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1 Universidade do Estado Da Bahia Campus IV Jacobina PAULO DAVI DE JESUS SANTOS COTIDIANO E SEGREGAÇÃO URBANA: JACOBINA IV NOS JORNAIS PRIMEIRA PÁGINA (1996 a 1998) E O ENCARTE (1998) Jacobina 2013

Universidade do Estado Da Bahia Campus IV Jacobina PAULO ... Paulo.… · “marginais” no território jacobinense, uma localidade em especial chama a atenção. O Conjunto Habitacional

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Universidade do Estado Da Bahia

Campus IV – Jacobina

PAULO DAVI DE JESUS SANTOS

COTIDIANO E SEGREGAÇÃO URBANA: JACOBINA IV NOS JORNAIS PRIMEIRA PÁGINA (1996 a 1998) E O ENCARTE

(1998)

Jacobina

2013

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PAULO DAVI DE JESUS SANTOS

COTIDIANO E SEGREGAÇÃO URBANA: JACOBINA IV NOS JORNAIS PRIMEIRA PÁGINA (1996 a 1998) E O ENCARTE

(1998)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Estadual da Bahia – DCH IV - no curso de

Licenciatura Plena em História.

Orientador: Prof. Dr. Washington Luís Lima Drummond

Jacobina

2013

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PAULO DAVI DE JESUS SANTOS

COTIDIANO E SEGREGAÇÃO URBANA: JACOBINA IV NOS JORNAIS PRIMEIRA PÁGINA (1996 a 1998) E O ENCARTE

(1998)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Estadual da Bahia – DCH IV - no curso de

Licenciatura Plena em História.

Orientador: Prof. Dr. Washington Luís Lima Drummond

Aprovado em _____ de ____________________ de 2013.

_________________________________________________

Orientador: Prof. Dr. Washington Luis Lima Drummond

Universidade do Estado da Bahia - UNEB

__________________________________________________

Prof. Dr. Josivaldo Pires de Oliveira

Universidade do Estado da Bahia – UNEB

__________________________________________________

Prof. Ms. João Soares Pena

Universidade Federal da Bahia - UFBA

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus pela minha existência, aos meus pais pelo

incentivo e apoio oferecidos a mim nessa, e em tantas outras, importante etapa da

minha jornada acadêmica e existencial.

Sou grato ainda ao projeto de Iniciação Científica concedido por meio de bolsa

cedida pela FAPESB para o desenvolvimento desta pesquisa, bem como, a ativa

participação do orientador, tanto durante a Iniciação Científica, quanto nas intensas

discussões no Grupo de Estudos Pós-teoria: Grupo de Estudos em Teoria o que

resultou na elaborações deste trabalho.

Além desses, não poderia deixar de agradecer aos familiares, amigos e colegas que,

direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.

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A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. [...] Pois irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela. (BENJAMIN, 1987, p. 224).

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RESUMO

No contexto da década de 1990, dentre os vários bairros percebidos enquanto “marginais” no território jacobinense, uma localidade em especial chama a atenção. O Conjunto Habitacional Jacobina IV destacou-se como expoente de “abandono e/ou desprezo politico”, contradições sociais, e, principalmente, local de práticas violentas atribuídas aos seus moradores. Tendo como fonte de pesquisa os periódicos Primeira Página e O Encarte, publicados entre os anos de 1996 e 1998, buscou-se captar a repercussão de práticas criminais evidenciadas nesses jornais da região como um dos suportes do processo de segregação espacial da cidade. Embora essa investigação atente preponderantemente às questões de ordem policial, não abandona as questões de cunho infraestrutural, como às más condições de moradia, falta de saneamento básico e calçamento público. Todas essas questões são de extrema importância para a pesquisa e recebem espaço nos periódicos estudados, podendo ser inclusive analisadas como motivadoras da marginalidade e da violência.

Palavras-chave: Segregação, Violência, Cidade.

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ABSTRACT

In the 90‟s context, among many districts perceived as “marginalized”, in the territory of the town of Jacobina, a location is particularly noticeable: the Jacobina IV neighborhood (Conjunto Habitacional Jacobina IV), which is known as an example of “political abandonment and/or political contempt”, social contradictions and, above all, comprised by places in which violent acts occurs, being these acts attributed to its dwellers. Starting with the use of the journals A Primeira Página and O Encarte as source of data of the years in the interval of 1996 to 1998, this research tried to perceive the repercussion of criminal practices, strongly evident in these regional newspapers, as one of the fundaments of the spatial segregation process in the town. Even though the focus on this research is in the police related inquiries, it is not abandoned the inquiries specifically related to the infrastructure, such as the bad conditions of living, lack of sanitation and of pavement. All these inquiries are of extreme importance to this research, are found in the studied journals and can be analyzed as motivations of the marginality and of the violence.

Keywords: Segregation. Violence. Town. City.

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SUMÁRIO

Introdução..................................................................................................................9

Capítulo I:

De notícia à mercadoria: um aporte teórico dos debates sobre a pobreza e

violência na Jacobina IV..........................................................................................13

Capítulo II:

Um caráter denunciativo? A pobreza atrelada à falta de infraestrutura básica

para a vivência humana...........................................................................................32

Capítulo III:

Relatos sobre violência: Jacobina IV nas páginas policiais dos jornais

jacobinenses.............................................................................................................53

Considerações Finais..............................................................................................72

Fontes........................................................................................................................75

Referências Bibliográficas......................................................................................76

Anexos......................................................................................................................79

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho analisa o discurso referente às problemáticas urbanas

jacobinense na segunda metade da década 1990, no bairro popular denominado

Conjunto Habitacional Jacobina IV, situado na parte sudoeste da cidade. No período

citado, o bairro foi esquecido por ações públicas efetivas, ganhou a conotação de

“bairro ruim” e tornou-se alvo de inúmeras matérias jornalísticas que reforçaram o

estereótipo de que a pobreza é diretamente ligada à ideia de violência. Assim, a

pesquisa se propõe a fazer a historiografia da segregação espacial no bairro

Jacobina IV através das análises discursivas de matérias jornalísticas.

Tentar entender todas as camadas de indivíduos que compõe a sociedade no seu

aspecto urbano constitui um novo campo da pesquisa historiográfica, ganhando

discussões teóricas e metodológicas que visam otimizar a análise histórica. Esse

objeto de pesquisa possibilita a visibilidade de questões como a infraestrutura

urbana, a pobreza, a segregação urbana, a violência, dentre outras, antes ocultadas

por uma história fundamentada no heroísmo.

A pesquisa iniciou-se com o levantamento e seleção das fontes específicas, os

periódicos Primeira Página e O Encarte, adquiridas nas visitas ao Arquivo Público

Municipal de Jacobina. Em seguida elaborou-se um formulário básico para a

catalogação das fontes escritas, selecionando extratos das matérias sobre os temas

urbanos que apresentavam a cidade sob uma perspectiva segregacionista.

Posteriormente, a partir das leituras e discussões de textos da bibliografia referente

à temática da pesquisa, objetivou-se a articulação entre a leitura das fontes e a

discussão teórica. Com as fontes catalogadas prosseguimos com a pesquisa a fim

de empreender uma análise crítica da produção jornalística do período recriando o

cotidiano urbano a partir a ideia de segregação espacial.

Além dos periódicos, utilizamos nesta pesquisa outras fontes documentais como o

Boletim Informativo da Prefeitura de Jacobina sobre a construção das 667 casas

populares no Conjunto Habitacional Jacobina IV, e um abaixo-assinado elaborado

por moradores do respectivo bairro reivindicando melhores condições de moradia,

isto de alguma forma, possibilita o enriquecimento do trabalho no sentido de

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proporcionar uma análise mais ampla a partir da comparação dessas fontes

históricas.

Cabe informar que este texto deriva-se dos trabalhos desenvolvidos e discutidos

dentro do grupo de estudos Pós-teoria: Grupo de Estudos em Teoria, coordenado

pelo Professor Dr. Washington Luís Lima Drummond realizado no Departamento de

Ciências Humanas, Campus IV, em Jacobina, pela Universidade do Estado da

Bahia. Participo desse grupo desde o semestre 2011.1. Nos encontros do grupo

foram apresentados os resultados alcançados parcialmente para que fossem feitos

comentários e debates sobre as dificuldades ao longo do trabalho.

Há de se retratar também a extrema importância da concessão da bolsa de IC

(iniciação Científica) a partir do projeto de iniciação científica à pesquisa da FAPESB

(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia). Este órgão foi responsável

pelo desenvolvimento deste projeto onde, mais uma vez, a orientação do Professor

Dr. Washington Luís Lima Drummond se constituiu enquanto ferramenta básica para

o amadurecimento deste trabalho.

O recorte temporal definido entre os anos de 1996 a 1998 é realizado tendo por

base o período de aguçamento das matérias de cunho policial que fazem referência

a Jacobina IV nos periódicos jacobinenses, esta percepção se adquiriu a partir das

visitas ao Arquivo Público Municipal de Jacobina e leitura e análise de parte do

acervo, onde se percebeu um grande apelo inicial as questões infraestruturais o que

a posteriori culmina na elevação dos relatos sobre a violência.

Dentre os distintos fatores abordados nesta pesquisa, alguns ganham mais

evidência justamente pela sua importância para uma análise mais neutra do objeto

desta pesquisa, a segregação urbana que, direta ou indiretamente, permeia as

páginas de jornais jacobinenses tal como, O Encarte, estes como “coadjuvante”, e

especialmente, de forma mais incisiva o Primeira Página, fonte central para o

caminhamento desta pesquisa.

Dentre os pontos explorados neste trabalho de pesquisa destacam-se, no primeiro

capítulo, a partir de uma discussão teórica, a preocupação destes jornais em

retratarem a realidade urbana fora do padrão de “civilidade” seguido e

convencionado pela humanidade. Dentro desta problemática, a pergunta proposta é

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sobre a possível intenção da mídia jornalística local ao explorar notícias de um bairro

esquecido, já que essas notícias provavelmente contribuíram de modo significativo

para que o bairro passasse a ser encarado como “ruim” e “perigoso” por conta das

péssimas condições de moradia somadas à elevação da falta de segurança.

No segundo capítulo, são evidenciadas as condições de infraestrutura desfavoráveis

que os moradores do Conjunto Habitacional Jacobina IV enfrentavam diante de uma

política pública pouco eficaz para a demanda que se tinha no período. Desse modo,

era perceptível o eminente estado de destruição local, a precariedade inerente a

essas moradias de somente um cômodo e um pequeno banheiro, a falta de

saneamento básico, de calçamento e de segurança pública. Estas condições

deploráveis elevavam os registros de violência urbana.

Aliados aos agravantes que já foram expostos acima, somam-se ainda outros vários

problemas enfrentados pelos moradores da localidade, tais como, a inadimplência, a

falta de atendimento médico que dê conta da demanda populacional local, ações

preventivas a marginalidade, dentre outros. Tudo isso num bairro planejado e

projetado para atender a parcela menos favorecida economicamente, o que

demonstra uma grande falta de comprometimento das esferas públicas com a

sociedade.

A falta de preparo político dos governantes locais, certamente, tornou ainda mais

avassaladora à situação de desprestígio do Jacobina IV, desta forma, mostra-se que

em dados momentos a população acabou por ser conduzida a se unir em torno do

ideal de um bairro melhor, mostrando a sua inconformidade, protestando e

denunciando as irregularidades inerentes ao Conjunto Habitacional.

No terceiro capítulo, de forma mais aguda, são retratados alguns dos vários

discursos jornalísticos que tentam dar conta do problema violência urbana na região

que envolve o Conjunto Habitacional Jacobina IV, de forma que a violência urbana

passa a ser encarada como uma referência direta da localidade em questão.

No decorrer da pesquisa se perceberá que a violência era um problema que desde a

fundação do bairro podia ser percebida, porém, especialmente a partir de 1998,

adquire um nível bem mais acentuado sendo inúmeras as vezes que este bairro é

citado nas páginas dos jornais principalmente no periódico Primeira Página. Esta

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constatação possivelmente deve ter relação consequencial com o desprezo e

esquecimento das autoridades políticas referente ao Jacobina IV.

Desta forma, essa pesquisa se propõe a revelar parte do dilema de um bairro

segregado, bem como, as aspirações por transformação que norteia o pensamento

de mudança local a partir do investimento por parte de políticas públicas. E, mesmo

que as mobilizações que foram registradas não tenham surtido um efeito direto,

revelam, acima de tudo, a inconformidade populacional ante as condições

desfavoráveis para a vivência.

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CAPÍTULO I:

DE NOTÍCIA À MERCADORIA: UM APORTE TEÓRICO DOS DEBATES

SOBRE A POBREZA E VIOLÊNCIA NO JACOBINA IV

A cidade de Jacobina está situada numa região denominada por vias geográficas de

Piemonte da Chapada Diamantina, no Estado da Bahia, a 350km a noroeste da

capital baiana, Salvador, tendo a extensão territorial de 2.328,9 km², prescrevidas

pelas coordenadas 11º, 10‟ 50” S e 40” 31‟ 06” W 1 . Sua ocupação humana é datada

desde o século XVII incentivada pela busca de ouro, o que futuramente a elevou a

condição de cidade em 28/07 de 1980. 2

Em dados do IBGE (Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatísticas), a população

Jacobinense atual é de 79.247, conforme coleta do censo demográfico feito pelo

órgão em 2010. Contrapondo os dados, no ano de 1991, quando a exemplo, o

conjunto habitacional Jacobina IV foi fundado, o contingente populacional registrado

era de 76.518. Já no ano de 1996, ainda período inicial da pesquisa, esse número

sobe para 85.185, o que nos mostra um aglomerado urbano maior num mesmo

espaço, o que provavelmente tem relação com a extração de ouro na região.3

O Conjunto Habitacional Jacobina IV surge no ano de 1991 sendo uma iniciativa

desenvolvida por meio projeto governamental de habitação financiado pela Caixa

Econômica Federal em parceria da Prefeitura Municipal de Jacobina. Este projeto,

teoricamente, deveria dispor de maior organização e comprometimento político por

ser um bairro projetado para atender as demandas populacionais principalmente de

indivíduos mais carentes do ponto de vista financeiro.

O Conjunto residencial citado está situado na parte sudoeste da cidade de Jacobina,

sendo territorialmente “vizinho” de outro Conjunto Habitacional importante,

justamente por conta da sua proximidade, Jacobina III, sendo separados apenas por

uma avenida que dá acesso às minas de ouro (exploradas também nos dias atuais),

1 Fonte: http://www.geografos.com.br/cidades-bahia/jacobina.php.

2 Fonte: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/bahia/jacobina.pdf.

3Fonte: extraída do gráfico “Evolução Populacional” presente no endereço eletrônico:

http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=291750&search=Bahia|Jacobina.

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afastados assim do centro comercial e político, e fazem parte de um grupo de

bairros populares desta região específica. Todas essas informações podem ser

constatadas com o auxílio analítico do mapa abaixo:

IMAGEM 01:

Imagem da cidade de Jacobina visualizada por satélite, com os perímetros urbanos detalhados e um

recorte para o Conjuntos Habitacional Jacobina IV. 4

No mapa, correspondente a cidade de Jacobina, podemos observar que a parte que

reporta a cor vermelha indica território do Conjunto Habitacional Jacobina IV,

paradoxalmente, a região pigmentada de amarelo são domínios do Conjunto

Habitacional Jacobina III. Esses dois bairros delimitados, especialmente o Jacobina

IV, em meados da década de 1990, adquire uma importância peculiar na mídia local,

com mais precisão, nos periódicos regionais, principalmente pelos constantes

registros de ocorrências policiais, endossadas por práticas violentas expunham a

riscos a própria população.

4 Fonte: Imagem retirada da Web, no endereço que segue, e posteriormente editado. http://wikimapia.org/#lang=pt&lat=-11.194947&lon=-40.529444&z=16&m=b.

Jacobina IV Conjunt

Centro

Jacobina III Conjunt

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Diante do que rapidamente já foi apresentado fica a pergunta, o que levaria Jacobina

IV a estar, por inúmeras vezes, no centro das matérias de cunho policial e

infraestrutural dos jornais jacobinenses na década de 1990? Talvez essa seja a

pergunta mais sugestiva a ser feita para tentarmos apresentar possibilidades para as

várias problemáticas que surgem no estudo do tema.

Deste modo, segundo a concepção foucaultiana deve ser feita a pergunta: como os

contemporâneos ao período estudado percebem as questões que reportam ao tema

violência urbana, criminalidade, tráfico de drogas, dentre outras práticas repudiadas

socialmente? E ao mesmo tempo, como essas questões implicam numa descrição

jornalística discriminatória que incide numa segregação espacial. Encontrar

possíveis respostas para a lacuna aberta por esta indagação pode apresentar

indícios de uma análise cotidiana da história, que segue pelo viés de uma história

preocupada pelas vivências humanas, inclusive em situações conflituosas.

Na leitura de Foucault, quando é traçada a relação entre o poder-corpo é notório o

controle exercido pelos diversos níveis de poder na constituição de um corpo

formado segundo os moldes desejados pelo sistema, que se apropria desses

modelos a fim de favorecer a um grupo social específico. Desta maneira, o meio

social onde os indivíduos estão inseridos determina a “verdade” a ser seguida

baseada nas relações de forças existentes que quando exercidas constroem os

corpos culturalmente, durante toda a sua história, permeada principalmente pelas

relações de poder. Segundo Foucault:

A disciplina é uma técnica de poder que implica uma vigilância perpétua e constante dos indivíduos. Não basta olhá-los às vezes ou ver se o que fizeram é conforme a regra. É preciso vigiá-los durante todo o tempo da atividade de submetê-los a uma perpétua pirâmide de olhares. É assim que no exército aparecem sistemas de graus que vão, sem interrupção, do general chefe até o ínfimo soldado, como também os sistemas de inspeção, revistas, paradas, desfiles, etc., que permitem que cada indivíduo seja observado permanentemente (FOUCAULT, 2010, p. 106).

A lógica gira na formatação de um corpo dócil, submisso às normas do sistema para

sustentação das regras de conduta. A sociedade é disciplinada a determinada

postura, se houver alguma anormalidade, saindo neste caso do padrão, como a

exemplo o fator violência. Assim, a responsabilidade é individual e não social,

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devendo as instâncias do poder institucional reprimir esse corpo para transformá-lo

novamente em um corpo dócil. Como escreve Certeau:

O corpo se repara. Educa-se. Até mesmo se fabrica. A panóplia dos instrumentos ortopédicos e dos instrumentos para intervenção prolifera, portanto à medida que, daqui em diante, o homem se torna capaz de decompor e reparar, cortar, substituir, tirar, acrescentar, corrigir ou endireitar. [...][Há uma] multiplicação das intervenções possíveis, mas sempre definida pela escritura de um texto sobre os corpos pela encarnação de um saber... (DE CERTEAU, 2012, p. 213)

Aqui cabe ressaltar que no recorte segregacionista do espaço urbano não se daria

apenas com intervenções policiais e administrativas. O discurso jornalístico atuaria

de forma incisiva. No fundo é um conjunto de práticas discursivas , administrativas e

policiais. Podemos pensar essas intervenções não apenas sobre o corpo dos

indivíduos, mas também, sobre o corpo da cidade. Como nos lembra De Certeau:

“Um novo modo de usar a linguagem. Um funcionamento diferente. Deve-se, pois

relacionar a sua instauração com o trabalho, quase imemorial, que se esforça por

colocar o corpo (social e/ou individual) sob a lei de uma escritura...” (CERTEAU,

2012, p. 209-210)

O estigma da violência recai sobre espaços e corpos que se quer dóceis. Para

Foucault:

É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que poder ser transformado e aperfeiçoado. [...] Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. (FOUCAULT, 2011, p. 132).

Mesmo nos atendo preponderantemente às questões de ordem policial, é admissível

que não se deve abandonar às questões especificamente de cunho infraestrutural,

como às más condições de moradia, falta de saneamento básico e calçamento

público. Todas essas questões detém extrema importância para a pesquisa e

recebem certo espaço nessa mídia local, podendo ser inclusive discutidas com um

dos vários provocadores da marginalidade e da violência.

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Além daquilo que parte de uma ordem infraestrutural, as desigualdades econômica e

social, podem ser elucidadas enquanto outros motivadores correlacionando às

práticas violentas em sociedade. Estes fatores provocam uma forma de segregação

urbana, separando vários grupos em segmentos segundo o seu prestígio social, e

condições econômicas, isto, mesmo não sendo muito difundido, também se

caracteriza como uma das múltiplas maneiras da percepção acerca da violência

humana. Para reforçar essa discussão, segue uma reflexão sobre essa

problemática:

Consideremos o surgimento das desigualdades econômicas na história: a vida em sociedade sempre foi violenta porque, para sobreviver em ambientes hostis, o ser humano precisou produzir violência em escala inédita no reino animal. Por outro lado, nas sociedades complexas, a violência deixou de ser uma ferramenta de sobrevivência e passou a ser um instrumento da organização da vida comunitária. Ou seja, foi usada para criar uma desigualdade social sem a qual, acreditam alguns teóricos, a sociedade não se desenvolveria nem se complexificaria. Essa desigualdade social é o fenômeno em que alguns indivíduos ou grupos desfrutam de bens ou valores exclusivos e negados à maioria da população de sua sociedade. Tal desigualdade aparece em condições históricas específicas, constituindo-se como um tipo de violência fundamental para a constituição de civilizações. (SILVA, 2009, p. 412).

Trabalhar com práticas violentas requer certo cuidado, e consequentemente atenção

do pesquisador. Ao discorrer o tema violência, a própria noção de criminalidade,

tráfico de drogas e tudo envolvente a um conjunto de práticas relacionadas a desvio

de condutas são apresentados como um tipo de missão policial contundente em prol

do extermínio da marginalidade considerada nociva às demais camadas sociais, isso

porque, as práticas citadas evadem daquilo a priori estabelecido como fator de

controle social e político.

De qualquer forma, visto que a sociedade tem como base a cooperação entre os indivíduos, a violência, o conflito, que é o contrário da cooperação, torna-se o limite da vida em sociedade. Limite após o qual a comunidade deixa de existir. Na sociedade a violência tanto pode ser resultado do descontrole individual, em que o indivíduo foge às regras sociais, como pode ser um instrumento de poder para submeter os mais fracos. (SILVA, 2009, p.413).

Não cabe aqui fazer uma reconstituição dos fatos tal como aconteceu, tarefa

impossível diante do ofício de um historiador. Antes de tudo, tenta-se problematizar

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as fontes a fim de que as mesmas possam nos dar indícios do que possivelmente se

caracteriza enquanto um acontecimento histórico.

A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. “a verdade nunca no escapará”. – essa frase de Gottfried Keller caracteriza o ponto exato em que o historicismo se separa do materialismo histórico. Pois irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela. (BENJAMIN, 1987, p. 224).

Segundo a percepção de Walter Benjamin na sua 5ª tese, o passado só pode ser

historicamente encarado como algo essencialmente irrecuperável que só pode ser

visto como “uma imagem que relampeja”. A partir desta compreensão, tem-se

fleches de uma realidade histórica pertencente a um presente-passado.

Este entendimento parte de uma distinção fundamental entre o historicismo e o

materialismo histórico. Na visão historicista o passado aparece representando uma

verdade absoluta que pode ser registrada através de um documento histórico da

maneira como ele supostamente aconteceu, neste ponto há uma ruptura entre o

historicismo e o materialismo histórico. Paradoxalmente, o materialismo histórico,

apoiado nas concepções marxistas discorda do historicismo na questão da verdade

absoluta, isto porque a nossa visão do passado por vezes baseia-se numa espécie

de anacronismo onde as concepções atuais são transportadas e permeadas na

ressignificação do passado. É isso que nos alerta as belas páginas benjaminianas

sobre o conceito da história5.

É importante relatar que mesmo com todo apelo na sociedade contemporânea a

essas questões de ordem comportamental e, sobretudo, as que se referem aos

processos de modernização e segregação espacial, esta temática já foi objeto de

estudo de vários autores, inclusive obras literárias foram inspiradas por essa

instigante problemática social.

O poeta francês, Charles Baudelaire (1821 – 1867), retratando através dos seus

poemas a cidade de Paris no século XIX, mostra a transformação do cenário urbano

5 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura.

Editora Brasiliense. São Paulo. 3ª edição. 1987.

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registrando tanto o êxtase derivado do novo, quanto o medo e pavor proveniente

desses violentos processos.

Baudelaire vai assim ter Paris como uma espécie de objeto de estudo nas suas

composições artísticas. Há de se evidenciar a (re) construção de um lugar que já

está construído e as destruições que são necessárias como se houvesse uma

remodelagem do ambiente urbano a fim de atender às demandas de uma nova

época. Essas mudanças associadas com a modernidade assustam o espectador e

estão diretamente ligadas a algo pautado primordialmente nas relações

proporcionadas pela conjuntura iminentemente capitalista, que segrega os grupos

sociais e consequentemente aguça a violência no seio da sociedade.

Estas preocupações que envolvem as obras de Baudelaire podem ser percebidas de

uma maneira efetiva em vários dos seus poemas, especialmente no poema em

prosa denominado de Os Olhos dos Pobres6. Dessa maneira, analisaremos o poema

baudeleriano de forma a tornar mais próximas às problemáticas que norteiam essa

discussão:

[...] Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda. Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e amolece o coração. Não somente essa família de olhos me enternecia, mas ainda me sentia um tanto envergonhado de nossas garrafas e copos, maiores que nossa sede. Voltei os olhos para os seus, querido amor, para ler neles meu pensamento; mergulhava em seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"

(BAUDELAIRE, Charles. Os olhos dos pobres, De le

spleen de Paris (Os pequenos poemas em prosa)).

Refletir sobre as problemáticas que giram em torno das cidades modernas, sem

dúvida, é o ponto de enfoque de Baudelaire neste poema, talvez por isso, podemos

enxergar as expressões “como é bonito! como é bonito!”, nas falas do pai e do

6 BAUDELAIRE, Charles. Os olhos dos pobres, De le spleen de Paris (Os pequenos poemas

em prosa); texto retirado da web, encontrado no seguinte endereço eletrônico: http://www.vermelho.org.br/prosapoesiaearte/noticia.php?id_noticia=142410&id_secao=285.

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menino que enxergam a modernidade como um espetáculo desse novo tempo. Em

contrapartida, ao que parece a ideia da modernidade entra em contradição, pois os

mesmos indivíduos pobres que admiram seu esplendor, antagonicamente, são

recriminados e hostilizados pelas contradições sociais dessa nova sociedade.

Analisar Os olhos dos pobres torna-se importante, pois mostra-nos um fenômeno

que é próprio do sistema capitalista, a segregação urbana, que fragmenta os vários

indivíduos que residem nas grandes metrópoles. Neste sentido, o espaço urbano

torna-se um lugar de contradição social inferiorizando grupos e supervalorizando

outros, além de especificar circulação de cada camada populacional no seu devido

ambiente.

É interessante observar como nesta nova conjuntura urbana, espelhada pelas

questões de infraestrutura, os espaços são separados para grupos sociais distintos.

No relato deste poema presenciamos o que deve ser um bairro de ricos com a

presença de pessoas com poder aquisitivo inferior. Isto é importante ser percebido,

pois à frente observaremos que neste contexto histórico aparecem os ditos “bairros

pobres”, onde residem os indivíduos de baixa renda, alheios aos vários problemas

da ordem social.

Outro autor que vive no mesmo século e acompanha uma realidade semelhante à

de Baudelaire é o norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849). Há de se constatar

que Baudelaire se inspira a partir das obras de Poe, fazendo e recriando alguns dos

seus personagens.

Allan Poe, contemporâneo a este período do aparecimento das grandes multidões,

elucida as ações policiais no seu tempo retratando-as por meio das suas retóricas

poéticas, se constituindo num marco referente à temática. Além disso, seus textos

contribuíram para a leitura fisionômica dos indivíduos que compunham essa

sociedade, possibilitando assim o agrupamento das várias figuras existentes no

período e permitindo a hierarquização dos grupos, o que, mais uma vez, nos mostra

um espaço de segregação e contradição social.

O que deve ser enfatizado é que por se tratar de bairros historicamente segregados

(às vezes de modo subtendido através dos discursos da sociedade, com

participação direta da imprensa local, especialmente os jornais impressos de grande

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circulação semanal na cidade), é compreensível que o bairro Jacobina IV nunca

tenha sido objeto de um trabalho de pesquisa para a discussão das práticas

desviantes e/ou ações violentas, que está diretamente entrelaçada com a história do

respectivo conjunto habitacional.

Esta constatação é interessante, pois, de alguma forma, torna necessário que o

pesquisador recorra às fontes de ordem primária (os jornais locais), voltando-se para

às visitas aos arquivos, como no caso desta pesquisa onde os dados e jornais foram

coletados em visitas ao Arquivo Público Municipal de Jacobina. Esta experiência é

elogiada pelo pesquisador Roger Chartier:

O retorno dos historiadores ao arquivo situa-se, sem dúvida alguma, em um movimento mais vasto: o interesse renovado pelo texto. Os historiadores perderam muito de sua timidez ou de sua ingenuidade diante dos textos canônicos de seus vizinhos – historiadores da literatura, das ciências ou da filosofia, as abordagens sócio históricas ou contextuais encontravam uma nova vivacidade após a dominação sem reservas dos procedimentos estruturalistas e formalistas. (CHARTIER, pg. 11).

No caso de Jacobina, não diferindo da situação proposta por outras diversas

cidades, a repercussão de práticas criminais mostra-se fortemente evidente nos

jornais da região. Os periódicos podem ser constituídos como uma fonte para

discussão do fator criminalidade visando dar embasamento sobre este turbulento

momento presenciado pela população.

Todavia, a utilização de jornais na pesquisa, como já citado, é exercida a partir de

uma linha criteriosa de análise, uma vez que percebemos esta ferramenta midiática

estando à mercê de convicções ideológicas e políticas, formadora de opinião, que

detém um objetivo intrinsicamente elaborado a fim da obtenção dos seus interesses

políticos e econômicos. Dentro desta perspectiva, observemos a citação abaixo:

Ocorre, entretanto, que jornais efetivamente colaboram com a formação de opinião. É incorreto dizer que eles somente a reforçam: em alguns sentidos e em casos muito específicos eles exercem uma ação verdadeiramente condutora: “De acordo com resultados de pesquisas em comunicação de massa, os leitores são relativamente mais fáceis de ser influenciados, em sua formação de opinião, por „fatos‟ aparentemente irrefutáveis em áreas que eles têm pouco conhecimento prévio e poucas possibilidades de submetê-los à prova. (GLOTZ & LANGENBUCHER, 1969, P. 167)”.

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Mesmo com todos os problemas que possam existir pela utilização de jornais numa

pesquisa, isto não invalida sua funcionalidade enquanto uma fonte histórica de

estudo. Por isso, um historiador conceituado, Robert Darton, em uma entrevista a

uma rede de TV, informa a riqueza desta forma de pesquisa para os historiadores,

pois, para ele, os jornalistas escrevem uma história do instante dos que o viveram o

que é fundamental para historiografia. Por outro lado, os profissionais devem saber

utilizá-los, com criticidade, não usando-os enquanto uma verdade absoluta.

[...] Portanto, ao ler um jornal, como historiador eu levo a sério o que leio, como história do que aconteceu, mas não creio que seja uma janela para o que aconteceu. Portanto, creio que os historiadores podem aprender muito com os jornalistas. E respeito os jornalistas, mas não creio que o jornal seja o primeiro rascunho da história. Creio que os historiadores precisam ir mais fundo e precisam ser céticos quanto aos jornais, como fonte do que acontece [...] Historiadores fazem hoje uma história do tempo presente; os jornalistas a história

do instante. (DARTON, Robert. Futuro da escrita e dos livros na era digital. Entrevista ao programa “Roda Viva”,

TV Cultura, 24/09/12).7

Essa reflexão acerca da importância dos jornais é interessante, pois, a leitura

desses periódicos norteou a pesquisa, uma vez que, no Jacobina IV, eram várias as

ocorrências policiais, o que no período se constituía como alarmante, mormente por

tratar de um bairro situado em cidade interiorana, onde se subtende maior

cordialidade entre moradores, autoridades políticas e jurídicas.

Tem-se em vista que as maiores tensões por causa das práticas de desvios de

condutas no período 1996-1998 eram referenciadas, sobretudo, ao Conjunto

Habitacional Jacobina IV, e em segundo plano, a outra localidade próxima,

separados por apenas por uma avenida, o Conjunto Habitacional Jacobina III.

Diante das informações, a utilização desses jornais nos conduziu a outra reflexão,

até onde os periódicos, preponderantemente o Primeira Página (discutido entre os

anos de 1996 a 1998), jornal central desta análise histórica, e “O Encarte” (no ano

de 1998), reforçam a construção de estereótipos do bairro Jacobina IV, de maneira

incisiva, como “bairro perigoso”, marginal e desprovido de civilidade?

7 DARTON, Robert. Futuro da escrita e dos livros na era digital. Entrevista ao programa “Roda Viva”, TV Cultura, 24/09/12. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=MKOxc6x3yeU.

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O jornal Primeira Página foi fundado em Jacobina no dia 17 de dezembro de 1992,

sendo de propriedade da Jacográfica Serviços Gráficos Ltda, seu editor chefe era

Jackson Soares – DRT - 111, tendo por diretor Marivaldo Teixeira dos Santos, sua

sede encontrava-se na Rua Senador Pedro Lago, 137 em Jacobina. Este jornal

pertencia ao grupo politico divergente ao prefeito da cidade nos anos de 1997 e

1998. Um fator importante é o credenciamento dos demais jornais a ligação com

grupos políticos divergentes ao do Primeira Página, o que nos possibilita em alguns

casos dar uma visão diferenciada sobre o fato.

Paralelamente, o jornal O Encarte foi fundado em 19 de Janeiro de 1996, sendo de

propriedade de O Encarte Publicidade Ltda, sediada na Rua Alice Barros de

Figueiredo número 1996. O Encarte era um instrumento utilizado pelo grupo politico

favorável à administração municipal durante o período de 1997-1998.

Ao notarmos que os periódicos estão envolvidos por intencionalidades políticas,

podemos associá-los ao caráter comercial. As notícias são norteadas pelo apelo

econômico, neste sentido, Filho (1986, p. 25) afirma que “o jornal, então, cria a partir

da matéria prima informação, a mercadoria notícia, expondo-a a venda (por meio da

manchete) de forma atraente. Sem esses artifícios a mercadoria não vende, seu

valor de troca não se realiza”.

Se a imprensa é livre, se é objetiva, se representa todos os setores da sociedade, essas são questões colocadas, antes de mais nada, não pelos grupos dominados, mas pelos próprios detentores do poder, na medida em que se veem ameaçados por outras informações que põem em risco seu monopólio, venham elas da base da sociedade ou de grupos adversários. (FILHO, 1986, p. 11).

A mercadoria de estudo, nesse caráter capitalista do sistema midiático, é aquela

vendida enquanto notícia e que está inserida nos jornais. É uma forma de

comercialização das informações, mesmo que para isso, às vezes, seja necessário

adulterar a sua essência para as notícias se tornarem mais vendáveis por meio de

uma nova modelagem mais atraente aos olhos do grande público.

Nesta mesma perspectiva, um filósofo alemão da Escola de Frankfurt, Theodor W.

Adorno (2002), ao tratar da indústria cultural, discute questões referentes ao valor

dado aos aspectos da cultura após o ápice da indústria cultural, esta se caracteriza

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pela mercantilização de toda a produtibilidade humana vigente no modo de produção

capitalista.

Para Theodor Adorno (2002) a indústria cultural pode ser empreendida enquanto os

bens culturais existentes numa sociedade, ou seja, os vários meios de comunicação

que vai ao encontro da massa populacional. Neste sentido, segundo sua concepção

o cinema, rádio, jornais, dentre outros veículos de difusão de costumes e/ou

formadores de opinião fazem parte do conjunto desta indústria e torna-se o grande

motor dessa sociedade capitalista de geração de lucro, além de servir como

instrumento de disseminação de ideologias que nada mais tem por objetivo do que

manter a “ordem” social, numa espécie de manipulação da massa social

inviabilizando uma consciência.

Segundo a concepção de Adorno, a cultura perde a sua autenticidade ao tornar-se

mercadoria. Isto ocorre, pois, com a globalização a cultura passa a ter um caráter

preponderantemente comercial, podendo inclusive transformar o homem em objeto

nessa relação, que estando passivo, aceita a realidade tal como está sendo exposta,

sem nenhuma análise, fazendo as múltiplas formas culturais perderem seu caráter

de criticidade.

Em Adorno, o confronto da arte com a tradição está no estilo, e este seria o modo de ela encontrar a sua expressão. Tal confronto, porém, desaparece na diluição das singularidades nas obras da indústria cultural. A semelhança entre todas as obras é a sua vitória e “o triunfo do capital investido”, enquanto o respeito à tradição é a obediência irrestrita a todas as formas de hierarquização social. O que está consumado nesta estética da semelhança é uma reiterada nas formas criativas, desde que submetidas, organizadas e neutralizadas sob o signo cultural. (DRUMMOND, Washington. SAMPAIO, Alan. 2011, pg. 89).

É importante evidenciar que as notícias sobre a violência, se tratando de uma

sociedade respaldada pela indústria cultural, têm um valor dado pela sua

funcionalidade para os grupos favorecidos que se beneficiam por meio de uma

relação meramente mercadológica. Tendo esse propósito, os jornais (que estão

ligados à própria ideia de instrumento de difusão cultural) são transformados em

mercadoria vendável, tornando-se necessário comercializar uma informação que

gere resultados, beneficiando a ordem econômica, além de mostrar uma notícia que

prenda um espectador numa “trama da vida real”. Neste sentido, a ideia de retratar a

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violência, bem como, as ocorrências policiais cotidianas, se transforma numa grande

arma midiática para obtenção de retornos financeiros.

Desse modo, a percepção perpassada pela esfera jornalística jacobinense no que

tange ao Conjunto Habitacional Jacobina IV é a de “bairro perigoso”, marginal,

violento, o que provavelmente, por detrás de um mero caráter informativo, carrega a

intencionalidade da obtenção de uma venda da mercadoria chamada “notícia” de

forma eficaz ao tempo que “cria” um espaço diferenciado e marginal que em

contraste beneficia outros sítios considerados seguros, centrais, de boa moradia.

Além disso, quando o objeto de estudo são práticas de desvios do “politicamente

correto” de acordo com as normas sociais essas práticas são associadas às classes

menos favorecidas. Esse tipo de constatação mostra-nos a delinquência unicamente

relacionada à pobreza, construindo o estereótipo de bairros ruins ou espaços

totalmente perigosos.

No contexto Jacobinense, começam a surgir na sociedade preocupações

relacionadas ao crescente aumento nos níveis de marginalidades, intrinsicamente

associadas ao fator violência, que como já foi relatado, evadem das normas sociais

estabelecidas. De maneira geral, principalmente a partir de meados da década de

1990, esse assunto ganha certa repercussão regionalmente, talvez tendo também

outros motivadores como um espaço urbano de contradição social, má distribuição

de renda, além de um cenário político conturbado, o que nos conduz a perceber seu

reflexo por meio de práticas avessas a uma convenção social de convivência e

ordem.

Dentro desta perspectiva, identificamos no jornal Primeira Página que a violência

urbana é encarada como algo preocupante para a sociedade jacobinense. A partir

dos discursos internalizados pela população, o sinal de alerta à criminalidade é

acionado por autoridades de grupos sociais que representam certas instâncias de

poder, se tornando em um tema de discussão prioritária.

Acompanhemos partes do discurso empreendido pelo Jornal Primeira Página sobre

o acontecimento:

O índice crescente da violência urbana em Jacobina não só preocupa a população como também as entidades de classe

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que há muito tempo vêm cobrando uma ação mais energética por parte de governo. [...] A própria polícia admite que existem “focos” de marginais em vários pontos da cidade que não tem como combatê-los por falta de efetivo e de equipamentos. Segundo informações, as esquinas e portas de colégios estão servindo de pontos de distribuição de drogas. E o que é pior: crianças de até 6 anos de idade estão se transformando num alvo fácil de traficantes. Depois de viciadas, elas fumam, cheiram cola e partem para o roubo, enveredando pelo caminho do crime, da criminalidade. Para se ter uma ideia, existem 13 presos no presídio de Jacobina por tráfico de drogas. Um número elevadíssimo pelo próprio delegado regional, José Deijaci, diretor da 12ª Dirpin. Na última quinta-feira à noite, na sede do Rotary Clube de Jacobina, por iniciativa deste, foi realizada uma reunião onde mais uma vez a violência foi tema de uma ampla discussão com a participação do Lions, Acija, Maçonaria, OAB e que teve como convidados, o delegado regional José Deijaci e a delegada titular desta cidade, Gerusa Maria de Moraes. [...] Quanto a possibilidade de se criar um posto policial nas imediações dos bairros Jacobina III e IV, considerados violentos, Gerusa Moraes disse que, por enquanto, está descartada esta hipótese em razão da falta de pessoal e viaturas. [...] (PRIMEIRA PÁGINA, ano IV, nº 161, 07 a 13 de janeiro de 1996, pg. 01).

Como pudemos observar, as discursões sobre os crescentes índices de violência e

tráfico de drogas que envolvem a cidade de Jacobina no período, bem como, a

solução para o mesmo foram objetos de análise por Carlos Jorge, Osmar Almeida,

José Deijaci e Silvino Rodrigues, Luiz Augusto Dantas Martins, Gerusa Moraes,

respectivamente líderes de organizações como o Lions, Acija, Maçonaria, OAB e

Rotary Clube de Jacobina.

Esta reunião foi contou com a participação do então delegado da região e da

delegada titular da cidade. A presença desta personalidade é importante, pois,

dentro do debate estava em pauta a criação de um posto policial nas imediações

dos Conjuntos Habitacionais Jacobina III e Jacobina IV como forma de prevenir

práticas desviantes. Mesmo com todos os problemas constatados, a proposta de

criação de um posto policial não foi levada adiante, uma vez que, Gerusa Morares,

delegada titular de jacobina, relatou a impossibilidade da efetivação deste projeto

por falta de contingente policial além de um número ínfimo de viaturas para atender

as demanda da cidade. Esta fato pode ser constatado no trecho a seguir:

[...] Quanto a possibilidade de se criar um posto policial nas imediações dos bairros Jacobina III e IV, considerados violentos, Gerusa Moraes disse que, por enquanto, está

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descartada esta hipótese em razão da falta de pessoal e viaturas. Em rápidas palavras, Marivaldo Teixeira disse que o problema da segurança vivido pelo jacobinense é reflexo da falta de representação política. “A iniciativa tem que partir de nós mesmos”, ressaltou. Quanto a possibilidade de se criar um posto policial nas imediações dos bairros Jacobina III e IV, considerados violentos, Gerusa Moraes disse que, por enquanto, está descartada esta hipótese em razão da falta de pessoal e viaturas. (PRIMEIRA PÁGINA, ano IV, nº 161, 07 a 13 de janeiro de 1996, pg. 01).

Não obstante, pode-se avaliar que mesmo tendo sido frustrada a conjectura de uma

ação policial mais efetiva nos bairros citados por meio da implantação de um posto

policial, fica nítida uma suposta preocupação de autoridades referente à repressão

da criminalidade e todas as questões que evadem de uma conduta coerente em

relação aos padrões sociais estabelecidos em domínios jacobinense.

Nas pesquisas que tem como objetivo discussões norteadas por análises de textos e

imagens se torna necessário certo aprofundamento nos estudos deste tipo de fonte.

Embora não tratemos necessariamente sobre álbuns de fotografias, utilizamos a

perspectiva do pesquisador para analisarmos as várias fotografias do período

problematizado nos atendo ao que o pesquisador Washington Drummond denomina

de cenografia.

Em nossos termos, os álbuns de fotografias de rua se confundem com a cenografia, que por sua vez é a cidade entregue ao devir de sua interpretação, enquanto historicidade efetivada, menos pela intensidade das forças que a reconstituirão, do que pelo impacto aos que lhe são coetâneos. O contrário, abandoná-los (com suas cenografias) ao canto mavioso da sereia-memória é perpetuar o mesmo em sua repetição infernal. Deveríamos desconfiar do que tomamos como passado, congelado nos monumentos, livros, imagens e memória, ele sempre estará em perigo para um historiador benjaminiano. As linhas de combate, os arranjos, as fugas, perdas e vitórias que garantem no presente um passado, o estigmatizam como verdade, turvando as águas que ainda guardam as lembranças da luta e da rapina. (DRUMMOND, 2010, pg. 04 -05).

A partir da reflexão teórica e do ceticismo relacionado à total veracidade do fato

podemos empreender uma análise mais específica à imagem 02 que é referente à

matéria da edição em discussão:

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IMAGEM 02:

“Carlos Jorge, Osmar Almeida, Gerusa Moraes, José Deijaci e Silvino Rodrigues” 8.

Nesta fotografia, cuja perspectiva reforça a posição de poder dos participantes,

pode-se perceber a presença das autoridades citadas no evento conforme diz-nos

os relatos Jornal Primeira Página. O local que observamos sediando este evento é o

Rotary Clube de Jacobina.

Do evento à fotografia, o fotógrafo é esse traficante de instantes entregues ao consumo crescente de imagens na sociedade contemporânea. Os momentos, milésimos de segundo, plasmados durante a revelação, e agrupados numa coleção (objeto-livro), não são janelas abertas para o real. Visão sobremaneira simplória do complexo fenômeno da representação e figuração no suporte fotográfico, apesar da crítica dessa corrente efetivada por analistas contemporâneos da fotografia. À idéia de imagens como “janelas para o real” contrapomos a de encenação do real, presentes como insights nas obras de Walter Benjamin (décor, théatre) e Roland Barthes (théatre), compreendendo situações e transeuntes que as fotografias de rua figuram, sem espelharem ou imitarem um real que sempre lhes escapa, como o resultado de uma simulação, encenação da visibilidade. (DRUMMOND, 2010, pg. 05).

8 Fonte: Jornal “Primeira Página”, página 1, Ano IV, Nº 161, 07 a 13 de janeiro de 1996.

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É admissível compreender, através do relato jornalístico, que a real intenção desta

construção fotográfica se dá graças à ideologia da perpetuação de um momento

histórico para a sociedade jacobinense, uma vez que, líderes influentes da cidade se

reúnem para tratar de assuntos concernentes à ordem local. Este tipo de olhar sobre

a fotografia pode ser compreendido enquanto deciframento de imagem discutido por

Vilém Flusser:

O fator decisivo no deciframento de imagens é tratar-se de planos. O significado da imagem encontra-se na superfície e pode ser captado por um golpe de vista. No entanto, tal método de deciframento produzirá apenas o significado superficial da imagem. Quem quiser “aprofundar” o significado e restituir as dimensões abstraídas, deve permitir à sua vista vaguear pela superfície da imagem. Tal vaguear pela superfície é chamado scanning. O traçado do scanning segue a estrutura da imagem, mas também impulsos no íntimo do observador. O significado decifrado por este método será, pois, resultado de síntese entre duas “intencionalidades”: a do emissor e a do receptor. Imagens não são conjuntos de símbolos com significados inequívocos, como o são as cifras: não são “denotativas”. Imagens oferecem aos seus receptores um espaço interpretativo: símbolos “conotativos”. (FLUSSER, Vilém. 1985, pg 07).

O discurso empreendido pelo sistema jornalístico perpassa pela ideia de uma

verdade dissolvida socialmente através da disseminação de seus textos e fotografias

como forma de construção de uma imagem social desenvolvida pela elite como

socializável.

[...] Propondo uma verdade ideal como lei do discurso e uma racionalidade imanente como princípio de seu desenvolvimento, reconduzindo também uma ética do conhecimento que só promete a verdade ao próprio desejo da verdade e somente ao poder de pensá-la. (FOUCAULT, 1996, pg. 45).

Desta maneira, em outra situação, o jornal Primeira Página relacionando suas

publicações à prestação de serviço a comunidade, relata a prisão de uma gangue de

arrombadores que agiam no bairro Jacobina IV e imediações:

Os moradores do Conjunto Habitacional Jacobina IV estão respirando mais aliviados com a prisão de três elementos de uma gangue que vinha agindo no local. A guarnição comandada pelo cabo PM Maurício prendeu Ailton Félix Arnoldo, 20 anos, Vulgo “Milton”; Rogério Pereira, 18 anos; e o menor G. S. T., também conhecido como o “Testa Lisa”, todos moradores no referido conjunto. Segundo a polícia, eles

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vinham arrombando casas e infernizando os moradores do bairro. A delegada Gerusa Maria Moraes está comandando à cata de novos envolvidos. Ailton tentou matar o pai Arnor Félix Arnodo atirando um paralelepípedo sobre a sua cabeça. (PRIMEIRA PÁGINA, Ano V, Nº 242, 2 de agosto de 1997, pg. 08)

O que chama atenção nesta matéria é o discurso do jornal referente à prisão dos

envolvidos no caso. O periódico discorre dizendo que “os moradores da Jacobina IV

estão respirando mais aliviados com a prisão de três elementos de uma gangue que

vinha agindo no local”, desta forma, nota-se de maneira indireta que existe um apelo

social para a permanência de um padrão comportamental no tocante aos indivíduos

que residem em determinados bairros. De uma maneira geral, a produção discursiva

dos periódicos analisados é correlata de práticas de intervenções sistemáticas por

parte dos órgãos de repressão nos bairros segregados. Como se as ordem dos

discursos e a ordem pública (no espaço urbano) contribuíssem no exercício de suas

práticas.

Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Aí se acha portanto excluída a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera alei do “próprio”: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar “próprio” e distinto que define. Um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade. (DE CERTEAU, 1998, pg. 201).

No que se pode constatar na análise das fontes, parece que a moldagem destes

indivíduos em um corpo dócil, dentro dos padrões de convivência da sociedade

contemporânea, só será possível através da apreensão dos mesmos sob o regime

prisional, que regulamentado por uma sociedade disciplinar poderá mais uma vez

manter o controle sobre os seus corpos, socializando- os e reintegrando-os ao

espaço urbano que é encarado enquanto o lugar da ordem.

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CAPÍTULO II:

UM CARÁTER DENUNCIATIVO? A POBREZA ATRELADA À FALTA DE

INFRAESTRUTURA BÁSICA PARA A VIVÊNCIA HUMANA

Ligar práticas violentas à pobreza não é uma ideia nova. No século XIX, que é

marcado principalmente pela modernização urbana das grandes metrópoles e pelo

grande fluxo populacional nas cidades gigantes, em especial Londres e Paris, um

assunto torna-se recorrente para os romancistas/escritores do respectivo recorte

temporal, que priorizam as discussões literárias ligadas ao fenômeno da multidão

nessas urbes. No meio dos seus enredos, a experiência com a pobreza nesses

lugares espanta por apresentar-se num grau bastante acentuado, especialmente nos

bairros ruins que abrigam a classe operária. Londres é um exemplo:

[Bairros Ruins de Londres] “Aí moram os mais pobres dentre os pobres, os trabalhadores mal pagos misturados aos ladrões, aos escroques e às vítimas da prostituição.” Nesse centro de Londres, numerosas ruelas de casas miseráveis entrecruzam-se com as ruas largas das grandes mansões e os belos parques públicos; essas ruelas lotadas de casas abrigam crianças doentias e mulheres andrajosas e semimorta de fome. (BRESCIANI, 1994, p. 25).

Os “bairros ruins”, na capital inglesa, são caracterizados pela péssima condição de

moradia, superpopulação, falta de segurança e higienização. As condições urbanas

adversas para as comunidades pobres são sempre atreladas ao fator violência; os

“bairros ruins” são considerados como uma “habitação de selvagens”. A exemplo

tem-se o maior bairro operário londrino situado a leste da torre de Londres,

denominado de White Chapel e Bethnal Green, popularmente conhecido pelo termo

“East End”:

Nessas circunstâncias, o que se esperar das condições de vida no grande bairro à leste da grande torre de Londres, White Chapel e Bethnal Green, conhecido nas décadas finais do século pelo termo East End? Conhecido de nome, já que os londrinos estranhos a ele não se aventuraram por suas ruas, considerando-o um mundo desconhecido, diferente e à parte, embora dentro da mesma cidade. A descrição do West End feita por Arthur Morrison (Tales of mean street) na década de oitenta não difere muito do relato de Engels em 1844: “Um lugar chocante, um diabólico emaranhado de cortiços que

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abrigam coisas humanas arrepiantes, onde homens e mulheres imundos vivem de dois tostões de aguardente, onde colarinhos e camisas limpas são decências desconhecidas, onde todo cidadão carrega no próprio corpo as marcas da violência e onde jamais alguém penteia seus cabelos”. (BRESCIANI, 1994, p. 26).

Os aglomerados de pessoas numa região, como no caso londrino, é provocado

principalmente pelas atividades humanas relacionadas à força de trabalho onde a

industrialização leva os indivíduos aos grandes centros urbanos a fim de constituí-

los como instrumento produtivo. A nova ordem produtiva faz o homem sair do seu

tempo natural e se enquadrar no tempo das máquinas, estabelecido pelo seu patrão

ou mais precisamente pelo sistema, perpassada pela ideia da sociedade

disciplinada, conforme afirma Maria Stella Martins Bresciani:

[Atividades urbanas] [...] indispensável para a constituição da sociedade. Ela arranca o homem da lógica da natureza, dos dias de duração variada de acordo com as tarefas a cumprir no decorrer das diversas estações do ano, e o introduz ao tempo útil do patrão, tempo abstrato e produtivo, o único concebido como capaz de gerar abundância e riqueza, e, mais importante ainda, o único capaz de constituir a sociedade disciplinada de ponta a ponta. (BRESCIANI, 1994, p.18).

A crescente populacional num ambiente urbano acontece de maneira rápida

transformando as grandes urbes num “inferno”. A cidade por não ter condições

mínimas de proporcionar moradias dignas à superpopulação, proporciona a aparição

dos “bairros ruins” para abrigar a classe operária inglesa. Nos bairros operários

londrinos, segundo a ótica de Bresciani, “as péssimas condições de moradia e a

superpopulação são duas anotações constantes” (BRESCIANI, 1994, p.24).

Para Friedrich Engels, importante ensaísta alemão do século XIX, que viveu entre

1820 a 1895, a conotação dos “bairros ruins” é a mesma apresentada por Bresciani

(1994). De acordo com os estudiosos, bairros ruins são espaços segregados onde

falta planejamento e infraestrutura para seus moradores, tendo como principais

problemas a superpopulação, péssimas condições de moradia e falta de

saneamento básico. O texto abaixo compõe uma coletânea coordenada por

Françoise Choay que discute sobre urbanismo segundo a perspectiva de diversos

autores, neste, podemos acompanhar um pouco do discurso de Engels sobre esses

problemas do espaço urbano no século XIX.

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Toda grande cidade tem um ou vários “bairros ruins”, onde se concentra a classe operária. É verdade que muitas vezes a pobreza reside em vielas escondidas bem perto dos palácios dos ricos, mas em geral a ela é destinado um terreno à parte onde, longe do olhar das classes mais felizes, ela tem de, bem ou mal, ajeitar-se sozinha... Essas casinhas de três ou quatro cômodos chamam-se cottages e constituem comumente em toda a Inglaterra, com exceção de alguns bairros de Londres, as moradias da classe operária. As ruas não são normalmente nem planas nem pavimentadas; são sujas, cheias de detritos vegetais e animais, sem esgotos nem escoamento de água mas, em troca, semeadas de poças estagnadas e mal cheirosas [...] (CHOAY, 1992, p. 141)

Diante desses vários problemas referentes à pobreza e das más condições de vida,

reflexo das péssimas moradias aparecem às ideias sanitárias que inspiram aos

poetas e moralistas dentre outros intelectuais da época. Passam a refletir acerca das

condições de vida, e das deploráveis condições físicas dos espaços urbanos nos

bairros pobres que são também associados a obstáculos à educação,

desenvolvimento moral e saúde. Para Bresciani, toda essa miséria está ligada

intrinsicamente aos padrões duma sociedade industrial, pautada no trabalho e na

segregação econômica e urbana.

A partir desta reflexão histórica entre pobreza, ideias sanitárias e violência, podemos

construir uma analise mais específica do Conjunto Habitacional Jacobina IV, onde

essa concepção de bairro pobre e “ruim” também é constituída pelos periódicos para

designar espaços de violência. Através dos relatos jornalísticos parece que,

empiricamente, o morar na localidade é sinônimo de envolvimento com a

marginalidade, haja vista que, apontam e evidenciam a violência no bairro sem

considerar a falta de segurança e de planejamento urbano, decorrente de opções

políticas da administração municipal do período. Aqui a violência maior é essa

inversão interpretativa.

Em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 1996, pg. 9).

Evidenciar as características dos “bairros ruins” londrinos nos possibilita uma

aproximação com esses Conjuntos Habitacionais estudados. Para isso, faz-se

necessário utilizar os discursos que se encontram nos periódicos e que fazem

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algumas referências à falta de segurança e, especialmente neste caso, a falta de

saneamento básico e de infraestrutura mínima para a sobrevivência.

Nesta perspectiva, analisaremos outra matéria do Jornal Primeira Página que relata

as condições adversas vividas pelos moradores do Conjunto Habitacional Jacobina

IV.

Esgotos a céu aberto, pernilongos, falta de água e iluminação pública, insegurança, temor e medo fazem parte do submundo em que vive os moradores do Conjunto Habitacional Jacobina IV, uma comunidade esquecida e relegada ao desprezo. O drama vivido pelas famílias do Conjunto é comovente e estarrecedor. Existem várias ruas tomadas pelo lixo e pelos matos que avançam sem parar em direção às casas „e até agora ninguém procurou solucionar o problema‟ desabafa Iracema Magalhães, moradora da Quadra 03, Caminho 07. “A noite isso parece uma favela onde impera o medo e a lei do silêncio”, revela outra moradora que pede para não se identificar com medo de represálias. Segundo ela, a polícia não faz ronda no bairro o que tem estimulado o aumento do seu número de traficantes e viciado em drogas. Financiado pela Caixa Econômica Federal (CEF) com recursos do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS), o Conjunto Habitacional Jacobina IV foi inaugurado em 1991 para resolver o problema de moradia de 667 famílias. O que parecia ser a solução se transformou num grande problema para os mutuários que acreditavam na proposta do projeto que, incluía, entre outras coisas, módulo policial, escolas e jardins, mas nada disso foi feito. O vice-presidente da associação de moradores, José Carlos Rodrigues, disse que a direção da Asa Norte vive ameaçando desativar a linha para aquele bairro por causa da fedentina exalada dos seus esgotos a céu aberto. (PRIMEIRA PÁGINA, Ano V, Nº 226, 12 de abril de 1997, pg. 01).

Neste relato jornalístico os vários problemas locais são expostos, vale ressaltar que

as somatórias de irregularidades revelam um abandono público que se estende por

muitos anos, são acúmulos de precariedades que perpassa pelos domínios da

infraestrutura, do bem-estar social, da higiene, da comodidade e principalmente da

segurança, ao ponto da realidade vivida pelos moradores desta comunidade ser

denominada pelo redator desta matéria como um “submundo” fazendo referência ao

esquecimento e desprezo dos governantes.

Parte da realidade citada na matéria pode ser constatada a partir de uma análise

criteriosa da imagem abaixo:

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IMAGEM 03:

“Os esgotos correm a céu aberto nas ruas da Jacobina IV”

9.

A realidade revelada no texto acima, principalmente relacionando-a a imagem

apresentada, é preocupante, deixa a cidade em estado de alerta geral quanto à

precariedade vivida por essa camada da população. É possível constatar que as

más condições de infraestruturas são evidentes, ao fundo da fotografia (talvez de

modo proposital) percebe-se a rua sem calçamento e que por desgastes

relacionados à chuva, seu solo já se encontram em formas de córregos.

Não somente isso, como citado na reportagem e também visualizado na imagem, os

esgotos no Conjunto Habitacional Jacobina IV correm a céu aberto. Ao que parece

na fotografia, houve um rompimento por algum motivo na valeta principal do bairro

deixando o canal livre para exalar o mau cheiro na comunidade o que poderia

provocar doenças oriundas da má higiene.

Ainda na mesma matéria, percebemos que a realidade negativa era gritante no

Jacobina IV, porém, os bairros vizinhos não estavam imunes, passavam por

9 Fonte: Jornal Primeira Página, página 1, Ano V, Nº 226, 12 de abril de 1997.

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problemas, especialmente, de cunho infraestrutural. Como consequência desta

precariedade que se escreve, a mesma edição jornalística descreve uma

manifestação dos moradores do Conjunto Habitacional Jacobina III, Jacobina IV,

Lagoinha (bairro ao Lado da Jacobina IV), e Alexandre Sinfrônio (bairro residencial

ao lado da Jacobina III):

Carreata

Na última quinta-feira à noite moradores da Lagoinha, Alexandre Sinfrônio, Jacobina III e Jacobina IV, promoveram uma carreata com cerca de 35 carros pelas principais ruas da cidade e logo depois se dirigiram à câmara de Vereadores, onde os manifestantes reivindicara, os asfaltamento da estrada que dá acesso aos referidos bairros, entre outras solicitações. (PRIMEIRA PÁGINA, Ano V, Nº 226, 12 de abril de 1997, pg. 01).

Conforme se vê, a situação desoladora vivida pelos moradores da região, que

perpassa pelo esquecimento político, provocou uma carreata pelas ruas da cidade

tendo por ponto final a Câmara Municipal de Vereadores. A principal reivindicação

nesse caso era a respeito do asfaltamento da estrada de chão que dava acesso a

essa parte da cidade composta pelos bairros citados.

Algo nesse contexto ainda chama a atenção, fica subtendido nas entrelinhas da

reportagem que os problemas mostrados já se alastravam por vários anos.

Confirmando isso, observamos as denúncias feitas pelo periódico Primeira Página

no mesmo mês do ano anterior, onde não houve uma resolução, pois, ao que

parece, as autoridades administradoras da cidade não se ativeram para as

demandas urgentes da localidade.

Sendo assim, no ano anterior, o jornal já havia feito denúncias sobre as mesmas

precariedades que seriam abordadas no ano seguinte, tendo por título: “O Conjunto

Habitacional Jacobina IV pede socorro”. Durante a escrita os redatores do jornal

deixam nítidos quais são os principais problemas que assolam a população do

bairro.

É mencionado neste texto que das 667 casas entregues aos moradores, 660 estão

em situação irregular no tocante às documentações oficiais. É também registrado o

grande índice de casas abandonadas, o que deixa a situação mais preocupante,

uma vez que, essas casas servem como “boca de fumo” ajudando o crescimento do

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tráfico de drogas na região. Por outro lado, nenhuma medida parece estar sendo

tomada pelas esferas públicas, pelo menos não diretamente, ou registradas nas

páginas deste periódico, deixando os moradores inconformados com essas

circunstâncias.

Observemos o discurso empreendido pelo Jornal:

O Conjunto Habitacional Jacobina IV pede socorro

O que parecia uma solução se transformou num grande problema. Financiado pela Caixa Econômica Federal (CEF) com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e inaugurado em 1991, o Conjunto Habitacional Jacobina IV, no bairro Lagoinha, está completamente abandonado e clama por melhorias urgentes. Falta de segurança e saneamento básico são os dois principais problemas que há muito vêm atormentando os seus moradores. Segundo informações colhidas junto ao supervisor da agência CEF de Jacobina, Denilton Gomes Brandão, as construtoras responsáveis pela execução do projeto, Ecomati e Estilo, entregaram os 667 imóveis em condições de moradia, mas, segundo ele, “cabe aos poderes públicos dotar o Conjunto de infra-estrutura básica”. O índice de inadimplência é gigantesco. Existem hoje 660 mutuários em situação irregular, isto sem contar com o alto número de ocupações dos imóveis abandonados. Para amenizar a situação a Caixa vem negociando as dívidas e cobrando dos poderes públicos uma solução para os sérios problemas que afetam os moradores da Jacobina IV. Brandão disse que a instituição também tem incentivado os mutuários a se organizarem na defesa de seus direitos. “A ideia é sensibilizar as autoridades competentes, reivindicando delas os benefícios necessários para melhorar as condições de vida daquela comunidade.” (PRIMEIRA PÁGINA, 21 a 27 de Abril de 1996, pg. 01).

Nesta primeira parte da matéria são apresentados os dados referentes à construção

e propósito deste conjunto residencial sem perder de vista a visibilidade de um dos

problemas locais, a inadimplência, talvez esta constatação seja pertinente quando

nas páginas posteriores tenhamos acesso ao discurso utilizado pelos moradores d

Jacobina IV na elaboração do abaixo- assinado reivindicando redução dos valores

cobrados pela concessionária da obra.

Além da percepção da inadimplência, na matéria são feitas referências ao abandono

e ao desprezo das autoridades que não solucionam a falta de segurança e de

saneamento básico para localidade. A essas observações que parte para a análise

infraestrutural é dado prosseguimento nas linhas que se seguem a matéria:

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A reportagem do Primeira Página esteve no local a convite do presidente da Associação dos Moradores da Lagoinha, Sérgio Brasileiro e constatou que a situação é calamitosa. Muitos moradores vêm utilizando água contaminada para o consumo, indiferentes aos problemas de saúde que ela pode ocasionar. Adultos e crianças expõem-se ao risco diário de uma contaminação com sequelas irreparáveis, em razão de um canal de esgoto a céu aberto que corta o bairro. Ele recebe um grande volume de fezes que deveria desembocar na Estação de Tratamento de Esgoto – uma obra de Primeiro Mundo entregue ao abandono. Logo que tomou conhecimento do fato, o diretor da 16ª Diretoria Regional de Saúde (16ª DIRES), Dr. Ângelo Brandão, enviou uma equipe de técnicos do Setor Vigilância Sanitária para fazer um levantamento do local, cujo relatório será encaminhado a Secretaria Municipal de Saúde. Ontem, num contato mantido com o secretário de Saúde, Dr. Airton Vieira Costa, a nossa reportagem foi informada de que um relatório assinado pela Associação dos Moradores da Jacobina IV chegou esta semana àquela Secretaria. O documento faz um relato dramático do quadro sanitário do Conjunto. Costa já determinou um técnico sanitarista a fazer um estudo da área. A 16ª Dires conclui nos próximos dias um moderno Centro de Saúde no Conjunto Habitacional Jacobina III dotado de infraestrutura capaz de atender as localidades adjacentes, principalmente os moradores da Jacobina IV, que passarão a contar com uma Unidade de Saúde à sua disposição. (PRIMEIRA PÁGINA, 21 a 27 de Abril de 1996, pg. 01.)

Questões referentes essencialmente ao campo da saúde devem ser, sobre qualquer

requisito, prioritariamente atendido, porém, pelo que se percebe nas linhas das

matérias, as ideias sanitárias não são levadas a sério pelas instâncias de poder,

desta forma, a população da localidade acaba utilizando água contaminada para o

seu consumo diário. Outra coisa a ser identificada é a presença de um canal de

esgoto correndo a céu aberto cortando todo o bairro e expondo a risco toda a

população. A degradação do bairro é tanto sanitária quanto visual podendo ser

exploradas pelos periódicos da cidade como na imagem 03.

Segundo as informações passadas pela matéria, verifica-se que a associação dos

moradores do Jacobina IV enviou para a Secretaria Municipal de Saúde um relatório

informando o quadro sanitário local, é instigante que somente a partir daí um técnico

foi acionado para atender esta situação, isto segundo o relato do Secretário de

Saúde. Outra informação filtrada nesta notícia é que, somente depois de serem

procurados pela redação do jornal, a DIRES (Diretoria Regional de Saúde) se

prontificou a analisar o caso.

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Outra preocupação local, a violência, também esteve enquanto um dos problemas

locais apresentados na matéria, nesta específica situação, parece que

provisoriamente a vigilância policial foi intensificada:

SEGURANÇA

As polícias Civil e Militar vêm desempenhando um trabalho conjunto para combater o alto índice de violência da Jacobina IV. Com a chegada da delegada Gerusa Maria de Moraes as rondas foram intensificadas e os vândalos que agiam em plena luz do dia e ameaçavam os moradores daquela localidade, aos poucos estão se afugentando. (PRIMEIRA PÁGINA, 21 a 27 de Abril de 1996, pg. 01).

Neste caso específico, as polícias Militar e Civil tentando diminuir os índices de

violência e práticas marginais na localidade intensificaram numa ação conjunta

tendo por objetivo a melhoria da população que tanto sofria com a elevação da

criminalidade no local.

Se pelo lado policial, neste período, supostas ações estavam sendo desenvolvidas

pelas esferas públicas, o mesmo não se pode falar, mais uma vez, pelo lado

infraestrutural. Na descrição da fotografia a seguir, imagem 04, “casas em ruínas e

lixo nas ruas fazem parte do triste cenário da Jacobina IV”, fazendo jus à elevada

quantidade de lixo espalhados nas ruas do bairro e a destruição maciça, que expõe

o tamanho da inconformidade de parte da população ante ao cenário de abandono

enfrentado pelos residentes do Conjunto Habitacional Jacobina IV.

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IMAGEM 04:

“Casas em ruínas e lixo nas ruas fazem parte do triste cenário da Jacobina IV

10”

Baseando o discurso na imagem mostrada, veem-se acima casas em completo

estado de abandono e em ruínas. O cenário de destruição e abandono é perceptível

e preocupante, em contrapartida, não se nota nenhuma intervenção por parte das

autoridades locais que ficam estagnadas ante essas condições precárias, a não ser

no tocante a segurança, onde segundo o jornal, depois da chegada da delegada os

trabalhos policiais se intensificaram na região.

Além da destruição perceptível nesta imagem, provocada principalmente pela

precariedade das moradias, ficam notórios nas linhas dos jornais, os vários outros

problemas enfrentados pelos residentes na localidade, que como já visto, são

acumulados deixando a situação ainda mais desoladora, são eles: a inadimplência

falta de saneamento básico e atendimento médico suficiente para a demanda

populacional, além dos registros de violência urbana.

10 Fonte: Jornal Primeira Página, página 01, 21 a 27 de Abril de 1996.

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Ainda nesta matéria, percebemos que os problemas são aludidos às origens da

fundação do bairro, sendo redigido que o conjunto foi fundado em 1991, financiado

pela Caixa com recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço),

[...] O Conjunto Habitacional Jacobina IV, no bairro Lagoinha, está completamente abandonado e clama por melhorias urgentes. Falta de segurança e saneamento básico são os dois principais problemas que há muito vem atormentando seus moradores...” (PRIMEIRA PÁGINA, 21 a 27 de Abril de 1996, pg. 01.).

Analisar os problemas fundamentados na origem para a explicação do presente

carrega em si um problema que é apresentado por Michael Foucault no seu ensaio

baseado nas ideias de Nietzsche, onde é constituída uma crítica com base na

genealogia histórica.

Fazer a genealogia dos valores, da moral, do ascetismo, do conhecimento nunca será, portanto, partir em busca de sua “origem”, negligenciando como inacessíveis todos os episódios da história; será, ao contrário, deter-se nas meticulosidades e nos acasos dos começos; prestar uma atenção escrupulosa em sua derrisória maldade; esperar para vê-los surgir, máscaras finalmente retiradas [...] O genealogista tem necessidade da história para conjurar a ilusão da origem, um pouco como o bom filósofo tem necessidade do médico para conjurar a sombra da alma. É preciso saber reconhecer os acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas que dão conta dos começos, dos atavismos e das hereditariedades [...] A história, com suas intensidades, seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris, assim como suas sincopes, é o próprio corpo do devir. É preciso ser metafísico para procurar sua alma na idealidade longínqua da origem. (FOUCAULT, pg. 264).

Desenvolver uma história genealógica nos termos foucaultianos é fazer uma crítica

da ideia de identidade e/ou essência, bem como, sequencialidade dos fatos

históricos como se tudo seguisse numa linha determinada pela origem. Esta ideia,

para Foucault é inacessível numa construção histórica, pois, denota uma

compreensão de que existe algo imutável entre a origem e o presente predominando

cristalizada e inalterada, esta compreensão não leva em conta que a história está

em continuo movimento e consequentemente em incessante transformação, além de

estar envolvida de determinantes que complexificam a experiência histórica múltipla.

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Walter Benjamin, também numa contraposição da ideia histórica de que “a origem é

o alvo”, frase creditada neste caso a Karl Kraus, constrói outra noção do que para

ele seria a história, desta maneira, “A história é objeto de uma construção cujo lugar

não é o tempo homogêneo e vazio, mas de um tempo saturado de „agoras‟”.

(BENJAMIN, 1987, p. 229).

Os “agoras”, para Benjamin, são percebidos enquanto as várias vivências

referenciadas a um determinado período histórico. O passado histórico não está

vazio. Essas vivências podem ser múltiplas e diversas, carregadas de

intencionalidades, não está necessariamente perdida no tempo, mas as suas

visualizações servem para a construção da representação do que foi esse passado.

Por outro lado, mesmo que o fator da origem não seja determinante, e aqui não se

tenta a elaboração de um esboço que dê conta disso, cabe registrar que os

problemas, relacionados à falta de condições básicas de habitação, conforme foi

constatado nesta matéria, e faziam parte do cotidiano dos moradores do Conjunto

Habitacional Jacobina IV, não deveriam estar sendo registrados, uma vez que, na

documentação oficial da construção, o Boletim da Prefeitura Municipal de Jacobina

de data de 03 de Abril de 1991, eram requisitos básicos assegurados nesse projeto

de moradia, isto, pode ser visto de forma bem evidente no respectivo documento,

por isso, abaixo lê-se a sua transcrição na íntegra:

PREFEITURA MUNICIPAL DE JACOBINA

ESTADO DA BAHIA

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

BOLETIM-031/91 Jac.03.04.91

JACOBINA GANHARÁ MAIS 667 UNIDADES HABITACIONAIS

Com o intuito de atender a demanda da moradia popular, a Prefeitura de Jacobina em convênio com a Caixa Econômica Federal, esta iniciando a construção de 667 casas populares, cujo o núcleo será/ edificado na Fazenda Lagoinha, e será denominado Conjunto Habitacional Jacobina IV. As empreiteiras vencedoras da licitação Pública, Ecomati e Esteio, que construirão e administrarão as obras; já instalarãm o canteiro de obras, e iniciaram os serviços de terreplanagem da área a ser construída, a qual será dotada de toda infra estrutura básica necessária como: água, saneamento, núcleo escolar, estção de tratamento, área de lazer, pavimentação urbana, energização e telefonia.

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Assessoria de Comunicação Social.

Prefeito Municipal. 11

Nesta documentação, existe o comprometimento da prefeitura municipal em

convênio com a Caixa Econômica Federal de disponibilizar para a sociedade

jacobinense 667 casas populares para atender a população. Está nítido no boletim,

que as empreiteiras contratadas para o serviço deveriam entregar moradias, que

segundo o mesmo, seriam “dotada(s) de toda infraestrutura básica necessária como:

água, saneamento, núcleo escolar, estação de tratamento, área de lazer,

pavimentação urbana, energização e telefonia”.

No que se pode constatar pelas análises dos jornais no período de 1996 a 1998, o

que é chamado de “toda a infraestrutura básica” pelo Boletim da Prefeitura não saiu

se quer do papel, uma vez que não há registro de um núcleo escolar na localidade, e

os problemas com a água, falta saneamento, estação de tratamento e pavimentação

urbana persiste em existir, pelo menos, no referido recorte temporal.

Perceber os problemas do Conjunto Habitacional Jacobina IV ligado ao momento da

sua fundação pode até parecer contraditório se analisarmos somente uma promessa

da gestão municipal feita através de um boletim informativo, em contrapartida, essa

percepção torna-se pertinente, principalmente se compararmos este dado com um

abaixo-assinado, feito pelos moradores do conjunto no ano de 1992, onde os

mesmos conclamam aos vereadores locais que possam intervir nos valores abusivos

cobrados pela financiadora do projeto, a Caixa Econômica Federal, uma vez que as

demandas principais da obra ainda não tinham sido realizadas de maneira efetiva.

Segue abaixo a transcrição do abaixo-assinado:

1. Câmara de Municipal de Vereadores de Jacobina.

Nós, os abaixo-assinados, moradores do conjunto habitacional Alagoinhas I e II, também conhecidos como JACOBINA IV, desta / cidade, pedimos aos senhores Vereadores que sejam tomadas as necessárias e / urgentes providências junto à Caixa Econômica Federal e perante o ministério de AÇÃO SOCIAL, para que sejam reduzidos os valores das prestações dos MUTUÁRIOS do referido Conjunto que é precário, mal construído, com vários problemas de drenagem considerando que êstes mutuários são pessoas pobres que sofrem com a

11 Fonte: Acervo do Arquivo Público Municipal de Jacobina, Boletim Informativo, 03 de Abril de 1991.

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atual situação econômica e financeira do País, com baixos rendimentos mensais.

Jacobina, em 06 de março de 1992.12

Este abaixo-assinado certamente pode dar outro panorama sobre a situação, pois,

sendo um documento direto dos moradores da Jacobina IV possui um ponto de vista

diferenciado do apresentado pelos jornais e pela gestão política municipal, se

constituindo assim, enquanto um documento de extrema importância, segundo a

percepção de Walter Benjamin, na tentativa de “escovar a história a contrapelo”

(BENJAMIN,1987, pg.225).

Diante deste fato é coerente analisar que o caráter denunciativo do jornal parece

fazer sentido com o apelo popular do bairro, onde são mencionadas as condições

precárias vividas pelos moradores, além de outra problemática ligada à drenagem

que até então não havia aparecido nos discurso dos periódicos.

Os problemas referentes às moradias do Conjunto Habitacional Jacobina IV eram

inúmeros e se agravavam quando somados a outros que são identificados e

frequentemente aparecem nos periódicos, tal como: reclamações quanto ao “mau

cheiro” constatado tanto no Conjunto Habitacional Jacobina IV, quanto no Jacobina

III, registrado mais uma vez no Jornal Primeira Página.

O mau cheiro é remetido a um vazamento na estação de tratamento do conjunto

habitacional Jacobina III, que ainda detém outro problema além do vazamento, os

matos que tomam conta do espaço em questão, sem nenhum tipo de prevenção ou

intervenção pública.

Abaixo temos o discurso jornalístico que dá a possiblidade de maior aproximação

para a análise deste agravante:

Em consequência do abandono e entupimento de manilhas, parte da água contaminada da Estação de Tratamento de Esgoto do Conjunto Habitacional Jacobina III está vazando e ao mesmo tempo incomodando os moradores do local e as pessoas que passam pala estrada que liga o conjunto à localidade de Canavieiras. O mau cheiro isalado é insuportável. Adultos e crianças não estão livres de contraírem uma doença Laura Enéas do Santos, que reside ao lado da estação disse

12 Fonte: Acervo do Arquivo Público Municipal de Jacobina, Abaixo-assinado pelos moradores da

Jacobina IV, 06 de março de 1992.

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que o vazamento está há mais de um mês e que sempre tem acontecido este problema. Além do vazamento, o mato tomou conta das dependências da estação, que não atende a finalidade pala qual foi construída. (PRIMEIRA PÁGINA, 31 de dezembro de 1995 a 6 de janeiro de 1996, p. 01).

No primeiro momento desta reportagem é feito um panorama geral da infraestrutura

da Estação de Tratamento de Esgoto do Conjunto Habitacional Jacobina III, situada

ao lado do Jacobina IV, a mesma é apresentada exalando mau cheiro por conta do

entupimento de manilhas que consequentemente possibilita a vazão do esgoto.

Nas linhas que se segue, na parte posterior desta notícia tem-se o posicionamento

dos órgãos responsáveis pela administração e conservação desta estrutura de

ordem pública, os mesmos não se posicionam de maneira objetiva para resolução

do problema, como se vê abaixo:

DIRES: Quanto às possiblidades das pessoas poderem ser contaminada por algum tipo de doença, procuramos o setor de vigilância Sanitária da Diretoria Regional de Saúde (Dires), onde na oportunidade conversamos com o sanitarista Artur Pereira. Ele disse que o máximo que o órgão pode fazer é enviar uma correspondência para o secretário municipal de Saúde expondo o que está acontecendo para que o município tome as providências necessárias. “Por Jacobina ser administrada por médicos há vários anos, a cidade deveria ser um primor de higiene sanitária. É inadmissível que em plena virada do segundo milênio, presenciemos cenas como estas”, ressaltou o sanitarista. EMBASA: O chefe do distrito da Embasa em Jacobina, Eduardo Menezes também disse que não poderia fazer nada, pois a empresa não é responsável por esse tipo de serviço no município. “Não cobramos taxa de esgoto nos recibos de água, se esse serviço fosse cobrado seria obrigação nossa cuidar também da parte de esgotamento sanitário. Há muito tempo que a prefeitura vem prestando esse tipo de serviço”, justificou. SECRETARIA DE OBRAS: Através do contato telefônico mantido com o secretário de Obras da Prefeitura Municipal, Antônio Miguel Figueiredo Sobrinho, na última quarta-feira, dia 3, ele nos informou eu o setor de obras já está providenciando o conserto do vazamento e limpeza da área. Ele garantiu que o mais rápido possível o problema estaria resolvido. (PRIMEIRA PÁGINA, 31 de dezembro de 1995 a 6 de janeiro de 1996, p. 01).

Conforme se percebe, referente a esta situação a DIRES (Setor de Vigilância

Sanitária e Diretoria Regional Saúde) disse que enviaria uma correspondência ao

Secretário de Saúde mostrando os riscos que essa situação provoca aos residentes

da região; a EMBASA, (Empresa Baiana de Água e Saneamento), por sua vez, disse

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não ter responsabilidade por não cobrar taxa de esgoto na cidade; já a Secretaria de

Obras garantiu que o problema seria resolvido não estipulando data prevista, o que

mostra o não comprometimento das esferas públicas em relação a esta situação

adversa de sub-humanidade.

A referida Estação de Tratamento está localizada no limite da divisão entre os

bairros Jacobina III e Jacobina IV, esta constatação possibilita percebermos que o

mesmo problema afeta duplamente os bairros trazendo prejuízos incomensuráveis à

saúde dos residentes da localidade.

Abaixo, pode-se analisar a fotografia impressa na mesma edição referente à matéria

citada acima.

IMAGEM 05:

“Completamente abandonada, a Estação de Tratamento é um problema para os moradores do

conjunto13

”.

É importante ter uma atenção peculiar ao fundo da imagem, pois, de forma bem

nítida, é visto o Conjunto Habitacional Jacobina IV, sendo relevante lembrar que,

13 Fonte: Jornal Primeira Página, página 01, Ano IV, nº 160, 31 de setembro de 1995 a 06 de Janeiro

de 1996.

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como outrora foi alertado, a Estação de Tratamento territorialmente localiza-se no

bairro Jacobina III, isto demonstra a proximidade das duas comunidades em

aspectos espaciais, e como um mesmo problema (senão vários) pode afetar de uma

só vez as duas localidades.

Ao olhar a imagem acima, logo num primeiro olhar, fica evidente que realmente as

denúncias referentes ao estado de completo a abandono da Estação de Tratamento

estão condizentes com a realidade exposta. Pode-se ver que os matos tomam conta

de toda área em questão, além de praticamente cobrir a construção existente, que

certamente deve servir enquanto aparato instrumental para o processo de

tratamento dos esgotos.

Paradoxalmente, o Jornal O Encarte, em 1998, o qual compõe um grupo político

divergente do Primeira Página, detém pontos de vista diferentes sobre a realidade

de infraestrutura e saneamento básico do Conjunto Habitacional Jacobina IV. Assim,

neste periódico, tais questões aparecem por meio de um discurso agressivo

relacionado à administração anterior, depositando nela a responsabilidade de todos

os problemas dessas localidades, sendo o novo gestor municipal apontado como o

possível regulamentador da situação.

Desta maneira, tem-se estampado na primeira página do jornal “O Encarte” a

manchete “Vida nova para o conjunto Lagoinha I” (nome de origem do Conjunto

Habitacional Jacobina IV), que trata da construção da sede da associação

comunitária pelo prefeito municipal do período. A matéria citada pode ser observada

integralmente abaixo:

Construído para abrigar famílias de baixa renda e diminuir o déficit habitacional existente em nossa cidade durante o inicio desta década, o conjunto habitacional Lagoinha I, ou, Jacobina IV, como ficou mais conhecido, transformou-se durante os anos que se seguiram num verdadeiro bolsão de miserabilidade, constituindo-se em alvo fácil para sanha de vândalos e traficantes, que acabam por adotar aquela unidade habitacional como ponto de referência para suas práticas delituosas. Com isso, os problemas que aparentemente sanam restritos ao conjunto, passaram a contaminar toda cidade. Inúmeras famílias abandonaram suas casas, muitas delas ameaçadas por várias ocorrências policiais, além da incapacidade e omissão da administração anterior que a tudo assistia sem que se fossem adotadas as devidas providências, pois a secretaria do Bem Estar Social do chamado “Governo Democrático II”,

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servia para abrigar a corrupção e o empreguismo. Fazendo parte do programa de recuperação dos bairros, promovido pela atual administração e, contando com o apoio da renovada Secretaria de Bem Estar, Voluntários Sociais, lideradas pela 1° Dama, secretária de Obras, Associação dos moradores da Lagoinha I e Caixa econômica Federal, o bairro que antes vivia relegado ao desprezo, hoje, é motivo de esperança para os seus moradores. Realizando um trabalho conjunto, a 1° Dama Sra. Valdice Castro e a Presidenta da Associação, Sra. Marileuza Rios, estão construindo uma nova realidade para o bairro Jacobina IV, apoiados por um governo mais humano e responsável. (O ENCARTE, 03 de janeiro de 1998, pg. 01).

Nesta reportagem são discutidos assuntos referentes à construção do prédio da

associação comunitária ou centro de integração comunitária no bairro Jacobina IV

“benfeitoria” realizada pelo atual gestor municipal. A seguir temos a fotografia do

referido episódio, imagem 06, na mesma tem-se uma placa da Prefeitura Municipal

de Jacobina anunciando a realização da obra:

IMAGEM 06:

Administração Leopoldo Passos traz alegria para o bairro Lagoinha I

14”

14 Fonte: Jornal O Encarte, página 01, 03 de janeiro de 1998.

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Na descrição da imagem foi-se escrito “administração Leopoldo Passos traz alegria

para o bairro Lagoinha I”, desta maneira, percebemos que o caráter denunciativo do

jornal O Encarte está imbuída de um cunho político para a propagação e

disseminação da imagem de um gestor municipal. Entretanto, a análise deste

periódico em paralelo com o Primeira Página mostra-nos as convergências entre

ambos ao descrever o mesmo contexto histórico apontando as mesmas

problemáticas sociais e discriminatórias.

Referente ainda ao contraponto das empresas jornalísticas da cidade, uma coisa

ainda é cabível ser evidenciada, o jornal Primeira Página pelos anos que seguem

esta pesquisa sempre denunciou o abandono da ordem pública municipal ao

Conjunto Habitacional Jacobina IV, porém uma constatação não pode deixar de ser

exposta, no ano de 1998 uma grande obra que beneficiaria diretamente a localidade

foi omitida pelos redatores deste jornal, desta forma, só se tem a informação da

construção da pista asfaltada que dá acesso a toda a região a partir da análise do

jornal O Encarte, especialmente na matéria abaixo:

Considerado um dos piores acessos existentes no perímetro urbano da cidade, o trecho que liga o centro aos bairros Jacobina III e Lagoinhas está sendo totalmente pavimentado com tratamento asfáltico, tendo sido iniciado pela avenida João Fraga Brandão [...] Já os bairros que se concentram ao longo da avenida, entre eles o Perú, Lagoinhas, Jacobina III e IV deixarão de conviver com buracos, lama, poeira que tanto desconforto causavam aos seus moradores que por várias oportunidades cobravam dos governos passados e, somente agora, na gestão de Leopoldo Passos, foram atendidos. As obras, assim como tantas outras realizadas em parceria com o governo estadual, serve para ilustrar a importância do jacobinense ter resgatado sua identidade política, que durante os últimos anos viveu ultrajada pelo radicalismo e incompetência dos opositores, levando o município a ficar de fora dos grandes projetos de infra-estrutura urbana, social e econômica, somente agora, neste governo, possibilitados pela credibilidade desta união política e administrativa que envolvem município, estado e união. (O ENCARTE, 27 de fevereiro de 1998, pg. 01).

De alguma forma, o asfaltamento descrito na citada matéria, realmente facilitaria o

aceso à região periférica da cidade composta, neste caso, especialmente, pelo

Jacobina IV. Outra percepção é que esta pavimentação possibilitaria também a

diminuição do nível elevado da poeira que atingia a estrada e certamente provocava

um prejuízo para saúde dos moradores locais.

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Cabe deixar explicito que neste texto não se tenta desmerecer os responsáveis pelo

jornal Primeira Página pelo ocultamento desta informação, mas antes lembrar que

as denúncias que clamavam pelo asfaltamento do citado trecho haviam sido feitas

por este periódico. Todavia, é notório que a rivalidade política local aguçada

inviabiliza o parecer sobre uma obra que dará bastante prestígio ao atual gestor

municipal.

A seguir tem-se a fotografia da região que na imagem 07 ganharia a pavimentação

justamente pelas péssimas condições que são apresentadas nas imagens:

IMAGEM 07:

Pavimentação asfáltica leva contentamento aos moradores

15”

É necessário reconhecermos a importância do contraponto dos dois jornais para o

enriquecimento das discussões e simultaneamente percebermos que os jornais do

período trazem em si um caráter denunciativo e mesmo que carreguem objetivos

políticos divergentes trabalham de maneira consensual no tocante ao discurso

15 Fonte: Jornal O Encarte, página 01, ano III, ano 195, 27 de fevereiro de 1998.

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discriminatório mascarado em serviço de utilidade pública referente às más

condições de vida, das péssimas moradias, da falta de saneamento básico e

principalmente da debilidade na segurança urbana.

Pautado numa reflexão crítica, num primeiro momento, é cabível não perder de vista

que essas denúncias e referencias de supostas prestações de serviço à comunidade

está transvestido de notícia que tem todo um plano de fundo sustentado por

aspirações monetárias iminentemente capitalistas e tendem consequentemente ao

favorecimento dos grupos que os sustentam. Do mesmo modo, por contraposição

designam os lugares nobres da cidade e não por coincidência local de moradia

desses mesmos grupos.

Num segundo plano, não de pode esquecer que essas matérias indiretamente

constroem a imagem de um “bairro pobre” e/ou “ruim” reforçando, senão criando ou

recriando estereótipos que são retransmitidos se perpetuando na sociedade. Por fim,

também se identifica que as notícias alertam a sociedade que algo não está

funcionando como deveria e precisa de uma revitalização, mesmo que associada ao

fortalecimento de grupos políticos específicos.

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CAPÍTULO III:

RELATOS SOBRE VIOLÊNCIA: JACOBINA IV NAS PÁGINAS POLICIAIS DOS

JORNAIS JACOBINENSES

Perceber o crescimento dos problemas inerentes ao Conjunto Habitacional Jacobina

IV mostra-nos que havia um descuido do poder público em relação aos residentes

desta localidade. Esta falta de ação e de políticas publica que atendam a esta

demanda populacional menos favorecida economicamente alavanca a disseminação

de vários outros problemas que afligem a ordem urbana.

A realidade infraestrutural e o desprezo público que aparecem fortemente nos dois

anos iniciais à pesquisa de alguma forma pode ter sido refletida na grande elevação

das práticas violentas e desviantes representadas pelos jornais nos anos posteriores

a 1998. Sendo assim, cabe lembrar que há a existência de matérias que denunciam

a falta de infraestrutura básica para a sobrevivência no período compreende os anos

de 1996 e 1997.

No que compreende o ano 1998, os problemas antigos do Jacobina IV de alguma

maneira parece ter crescido e desta forma se tornaram mais visíveis nos periódicos.

Através das matérias de cunho policial, o alto número de incidentes envolvido por

práticas violentas gradativamente cresciam tornando a região a mais temida da

cidade de Jacobina, preocupando inclusive os moradores dessa localidade, inertes

nesta situação de descaso público.

Abaixo se tem uma tabela que mostra justamente o crescimento do número de

matérias que tratam sobre as práticas criminais entre os anos de 1995 até 1998, no

jornal Primeira Página (tendo em vista que o jornal O Encarte só tem referência a

partir de 1998). Esta constatação de alguma forma deve relacionar-se com o

abandono das autoridades que administravam a cidade no período.

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Notícias sobre práticas criminais na Jacobina IV entre os anos de 1995 a 1998 no Jornal Primeira Página:

ANO QUANTIDADE DE MATÉRIAS CRIMINAIS

1995 5

1996 11

1997 6

1998 16

Analisar esta tabela nos faz refletir sobre as várias questões de cunho social, e

dentre elas percebemos que discutir sobre as contradições sociais, especialmente

pautando a discussão numa análise jornalística, leva-nos instantaneamente a pensar

a marginalidade ligada às classes subalternas, pelo menos é que se percebe a partir

dos discursos figurados de prestação de serviço de utilidade pública, isto, de certa

maneira parece mais conveniente para a manutenção do sistema em um estado de

estabilidade. Todavia, o principal fator que se liga diretamente a ideia da pobreza a

marginalidade é a violência urbana, e esta de maneira nenhuma pode ser

confundida com o desfavorecimento econômico, por outro lado, o que se percebe é

a intenção de segregar grupos para o benefício de outros.

Torna-se necessário expor que as associações feitas entre violência e pobreza

preocupam e devem ser evitadas, pois, de uma maneira estereotipada é constituída

uma visão distorcida do que é a pobreza, segregando grupos e colocando um

empecilho ao enriquecimento educacional. Quanto aos estudos urbanos o discurso

da violência, longe de atuar como “reformadora”, discrimina partes da cidade

compondo um marginal segregado.

Para desmitificar a ideia de que esses conjuntos de ações que excedem os padrões

de convivência estabelecidos como possibilitador de controle social devem ser

somente associados aos bairros pobres, o pesquisador Rubens George (1982)

discute no livro violência e cidade16 como esta ilusão foi ao longo do tempo, e ainda

continua sendo, impregnada de forma mecânica na sociedade contemporânea tendo

como pretensão reafirmar uma ligação da marginalidade com as classes de baixa

renda que compõem a base da pirâmide social.

16 GEORGE, Rubens in: BOSCHI, Renato Raul. Org. Violência e Cidade. Rio de Janeiro. Ed. Zahar

Editores. 1982.

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No mesmo sentido, outro autor, Theophilos Rifiotis, ao citar Foucault em uma das

suas abordagens, diz-nos que as práticas violentas estão em todos os lugares onde

há presença humana, nenhum espaço sendo imune a elas. Segundo essa

constatação, a relação entre violência e o poder se presenciaria então “nas relações

entre pais e filhos, na escola, nas relações de trabalho, na prisão, etc.” (RIFIOTIS,

2006, p. 05), de forma que, todos os lugares estariam envolvidos no embate inter-

humano, inclusive nos espaços acessíveis as classes de maior prestígio econômico.

O trecho acima reporta às ideias de Michael Foucault (1979) que em A Microfísica

do Poder deixa evidente que esta representação da força se expande por todos os

espaços da sociedade, sendo assim, ela pode ser registrado não somente em

comunidades periféricas, de baixa renda, e de péssimas condições de moradia.

Desta forma, o conjunto Habitacional Jacobina IV, assim como qualquer outro

espaço de convívio social está passivo as praticas desviantes, deixando evidente

que a pobreza não é fator determinante para a marginalidade.

Em tempo, cabe-se ressaltar que Rifiotis cita Foucault devido a sua importância para

o estudo da sociedade, todavia, deve-se registrar também a relevância deste teórico

para uma nova abordagem histórica. Para Foucault “tudo é histórico”, logo tudo deve

ser historicizado, dentro desta perspectiva a violência passa a ser um campo fértil

historicamente e com várias possibilidades de pesquisa.

Desta forma, segundo Reis:

“A história é escrita no plural: há histórias de... As „estruturas mentais‟ que se tornam o interesse central da pesquisa histórica, são plurais, múltiplas, heterogêneas, dispersas. A história não pensa mais o „global‟ mas o „geral‟, como definiu M. Foucault. O historiador pode tematizar tudo sob qualquer perspectiva”. (REIS, 2000, p.114).

Segundo a análise foucaultiniana, uma vez o historiador podendo tematizar tudo

relacionado ao homem e as suas relações sob qualquer perspectiva, não haveria

impossibilidade de abordagem para o Conjunto Habitacional Jacobina IV. Sendo

assim, esse bairro, bem como todos seus moradores, podem ser objetos de estudo

e análise de pretensões historiográficas.

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Foucault constitui-se porta-voz de questões não percebidas antes mesmo da

aceitação da “história cultural17” quando já era nítida a sua preocupação com o dia-

a-dia das pessoas e as práticas que as envolvia cotidianamente em todos os

aspectos possíveis.

No estudo sobre a violência, uma grande contribuição de Foucault para a historia é

focalização historiográfica na forma como o objeto de análise era enxergado pela

sociedade que o vivenciou, inclusive presenciando diretamente suas consequências,

para isto, ele não deixa de lado a faceta política e social ligada à repressão e ao

controle dessas práticas evasivas, aliando ao estudo dos discursos uma

historiografia das práticas.

Esta ideia de Foucault pode também ser indiretamente focalizada em Walter

Benjamin, este propõe uma nova compreensão histórica baseada acima de tudo na

priorização da experiência do fato, que é uma experiência única para quem a

vivenciou. Se considerarmos que várias pessoas podem ter vivenciado um

determinado fato caber-se-ia a ideia de recuperar os discursos possíveis a fim de

construir uma interpretação histórica sobre o mesmo da forma não convencional e

de maneira diferente da compreensão histórica tradicional.

Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialismo histórico se desvia dela. Considera sua matéria escovar a história a contrapelo. (BENJAMIN, 1987, p. 225).

Para delinearmos um caminho a partir do problema colocado acima, percebe-se que

existem alguns relatos em jornais de pessoas que vivenciaram a época e foram

afetados pelas consequências de certas práticas dando em contrapartida seu

parecer sobre como era viver sob essa realidade. Estas matérias constituem-se

enquanto fonte de extrema importância para dar possiblidades de respostas à

pesquisa, todavia, torna-se necessário estar atento que esses sistemas jornalísticos

17

História Cultural é uma perspectiva histórica imbuída na análise de manifestações artísticas tendo como proposta explicar o tempo analisado bem como os pensamentos, as expressões e os sentimentos que eram transmitidos por essas manifestações artísticas no período em questão. A partir de 1960 o estudo da cultura se expande e se vira em direção a antropologia, cabendo aqui um espaço para Edward P. Thompson com a “Antropologia Histórica”. A história cultural reconhece então a pluralidade de culturas existentes.

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desencadeiam um modelamento no corpo da cidade, processo que se inicia a partir

da apreciação por parte dos seus leitores.

Essa mutação histórica não transforma toda a organização que estrutura uma sociedade pela escritura. Inaugura um outro modo de usá-la. Um novo modo de usar a linguagem. Um funcionamento diferente. Deve-se pois relacionar a sua instauração com o trabalho, quase imemorial, que se esforça por colocar o corpo (social e/ou individual) sob a lei de uma escritura. Este trabalho precedeu a figura histórica assumida pela escrita na modernidade. E lhe sobreviverá. Ele se implica nela e a determina como uma arqueologia contínua à qual não sabemos mais que o nome nem que estatuto dar. Aquilo que aí se joga diz respeito à relação do direto com o corpo- corpo, ele mesmo, definido, circunscrito, articulado pelo que o escreve. (DE CERTEAU, 1998, 230-231).

Abaixo se tem o caso onde um pai de família residente no Jacobina IV, que diz estar

assustado com o que estava acontecendo no bairro, especialmente por conta da

violência e marginalidade, que o faz utilizar expressões populares para dizer que vai

se mudar, pois compara o seu bairro com uma “favela carioca”.

Crimes assustam:

“„Vou cair fora. A boca aqui tá preta‟. Esta é a frase de um pai de família que pediu para não ser identificado e que mora na Jacobina IV. Ele que é sergipano, está apavorado com a onda de violência da cidade. „O conjunto Habitacional Jacobina IV é uma verdadeira favela Carioca: está cheia de marginais‟, disparou.” (PRIMEIRA PÁGINA, ano IV, 18 a 24 de fevereiro de 1996, pg. 05).

A constatação apresentada acima pelo residente do local é chocante, porém, não é

um fato isolado. Em outra situação, porém um pouco parecida com a anterior, numa

outra edição do Jornal Primeira Página, um comerciante faz um discurso para os

repórteres explicando uma tentativa de assalto que lhe aconteceu quando voltava do

povoado de Canavieiras, que fica próximo à mineradora e tem por acesso a pista

que também liga o Jacobina IV, e justamente nessas proximidades foi alvejado por

um tiro de espingarda:

Comerciante compara bairro a favela do Rio:

O comerciante Valter Soares ainda não conseguiu se recuperar do susto que levou na última sexta-feira, por volta das 22 horas, quando retornava da localidade de Canavieira e seu Chevette de placa JKX-4519, foi alvejado por um tiro de espingarda de grosso calibre, em frente ao prédio da Creche

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do Banco do Brasil, próximo ao bairro Jacobina IV. O tiro atingiu o para-lama dianteiro esquerdo do veículo. Na opinião da vítima, eles queriam atingir o pneu de seu carro mas não tiveram sorte. Depois de morar mais de 25 anos em Salvador, Soares fez questão de explicar que está deixando aquela cidade por causa da violência, entretanto confessou ele, a situação de Jacobina lhe deixou assustado. “Fui informado que durante à noite aquela área é comandada pelas gangues que ali se abrigam, como acontece nas grandes favelas do Rio”, argumentou. O problema é tão sério, frisou Soares, que faz com que os taxistas evitem de pegar corrida para aquelas imediações. “Tomei conhecimento que os assaltos a ônibus são constantes na estrada que dá acesso à Jacobina IV. Vamos aguardar que as autoridades responsáveis façam alguma coisa para combater aquele foco de marginais”, protestou. (PRIMEIRA PÁGINA, ano VI, 04 de Julho de 1998, pg. 06).

Essas comparações são interessantes pois aproximam discursivamente bairros

distantes geograficamente, pesam tanto para o Jacobina IV quanto para as favelas

cariocas a ideia de violência.

Acompanhado ao discurso temos a seguir uma fotografia, imagem 08, publicada na

mesma edição jornalística que tenta dar conta, de maneira visual, da veracidade do

fato ocorrido. Na mesma percebemos o motorista indicando o local da perfuração

que a bala provocou no seu carro:

IMAGEM 08:

“Vítima mostra a marca da bala do tiro que recebeu nas proximidades do bairro Jacobina IV

18”

18 Fonte: Jornal Primeira Página, página 06, ano VI, 04 de Julho de 1998.

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Conforme podemos ver na imagem, o tiro acertou o para-lama dianteiro esquerdo do

carro de um comerciante, para ele os bandidos queriam acertar o pneu do seu carro,

mas não conseguiram. É interessante observar que o comerciante disse que morava

em Salvador e saiu de lá justamente por conta da violência, entretanto, também

disse que a realidade de Jacobina lhe deixou bastante assustado.

O comerciante apresentou a falta de segurança enquanto o grande problema do

Conjunto Habitacional Jacobina IV, esta interpretação faz alusão à realidade

percebida pela sociedade neste contexto. Dentre os vários agravantes evidencia-se

aos constantes assaltos a ônibus, além do fato dos taxistas não pegarem corrida

para a região durante a noite, para ele o problema é grave a ponto de assemelhar as

gangues locais as das favelas do Rio de Janeiro.

A indignação deste homem que vivenciou um momento de pânico proporcionado

pela violência na localidade certamente rende as páginas dos jornais mostrando o

que de fato aconteceu, exprimindo também um pensamento pessoal sobre o referido

acontecimento que a partir da publicação no jornal se tornará público a todas as

camadas sociais da região:

Da publicidade estatal ao jornalismo policial, passando pelos programas evangélicos, delineia-se uma fantasmagoria televisiva irônica e cruel: personagens populares saídos de um hiperrealismo-socialista, corpos dilacerados, depoentes que se revezam de madrugada. Somem-se as modorrentas celebridades locais e suas intimidades bizarras. A grande obscenidade é que tudo deve ser mostrado numa alegoria macabra do fim da vida privada. (DRUMMOND, 2012, pg. 06).

No transcorrer da reportagem acima, que vem acompanha da imagem 08, duas

questões pontuais precisam ser elucidadas, principalmente referente à “má fama”

que o referido espaço urbano já havia recebido neste contexto e consequentemente

havia se disseminado.

O primeiro plano de enfoque, certamente, deve estar relacionado ao poder que as

ferramentas midiáticas de difusão de conhecimento exercem sobre a sociedade de

maneira geral, sendo assim, pode-se questionar, até onde as matérias veiculadas

em periódicos reforçam esta ideia de bairro perigoso, atrelado ainda às ideias

infraestruturais já discutidas, e quem são os reais interessados na difusão destes

tipos de notícias?

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Para isso nos apoiamos nos discurso de Ciro Marcondes Filho:

O tratamento que sofre a notícia antes de chegar ao receptor é o principal modo de se operar a chamada “manipulação” jornalística. Entre a concorrência de um fato social relevante, o acontecimento “objetivo” e sua apresentação ao público surgem diversas formas de intervenção que alteram sensivelmente o caráter e, principalmente, o efeito dessas notícias. É nessa altura que se opera a adaptação ideológica, a estruturação da informação com fins de valorização e de interesses de classe. O falseamento não se dá, via de regra, de forma intencional; ao contrário, normalmente ele faz parte da própria forma do jornalista estruturar seu mundo, de discernir fatos (inconscientemente) com uma “visão dominante” [...] Em verdade as “normalizações técnicas” do como produzir uma notícia atuam de tal forma que castram grande parte do potencial crítico e da periculosidade das notícias. (FILHO, 1986, p. 39).

Em segundo plano, cabe ressaltar que de alguma forma a vítima que teve seu carro

aferido por uma bala ao transitar pela região do Jacobina IV está envolvida por uma

realidade assustadora para o período, e de frente a um bairro onde a crescente

“onda” violenta gradativamente toma conta do espaço urbano deixando os próprios

moradores por vezes imobilizados diante da realidade vivenciada, sem nenhuma

perspectiva de reação diante dos inúmeros fatos registrados nas ocorrências

policiais deste contexto.

Neste sentido, em Michel Focault percebemos que:

[...] a arte de punir, no poder disciplinar [...] põe em funcionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em função dessa regra de conjunto – que se deve fazer funcionar como base mínima, como média a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto. Medir em termos quantitativos e hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nível, a “natureza” dos indivíduos. Fazer funcionar, através dessa medida “valorizadora”, a coação de uma conformidade a realizar. Enfim traçar limites que definirá a diferença em relação a todas as diferenças, a fronteira externa do anormal (a “classe vergonhosa” da Escola Militar). A penalidade perpetua que atravessa todos os pontos e controla todos instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeniza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza. (FOUCAULT, 2011, pg. 176).

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Desta maneira, podemos analisar que a percepção das práticas marginais só pode

ser evidenciada a partir da contraposição desta com o que foi convencionado como

conduta aceitável pela sociedade, é a comparação dos atos singulares com os do

conjunto. Dentro dessa lógica, questiona-se, quem convenciona as normas que

regulam a sociedade? E nas sociedades contemporâneas qual a importância dos

meios de comunicação nessa regulação?

Percebemos então que existe o interesse de uma camada social para a cristalização

de um conjunto de regras, onde se tenta homogeneizar as condutas sociais para

todos os indivíduos e quando se consegue entrar num estado de conformidade esse

conjunto de normas termina por valorizar um grupo e em contraposição a outro

seguimento social.

Parte da percepção que foi discutida acima, pode ser percebida de uma matéria

encontrada no jornal “Primeira Página”, datada em 12 de abril de 1997, inclusive já

citada neste trabalho, onde Iracema Magalhães, moradora da Quadra 03, Caminho

no Conjunto Habitacional Jacobina IV, nitidamente, em tom de desabafo relata seu

descontentamento referente às imposições feitas pela marginalidade que afeta aos

moradores da região e estes acabam por ficar impactados, sem nenhum tipo de

reação ante a esta situação. Este desabafo está sobrecarregado de um discurso

convencional sobre as práticas evasivas, mostrando que esta construção do certo ou

errado é perpassada por um cunho inteiramente social e normativo:

À noite isso parece uma favela onde impera o medo e a lei do silêncio‟, revela outra moradora que pede para não se identificar com medo de represálias. Segundo ela, a polícia não faz ronda no bairro o que tem estimulado o aumento do seu número de traficantes e viciado em drogas. (PRIMEIRA PÁGINA, 12 de Abril de 1997, pg. 01).

Ainda na percepção de ideias cristalizadas socialmente, em outro momento, uma

queixa parecida faz parte da retórica de outra parcela de residentes do Conjunto

Habitacional Jacobina IV, desta feita, as críticas dos moradores as autoridades

responsáveis pela segurança faz parte de um conjunto de acusações apontadas a

um indivíduo conhecido como o “aterrorizador” local que age sem nenhum tipo de

restrição ou intervenção policial, impondo suas próprias leis à localidade:

“O Aterrorizador”

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Todos se calam diante das suas ameaças. Todos de temem de sua presença. É assim que os moradores do Caminho 12, Bloco 03, na Jacobina IV, encaram um elemento conhecido por “Nildo”, que segundo informações, vem há muito tempo aterrorizando o local. Ligações denunciando o fato à nossa redação dão conta de que o “valentão” vem impondo a lei do silêncio no bairro e as pessoas são obrigadas a se calar para não sofrer represálias [...] há cerca de 15 dias ele acabou se ferindo com um tiro na perna quando tentou contra a vida de um rapaz. Este reagiu e levou a melhor. “Esse cara é acostumado a efetuar disparos na rua e até agora nunca foi punido por seus atos”, desabafaram alguns moradores acrescentando que, querem justiça e paz. Eles fizeram um apelo dramático as autoridades competentes, solicitando punição para o infrator. “Vivemos esquecidos, sem saneamento básico, sem segurança e sem paz em nossas vidas”, declarou uma dona de casa. (PRIMEIRA PÁGINA, 23 de maio de 1998, pg.06).

Nesta ocasião, conforme vemos, os moradores apelam por uma participação policial

mais ativa na região, alegando estarem esquecidos pelas autoridades públicas. Esta

constatação mostra a inconformidade dos habitantes do Jacobina IV no que diz

respeito à situação que os problemas no bairro chegaram, principalmente, no

tocante a violência desencadeada pelos delinquentes que infringem a regras

socialmente convencionadas, sendo resultante do abandono do poder público local e

policial.

Se o delinquente só existe deslocando-se, se tem por especificidade viver não à margem mas nos interstícios dos códigos que desmancha e desloca, se ele se caracteriza pelo privilégio do percurso sobre o estado, o relato é delinquente. A delinquência social constituiria em tomar o relato ao pé da letra, toma-lo como principio da existência física onde uma sociedade não oferece mais saídas simbólicas e expectativas de espaços a pessoas ou grupos, onde não há mais outra alternativa a não ser o alinhamento disciplinar e o desvio ilegal, ou seja, uma forma ou outra de prisão e a errância do lado de fora. (DE CERTEAU, 1998, 216).

Há uma notória preocupação dos moradores da região com a coerção dos

indivíduos infratores locais, essa preocupação referente à correção aos delinquentes

que infringem as regras convencionadas, de uma maneira punitiva, permeia o

pensamento dos indivíduos inseridos num contexto social:

Essa necessidade de um castigo sem suplicio é formulada primeiro com o grito do coração ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos sua “humanidade”. Chegará o dia,

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no século XIX, em que esse “homem”, descoberto no criminoso, se tornará o alvo da intervenção penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o domínio de uma série de ciências e de práticas estranhas – “penitenciárias”, “criminológicas”. Mas essa época das luzes, não é como tema de um saber positivo que o homem é posto como objeção contra barbárie dos suplícios, mas como limite de direito, como fronteira legítima do poder de punir. Não o que ela tem de atingir se quiser modifica-lo, mas o que ela deve deixar intacto pode estra em condições de respeitá-lo. Noli me tangere. Marca o ponto de parada imposto à vingança do soberano. O “homem” que os reformadores puseram em destaque contra o despotismo do cadafalso é também um homem-medida: não das coisas, mas do poder. (FOUCAULT, 2011, pg. 72).

Voltando mais uma vez para a reportagem do carro acertado com um tiro no para-

lama, extraímos ainda outro grave problema local, a mesma faz jus aos vários

assaltos a coletivos registrados nos boletins de ocorrências policiais, abaixo se tem

quatro matérias referentes a assaltos a coletivos na cidade de Jacobina no ano e

1998. O que marca profundamente a análise é que nas páginas do periódico

Primeira Página, no ano comentado, quatro assaltos a ônibus no ano foram

registrados sendo todos nas imediações do Conjunto Habitacional Jacobina IV e

nenhum assalto sendo remetido a outra parte da cidade.

É importante perceber que neste período os assaltos a coletivos pareciam ser um

dos principais problemas referente à localidade mostrado nas páginas deste jornal.

Na reportagem abaixo, pode-se analisar que dois ônibus foram assaltados no

Jacobina IV num intervalo de apenas quatro dias, os mesmos pertenciam à empresa

Viação Cidade de Jacobina.

Dois ônibus assaltados:

Cinco homens armados de revólveres, usando máscaras, assaltaram às 22h40min de quarta-feira, no bairro da Jacobina IV, um ônibus coletivo da Viação Cidade de Jacobina, de placa BWS-8075. Os bandidos levaram os pertences do motorista e R$ 80,00 do cobrador. O valor roubado da empresa não foi divulgado. Este é o segundo assalto em quatro dias. No último domingo dois elementos desconhecidos assaltaram o coletivo 860, placa BWS-8073, levando todo o dinheiro do caixa (R$ 150,00) e vários vales-transportes. (PRIMEIRA PÁGINA, 04/04/1998, pg. 06).

O que chama a atenção na matéria é o curto espaço de tempo entre os dois

acontecimentos expostos o que certamente expõe a falta de segurança que envolvia

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este espaço urbano jacobinense. Porém, mesmo com a morosidade do sistema

referente a projetos sociais que surtam efeito, cabe fazer a consideração de que

este fato analisado foi “resolvido” poucos dias após o acontecido quando a suposta

gangue responsável pelos assaltos a coletivos foi “desbaratada”, termo este utilizado

pelo próprio noticiário, sendo assim, é informado para a sociedade, como forma de

prestação de serviço, a apreensão dos indivíduos que desarticulam a ordem social

estabelecida. Segue abaixo a reportagem que onde se encontra a informação citada:

Desbaratada a Gangue que assaltava coletivos

Agentes da polícia civil, lotados na 12ª Dirpin, prenderam na ultima segunda-feira, três integrantes da quadrilha que assaltou os dois coletivos da Viação Cidade de Jacobina no bairro Jacobina IV. Dorival Machado Lima, o Mamão, 19 anos; Fabrício dos Santos, o Fofão, 18 anos; e Florisvaldo de Jesus Santana, o Nen, 23 anos, foram presos quando já articulavam outro assalto. Os bandidos apontaram os nomes dos outros membros do bando: Tampinha, Biloca, Nego Edi, e Mantena. Estes três últimos estão foragidos [...] (PRIMEIRA PÁGINA, 11/04/1998, pg. 6).

A resolução deste caso com a prisão dos suspeitos revela-nos ainda outro problema,

a idade ínfima que infratores tinham, todos os presos eram jovens, sendo que o mais

velho tinha apenas 23 anos. Esta constatação é de suma importância uma vez que

pela análise das fontes percebe-se pouca ou nenhuma ação pública para a reversão

desta realidade através de políticas públicas voltadas para os jovens.

Outro fato revelado é que a prisão destes indivíduos, além de esclarecer os assaltos

a coletivos, levou os agentes policiais à outra descoberta, esta quadrilha era também

responsável por outros crimes na região, inclusive as residências locais. Esta nova

informação foi passada exatamente pelos moradores, o que mostra que de alguma

forma a população não concordava com a situação que essas práticas desviantes

tinham chegado, esta informação pode ser vista na sequência da matéria abaixo:

A quadrilha que foi desarticulada, de acordo informações, é responsável por outros assaltos e arrombamentos a casas residenciais. Em sua última ação os bandidos usava máscaras para não serem reconhecidos pelos passageiros do coletivo da Viação Cidade de Jacobina. Semana passada o líder da gangue, Mantena, tentou matar a tiros o seu comparsa Mamão durante a partilha de um roubo. O assaltante deu entrada no Pronto Socorro do Hospital Antônio Teixeira Sobrinho com três perfurações de balas. (PRIMEIRA PÁGINA, 11/04/1998, pg. 6).

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Nesta parte da matéria fica evidente que no ultimo assalto os infratores utilizaram

máscaras para evitar o reconhecimento por tarte dos moradores, mostrando o nível

que a criminalidade havia chegado. É notório que estes fatos de certa forma refletem

a realidade local e prova que a situação havia saído totalmente do controle das

autoridades regionais.

Conforme vemos, dentro de todo esse contexto, a polícia descobriu que os citados

elementos ainda planejavam agir no local e que estavam discutindo qual seria a

próxima ação, além disso, outro agravante envolve esta história, dois dos bandidos

envolvidos nos crimes citados se envolveram numa briga interna pelo dinheiro do

assalto o que levou um deles, o “Mamão”, para o Pronto Socorro do Hospital Antônio

Teixeira Sobrinho com três ferimentos de bala disparadas pelo seu comparsa e líder

da gangue, o “Mantena”.

É importante percebermos que esta tentativa de homicídio contra o Mamão,

apresentado nesta edição como o delinquente residente na Jacobina III, havia sido

veiculada na edição do jornal anterior a resolução do caso pelos policiais, desta

forma, na data de 04 de abril de 1998, ao lado do informativo do assalto a dois

coletivos citado acima, havia o seguinte noticiário:

O delinquente Lourival Machado lima, o Mamão, de 19 anos, que mora no Caminho 32, nº10, na Jacobina III, foi baleado por dois comparsas na ultima terça-feira à noite, no bairro Jacobina IV. Os três marginais estavam drogados quando se desentenderam durante a prestação de contas da venda de alguns papelotes de maconha. Mamão, foi ferido na mão direita, tórax e dorso. O primeiro disparo, segundo o delinquente, foi deflagrado pelo marginal conhecido por Mantena. Com o corpo tatuado e usando brincos, Mamão foi submetido a uma cirurgia no Hospital Antônio Teixeira Sobrinho. (PRIMEIRA PÁGINA, 04/04/1998, pg. 06).

Cabe analisarmos que a divulgação desta notícia resguardava o ponto crucial do

fato, a real motivação deste atentado, que conforme vimos, estava relacionada à

repartição dos lucros do assalto. Segundo o que primeiramente foi difundido pelo

periódico, o episódio havia acontecido por aspirações referentes ao tráfico e

prestação de contas da venda de papelotes de maconha, o que na semana seguinte

foi esclarecido pela polícia, revelando inclusive quem era o líder da gangue que agia

na região.

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Os ônibus coletivos pareciam ser um alvo fácil para a bandidagem das imediações

do Jacobina IV, tanto que poucos meses após de ter sido noticiado os dois assaltos

discutidos foi registrado mais outro roubo à mão armada, desta vez, o mesmo

aconteceu no bairro Jacobina III, próximo ao Jacobina IV.

3º Assalto a coletivo

A polícia prendeu quarta-feira à noite os elementos Fabrício dos Santos, Edilênio Santana Ribeiro, Genival Pereira da Silva e o menor F. A. S., todos acusados de assalto a coletivo da Viação Cidade de Jacobina, no último sábado à noite, no bairro Jacobina III. A gangue levou todo o dinheiro do caixa, isto é, R$ 180,00. Foi o terceiro assalto contra a empresa este ano. (PRIMEIRA PÁGINA, 06/08/1998, pg. 06).

É importante constatar que nesta matéria fica evidente que esse foi o terceiro

assalto contra a empresa Viação Cidade de Jacobina no ano de 1998. Esta

informação passada pelo periódico Primeira Página em contraste com que foi o

mostrado nas suas edições anteriores dá-nos a noção de que os três assaltos a

ônibus coletivos em jacobina em 1998, até a data da edição desta matéria,

ocorreram justamente nas imediações do Conjunto Habitacional jacobina IV, o que

certamente deve ter servido para a constante construção jornalística do estereótipo

de “bairros ruins” ou de maneira mais específica, “bairros perigosos” jacobinenses.

Além do registro dos três episódios já mostrado acima, poucos meses depois, outro

assalto a ônibus foi exposto na parte policial do jornal Primeira Página datado em 07

de novembro de 1998, desta forma, totaliza-se o quarto episódio deste tipo em

jacobina, e o mesmo mais uma vez aconteceu no Jacobina III, região próxima ao

Jacobina IV. Acompanhemos o discurso jornalístico abaixo:

Motorista de ônibus ferido à bala na Jacobina III

Um homem alto, forte, moreno aparentando uns 25 anos tentou matar o motorista da Viação Cidade de Jacobina, Dario Severo dos Santos, 53 anos, por volta de 23h40 no bairro Jacobina III. O marginal, de identidade ignorada, se aproximou do ônibus e efetuou cerca de cinco disparos de curta distância. Uma das balas atingiu o motorista pelas costas e ficou alojada próxima ao pulmão direito. Ele foi levado para o Hospital Antônio Teixeira Sobrinho, onde se encontra internado. No início do ano, Dario foi assaltado no mesmo local onde sofreu o atentado. A polícia já está investigando o caso, mas não tem pistas do autor dos disparos. (PRIMEIRA PÁGINA, 07/11/1998, pg. 06).

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Este acontecimento citado, conforme se percebe, tem ainda outro agravante, o

motorista do coletivo acabou sendo baleado pelas costas perto pulmão tendo que

ser internado, o curioso é que o mesmo motorista já havia sido vítima de um dos

assaltos que haviam ocorrido aos coletivos no mesmo ano e que por sinal foi

publicado no jornal.

A seguir tem-se a imagem 09 onde o motorista ferido após mais esta tentativa de

assalto à coletivos na região está deitado no que parece ser um leito hospitalar,

porém, antes de analisarmos a imagem é interessante perceber a mesma enquanto

mercadoria a ser vendida juntamente com o jornal, desta forma, o seu real objetivo é

eminentemente comercial numa experiência comum que aproxima os meios de

comunicação do consumo através de uma construção fotográfica.

Nos termos benjaminianos adentrávamos na reprodutibilidade e exponibilidade imagéticas (BENJAMIM, 1991), embora a publicização dessas primeiras fotografias fosse ainda extremamente limitada aos meios restritos da boemia estética, o devir mercadoria da imagem, no bojo das profundas transformações do capitalismo na segunda metade do século XX, prenunciava a aliança entre consumo e comunicação em detrimento das formas expressivas que a refutavam. A maneira de representarmos as nossas cidades através das imagens não sairia ilesa desse processo. (DRUMMOND, 2012, pg. 01).

IMAGEM 09:

Motorista ferido a bala: Dario Severo foi baleado pelas costas

19”

19

Fonte: Jornal “Primeira Página”, página 06, ano VI, 07 de novembro de 1998.

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Se por um lado o periódico Primeira Página se preocupava incessantemente em

relatar os vários assaltos a coletivos na região, O Encarte por sua vez, estava

voltado para notícias boas da gestão municipal, pois durante todo ano só faz

menção ao último episódio citado, quando o motorista é ferido no tórax, imprimindo

assim o seguinte discurso:

Ônibus é assaltado no bairro da Jacobina III

Os marginais continuam cada vez mais ousados na prática do crime em nossa cidade. Desta feita, registrando-se com maior frequência os delitos praticados contra os coletivos que fazem a linha urbana, principalmente no horário noturno, o que vem intranquilizando motoristas, cobradores e passageiros usuários deste meio de transporte [...] Quando o motorista realizava uma manobra com o coletivo, surgiu um individuo moreno, alto, magro, de bigode ralo e olhos puxados, aparentando-se ser descendente de japonês, usando tôca e portando um revólver, anunciou para o motorista que alí estava sendo realizado um assalto. Em seguida, o mesmo individuo efetuou vários tiros em direção ao coletivo, chegando um dos projéteis a atingir o condutor do veículo na região lateral do tórax [...] (O ENCARTE, 07 de novembro de 1998, pg. 6).

Com base nos dois discursos citados percebe-se que apesar do fato em questão

tenha realmente acontecido, é perceptível que a construção textual que procura

“informar” o fato aos leitores é diferente, principalmente pelo fato do jornal O Encarte

adotar uma postura mais agressiva relacionada aos infratores. Esta postura, talvez

tenha algum tipo de ligação ao fato desses indivíduos “mancharem” a imagem da

ordem que a gestão municipal apoiada por este periódico tentava manter. Desta

maneira, toda a culpa é transferida para os indivíduos considerados marginais, que

são chamados de ousados justamente por praticar diversos crimes na cidade,

principalmente os direcionados aos ônibus coletivos.

Se o assalto a coletivos era um grave problema local, havia ainda outras práticas

desviosas exercidas por parte dos moradores da região. Arrombamentos, roubos

(inclusive no bairro) e tráfico de drogas são alguns das ações que podemos

qualificar enquanto demonstrativas desta realidade avessa às normas sociais

estabelecidas.

Polivalente, em fim, porque a mistura de tantos micro-relatos lhe atribui funções que variam ao sabor dos grupos onde circulam. Essa polivalência não toca entretanto as origens relacionais da narratividade: o antigo ritual criador de campos

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de ações pode ser reconhecido em “cacos” de relatos plantadas em torno dos liminares obscuros de nossas existências; esses fragmentos escondidos articulam inconscientemente a história “biográfica” cujo espaço fundamentavam. (DE CERTEAU, 1998, 211).

Abaixo, pode-se analisar outra reportagem do Primeira Página, esta dá conta da

prisão de algumas pessoas, dentre elas encontra-se o “Combasta”, que confessou

ter participado de um dos assaltos a coletivo na região. A prisão ocorreu durante

uma ronda policial na redondeza do Conjunto Habitacional Jacobina IV.

Arrombador também assaltava ônibus.

Durante ronda realizada no último domingo na Jacobina III e IV, a polícia prendeu dois arromabadores: Fabiano Andrade de Souza, 18 anos, o “Combasta”; e Márcio Jesus dos Santos, 19 anos, o “Boião”. Enquanto o primeiro é acusado de ter arrombado uma casa comercial no bairro de Nazaré, levando várias mercadorias, o segundo vinha sendo procurado desde que arrombou uma padaria na Jacobina III.

“Combasta” confessou ter participado de um dos assaltos ao ônibus da Viação Cidade de Jacobina, juntamente com “Biguinha” e Edileno. Ainda na Jacobina III, os policiais localizaram na casa de um elemento conhecido como “Xililico” vários objetos roubados, entre eles, bicicleta, fogão, aparelho de som, espingarda, e uma pequena quantidade de maconha. (PRIMEIRA PÁGINA, 12/12/1998, pg. 06).

A partir de todas as situações já mostradas pergunta-se: onde estavam as medidas

de políticas públicas para darem conta dessas situações? O que se pode expor de

acordo o que se observa nos relatos dos periódicos é que o debate das autoridades,

tal como já foi apresentada no início deste trabalho datada em 1996, não era mais

visualizada no período de 1998, o motivo é incerto, porém, é de se evidenciar que

neste contexto o número de ocorrências policiais em jornais atingiam a cada dia um

nível mais elevado.

Se tudo neste contexto já se delineava enquanto um grave problema jacobinense,

outro questionamento ainda é cabível de ser feito, será que a forma de punição

adotada, o aprisionamento carcerário (ou o modelo dessas prisões), seria a solução

para os dilemas da sociedade. Foucault, discorrendo sobre as diversas práticas

prisionais se mostra cético a eficácia da prisão no sentido da “(re) socialização” dos

indivíduos presos por praticar ações delinquentes:

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As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplica-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, pior ainda, aumenta [...] A detenção provoca a reincidência; depois de sair da prisão, tem-se mais chance de voltar para ela, os condenados são, proporção considerável, antigos detentos; 38% dos que dos que saem das casas centrais são condenados novamente e 33% são forçados [...] (FOUCAULT, 2011, pg. 251).

Para Foucault, existe uma lógica para que as reincidências criminais sejam

fortemente visualizadas, desta forma, ele atribui o alto número de antigos presos que

retornam a prisão a própria conjuntura deste sistema carcerário contemporâneo: a

segregação, a prática de trabalhos considerados inúteis constituem-se, para

Foucault, enquanto expoente à permanência na criminalidade:

A prisão não pode deixar de fabricar delinquentes. Fabrica-os pelo tipo de existência que faz os presos levarem: que fiquem isolados nas celas, ou que lhes seja imposto um trabalho inútil, para o qual não encontrarão utilidade, é de qualquer maneira não “pensar no homem em sociedade; é criar uma existência contra a natureza inútil e perigosa”; queremos que a prisão eduque os detentos, mas um sistema de educação que se dirige ao homem pode ter razoavelmente como objetivo agir contra o desejo da natureza? A prisão fabrica também delinquentes impondo aos detentos limitações violentas; ela se destina a aplicar leis e a ensinar o respeito por elas; ora, todo seu funcionamento se desenrola no sentido do abuso de poder. (FOUCAULT, 2011, pg. 252).

O discurso acima é correlato do que se pode perceber na realidade local,

especialmente no que tange as práticas criminais no Conjunto Habitacional Jacobina

IV. Abaixo tem-se uma matéria que expõe momentos de terror para a população da

Jacobina IV, isto foi ocasionado por conta de uma troca de tiros onde um dos

envolvidos já tinha passagens (no plural) pela polícia.

A rixa entre o carpinteiro Odair José Araújo da Silva e o menor delinquente F. S., vulgo “fofão”, resultou numa troca de tiros no bairro Jacobina IV na ultima terça-feira. Os dois foram detidos pela polícia e conduzidos ao complexo policial. Segundo a versão de Odair, ferido na mão esquerda, ele se dirigia para o trabalho quando avistou o “Fofão”, que o tinha Jurado de morte. „Eu não pensei duas vezes. Saquei uma pistola e disparei, dando início a troca de tiros. F. S. acabou me alvejando na mão esquerda‟, disse. Segundo informações “Fofão” tem passagens ela polícia. (PRIMEIRA PÁGINA, 13/06/1997, pg. 08)

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Se o encarceramento, pelo menos a longo prazo, não se encontra enquanto uma

forma plausível para a solução total dos problemas concernentes as práticas

evasivas em números colhidos a partir das reincidências criminais, a educação,

conforme vimos acima, aparece para Foucault como a saída mais eficaz para a

diminuição dos danos que a violência propunha, porém, pelo que se percebe,

nenhuma medida educativa parecia ser executada na localidade e isso

consequentemente alavancava os registros da criminalidade, inclusive nos

periódicos pesquisados.

De certo, é extremamente evidente a existência de um apelo midiático transvestido

de prestação de serviço de utilidade pública, explorando pelo lado do

sensacionalismo as várias problemáticas que assolavam a região do Conjunto

Habitacional Jacobina IV. Não há como negar que existiam interesses políticos e

econômicos permeando os relatos jornalísticos para a difusão de matérias onde a

degradação humana em que viviam os oprimidos se tornasse evidente, para isso, os

discursos davam conta de abordagens que envolviam a miséria, falta de

infraestrutura e principalmente a violência:

Nesse questionamento da justiça penal e dos limites que ela estabelece cuidadosamente em torno da delinquência, é característica à tática do que poderíamos chamar o “contranoticiário policial”. Para os jornais policiais, o importante era transformar o uso que se dava aos crimes ou aos processos nos jornais que, à maneira da Gazette des tribunaux, “alimentavam de sangue”, se “alimentam de prisão” e fazem representar todo dia “um repertório de melodrama”. O contranoticiário policial destaca sistematicamente os fatos de delinquência da burguesia, mostrando que ela é a classe submetida à “degenerescência física”, à “podridão moral”; substitui os relatos de crimes cometidos por gente do povo pela descrição da miséria em que caem os que exploram e que, no sentido estrito, os deixam com fome e os assassinam; mostra nos processos criminais contra os operários a parte de responsabilidade que deve ser atribuída aos empregadores e à sociedade inteira. Enfim, empenha-se todo o esforço para transformar esse discurso monótono sobre o crime, procurando ao mesmo tempo isolá-lo com uma monstruosidade e fazendo cair todo o seu escândalo sobre a classe mais pobre. (FOUCAULT, 2011, pg. 273, 274).

Explorar questões que falam sobre extravio da ordem social, bem como, a violência

e suas múltiplas facetas “alimentando de sangue” e “de prisão” as páginas dos

jornais, parece ser conveniente para a sustentação de um estereótipo (talvez até de

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maneira inconsciente para os redatores) que inferiorizam os menos favorecidos

economicamente e ostentam os que antagonicamente mantêm o domínio da

sociedade.

Pensar essas questões leva-nos a perceber o Conjunto Habitacional Jacobina IV,

bem como seus moradores, enquanto vítimas de um sistema social cruel que de

maneira econômica e política segregam grupos. Esta segregação paradoxalmente

vem sustentada enquanto serviço público, mais a logo prazo refletem da

desigualdade e marginalidade cristalizando discursos discriminatórios e reforçando

estereótipos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a construção de uma análise histórica tornam-se visíveis algumas

constatações que durante todo trabalho são apresentadas pelo pesquisador ao

leitor. Algumas dessas percepções de forma mais enfática podem ser sentidas no

corpo do texto, dão sentido à pesquisa e se constituem enquanto pontos centrais

dos discursos.

Sendo assim, a partir das fontes e da tentativa de tornar visível o cotidiano urbano

jacobinense foi possível identificar que o mesmo estava atrelado à ideia de uma

segregação espacial simbólica, envolvido numa série de conflitos políticos e

degradação infraestrutural que consequentemente aguçava a elevação das práticas

violentas.

Ratifica-se que a utilização de jornais serviu como o norte para esta pesquisa

histórica e foi empreendida a partir de uma linha criteriosa de análise uma vez que

esta ferramenta midiática está à disposição de convicções ideológicas e políticas, e,

estando em contato direto com o público possibilitam a formação de opinião que, de

alguma forma, também perpassa pelos interesses políticos e econômicos.

No estudo das matérias nos periódicos pode ser constatado de maneira indireta que

existe um apelo social para a permanência de um padrão comportamental no

tocante aos indivíduos que residem em determinados bairros. Essa produção

discursiva é correlata de práticas de intervenções sistemáticas por parte dos órgãos

de repressão nos bairros segregados. Através dos discursos extraídos dos jornais

parece que a moldagem destes indivíduos em um corpo dócil, dentro dos padrões

convivência, só será possível através da apreensão dos mesmos sob o regime

prisional, que regulamentado por uma sociedade disciplinar poderá mais uma vez

manter o controle sobre os seus corpos.

É importante relembrar que os jornais do período trazem em si um caráter

denunciativo e mesmo que carreguem objetivos políticos divergentes trabalham de

maneira consensual no tocante ao discurso discriminatório mascarado em serviço de

utilidade pública referente às más condições de vida, das péssimas moradias, da

falta de saneamento básico e principalmente da debilidade na segurança urbana.

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Essas denúncias indiretamente constroem a imagem de um “bairro pobre” e/ou

“ruim”, e por outro lado, alertam a sociedade que algo não está funcionando bem e

que precisa de uma revitalização associada ao fortalecimento de grupos políticos.

A utilização das fontes pode nos conduzir a outra reflexão pontual sobre até onde

esses os periódicos Primeira Página e O Encarte reforçam e constroem estereótipos

sobre o bairro Jacobina IV, de maneira incisiva, como “bairro perigoso”, marginal e

desprovido de civilidade. Constatou-se que através dos relatos midiáticos (mesmo

que utilizando o discurso de prestação de serviço), parece que morar nesse local é

sinônimo de envolvimento com a marginalidade, transferindo quase toda a falta de

segurança e planejamento urbano jacobinense unicamente para esse bairro

periférico.

Os vários problemas existentes no contexto histórico citado pelos periódicos foram

expostos neste trabalho, dentre eles percebemos: a destruição, e precariedade das

moradias que são notórias em alguns dos discursos explorados nas linhas dos

jornais, além de outros problemas enfrentados pelos residentes na localidade, sendo

eles a inadimplência, a falta de saneamento básico e atendimento médico suficiente

para a demanda populacional, e principalmente os registros de violência urbana.

De certa forma, as matérias jornalísticas demonstram os problemas referente ao

Jacobina IV aludidos às origens, quando em 1991 o bairro foi fundado por iniciativa

por meio de financiamento da Caixa Econômica Federal com recursos do FGTS

(Fundo de Garantia por Tempo de serviço). Estas precariedades relacionadas à falta

de condições básicas de habitação registrado no cotidiano dos moradores do

Conjunto Habitacional Jacobina IV, teoricamente não deveriam existir, uma vez que,

na documentação oficial da construção, estudado neste trabalho, o Boletim da

Prefeitura Municipal de Jacobina de 03 de Abril de 1991, eram requisitos básicos

assegurados nesse projeto de habitação.

O desenvolvimento e desfechos (mesmo que parciais) de uma pesquisa são

extremamente enriquecedores para um aluno/pesquisador, proporcionando o

contado direto do mesmo com a sua fonte de análise. Ficam nítidos os avanços

durante a pesquisa, bem como o amadurecimento que essas atividades

proporcionam para o decorrer da trajetória acadêmica.

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Durante toda a pesquisa fez-se necessário um levantamento junto ao arquivo

público de todas as matérias referente ao tema compreendendo o período de 1996-

1998 nos jornais jacobinenses, sendo todo o material encontrado registrado e depois

digitalizado. Esta ação pode servir para que os documentos tornem-se acessíveis

para outros pesquisadores.

É certo que o número de documentos que retratam o Conjunto Habitacional

Jacobina IV para ser estudado paralelamente aos jornais foi escasso e de alguma

forma prejudica o enriquecimento da pesquisa, por outro lado, há possibilidade de

encontrar novas documentações que dão conta do tema e isso nos instiga a dar

sequência pesquisa, uma vez que ainda existem questões a serem problematizadas

especialmente no que tange a fundação do bairro.

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FONTES

Jornais

Primeira Página (1995 a 1998) e O Encarte (1998)

Documentos

Boletim Informativo da Prefeitura de Jacobina sobre a construção das 667 casas

populares no Conjunto Habitacional Jacobina IV.

Abaixo-assinado elaborado por moradores do respectivo bairro reivindicando

melhores condições de moradia.

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ANEXOS

1 – Boletim Informativo da Prefeitura Municipal de Jacobina informando a construção

de 667 moradias do Conjunto Habitacional Jacobina IV. Jacobina, 03/04/1991.

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2 – Abaixo-assinado dos moradores do Conjunto Habitacional Jacobina IV

reivindicando uma redução nos valores cobrados pela Caixa Econômica Federal.

Jacobina, 06/03/1992, página 01.

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3 – Abaixo-assinado dos moradores do Conjunto Habitacional Jacobina IV

reivindicando uma redução nos valores cobrados pela Caixa Econômica Federal.

Jacobina, 06/03/1992, página 02.

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4 – Abaixo-assinado dos moradores do Conjunto Habitacional Jacobina IV

reivindicando uma redução nos valores cobrados pela Caixa Econômica Federal.

Jacobina, 06/03/1992, página 03.