazonas. FONTE: Nascimento, Mauro e Garcia. Radambrasil, FOLHA –SA -21,1976. Org. Alberto Carvalho

46

Considerando as variedades de forma e associando a gênese, os referidos autores

identificaram sete tipos de lagos na planície e propuseram a seguinte tipologia para esses

lagos na Folha SA-21:

Nº Tipo de lago Descrição 01 Lago de várzea Lagos que ocorrem na planície fluvial e sua gênese estão associados

ao transbordamento do rio principal que promove a decantação dos sedimentos. No período de vazante e sem o material transportado, devolve através de furos as águas ao rio principal.

02 Lago de contato litológico

Ocorre em áreas de contato entre os depósitos quaternários (várzea) e os sedimentos da Formação Alter do Chão ( terra firme). São áreas alimentadas por afluentes e/ou pelas chuvas onde ocorre contato de litologias.

03 Lago de meandro Ocorre em planície fluvial e sua gênese está associada a áreas de recuperação fluvial, isoladas do rio principal por colmatagem.

04 Lago de dique Ocorre entre diques aluviais e tem forma alongada.

05 Lago de restinga Ocorre isolado do rio principal por processo de colmatagem do tipo. Sua gênese está associada a antigas “baias” fluviais isoladas do rio principal.

06 Lago adaptado a tectônica

Ocorre em áreas de subsidência localizada, controladas por alinhamentos estruturais. São alimentados por afluentes e ou pelas águas da chuva.

07 Lago de barragem Ocorre a jusante dos rios que apresentam a foz afogada ou barrada. Muito desses rios, por apresentarem largura desproporcional no seu curso inferior, são chamados de lagos.

Quadro 4 – Tipos de lagos na planície do Médio Amazonas FONTE: Nascimento, Mauro e Garcia. Radambrasil, FOLHA –SA -21,1976. Org. Alberto Carvalho

É importante estacar que a várzea é um sistema muito complexo, mas também frágil.

Controlada pelo rio Amazonas, esse sistema sofre anualmente transbordamento parcial ou

total. Durante o período de cheia, o rio principal deposita grande volume de sedimentos sobre

as áreas deprimidas da planície, tornando os lagos, lagoas e canais mais rasos ou até mesmo

desaparecendo completamente. Esse fato é relevante, pois quando acontecem as grandes

47

vazantes muito dos lagos e lagoas secam completamente provocando sérios problemas sociais

e ambientais.

6 – O regime climático da Amazônia

A bacia de drenagem do Rio Amazonas tem a forma de leque e apresenta certa

eqüidistância entre largura e comprimento. No sentido longitudinal, possui uma variação de

31º, enquanto que no sentido latitudinal, a variação é de 25º sendo, portanto, maior no sentido

longitudinal por apenas 5º.

Embora a variação latitudinal seja menor do que a longitudinal, torna-se mais

importante para o clima regional, pois, é essa variação latitudinal de 25º que associado ao

domínio da floresta, define de certa forma a distribuição irregular das precipitações na bacia

de drenagem, que por sua vez vai definir o regime fluvial dos rios da margem direita e

esquerda do rio Amazonas.

No ciclo hidrológico, a relação da vegetação com o clima desempenha papel

fundamental nesse processo. Visando compreender melhor a importância da floresta

amazônica para o clima regional e global, foram intensificadas, a partir de 1980 pesquisas na

região em busca de melhor compreensão dessa relação entre clima e floresta.

Salati (1983) estudando a relação clima/floresta na Amazônia é afirmativo no título “O

Clima Atual Depende da Floresta”, da qual conclui que 50 % da precipitação pluviométrica

que cai no centro-oeste da bacia de drenagem resulta da evapotranspiração da floresta.

A Figura 3 permite observar o quanto é irregular a distribuição pluvial na Amazônia.

No extremo leste da bacia, na Costa do Amapá o índice pluviométrico chega a 3000 mm/ano,

diminuindo no baixo Amazonas, no chamado corredor de estiagem. A partir do Médio

48

Amazonas, no sentido montante, há um aumento da pluviosidade chegando a 6000 mm/ano

nas encostas dos Andes.

Figura 2 – Mapa demonstrativo da distribuição espacial e temporal das chuvas na Amazônia FONTE: Salati, 1983.

Org. Alberto Carvalho

A Figura 2 permite observar que, no sentido longitudinal, há um aumento da

pluviosidade na medida em que os ventos alísios empurram as nuvens para o oeste até serem

barradas pelos Andes. Convergindo para o Centro-Oeste da bacia, as nuvens carregadas de

umidade formam uma nova massa de ar que é a Massa Equatorial Continental (mEc). Essa

nova massa de ar, formada na parte ocidental da Amazônia, é responsável pelas intensas

chuvas convectivas que são bem distribuídas durante quase todo o ano no noroeste da bacia.

A maior variação da pluviosidade é observada no sentido latitudinal em função da

diferença na distribuição de energia nos Hemisférios, provocando o deslocamento da Zona de

Convergência Intertropical (ZCIT). Assim o período de maior pluviosidade no Norte da bacia

acontece no meio do ano, entre maio e julho, enquanto que no sul da bacia está em período de

49

estiagem. Já os rios que drenam a água do sul da bacia o máximo pluviométrico acontece de

dezembro a março.

Segundo Filizola et al. (2002, p. 40), dados de 850 postos pluviométricos coletados em

diferentes países Amazônicos, no período de 1970-1996, dão para o conjunto da bacia um

índice pluviométrico médio de 2300 mm/ano.

7 – O regime hidrológico do rio Amazonas

O regime hidrológico do rio Amazonas resulta fundamentalmente do regime

pluviométrico que é muito irregular espacial e temporalmente na região.

Essa irregularidade na distribuição das chuvas na bacia, principalmente no sentido

Norte/Sul (ver Figura 3), é que provoca uma desigualdade no regime fluvial dos rios da

margem direita e da margem esquerda. É esse desequilíbrio, conhecido como “fenômeno da

interferência”, quem define o regime anual único para o rio Amazonas, que é de cheia e

vazante.

Dados da Companhia Docas do Pará – Administração Porto Velho - registrados no

período de 1982 a 1996, mostram que a freqüência de cheia no rio Madeira é de 66,7 % em

abril e 33,3 % em março, coincidindo com o período chuvoso. A vazante tem a freqüência de

50,0 % em setembro, 48,9 % em outubro e apenas 1,1 % em agosto.

Já o rio Negro em São Gabriel da Cachoeira, atinge a máxima de cheia em julho e

agosto enquanto que a vazante acontece em janeiro.

As medições da cota do rio Amazonas/Negro, realizadas diariamente no porto de

Manaus, desde o segundo semestre de 1902, mostra uma regularidade na freqüência da cheia

no mês de junho com 75,7 %, enquanto que a vazante é mais irregular, com uma maior

50

frequência nos meses de outubro com 46,1%, novembro 41,2 % e dezembro 11,8%, conforme

Quadro 5.

CHEIA VAZANTE

Mês Freqüência % Mês Freqüência %

Maio 5,8 Setembro 0,9

Junho 75,7 Outubro 46,1

Julho 18,5 Novembro 41,2

Dezembro 11,8

Quadro 5 – Índice dos meses com maior freqüência de cheia e vazante no porto de Manaus (Período 1903 a 2005) FONTE : Administração do Porto de Manaus Org. Alberto Carvalho

Ressalta-se o fato de que mesmo sendo as cotas registradas no Porto de Manaus,

portanto, no rio Negro, a influência maior no regime é do Rio Solimões/Amazonas, pois esse

rio provoca represamento hidráulico do rio Negro até acima de Manaus, conforme observa

Guyot (1993, apud FILIZOLA, 2002, p. 43). “Na verdade, as cotas registradas no rio Negro

pela estação de Manaus são fortemente influenciadas pelos níveis do rio Solimões, não

correspondendo à vazão do Rio Negro”. Observa ainda, que “Este efeito de barramento

hidráulico é largamente observado em todos os afluentes do rio Solimões-Amazonas”.

Pelo exposto consideram-se os dados fluviométricos registrados no Porto de Manaus

como sendo do regime do rio Solimões/Amazonas e não necessariamente do Rio Negro.

51

CHEIA VAZANTE

Cotas (m) Valor absoluto Valor ( % ) Cotas (m) Valor absoluto Valor ( %)

> 29 09 8,7 21 a 22 07 6,9

28 a 29 41 39,8 20 a 21 07 6,9

27 a 28 32 31,1 19 a 20 13 12,7

26 a 27 17 16,5 18 a 19 15 14,7

25 a 26 2 1,9 17 a 18 24 23,5

24 a 25 1 0,9 16 a 17 23 22,5

23 a 24 - - 15 a 16 6 5,9

22 a 23 - - 14 a 15 6 5,9

21 a 22 1 0,9 13 a 14 1 0,9

Quadro 6 – Índice das cotas das cheias e vazantes do rio Amazonas/Negro medidas no porto de Manaus – período 1903-2005. FONTE : Administração do Porto de Manaus Org. Alberto Carvalho/06

Outro fato a se destacar no Quadro 6 e no Gráfico 2 é que 48,5 % das cheias estão na

cota acima de 28 m em relação ao nível do mar. Esse fato é relevante, pois as cheias com cota

a partir de 28m no porto de Manaus provoca transbordamento em mais de 90% da planície do

curso médio e inferior do rio Amazonas, enquanto que cheias acima de 28,5m alagam

praticamente toda planície, conforme observa-se na Figura 3. Isto significa dizer que os

moradores da várzea têm suas terras transbordadas parcial ou totalmente em quase 50% do

período.

Nesses 103 anos de medições no porto de Manaus, aconteceram 09 cheias

excepcionais (cheias acima de 29 m) o equivalente a 8,9%, e 07 vazantes excepcionais

(abaixo da cota de 15m) o equivalente a 6,8 %, com causas e conseqüências ainda pouco

estudadas.

52

Regime do Rio Amazonas/Negro

12141618202224262830

1903

1908

1913

1918

1923

1928

1933

1938

1943

1948

1953

1958

1963

1968

1973

1978

1983

1988

1993

1998

2003

( m )

Cheia Vazante

Gráfico 2 - Regime do rio Amazonas/Negro no Porto de Manaus FONTE: Administração do Porto de Manaus Org. Alberto Carvalho/06

O Gráfico 2 permite observar o comportamento das cheias e vazantes desde 1903 até

2005. Percebe-se que a freqüência das cheias é mais regular do que as vazantes que

apresentam maior variação no seu gradiente.

53

Figura 3 – Situação da Comunidade Nª Sª do Perpétuo do Socorro (Boca do Padre), localizada na área pesquisada em 02/06/97, quando a cota do rio Amazonas no Porto de Manaus estava em 28,88m. Autor: Alberto Carvalho/97

Considerando que nas grandes cheias e nas excepcionais, a várzea fica totalmente

submersa entre final de abril a final de julho, é neste período que graves problemas são

vividos pelos moradores dessa planície, tais como: falta de terra para se trabalhar, risco de

afogamento de crianças, risco de destruição das casas pela correnteza, pelos banzeiros do

vento e dos barcos, aparecimento de cobras e jacarés etc.. Porém, não são somente as grandes

cheias que causam transtornos para as populações da várzea. As grandes vazantes também

provocam sérios problemas não só sociais, mas também mudanças significativas dentro dos

canais e na área de transbordamento.

A diferença da situação extrema do regime do rio Amazonas é que as grandes cheias

chamam mais atenção de governantes e da mídia pelo fato da população ficar dentro d’água e

sem terra para trabalhar por um período de 3 a 4 meses, enquanto que as dificuldades vividas

54

pelas populações da várzea durante as grandes vazantes são em muito desconhecidas de

governantes e da sociedade em geral.

55

CAPÍTULO 2 – O ESTADO ATUAL DE CONHECIMENTO SOBRE AS TERRAS

CAÍDAS NA AMAZÔNIA

As barrancas de terras caídas, faz barrento nosso rio mar, Amazonas rio da minha vida, imagem tão linda que meu Deus criou, fez o céu, a mata e a terra, uniu os caboclos, construiu o amor. Braulino Lima – compositor de boi-bumbá

1 – Definição de terras caídas

Terras caídas é um termo regional amazônico usado principalmente para designar

erosão fluvial acelerada que envolve desde os processos mais simples a altamente complexos,

englobando indiferenciadamente escorregamento, deslizamento, desmoronamento e

desabamento que acontece às vezes em escala quase que imperceptível, pontual, recorrente e

não raro, catastrófico, afetando em muitos casos distâncias quilométricas. É um fenômeno

predominantemente complexo, inter-relacionado causado por fatores hidrodinâmico,

hidrostático, litológico, climático, neotectônico e ainda que em pequena escala antropogênico.

Guerra (1993) define as terras caídas como sendo uma denominação dada na Região

Amazônica ao escavamento produzido pelas águas dos rios, fazendo com que os barrancos

sejam solapados intensamente, assumindo por vezes aspecto assustador. Diz inclusive que, em

alguns casos, podem-se ver pedaços grandes de terra sofrerem deslocamentos como se fossem

ilhas flutuantes.

Embora haja desbarrancamento nas margens dos rios de água preta e água clara,

apresentando forma de falésia fluvial, o termo terras caídas é mais utilizado para se referir ao

intenso processo erosivo que acontece nas margens dos rios de água branca.

56

2 - Revisão bibliográfica sobre as terras caídas na Amazônia

Apesar da grande capacidade de transformação da paisagem ribeirinha e pelos

transtornos que causam aos moradores e viajantes, o fenômeno ainda não mereceu maior

atenção por parte dos pesquisadores. Essa afirmativa é constatada pela pouca publicação de

pesquisas sobre o assunto. Somente alguns trabalhos fazem referência ao fenômeno, porém,

de forma tangencial por não ser o objetivo maior da pesquisa.

Porém, se as terras caídas ainda não mereceram a devida atenção por parte de

pesquisadores, o mesmo não podemos dizer da preocupação que os moradores ribeirinhos e

navegantes do rio Amazonas sempre tiveram com o fenômeno. Essa preocupação por certo

remonta ao período pré-colonial, pois é certo que os nativos também temessem o que

chamavam de tiritiri. Essa preocupação é expressa por Mario Ypiranga Monteiro em “O

Sacado” quando diz que:

É um fenômeno tão comum êsse do comportamento da água em relação à terra, que não escapou à observação do selvagem, associando êle o desmoronamento das margens ( tiritiri) à freqüência com que o jacaré sagrado da sua mitologia se sacode no interior da terra, ou muda de posição. O freqüentativo nheengatú ou tupi corresponde à comum expressão portuguêsa terra-caída. É o ataque lateral da corrente ( MONTEIRO, 1964, p. 10-11).

As terras caídas se manifestam também na cultura popular, onde o fenômeno aparece

nas narrativas das populações ribeirinhas muito associadas aos grandes animais moradores do

fundo dos rios, principalmente a cobra grande e outros seres fantásticos que “povoam” o

imaginário dessas populações.

Figueiredo (1941), em excursão pelo rio Solimões no ano de 1940, observou o

fenômeno a distância e publicou um dos primeiros artigos sobre a temática com o título

“Terras Caídas”. Apesar do título o eminente professor fez apenas um registro histórico com

57

uma breve descrição do fenômeno. Diz apenas que “De súbito, ouve-se um estrondo que nos

chega aos ouvidos, como de longe, muito longe, houvesse explodido formidável carga de

explosivo, é a terra caída” (FIGUEIREDO, 1945, p. 238).

Meis (1968), realizando estudos geomorfológicos na rodovia AM-010 e no rio

Amazonas, no trecho entre Manaus e Itacoatiara, relaciona as terras caídas aos “ventos

gerais”, pois observa que as “costas” onde o solapamento acontece com maior intensidade,

coincidem com os trechos dos rios onde pela sua direção, são mais atingidos pelos referidos

ventos. Mesmo considerando que o fenômeno merece um estudo aprofundado, Meis relaciona

as terras caídas à ação conjugada de dois outros fatores: “a força de cisalhamento ligada à

dinâmica do curso d’água” e a “resistência oferecida pelos materiais das margens”.

Tricart (1977), estudando a gênese e os tipos de leitos fluviais na Amazônia, atribui a

erosão lateral acelerada às fortes amplitudes das oscilações de descarga durante a subida das

águas que favorece o solapamento, onde “Árvores são desenraizadas e tombadas no leito. Elas

aumentam a turbulência e provocam muitas vezes a formação de nichos de turbilhonamento

que fazem chanfraduras nas margens”. Observa que “A vazante, por seu lado, dá origem a

numerosos furos semicirculares nas aluviões argilo-arenosas, que ficam saturadas durante a

submersão”. Considera que “A pressão hidrostática desempenha um papel importante nesse

fenômeno” (TRICART, 1977, p. 10).

Sternberg (1998), estudando a relação do homem ribeirinho com a várzea no Careiro

interpretou o fenômeno, seus efeitos, e considerou algumas das implicações sócio-

econômicas aos moradores ribeirinhos da Ilha, dizendo que:

58

Com efeito, o terreno hoje depositado, amanhã poderá ser destruído. A ablação das margens dá-se pelo fenômeno das ‘terras caídas’, sobre cujos efeitos há numerosos e dramáticos relatos na literatura amazônica. Também no Careiro, arrebatam boas terras marginais, tragando, com a mesma indiferença, cemitérios, pomares e pastagens, ameaçando as moradas e engolindo-as, quando os proprietários não as recuam a tempo (STERNBERG, 1998, p. 62).

Sternberg (op. cit. p. 62 ), faz referência ao entendimento dos ribeirinhos sobre o

fenômeno dizendo que muitos moradores “Atribui-se a terra caída ao embate direto da

correnteza [...] Alguns explicam a terra caída como uma conseqüência do desmatamento, ou

melhor da remoção das raízes que seguram o solo”. No entanto, o autor questiona esse

entendimento e adverte para o fato de que “tais explicações deixam de levar em conta outro

fenômeno, que se passa na profundidade das águas turvas”. O autor se refere à competência

das correntes turbilhonar em remover material bem abaixo do nível das raízes das árvores.

Portanto, o autor atribui como causa principal das terras caídas às “correntes

turbilhonares ascendentes” que através do processo de erosão do tipo eversão provoca o

aprofundamento do “álveo”, causando em seguida o escorregamento do barranco. Esse

entendimento fica claro ao afirmar que, “O principal fator responsável pela aluição dos

barrancos e conseqüente recuo das margens é o aprofundamento do álveo. O mesmo se dá por

uma ação vorticosa, gerada na ascensão de uma massa d’água” (STERNBERG, op. cit. p. 63).

Portanto, o entendimento do autor é que as terras caídas resultam da retirada do

material do fundo e das margens pela pressão hidráulica da água corrente canalizada,

associado à pressão hidrostática no pacote sedimentar. Observa ainda que o aprofundamento

do álveo que acontece durante a cheia provoca erosão do tipo escorregamento da margem

durante a vazante, onde esse mecanismo é prenunciado nas margens por rachaduras no terreno

próximo à margem, razão pela qual os moradores, conhecedores do fenômeno se retiram em

tempo de evitar perdas pessoais (STERNBERG, op. cit. p. 62-63).

59

Sioli (1985), referindo-se à falta de estabilidade dos diques marginais dos rios de água

branca, considera que essas margens não são estáveis, havendo trechos com imensa erosão

marginal que podem assumir a forma das terríveis “terras-caídas”.

Igreja e Catique (1997), em trabalho sobre a neotectônica na Amazônia, reforçam o

entendimento de que a atual rede de drenagem, e, por conseguinte, a erosão lateral acelerada

está relacionada com o controle geoestrutural e tectônico. Estudando o megalineamento

neotectônico Madre de Dios-Itacoatiara, os autores consideram que a “Bacia Hidrográfica

Amazônica, particularmente seus principais rios, delineiam extensos elementos tectônicos, em

cujas planícies de inundação, denotam-se aspectos morfoestruturais e sedimentares que

indicam a evolução quaternária do Sistema Neotectônico Amazônico”.

Rozo (2004), analisando a evolução do rio Amazonas no Holoceno, no trecho entre a

confluência com o rio Negro e o rio Madeira, observa que no período de 15 anos (1986 –

2001) houve uma predominância do processo erosivo em 3,9 % em relação à deposição nesse

trecho do rio. Isso significa dizer que o rio Amazonas, pelo menos nesse trecho estudado pelo

autor, está ficando mais largo, resultado da maior pressão do rio nas suas margens. Uma das

conclusões foi que o rio Amazonas no trecho estudado apresenta forte indício de mudança de

um padrão meândrico para um padrão anastomosado, fato esse ocorrido nos últimos 2000

anos.

Estudos mais recentes e abrangentes como de Franzinelli & Igreja (1990); Igreja

(1997); Costa (1997), estão sendo desenvolvidos na Amazônia, permitindo melhor

compreensão do modelo neotectônico da Amazônia e de sua relação com a drenagem e

dinâmica fluvial.

60

3 – A visão dos naturalistas e viajantes sobre o fenômeno das terras caídas

A preocupação com o fenômeno das terras caídas, devido aos riscos que oferecia à

navegação próxima das margens, aparece em quase todos os relatos de cronistas, naturalistas e

viajantes que navegavam no rio Amazonas, notadamente quando subiam o rio.

O ímpeto da correnteza do rio Amazonas fazia com que as embarcações navegassem

muito próximo das margens, se expondo aos riscos de naufrágio por desbarrancamento e

tombamento de grandes árvores, pois até então a várzea era povoada por árvores frondosas

como a sumaumeira (Ceiba petandra), castanha sapucaia (Lecythis paraensis Aubi.),

açacuzeiro (Hura creptans L.) e tantas outras árvores de grande porte.

Em outras situações, quando o processo de erosão é do tipo escorregamento mais

lento, as árvores descem em prumo e permanecem em pé por muito tempo, dificultando e

colocando em risco a navegação.

Os naturalistas Spix e Martius (1981), ao o rio Amazonas até Tabatinga nos anos de

1819-1820, fazem referência ao fenômeno, permitindo uma dimensão das dificuldades e dos

riscos que passavam os navegadores, atribuindo as causas das terras caídas;

A falta de pedra rija e a impetuosidade das águas são a razão porque as margens se soltam às vezes em grandes trechos e desabam no rio, com as árvores neles arraigadas contribuindo com grande perigo para as canoas que navegam ao longo da margem [...] De ordinário, aparecem barrancos rasgados pela pressão das vagas em cones e paredões em prumo e ameaçam fazer soçobar, com a sua derrocada, os barcos que passam. Não raro isso acontece, especialmente quando altas árvores arraigadas na areia ou no barro amolecido são arrancadas (SPIX e MARTIUS, 1981, p. 288-299).

O naturalista inglês Hanry Bates (1979), ao subir o Solimões em 1850 e ao presenciar

os efeitos das terras caídas nas margens do Solimões, próximo a Coari, fez um registro

histórico e dramático de uma experiência vivida. Relata que numa madrugada, quando

dormiam numa canoa ancorada na margem daquele rio, foram acordados por uma seqüência

61

de “estrondos que mais parecia trovão, parecendo ora muito perto, ora muito distante” esses

estrondos foram seguidos de banzeiro que fazia jogar violentamente a embarcação. A

primeira impressão que teve era que se tratava de um terremoto. Acordado pelos primeiros

estrondos perguntou ao índio Vicente do que se tratava e o índio disse que se tratava de terra

caída, mas “achei difícil acreditar nele”. Assim relata Bates;

Os canoeiros do Alto-Amazonas vivem no constante temor das terras caídas, [...]. Embarcações de grande porte são às vezes cobertas por essas avalanches de terra e árvores. Eu teria considerado exagerados os relatos desses desmoronamentos se não tivesse tido oportunidade de presenciar um deles, de consideráveis proporções [...] Grandes porções da mata, com árvores de tamanho colossal, que mediam talvez mais de sessenta metros de altura, oscilavam de um lado para outro depois iam mergulhando, sucessivamente, nas águas do rio. Após cada desmoronamento, a onda causada por ele refluía com violência contra o barranco em desagregação, provocando a queda de novos pedaços da mata, ao solapá-lo [...]. Foi um grande espetáculo; cada desmoronamento provocava uma nuvem de borrifos, e o impacto causado num determinado lugar abalava pontos diferentes, fazendo com que desabassem novos trechos do barranco [...]. Quando afinal nos afastamos dali, duas horas depois do nascer do sol, a destruição ainda continuava (BATES, 1979, p. 199).

Relato semelhante foi registrado pelo padre Samuel Fritz, nas imediações da Costa do

Jatuarana, margem esquerda do rio Amazonas a jusante de Manaus. O religioso relata que:

A 6, pela manhã, começaram na banda do norte as terras que, no ano passado de 1690, pelo mês de junho, houve um grandíssimo tremor. Pareciam ruínas de grandes cidades; penhascos caídos; árvores grossísimas desarraigadas e lançadas ao rio; terras muito altas caídas com seus matagais encima; desmoronadas do alto e amontoadas sobre o rio, terras brancas, vermelhas a amarelas, pedras e arvoredos; em outras partes, lagoas abertas, bosques destruídos e tudo misturado sem ordem [...] ao mesmo tempo houve horrível marulhada no rio, morrendo muitíssimo peixe. ( FRITZ, S. apud PORRO, 1993, p. 185).

62

Pelas descrições do naturalista inglês e do religioso alemão, parece mesmo que se trata

de abalos sísmicos, relacionados à evolução dos Andes, contribuindo para reativação de falhas

e conseqüentemente com as terras caídas.

La Condamine, quando desceu o rio Amazonas entre os anos de 1735-1745, também

fez referência ao fenômeno dizendo que “um dos maiores perigos dessa navegação é a colisão

com algum tronco de árvores arrancado, encravado na areia ou no lodo e oculto sob a água”

onde “Muitos botes foram assim destroçados e submergiram com todos remadores”. Diz

inclusive que durante sua viagem de descida pelo Solimões seu barco foi a pique ao se chocar

com um tronco submerso ( LA CONDAMINE, 1992, p. 71 ).

Situação semelhante aconteceu com um dos bergantins de Orellana quando “[...] o

menor não viu um pau que estava coberto pela água, e deu tal golpe que uma tábua se fez em

pedaços e o barco anegou” (CARVAJAL, 1941. p. 74).

Louiz Agassiz ao subir o rio Solimões até Tabatinga no ano de 1865 faz referência aos

desmoronamentos das margens do referido rio, particularmente em São Paulo de Olivença

onde afirma que:

Em toda essa região, as margens são minadas pelas águas; enormes fragmentos se destacam e desabam no rio, arrastando consigo árvores. Esses desmoronamentos são muito freqüentes e se dão numa extensão bem grande; por isso, a navegação muito próxima das margens é perigosa para as pequenas embarcações (AGASSIZ, 1975, p. 134).

Euclides da Cunha (2003), em missão diplomática representando o governo brasileiro

na solução da questão do Acre, subiu o rio Purus em 1905, o qual considerou aquele rio entre

os mais interessantes “rios trabalhados”. Euclides da Cunha testemunhou o fenômeno das

terras caídas e fez uma longa descrição da paisagem das margens e do leito do rio Purus.

63

Realmente nesse afonoso derruir de barrancas, para torcer-se em seus incontáveis meandros, o Purus entope-se com as raízes e troncos das árvores que o marginam. [...] Não raro o viajante, à noite, desperta sacudido por uma vibração de terremoto, e aturde-se apavorado ouvindo logo após o fragor indescritível de miríades de frondes, de troncos, de galhos, entrebatendo-se, rangendo, estalando e caindo todos a um tempo, num baque surdo e prolongado, lembrando o assalto fulminante de um cataclismo e um desabamento da terra. São, de fato, as ‘terras caídas’ (EUCLIDES DA CUNHA, 2003, p. 69).

O eminente cientista brasileiro diz ter tido a impressão de que “o Purus, em vários

lugares, parece correr por cima de uma antiga derrubada”, tanto era a quantidade de árvores

soterradas aparecendo nas margens e no leito do mesmo, resultado da intensa dinâmica fluvial

e do elevado grau de meandramento do tipo divagante que mais caracteriza aquele rio.

Como podemos observar nos rápidos relatos dos naturalistas e viajantes mencionados,

as terras caídas se constituíam em problemas e ameaças constantes para os navegadores do rio

Amazonas.

No entanto, de toda fonte primária pesquisada quem melhor expressou a preocupação

com os riscos de tombamento de grandes árvores pelas terras caídas nas margens do rio

Amazonas foi o Ouvidor Sampaio que em viagem de inspeção pelo Solimões em setembro de

1774 assim se manifestou:

Foi pouco agradável o dia de hoje; porque além das contínuas correntezas, toda a margem, que era necessário seguir em pouca distancia da terra, estava embaratada de grossísimos troncos, e ramos de árvores, ou arrojadas no rio, ou cahidas da terra da mesma margem. Esta estava continuamente desabando em largas porções. Passávamos por baixo de árvores altíssimas, que já ameaçavão momentânea cahida; porque o terreno pouco sólido, as raízes já a superfície, e a água sucessivamente minando, assim o indicavão e a cada passo se vião terras precipitadas de fresco. Este he hum dos grandes perigos desta viagem, e que tem sido a cauza de muitos naufrágios com perda de inumeráveis vidas ( SAMPAIO, Ouvidor 1825, p. 14).

Um dos fatos que se destaca nos relatos dos cronistas e viajantes do rio Amazonas era

a preocupação com o tombamento das grandes árvores nas margens dos rios.

64

Atualmente esse risco foi reduzido devido à diminuição dessas espécies de grande

porte que teve sua derrubada acelerada a partir de meados do século 20 para dar lugar às

plantações, principalmente para o cultivo da juta e malva, e posteriormente pelo que Fraxe

(2000), chama de “pecuarização” da várzea. No mesmo período a indústria madeireira passou

também a beneficiar as mais variadas espécies da floresta de várzea na produção de

compensados e laminados, contribuindo assim para a diminuição dessas grandes árvores que

povoavam a várzea e que tanto riscos ofereceram aos viajantes do rio Amazonas.

Antes de apresentar a atual interpretação sobre as terras caídas, considera-se pertinente

discutir primeiramente os fundamentos conceituais sobre erosão fluvial contidos na literatura

básica, por constatar-se que os mesmos são insuficientes para explicar o complexo fenômeno

das terras caídas no rio Amazonas.

4 - Questão conceitual sobre erosão fluvial

Chistofoletti (1981, p. 236); Suguio e Bigarella (1990, p. 71); Cunha (1995, p. 231),

conceituam erosão fluvial como sendo o processo de retirada de material do fundo e das

margens de um canal e que acontece, segundo os autores, através do processo de corrosão,

corrasão (ou abrasão) e cavitação.

A erosão por corrosão resulta da dissolução de material solúvel durante a percolação

da água no solo e da reação que se realiza entre a água corrente e o material que se encontra

nas margens do canal. Na Figura 04 observa-se o efeito da ação química da água na margem

do rio, após percolação no pacote sedimentar.

65

Figura 04 – Manifestação corrosiva da água no pacote sedimentar na área da pesquisa. Em segundo plano a canoa e o espinhel (instrumento de pesca) utilizado na pesca do peixe liso (surubim). Foto: Alberto Carvalho – 01/10/96

A erosão do tipo corrasão ou abrasão é conceituada como sendo o desgaste provocado

pelo atrito mecânico das partículas entre si e com o material das margens, que ao se chocarem

provocam fragmentação das rochas. Suguio e Bigarella (1990, p. 27), são enfáticos em

afirmarem que, “A capacidade de erosão de um rio depende, principalmente, das partículas

por ele transportadas, do que do volume de água”. A ênfase é dada à ação abrasiva do material

transportado sendo o principal fator causador da erosão fluvial. Por esse entendimento, a força

hidráulica imprimida pela velocidade e volume é fator secundário.

Chistofoletti (1981, p. 236), pondera sobre o poder abrasivo do material transportado

em suspensão. Considera que a corrasão está relacionada diretamente com a carga do leito do

rio, pois a carga em suspensão, geralmente formada por pequenas partículas, tem pouco poder

abrasivo, agindo mais como polimento do que como agente ativo na erosão lateral. Para o

66

autor isso explica por que os rios intertropicais não conseguem entalhar as rupturas de declive,

devido transportar material fino em suspensão.

A erosão do tipo cavitação também resulta de impacto hidráulico. No entanto, esse

processo só acontece quando o canal fluvial sofre aumento de declividade provocando

aumento de velocidade e variação de pressão, que incidindo nas paredes do canal facilita a

fragmentação das rochas. Hjulstrom (1935 apud CHRISTOFOLETTI, 1981, p.237), considera

que a velocidade mínima da correnteza necessária para que haja cavitação é de

aproximadamente 12 m/s, o equivalente a 43,2 km/h, velocidade essa muito superior a do rio

Amazonas e de seus afluentes, no seu curso médio e inferior, conforme podemos observar no

Gráfico 1.

O rio Amazonas, maior rio de planície, com declividade inferior a 2cm/km em seu

curso médio e inferior e transportando areia fina, silte e argila em suspensão e com velocidade

de 2 a 7 km/h tem evidentemente pouco poder abrasivo. Portanto, a erosão por cavitação no

rio Amazonas não ocorre no seu curso médio e inferior, apenas no seu curso superior onde o

declive é bem acentuado.

Pelos conceitos mencionados e já consagrados na literatura, a erosão fluvial resulta da

ação química e principalmente da ação mecânica da água corrente canalizada, porém, com

ênfase para a ação abrasiva do material transportado de fundo e em suspensão, ao qual

consideram-se insuficientes para explicar o processo erosivo no rio Amazonas.

5 – Os fatores causadores das terras caídas

Nesta pesquisa, a análise e interpretação apontam para o fato de as terras caídas no rio

Amazonas resultam de um processo muito mais dinâmico e complexo do que aparece na

literatura, resultado da ação conjugada de vários fatores discorridos a seguir:

67

a) a pressão hidrodinâmica da água canalizada imprimida pela velocidade e por uma

descomunal descarga fluvial;

b) a pressão hidrostática exercida pelo peso e capacidade de desagregação da água no

pacote sedimentar, causada pela ação conjugada da pressão hidráulica do rio com a água

retida pelo transbordamento e pela ação da água precipitada durante as pesadas chuvas;

c) a composição do material que constitui as margens dos rios de água branca, que no

caso da várzea é composto principalmente por areia fina inconsolidada, silte e argila;

d) fatores estruturais e tectônicos que atuam como controladores do processo de

deposição e erosão;

e) fatores climáticos como os ventos, as temperaturas elevadas e chuvas torrenciais;

f) fatores antropogênicos como desmatamentos das margens e as embarcações que

cada vez mais potentes, provocam deslocamento de massa líquida formando banzeiro cada

vez maior, aumentando a capacidade de solapamento das margens.

Pelo exposto, fica claro que os fundamentos conceituais clássicos não dão conta de se

compreender e explicar as terras caídas nas margens do rio Amazonas, pois outros fatores

atuam no processo aumentando a complexidade do fenômeno. Na continuidade, apresentamos

os fatores que de forma conjugada atuam no processo das terras caídas.

5.1 – A hidrodinâmica

O volume de água precipitada numa bacia de drenagem que chega até o canal principal

expressa o escoamento fluvial que é alimentado pelas águas superficiais e subterrâneas. Do

total de água precipitada numa bacia de drenagem, somente a água evapotranspirada não

escoa pelo rio principal da bacia. As proporcionalidades das águas de escoamento superficial

e subterrânea dependem dos fatores climáticos, tipos de solo, tipos de rocha, declividade da

68

bacia e do tipo de cobertura vegetal (CUNHA, 1995; SUGUIO e BIGARELLA, 1990;

CHRISTOFOLETTI, 1981).

A água é o principal agente da dinâmica de um sistema hidrográfico. Sua ação tanto

pode ser mecânica quanto química. Ao se precipitar ou quando escoa dentro do canal, por

exemplo, a água atua principalmente como agente mecânico, mas também como agente

químico. No entanto, ao escoar superficialmente ou quando percola no solo e subsolo, a água

em contato com outros minerais, atua também como um agente químico, pois além da sua

composição a mesma transporta elementos dissolvidos que atuam como reagentes dentro do

sistema.

Dentro de um canal a água desempenha claramente essas funções: física, através do

impacto hidráulico; química, através da ação corrosiva ao contato com o material presente nas

margens.

No processo de erosão, transporte e deposição fluvial, a distribuição da velocidade e a

turbulência do fluxo desempenham papel determinante. São processos interdependentes e suas

ações dependem da declividade do perfil longitudinal, volume da descarga, forma da secção

transversal, coeficiente de rugosidade do leito e da viscosidade da água (CUNHA, 1995, p.

227).

Para Cunha (op. cit.), a capacidade de erosão, transporte e deposição fluvial dependem

principalmente da velocidade da água dentro do canal e da forma de seus movimentos dentro

do mesmo, que via de regra acontece de forma turbulenta.

Embora esses princípios sejam aplicados para todo tipo de canal, a influência dos

mesmos varia em função das especificidades de cada rio.

No rio Amazonas, os principais fatores que atuam dentro do canal e que se aponta

como os principais responsáveis pela erosão lateral acelerada é a grande energia contida em

69

seu descomunal volume de água, associado às “macroturbulências” com que os fluxos se

deslocam dentro do canal e o peso que esse volume de água exerce dentro do mesmo.

Para reforçar esse argumento de que a pressão hidráulica da água canalizada atua

como principal fator causador das terras caídas faremos referência aos dados de medições

hidrológicos mais recentes onde novas tecnologias têm permitido maior precisão nos dados de

mensuração de vazão.

A partir de 1994, as instituições que fazem medições hidrológicas sistemática de

descarga líquida do rio Amazonas (DNAEE/CNPq/ORSTOM/UnB) passaram a utilizar o

ADCP – Acoustic Doppler Current Profiler, equipamento esse que permitiu maior precisão

nas medições de vazão. Com esse equipamento, foi possível medir a vazão líquida do rio

Amazonas com muito mais precisão, onde a média anual do rio Amazonas foi estimada em

209.000 m3/s. Considerando os fatores apontados como causadores de erosão fluvial como

declividade, que no curso inferior e médio é muito baixa (menos de 2cm/km), a sua grande

área molhada (área atingida pela máxima de cheia), a rugosidade e a viscosidade, a conclusão

é que esses fatores desempenham papel secundário no processo erosional do rio Amazonas.

No Quadro 01, observa-se que a vazão do rio Amazonas em Óbidos apresenta

flutuação de descarga líquida variando de 90.000 a 230.000 m2/s durante a vazante e a cheia,

respectivamente. Esse imenso volume de água se deslocando com velocidade de 4 a 7 km/h, e

com movimentos turbulentos apresenta grande capacidade de remoção do material do fundo

do leito (eversão) e do desmonte dos sedimentos arenosos e inconsolidados de suas margens.

No rio Amazonas, é comum e de grandes magnitudes os movimentos ascendentes que

ao chegarem à superfície formam os “rebojos”. Esse movimento turbilhonar ascendente

possui força trativa crítica capaz de retirar partículas, geralmente de areias finas, do fundo do

canal e transportar até a superfície para em seguida serem incorporadas por outras correntes e

pela perda de energia são depositadas a jusante.

70

Essas correntes ascendentes ao chegarem à superfície do espelho d’água, formam

círculo, onde no interior se forma um “liso” e na borda fica “piriricando”10 devido o choque

de correntes contrárias, conforme pode ser observado na Figura 05.

Figura 05 – Corrente ascendente no rio Amazonas (rebojo). Observar no interior da corrente o “liso” e na borda do círculo o banzeiro “piriricando”. Esse tipo de movimento contribui para manutenção de material em suspensão. Foto : Alberto carvalho – 06/09/96

As correntes ascendentes, a partir de uma força trativa crítica, retiram material do

fundo do canal formando depressões de tamanhos variados, geralmente de forma circular, e o

restabelecimento do equilíbrio acontece quando pela força da gravidade, o material da

margem se desloca em direção às depressões escavadas. Geralmente, esse processo provoca

erosão do tipo escorregamento na base, seguido de desmoronamento na superfície. Como já

observara Sternberg (op. cit. p. 63), a escavação do leito causado pelas correntes ascendentes

10 Na linguagem regional piriricar significa banzeiro que está agitado pelo vento e pela correnteza. Segundo Silveira Bueno - Vocabulário Tupi-Guarani, Piririca significa agitado, rápido. A correnteza de um rio.

71

acontecem mais quando o rio está em cheia, mas os efeitos sobre as margens, ou seja, os

escorregamentos acontecem mais durante a vazante.

Outra forma de movimento do fluxo dentro do canal causador de erosão é o

movimento helicoidal. Essa forma de movimento ocorre nos canais sinuosos e ataca mais as

margens côncavas aumentando a sinuosidade do mesmo.

As correntes secundárias marginais também desempenham papel importante na

dinâmica fluvial, principalmente nas enseadas e nas margens convexas dos canais onde a água

perde velocidade e chega a se deslocar no sentido contrário, com inversão ao fluxo principal,

provocando decantação de parte do material transportado em suspensão.

Na parte superior das enseadas e no local onde a margem se projeta no rio, a corrente

principal é empurrada para fora da margem, formando as temidas “pontas d’águas” e na

enseada forma uma zona de calmaria com corrente secundária se desloca no sentido inverso

ao fluxo principal. Esses correntes secundários, ao se deslocarem no sentido inverso ao fluxo

principal, provocam uma zona de turbulência formando movimentos em forma de vórtice, em

certos casos espetaculares e também perigosos para as pequenas embarcações, conforme

podemos observar na Figura 06.

72

Figura 06 – Movimento da corrente em forma de vórtice no rio Amazonas. Além do risco que oferece às pequenas embarcações, esse movimento vorticoso contribui para manter e distribuir material em suspensão. Autor: Alberto Carvalho/96

A pressão hidráulica da água canalizada e suas formas turbulentas, em ação conjugada

com a pressão gravitacional da água retida no pacote sedimentar, como já observara Sternberg

(1998), são os principais fatores responsáveis pelas terras caídas no rio Amazonas.

5.2 – Pressão hidrostática

Pressão hidrostática é entendida como a pressão da água no solo causado pelo peso e

pela força de gravidade. Assim, quanto maior for o volume de água no solo, maior é a pressão

hidrostática e conseqüentemente maior é a capacidade de provocar escorregamento e

deslizamento.

Nas margens do rio Amazonas, como já afirmara Tricart (1977, p. 10), a pressão

hidrostática desempenha um papel importante no processo erosivo.

73

No entanto, uma pergunta há de se fazer. Por que a pressão hidrostática não é

considerada na literatura básica como fator de erosão fluvial?.Considera-se que a ausência

desse fator, na literatura especializada, está no fato de que os estudiosos da Geomorfologia

Fluvial e de Hidrologia trabalharem com rios de média e alta declividade, conseqüentemente

com pequena área de transbordamento, tendo a pressão hidrostática pouca relevância. Nesses

tipos de rios quase todos os processos fluviais acontecem dentro do leito menor, ou seja,

dentro do canal propriamente dito.

A importância dessa pressão nas margens do rio Amazonas acontece devido a sua

imensa área de transbordamento, cuja planície é formada por uma complexa rede flúvio-

lacustre com grande capacidade de retenção de água na superfície e no seu interior.

Tricart (1977 ); Sternberg (1998), observam que nas margens do rio Amazonas essa

pressão é mais atuante durante a vazante, causando erosão por escorregamento.

Essa pressão na planície do rio Amazonas atua em dois momentos bem definidos;

quando o rio está em vazante devido à água retida no pacote sedimentar e durante as pesadas

chuvas que se precipitam na calha do rio, principalmente no período de dezembro a março.

O rio Amazonas tem um regime fluvial único e bem definido. O período de enchente

inicia em nov/dezembro e vai até junho, iniciando sua vazante em julho e parando de vazar

em outubro/novembro. Em média passa sete meses enchendo, com pico em março e abril cuja

subida chega a 13cm/dia e desce em cinco meses com pico em setembro onde chega a descer

24 cm em 24 horas. Portanto, a velocidade de vazante é bem maior do que a velocidade de

enchente.

Estando a planície saturada de água devido ao preenchimento dos espaços vazios dos

sedimentos durante a enchente e o rio Amazonas descendo a uma velocidade de até 24

cm/dia, fazendo com que o nível da água no pacote (nível piezométrico) não acompanhe a

velocidade de descida do rio. Como o nível piezométrico não acompanha a velocidade de

74

descida do rio, faz aumentar o peso e consequentemente a força de gravidade no pacote,

portanto aumento da pressão hidrostática. Ademais, como observa Terzaghi (1980), a água

retida nos sedimentos atua como desagregadora das partículas, facilitando os escorregamentos

e desmoronamentos.

Além da água retida dentro do pacote, grande volume de água do transbordamento e

das chuvas ficam retidas na superfície da planície formando lagos abertos ou recobertos por

aningais, lagoas, pântanos e canais fluviais. Essas águas retidas nesses ambientes, além da

evaporação, parte escoam superficialmente pelos canais e outra parte é infiltrada vindo em

fluxo subterrâneo percolar no interior do pacote e sair na margem do rio. Essa água fluindo no

interior dos sedimentos, que no dizer do ribeirinho “vai agoando por baixo” provoca quebra

na resistência do material, facilitando os escorregamentos e desmoronamentos na margem do

rio. Esse processo é mais observado durante a vazante do rio.

Um segundo momento importante do aumento da pressão hidrostática no pacote

sedimentar, é durante o período das fortes chuvas que se precipitam na calha do rio

Amazonas, via de regra, entre dezembro e abril. Nesse período é comum se registrar índice

pluviométrico de até 500 mm/mês, com chuvas de mais de 80 mm/dia.

Com as fortes chuvas precipitadas na calha do rio, a várzea volta a ficar saturada e

pelo aumento do volume de água infiltrada, há aumento do peso e da pressão hidrostática,

conforme já descrito.

Observações de campo e de moradores nos permitem afirmar que quanto maior e mais

concentradas forem as chuvas, maior é o desmonte do material das margens, principalmente

onde a composição é de areia solta, sem coesão. Quando isso acontece as margens ficam

“minadas” por árvores tombadas em grandes extensões, mais parecendo com efeito de uma

tormenta, conforme podemos observar na Figura 07.

75

Esse processo de desmoronamento é mais extensivo, ou seja, acontece ao longo das

margens, ao contrário dos escorregamentos que são mais localizados.

Figura 07 – Árvores tombadas ao longo da Costa do Miracauera durante e após chuva torrencial Autor: Alberto Carvalho - março/96

5.3 – A neotectônica

Como já abordado no Capítulo 1, a atual rede de drenagem do rio Amazonas é

caracterizada em seu conjunto como sendo uma drenagem fortemente orientada pelos fatores

estruturais e neotectônicos. Anomalias de drenagem, capturas fluviais, lineamentos, tipos e

formas de lagos, irregularidades na seqüência de sedimentos, entre outras anomalias, são

atribuídos a fatores neotectônicos.

Os primeiros trabalhos relacionando os padrões de drenagem dos rios amazônicos aos

fatores estruturais e tectônicos foram de Sternberg (1950; 1953). Inicialmente, interpretando

mapas resultantes de fotografias aéreas, Sternberg demonstrou que os vales da planície

amazônica e a padronagem dos rios Urubu, Rio Preto da Eva e Uatumã estão condicionados a

lineamentos de direção NE-SW e NW-SE. Em seguida e inquieto com a possibilidade de que

76

a bacia Amazônica sofrera com efeitos sísmicos, Sternberg publicou em 1953 o artigo

Sismicidade e Morfologia na Amazônia Brasileira em que aponta para essa região acima

citada como uma das principais regiões sismogênicas da Amazônia, associando o fenômeno

das terras caídas a atividades tectônicas recente. Para reforçar seu argumento o pesquisador

cita o registro histórico de Samuel Fritz quando passou nesse trecho, conforme já

mencionado.

Mauro, Nascimento e Garcia (1976); Franco, e Moreira (1977 ); Oliveira, Pitthan e

Garcia (1977), que trabalharam a Geomorfologia do Radambrasil, respectivamente as Folhas

SA-21- Santarém; SA-19 Içá e SB-19 Juruá apontam uma série de anomalias de drenagem

como resultante de movimentos tectônicos. Salientam que a seqüência dos processos de

erosão e deposição acontecidos no Quaternário, associados às mudanças climáticas e eventos

tectônicos provocaram modificações nas feições do relevo através de reativação dos processos

erosivos.

Mais recentemente Igreja (1999), define o modelo geral da neotectônica na região

amazônica como um Sistema Destral Este-Oeste. Considera que a atual planície, até então

interpretada como uma unidade geomorfológica estável, na verdade é uma unidade

relativamente movimentada, em que o eixo principal, no caso o rio Amazonas, representa uma

“Zona Principal de Deformação transcorrente essencialmente destral, compondo uma extensa

e sistermática malha de grandes falhas e fraturas [...]. Trata-se, nesse caso, de reflexo da

interação das placas Sul-Americana, de Nazca e Caribenha” (IGREJA, 2006, p. 225).

Portanto, a interpretação mais recente sobre a depressão amazônica é que os aspectos

fisiográficos dos rios, suas anomalias de drenagem, a formação das ilhas, o processo de

deposição dos sedimentos na bacia e a erosão acelerada do rio Amazonas são processos

influenciados pela neotectônica.

77

5.4 – Fatores climáticos

Os principais fatores climáticos que contribuem mais diretamente com o fenômeno das

terras caídas são os ventos, as fortes chuvas e as mudanças de temperatura.

O vento, como já observara Mousinho Méis (1968), desempenha um papel importante

no processo de terras caídas ao produzir banzeiros de altura e intensidade elevadas, que,

solapando as margens provocam desmoronamento e desabamento dos barrancos. Observa a

pesquisadora que nas “costas” onde o solapamento acontece com maior intensidade,

coincidem com os trechos dos rios onde pela sua direção, são atingidos pelos “ventos gerais”.

Observa ainda que a erosão lateral é mais rigorosa nos locais onde o canal atinge larguras

consideráveis e conseqüentemente, oferecendo maior superfície de atrito às correntes

atmosféricas e portanto maior formação de banzeiro e de solapamento das margens.

Essa observação é importante pelo fato que os grandes rios e os grandes lagos

amazônicos apresentam espelho d’água de grandes dimensões, onde qualquer vento soprando

mais forte assim como as tempestades fazem levantar banzeiro que mais parece ondas de mar,

inclusive colocando em risco e até provocando naufrágios de embarcações.

Chistofoletti (1981, p. 235-236), chama atenção para o fato que o registro da ação

erosiva dos banzeiros nas margens dos rios nem sempre são conservados.

Nos trechos aluviais, todavia, as marcas e as formas topográficas erosivas são facilmente obliteradas pela sedimentação posterior ou pela intensa movimentação detrítica [...] Ao contrário, as marcas erosivas e as formas topógráficas em leitos rochosos são mais perenes, facilmente percebidas e criam a imagem falsa de que a erosão só é atuante nesses trechos.

78

Realmente o trabalho erosivo dos banzeiros nas margens do rio Amazonas nem

sempre fica registrado, principalmente nos locais onde o pacote é formado por areia

inconsolidada. Nesses trechos de aluviões arenosos, as marcas da erosão são facilmente

removidas pelos solapamentos das margens. No entanto, nos trechos em que o rio é margeado

por sedimentos mais consistentes, via de regra argiloso ou siltoso, a ação dos banzeiros fica

conservada por mais tempo, principalmente na parte superior do barranco. Nos trechos de

estratificação mais heterogênea e de resistência variada do material, o trabalho do rio forma

margem mais arrampada e com degraus.

Observa-se também que em determinado trecho do rio, onde a composição do material

apresenta maior coesão, geralmente argiloso ou argilo-siltoso, a ação dos banzeiros produzem

buracos nas mesmas, causando desabamento de pequenos blocos da parte superior do

barranco, exemplificado na Figura 08.

79

Figura 08 – Buraco na margem esquerda do Paraná da Trindade, provocado pelo solapamento de banzeiro do vento com contribuição dos barcos. Observar no estrato superior ravinamento produzido pelo escoamento superficial. Autor: Alberto Carvalho /98

O efeito da ação dos ventos nas margens dos rios fica mais conservado em trechos de

rios de água preta, como na margem direita do rio Negro, em frente da cidade de Manaus.

Naquele local do rio Negro, os ventos que sopram de nordeste se deslocam ao longo de um

grande espelho d’água do rio Amazonas, provocando banzeiro forte que solapando

continuamente àquela margem, retira a camada do solo, provocando a derrubada das árvores e

deixando exposta a rocha intemperizada, coesa da Formação Alter do Chão, conforme se pode

observar na Figura 09.

80

Figura 09 – Erosão fluvial provocado por solapamento de banzeiro dos ventos na margem direita do rio Negro, em frente à cidade de Manaus. Autor: Alberto Carvalho

5.5 – A composição do material das margens

A composição do material que se encontra nas margens de um rio são elementos

importantes no processo de erosão, pois de certa forma, a competência do rio em retirar esse

material depende muito do tipo e do grau de coesão do material que constituem as mesmas.

Como já mencionado, a grande planície de inundação que margeia o rio Amazonas é

composta basicamente de sedimentos arenosos finos e pouco coesos do Holoceno.

Dados de textura analisados numa tradagem de 17m de profundidade a 110 m da

margem ( Figura 17 ) e de um perfil do barranco ( Figura 18 ), mostram que o material que

compõe a planície é predominantemente arenoso, com granulometria fina. Essas amostram,

apesar de localizadas, permitem uma idéia da composição dos sedimentos da várzea.

81

Esse material arenoso, que no dizer do caboclo é “falso”, possui pouca coesão, sendo

facilmente removido das margens pela ação das correntes, pelo solapamento dos banzeiros e

pelo escoamento superficial durante as chuvas torrenciais.

5.6 – Fatores antropogênicos

As terras caídas no rio Amazonas é um fenômeno basicamente natural. Antecede a

presença do homem e ocorre em locais onde não há moradores e nem embarcações

perturbando as margens.

No entanto, estamos considerando a participação humana como um fator

antropogênico no processo de terras caídas pelo fato de que mais recentemente sua ação tem

sido sentida como um agente facilitador do processo. Apontamos duas situações em que o

homem, ainda que em escala diminuta, vem contribuindo com a erosão das margens; o

desmatamento das margens do rio Amazonas e os banzeiros dos barcos que, cada vez mais

numerosos e mais potentes, estão deslocando volume de água cada vez maior e com mais

intensidade, e com isso aumentando o solapamento e a erosão das mesmas.

A planície holocênica do rio Amazonas, à medida que se forma, vai rapidamente

sendo recoberta por uma complexa e rica fitodiversidade. Esse rápido recobrimento dos

depósitos holocênicos por vegetação da várzea apresenta estágio de ocupação bem definida.

No estágio inicial, os depósitos de canal e de transbordamento são povoados pela vegetação

pioneira, cuja oeirana (Salix humboldtiana var martiana) é a principal representante,

acompanhada de variedades de capins aquáticos como capim-mori (Paspalum fasciculatum), e

a canarana fluvial (Eichnochloa polystachya). Essa vegetação pioneira é pouco competitiva e

já nos primeiros anos de ocupação é dominada pelas espécies conhecidas como invasoras,

82

cuja embaubeira (Cecrópia spp.) é a invasora principal e é acompanhada por outras espécies

como mungubeira (Bombax munguba), taxizeiro (Tachigalia sp.) entre outras.

O estágio seguinte e final da sucessão de vegetais da várzea é a floresta, cuja tipologia

Sioli (1981), chamou de mata de várzea.

A mata de várzea apresenta extrato arbóreo inferior ao da floresta de terra firme. No

entanto, algumas espécies vegetais da várzea se destacam pela sua postura majestosa, entre as

quais a sumaumeira (Ceiba petandra) uma das maiores árvores da Amazônia, que chega a

crescer de 40 a 50m de altura, com raiz tabular (sapopema ou sapobemba) que chega a 5 m de

altura (JUNK, 1981, p. 58). Outras espécies de árvores de grande porte e de vida mais longa

que povoam e se destacam na várzea são: o pau-mulato (Calycophyllum spruceanum), a

macacaúba ( Platymiscium paraenses), paracuúba (Mora paraensis), jacareúba (Calophyllum),

piranheira ( Piranhea tripoliata), açacu (Hura crepitons), muiratinga (Maquira sclerophylla),

castanha-de-macaco (Courupita guianensis), castanha sapucaia ( Lecythis paraensis Aubi).

Grande parte da mata de várzea que povoava as margens do rio Amazonas, em seu

curso médio e inferior, sofreu uma grande redução em seu domínio a partir da agricultura de

juta que se tornou a principal atividade econômica do vale do rio Amazonas a partir de 1940.

Com o rápido domínio das técnicas de plantio e coleta da juta pela população ribeirinha, a

floresta ciliar do rio Amazonas foi rapidamente derrubada para dar lugar aos roçados de juta.

Paralela ao cultivo de juta e com a desvalorização da mesma em meados de 1970, houve uma

intensa expansão da atividade pecuária na várzea.

Concomitantemente a essas atividades houve também uma crescente valorização de

madeiras na Amazônia.

Na década de 1970, houve incentivo governamental à exportação de madeiras em

toras, as quais foram exportadas para serem beneficiadas no exterior. Com a proibição da

exportação da madeira em toras, proliferaram as serrarias, fábricas de compensado e

83

laminado. Com o aumento do uso de madeira em forma de compensado e laminado, muitas

espécies da várzea que até então não tinham valor comercial, passaram a ser utilizada pela

indústria madeireira. É o caso da muiratinga, açacu, sumaúma e tantas outras que entraram no

rol das espécies comercializadas e transformadas em laminados e compensados. O resultado

foi uma diminuição drástica da floresta primária da várzea com conseqüências ainda pouco

avaliada. Hoje essas espécies que tanto chamavam atenção dos naturalistas já não estão tão

presentes na paisagem ribeirinha.

Embora o principal trabalho de erosão realizado pelo rio aconteça em profundidade,

bem abaixo das raízes das árvores, como demonstrou Sternberg (1998), o comportamento da

água dentro do pacote sedimentar deixada pelo transbordamento e quando das pesadas chuvas

nas áreas desmatadas, não tem o mesmo comportamento das áreas florestadas. A velocidade

de infiltração e consequentemente a variação do nível piezométrico no pacote sedimentar

sofre alterações. Essas alterações da dinâmica da água no pacote sedimentar, causados pelo

desmatamento da várzea, ainda não foi devidamente avaliada e dimensionada.

A contribuição mais evidente da ação antrópica em trechos das margens do rio

Amazonas está relacionada com a navegação.

A relação espaço/tempo no rio Amazonas sofreu mudanças significativas a partir da

década de 1970, em função principalmente do desenvolvimento do modelo Zona Franca de

Manaus (ZFM). O fortalecimento desse modelo de desenvolvimento se fez sentir também no

transporte fluvial, pois o mesmo foi intensificado e modernizado. O grande volume de

produtos a serem transportados da e para a Zona Franca fez surgir o transporte rodofluvial que

consiste em transportar container em carretas nas rodovias e embarcadas diretamente nas

balsas, como bem analisou Nogueira (1999).

Esse modelo de transporte teve modernizado e ampliado sua capacidade com a

construção do terminal graneleiro de soja em Itacoatiara, onde a empresa proprietária do

84

referido terminal construiu empurradores com potência de 5 a 6 mil HPs, para empurrar

grandes balsas no rio Madeira entre Porto Velho e Itacoatiara. O real impacto desse transporte

naquele rio ainda está por merecer estudos detalhados.

No final da década de 1990 a competição cada vez mais acirrada entre os proprietários

de embarcações para conquistar o passageiro, através da diminuição do tempo da viagem, fez

surgir os barcos expressos. Esse novo meio de transporte vem provocando mudanças

conceituais de distância e tempo amazônicos. Os expressos são barcos de baixos calados

construídos essencialmente com alumínio, material metálico leve que oferece pouco atrito

com a água e excelente hidrodinâmica. São geralmente equipados com motores potentes11 e

de alta rotação, chegando a desenvolver velocidade de 40 a 70 Km/h, velocidade essa

extraordinária para superfície d’água. Com isso, viagens desconfortáveis como de Parintins

para Manaus que na década de 1970 durava até mais de 30 horas, passou a ser vencida e com

certo conforto em menos de 10 horas.

Além dos barcos regionais, os navios também têm contribuído com o aumento do

solapamento das margens. O aumento no trânsito dessas grandes embarcações de carga foi

intensificado no rio Amazonas a partir da década de 1970, em função do desenvolvimento da

Zona Franca de Manaus.

Mais recentemente com o desenvolvimento do turismo ecológico, a partir de 1980,

Manaus entrou na rota dessa nova modalidade. Com isso navios de turismo passaram a subir

com mais freqüência o rio Amazonas até Manaus (Figura 10).

O aumento na capacidade de refino de petróleo na Refinaria de Manaus ( REMAN ) e

o aumento na exploração de petróleo na bacia de Urucu fez aumentar também a frota de

navios petroleiros no rio Amazonas. Mais recentemente, com a exploração de petróleo no

Urucu, os navios petroleiros estão chegando até aquela base da Petrobras. 11 Como exemplo dessa revolução no transporte fluvial podemos citar os expressos “A jato” que é equipado com dois motores de 550 HPs e com capacidade para transportar 80 passageiros, ou o “Dona Regina” um expresso equipado com dois motores de 1050 HPs e com capacidade para transportar 160 passageiros.

85

Essa revolução que vem acontecendo no transporte fluvial de passageiros e de carga

tem seu preço. Se por um lado esses barcos velozes estão encurtando distâncias e tempo, estão

também provocando problemas sociais e ambientais, pois o volume de água deslocado por um

barco a 50, 60 Km/h é grande, fazendo muito banzeiro e solapando as margens. Além de

contribuir com a erosão lateral através do solapamento, esse novo modelo de transporte está

oferecendo risco de vida e prejuízos para moradores ribeirinhos e para pequenos barcos e

canoas que se encontram nas margens.

Figura 10 – Navio de turismo internacional se deslocando na Costa do Miracauera. Inicialmente o deslocamento da embarcação provoca um pequeno recuo da água seguido de forte banzeiro, potencializando os fatores causadores das terras caídas. Autor: Alberto Carvalho – 06/02/94

86

6 – O processo das terras caídas

No rio Amazonas a erosão lateral resulta de um processo complexo envolvendo

simultaneamente escorregamento, desmoronamento e desabamento.

6. 1 – Escorregamento

Terzaghi (1980, p. 01) define escorregamento como “um deslocamento rápido de uma

massa rochosa, solo residual, ou sedimentos adjacentes de um talude no qual o centro de

gravidade da massa em movimento avança numa direção orientada para fora e para baixo”.

Para movimento similar, mas com deslocamento muito lento, o autor define como rastejo.

Guerra (1993), define escorregamento como a descida de solo ou das massas de rochas

decompostas, geralmente por efeito da gravidade, que nas estruturas inclinadas os

escorregamentos de terrenos são mais facilitados.

Os escorregamentos, conforme a forma de ruptura, são classificados em movimento

rotacional e translacional. Os escorregamentos do tipo rotacional são em geral mais profundos

e com ruptura apresentando forma curva e côncava. Esse tipo de movimento tem como

principal causa as variações do nível freático. O escorregamento do tipo translacional

apresenta forma de ruptura mais rasa e plana atingindo maior extensão.

Lima (1998, p. 104), estudando os impactos ambientais dos movimentos de massa no

rio Acre, observa que o escorregamento em primeiro momento apresenta-se bastante

acelerado, mas à medida que o processo é desencadeado tende a tornar-se mais estável,

tomando a característica e forma de rastejo. Essa situação também é freqüentemente

observada nas margens do rio Amazonas e evidentemente na área estudada.

87

Neste trabalho estamos utilizando o conceito de escorregamento como movimentos

associados mais lentos.

Na margem do rio Amazonas o processo de escorregamento é mais localizado,

formando chanfraduras nas margens, às vezes de grandes proporções12. O escorregamento só

não causa mais vítimas humanas ou outros danos materiais aos moradores ribeirinhos porque

o mesmo apresenta sinais durante a quebra do equilíbrio, como rachaduras na margem e

aumento de espumas no leito do rio, prenúncio de que a terra vai aluir.

Figura 11 – Processo inicial de escorregamento na Costa do Rebojão, na Ilha do Careiro. Observar a rachadura na margem Autor: Nunes, Set. /2004

Conhecedores desses sinais, os moradores ribeirinhos se apressam em tomar

providências para evitar perdas maiores. No entanto, nem sempre isso é possível e quando

acontece, as perdas materiais são inevitáveis. Histórias dramáticas de situações vividas como

12 No ano de 1999 houve um escorregamento logo à montante do Porte de Iranduba de grandes proporções. Abriu uma chanfradura na margem do rio de 170m no sentido transversal e 280m no sentido longitudinal ao rio.

88

perdas de bens materiais e de risco de morte no beiradão do rio Amazonas causado por terras

caídas é tão comum quanto história de cobra grande.

Esse processo como já observara Tricart (1977), Sternberg (1998); acontece com

maior intensidade durante a vazante do rio, resultado da ação conjugada da pressão hidráulica

da água corrente que é aumentada durante a subida da água do rio com a pressão hidrostática

aumentada durante a descida do rio.

6 . 2 – Desmoronamento

Para Guerra (1993), desmoronamento é o mesmo que avalanche sendo que esse termo

é usado em dois sentidos: para indicar a queda rápida de uma geleira ou para designar

desmoronamento ou escorregamento de terra devido à erosão.

O desmoronamento é aqui utilizado para designar movimento rápido de material do

barranco onde o mesmo apresenta plano de ruptura muito próximo do vertical.

Lima (1998, p. 113), em trabalho de campo, monitoramento pluviométrico e

hidrológico do rio Acre, observa que esse tipo de movimento está diretamente relacionado à

saturação do material pela infiltração da água, tanto por via pluvial como fluvial.

89

Figura 12 – Desmoronamento do material da margem durante forte chuva. Dias anterior à forte chuva o local estava com rachadura de 2 a 4 cm. Autor: Alberto Carvalho jan/96

Corroborando com essas observações verificou-se também na área da pesquisa que os

desmoronamentos acontecem de forma associado e quase simultâneo aos escorregamentos,

durante e após as pesadas chuvas. A Figura 12 mostra a situação da margem do Paraná da

Trindade logo depois de pesada chuva em que grande volume de material da margem foi

deslocado em forma de avalanche.

6 . 3 – Desabamento

Desabamento é o movimento abrupto de queda livre, em que o movimento é

extremamente rápido e resulta da ação da gravidade, não havendo, portanto, uma superfície de

deslizamento.

90

Figura 13 – Erosão do tipo desabamento na Costa do Miracauera. É um movimento rápido e mais contínuo que acontece abaixo do nível das raízes causado por solapamento no nível da água e em profundidade, fazendo o material desabar pela ação da gravidade. Autor: Alberto Carvalho /96

Na margem do rio Amazonas, esse processo resulta principalmente da ação dos

banzeiros do vento e até mesmo dos barcos que, solapando as margens, provoca queda livre

do material que compõem o barranco. Outra situação provocadora de desabamento é a

retirada do material que se encontra abaixo do nível das raízes das árvores até o fundo do rio,

provocado pela ação das correntes, conforme já bem abordada por Sternberg (1998). Apesar

do termo terras caídas na Amazônia se referir a todo tipo de erosão fluvial, o desabamento é o

que mais se coaduna literalmente à terminologia.

Constatou-se que a literatura especializada em erosão de encostas é muito rica, mas os

conceitos e as terminologias utilizadas nem sempre se coadunam devidamente ao ambiente

fluvial. A razão primordial é o fato de que a erosão de encostas de vale tem como principal

causa a ação da gravidade, enquanto que na erosão fluvial é a ação da água corrente que atua

como principal agente.

91

CAPÍTULO 3: LOCALIZAÇÃO, ASPECTOS FISIOGRÁFICOS E

SOCIOECONÔMICOS DA COSTA DO MIRACAUERA

Quando eu tinha 13 anos nós tava dormindo, uma noite, a minha mãe se acordô com uns istralos assim, esquisito, né? E ela se lavantô e foi vê o que era quando se deparô foi com uma rachadura por trás do nosso barraco, aproximadamente ele tinha dois dedo de largura, e aí aquela hora da noite nós fomo tirá o nosso bagulho de dentro da casa.[...] a noite não caiu a terra, quando amanheceu o dia, por volta de umas 10:00 horas do dia, aí caiu àquela enorme enseada medonha.

Depoimento de um morador da área pesquisada

1 - Localização geográfica

O trecho do rio Amazonas selecionado para a pesquisa sobre as terras caídas e suas

implicações sociais foi a Costa do Miracauera13, localizada na margem esquerda do Paraná da

Trindade14. Esse Paraná, formado na margem esquerda do rio Amazonas, contorna a Ilha

homônima, a partir da confluência com o rio Madeira, conforme observado na Figura 14.

13 Miracauera – Segundo Stradelli (1929), de mira = gente, nação, povo; cauera= osso, ossada. Etmologia tupy que significa onde tem osso de gente, no caso um cemitério. Essa terminologia está de acordo com a explicação de um morador antigo da área, pois segundo o mesmo, o furo do Miracauera, ao entrar na planície formava um lago, para em seguida voltar a forma de canal. Na margem mais elevada do lago havia um cemitério ao qual o referido morador disse ainda ter encontrado cerâmica quando fez um roçado no local. 14 A toponímia Trindade para a Ilha e Paraná por certo é uma alusão a “João Trindade”, um velho e famoso agricultor que morava na parte superior da ilha, ao qual o naturalista Henry Bates permaneceu por nove dias na casa desse agricultor, no ano de 1849. Embora a toponímia seja mantida nos mapas e cartas, a população local reconhece a Ilha mais com o nome de “Ilha do Cumaru”.

92

Localização da área estudada

LAT. 3º 13’ 36”

LAT. 3º 25’ 05”

58º 3

4’ 4

9”

58º 45’29”

Figura 14 - Em destaque a Costa do Miracauera no Paraná da Trindade. No centro da imagem está a Ilha da Trindade formada na confluência com o rio Madeira que se encontra com sua foz no canto inferior da imagem. Org. Alberto Carvalho/06

93

Na divisão político-administrativo do IBGE esse trecho do rio Amazonas está inserido

na Micro-Região 09 da Meso-Região Centro Amazonense, pertencente ao município de

Itacoatiara, no Estado do Amazonas.

Para efeito de interpretação da inserção do Paraná da Trindade no leito maior do rio

Amazonas foi delimitado uma área de 480 Km2, inserida nas coordenadas de 3º 13’08’’ a 3º

24’03’’ de latitude S e 58º32’51’’ a 58º45’50’’ de longitude Oeste, conforme Figura 14.

2 – Aspectos fisiográficos

2.1 – Geológico e geomorfológico

O rio Amazonas entre a cidade de Manaus e Itacoatiara é margeado por duas unidades

morfoestruturais; a Formação Alter do Chão que apresenta relevo bastante dissecado e os

depósitos fluviais Holocênicos formador da atual planície de inundação.

O relevo modelado sobre a Formação Alter do Chão que domina a margem esquerda

do rio Amazonas, foi classificado por Nascimento, Mauro e Garcia (1976), como Planalto

Dissecado Rio Trombetas-Rio Negro; Gatto (1991), Planalto Negro-Jari; Ross (2000),

Planalto da Amazônia Oriental. Enquanto que a deposição aluvional Holocênica que domina

toda margem direita do rio Amazonas, foi classificada por Nascimento, Mauro e Garcia (op.

cit.) como Planície Amazônica; Ross (op. cit.), Planície Amazônica; Gatto (op. cit.), Planície

Interiorana.

A Formação Alter do Chão datada do Cretáceo/Terciário aparece ao longo de quase

toda margem esquerda do rio Amazonas, se afastando apenas na antiga foz do rio Urubu, na

margem oposta à foz do rio Madeira, reaparecendo na mesma margem logo à montante da

cidade de Itacoatiara, mais precisamente onde é hoje o porto graneleiro da HERMASA. Pela

94

margem direita, entre Manaus e Itacoatiara, o rio Amazonas é todo margeado pelos aluviões

Holocênicos.

A grande área deposicional formada na confluência do rio Amazonas com o rio

Madeira, que deu origem a Ilha da Trindade e o Paraná de mesmo nome, resultou do forte

controle da tríplice junção tectônica que são os megalineamentos Trindade/Surubim que

controla o rio Amazonas, Madre de Dios que controla o rio Madeira e o lineamento Urubu.

A grande deposição formada na antiga foz do rio Urubu faz com que o mesmo, que

tem lineamento de direção NE-SW e NW-SE infletisse no sentido N até o limite litológico

com a Formação Alter do Chão, vindo a ser capturado pela bacia do rio Caru, esse, afluente

do rio Anebá onde após a junção deságuam no grande lago do Canaçari.

Essa unidade geomorfológica tem 37 Km de extensão e largura variando de 8 a 10

Km e é cortada transversalmente por três furos pelos quais o rio Amazonas transporta água

para o rio Urubu. São eles;

a ) Furo do Xituba - localizado no extremo inferior da planície, nas proximidades de

Itacoatiara. Esse furo liga o rio Amazonas ao rio Urubu e funciona como um típico “furo de

contato litológico” segundo Nascimento, Mauro e Garcia (1976), pois se encontra encaixado

entre o Terciário e o Quaternário;

b ) Furo do Cainamã - localizado no extremo superior da unidade e próximo do

contato litológico da planície com o Terciário (Costa do Amatari). Esse furo se formou no que

restou da antiga foz do rio Urubu. Nas suas proximidades foram formados lagos de várzea de

forma arredondados como o Lago Grande, Lago Preto, Lago Redondo, Lago Comprido, Lago

do Castanho e uma rede de pequenos canais recobertos pela floresta de igapó, sendo que

muito dessa drenagem está parcial ou totalmente recobertos por chavascais e aningais;

95

c ) Furo do Arauató15 – o mais importante furo da unidade formado transversalmente

no meio da planície ligando o rio Amazonas ao rio Urubu. Possui 25 Km de extensão, largura

de 12 a 15 metros, e de 8 a 10 metros de profundidade. É o furo pelo qual o rio Amazonas

melhor se comunica com o rio Urubu, pois tem leito definido em todo seu trecho e sem

obstáculo, o que permite a água fluir livremente até àquele rio. Essa comunicação acontece

normalmente entre os meses de janeiro a setembro. O furo do Arauató possui apenas um lago

ao longo do seu percurso.

No trecho da área de estudo o rio Amazonas se comunica com o Arauató através de

três furos menores que são os furos do Limão, furo do Miracauera e o furo da Boca do Padre,

ambos no trecho da pesquisa.

O furo do Limão tem a entrada localizada nas coordenadas de lat. 3º 14’ 53” e long.

58º 37’ 15” com direção estrutural N 45 E. Possui 4 Km de extensão e apresenta acelerado

processo de sedimentação na sua entrada.

O furo do Miracauera tem a entrada localizada nas coordenadas de lat. 3º 15’ 03’’ e

long. 58º 38’ 38’’ com direção estrutural de N 40 E. O mesmo liga o rio Amazonas ao

Arauató numa extensão de apenas 1 Km. Possui de 8 a 10m de largura e profundidade de 6 a

8m.

O furo da Boca do Padre localizado nas coordenadas de lat. 3º 16’ 02’’ e long. 59º 40’

adentra a planície com a direção estrutural N 40 E. Apesar desse furo apresentar leito bem

definido na sua entrada, o mesmo perde essa condição quando entra no igapó e aningal. Além

desses canais menores há algumas brechas de extravasão pelo qual o rio Amazonas esparge

sedimentos na mata de várzea.

15 Segundo Stradelli (1929), Arauató é Etmologia tupy que significa casta de símio, mais conhecido como “macaco de cheiro”, tão comum nas matas que margeiam àquele furo. Os moradores do local e adjacências chamam esse furo de “Paraná do Arauató”. No conceito acadêmico é um furo. Esse furo sempre teve grande importância para os moradores do rio Urubu, devido ser a principal via de acesso entre esse rio e o rio Amazonas.

96

O trecho do rio Amazonas selecionado para a nossa pesquisa está toda inserida na

planície holocênica.

Na classificação de Iriondo (1982), a planície fluvial nessa área apresenta duas sub-

unidades; os “depósitos de inundação” e a “planície de bancos e meandros atuais”.

Os depósitos de inundação correspondem à parte mais antiga e no interior da planície,

alimentados pelo rio Amazonas somente quando do seu transbordamento, onde o mesmo, pelo

processo de decantação deposita os sedimentos finos. A planície de bancos e meandros atuais

são na verdade os depósitos de canal, geralmente barras arenosas longitudinais e em crescente

que o rio depositou na fase atual.

Dados da análise grunulométrica mostram que esses depósitos recentes são mais

arenosos com pouca coesão e, portanto mais sujeito a ação dos agentes erosivos.

2.3 – Clima e vegetação

O clima da área de estudo é o mesmo da calha do Médio Amazonas, ou seja,

Equatorial quente e úmido com estiagem entre os meses de julho e outubro e com muita

pluviosidade entre os meses de dezembro a maio.

Os dados utilizados para caracterizar o clima da área foram da Estação Meteorológica

de Itacoatiara, localizada a 22 km à jusante da mesma.

Os dados do Quadro 7 analisados no período de 1978 a 1995 (dezoito anos) mostram

que, em Itacoatiara, a média de chuva no período foi de 2.406 mm/ano, enquanto que a

umidade relativa do ar teve média de 85,8 %. No mesmo período, a média de dias de

chuva/ano registrado na Estação foi de 185,4, ou seja, 50,6 % do ano chove em Itacoatiara.

97

Ano Meses com maior índice de chuva

Valor em mm Meses com maior volume de chuva/dia

Em mm/dia

1978 Fevereiro 430 Dezembro 110 1979 Fevereiro 348 Outubro 83 1980 Abril 298,4 Janeiro 77 1981 Janeiro 401,4 Janeiro 84 1982 Janeiro 411,8 Abril 85 1983 Março 346,1 Março 130 1984 Fevereiro 358 Março 102,7 1985 Janeiro 661 Novembro 125,4 1986 Março 373,3 Fevereiro 125,8 1987 Abril 373,9 Março 133 1988 Janeiro 406,2 Novembro 96,2 1989 Janeiro 355 Julho 123,7 1990 Janeiro 355 Julho 123 1991 Janeiro 636,4 Março 150 1992 Março 497,3 Março 211,9 1993 Março 444,8 Março 49,3 1994 Março 409,8 Março 100,4 1995 Abril 364,9 Março 121,6 Quadro 7 - Dados pluviométricos da Estação Meteorológica de Itacoatiara. FONTE: Instituto Nacional de Meteorologia – INMET – Ministério da Agricultura – Manaus Org. : Alberto Carvalho/2006

Observando o Quadro 7, percebe-se que os primeiros meses do ano são os mais

chuvosos, com maior concentração no mês de março, tanto no acumulado do mês como nas

chuvas concentradas/dia. Os dados mostram ainda que chuvas com mais de 100mm/dia é

freqüente na área.

Essa maior concentração de chuvas no início do ano contribui para acelerar o processo

das terras caídas nas margens do rio Amazonas e evidentemente na área do estudo. Dados de

campo, como veremos mais adiante, confirmam a aceleração das terras caídas nesse período,

pois provoca o aumento da pressão hidrodinâmica e hidrostática.

Com relação à vegetação, a predominância é de floresta de inundação. Sioli (1985)

classificou as florestas das áreas inundadas em mata de igapó e mata de várzea. Mata de

igapó foi definida como sendo as florestas inundadas dos rios de água preta particularmente

do rio Negro, enquanto que a floresta da várzea que margeia os rios de água branca foi

classificada como mata de várzea. Em sendo toda área de estudo formada pela planície de

98

inundação controlada pelo rio Amazonas a formação vegetal se enquadra no conceito de mata

de várzea.

Coelho et.al. (1976), identificaram na calha do médio Amazonas as Áreas de Tensão

Ecológica, assim denominadas as áreas que apresentam tipos de vegetação que se contactam e

se misturam, e subdividiram em três grandes unidades fisionômicas: a Savana, Formações

Pioneiras e Floresta Densa.

Por essa classificação toda a planície onde se encontra a área da pesquisa foi mapeada

como sendo de Contato Formações Pioneiras/Florestas. Portanto é uma área de Tensão

Ecológica caracterizada, essencialmente, por uma Floresta de porte médio, por vezes de

grande porte e por Formações Pioneiras, arbóreas arbustivas e graminosas, que ora se alinham

ao lado da Floresta, ora formam enclaves ( COELHO, et. al. 1976, p. 341).

A distribuição da população na várzea, como já observara os cronistas e naturalistas,

acontece sempre nas restingas mais próximas das margens, como pode ser observado no mapa

fundiário. Assim a vegetação nas proximidades da margem é predominantemente secundária,

ficando a vegetação primária mais para o interior da planície, que, via de regra apresenta

terrenos mais baixos para o interior da mesma, formando lagos, chavascais e aningais.

Na área estudada, podemos observar três situações no que diz respeito à vegetação. Na

parte inferior até o meio da área a vegetação é secundária com predomínio das embaubeiras,

resultado das atividades agrícolas de ciclo curto. No meio da área até a Comunidade Sª Nª do

Perpétuo Socorro, a vegetação é mais de gramínea, resultado da expansão pecuária. A partir

dessa Comunidade, no sentido montante, o predomínio é dos sítios agro-florestais, com

destaque para o cacau e seringueira.

99

3 - Aspectos socioeconômicos da Costa do Miracauera

Para entender a forma de ocupação da área de estudo se faz necessário conhecer um

pouco o processo histórico de ocupação desse complexo sistema amazônico que é a várzea.

3. 1 – Processo histórico de ocupação da várzea

A ocupação da Amazônia é tema que deve ser abordado de forma relativa, pois quase

sempre possui enfoque que vislumbra a perspectiva estabelecida a partir do conquistador

europeu.

É possível e coerente analisar o processo de ocupação da Amazônia sob duas

dimensões: a ocupação passada, preconizada pelos povos autóctones, denominados pelos

próprios colonizadores, por um equívoco geográfico, de indígenas, e a colonização

estabelecida nos moldes europeus; num primeiro momento espanhóis, posteriormente e

efetivamente pelos portugueses.

Acredita-se que o processo de ocupação e povoamento da Amazônia pretérita se deu

de forma gradual, durante milhares de anos, tendo seu início a partir de fluxos migratórios,

visto que, segundo Porro “Todos os povos indígenas da América [...] são originários da Ásia

e, possivelmente, também da Oceania. Em época [...] que pode ter começado há mais de 40

mil ou 50 mil anos [...]” (PORRO, 1996, p. 14).

Considerando o tempo que transcorreu entre o possível inicio da ocupação indígena e

a ocupação européia, pode-se afirmar que diferentemente do que se considerou durante muito

tempo, a Amazônia não foi um “vazio demográfico”, como não o é também hoje. Tal idéia foi

baseada em estudos que sustentavam a premissa de que o tamanho de uma população era fator

determinante do poder nacional, concluindo-se que o fato de os povos indígenas terem sido

100

vencidos e dominados pelos invasores significava que a sua população era pouco expressiva

em termos numéricos. Assim:

A postura predominante na antropologia americana, com relação à demografia indígena, caracterizou-se, até a década de 1960, pelo conservantismo. Partia-se quase sempre da premissa de que as estimativas dos primeiros cronistas eram sempre exageradas, e, portanto, deviam ser descartadas. Essa postura parece ter resultado da noção geopolítica de que o tamanho da população é um fator determinante do poder nacional ou tribal. Projetava-se dessa forma, para o passado, uma imagem construída a partir do índio submetido. (PORRO, 1996, p. 20).

Antônio Porro (op. cit.) exprime de forma bastante clara a visão que se cultivou, e

diríamos ainda se cultiva acerca da Amazônia, a visão de uma região pouco habitada,

selvagem, inóspita, cuja sociedade deve ainda ser concebida como aquela que precisa ser

tutelada, vista de forma exótica, com pouca importância em termos de organização e

complexidade social. Neste sentido, a concepção da antropologia americana ainda se constitui

num discurso bastante forte e atual, não somente no exterior, mas também no próprio Brasil

que em passado recente viu ser implementado uma geopolítica de integração nacional cujo

discurso era de “levar homens sem terra para uma terra sem homens”.

No entanto, se a antropologia americana mantinha uma postura conservantista até

1960, o mesmo não se pode dizer dos demógrafos da “escola de Berkeley”, que, a partir de

1970, aprofundaram os estudos de demografia histórica, redimensionando os números sobre a

população indígena da Amazônia. Entre os vários trabalhos sobre o tema destaca-se o de

Denevan (1976), cujos estudos apontaram para a diferenciação da ocupação nos ambientes de

várzea e terra firme, ao qual podemos afirmar que a proporção inversa em termos

populacionais nesses dois ambientes é significativa, pois segundo este autor a terra firme, que

corresponde a cerca de 98% da Amazônia, teria uma densidade demográfica de 0,2 hab./km2,

101

ao passo que a várzea, correspondente a uma parte pouco expressiva em termos territoriais,

teria cerca de 14,6 hab./km2, conforme pode ser observado no gráfico abaixo.

A várzea, portanto, sempre foi o ambiente com a maior densidade demográfica na

Amazônia, desde a ocupação pretérita, ou seja, dos indígenas. Isso pode ser confirmado pelos

relatos dos cronistas, que chegavam muitas vezes a admirar-se da quantidade de índios e de

aldeias que encontravam nas margens dos rios, como Cristóbal de Acuña que no ano de 1641

diz que:

Todo esse novo mundo é habitado por bárbaros de distintas províncias e nações [...] Passam de cento e cinqüenta, todas as línguas diferentes, tão vastas e povoadas como as que vimos por todo esse caminho [...] Essas nações ficam tão próximas umas das outras, que, em muitas delas, dos últimos povoados de uma se pode ouvir o lavrar da madeira nas outras [...] ( ACUÑA, 1994, p. 95).

É de se considerar ainda o fato de que a ocupação da várzea sempre foi maior nas

bordas das ilhas e nas proximidades das margens onde o processo de deposição é maior,

elevando o nível das restingas e oferecendo melhores condições de moradia.

102

3.2 – População e principais atividades econômicas

O padrão de ocupação atual da área de estudo obedece aos mesmos padrões da

ocupação do ambiente da várzea amazônica, constituindo-se de pequenas propriedades com as

casas construídas nas proximidades das margens dos rios.

Em levantamento de campo realizado em dezembro de 1997 registrou-se 38 famílias

distribuídas ao longo dos nove quilômetros da Costa, perfazendo um total de 243 pessoas,

com a seguinte faixa etária; jovens 56,37 %; adultos 37,86 %; idosos apenas 5,76 %.

Acresceste-se o fato de que 43,06 % da população jovem estão na escola que oferece

ensino até a 4ª série nas escolas das duas comunidades.

O Quadro 8 mostra a composição da população por sexo que era de 53,5 % de homens

e 46,5 % de mulheres e etária no momento da pesquisa, assim composta:

Jovem ( %) Adulto ( %) Velho ( %)

Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher

28,39 27,98 21,39 16,46 3,7 2,05

Quadro 8 - Estrutura etária da população da Costa do Miracauera FONTE : Alberto Carvalho - Trabalho de campo – dez/97

Na Amazônia, sobretudo em sua parte ocidental, a agricultura na várzea sempre se

constituiu em principal atividade, ao lado da pesca. No entanto a pecuária tem mudado essa

paisagem na várzea do Médio Amazonas, iniciando-se a partir do município de Parintins,

onde, segundo Fraxe (2000, p. 112), ocorreu um “processo de pecuarização”, com reflexo

também na área da pesquisa, como veremos mais adiante.

No que concerne às atividades econômicas, a agricultura, a pesca e ultimamente a

pecuária se constituem em importantes bases produtivas. Embora o plantio da mandioca,

103

visando à produção da farinha, se destaque na agricultura, a existência e proximidade com a

feira do produtor em Itacoatiara fizeram com que os pequenos agricultores passassem a

produzir e vender seus produtos naquela feira, como banana, macaxeira, verduras e alguns

legumes. Na parte superior da área ainda são mantidos os antigos sítios agroflorestais,

particularmente o cacau que ainda tem algum valor comercial, a seringueira além de árvores

frutíferas.

A pesca, a partir da década de 1970, passou a ter maior importância econômica para os

moradores ribeirinhos. Na área em estudo, essa atividade é praticada como atividade

complementar em dois momentos bem distintos; (a) na piracema16 do peixe de igapó que sai

para o rio Amazonas nos meses de maio e junho, principalmente o jaraqui e matrinxã e ; (b) a

pesca do peixe liso e a piracema de peixe miúdo como a sardinha, pacu, aracu entre outras

variedades que saem dos lagos e formam cardumes que migram no sentido montante durante

os meses de agosto a outubro, quando o rio está em vazante.

Com relação à atividade pecuária na Costa do Miracauera percebe-se que a mesma

está em expansão e mudando a paisagem da Costa. Em menos de trinta anos o rebanho bovino

saiu do zero para 200 cabeças, com dezenove famílias criando gado branco e um criador de

búfalo.

Assim, discorrendo sobre o processo de ocupação da várzea amazônica, pode-se aferir

que tanto na ocupação primitiva, pelos povos indígenas, quanto na ocupação posterior, com a

colonização, este ambiente sempre foi o mais propício ao estabelecimento humano, seja pela

proximidade com os rios, ou pelas condições favoráveis à agricultura. Na margem do rio onde

este trabalho se realizou obedece a tais padrões, ou seja, significativa densidade demográfica e

fundiária.

16 Segundo Octaviano Mello Do tupi pirá = peixe; cema = abundância. Cardume, abundância de peixe.

104

3.3 – Situação fundiária

A Figura 15 mostra o mapa fundiário da Costa do Miracauera com dados cadastrais do

extinto Instituto de Terras do Amazonas – ITERAM – realizado em 1982. Pelos dados

cadastrais daquele órgão, havia 32 pequenas propriedades ao longo de 9 km de extensão da

Costa do Miracauera, cujo tamanho médio das mesmas é de 10 hectares. É, portanto, um

padrão fundiário bastante distoante quando comparado com os latifúndios de terra firme.

Parana da Trindade

Area de estudo

Ilha da Trindade

Lago do ArariRio Amazonas

ESCALA1 100.000

Fonte: ITERAM/1982Org. Alberto Carvalho/2006

MAPA FUNDIÁRIO

Figura 15 - Mapa fundiário da Costa do Miracauera. Observa-se a predominância da pequena propriedade em toda área da várzea FONTE: Instituto de Terras do Amazonas - ITERAM Org. Alberto Carvalho/Marcos Castro

105

Os dados de campo mostram ainda que o número de famílias é maior do que os de

propriedades. Considerando que em alguns terrenos não havia moradores, pode-se afirmar que

há mais de uma família constituída em muitas dessas pequenas propriedades.

Outro fato a se destacar, além do tamanho, é a geometria dos terrenos como podemos

observar no Quadro 09. Muito dos terrenos foram cadastrados e 1982 com 400 a 600 metros

de fundo quando no trecho mais côncavo da Costa só em dez anos a erosão lateral já recuou a

margem em quase trezentos metros. A rigor, muitas das propriedades estão com tamanho

virtual, pois na realidade, já foram reduzidas pela metade.

Ordem Dimensão ha Ordem Dimensão ha 1 200 x 1000 20 17 500 x 2000 100 2 400 x 100 40 18 150 x 200 3 3 500 x 400 20 19 150 x 300 4,5 4 500 x 600 30 20 150 x 500 7,5 5 250 x 1000 25 21 200 x 1000 20 6 350 x 200 7 22 150 x 500 7,5 7 110 x 500 5,5 23 150 x 1000 15 8 500 x 600 30 24 140 x 1000 14 9 200 x 700 14 25 140 x 1000 14

10 150 x 1000 15 26 150 x 700 10,5 11 500 x 1000 50 27 200 x 500 10 12 600 x 600 3,6 28 200 x 200 4 13 400 x 500 20 29 100 x 100 1 14 450 x 600 27 30 100 x 1000 10 15 350 x 400 14 31 200 x 500 10 16 250 x 400 10 31 160 x 400 6,4

Quadro 9 - Tamanho das propriedades na Costa do Miracauera FONTE : Governo do Estado do Amazonas – levantamento realizado em 1982 pelo extinto ITERAM Org. Alberto Carvalho/06

106

A título de conclusão do capítulo podemos dizer que a várzea é um complexo e frágil

sistema flúvio-lacustre controlado pelo rio Amazonas que a submete ao transbordamento total

ou parcial todos os anos. Pelas condições físico-químicas de suas águas e “solos” possui rica

biodiversidade, inclusive muitos mosquitos. Mesmo com as adversidades, a várzea como visto

anteriormente, sempre foi historicamente a unidade mais povoada do médio e baixo

Amazonas. Entender essa situação populacional da várzea não é tão difícil. Perguntado a um

morador da área por que ele continuava naquele lugar se tem tanta terra caída, alagação quase

todos os anos e muito carapanã, a resposta foi rápida “ É porque aqui tudo que se planta dá”.

107

CAPÍTULO 4 – CARACTERIZAÇÃO DAS TERRAS CAÍDAS E O IMPACTO

SOCIOAMBIENTAL PARA OS MORADORES DA COSTA DO MIRACAUERA

Acho que tô pagando imposto de água porque minha terra tá acabando! [...] que quando eu comecei a morá aqui a primera restinga que tinha já se acabô, nós temos já na segunda restinga, já na última quase.

Depoimento de um morador da área

1 – Geometria do Paraná da Trindade

A distribuição das correntes dentro de um canal fluvial depende muito da forma

transversal do seu leito. Conhecer a geometria de um canal é importante, pois o processo de

erosão e deposição dos sedimentos está em função da posição do talvegue dentro do mesmo

(SUGUIO & BIGARELLA,1990; CUNHA,1995).

Para se estudar a relação da geometria do canal com a erosão lateral, foram realizados

quatro perfis batimétricos transversais no Paraná da Trindade, conforme Figura 16.

A medição batimétrica consistiu no uso de um ecobatímetro, modelo Apelco – 260,

cujo sensor ficava a 40cm de profundidade, preso a uma vara amarrada ao lado da

embarcação. A velocidade da embarcação foi de 6 a 8 Km/h e continuamente a cada 10

segundos se registrava um dado do visor do aparelho.

Visando comparar possíveis alterações no leito do Paraná da Trindade, através de

sobreposição de gráficos, as medições batimétricas das secções foram repetidas em anos

diferentes. A primeira medição foi realizada em 15/01/96 quando a cota do rio Amazonas no

Porto de Manaus estava em 21,89m e a última medição foi realizada em 24/10/05 quando a

cota do rio estava em 14,77m acima do nível do mar. A diferença da cota, portanto é de

7,12m.

108

O Paraná da Trindade é um canal retilíneo com direção N 45º E, medindo 23 Km de

extensão e largura variando de 1,5 Km na parte mais estreita, próximo a sua entrada,

chegando a 3,4 Km no trecho mais largo onde se encontra a pequena Ilha da Benta, na

extremidade nordeste, voltando ao rio Amazonas tem a largura de 2,1 Km (Figura 16).

LAT. 3º 13’ 36”

4 3

2

1

58º 45’29”

58º 3

4’ 4

9”

LAT. 3º 25’ 05” Figura 16 – Imagem de satélite com a localização dos perfis transversais realizados no Paraná da

Trindade. Observar o canal alargado nas proximidades da pequena Ilha da Benta. Em destaque maior aIlha da Trindade, tendo a foz do rio madeira no canto esquerdo inferior. FONTE : Google Earth//2006 Org. Alberto Carvalho/2006

109

O Gráfico 03 mostra o perfil batimétrico n° 01 (margem esquerda lat. 3º16’29’’S long.

58º 41’ 12’’W; direita lat 3º 17’31’’S e long. 58º 40’36’’W ) realizado no limite superior da

área estudada, onde o Paraná tem 2000m de largura (Figura 16).

Nessa secção transversal os gráficos mostram um canal com o fundo simétrico

ligeiramente aprofundado nas proximidades da margem esquerda.

A simetria do fundo do canal parece estar relacionada com a uniformidade da

distribuição de energia dentro do mesmo, resultado da retilinidade do canal e de uma maior

uniformidade na resistência do material. Os dados granulométricos do local mostram que a

composição dos sedimentos que é predominantemente silto-argiloso e argilo-siltoso, portanto

com maior grau de coesão. Os dados de monitoramento das terras caídas mostram que nesse

local a velocidade de erosão lateral é muito baixa se comparado com o trecho mais côncavo

da Costa.

0

5

INSERIR FRÁFICO 1 COM COOR

Perfil Transversal nº 1

10

15

20

25

30

35

40Largura 2.000m

(m)

1996 (15/01) - Cota 21,89m 2005 (24/10) - Cota 14,77m

Direita Esquerda

Gráfico 03 – Perfil batimétrico transversal do Paraná da Trindade. A diferença do nível do rio entre as duas medições é de 7,21m. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006

110

O Gráfico 04 mostra o perfil transversal nº 2, (Esq. lat. 3º16’42’’S e long.

58º39’32’’W; Dir. lat 3º17’16’’S e long. 58º39’19’’W) realizado no meio da área pesquisada

próximo à Ilha da Benta, onde o Paraná da Trindade atinge 3,4 Km de largura.

Esquerda

Direita

Perfil Transversal nº 2

-5

0

5

10

15

20

25

30

35

40 Largura 3.400m

(m)

15.01.96- Cota 21,89m 24.10.05 - Cota 14,77m

praiaDireita

Esquerda

Gráfico 04 – Sobreposição dos gráficos do perfil transversal do Paraná da Trindade, rente a Ilha da Benta. O gráfico batimétrico de 2005 mostra uma grande praia na parte superior da Ilha da Benta. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006

Os gráficos sobrepostos mostram que as maiores profundidades estão rentes às

margens, sendo que a margem esquerda apresenta maior aprofundamento. Essa maior pressão

nas laterais resulta da bifurcação do fluxo pela pequena Ilha da Benta, principalmente na

Costa do Miracauera, onde o processo das terras caídas é mais acelerado.

111

O perfil realizado em 15/01/96 confirma essa pressão lateral quando mostra que as

maiores profundidades estão rentes às margens, com ligeiro aprofundamento na margem

esquerda. O gráfico da segunda medição realizada em 24/10/05 e sobreposta à anterior

confirma as alterações significativas ocorridas no Paraná da Trindade. Percebe-se pela

sobreposição dos gráficos que houve grande deposição ao longo do canal a montante da Ilha

da Benta e para a margem direita do Paraná. Enquanto que na margem esquerda o canal está

sendo encaixado.

O Gráfico 05 mostra o perfil transversal de nº 3 realizado da Costa do Miracauera (

lat.3º 15’32’’S e long.58º 38’53’’W) para o meio da Ilha da Benta (lat.03º15’10’’S e long.

58º39’06’’W), durante a grande vazante de 2005. O gráfico nos permite observar que o canal

estava com apenas 1/3 (495m) de água corrente durante a excepcional vazante, enquanto que

2/3 do canal (995m) estava tomado por praias, resultado de depósito de fundo. Percebe-se que

o canal está com seu talvegue ao longo do barranco, razão pela qual a erosão é mais acelerada

nesse trecho da costa.

112

Perfil Transversal nº 03

-15

-10

-5

0

5

10

15

20

Largura 1.700m

(m)

24.10.05 - Cota 14,77m

Esquerda Direita

Praia (995m)

Gráfico 05 – Perfil transversal do Paraná da Trindade mostrando a dissimetria do canal entre a Ilha da Benta e a Costa do Miracauera, durante a grane vazante de 2005. Observe que o canal está com apenas 1/3 de água corrente e com talvegue rente a margem, enquanto que 2/3 do canal é de praia. FONTE: Trabalho de campo realizado em out./2005 Org. Alberto Carvalho/2006

O Gráfico 06 mostra o perfil batimétrico nº 4 realizado no extremo inferior da área da

pesquisa (esquerda lat.3º14’51’’S e 58º36’34’’long.W; direita lat. 3º16’02’’ S e long.

58º36’23’’ W). O gráfico da primeira medição mostra o canal bastante assimétrico com um

forte encaixamento na margem esquerda. Dados de campo e cartográfico confirmam que

nesse ponto havia um lago que foi assoreado recentemente por sedimentos arenosos, sendo

facilmente removidos pelas fortes correntes turbulentas que acontece na margem facilitando o

aprofundamento do talvegue. A sobreposição mostra que houve deposição de fundo no local e

em todo o canal. Percebe-se também que à jusante da Ilha da Benta houve grande deposição

de sedimentos de fundo, formando grande extensão de praias e conseqüentemente

assoreamento e estreitamento do canal na margem direita.

113

Perfil Transversal nº 4

-505

10152025303540

Largura 1.800m

(m)

15.01.96 - Cota 21,89m 24.10.05 - Cota 14,77m

praia Direita Esquerda

Gráfico 06 – Perfil transversal do Paraná da Trindade, extremo nordeste da área pesquisada. A sobreposição dos perfis mostra uma diminuição da dissimetria do canal, com deposição em ambas as margens com trecho longo de praia nas proximidades da margem direita. Org, Alberto Carvalho/2006

Os gráficos batimétricos, a sobreposição das imagens de satélite e os depoimentos dos

moradores mais antigos permitem afirmar que o Paraná da Trindade está em processo

acelerado de alargamento no trecho bifurcado pela Ilha da Benta. A velocidade de erosão é

ligeiramente maior na margem esquerda onde o mesmo está encaixando seu talvegue. Na

margem direita do Paraná, a erosão lateral é menor e o canal está sofrendo deposição de

fundo, se tornando progressivamente mais raso já apresentando grande extensão de praias

emersas.

Essa situação foi constatada em 24 de outubro de 2005, durante trabalho de campo

quando o rio estava no seu nível mais baixo. Nessa excepcional vazante (2005) a Ilha da

Benta estava cercada de grandes extensões de praias em todo seu entorno, sendo que a

margem direita apresentava maior elevação de depósito de fundo, quase fechando o canal.

114

Essa mudança na dinâmica fluvial do Paraná da Trindade também é confirmada pelos

relatos dos moradores antigos do Paraná e adjacências. Um desses moradores deu o seguinte

depoimento;

Na minha lembrança, em 1933, a largura da marge do Miracauera pra pegá a Ilha da Benta, mais que dava era 200m, era estreito, aí foi caindo, caindo [...] e o canal passava entre a Benta e a Trindade, aonde passava os navio grande. Essa parte daqui não passava embarcação grande, nem na enchente e nem na seca. [...] Quando a gente vinha de Itacoatiara, só andava por fora que aquela terra que arriava não puxá a canoa pra afundá [...] Essa terra cai por causa de muito olho d’água. Ela transmite por baxo da terra, que vem daqueles aningal. [...] ela vai partindo a terra. Ela escorrega a terra ( Depoimento de um morador antigo, 80 anos).

2 – A composição do material da Costa do Miracauera

A relação da secção do canal com a velocidade de fluxo determina a competência do

rio, definida como o tamanho máximo do material a ser removido e o volume de carga a ser

transportado, definido como capacidade do rio (SUGUIO e BIGARELLA, 1990, p. 29) .

Portanto a competência de um rio está relacionada também com a composição e resistência

dos materiais das margens. Meis (1968), já afirmara que as terras caídas nas margens do rio

Amazonas têm relação direta com a “ resistência oferecida pelos materiais das margens”.

Para relacionar a intensidade das terras caídas com a composição do material das

margens foram retiradas amostras de dois perfis. As análises granulométricas das amostras

foram realizadas nos laboratórios da EMBRAPA – Manaus.

O primeiro local escolhido para coleta das amostras foi o extremo superior da área de

estudo. O material foi retirado por meio de uma tradagem de 17m de profundidade, distante

110m da margem e a cada metro, conforme mostra a Figura 17.

115

Figura 17 – Perfil da composição granulométrica do material da margem esquerda do Paraná da Trindade, no extremo superior da área da pesquisa. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006

110 m

17

16

15

14

13

12

11

10

9

8

7

6

5

4

3

2

11 2 3 4 5 6 7 8 9

10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22

Areia grossa

Areia fina

Silte Argila % Areia

0,20 83,26 15,44 1,10 83,46

5,58 10,81 64,96 18,65 16,39

0,89 36,84 51,57 10,70 37,73

1,77 90,75 4,78 2,70 92,52

0,25 77,28 19,27 3,20 77,53

0,58 35,60 54,32 9,50 36,18

1,26 8,58 72,61 17,55 9,84

0,59 4,80 66,41 28,20 5,39

0,38 7,82 93,90 27,90 8,20

0,63 4,98 68,64 25,75 5,61

3,18 6,52 64,85 25,45 9,70

0,13 9,93 74,94 15,00 10,06

0,24 5,20 71,81 22,75 5,44

0,32 27,29 58,29 14,10 27,61

0,06 17,14 66,33 16,15 17,52

0,32 59,49 34,89 5,30 59,81

0,70 72,63 25,02 1,65 73,33

Nos dois primeiros metros o material é predominantemente siltoso, sobreposto a um

extrato extremamente arenoso nos dois metros seguintes. A partir de cinco metros até

quatorze metros de profundidade o material é predominantemente siltoso, ao silto-argiloso. A

partir dos quinze metros de profundidade o sedimento se torna arenoso a areno-siltoso. Uma

amostra retirada do fundo do canal a 80m distante da margem, durante a excepcional vazante

de 1977, mostra que a composição é areno-siltosa com 48,15% de areia fina e 45,28% de silte

com apenas 6,5% de argila.

116

O segundo perfil granulométrico foi realizado no trecho mais côncavo da Costa do

Miracauera (coord. de lat. 3º15’12” S e long. 58º39’06” W), em um barranco com 6,1m de

altura e em forma de micro-falésia. O material foi retirado das camadas que se encontravam

intercaladas e visualmente bem estratificadas, conforme se observar na Figura 18.

No primeiro metro de profundidade, há um equilíbrio entre areia e silte, com um

ligeiro predomínio de areia. No terceiro e quarto metro de profundidade as camadas são

essencialmente siltosas, de cor cinza, intercaladas por uma camada predominantemente

arenosa de cor amarela. Nas camadas inferiores, a predominância é de areia de cor cinza,

sendo que a camada que se encontra no nível da água chega a 90,4% de areia.

Nesse ponto, os dados granulométricos do barranco mostram que o pacote sedimentar

é predominantemente arenoso, intercalado por estratos siltosos e com diminuição de argila.

Os dados mostram ainda que o percentual de areia é crescente na medida em que se

aprofunda, pelo menos até no nível da água.

117

Figura 18 – Foto mostrando os estratos bem definidos no barranco. Em destaque uma camada amarela extremamente arenosa intercalada por duas camadas siltosas de cor cinza. FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006

A análise granulométrica da Costa do Miracauera apresenta diferenças significativas

na sua composição. Os dados mostram que no extremo superior da área, onde a velocidade de

erosão é pequena, o material é predominantemente siltoso a silto-argiloso. No sentido jusante,

onde a erosão lateral é acelerada coincide com o aumento no índice de areia, com

intercalações de camadas areno-siltosa e diminuição no índice de argila. No extremo inferior

da área os dados mostram um aumento ainda maior no percentual de areia e diminuição de

argila. Essa diferença na composição e evidentemente no grau de coesão dos sedimentos

influencia na velocidade de erosão fluvial, sendo maior onde ocorre mais areia.

118

3 – Análise e interpretação das terras caídas na Costa do Miracauera

As terras caídas nas margens do rio Amazonas resultam de processos complexos

envolvendo a pressão da água corrente, pressão da água retida na planície, fatores

neotectônicos, climáticos, litológicos e em alguns trechos das margens a ação antrópica tem

dado pequena contribuição.

Após levantamento de literatura, análise neotectônica em mosaicos de radar, imagens

de satélite e cartas planimétricas, complementado com estudos em campo no Paraná da

Trindade e no rio Amazonas foi possível elaborar o mapa estrutural dos principais

lineamentos da área (Figura 19). Constatou-se que a presença de estruturas neotectônicas

transtensionais são uma constante. Verificou-se que a tríplice junção dos lineamentos Urubu,

Trindade/Mandií/Surubim que controlam o rio Amazonas e o Megalineamento Madre de Dios

que controla o rio Madeira, atuam como os principais fatores controladores da erosão e

deposição na área da pesquisa. Essa interpretação é recorrente na literatura especializada

(FRANZINELLE, H. & IGREJA, H. 1990; COSTA, S. 1996; IGREJA, H. 1997; FILHO, P.

et al. 1999) os quais afirmam que os eventos catastróficos acontecem principalmente nos

cruzamentos dos grandes lineamentos geológicos.

O Quadro 10 sintetiza a interpretação atual dos fatores que de forma isolada ou em

conjunto atuam no processo erosivo do Paraná da Trindade.

119

FATORES REGIONAL LOCAL

Hidrodinâmicos Relevo topográfico diminui de NO para SE. Pressão

lateral e vertical causado pelo grande volume de

descarga do rio Amazonas. Turbulência e variação

sazonal do nível d’água do rio Amazonas.

Corrente fluvial solapando o

barranco. Ilha no meio do canal

bifurca o fluxo fazendo pressão

nas margens.

Hidrostáticos Grande volume de água do transbordamento sazonal e

das chuvas retido na imensa planície de inundação.

Ocorrência de lagos, pequenos

canais e aningais na área, além

da água da chuva.

Climáticos Estiagem e insolação prolongada com chuvas

torrenciais. Elevado índice pluviométrico nos

primeiros meses do ano. Regime fluvial do rio

Amazonas transbordando a planície. Ação dos ventos

provocando banzeiros.

Chuvas torrenciais alimentando

os lagos e saturando a planície.

Banzeiros do vento solapando as

margens. Temperaturas elevadas

nos cinturões arenosos do

quaternário, desagregando as

areias e ressecando as argilas.

Litológicos Formação de grandes depósitos de sedimentos

Holocênicos ao longo da calha do rio Amazonas.

Predomínio de estratos arenosos

na composição do pacote

sedimentar.

Neotectônicos Tensão intraplaca litosférica; Ciclos de compressão e

distensão tectônicas. Sistema Neotectônico

Transcorrente Destral Atual; Zona Principal de

Deformação Solimões/Amazonas; Cruzamento de

grandes lineamentos; Megalineamento Madre de Dios

– Itacoatiara; Lineamentos neotectônicos ativos e

inativos principalmente NO-SE e NE-SO

Lineamento Urubu,

Trindade/Surubim e Itacoatiara;

Alívio transtensional do bloco

subsidente Quaternário da foz

do Urubu. Depósitos quaternário

sintectônicos; Cruzamento de

falhas e juntas neotectônicas

quaternárias.

Antropogênicos Retirada da vegetação ciliar e ação dos barcos. Desmatamento para a prática

agrícola, banzeiros de barcos

regionais e navios.

Quadro 10 - Fatores que promovem o fenômeno das terras caídas na Costa do Miracauera, Paraná da Trindade Org. – Igreja e Carvalho/2005

120

Falhas e Lineamentos Tectônicos

Ilha Benta

Prai

a do

Pre

tinho

Ilha Espirit

o Santo

Enseada do Madeira

Lago

do

Arap

apa

Furo Miracauera

Lago

Gra

n de

Lag o

Re d

o nd o

Lago

Com

prid

o

Lago Preto

Costa da Conce icao

Furo Ca inama

Lineamento da Trindade

Lineamento Mandií

Linea

men

to S

urub

im

Lineamento Urubu

MAPA NEOTECTÔNICO DA ÁREA

Escala aproximada 1:200.000Fonte: Imagens Landsat 1986 e 2001Org. Alberto Carvalho/2006

Figura 19 – Mapa estrutural dos principais lineamentos da área Org. Alberto Carvalho/2006

Em conformidade com os fundamentos hidrodinâmicos (CHRISTOFOLETTI, 1981;

SUGUIO & BIGARELLA, 1990; CUNHA, 1995) em canal sinuoso a pressão lateral é maior

na margem côncava enquanto que a margem convexa predomina a deposição. Os dados de

campo e de sobreposição de imagens confirmam esse princípio hidrodinâmico, quando

mostram que a erosão acelerada é maior na parte mais côncava do canal e para jusante onde o

impacto hidráulico é maior, coincidindo também com o trecho em que há aumento do índice

de areia na composição do pacote sedimentar, como visto nas Figuras 17 e 18.

O Quadro 11 mostra que no extremo superior da área (NO), onde a formação dos

sedimentos é mais siltosa ou silto-argilosa, portanto maior coesão das partículas e onde a

pressão hidráulica é menor, a velocidade de erosão lateral é muito baixa em relação a

seqüência do trecho no sentido jusante (NE). No trecho Nordeste em dez anos de medição a

erosão foi lenta variando de 7,4 a 10,7m, com a margem se apresentando em degraus. A

121

formação de degraus está associada à intercalação de camadas arenosa, siltosa e argilosa, pois

as mesmas oferecem diferentes resistências à ação dos banzeiros do vento e das embarcações

que passam muito próximo da margem.

À medida que aumenta a pressão hidráulica para a margem côncava do canal, a erosão

é acelerada e a margem toma a forma de microfalésia, ou seja, de barranco vertical.

Além dos fatores acima mencionados os estudos mostram que a erosão lateral é maior

onde a corrente atinge os locais de geomorfologias mais susceptíveis à erosão como lagos,

paleolagos recobertos por aningais, canais e paleocanais. O Quadro 11 ilustra essa relação;

Nº do ponto Valor do recuo (m) Local e Característica

9 277,8 Furo do Miracauera. Canal ativo que até final de 1960

desaguava em um lago

2 246,3 Paleolago com ocorrência de grandes árvores soterradas

1 245,9 Lago em fase terminal de assoreamento. Depósito

extremamente arenoso

3 237,8 Furo do Limão em fase acelerada de assoreamento na

entrada

6 206,6 Paleocanal do Arauatozinho com sedimentação ao nível

do terreno

Quadro 11 - Pontos de referência onde ocorreram os maiores índices de terras caídas na Costa do Miracauera FONTE: Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006

122

A velocidade das terras caídas também varia em função do regime fluvial do rio

Amazonas. Os dados de monitoramento linear da erosão lateral mostram que no ano em que

mais o processo foi acelerado coincide com o ano de grandes cheias. Os dados do Quadro 12

mostram que as medições realizadas em setembro de 1997, outubro de 1999, setembro de

2001, setembro de 2002 e setembro de 2005 foram os anos em que mais caiu terra,

coincidindo com os anos de grandes cheias (Figura 20).

0

5

20

35

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

(m)

Cheia Vazante

30

25

15

10

Figura 20 - Cotas do rio Amazonas registrados no porto de Manaus no período da pesquisa FONTE : Administração do Porto de Manaus Org. Alberto Carvalho/2006

Com relação ao período de maior intensidade das terras caídas, os dados de campo

mostram que as terras começam cair a partir de dezembro e aceleram nos quatro meses

seguintes devido ao aumento da pluviosidade na bacia de drenagem. É o período mais

chuvoso na Amazônia, que ao escoar esse imenso volume de água precipitada, faz aumentar a

vazão e proporcionalmente a pressão hidráulica. Há também um aumento na turbulência do

fluxo e com isso, aumenta a capacidade do rio em remover o material das margens. Os dados

mostram ainda que durante a subida do rio, predomina o processo de desabamento devido ao

123

maior solapamento causado pela pressão hidráulica e pelo banzeiro. Essa constatação está de

acordo com a maioria dos moradores entrevistados na área da pesquisa.

Já na descida do rio, predomina o processo de escorregamento devido ao aumento da

pressão hidrostática causada pela água do transbordamento do rio.

A retenção de água do transbordamento no pacote sedimentar, alimentado pelas águas

retidas na superfície pelos pequenos lagos rasos, furos e brecha de extravasão desempenham

papel importante no processo erosivo. A Figura 21 permite uma melhor interpretação desse

mecanismo. A água retida no lago infiltra e percola entre as camadas até chegar ao barranco,

provocando a desagregação e desmanche do mesmo. O nível piezométrico dos poços

perfurados entre o lago e a margem confirma essa interpretação.

92 m 17 m

N 2

N 1

Camada siltosa

Nível do Rio

20 cm

Camada siltosa

Camada arenosa

Camada arenosa

0

1

2 3 4 5 6 7 8

m

Figura 21 - Perfil transversal da planície de inundação na área, evidenciando nos Poços, a disposição e profundidade do nível de saturação da água no pacote. O perfil da água nos poços denuncia a infiltração da água do lago ao fundo, provocando o aumento da pressão hidrostática. FONTE: Trabalho de campo – em 03/12/1996 Org. Alberto Carvalho/06

124

Com relação à ação antrópica, além do desmatamento como já foi visto, os barcos têm

dado sua contribuição para a erosão das margens. Como o Paraná da Trindade está com seu

talvegue encaixado muito próximo da Costa do Miracauera, isso faz com que as embarcações

regionais e navios se desloquem muito próximo da margem durante todo período do ano,

contribuindo com o solapamento da mesma.

4 - A evolução das terras caídas na Costa do Miracauera

As análises das mudanças laterais ocorridas na Costa do Miracauera foram realizadas

de duas formas: a) pela sobreposição de imagens de satélite e: b ) pela medição direta em

campo.

4.1 – Sobreposição de imagens

Para analisar as mudanças ocorridas no canal através de produtos de sensoriamento

remoto, foram utilizadas imagens do satélite LANDSAT do ano de 1986 e de 2001. As

imagens foram tratadas no programa Corel Draw 10. A sobreposição das imagens (Figura 22 )

mostra que a erosão é mais acelerada à medida em que se aproxima do interior da enseada,

onde a pressão hidráulica é maior e a composição do material é predominantemente arenoso,

confirmando portanto os dados de campo.

125

MAPA DA EVOLUÇÃO DAS TERAS CAÍDAS

Fonte: Imagens Landsat 1986 e 2001Org. Alberto Carvalho/2006

LEGENDAImagem de 1986Imagem de 2001

Figura 22 – Mapa demonstrativo das alterações ocorridas na área através da sobreposição das imagens de satélite LANDSAT do ano de 1986 e 2001. A sobreposição mostra alterações significativas, menor no Paraná da Trindade e extraordinário no rio Amazonas. Observar o crescimento lateral da Ilha da Trindade e o recuo da margem na Costa do Mandií em apenas 15 anos. Org. Alberto Carvalho/06

4.2 – Medição direta das terras caídas

A medição linear do avanço do rio na planície foi feita diretamente em campo através

de medições a partir de pontos de referência. No início da pesquisa, foram distribuídas 28

estacas ao longo de 9 Km da Costa do Miracauera, com distância de 30m da margem do rio e

de 250 a 350m distante uma das outras. Após o primeiro ano de medição, as estacas foram

substituídas por outros pontos de referências como árvores de grande porte ou por residências.

QUADRO DA EVOLUÇÃO DAS TERRAS CAÍDAS NA COSTA DO MIRACAUERA

Pont

os

07.0

9.95

06.1

1.95

15.0

1.96

09.0

3.96

06.0

9.96

12.1

1.96

14.0

1.97

08.0

3.97

08.0

9.97

17.0

2.98

03.1

0.98

12.0

2.99

10.1

0.99

22.0

4.00

07.0

9.00

06.0

9.01

06.0

1.02

06.0

9.02

02.0

2.03

06.0

9.03

10.0

4.04

06.0

9.04

23.0

1.05

04.0

9.05

TOTAL

1 7 1 6,2 10,7 9 0,5 0,5 1 14,5 10,4 4,6 2 23 36 0 50 3 27 6 13,5 6,5 3 0,5 10 245,92 5 1,5 8 7,3 9 2 0 4 23 5 15,2 6,8 28 17,5 0 50 4 23 0 12 10 3 0 12 246,33 5,4 1 7 8,6 5 0 2,5 4,8 22,7 9 9 13 19 24,3 3 16 6,3 10,2 9 9 21 12 2 18 237,84 2 2 6,5 8,5 5 3 0 5,6 24,4 2 12 13 19 11 0 15 2 14 0 3 15 6 3 12,5 184,55 4 0 5 3,6 7,5 2,5 1 5 24 3,4 12,6 1 13 10 10 25 3 5 8 8 8 6 12 17 194,66 4,2 0,8 7,2 4 5,5 0,5 0,5 2,4 27,6 5 ,3 27 15 11 7,6 12 2,4 18,6 1,5 19,5 11,5 6,5 10 24 206,67 5 0,2 9,3 7,3 0,2 2 3,5 4,2 7,9 12,3 6,9 6,8 22 12 5 10 5 20 2,5 21 4 6 1 24 198,18 3,5 1,5 2,8 10 3 0 2 5 7 1,5 5 8,5 18,6 11,6 8 26,2 6 16,4 8 19,5 3 5 1,3 21 194,49 7 23 1 4,6 3,9 0,5 0 0 30 35,1 1,2 14 15 12 10 37,6 8,4 12 21 18 1 5 1 16,5 277,8

10 3 25 0 5 2 0,8 2,8 7 21 18 21 5 24 7 75, 28 2 9 10 12 0 2,5 11 14 235,811 3,4 1,5 5,5 1,4 1,5 0,7 2,2 5 15,3 11 9 5 24,6 8,6 4,4 25 0,6 11 9,5 6,6 6,4 1 2 8 169,212 4 0 14 3 0 0 2,5 1,2 10,8 7 8 3 24,2 0 0 28 0 10 8,5 6,4 12,5 3 0 10 156,113 1,2 0 10 3 2,2 0 7 3,5 7,2 3,5 4,8 6 10,7 8 0 17 0 29 10 4,4 10,1 0,5 8 12 158,114 4 4 9 4,8 1,5 0,2 3,5 4,4 0,3 5,4 12,6 0,5 7,5 14 0 9 2 6 8 8 16 10 0 10,5 141,215 3 0 6 4 2 0,6 7,4 5,7 3 3,3 8,3 0,6 5,5 11,4 0 8 0 12 2 5,3 3 7 0,7 6,4 105,216 0 1 17 1 1 3,3 0 6 2 1 6 0,8 4,3 10 0,7 6 0 17,2 0 4,6 0 5 0,5 2,2 89,617 4,2 1 2 0 2 0 0 2 3 0 7 2 7 11,5 0,5 3 0 21,5 0 3 2 3 0 2 76,718 3,1 0 19 0 2 0 0 1 3 0,5 8 0 1 2,5 0,5 7 0 19 0 2 0 1,6 0 3,2 73,419 8,2 0,4 5,5 0 3,9 0 0 1 4,7 1,2 10,8 0 1,3 4 0 4 0 15 0 0 5 4,5 0 4 73,520 3 0,2 10 0 2 0 0 0 5 0 1 0 2 2,7 4,3 5 0 9 0 ,5 0 2 00 2 48,721 8 0 2 0 0,3 0 0 0 1 0 3 0 0 0 0 12 0 0 0 2 0 7 0 2 37,322 2,2 1,3 5,1 0 3,1 0 0 0,3 2,7 0 1 0 1,3 0,5 0 0,4 0 7 0 1 1 0 0 3 29,923 5 0,7 5,7 0,5 0,4 0 0 0,5 2 0 0 0 2 0 1 0,5 0 3 0 3 0 1 0 3 28,324 3,6 0 3,5 0,5 2 0 0 1,5 0,5 0 3 6 2 3,5 0,5 1 0 2,5 0 2 0 1 0 2 35,125 0,5 0 0,5 0 1,5 0 0 0 0,5 0 0 0 1,7 0,6 0 0 0 0 0 1 0 2 0 1 9,326 1,7 0 1,2 0 2 0 0 0,3 0 0 1 0 1,6 0 0 0 0 0 0 ,5 0 0 00 1,3 9,627 0,6 1 1 0 1 0 0 0 0 0 ,4 00 1,4 0 30, 0 0 1 0 1,3 0 0,7 0 2 10,728 0,8 0 0,5 0 1,4 0 0 0 0,5 0 ,2 00 0,5 0 0 1 0 0,7 0 1 0 0,8 0 0 7,4

Quadro 12 – Dados das medições das terras caídas na Costa do Miracauera. Em destaque as datas com maiores índices de erosão. Org. Alberto Carvalho/2006

Os dados do Quadro 12 mostram que a evolução das terras caídas em dez anos foi

muito irregular espacial e temporalmente.

No trecho superior da Costa o índice foi de 7 a 10 metros nos quatro primeiros pontos,

aumentando para 30 a 70 metros nos oito pontos seguintes, 100 a 160 metros na continuidade

e chegando 277 metros na parte mais côncava do canal que coincidentemente é a boca do furo

do Miracauera. Desse furo no sentido jusante o recuo da margem variou de 190 a 245 metros.

Os dados mostram também que a velocidade das terras caídas coincide com o regime

do rio Amazonas. Assim, nas grandes cheias o processo é acelerado, enquanto que nos anos

de cheias pequenas o processo é menor.

Outro aspecto a considerar é que no trecho superior da Costa, onde o material é mais

argiloso e coeso, a margem se apresenta na forma de degraus. A formação desses degraus se

deve a resistência diferenciada dos estratos ao solapamento. Nesse caso o degrau superior só é

erodido pelo solapamento do rio quando o mesmo está iniciando o transbordamento. Por isso

é que os pontos situados no extremo superior da área só aparecem alterados após o início da

vazante.

5 – Principais conseqüências sociais causadas pelas terras caídas aos moradores

ribeirinhos

As terras caídas na margem do rio Amazonas provocam sérios transtornos aos

moradores ribeirinhos e risco às embarcações que trafegam próximo das margens.Os impactos

sociais causados por esse fenômeno não se restringem aos moradores ribeirinhos da zona

rural. Muitos são os povoados, vilas e cidades que sofrem continuamente ataque das terras

caídas. Cidades como São Paulo de Olivença, Careiro, Urucurituba Velho, Parintins são

alguns exemplos das que estão constantemente com suas ruas da frente ameaçadas e em

128

alguns casos tomadas pelas terras caídas. Porém, em nenhum caso recentemente conhecido,

envolvendo cidade, o fenômeno foi tão catastrófico como o que aconteceu em Juruti, no

Estado do Pará no ano de 1980 e 1981.

A cidade de Juruti, construída na terra firme (Formação Alter do Chão) teve sua frente

acrescida por sedimentos do rio Amazonas. Com a elevação do nível do depósito, os

moradores passaram a ocupar construindo casas comerciais, casas de serviços, oficinas ruas

etc. De tal forma, como disse uma moradora, “a cidade deceu pra varge”. Possivelmente por

mudança na dinâmica do rio, associado ao aumento do peso no depósito, o equilíbrio foi

rompido e tudo desceu, sendo levado pelas águas. “Era uma coisa admirada, a área comercial

se acabô, ficô só já a parte da terra firme” (depoimento de um morador da cidade de Juruti).

Uma outra moradora apontava para o rio mostrando que “ Esse meio do Amazonas tinha

casas boa, era cidade, era melhor parte de Juruti, era a frente. Deve ter caído uns duzentos

metro [...] Começô umas oito e meia da noite, quando deu meia noite tava terminado. Aquilo

não caia assim desabando, assim como cai na berada, né? Ela não decia, afundava” (

depoimento de uma moradora de Juruti).

A seguir são apresentados os principais problemas vividos cotidianamente pelos

moradores da Costa do Miracauera que por certo são os problemas enfrentados por moradores

de outros lugares ribeirinhos.

a ) Perda de propriedade – com a chegada e dominação do modo de produção

capitalista no vale amazônico, a terra, inclusive de várzea que até então era devoluta, passou a

ser apropriada, registrada, delimitada. Passou a ter dono e valor de mercadoria. Com isso, o

morador ribeirinho teve seu espaço delimitado para desenvolver suas atividades econômicas e

de subsistência. Assim a diminuição da propriedade causada pelas terras caídas é o principal

129

problema vivido pelo ribeirinho, pois dela depende para sua sobrevivência. Quando a água

leva a sua terra, com ela está indo também a plantação, restando o desalento e até migração.

Conforme já visto anteriormente, os moradores do trecho mais côncavo da Costa do

Miracauera estão com suas propriedades reduzidas quase que pela metade. Muitas das

mesmas estão cadastradas como tendo 400, 500, 600 ou 1000m de fundo. No entanto o

monitoramento de dez anos feito na Costa mostra que nesse trecho a margem recuou quase

300 metros.

Embora o mapa fundiário não mostre, mas no furo do Arauató, têm moradores com

propriedades registradas com frente para aquele furo e fundo para o rio Amazonas. Como o

Arauató chega a ter menos de 500 metros de distância para o rio Amazonas, não há dúvidas

de que naquele local já há sobreposição fundiária. Alguém não tem mais as terras que

constam no cadastro oficial, ou seja, os lotes são menores que o levantamento inicial.

b ) Mudança de residência – o morador ribeirinho que constrói sua casa próxima da

margem está freqüentemente ameaçado pelas terras caídas e tendo que mudar de lugar. No

decorrer de vinte e cinco idas em campo para medição dos pontos de referências, registrou-se

o desmonte de várias casas. Uma dessas casas monitoradas que estava com 35m distante da

margem em 06/02/95, já estava sendo desmontada em 09/09/97, conforme Figura 23. No mês

seguinte, foi reconstruída a 58 m da margem do rio. Três anos após, registramos novamente o

desmanche da casa que dessa vez foi reconstruída a mais de 200 metros da margem.

Sobre esse problema disse um morador da Comunidade Nª Sª Aparecida ( 57 anos ) ;

A primera coisa que a dificuldade que a gente infrenta é na questão da residência. A gente não pode construí uma casa melhó porque a terra caída, ameaça [...] Eu tô com poco meses aqui e já tive que mudá a casa. Tinha uns 50 metro quando anoiteceu, que amanheceu não tinha mais que dez, aí eu tive que mudá a uma distância de aproximadamente 150 a 200 metro. [...] a gente fica assim meio espantado porque é uma vida assim meio dificultosa.

130

Construir a casa muito distante da margem, além de não ser hábito regional, se torna

também um problema social dadas as dificuldades para os moradores com o abastecimento de

água, lavagem de roupa, louça etc. Ademais, o morador ribeirinho construindo sua casa muito

distante da margem perde o olhar simbólico que é o olhar o rio e os motores que passam.

Figura 23 – Casa de um morador sendo desmanchada devido às terras caídas. FONTE : Trabalho de campo - Em 09/09/97 Autor: Alberto Carvalho/06

c ) Risco de morte – o risco de desabamento ou desmoronamento é uma realidade

constante para os moradores ribeirinhos, principalmente para as mulheres que passam maior

tempo na “beira” lavando roupa, louça ou outros afazeres.

131

A dificuldade que eu acho da terra caída é da gente encher água, subir a rebanceira e quando a gente chega muito cansada e quando a gente vai lavá ropa, porque a gente não vai lavá ropa com a frente pra bera da terra, né?. Vai lavá ropa com a costa pro lado da terra e é arriscado a terra caí em cima da gente e a gente não ta enchergando. (Moradora da Comunidade Nª. Sª Aparecida – 48 anos ).

Figura 24 – Material desabado sobre a ponte do morador, por pouco não vitimou a pessoa à direita da foto. FONTE: Trabalho de campo – Em 14/12/96 Autor. Alberto Carvalho/2006

Nos trabalhos de campo, testemunharam-se vários momentos de terras caídas. Em um

deles ocorreu um desabamento que por fração de minutos não soterrou o ajudante de campo

(Figura 24).

132

d ) Dificuldade de embarque e desembarque – é um dos problemas sérios para os

moradores dos locais de terras caídas, onde a margem se encontra em forma de falésia é o

embarque/desembarque das pessoas ou de produtos. Escoar a produção ou “pegar o barco de

linha” é sempre um drama vivido pelos moradores.

e ) Construção de escadas – devido ao fenômeno das terras caídas, o ribeirinho que

mora na margem de barranco está semanalmente reconstruindo a escada de barro que dá

acesso ao porto.

O maior perigo da terra caída que eu acho é por causa das criança que todo dia eu cavo aí, por causa dos meus filho que vão encher água e dirrepente cai barranco [...] e aí eu cavo todo dia, parte de cima e parte de baxo da decida da escada, né? Acho que é muito perigoso, né? ( Morador da Comunidade de Aparecida – 59 anos)

f ) Perda de canoas – a preocupação com as canoas é uma constante para os

moradores ribeirinhos. Onde a terra caída forma barranco vertical com 6 a 7metros de altura

impossibilita o morador de proteger sua canoa, ficando sujeita a ser levada pelas terras caídas.

g) Risco a navegação – com a erosão avançando lateralmente tronco de árvores são

expostos na margem. Navegar em trechos desconhecidos é sempre um risco. A figura 25

permite visualizar melhor esse permanente risco para barcos regionais.

133

Figura 25 – Troncos de piranheira sendo expostos na margem pela erosão. Durante a cheia esses troncos ficam submersos e se tornam uma ameaça para as embarcações. FONTE : Trabalho de campo Org. Alberto Carvalho/2006

Nas últimas décadas, acidentes de barco causados por tronco como o exposto têm

diminuído muito. Naufrágios de embarcações causados por esbarroamento com troncos foram

muito comuns até aproximadamente 1970, principalmente por “barcas do Pará” que se

deslocando por longas distâncias sem maiores conhecimentos das margens acabavam se

chocando com troncos como o exposto na Figura 25.

Resumidamente podemos dizer que, além das mudanças da paisagem ribeirinha, das

perdas materiais acima expostas, as terras caídas também provocam perdas simbólicas como

cemitério, a casa que nunca mais será a mesma, a árvore frutífera de estimação para citar

algumas dessas perdas.

134

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após interpretação da literatura geral e regional, análise em laboratório do material

coletado, o uso de produtos de sensoriamento remoto e cartográfico, e os dados levantados em

de campo, permitiram ao final da pesquisa chegar a algumas considerações, sobre as terras

caídas.

Uma das constatações é de que apesar de se tratar de um fenômeno de grande escala e

de intensidade nas margens do rio Amazonas, chegando a causar espanto aos navegadores, há

uma lacuna de literatura acadêmica regional sobre as terras caídas. Essa carência de literatura

tem contribuído para o desconhecimento do fenômeno no meio acadêmico, pelas instituições

de pesquisa, autoridades governamentais e pela sociedade em geral. Pode-se atribuir a esse

desconhecimento do comportamento da dinâmica fluvial na margem do rio Amazonas, fato

como o de uma empresa contratada pelo INCRA em 1997, para demarcar as propriedades na

área da pesquisa, ter colocado o marco divisório com trinta metros da margem. Atualmente,

em menos de dez anos, poucas são as propriedades que ainda têm os marcos com divisórias na

área.

A complexidade do processo das terras caídas envolvendo fatores hidrodinâmicos,

hidrostáticos, tectônicos, litológicos, climáticos e mais recentemente a ação antrópica está por

exigir uma revisão nos fundamentos de erosão fluvial. Os conceitos de erosão fluvial do tipo

corrosão, corrasão e cavitação contidos na literatura básica são limitados, não permitindo uma

compreensão e explicação da erosão acelerada nas margens do rio Amazonas.

Com relação à temporalidade, os dados de campo permitem observar que, na área

pesquisada, a erosão é maior quando o rio está enchendo, devido ao aumento da pressão

hidráulica, associado ao aumento das chuvas. Observou-se que, nesse período de subida do

135

rio, o processo de desabamento e desmoronamento é predominante, enquanto que na vazante

predomina o processo de escorregamento.

Com relação às conseqüências sociais causadas pelas terras caídas, os moradores

apontaram a diminuição das propriedades, perda de plantações, necessidade de mudança da

casa, dificuldade de acesso ao porto, risco de soterramento e de perdas de canoas como sendo

as principais dificuldades vividas pelos mesmos.

No que diz respeito à diminuição de terrenos constatou-se que no trecho mais crítico

da Costa, onde a mesma é margeada pelo Furo do Arauató, o recuo da margem já causa

sobreposição fundiária, podendo a vir provocar problemas de vizinhança em futuro próximo.

As dificuldades vividas cotidianamente pelas populações ribeirinhas em função das

terras caídas é mais um dos problemas desconhecidos do grande público e das autoridades.

Acredita-se, ao final dessa pesquisa, ter contribuído para o avanço do conhecimento

sobre os agentes e mecanismos das terras caídas e de como esse fenômeno afeta a vida dos

moradores ribeirinhos do Paraná da Trindade. No entanto, temos clareza de que se trata de um

trabalho que requer continuidade por se tratar de um processo dinâmico e complexo, que não

se esgota com apenas uma pesquisa.

136

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