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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM
A RECUSA FAMILIAR NO PROCESSO DE DOAÇÃO DE
ÓRGÃOS E TECIDOS PARA TRANSPLANTE
EDVALDO LEAL DE MORAES
São Paulo 2007
2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENFERMAGEM
A RECUSA FAMILIAR NO PROCESSO DE DOAÇÃO DE
ÓRGÃOS E TECIDOS PARA TRANSPLANTE
EDVALDO LEAL DE MORAES Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Área de concentração: Administração em Serviços de Enfermagem.
Orientadora: Profª. Drª.Maria Cristina Komatsu Braga Massarollo
São Paulo 2007
3
Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca “Wanda de Aguiar Horta”
Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo
Moraes, Edvaldo Leal de.
A recusa familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante. / Edvaldo Leal de Moraes. – São Paulo, 2007.
142 p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Orientadora: Profª Drª Maria Cristina Komatsu Braga Massarollo. 1. Transplante de órgãos (recusa) 2. Transplante de tecidos (recusa) 3. Morte cerebral 4. Família (percepção). I. Título.
4
“Aqueles que passam por nós,
Não vão sós, Não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, Levam um pouco de nós.”
Antoine de Saint-Exupéry (autor de O Pequeno Príncipe)
5
Dedicatória
Aos meus pais, Maria do Carmo Leal Moraes e José Alves de Moraes, que
possibilitaram a minha existência.
Aos meus irmãos, irmãs e todos os meus sobrinhos, que acreditaram em mim.
A Sônia Regina Theodoro, que me acompanhou durante todos esses anos, pelo
seu grande incentivo, carinho e amizade.
Aos enfermeiros envolvidos no processo de doação-transplante, por toda
dedicação, amor e compromisso com a doação de órgãos.
A José Carlos Moreira da Costa, grande amigo e irmão, pelo apoio, incentivo,
paciência e estímulo.
6
Agradecimentos
A Deus, por sua eterna bondade.
Às Famílias dos potenciais doadores de órgãos e tecidos, pela grande
contribuição prestada, pois sem elas não teríamos realizado este estudo.
À Profª. Drª. Maria Cristina Komatsu Braga Massarollo, por sua amizade,
incentivo, confiança, paciência, dedicação e exemplo de profissionalismo.
À Profª. Drª . Raquel Rapone Gaidzinski e a Profª. Drª. Janine Schirmer, pelas
sugestões no exame de qualificação.
Ao Coordenador Médico da Organização de Procura de Órgãos do HC-FMUSP,
Dr. Leonardo Borges de Barros e Silva, pelo incentivo à pesquisa.
Ao Dr. Milton Glezer e ao Profº. Dr. Telésforo Bacchella por acreditar no
trabalho, profissionalismo e empenho dos Enfermeiros da OPO-HCFMUSP.
À Divisão de Enfermagem do Instituto Central do HC-FMUSP, na pessoa de Dª.
Eliana Rodrigues Carlessi, pelo apoio e incentivo.
Ao Mestre João Francisco Possari, pelas sugestões e contribuições.
Às Enfermeiras Toshiko Oya, Carmen Mohamad Rida Saleh e Adélia Ono
Tonaki, pelo exemplo de profissional e pela amizade durante todos esses anos.
Aos Enfermeiros da Organização de Procura de Órgãos do HC-FMUSP:
Aparecida de Jesus Guarino, Marcelo José dos Santos, Nair Cordeiros dos
Santos da Paixão, Nelly Miyuki Shinohara Izumi, Paulo Roberto Gradella,
Tatiana Cristine de Moraes e Valdir Moreira Cinque, por compartilharem as
minhas angústias e felicidades durante o caminhar deste estudo.
7
Ao Serviço Social do Pronto Socorro do Instituto Central do HC-FMUSP, na
pessoa de Dª. Maria Dolores Galinanes Otero Fernandes, pela amizade,
carinho e dedicação aos familiares dos potenciais doadores de órgãos e
tecidos.
À amiga Maria Fabiano Aparecida, pela grande colaboração com as traduções.
À Central de Transplante da Cidade de São Paulo, especialmente ao Dr Luiz
Augusto Pereira e a Enfª Sonia Angélica Coria, pela amizade.
À equipe médica da UTI do Trauma, na pessoa do Dr. Edson Pedro Rocha, à
equipe de enfermagem na Pessoa da Enfermeira Chefe Nilza Martins Ravazoli
Brito, pela dedicação prestada nos cuidados com os potenciais doadores de
órgãos e tecidos para transplante.
À equipe do laboratório de imunologia do ICHC-FMUSP, pela amizade,
empenho, dedicação e competência na realização dos testes sorológicos dos
potenciais doadores.
Ao Profº Dr. Almir Ferreira de Andrade, pela incansável dedicação à causa da
doação de órgãos.
Às amigas Edna Sueli Sanches, Adriana Aparecida de Faria Lima, Gláucia
Cabrino, Marta Bellazzi Padrão, Iriane Murbach, companheiros de OPO.
À equipe da OPO da Santa Casa de São Paulo, na pessoa do Dr. Wangles
Soller, pela amizade.
8
Moraes EL. A recusa familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para
transplante. [dissertação] São Paulo (SP): Escola de enfermagem da USP;
2007.
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo conhecer a percepção de familiares de potenciais doadores sobre os motivos considerados para recusar a doação dos órgãos e tecidos para transplante. Para compreender a percepção dos familiares optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa, segundo a modalidade “estrutura do fenômeno situado”. Como forma de desvelar o fenômeno foram entrevistadas oito famílias, utilizando as seguintes questões norteadoras: “Como foi a tomada de decisão para recusar a doação dos órgãos e tecidos para transplante do seu familiar falecido?” e “Quais os motivos considerados para recusar a doação?”. Após a obtenção das descrições, os discursos foram analisados individualmente, sendo feita a análise ideográfica, resgatando os seguintes temas e subtemas: “Relatando a internação do familiar”, “Vivenciando a perda do familiar”: “Recebendo a informação da morte encefálica e a solicitação da doação”, “Sofrendo com a perda do familiar”; “Decidindo pela recusa da doação dos órgãos”: “Conversando sobre doação”, “Respeitando a decisão tomada”; “Apresentando os motivos de recusa da doação dos órgãos”: “A crença religiosa”, “A espera de um milagre”, “A não compreensão do diagnóstico de morte encefálica e a crença na reversão do quadro”, ”A não aceitação da manipulação do corpo”, “O medo da reação da família”, “A inadequação da informação e a ausência de confirmação da morte encefálica”, “A desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos”, “A inadequação no processo de doação”, “O desejo do paciente falecido, manifestado em vida, de não ser um doador de órgãos” e “O medo da perda do ente querido”. Buscou-se desvelar, pela análise nomotética, as convergências e divergências das unidades de significado interpretadas, em direção a estrutural geral do fenômeno. As proposições que emergiram revelaram que a essência do fenômeno “A recusa familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante” foi desvelada como vivenciar uma situação de choque e desespero com a internação do familiar, de desconfiança com a solicitação da doação dos órgãos, de negação da morte encefálica, de sofrimento e desgaste diante da perda do ente querido, de conflitos familiares para a tomada de decisão e de múltiplas causas para a recusa da doação. Descritores: Transplante de órgãos (recusa), Transplante de tecidos (recusa), Morte cerebral, Família (percepção).
9
Moraes EL. The family refusal on the organs and tissues donation process for
transplant. [dissertation] Sao Paulo (SP): Nurse School of USP; 2007.
ABSTRACT
This research had as its target learn the perception of potential donator`s familiy on the considered reason for the organs and tissues donation refusal for transplant. In order to understand the family perception a qualitative research was chosen, according to the modality "situated phenomena structure". In way of unveil the phenomena eight families were interviewed, having these questions as a guide:"How was the decision taken in order to refuse the organs and tissues donation for tranplant of your deceased next of kin?" and "Which are the reasons weight for the donation refuse?". After getting the descriptions, the speech were individually analysed, where a ideographic analysis was taken, recovering the folowing themes and sub themes : "Telling next of kin as in patient", "Witness the next of kin's loss": "Receiving the encephalic death information and the solicitation for donation", "Suffering the next of kin's loss"; "Taken the organs and tissues donation refuse": "Talking about donation", "Regarding the taken decision"; "Presenting the refusal organs and tissues donation reasons": "The religious belief ", "A hope of miracle" , "The encephalic death diagnosis missuderstood and the believe of a reversion of the situation", "Disagreement on the body maneuver", "The worry of the family's reaction", The information ineffectuality and the lack of the encephalic death confirmation",. "The assistance mistrust and the fear of organs market", "The deficiency of donation process", "The person's willing not to be an organ donator when alive" and "The fear of loosing the dearest next of kin". Through out of the nomothetic analysis, the meaningfull units convergency and divergency been taken, directed to the general structure phenomena. The propositions which appeared shown that the phenomena essence "The family refusal on the organs and tissues donation for transplant" was unveiled as been trought a shock situation and disperation with the next of kin in patient situation, mistrust because of the organs and tissue donation requesting, the denying of encephalic death, suffering and exhausting before the loss of the beloved one, family conflicts in way of taken the decision and the multiple causes of organ and tissues donation refuse. Describers: Organs Transplant ( refusal), Tissue Transplant ( refusal) , Brain Death, Family (perception).
10
LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Diagrama do processo de doação de órgãos e tecidos
para transplante. São Paulo, 2007.............................................. Figura 2 – Diagrama dos temas e subtemas sobre a recusa familiar
no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante. São Paulo, 2007..........................................................................
18
40
11
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................
1.1 Interesse pelo tema .........................................................................
1.2 Processo de doação de órgãos e tecidos para transplante ..............
1.3 O diagnóstico de morte encefálica (ME) ...........................................
1.4 A entrevista familiar no processo de doação de órgãos e tecidos
para transplante .................................................................................
1.5 A recusa familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para
transplante .........................................................................................
1.6 A escassez de órgãos para transplante ...........................................
2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ......................................................
2.1 A escolha da trajetória metodológica ...............................................
2.2 A fenomenologia como vertente metodológica ................................
2.2.1 Análise ideográfica .......................................................................
2.2.2 Análise nomotética .......................................................................
2.3 O método fenomenológico na pesquisa ..........................................
2.3.1 A região de inquérito e o fenômeno situado ................................
2.3.2 A obtenção das descrições ..........................................................
2.3.3 O momento da análise .................................................................
3 CONSTRUINDO OS RESULTADOS ................................................
3.1 Análise ideográfica ...........................................................................
3.1.1 O discurso ....................................................................................
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44
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3.1.2 A redução fenomenológica ..........................................................
3.1.3 A tematização das unidades de significado .................................
3.2 Análise nomotética ...........................................................................
3.2.1 O agrupamento das unidades de significado interpretada ...........
3.2.2 A análise das convergências e divergências ...............................
4 SÍNTESE ...........................................................................................
REFERÊNCIAS ................................................................................
ANEXOS ...........................................................................................
Anexo I – Parecer do Comitê de Ética ............................................
Anexo II – Termo de consentimento livre e esclarecido ..................
Anexo III – Roteiro para entrevista ...................................................
Anexo IV – Quadro de caracterização do sujeito da pesquisa .........
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142
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INTRODUÇÃO
14
1 INTRODUÇÃO 1.1 O interesse pelo tema Em janeiro de 1996, cheguei a São Paulo para prestar prova do curso de
aprimoramento em Enfermagem no Instituto de Infectologia Emílio Ribas. No decorrer do aprimoramento, conheci uma enfermeira que trabalhava no
Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (ICHC-FMUSP), na Unidade de Terapia Intensiva
(UTI), e que, freqüentemente, falava sobre o trabalho dos enfermeiros na
doação de órgãos. A mesma comentava que eu possuía o perfil para tal serviço
e orientou-me procurar o Setor de Seleção da Fundação Faculdade de
Medicina para deixar currículo, pois o setor estava selecionando enfermeiros.
Passei pelo processo seletivo e fui classificado para uma das duas vagas
oferecidas e, em seguida, comecei o meu treinamento no Sistema Interno de
Captação de Órgãos (SICO).
O nosso trabalho estava centrado na procura de potenciais doadores de
órgãos e tecidos, no Complexo do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. A avaliação do potencial doadorA e a
abordagem familiar em hospitais de São Paulo e Grande São Paulo eram de
responsabilidade da Central de Transplantes da Secretaria de Estado da
Saúde, que contava com uma equipe de enfermeiras coordenadas por um
médico. O papel das enfermeiras estava voltado para a busca ativa de
potenciais doadores de órgãos e tecidos. Uma vez concretizada a doação, a
enfermeira da Central de Transplantes avisava o plantonista do SICO, que
acionava ambulância do ICHC, dirigia-se ao local onde se encontrava o doador
e realizava a transferência do mesmo para uma das unidades onde seria
realizado o diagnóstico gráfico da morte encefálica. O doador adulto era A Paciente com diagnóstico de morte encefálica, no qual tenham sido descartadas contra-indicações clínicas, que representam riscos aos receptores de órgãos.
15
internado no ICHC-FMUSP e o doador pediátrico no Instituto da Criança do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(ICr-FMUSP), onde recebiam todos os cuidados da equipe multiprofissional.
O Decreto Federal nº 2.268, de 30 de junho de 1997, que regulamenta a
Lei nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997 (Lei que dispõe sobre a remoção de
órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento,
e dá outras providências), cria, em âmbito nacional, o Sistema Nacional de
Transplantes (SNT) e as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de
Órgãos (CNCDOs) (Brasil, 1997a). A atividade de captação de potenciais
doadores de órgãos e tecidosΒ é repassada para as Organizações de Procura
de Órgãos (OPOs), que foram criadas pela Resolução SS nº 103 de 1° de
agosto de 1997, que dispõe sobre a estrutura organizacional e operacional do
Sistema Estadual de Transplantes de São Paulo. A OPO é uma entidade
constituída por um ou mais hospitais de sua área territorial, com atuação
regionalizada, para detecção de potenciais doadores e demais procedimentos
para viabilização de órgãos e tecidos para transplante.
Na cidade de São Paulo foram criadas quatro OPOs, localizadas em
Hospitais Escolas voltados para a assistência, ensino e pesquisa (Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo, Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo, Hospital São Paulo e Instituto Dante Pazzanese de
Cardiologia). No interior do Estado foram criadas seis OPOs situadas nas
cidades de Botucatu, Campinas, Marília, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto
e Sorocaba.
Com o aumento das atividades de captação pelas OPOs, fez-se
necessário um melhor preparo dos profissionais envolvidos com o processo de
doação. Nesse sentido, a Secretaria de Estado da Saúde, em conjunto com a
Agência Espanhola de Cooperação Internacional, ministrou, em junho de 1998,
um Curso de Formação de Coordenadores de Transplantes de Órgãos, com o
objetivo de melhorar a capacidade técnica dos profissionais de saúde Β Neste estudo foram utilizadas as denominações potencial doador, paciente em morte encefálica, familiar falecido e parente falecido, indistintamente.
16
envolvidos no processo de doação de órgãos e tecidos. Em 2002, participei do I
Encontro Técnico de Coordenadores e Representantes das Comissões Intra-
Hospitalares de Transplante do Estado de São Paulo, do curso promovido pela
Associação Pan-Americana de Banco de Olhos (APABO) e do Curso de
Formação de Coordenadores de Transplante, promovido pela Universidade de
Brasília, juntamente com o Ministério da Saúde e Sistema Nacional de
Transplantes.
Ao longo dos anos, como enfermeiro da OPO-HCFMUSP, uma questão
sempre despertou em mim grande inquietação: a recusa familiar no processo
de doação de órgãos e tecidos para transplante. Minha inquietação emergiu do
meu vivido profissional junto aos familiares de potenciais doadores, no
momento que tinha que realizar a solicitação da doação dos órgãos. Quando
entrevistava os familiares para solicitar a doação, e a resposta era negativa,
ficava imaginando como deveria ser difícil para aquelas pessoas tomarem uma
decisão diante da perda repentina de um parente, mas, ao mesmo tempo, tinha
dificuldade de entender como as pessoas recusavam a doação, se havia tantos
pacientes que necessitavam do órgão. Na minha concepção, o ato de doar
sempre esteve envolto por sentimentos nobres, amor, altruísmo,
desprendimento, renúncia e incondicionalidade, assim, questionava o que
levava uma boa parte das famílias a não consentir a doação. Ao presenciar o
sofrimento, o choque diante da perda e a dificuldade em aceitar a doação pelas
famílias, percebi que era meu dever respeitar e apoiar os familiares nesse
momento tão difícil.
Ficou evidente que a decisão de doar, ou não, era permeada por muita
dor, angústia, medo, negação da morte do familiar, mas as circunstâncias não
permitiam um aprofundamento sobre os motivos de recusa, ficando algo oculto
e que precisava ser desvelado. Intrigava-me que, em muitas situações, as
famílias não apresentavam os motivos de recusa ou apresentavam motivos
que, para mim, não pareciam claros. Em alguns casos, os motivos eram
deduzidos pelo profissional da OPO, sem possibilidade de confirmação com os
familiares.
17
Dessa forma, as indagações, muitas vezes presentes, eram: Quais os
reais motivos considerados pelos familiares no momento de recusar a doação?
Qual a percepção do processo de doaçãoC pelas famílias que pudesse estar
sendo levada em conta para recusar a doação? Como melhorar a qualidade do
processo de doação, intencionando não só aumentar a doação, mas, também,
oferecer uma assistência de qualidade a esses familiares? Como foi tomar a
decisão de recusar a doação dos órgãos e tecidos para transplante? Essas
questões me incomodavam e emergiam sempre que o familiar negava a
doação.
Conversando com os colegas de trabalho, com transplantadores e com
outros profissionais com os quais mantinha contato, notei que havia uma
preocupação com a recusa familiar, bem como a necessidade em compreender
melhor essa questão, pois sempre questionavam as razões pelas quais as
famílias recusavam a doação dos órgãos. As equipes transplantadoras sempre
comentavam que, devido à elevada taxa de recusa, muitos pacientes estavam
morrendo em lista de espera por falta de órgãos provenientes de doadores
falecidos.
Diante da escassez de órgãos para transplante, e considerando o alto
índice de recusa, percebi a importância de compreender o fenômeno da recusa
familiar no processo de doação de órgãos e tecidos. Estudando a temática,
encontrei apenas referências internacionais, sendo que, no Brasil, não localizei
estudos a respeito da percepção de famílias que recusaram a doação. Assim,
senti a necessidade de desvelar o fenômeno que fazia parte do meu cotidiano
de trabalho, acreditando que o conhecimento desse fenômeno poderia oferecer
elementos para os profissionais que atuam no processo de doação e
transplante, cuja finalidade principal é obter órgãos e realizar o processo de
doação de forma transparente, respaldado nos princípios da ética, da
legalidade, da humanização, não adicionando mais sofrimento aos familiares do
potencial doador e objetivando corrigir possíveis inadequações que poderiam C Neste estudo foram usados os termos processo de doação e transplante, processo de doação de órgãos e tecidos para transplantes, e processo de doação, indistintamente.
18
estar contribuindo, não só para uma assistência insatisfatória aos familiares dos
potenciais doadores, mas, também, para as elevadas taxas de recusa familiar.
Essas observações e inquietações que emergiam do meu vivido
profissional, e que foram sedimentadas ao longo dos anos, me conduziram ao
caminhar investigativo, na tentativa de aproximar-me do fenômeno. Para
conhecer melhor a recusa familiar no processo de doação de órgãos e tecidos
para transplante deveria deixar de lado qualquer tipo de pré-conceito em
relação aos familiares que recusavam a doação, não deveria manifestar juízo
de valores diante da recusa, mas, me “desarmar”, ou seja, me desvencilhar de
pré-concepções para poder captar o fenômeno na sua essencialidade.
1.2 Processo de doação de órgãos e tecidos para transplante
O processo de doação e transplante é complexo (Garcia, 2000). Inicia-se
com a identificação e manutenção dos potenciais doadores (PD), em seguida
os médicos notificam à família a suspeita da morte encefálica (ME) e realizam
os exames comprobatórios do diagnóstico de ME, comunicam à Central de
Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO), que repassa a notificação a
Organização de Procura de Órgãos (OPO). O profissional da OPO realiza
avaliação das condições clínicas do potencial doador, da viabilidade dos órgãos
a serem extraídos e faz entrevista para solicitar a autorização familiar da
doação dos órgãos e tecidos. Ocorrendo a recusa familiar da doação, o
processo é encerrado. Quando a família autoriza, a OPO notifica o doador à
CNCDO que realiza a seleção dos receptores, indicando a equipe
transplantadora responsável pela retirada e implante do mesmo. A extração dos
órgãos é realizada em centro cirúrgico, respeitando as técnicas de assepsia. A
OPO é responsável por coordenar a captação dos órgãos, acompanhar e
orientar os familiares durante a liberação do corpo do falecido para
sepultamento.
19
O conhecimento do processo de doação-transplante e a execução
adequada de suas etapas possibilitam a obtenção de órgãos e tecidos com
segurança e qualidade, a fim de serem disponibilizados para a realização dos
transplantes (Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2002).
Além de possibilitar a qualidade dos órgãos, o conhecimento do processo
evita o surgimento de inadequações que possam ser causas de
questionamentos por parte dos familiares e, até, motivo de recusa de doação
dos órgãos. Assim, é de extrema importância que a família participe ativamente
do processo ou que indique um representante legal para acompanhar todos os
procedimentos, evidenciando a transparência do processo.
Para mostrar de forma sintética o processo de doação de órgãos e tecidos
para transplante, recorri ao diagrama apresentado a seguir.
5ºEntrevista Familiar
10ºLiberação do Corpo
para a família
8º Equipes
de Transplante
7º Seleção dos Receptores
6ºInformação do
Doador
4ºAvaliação
do PD
3ºNotificação à CNCDO
2ºConfirmação
da ME
1ºIdentificação
do PD 9ºExtração
dos Órgãos
Figura 1 – Diagrama do processo de doação de órgãos e tecidos para
transplante. São Paulo, 2007.
20
Uma vez identificado o paciente com suspeita de morte encefálica, o
profissional da captação solicita ao médico assistente a realização dos exames
clínicos que confirmam a mesma, atendendo às determinações da Resolução
CFM nº 1.480/97, que definiu os critérios para o diagnóstico de morte encefálica
(Conselho Federal de Medicina, 1997). Em seguida, faz a notificação do
potencial doador à CNCDO, cumprindo à determinação da Lei nº. 9.434, de 04
de fevereiro de 1997, que tornou obrigatório, para todos os estabelecimentos de
saúde, informar à CNCDO, em caráter de urgência, a verificação de morte
encefálica em suas dependências (Brasil, 1997a).
Após a notificação, uma série de ações deve ser realizada para a
manutenção efetiva do doador, viabilizando adequadamente seus órgãos para
transplante. Assim, o conhecimento das alterações fisiológicas que acometem
vários órgãos e sistemas no paciente em condição de morte encefálica, pelos
profissionais que trabalham com doação de órgãos e tecidos, é um dos fatores
que parece estar relacionado à melhoria da sobrevida do receptor ou à
qualidade do enxerto transplantado (Roza, 2005).
Confirmada a suspeita clínica de morte encefálica, o médico responsável
pelo paciente deverá informar o diagnóstico aos familiares. Nesse momento, a
família do potencial doador toma contato com o diagnóstico, do qual, muitas
vezes, não tem conhecimento ou não compreende.
1.3 O diagnóstico de morte encefálica (ME)
A morte encefálica (ME) compreende a parada completa e irreversível de
todas as funções neurológicas intracranianas, considerando-se tanto os
hemisférios cerebrais como o tronco encefálico (Secretaria de Estado da Saúde
do Estado de São Paulo, 2002).
21
Os potenciais doadores de órgãos para transplante têm sido os pacientes
que evoluem para morte encefálica, portanto doadores com coração “batendo”,
ou no caso de córneas, pele, ossos, vasos e valvas cardíacas, pacientes em
parada cardiorrespiratória irreversível (Freire, 2001).
O conceito de morte encefálica surgiu na França, em 1959. No início
daquele ano, um grupo de neurocirurgiões franceses descreveu uma condição
que eles denominaram de morte do sistema nervoso central. As características
desse estado eram coma apnéico persistente, ausência de reflexos do tronco
encefálico, reflexos tendinosos associados e um cérebro eletricamente
silencioso (Lamb, 2000).
Em 1968, o “ad hoc” Comittee of the Harvard Medical School examinou a
definição de morte encefálica e publicou o conceito que alcançou
reconhecimento mundial. Os quatro critérios de Harvard para morte encefálica
eram: (1) ausência de responsividade cerebral; (2) ausência de movimentos
induzidos ou espontâneos; (3) ausência de respiração espontânea; (4) ausência
de reflexos tendinosos profundos e aqueles associados ao tronco encefálico.
Um eletroencefalograma (EEG) isoelétrico foi julgado de “grande valor
confirmatório”, mas a realização de um EEG não foi considerada mandatória (A
definition..., 1968).
No Brasil, a Resolução do Conselho Federal de Medicina, nº 1.480, de 08
de agosto de 1997, estabelece os critérios para o diagnóstico de ME atualmente
aceitos. Interessa para o diagnóstico de morte encefálica, exclusivamente, a
arreatividade supraespinal. Conseqüentemente, não afasta esse diagnóstico a
presença de sinais de reatividade infraespinal (atividade reflexa medular) tais
como: reflexos osteotendinosos (“reflexos profundos”), cutâneo-abdominal,
cutâneo plantar em flexão e extensão, cremastérico superficial ou profundo,
ereção peniana reflexa, arrepio, reflexos flexores de retirada dos membros
inferiores ou superiores e reflexo tônico cervical (CFM, 1997).
22
Heytens et al (1989) relataram que esses reflexos podem permanecer por
várias horas, mesmo após ter sido confirmada a morte encefálica clínica e
gráfica. Os movimentos observados foram denominados de “sinais de Lázaro”.
A presença de “sinais de Lázaro” em potenciais doadores de órgãos e
tecidos para transplante pode confundir os médicos menos experientes, gerar
desconforto, insegurança, desconfiança e dúvidas para os familiares, bem como
para os profissionais da área de enfermagem que lidam com esses pacientes. A
presença dos reflexos pode ser interpretada pela família e pelo profissional de
saúde como sendo um indicativo de que a pessoa ainda está viva, causando
descredibilidade em relação à efetividade do diagnóstico de ME.
Assim, a maioria dos familiares de doadores apresenta compreensão
inadequada a respeito da morte encefálica ou não compreendem as
informações fornecidas pelas equipes de saúde e um número importante de
familiares ignoram o que é morte encefálica. Alguns manifestam dúvidas se o
familiar estava realmente morto, por ocasião da retirada dos órgãos (Pearson et
al., 1995).
A morte encefálica, mesmo sendo aceita como a morte do indivíduo pela
comunidade científica de diferentes países, ainda é pouco compreendida pela
população, que tem dificuldade em reconhecer que uma pessoa que apresenta
batimentos cardíacos possa estar morta. O desconhecimento e a não aceitação
dessa condição é compreensível, uma vez que, culturalmente, a morte é
definida como a parada de todas as funções do corpo. Segundo Santos (2004)
o conceito de morte encefálica encontra resistência não só na população, mas
também, entre os profissionais de saúde que assistem o potencial doador e
representa um obstáculo na aceitação da doação dos órgãos por uma boa parte
das famílias. Esse aspecto deve ser considerado no momento da entrevista
familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante.
1.4 A entrevista familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante
23
Após a confirmação do diagnóstico de ME, o profissional da OPO
(enfermeiro ou médico), procede à avaliação do potencial doador e, em seguida,
se houver condições emocionais por parte dos familiares, procede-se à
entrevista com a família quanto à doação.
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (2002) define entrevista
familiar como sendo uma reunião entre os familiares do potencial doador de
órgãos e um ou mais profissionais da equipe de captação, ou outro profissional
treinado, a fim de obter o consentimento para a doação.
Atualmente, a família é quem autoriza a doação dos órgãos e tecidos para
transplante. A Lei nº 10.211, publicada em 23 de março de 2001, definiu o
consentimento informado como forma de manifestação à doação; sendo que a
retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para
transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do
cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida à linha sucessória, reta ou
colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por
duas testemunhas presentes à verificação da morte (Brasil, 2001).
A lei brasileira é clara e exige o consentimento da família para a retirada de
órgãos e tecidos para transplante, ou seja, a doação é do tipo consentida e
independe da vontade manifestada pelo doador, em vida. Evidentemente, a
manifestação em vida a favor ou contra a doação perante familiares pode ou
não favorecer o consentimento após a morte, porém a vontade da família é a
que deve ser respeitada em nosso país (Bacchella, Oliveira, 2006).
A entrevista familiar é um dos momentos, no processo de doação e
transplante, mais delicados que o coordenador de transplante terá que realizar.
Solicitar a doação dos órgãos a um familiar que acabou de perder um ente
querido é um ato difícil e requer preparo por parte do entrevistador. A entrevista
deve ser realizada em um local apropriado, longe da presença do doador; com
todo o conforto possível, onde a família se sinta segura e acolhida.
Guarino (2005) afirma que a entrevista familiar é uma das etapas de maior
complexidade no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante,
24
envolvendo aspectos éticos, legais e emocionais. A entrevista requer preparo
por parte do profissional da captação, para elucidar dúvidas, compartilhar
sentimentos e viabilizar o processo de doação.
Roza (2005) considera a entrevista familiar como sendo um momento
delicado, pois acontece, minutos ou horas depois da comunicação à família da
morte encefálica de seu parente falecido.
Assim, a família emerge como um elemento central nesse processo; de um
lado, ela é vista como o principal entrave à efetivação dos transplantes, de
outro, ela é percebida como a vítima em todo o processo, acrescendo-se a dor
da perda brusca e traumática e o grande estresse que representa a decisão de
doar (Sadala, 2001b)
Para que a família possa tomar uma decisão sobre a doação dos órgãos e
tecidos de forma coerente e autônoma, faz-se necessário, além da informação,
o esclarecimento de todo o processo de doação e suas implicações.
Zoboli e Massarollo (2002) consideram que o consentimento livre e
esclarecido é um processo compartilhado, de troca de informações e consenso
mútuo, que se amálgama ao trabalho da assistência à saúde e se insere no bojo
da relação vincular entre os profissionais e os usuários dos serviços.
Freqüentemente, as pessoas não têm a informação de que precisam para
tomar a decisão sobre a doação de órgãos ou não têm a compreensão clara do
processo de doação, aumentando a recusa dos familiares (Siminoff et al., 2001).
É nesse contexto de falta de informação da população em relação à
doação de órgãos que a solicitação é realizada. As informações devem ser
passadas de forma clara e objetiva e, em seguida, o entrevistador apresenta a
possibilidade da doação dos órgãos para transplante. A família pode se
manifestar de imediato, ou pedir um tempo para pensar, ou consultar outras
pessoas do convívio do doador. Quando a família é contrária à doação, os
motivos de recusa são apresentados ao profissional da OPO e o caso é
encerrado junto à CNCDO.
25
1.5 A recusa familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante
A recusa familiar é uma das principais causas de não efetivação da
doação. Na Espanha essa taxa estabilizou-se, nos últimos anos, ao redor de
25% das famílias entrevistadas. A recusa familiar em Israel tem sido em torno
de 50% e, na Argentina, de 66%. Na Alemanha, a negativa de doação cresceu
de 20%, em 1993, para 35%, em 1996. No Brasil, a recusa familiar representa
40,1% dos potenciais doadores de órgãos e tecidos, sendo que no Estado de
São Paulo esse índice está em torno de 44,7% de recusa (Garcia, 2000).
Estudo realizado por Martínez et al. (1995), sobre a opinião pública
espanhola frente à doação e o transplante de órgãos e tecidos, mostrou que as
razões expressas para não ser feita a doação foram: “medo da possibilidade de
uma morte somente aparente” (24%), “desagrado frente a idéia de mutilação do
falecido” (11%), “crença de que os mortos devem ser deixados em paz” (5,6%) e
“motivos religiosos” (3%).
Outros motivos de recusa familiar da doação de órgãos, apresentados em
alguns estudos, estão relacionados à falta de compreensão do conceito de
morte encefálica, recusa em vida pelo falecido, desconhecimento do desejo do
falecido, apego ao corpo, falta de consenso familiar e insatisfação com a
assistência oferecida ao potencial doador (Frutos et al., 1994; Rosel et al., 1995
e 1999; Martinez et al., 1995; Kerridge et al., 2002; Singh et al., 2004).
Frutos et al. (2005), em estudo realizado na Espanha afirmam que os
motivos para recusar a doação dos órgãos, têm mudado da não aceitação da
morte encefálica, crença religiosa, e apego ao corpo, nos anos 90, para fatores
socioculturais, recusa presumida em vida e divergência de opinião familiar na
atualidade.
Observa-se que, apesar das diferenças culturais, religiosas, econômicas e
políticas as famílias respeitam o desejo da pessoa em vida em relação à doação
26
de órgãos e há dúvida da população em relação ao diagnóstico de morte
encefálica (Lima, 2006).
Gortmaker et al. (1996) identificaram três fases no processo de doação de
órgãos onde os potenciais doadores são perdidos: a) a não identificação dos
potenciais doadores; b) falha na solicitação da doação; e c) recusa familiar para
consentir a doação.
A recusa familiar representa um grande entrave à realização dos
transplantes, em conjunto com outros problemas como a falha na identificação,
notificação e manutenção dos potenciais doadores, bem como o elevado índice
de contra-indicações clínicas à doação.
Estudos realizados nos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido
evidenciaram que o principal obstáculo à efetivação da doação dos órgãos é
representado pela alta taxa de famílias que negam o consentimento (Sheehy et
al., 2003; Barber et al, 2006; Wesslau et al., 2006).
Assim, a recusa familiar contribui para que o número de doadores seja
insuficiente para atender a demanda crescente de receptores em lista de espera
e, dessa forma, a recusa vem sendo apontada como um dos grandes fatores
responsáveis pela escassez de órgãos e tecidos para transplante.
1.6 A escassez de órgãos e tecidos para transplante
No Brasil existem mais de 60 mil pessoas em lista de espera aguardando
por órgão ou tecido, mas faltam doadores para possibilitar os transplantes
(Associação de Medicina Intensiva Brasileira, 2005). No Estado de São Paulo, o
número de receptores em lista de espera, no primeiro trimestre de 2007, era de
aproximadamente 16mil pacientes. A quantidade de órgãos de doador falecido é
insuficiente para atender a necessidade de todas as pessoas que precisam de
27
um transplante. Assim, a mortalidade na lista de espera por um órgão é elevada,
por exemplo, para o coração, o índice de mortalidade é de 50%, pulmão 48%,
fígado 20% e pâncreas 2% (Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo,
2007).
De acordo com os dados da Organização Nacional de Procura de Órgãos
(OPTN), nos Estados Unidos da América (E.U.A), em 2004, morriam em média
17 pessoas por dia à espera de um órgão para transplante, e a cada 12 minutos
uma pessoa entrava na lista de espera do transplante de órgãos, totalizando
89.000 pacientes esperando por um órgão. Isso acontece, por conta da
escassez de órgãos que leva a um contínuo aumento do número de pacientes
em lista de espera, pois não existem órgãos para todos os que precisam (Organ
Procurement and Transplantation Network, 2006). Atualmente, na Alemanha,
aproximadamente 12.000 pacientes estão em lista de espera por um órgão para
transplante, sendo que por ano, mais de 1.000 morrem por falta de órgãos
(Wesslau, 2006).
West, Burr (2002) afirmam que os avanços na prática médica e
tecnológica, e o sucesso do transplante de órgão nas duas últimas décadas vêm
resultando em um aumento da necessidade de doador de órgãos. Porém, os
centros transplantadores e as OPOs estão enfrentando mundialmente uma
escassez de órgãos, sendo que a recusa familiar tem sido a razão mais comum
para a não disponibilização de órgãos de potenciais doadores.
No Estado de São Paulo, em 2006, foram notificados 1.719 potenciais
doadores, deste total, 450 não foram aproveitados por conta da recusa familiar,
que ficou em 26,2% (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, 2006). E
na OPO-HCFMUSP foi de 37,8% (Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo,
2007). A recusa familiar ainda é uma das causas que contribuem para a
escassez de órgãos e tecidos.
Os índices de recusa familiar no Brasil, ainda são considerados elevados,
pois os padrões internacionais estabelecem taxas em torno de 20% como
aceitáveis (Garcia, 2000).
28
Award et al (2004), em estudo realizado no Centro Nacional de Transplante
da Irlanda, identificaram as razões pelas quais os potenciais doadores de
órgãos não se tornaram doadores efetivosD, sendo que os motivos para o
fracasso foram a falha para executar os testes de morte encefálica e a alta taxa
de recusa familiar.
Um estudo realizado na Bélgica constatou que o maior fator de
impedimento na conversão de pacientes com sinais clínicos de morte encefálica,
em potenciais doadores, foi a falta de vontade do “staff” da UTI em realizar o
diagnóstico de ME, seguido pela contra-indicação médica, pela recusa familiar e
pela não solicitação da doação (Roels et al., 2002).
Em nossa realidade, ainda encontramos as dificuldades evidenciadas nos
estudos citados anteriormente, sendo que a falta de conhecimento e adequado
preparo das equipes, para realizar os exames clínicos que confirmam o
diagnóstico de ME, parece ser uma realidade presente nos hospitais. Em
algumas situações, o desconhecimento dos profissionais em como proceder
diante da suspeita de ME, possivelmente, é um fator que dificulta a notificação
do potencial doador à CNCDO.
A desproporção crescente do número de pacientes em lista versus o
número de transplantes é um fato inquestionável, nos quais, dentre os fatores
limitantes, estão a não notificação às CNCDOs, apesar de sua obrigatoriedade
prevista em lei. O que se observa é a falta de uma política de educação
continuada aos profissionais de saúde, quanto ao processo de doação-
transplante e todos os desdobramentos decorrentes do não conhecimento
desse processo, além da recusa familiar (Pereira et al, 2003).
No Brasil, de cada 10 potenciais doadores, somente um é notificado, o que
faz com que a média nacional seja apenas de seis doadores efetivos por milhão
de pessoa por ano (pmp/ano) e nove doadores no Estado de São Paulo, um
número muito insuficiente para suprir a lista, e muito abaixo da maioria dos
países desenvolvidos (Associação de Medicina Intensiva Brasileira, 2005). D Potencial doador, do qual extraiu-se, ao menos, um órgão sólido com finalidade terapêutica de transplante.
29
Em alguns países da Europa, em 2004, a taxa de doador efetivo ficou entre
13 e 22 (pmp/ano), exceto a Espanha que teve uma taxa de 33 doadores
efetivos (Barber et al, 2006).
Na América Latina o número de doador efetivo é de 2 a 12 por milhão de
pessoa por ano (pmp/ano), com uma média de 5.4 pmp/ano. Em alguns países,
como Porto Rico, a taxa é de 20.3, Uruguai 18.8, Cuba 16.2, Argentina 10.8 e o
Brasil 7.3 pmp/ano. Mesmo com um aumento de quase 100% nas taxas de
doação nos últimos 10 anos, o índice de doador efetivo, ainda é menor que a
média da Europa (15 pmp/ano) ou dos Estados Unidos (20 pmp/ano). A recusa
familiar varia de 30 a 70% e representa um obstáculo à efetivação da doação
(Garcia et al, 2003; Mizraji et al., 2007).
Estima-se que até 100 pacientes por ano em cada milhão de habitantes
apresentem o diagnóstico de morte encefálica, em conseqüência de acidentes e
hemorragia intracerebral, evidenciando, assim, a existência de um grande
número de potenciais doadores de órgãos em todas as populações. Entretanto,
na América Latina, a taxa de notificação de potenciais doadores é baixa, menos
de 50 pmp/ano. Em paises desenvolvidos o índice é de 50 a 60 pmp/ano e
consegue-se obter de 20 a 40 doadores efetivos por milhão de habitantes por
ano (Campos, 2001; Mizraji et al., 2007).
A oferta de órgãos de doadores falecidos não atende a demanda em quase
todos os países que realizam transplantes, sendo a recusa familiar em consentir
a doação de órgãos, citada como principal entrave na efetivação de transplante
de órgãos (Roza, 2005).
Estudo realizado por Ratz (2006), sobre a logística do Sistema Nacional de
Transplantes (SNT), evidenciou que a logística, depois da recusa familiar, é o
fator que mais determina a não efetivação de muitos transplantes no Brasil.
Assim, com esta pesquisa, objetivei conhecer a percepção de familiares de
potenciais doadores sobre os motivos considerados para reusar a doação de
órgãos e tecidos para transplante.
30
TRAJETÓRIA METODOLOGICA
31
2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
2.1 A escolha da trajetória metodológica
Este estudo é resultado da minha inquietação relativa à percepção dos
familiares que rcusaram a doação dos órgãos e tecidos para transplante de um
parente falecido. Dessa forma, este trabalho objetivou desvelar a percepção
desses familiares sobre o processo vivenciado e conhecer os motivos de
recusa.
Para tanto, optei por realizar uma pesquisa qualitativa, utilizando a
vertente fenomenológica, modalidade estrutura do fenômeno situado, segundo
o referencial de Martins, Bicudo (1989). Com a adoção do método
fenomenológicona realização desta pesquisa visei captar o fenômeno,
possibilitando a sua compreensão.
Deste modo, o objetivo do método fenomenológico no presente estudo é
descrever a estrutura geral do fenômeno “a recusa familiar no processo de
doação de órgãos e tecidos para transplante”.
2.2 A fenomenologia como vertente metodológica
Fenômeno é tudo aquilo que se mostra, se manifesta, se desvela ao
sujeito que o interroga (Martins, Boemer, Ferraz, 1990).
A fenomenologia, que teve sua origem no pensamento de Edmund
Husserl, é uma volta ao mundo vivido, ao mundo da experiência, pois este é o
fundamento de todas as ciências. É o estudo das essências: a essência da
percepção, a essência da consciência. O objetivo precípuo é a investigação
direta e a descrição de fenômenos que são experienciados pela consciência,
32
sem teorias sobre a sua explicação causal e tão livre quanto possível de
pressupostos e de preconceitos (Martins, 1992), visando redescobrir o que são
as coisas nelas mesmas tais como se mostram ou aparecem à consciência
perspectiva (Capalbo, 1990).
Para se conhecer a experiência humana não se pode adotar os mesmos
procedimentos pelos quais se conhece a realidade física ou biológica; faz-se
necessário um método próprio, que focalize a experiência vivida e sua
significação, um método que descreva a experiência humana na sua
singularidade (Martins, Bicudo, 1989).
Na pesquisa fenomenológica, o pesquisador tem dúvidas sobre alguma
coisa e quando há dúvidas, ele interroga. Quando interroga terá uma trajetória,
estará caminhando em direção ao fenômeno, naquilo que se manifesta por si,
através do sujeito que experiencia a situação. Fala-se, portanto, de fenômeno
situado (Martins, Boemer, Ferraz, 1990). A fenomenologia tem a preocupação
de descrever o fenômeno e não explicá-lo. A preocupação é no sentido de
mostrar e não em demonstrar, e a descrição prevê ou supõe um rigor, pois,
através da rigorosa descrição é que se pode chegar à essência do fenômeno
(Martins, Boemer, Ferraz, 1990).
A pesquisa fenomenológica está dirigida para significados, ou seja, para
expressões objetivas sobre as percepções que o sujeito tem daquilo que está
sendo pesquisado, expressas pelo próprio sujeito que as percebe. Ao se
concentrar nos significados, o pesquisador não está preocupado com fatos,
mas com o que os eventos significam para os sujeitos da pesquisa (Martins,
Bicudo, 1989).
O estudo fenomenológico é uma reflexão sobre o mundo-vida, que
pressupõe um mundo exterior do qual o sujeito deve estar ciente e que lhe é
revelado através da consciência. Para a fenomenologia não pode haver
consciência desvinculada de um mundo, como não existe mundo sem que haja
consciência, entendida como a direção da consciência para compreender o
mundo. A consciência está intencionalizada para o mundo, que ela não envolve
ou possui, mas para o qual ela está sempre voltada (Martins, 1992). Para a
33
fenomenologia não há fenômeno em si, mas há um fenômeno para o ser que
lhe dá um significado (Martins, Boemer, Ferraz, 1990).
Para a pesquisa, a fenomenologia é uma forma singular de fazer ciência,
que substitui as correlações estatísticas pelas descrições individuais e as
conexões causais por interpretações oriundas das experiências vividas.
Apresenta-se como ciência descritiva, rigorosa, concreta, que mostra e
explicita, que se preocupa com a essência do vivido (Capalbo, 1990). Assim, na
pesquisa buscam-se significados atribuídos ao fenômeno estudado. Ao
concentrar-se nos significados, o pesquisador está preocupado com o que os
eventos significam para os sujeitos da pesquisa. O número de sujeitos para a
pesquisa, na vertente fenomenológica, deve ser estipulado pelo pesquisador,
considerando que as unidades significativas na descrição tenham uma variação
que possibilite ver o que é essencial (Martins, Bicudo, 1989).
A subjetividade, pela trajetória fenomenológica, permite alcançar a
objetividade, assim, quando uma trajetória é percorrida em busca do fenômeno,
graus de objetividade serão alcançados. É dessa maneira que o fenômeno
situado se ilumina e se desvela para o pesquisador (Martins, Boemer, Ferraz,
1990).
Para o exame das experiências vividas e dos significados a elas
atribuídos, a fenomenologia como método de pesquisa caracteriza-se pela
descrição, redução e compreensão (Martins, Bicudo, 1989).
A descrição fenomenológica é o primeiro momento da trajetória
metodológica, que resulta da relação dos sujeitos com o pesquisador, de onde
é obtido o relato pormenorizado das experiências vivenciadas pelos sujeitos, as
quais clarificam e auxiliam-no a interpretar as estruturas vividas, baseando-se
na evidência dos dados descritos.
A redução fenomenológica, como segundo momento da trajetória
metodológica, tem como objetivo determinar e selecionar quais partes da
descrição que são consideradas essenciais e aquelas que não são, usando a
chamada variação imaginativa. Consiste, então, na busca, pelo pesquisador,
34
das proposições que lhe são significativas e que lhe permitem compreender
aquilo que é essencial ao fenômeno em questão, a partir do discurso do sujeito.
Para tal, busca compreender a linguagem do sujeito, lê as descrições quantas
vezes necessárias a fim de familiarizar-se com a mesma, busca colocar-se no
lugar do sujeito e tenta captar a experiência vivida pelo sujeito de forma que ele
não seja um mero espectador, mas alguém que procura chegar aos significados
atribuídos. O sentido obtido após a leitura não deve ser interrogado e sim servir
de base para a discriminação das unidades de significado, que são partes da
descrição consideradas essenciais.
A compreensão fenomenológica ocorre quando as expressões ingênuas
do sujeito são substituídas por expressões próprias do pesquisador, que
representam aquilo que está sendo buscado. Retratada pela síntese que o
pesquisador precisa fazer integrando idéias contidas nas unidades de
significado transformadas em uma descrição consistente da estrutura do
fenômeno situado, contemplada pelas análises ideográfica e nomotética.
2.2.1 Análise ideográfica
Efetivamente trata-se da análise da idéia que permeia as descrições
ingênuas do sujeito. Diz respeito à análise do discurso individual. Nessa fase da
pesquisa, o pesquisador descobre e atribui significado, através da análise do
discurso. O pesquisador busca o mundo-vida e o pensar do sujeito, através da
leitura de cada descrição, quando são apreendidas as “unidades de
significados”, para se chegar às evidências da experiência. Entretanto, a
estrutura individual reflete apenas um exemplo do fenômeno. O movimento de
passagem do individual para o geral dá-se em direção à estrutura geral do
fenômeno que está sendo estudado, o que é buscado com a análise
nomotética. (Martins, Bicudo, 1989).
35
2.2.2 Análise nomotética
É uma ação reflexiva em busca da estrutura essencial do fenômeno que é
resultante da compreensão das convergências e divergências que se mostram
nos casos individuais. As convergências passam a caracterizar a estrutura geral
do fenômeno. As divergências manifestam os aspectos estruturais
idiossincrásicos. Nessa analise busca-se interpretar as convergências e
divergências geradas nas descrições para desvelar as idéias gerais sobre o
fenômeno interrogado. A analise nomotética é uma profunda reflexão sobre a
estrutura do fenômeno (Martins, Bicudo, 1989).
2.3 O método fenomenológico na pesquisa
2.3.1 A região de inquérito e o fenômeno situado
O fenômeno só pode mostrar-se quando situado, quando interrogado. É
perspectivo, diverge em vários aspectos e precisa ser situado em uma região
de inquérito, que é a perplexidade, a região onde o fenômeno vai ser
interrogado. A região de inquérito, no presente estudo, é a situação de vivenciar
a recusa familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante
em uma Organização de Procura de Órgãos do Município de São Paulo. Os
sujeitos que vivenciaram o fenômeno e, dessa forma, partícipes do estudo, são
familiares que recusaram a doação dos órgãos e tecidos para transplante.
O número de familiares não foi definido a priori, pois, segundo o método
adotado, a análise das descrições é realizada até o desocultamento da
essencialidade do fenômeno investigado. Assim, considera-se que, a partir do
36
momento que houver a repetitividade nos discursos, as descrições serão
suficientes para o desvelamento do fenômeno.
2.3.2 A obtenção das descrições
Para a coleta de dados, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
(anexo I) e a autorização da instituição, o próprio pesquisador solicitou ao
coordenador da Organização de Procura de Órgãos uma relação com o nome
dos potenciais doadores falecidos, cuja morte tivesse ocorrido no período de
janeiro a dezembro de 2005, independente da causa da morte encefálica, e
cujas famílias tivessem recusado a doação dos órgãos e tecidos para
transplante e tivessem passado pelo processo há, no mínimo dois meses.
Segundo Nadeau apud Bousso (2006), o período de sofrimento das
famílias que convivem com a morte de um filho é variável. Todavia, a fase
aguda ocorre entre os dois primeiros meses após o falecimento.
Estudo realizado por Siminoff et al. (2001) utilizou como período para
inclusão das famílias na pesquisa um tempo de dois a três meses após a morte
do paciente.
Foi realizado contato prévio com o familiar, pelo próprio pesquisador, por
meio de telefone, e feito o convite para participação na pesquisa. Antes do
convite para participar do estudo, o pesquisador apresentava-se e informava o
nome, a profissão, o meio de obtenção do telefone e o nome do familiar
falecido; explicava o motivo da ligação e apresentava os objetivos do estudo.
Havendo o interesse em participar, a entrevista foi agendada de acordo com o
horário, local e dia determinados pelo colaborador. Foram tomados os cuidados
para que a entrevista não coincidisse com datas especiais, tais como: data de
aniversário do falecido, data do óbito, data da internação, natal, ano novo, dia
das crianças, dia dos pais, dia das mães e outras datas significativas, a fim de
evitar sofrimento adicional aos familiares. No dia e hora marcados, antes da
37
entrevista, foi solicitada a leitura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, feitos os esclarecimentos necessários e, quando confirmado o
desejo de participação, era solicitada a assinatura no mesmo. O Termo de
Consentimento utilizado foi o modelo padronizado pela instituição, conforme
normas estabelecidas (anexo II).
A fim de proporcionar um ambiente reservado, as entrevistas foram
realizadas em local que possibilitasse a privacidade do sujeito. As entrevistas
foram realizadas pelo pesquisador, com o auxílio de um gravador, e transcritas
em sua totalidade para análise de seu conteúdo, não sendo pré-determinado o
tempo de duração de cada entrevista. Pretendeu-se conseguir descrições
detalhadas das vivências dos entrevistados. Segundo Martins, Bicudo (1989), a
entrevista pode ser empregada quando se procura a essência de um
determinado fenômeno, a fim de conseguir uma descrição detalhada do
mesmo.
Para caracterização dos sujeitos da pesquisa foi preenchida uma ficha
com os seguintes dados dos familiares entrevistados: idade, sexo, religião,
escolaridade, profissão e grau de parentesco (anexo III).
Os discursos foram coletados segundo as seguintes questões
norteadoras:
1) COMO FOI A TOMADA DE DECISÃO PARA RECUSAR A DOAÇÃO DOS ÓRGÃOS E TECIDOS PARA TRANSPLANTE DO SEU FAMILIAR FALECIDO?
2) QUAIS OS MOTIVOS CONSIDERADOS PARA RECUSAR A DOAÇÃO?
Foram realizadas oito entrevistas com familiares de potenciais doadores,
que possibilitaram o desvelamento do fenômeno (anexo IV).
38
Uma das dificuldades para a realização das entrevistas foi a localização
das residências dos familiares, geralmente em bairros distantes e de difícil
acesso, ou cidades próximas a São Paulo. Outra dificuldade foi no momento da
solicitação ao familiar para participar do estudo. Muitas vezes, a manifestação
era de desconfiança, medo e desconforto por ter que abordar novamente um
assunto tão difícil. Muitos dos familiares afirmavam não ser possível participar
do estudo, por não querer reviver a situação de perda do ente querido,
alegando que o processo foi muito doloroso e traumático, e, outros referiam
falta de tempo ou se recusavam a falar.
Estudos sobre doação de órgãos com familiares de potenciais doadores
apontaram um número maior de recusa entre as famílias que não autorizaram a
doação (Siminoff et al, 2001).
Foi feita uma entrevista, como pré-teste, para verificar a clareza e
adequação das questões norteadoras.
2.3.3 O momento da análise
Para a análise do conteúdo das entrevistas, seguiram-se os momentos
metodológicos da análise qualitativa do fenômeno situado, definidos por
Martins, Bicudo (1989): o sentido do todo, a discriminação das unidades de
significado, a transformação das expressões do sujeito em linguagem do
pesquisador e a síntese das unidades de significado transformadas em
proposições, possibilitando, assim, o desvelamento da estrutura do fenômeno
situado. Esses autores referem que a análise das descrições não compreende
etapas rígidas a serem mecanicamente seguidas pelo pesquisador, mas
representa um dos caminhos para chegar-se à compreensão do fenômeno. Os
procedimentos descritos a seguir foram feitos para cada um dos discursos.
39
Análise ideográfica
Para analisar os dados obtidos, os discursos foram lidos na íntegra,
atentamente, sem interpretação, com a finalidade de apreender o sentido global
do discurso.
As leituras posteriores foram realizadas buscando, em cada discurso, a
essencialidade da “percepção de familiares sobre a recusa no processo de
doação de órgãos e tecidos para transplante”. Pela impossibilidade de análise
dos depoimentos na sua totalidade, foi necessário dividi-los em unidades de
significado. Essas unidades de significado foram identificadas, numeradas e
colocadas em destaque, em cores variadas para facilitar a visualização, além
de numeradas uma a uma, seqüencialmente. Esse procedimento foi realizado
com todos os discursos individualmente, possibilitando uma visão global de
cada discurso e do local onde se encontravam os significados.
As unidades de significado foram extraídas dos discursos, explicitadas na
coluna do lado esquerdo, de um quadro de duas colunas, intitulado “Redução
fenomenológica”, onde foram transcritas na própria linguagem dos sujeitos,
obedecendo à mesma seqüência numérica encontrada no discurso.
Após esse procedimento foi feita a redução fenomenológica, na coluna do
lado direito desse mesmo quadro, onde as expressões cotidianas dos familiares
participantes do estudo foram transformadas na linguagem do pesquisador.
Essa transformação ocorreu pela reflexão e pela variação imaginativa e é
necessária para que o pesquisador possa elucidar o que está oculto nas
descrições ingênuas, feitas pelos sujeitos da pesquisa ao se expressarem.
Em seguida, foram identificadas e agrupadas as unidades de significado
que apresentavam um tema comum, com a finalidade de organizar as
articulações dos discursos, formando núcleos de pensamento, que foram
sintetizados e tematizados. Assim, foram evidenciados quatro diferentes temas
e quatorze subtemas, que, pelo seu conteúdo, foram assim denominados:
40
1)“Relatando a internação do familiar”
2)“Vivenciando a perda do familiar”
2.1)“Recebendo a informação da morte encefálica e a solicitação da doação
dos órgãos”
2.2)“Sofrendo com a perda do familiar”
3)“Decidindo pela recusa da doação dos órgãos” 3.1)“Conversando sobre doação de órgãos”
3.2)“Respeitando a decisão tomada”
4)“Apresentando os motivos de recusa da doação dos órgãos”
4.1)“A crença religiosa”
4.2)“A espera de um milagre”
4.3)“A não compreensão do diagnóstico de morte encefálica e a crença na
reversão do quadro”
4.4)“A não aceitação da manipulação do corpo”
4.5)“O medo da reação da família”
4.6)“A inadequação da informação e a ausência de confirmação da morte
encefálica”
4.7)“A desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos”
4.8)“A inadequação no processo de doação”
4.9)“O desejo do paciente falecido, manifestado em vida, de não ser um doador
de órgãos”
4.10)“O medo da perda do ente querido”
Para mostrar de forma sintética o agrupamento dos temas e subtemas,
recorri ao diagrama apresentado a seguir. Os temas aparecem em caixa alta e
negritados.
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A Recusa Familiar no Processo de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante
RELATANDO A INTERNAÇÃO DO FAMILIAR
VIVENCIANDO A PERDA DO FAMILIAR
DECIDINDO PELA RECUSA DA DOAÇÃO
Recebendo a informação da ME e a solicitação da doação
Sofrendo com a perda do familiar
Conversando sobre doação Respeitando a decisão tomada
APRESENTANDO OS MOTIVOS DE RECUSA DA DOAÇÃO
A crença religiosa A espera de um milagre
A não compreensão do diagnóstico de ME e a crença na reversão do quadro
A não aceitação da manipulação do corpo
O medo da reação da família A inadequação da informação e aausência de confirmação de ME
A desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos
A inadequação no processo de doação
O desejo do paciente falecido, manifestado em vida, de não ser um
doador de órgãos
O medo da perda do ente querido
Figura 2 – Diagrama dos temas e subtemas sobre a recusa familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante. São Paulo, 2007.
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Em um outro quadro, intitulado “tematização das unidades de significado”,
na coluna do lado esquerdo foram colocadas as unidades de significado
reduzidas fenomenologicamente e agrupadas conforme a similaridade do tema,
em cada discurso. Na coluna da direita do quadro, foi feita a interpretação das
similaridades das unidades de significado, que eram identificadas, entre
parênteses, correspondendo o número romano ao discurso a que pertenciam e
os números arábicos, às unidades de significado do discurso, para que não se
perdesse de vista a origem das unidades de significado no discurso dos
familiares. As transcrições das entrevistas estão gravadas em um CD, anexado
na parte interna da contra capa desta dissertação.
Análise nomotética
Após a análise ideográfica dos oito discursos, que buscou a visão
individual contida em cada uma das descrições, as unidades de significado
interpretadas foram submetidas à análise nomotética. Para proceder à análise
nomotética, inicialmente foi feito um agrupamento de todas as unidades de
significado interpretadas de todos os discursos, dentro dos respectivos temas.
Nesse agrupamento foram enumeradas, seqüencialmente, todas as
unidades, independente de sua tematização. Ao final de cada unidade de
significado interpretada, foi inserido o número romano que aparece entre
parênteses, que representa o discurso de onde a mesma foi extraída, e os
números arábicos, à numeração original das unidades de significado do
respectivo discurso.
Foram identificadas as idéias gerais contidas nas unidades de significado
interpretadas e submetidas a uma análise profunda para compreender as
convergências e divergências encontradas nas descrições, expressando-as em
uma linguagem mais clara.
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Seguindo a trajetória fenomenológica, a última fase constituiu-se em uma
síntese, que integrou as idéias gerais desveladas através de uma descrição
consistente da estrutura do fenômeno situado.
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CONSTRUINDO OS RESULTADOS
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3 CONSTRUINDO OS RESULTADOS
3.1 Análise ideográfica
Para compreender melhor a análise ideográfica, colocou-se, neste
capítulo, apenas um dos discursos e sua respectiva análise ideográfica, com o
objetivo de exemplificar como os resultados foram construídos. Inicialmente,
realizou-se a análise do individual de cada discurso, pela análise ideográfica e,
a seguir, a passagem do individual para o geral, pela análise nomotética, para,
assim, desvelar a percepção dos familiares sobre “A recusa familiar no
processo de doação de órgãos e tecidos para transplante”.
3.1.1 O discurso
“Como foi a tomada de decisão para recusar a doação dos órgãos e tecidos para transplante do seu familiar falecido?” e “Quais os motivos considerados para recusar a doação?”
Discurso V
O acidente foi assim: ele foi numa festa e bebeu um pouco, ele pegou a moto e
saiu. Tava meio cheio de álcool bebeu muita cerveja, tava com o capacete, mas com o capacete no braço, foi onde não valeu nada. Se tivesse com o capacete na cabeça, talvez não tivesse acontecido, né? Aí, moto já é perigoso, ainda com uma cerveja na cabeça é difícil. Mas perigoso é. Foi fazer uma curva e não conseguiu fazer uma curva, e não conseguiu fazer, foi em cima de um fusca. Foi aí que aconteceu o acidente. Depois ele foi internado no hospital S.1 E lá mais tarde, a gente foi lá e o médico falou que ele não tinha mais como viver, porque nos exames estava dando morte encefálica. Aí o médico perguntou se a gente queria doar os órgãos dele.2 Aí nós ficamos meio doidos na hora lá. Aí eu concordei, a mãe dele também estava, e os irmãos.3 Aí o médico deu uma explicação mais ou menos, como é que foi, como não foi, a chance
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dele, como era e como não é, e se quisesse doar...4 Aí eu falei que da minha parte eu doaria, aí ele explicou lá e todo mundo concordou de doar.5 Aí foi quando ele ligou lá e aí o povo do hospital da doação, fez uma outra entrevista com a gente. O rapaz de lá explicou tudo de novo, com mais detalhes sobre o que é morte encefálica, e aí todo mundo concordou. E levaram meu filho para o hospital da doação e a gente voltou para casa. Mas na entrevista o rapaz do hospital falou que tinha que repetir os exames, eles faziam três exames, com o último exame é que ele ia distinguir se ele teve a morte encefálica.6 Aí ele foi, a gente veio embora e ele foi para o hospital referênciaE. Só que ninguém acompanhou ele. Ele foi com o médico. Lá ele fez novos exames, os mesmos exames, sendo que um que aqui no hospital S não tinha como fazer, não tinha recursos, aí ele foi para lá. Aí lá fez e deu uma célula da cabeça que tava funcionando, então a gente achou que essa célula que funcionou, a gente tinha esperança, né? Foi esse exame que o hospital S não tinha recurso para fazer, que ele fez lá no hospital referência. Esse exame deu que uma célula da cabeça dele tava viva. Aí a gente ficou na esperança dessa célula, porque se uma célula funcionou, porque né, assim, eles disseram que era morte encefálica, então porque tinha célula funcionando, porque o exame mostrou, aí a gente tinha esperança daquela célula se proliferar e fazer com que as outras células funcionassem também...7 Aí foi feito isso aí, e o médico explicou para nós que tava funcionando uma veia, mas que o resto não estava funcionando e não ia funcionar... Muita gente também foi na cabeça da gente, aí a gente já tá numa hora, na situação que tava, aí uns não... A situação de perder um filho, da chance que diziam que ele não tinha de sobreviver, então a família fica mais doida ainda, né?8 Aí uns fala, tem tanta gente que já ficou setenta, oitenta dias, dois meses, três meses e acabou vivendo ainda, escapou, e o seu filho vai escapar também. Foi a partir daí que a gente começou a pensar nisso aí, e cancelamos a doação.9 Aí os médicos do hospital referência chamou a gente lá, uma enfermeira e um médico e falou sobre a doação novamente, e começou a apertar a gente para doar, que não ia ter mais jeito, que o menino não tinha mais salvação, que não tinha como ele escapar. Foi um médico e uma enfermeira que falaram, então a minha esposa que tava na hora começou a engrossar com tudo aquilo, ela achava que eles estavam obrigando a gente a doar os órgãos.10 Que ela tinha certeza que o menino ia escapar ainda, que ele ia viver ainda. Aí a minha mulher engrossou um pouquinho, foi quando a gente cancelou de vez a doação.11 Eu acho que se tivesse assim, o hospital tivesse colocado uma junta médica, uns quatro ou cinco médicos e tivesse chamado a família numa sala para conversar, explicar mais detalhado, acho que a gente podia ter até resolvido, ter doado...12 Na verdade dava a entender que eles estavam muito obcecados pelos órgãos dele, isso veio para nós a família.13 Tudo bem que ele tava lá, em nenhum momento ninguém veio dar uma palavra de conforto para nós e sim só colocando a gente lá embaixo; principalmente com minha mãe. Teve uma enfermeira que foi muito grossa com minha mãe a respeito disso. Disse que o meu irmão não tinha mais jeito, que dali ele não ia, porque a gente não queria doar os órgãos? Então dava entender... E toda vez que ia uma visita lá, sempre a gente era taxado com isso: não tem mais jeito, não tem mais jeito, sabe. Ele tava lá respirando pelo aparelho, tudo bem; mas as pessoas nunca chegavam na gente, confia em Deus, entrega nas mãos de Deus, Deus sabe de todas as coisas.14 Não, eles chegavam e falavam que não tinha mais jeito e porque a gente não doava os órgãos, o que nós estávamos esperando para doar os órgãos. Então a gente deu a entender que eles estavam parecendo urubus na carniça, que no caso eram os médicos urubuzando os órgãos dele.15 Só que eles não E Hospital onde está sediada a Organização de Procura de Órgãos (OPO).
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chegaram para gente e explicaram para gente, não conversaram, eles foram agressivos nas palavras.... É triste de ver um filho, um irmão deitado ali na cama, e os médicos falarem assim: não tem mais jeito, por que vocês não doam logo os órgãos; não é difícil? É difícil. Eles não souberam lidar com a gente.16 E o patrão dele que é policial e a esposa advogada, eles também falaram que tem muita corrupção nesse negócio de doar órgãos, né? Disse que corre muito dinheiro; gente de família rica, né... Aí a gente foi colocando tudo isso na cabeça e aquela esperança, ficando com medo... Porque a gente houve muito falar, principalmente essa advogada e esse policial falaram que tem muita corrupção por trás da doação de órgãos.17 Porque é assim, quando o médico veio aqui no hospital S, lá da doação de órgãos ele veio em 15 minutos. Até quando o médico falou que tinha um jovem que sofreu um acidente, que tinha um doador; então ele chegou no hospital S dentro de 15 minutos, lá do hospital referência. Tudo bem que era final de semana, que não tinha trânsito, mas a gente achou estranho. Só que quando ele veio ele esqueceu de trazer o papel da doação, da assinatura do meu pai e dos meus irmãos. Ele mesmo falou que iria buscar o papel e que em 15 minutos ele estaria de volta. A gente achou muito estranho, porque parecia que eles estavam muito interessados nos órgãos dele. Então como a gente ouve falar que tem muita corrupção, que os médicos são pagos quando tem um órgão, cerca de 10 mil dependendo do órgão. Então tudo isso foi se colocando na nossa cabeça, então a gente ficou meio agitado. Foi então que decidimos rasgar o documento da doação.18 Por que decidimos isso? Pelo fato dos médicos estarem todos em cima dele. Ele só foi bem tratado porque ele era um doador de órgãos, porque se ele não fosse um doador... Porque ele saiu daqui do hospital S para o hospital referência com todos os recursos, porque ele era um doador de órgãos. Quando falaram que ele não ia doar órgãos, disseram que ele ia ficar no hospital S até morrer. A partir do momento que nós assinamos que ele era um doador de órgãos, ele foi tratado igual a um príncipe...19 Se não fosse para a doação ele iria ficar no hospital S até morrer. Até esse exame que ia fazer, não ia ser feito; esse último exame que aqui no hospital S não ia fazer, não seria feito. Eu acho que de um dia para o outro eles terminavam, porque eles iam desligar os aparelhos. A gente ficava com aquilo na cabeça como ele não vai ser doador de órgãos, cedo ou mais tarde eles não vão agüentar esperar e vão desligar os aparelhos dele.20 Aí, a família se reuniu em casa e falamos sobre isso. Eles ficaram sabendo que a gente não ia mais doar os órgãos. Alguém do hospital referência ficou sabendo que a gente não ia mais doar os órgãos e ligou para nossa casa querendo saber porque a gente não queria mais a doação.21 O erro vem deles, porque eles ficaram muito interessados nos órgãos, eles insistiram muito, eles persistiram. Um fala uma coisa outro fala outra, a cabeça da gente....Só que insistiram muito, mas não deram uma explicação mais exata.22 A gente que não entende, eu acho que devia chegar na gente e conversar direito, explicar a situação dele. O que deu no exame, o que não deu, se ele tinha uma chance e se não tinha. Acho que tudo isso faltou entendimento do hospital, dos médicos fazer isso aí. Se vem uma junta médica e chama a família e o patrão dele para conversar, e a advogada esposa do patrão dele, podia juntar todo mundo e ter uma conversa bem detalhada, os médicos dar uma explicação bem exata. Podia até ter mudado de idéia e ter doado os órgãos. Mas da maneira que foi, ficou difícil.23 No fim, o menino morreu e nem serviu os órgãos dele para salvar outras vidas. É onde a gente fica mais sentido. Porque a gente gostaria de ajudar, porque quando ele era vivo, ele sempre falava, se acontecesse alguma coisa, se servisse algum órgão para doar, ele gostaria de ser um doador de órgãos.24 E quando o médico veio para falar sobre a doação a gente aceitou porque era um querer dele. Só que pelas atitudes dos médicos lá, fez com que a gente ficasse desconfiados, assim, e não realizou o
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desejo dele. Porque ele era um menino muito bom. Ele gostava de ajudar as pessoas. Então às vezes a gente fica sentido por causa disso; porque eles não souberam conversar com a gente, não chegaram a conversar com a gente...25 A gente não realizou o desejo dele de doar os órgãos. A gente fica triste.26 Nessa parte eles erraram bastante. Muita gente falava com a gente da corrupção e a insistência deles para doar os órgãos, aí você fica mais assombrado, mais assustado.27 Correr o risco de perder um filho para salvar outras pessoas, não era certo. No caso da cabeça dele que tinha uma veia que começou a funcionar, você colocava a mão, assim, na cabeça dele, você sentia a veia. Se tava morto daqui para cima e não tinha nada e começou a funcionar a gente ficou com aquela esperança.28 Se os médicos tivessem falado que mesmo com aquela veia funcionando não tinha como reagir, talvez tivesse sido diferente. A doação foi recusada por isso.29 E também um pouco pelo o que as pessoas disseram para gente. Um pouco também porque a gente ta numa hora difícil, você não sabe que decisão você toma e também o patrão dele que era mais estudado do que a gente e até forçou a gente para não doar.30 É um pouco foi a veia da cabeça dele que começou a funcionar, que a gente ficou mais em dúvida ainda, porque se não tava funcionando e começou a funcionar a gente ficou mais esperançoso ainda dele escapar.31 É isso....
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3.1.2 A redução fenomenológica
Unidades de significado 1) O acidente foi assim: ele foi numa festa e bebeu um pouco, ele pegou a moto e saiu. (...) tava com o capacete, mas com o capacete no braço, foi onde não valeu nada. Se tivesse com o capacete na cabeça talvez não tivesse acontecido, né? Foi fazer uma curva e não conseguiu fazer uma curva, (...) foi em cima de um fusca. Foi aí que aconteceu o acidente. Depois ele foi internado no hospital S.
2) E lá mais tarde, a gente foi lá e o médico falou que ele não tinha mais como viver, porque nos exames estava dando morte encefálica. Aí o médico perguntou se a gente queria doar os órgãos dele.
3) Aí nós ficamos meio doidos na hora lá. Aí eu concordei, a mãe dele, também estava, e os irmãos.
4) Aí o médico deu uma explicação mais ou menos, como é que foi, como não foi, a chance dele, como era e como não é, e se quisesse doar...
5) Aí eu falei que da minha parte eu doaria, aí ele explicou lá e todo mundo concordou de doar.
6) (...) aí o povo do hospital da doação, fez uma outra entrevista com a gente. O rapaz de lá explicou tudo de novo, com mais detalhes sobre o que é morte encefálica, e aí todo mundo concordou. E levaram meu filho para o hospital da doação (...). Mas na entrevista o rapaz do hospital falou que tinha que repetir os exames, ele faziam três exames, com o último exame é que ele ia distinguir se ele teve a morte encefálica.
7) Lá ele fez novos exames, (...) e deu uma célula da cabeça que tava
Redução fenomenológica 1) O paciente estava bêbado, sem capacete e colidiu a moto contra um automóvel. O pai achou que se o filho estivesse com o capacete na cabeça, talvez tivesse minimizado a gravidade do acidente. O paciente foi internado em um hospital. 2) A equipe médica do hospital informou aos familiares que o paciente não tinha mais chance de vida, pois ele estava com morte encefálica. Após a noticia o médico do hospital solicitou a doação dos órgãos.
3) A família ficou abalada na hora da noticia, mas optou por doar os órgãos.
4) O médico do hospital explicou para os familiares quais as chances do paciente e perguntou se eles queriam doar os órgãos.
5) Após as explicações do médico, a família concordou com a doação dos órgãos.
6) Um profissional do hospital da doação de órgãos fez uma nova entrevista com a família, explicou o que era morte encefálica e que seriam realizados três exames e que o último determinaria a morte encefálica. O paciente foi transferido para o hospital da doação.
7) O paciente fez novos exames para confirmar a morte encefálica e um dos
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funcionando, então a gente achou que essa célula que funcionou, a gente tinha esperança, né? Aí a gente ficou na esperança dessa célula, porque se uma célula funcionou, (...) eles disseram que era morte encefálica, então porque tinha célula funcionando, (...) aí a gente tinha esperança daquela célula se proliferar e fazer com que as outras células funcionassem também...
8) Muita gente também foi na cabeça da gente, aí a gente já ta numa hora, na situação que tava, aí uns não... A situação de perder um filho, da chance que diziam que ele não tinha de sobreviver, então a família fica mais doida ainda, né?
9) Aí uns fala, tem tanta gente que já ficou setenta, oitenta dias, dois meses, três meses e acabou vivendo ainda, escapou, e o seu filho vai escapar também. Foi a partir daí que a gente começou a pensar nisso aí, e cancelamos a doação.
10) Aí os médicos do hospital referência (...) começou a apertar a gente para doar, que não ia ter mais jeito, que o menino não tinha mais salvação, que não tinha como ele escapar. Foi um médico e uma enfermeira que falaram, então a minha esposa que tava na hora começou a engrossar com tudo aquilo, ela achava que eles estavam obrigando a gente a doar os órgãos.
11) Que ela tinha certeza que o menino ia escapar ainda, que ele ia viver ainda. Aí a minha mulher engrossou um pouquinho, foi quando a gente cancelou de vez a doação.
12) Eu acho que se tivesse assim, o hospital tivesse colocado uma junta médica, uns quatro ou cinco médicos e tivesse chamado a família numa sala para conversar, explicar mais detalhado, acho que a gente podia ter até resolvido, ter doado...
exames evidenciou a presença de atividade cerebral. O fato desencadeou na família a esperança na reversão da situação.
8) Para o pai do paciente vivenciar a perda de um filho gerou uma sensação de desespero na família.
9) O pai do paciente relatou que ficou sabendo por conhecidos da família, de casos de pessoas que ficaram vários meses na mesma situação e conseguiram sair, e que o mesmo aconteceria com o filho dele. Essa opinião fez a família repensar a doação e optar por cancelar a mesma.
10) Os pais sentiram-se pressionados pela equipe médica do hospital referência para doar os órgãos do filho. A equipe alegou que o paciente não tinha prognóstico de vida. Os familiares ficaram irritados com a situação, pois acreditavam que estavam sendo coagidos a doar.
11) A mãe acreditava que o filho tinha chance de recuperação e isso motivou os familiares a cancelar a doação dos órgãos.
12) O pai do paciente relatou que se uma junta médica tivesse esclarecido a situação de forma mais detalhada, a família mudaria de opinião e teria realizado a doação dos órgãos.
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13) Na verdade dava a entender que eles estavam muito obcecados pelos órgãos dele, isso veio para nós a família.
14) Tudo bem que ele tava lá, em nenhum momento ninguém veio dar uma palavra de conforto para nós e sim só colocando a gente lá embaixo (...). Teve uma enfermeira que foi muito grossa com minha mãe a respeito disso. Disse que o meu irmão não tinha mais jeito, que dali ele não ia, porque a gente não queria doar os órgãos? E toda vez que ia uma visita lá, sempre a gente era taxado com isso: não tem mais jeito, não tem mais jeito, sabe. Ele tava lá respirando pelo aparelho, tudo bem; mas as pessoas nunca chegavam na gente, confia em Deus, entrega nas mãos de Deus, Deus sabe de todas as coisas.
15) Não, eles chegavam e falavam que não tinha mais jeito e porque a gente não doava os órgãos, o que nós estávamos esperando para doar os órgãos. Então a gente deu a entender que eles estavam parecendo urubus na carniça, que no caso eram os médicos urubuzando os órgãos dele.
16) (...) eles foram agressivos nas palavras.... É triste de ver um filho, um irmão deitado ali na cama, e os médicos falarem assim: não tem mais jeito, por que vocês não doam logo os órgãos; não é difícil? É difícil. Eles não souberam lidar com a gente.
17) E o patrão dele que é policial e a esposa advogada, eles também falaram que tem muita corrupção nesse negócio de doar órgãos, né? Disse que corre muito dinheiro; gente de família rica, né... Aí a gente foi colocando tudo isso na cabeça e aquela esperança, ficando com medo... Porque a gente houve muito falar, principalmente essa advogada e esse policial falaram que tem muita corrupção por trás da doação de órgãos.
13) A família achou que a equipe do hospital referência estava muito interessada nos órgãos do paciente.
14) A família do paciente sentiu que não recebeu apoio da equipe do hospital referência pela decisão tomada. Para os familiares ficou a impressão de que estavam sendo condenados pelo fato de não terem autorizado a doação, em certos momentos perceberam que alguns profissionais foram indelicados. A família referiu que faltou uma palavra de conforto espiritual por parte dos profissionais que estavam cuidando do paciente.
15) A família achou que estava sendo pressionada para doar os órgãos do paciente e a impressão que ficou foi que os médicos pareciam “urubus na carniça”.
16) A família achou que os médicos foram duros nas colocações e que vivenciar a situação de ter um parente naquela condição foi um motivo de tristeza. A falta de cuidado da equipe em conduzir a situação foi percebida pelos familiares como sendo um momento difícil de vivenciar.
17) Pessoas do convívio da família do paciente relataram que havia muita corrupção na doação de órgãos, que as famílias ricas se beneficiavam com a doação. Essa informação despertou nos familiares uma sensação de medo.
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18) A gente achou muito estranho, porque parecia que eles estavam muito interessados nos órgãos dele. (...) a gente ouve falar que tem muita corrupção, que os médicos são pagos quando tem um órgão, cerca de 10 mil dependendo do órgão (...). Foi então que decidimos rasgar o documento da doação. 19) Ele só foi bem tratado porque ele era um doador de órgãos, porque se ele não fosse um doador... Porque ele saiu daqui do hospital S para o hospital referência com todos os recursos, porque ele era um doador de órgãos. Quando falaram que ele não ia doar órgãos, disseram que ele ia ficar no hospital S até morrer. A partir do momento que nós assinamos que ele era um doador de órgãos, ele foi tratado igual a um príncipe...
20) Se não fosse para a doação ele iria ficar no hospital S até morrer. Até esse exame que ia fazer, não ia ser feito; esse último exame que aqui no hospital S não ia fazer, não seria feito. Eu acho que de um dia para o outro eles terminavam, porque eles iam desligar os aparelhos. A gente ficava com aquilo na cabeça como ele não vai ser doador de órgãos, cedo ou mais tarde eles não vão agüentar esperar e vão desligar os aparelhos dele.
21) Aí a família se reuniu em casa e falamos sobre isso. Eles ficaram sabendo que a gente não ia mais doar os órgãos. Alguém do hospital referência ficou sabendo que a gente não ia mais doar os órgãos e ligou para nossa casa querendo saber porque a gente não queria mais a doação.
22) O erro vem deles, porque eles ficaram muito interessados nos órgãos, eles insistiram muito, eles persistiram (...). Só que insistiram muito, mas não deram uma explicação mais exata.
23) A gente que não entende, eu acho que devia chegar na gente e conversar direito, explicar a situação dele. O que deu no exame, o que não deu, se ele
18) A família percebeu que havia um interesse excessivo na doação dos órgãos. O fato reforçou a crença na possibilidade de corrupção e que os médicos recebiam cerca de 10 mil dependendo do órgão. Os familiares optaram pela anulação da doação.
19) A família achou que a assistência dispensada ao paciente só foi adequada porque ele era um doador de órgãos, pois todos os recursos foram disponibilizados. Caso contrário ele ficaria no hospital S até a parada do coração. Os familiares perceberam que após a autorização da doação o paciente foi tratado como se fosse um “príncipe”.
20) A família acreditava que se não tivesse autorizado a doação dos órgãos nada teria sido feito para confirmar o restante do diagnóstico de morte encefálica e que a equipe acabaria retirando todo o suporte de manutenção da vida.
21) A família se reuniu, discutiu a situação e ficou decidido que não ia mais doar os órgãos. Um profissional do hospital da doação ligou para a residência da família querendo saber o motivo da não doação.
22) O pai do paciente achou que a equipe do hospital da doação errou ao conduzir a situação, pois havia um grande interesse na doação e pouco esclarecimento.
23) O pai do paciente achou que faltou esclarecimento da situação e reforçou a importância de uma junta médica ter detalhado o quadro do paciente na
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tinha uma chance e se não tinha (...). Se vem uma junta médica e chama a família e o patrão dele para conversar, e a advogada esposa do patrão dele, podia juntar todo mundo e ter uma conversa bem detalhada, os médicos dar uma explicação bem exata (...). Mas da maneira que foi, ficou difícil.
24) No fim o menino morreu e nem serviu os órgãos dele para salvar outras vidas. É onde a gente fica mais sentido. Porque a gente gostaria de ajudar, porque quando ele era vivo, ele sempre falava, se acontecesse alguma coisa, se servisse algum órgão para doar, ele gostaria de ser um doador de órgãos.
25) Só que pelas atitudes dos médicos lá, fez com que a gente ficasse desconfiados, assim, e não realizou o desejo dele (...). Então às vezes a gente fica sentido por causa disso; porque eles não souberam conversar com a gente, não chegaram a conversar com a gente...
26) A gente não realizou o desejo dele de doar os órgãos. A gente fica triste.
27) Muita gente falava com a gente da corrupção e a insistência deles para doar os órgãos, aí você fica mais assombrado, mais assustado.
28) Correr o risco de perder um filho para salvar outras pessoas, não era certo.No caso da cabeça dele que tinha uma veia que começou a funcionar, você colocava a mão, assim, na cabeça dele, você sentia a veia. Se tava morto daqui para cima e não tinha nada e começou a funcionar a gente ficou com aquela esperança.
29) Se os médicos tivessem falado que mesmo com aquela veia funcionando não tinha como reagir, talvez tivesse sido diferente. A doação foi recusada por isso.
presença de toda a família e de outras pessoas que a família considerava importante. A forma como o processo foi conduzido desencadeou a negação da doação.
24) A família lamentou a situação, pois no final o paciente acabou indo a óbito e os órgãos não foram aproveitados para salvar outras pessoas. Ficou, também, a sensação de tristeza e arrependimento por não ter atendido o desejo da pessoa em vida.
25) O comportamento da equipe médica e a falta de esclarecimento da situação fizeram com que os familiares ficassem desconfiados e ofendidos. Dessa forma não realizaram o desejo do falecido.
26) A família ficou triste por não ter realizado o desejo do falecido de doar os órgãos. 27) A possibilidade de corrupção e a insistência da equipe pela doação dos órgãos deixaram os familiares assustados e com medo da situação. 28) O pai acreditava que não era correto sacrificar a vida do filho para beneficiar outras pessoas, a família alimentava a esperança de que a situação pudesse mudar, pois ainda havia um vaso do cérebro que estava funcionando.
29) A família acreditava que se a equipe médica tivesse esclarecido melhor a situação, provavelmente eles teriam doado.
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30) E também um pouco pelo o que as pessoas disseram para gente. Um pouco também porque a gente ta numa hora difícil, você não sabe que decisão você toma e também o patrão dele que era mais estudado do que a gente e até forçou a gente para não doar.
31) É um pouco foi a veia da cabeça dele que começou a funcionar, que a gente ficou mais em dúvida ainda, porque se não tava funcionando e começou a funcionar a gente ficou mais esperançoso ainda dele escapar.
30) A família achou que foi um momento difícil tomar a decisão em relação à doação e que se sentiu forçada a não aceitar, pois pessoas externas que eram contrárias à doação influenciaram na tomada de decisão.
31) A presença de fluxo sanguíneo cerebral deixou a família duvidosa em relação ao diagnóstico de morte encefálica e alimentou a crença na reversão do quadro.
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3.1.3 A tematização das unidades de significado
Tema 1) Relatando a internação do familiar 1) O paciente estava bêbado, sem capacete e colidiu a moto contra um automóvel. O pai do paciente achou que se o filho estivesse com o capacete na cabeça, talvez tivesse minimizado a gravidade do acidente. O paciente foi internado em um hospital. 2) Vivenciando a perda do familiar 2.1) Recebendo a informação da morte encefálica e a solicitação da doação dos órgãos 2) A equipe médica do hospital informou aos familiares que o paciente não tinha mais chance de vida, pois ele estava com morte encefálica. Após a noticia o médico do hospital solicitou a doação dos órgãos. 4) O médico do hospital explicou para os familiares quais as chances do paciente e perguntou se eles queriam doar os órgãos. 6) Um profissional do hospital da doação de órgãos fez uma nova entrevista com a família, explicou o que era morte encefálica e que seriam realizados três exames e que o último determinaria a morte encefálica. O paciente foi transferido para o hospital da doação.
Interpretação 1) Relatando a internação do familiar O acidente de trânsito ocasionou a internação do paciente em estado grave. O pai achou que se o filho estivesse com o capacete na cabeça, talvez o acidente não tivesse sido tão grave.(V,1) 2) Vivenciando a perda do familiar 2.1) Recebendo a informação da morte encefálica e a solicitação da doação dos órgãos A equipe do hospital informa a família do paciente sobre a morte encefálica e, nesse momento, faz a solicitação da doação dos órgãos para transplante. Posteriormente, o profissional da doação de órgãos entrevista novamente os familiares, esclarece o que é a morte encefálica e explica que novos exames serão realizados com a finalidade de confirmar o diagnóstico de morte. O potencial doador é transferido para o hospital da captação de órgãos.(V,2,4,6)
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2.2)Sofrendo com a perda do familiar 8) Para o pai do paciente, vivenciar a perda de um filho gerou uma sensação de desespero na família. 16) A família achou que os médicos foram duros nas colocações e que vivenciar a situação de ter um parente naquela condição foi um motivo de tristeza. A falta de cuidado da equipe em conduzir a situação foi percebida pelos familiares como sendo um momento difícil de vivenciar. 24) A família lamentou a situação, pois no final o paciente acabou indo a óbito e os órgãos não foram aproveitados para salvar outras pessoas. Ficou, também, a sensação de tristeza e arrependimento por não ter atendido o desejo da pessoa em vida. 26) A família ficou triste por não ter realizado o desejo do falecido de doar os órgãos. 3) Decidindo pela recusa da doação dos órgãos 3.1) Conversando sobre doação 3) A família ficou abalada na hora da notícia, mas optou por doar os órgãos.5) Após as explicações do médico, a família concordou com a doação dos órgãos. 21) A família se reuniu, discutiu a situação e ficou decidido que não ia mais doar os órgãos. Um profissional do hospital da doação ligou para a residência da família querendo saber o motivo da não doação.
2.2)Sofrendo com a perda do familiar A perda súbita de um parente é motivo de desespero e tristeza para os familiares. Há também a dor que os familiares sentem diante da falta de sensibilidade dos profissionais que assistem o paciente, quando as colocações da equipe são percebidas como sendo um fator que adiciona sofrimento no processo de perda. O sofrimento vivido pela família por não ter atendido o desejo do paciente em vida de ser um doador de órgãos, bem como o desperdício da chance de ajudar outras pessoas são motivos de arrependimento, lamentação e tristeza.(V,8,16,24,26)
3) Decidindo pela recusa da doação dos órgãos 3.1) Conversando sobre doação A solicitação da doação dos órgãos deixa os familiares chocados, mas após as informações apresentadas pelo médico, que está cuidando do potencial doador, a família se posiciona favorável à doação. Posteriormente, a família delibera novamente sobre a questão e opta por recusar a doação. Diante da situação, a família é questionada pelo profissional da captação de órgãos.(V,3,5,21)
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4) Apresentando os motivos de recusa da doação dos órgãos 4.1) A não compreensão do diagnóstico de morte encefálica e a crença na reversão do quadro 7) O paciente fez novos exames para confirmar a morte encefálica e um dos exames evidenciou a presença de atividade cerebral. O fato desencadeou na família a esperança na reversão da situação. 9) O pai do paciente relatou que ficou sabendo por conhecidos da família, de casos de pessoas que ficaram vários meses na mesma situação e conseguiram sair, e que o mesmo aconteceria com o filho dele. Essa opinião fez a família repensar a doação e optar por cancelar a mesma.11) A mãe acreditava que o filho tinha chance de recuperação e isso motivou os familiares a cancelar a doação dos órgãos. 28) O pai acreditava que não era correto sacrificar a vida do filho para beneficiar outras pessoas, a família alimentava a esperança de que a situação pudesse mudar, pois ainda havia um vaso do cérebro que estava funcionando. 31) A presença de fluxo sanguíneo cerebral deixou a família duvidosa em relação ao diagnóstico de morte encefálica e alimentou a crença na reversão do quadro. 4.2) A desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos 10) Os pais sentiram-se pres-sionados pela equipe médica do hospital referência para doar os órgãos do
4) Apresentando os motivos de recusa da doação dos órgãos 4.1) A não compreensão do diagnóstico de morte encefálica e a crença na reversão do quadro A presença de fluxo sanguíneo em um dos vasos que irriga o cérebro, evidenciado através do exame gráfico de morte encefálica, leva os familiares a acreditarem na possibilidade de reversão do quadro do paciente. O desconhecimento e o não entendimento da família no que se refere à diferença entre coma e morte encefálica desperta nos familiares a esperança de um prognóstico favorável à recuperação do paciente. A situação gera dúvida em relação ao diagnóstico e reforça a crença na reversão do quadro. Nessa circunstância, a doação dos órgãos é interpretada pela família como sendo o mesmo que sacrificar a vida de um parente para beneficiar outras pessoas.(V,7,9,11,28,31)
4.2) A desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos O interesse excessivo demonstrado pela equipe para conseguir a doação dos órgãos gera desconfiança no
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filho. A equipe alegou que o paciente não tinha prognóstico de vida. Os familiares ficaram irritados com a situação, pois acreditavam que estavam sendo coagidos a doar. 13) A família achou que a equipe do hospital referência estava muito interessada nos órgãos do paciente. 15) A família achou que estava sendo pressionada para doar os órgãos do paciente e a impressão que ficou foi que os médicos pareciam “urubus na carniça”. 17) Pessoas do convívio da família do paciente relataram que havia muita corrupção na doação de órgãos, que as famílias ricas se beneficiavam com a doação. Essa informação despertou nos familiares uma sensação de medo. 18) A família percebeu que havia um interesse excessivo na doação dos órgãos. O fato reforçou a crença na possibilidade de corrupção e que os médicos recebiam cerca de 10 mil dependendo do órgão. Os familiares optaram pela anulação da doação. 19) A família achou que a assistência dispensada ao paciente só foi adequada porque ele era um doador de órgãos, pois todos os recursos foram disponibilizados. Caso contrário ele ficaria no hospital S até a parada do coração. Os familiares perceberam que após a autorização da doação o paciente foi tratado como se fosse um “príncipe”. 20) A família acreditava que se não tivesse autorizado a doação dos órgãos nada teria sido feito para confirmar o restante do diagnóstico de morte encefálica e que a equipe acabaria retirando todo o suporte de
processo de doação e leva os familiares a imaginarem a possibilidade de corrupção, onde pessoas ricas são favorecidas e a equipe médica ganha muito dinheiro com a doação dos órgãos. Tal fato é reforçado através do discurso da família, quando relata a sensação de estar sendo pressionada ou até mesmo coagida a doar os órgãos, pois para a família, ficou a impressão de que os médicos pareciam “urubus na carniça”. A situação revela a crença de que os recursos oferecidos ao potencial doador foram disponibilizados, somente, por conta da doação, pois a pessoa é tratada como um “príncipe”. Caso contrário o potencial doador estaria fadado ao abandono e descaso, nada seria feito para confirmar o diagnóstico de morte encefálica e o suporte de vida seria desligado. A família diante de tal circunstância sente dificuldade em tomar uma decisão favorável à doação e é influenciada pela opinião de pessoas externas que acreditam na possibilidade de corrupção. A situação é motivo de medo e pavor para a família.(V,10,13,15,17,18,19,20,27,30)
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manutenção da vida. 27) A possibilidade de corrupção e a insistência da equipe pela doação dos órgãos deixaram os familiares assustados e com medo da situação. 30) A família achou que foi um momento difícil tomar a decisão em relação à doação e que se sentiu forçada a não aceitar, pois pessoas externas que eram contrárias à doação influenciaram na tomada de decisão. 4.3) A inadequação no processo de doação 12) O pai do paciente relatou que se uma junta médica tivesse esclarecido a situação de forma mais detalhada, a família mudaria de opinião e teria realizado a doação dos órgãos. 14) A família do paciente sentiu que não recebeu apoio da equipe do hospital referência pela decisão tomada. Para os familiares ficou a impressão de que estavam sendo condenados pelo fato de não terem autorizado a doação, em certos momentos perceberam que alguns profissionais foram indelicados. A família referiu que faltou uma palavra de conforto espiritual por parte dos profissionais que estavam cuidando do paciente. 22) O pai do paciente achou que a equipe do hospital da doação errou ao conduzir a situação, pois havia um grande interesse na doação e pouco esclarecimento. 23) O pai do paciente achou que faltou esclarecimento da situação e reforçou a importância de uma junta médica ter detalhado o quadro do
4.3) A inadequação no processo de doação A falta de esclarecimento da situação do paciente é percebida pelos familiares como sendo uma forma inadequada de conduzir o processo de doação. Os familiares acreditam que diante da situação faz-se necessário o detalhamento do quadro do paciente, de preferência por uma junta médica, para que todos os envolvidos no processo possam esclarecer as dúvidas e decidir diante da clareza da informação, o que possibilita a mudança de conduta dos familiares diante da doação. Todavia, os familiares percebem um comportamento de “condenação” por parte dos profissionais pelo fato de terem recusado a doação, pois reclamam da falta de apoio pela decisão tomada, bem como da falta de uma palavra que proporcione conforto espiritual diante da situação vivenciada. Independente da decisão da família, o comportamento do profissional deve estar fundamentado no principio da humanização do cuidar, pois qualquer atitude contrária a esse principio é percebida pelos familiares como sendo ofensiva,
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paciente na presença de toda a família e de outras pessoas que a família considerava importante. A forma como o processo foi conduzido desencadeou a negação da doação. 25) O comportamento da equipe médica e a falta de esclarecimento da situação fizeram com que os familiares ficassem desconfiados e ofendidos. Dessa forma não realizaram o desejo do falecido. 29) A família acreditava que se a equipe médica tivesse esclarecido melhor a situação, provavelmente eles teriam doado.
dessa forma possibilita que o desejo do falecido de ser um doador não seja atendido.(V,12,14,22,23,25,29)
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3.2 Análise nomotética
Após a realização da análise ideográfica dos oito discursos, procedeu-se à
análise nomotética. O procedimento da análise nomotética das unidades de
significado interpretadas, dos oito discursos, deu-se pelo agrupamento dessas
unidades interpretadas dentro do seu respectivo tema e pela análise das
convergências e divergências dessas mesmas unidades, interpretadas por
tema.
3.2.1 O agrupamento das unidades de significado interpretada
TEMA: RELATANDO A INTERNAÇÃO DO FAMILIAR
1- O mal estar súbito acarretou a internação da paciente. Para o familiar foi
um choque muito grande, pois tudo aconteceu de forma muito rápida e horas
antes do ocorrido ele havia conversado com a paciente.(I,2,23)
2- A tentativa de homicídio desencadeia a internação e a evolução clinica
do paciente para o coma. Há o reconhecimento da gravidade da situação.(II,1,2)
3- O acidente acarreta a internação do paciente, que evolui com parada
cardíaca, mas a equipe não relata a gravidade e o familiar acredita na
recuperação do paciente.(III,1,3)
4- A paciente, que vinha apresentando problemas de saúde, teve um mal súbito e foi levada ao hospital com rebaixamento do nível de consciência. O familiar ficou sabendo que a paciente teve um Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico (AVCH) e que a situação era muito grave.(IV,2,3)
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5- O acidente de trânsito ocasionou a internação do paciente em estado
grave. O pai achou que se o filho estivesse com o capacete na cabeça, talvez o
acidente não tivesse sido tão grave.(V,1)
6- O paciente apresentou um mal estar súbito e o familiar, percebendo que
a situação era grave, acionou o serviço de emergência.O paciente foi levado
para o hospital de referência e foi prontamente atendido. Evoluiu para o coma e
a equipe médica informou ao familiar que a situação era grave, e que não havia
o que fazer. A situação deixou o familiar com uma sensação de aflição,
desalento e solidão.(VI,1,2,3,4,5,9)
7- O paciente foi internado e realizou duas cirurgias para retirada de um
tumor cerebral. Durante o ato cirúrgico aconteceu um sangramento na artéria
carótida, que desencadeou a morte do paciente. O familiar ficou em dúvida se
houve ou não erro médico.(VII,17)
8- Um mal súbito acarreta a internação e a evolução do paciente para o
coma. O familiar percebendo a gravidade da situação entrou em desespero por
não aceitar a possibilidade de perder o parente.(VIII,19)
TEMA: VIVENCIANDO A PERDA DO FAMILIAR
Subtema: Recebendo a informação da morte encefálica e a solicitação da doação dos órgãos
9- Quando o familiar recebe a informação da morte encefálica, o mesmo
compreende como sendo morte de fato e, nesse momento, cogita a
possibilidade da doação dos órgãos, acreditando que seria uma forma do
parente continuar vivendo. Porém, quando compartilha a idéia com outro
membro da família, o mesmo não tem a mesma certeza, pois não assimila a
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gravidade da situação, mantendo-se irredutível em relação à doação dos
órgãos.(I,3,9,11,16)
10- A mãe ficou sabendo pela médica que a morte encefálica do filho havia
sido constatada há mais de 48 horas, que era só esperar a parada de todas as
funções e que só dependia do paciente. Relatou que nesse momento teve a
certeza da morte do filho. O profissional da captação de órgãos fez a solicitação
da doação e reforçou o diagnóstico de morte encefálica. A mãe do paciente,
quando consultada sobre o assunto, sentiu de imediato uma necessidade de
concretizar a doação dos órgãos, mas foi orientada a compartilhar a decisão
com o restante da família.(II,3,6,8)
11- A equipe médica do hospital informa ao familiar a suspeita da morte
encefálica e que os exames comprobatórios serão realizados. Informa, também,
que a equipe da captação de órgãos quer conversar com a família. A esposa
pergunta ao médico se o esposo está morto, mas é informada que ele não
havia falecido. O familiar fica desconfiado ao receber a informação. (III,4,6)
12- A equipe médica do hospital explica a gravidade da situação ao
familiar e apresenta a possibilidade da doação, mas o familiar evidencia a
necessidade de compartilhar a decisão com o responsável legal do potencial
doador. Posteriormente, o profissional da captação de órgãos solicita
oficialmente a doação e o representante legal não aceita.(IV,4,6)
13- A equipe do hospital informa a família do paciente sobre a morte
encefálica e, nesse momento, faz a solicitação da doação dos órgãos para
transplante. Posteriormente, o profissional da doação de órgãos entrevista
novamente os familiares, esclarece o que é a morte encefálica e explica que
novos exames serão realizados com a finalidade de confirmar o diagnóstico de
morte. O potencial doador é transferido para o hospital da captação de
órgãos.(V,2,4,6)
14- O familiar fica sabendo que o paciente está em morte encefálica. O
diagnóstico é confirmado pela equipe médica e na seqüência é feita a
solicitação da doação dos órgãos para transplante.(VI,11,14)
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15- A irmã foi informada da irreversibilidade do quadro do paciente pela
equipe médica, mas ela achava que o irmão estava em coma e que tudo
poderia ser um engano. Para ela a morte clínica é diferente da morte em que a
pessoa, mesmo morta, fica no hospital mantida através dos aparelhos, pois
nessa condição a pessoa parece viva.(VII,3,6)
16- O familiar nega a morte encefálica, mesmo tendo conhecimento do
assunto por ser da área da saúde. Quando a solicitação da doação é feita, a
autorização é percebida como a impossibilidade de ver o paciente novamente,
pois com a retirada dos órgãos a morte é confirmada.(VIII,6,13)
Subtema: Sofrendo com a perda do familiar
17- Vivenciar a perda do familiar é um evento inesperado que gera
angústia, desconforto, ansiedade e transtorno. A necessidade dos parentes e
pessoas do convívio do falecido por notícias proporciona interpretações erradas
das informações, tornando a perda mais desgastante ainda.(I,1,15,21)
18- Vivenciar a perda de um familiar gera sofrimento, angústia, dor e
causa transtorno na rotina da família. A mãe supõe que o ente querido está
sofrendo e se fortalece através da fé e apela para a intervenção divina, com o
intuito de minimizar a dor da perda, ou, até mesmo, crer que a situação possa
mudar. Por outro lado, a angústia da mãe diante da gravidade da condição do
filho, pois ela o considera como “morto-vivo”, faz com que ela questione a
possibilidade de desligar os equipamentos, ou até mesmo acreditar que a
doação dos órgãos seria uma maneira de por fim ao sofrimento.(II,4,5,11,12)
19- A falta de informação sobre a real gravidade da situação gera
incertezas, dúvidas e aumenta o sofrimento dos familiares. Há a angústia, a dor
e o desespero quando a morte do paciente é comunicada.(III,5,19)
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20- A perda repentina do familiar é motivo de muito sofrimento e tristeza
para toda a família. Apesar da morte encefálica do familiar, há a crença de
melhora do quadro apresentado, gerando a negação para conversar sobre
doação de órgãos. O irmão da paciente entende que a morte da irmã é um fato
concreto, mas percebe que tentar convencer o cunhado é adicionar dor para
quem já está sofrendo muito com a situação.(IV,1,5,15)
21- A perda súbita de um parente é motivo de desespero e tristeza para os
familiares. Há também a dor que os familiares sentem diante da falta de
sensibilidade dos profissionais que assistem o paciente, quando as colocações
da equipe são percebidas como sendo um fator que adiciona sofrimento no
processo de perda. O sofrimento vivido pela família por não ter atendido o
desejo do paciente em vida de ser um doador de órgãos, bem como o
desperdício da chance de ajudar outras pessoas são motivo de arrependimento,
lamentação e tristeza.(V,8,16,24,26)
22- Vivenciar a perda de um parente é uma situação traumática. Para o
familiar, deparar-se com a gravidade do quadro do paciente é motivo de
desespero, tristeza e sofrimento, principalmente quando a vontade da pessoa
de morrer em casa não é respeitada. A noticia da morte encefálica é motivo de
tristeza, pois dá a consciência de que é o fim, a perda de fato. O familiar diante
dessa situação prefere não ver mais o parente, por considerar sem significado
abraçar, beijar, passar a mão em uma pessoa morta, mesmo sabendo que o
coração ainda estava batendo. A notícia do falecimento foi dada por telefone,
após 48 horas do diagnóstico de morte encefálica.(VI,6,7,8,10,12,13)
23- Para o familiar, vivenciar a perda de um parente é triste, doloroso e
chocante e ocasiona um desgaste psicológico muito grande. Nessa
circunstância, o familiar considera a perda do paciente como sendo uma falta
de sorte, por não imaginar a possibilidade da morte em conseqüência de uma
cirurgia.(VII,1,11,18)
24- Vivenciar a perda é triste e doloroso, causando a sensação para a
esposa de estar perdendo a sua outra parte e fazendo ela se sentir como um
“morto-vivo”. A dor da perda só sabe quem vivencia. O familiar não estava
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preparado para aceitar a morte do ente querido. Negar a doação dos órgãos foi
a forma encontrada para retardar a perda do parente e amenizar a dor, a
tristeza e a mágoa geradas pela situação, mesmo sabendo que a doação
poderia salvar vidas e proporcionar alegria para quem receberia o órgão. A
esposa preferiu vivenciar o engano de alimentar a esperança, a aceitar a morte
do ente querido, pois, para ela, esperança e morte não andam juntas, devendo
prevalecer a esperança.(VIII,7,12,14,18,24,35,36)
TEMA: DECIDINDO PELA RECUSA DA DOAÇÃO DOS ÓRGÃOS
Subtema: Conversando sobre doação
25- No momento de tomar a decisão sobre a doação dos órgãos há
necessidade de compartilhar o assunto com os demais membros da família.
Existe familiar que é favorável por acreditar que a doação dos órgãos é uma
maneira do ente querido continuar vivendo. Há também familiar que não
concorda com a doação quando é informado sobre a necessidade da retirada
dos órgãos com o coração batendo, mas admite a possibilidade da doação
após a parada do coração. O desconhecimento do desejo do falecido em vida
não é considerado na tomada de decisão para recusar a doação dos
órgãos.(I,5,7,18,22,24)
26- No processo de tomada de decisão sobre a doação de órgãos há
divergência de opinião entre os familiares, com o surgimento de um conflito
diante da situação. O pai, que é contrário à doação, quando solicitado a
considerar a possibilidade de salvar vidas através do ato da doação manifesta
uma reação de fúria. O desconhecimento do desejo do falecido não é
considerado na tomada de decisão como motivo para recusar a doação dos
órgãos.(II,7, 9)
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27- Após a solicitação da doação, essa possibilidade é discutida entre os
familiares. O familiar acredita que com o ato da doação é possível beneficiar
outras vidas. Entretanto, há a percepção de que a morte da paciente ainda não
está definida.(IV,7)
28- A solicitação da doação dos órgãos deixa os familiares chocados, mas
após as informações apresentadas pelo médico, que está cuidando do potencial
doador, a família se posiciona favorável à doação. Posteriormente, a família
delibera novamente sobre a questão e opta por recusar a doação. Diante da
situação, a família é questionada pelo profissional da captação de
órgãos.(V,3,5,21)
29- O familiar decide rápido sobre a questão da doação, pois refere ter
conversado bastante sobre o assunto com o paciente em vida e decidem que
não são doadores de órgãos. O desejo foi registrado em documento oficial. A
esposa considerou que o esclarecimento sobre doação de órgãos faz-se
necessário para que as pessoas possam decidir de forma consciente. O
desconhecido causa medo, pois muita gente gostaria de doar, mas tem medo e
dúvida sobre o assunto e enfatizou a necessidade de esclarecimento. (VI,15,21,22)
30- A família conversou sobre a doação dos órgãos e todos concordaram
em doar, por considerar importante salvar vidas. Entretanto, no momento de
efetivar a doação o familiar não teve coragem, pois ao ver o parente com todos
os equipamentos e o coração batendo, mesmo acreditando que a pessoa
estava morta, considerou a situação complexa, difícil e crítica, pois decidir
favoravelmente à doação despertou uma sensação estranha de estar
contribuindo com a morte do paciente, alegando falta de coragem para
concretizar a doação. O familiar acredita que a situação pode parecer fácil para
o profissional da saúde.(VII,2,4,8,13,16)
31- O conhecimento do desejo do falecido em vida foi importante na
tomada de decisão para recusar a doação dos órgãos e tecidos, pois o casal
havia conversado muito sobre o assunto e o falecido não queria, talvez por ser
religioso ou por motivo pessoal. A esposa evidenciou a necessidade do tema
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ser abordado nas escolas para que a pessoa possa crescer sabendo se vai
querer ser ou não um doador de órgãos. É necessária mais divulgação e
esclarecimento, porque tem gente que não doa pela falta de esclarecimento e
medo. Falta conhecimento das pessoas sobre a morte encefálica e mesmo
quem conhece não aceita.(VIII,1,2,9,28,32,37)
Subtema: Respeitando a decisão tomada
32- No momento de tomar a decisão sobre a doação, a opinião do parente
que teve uma relação muito próxima com o falecido é a que prevalece. Vale
lembrar que nem sempre a recusa é o desejo de toda família, mas por respeito
ao familiar que recusou e na tentativa de evitar conflitos a decisão é acatada
por todos os membros da família.(I,14,20)
33- Mesmo a mãe, que é favorável à doação, quando diante da
manifestação contrária de outro membro da família com igual poder de decisão,
acha por bem respeitar a opinião do pai do paciente, apesar de acreditar que o
filho poderia salvar muitas vidas com a doação dos órgãos. (II,10)
34- A decisão do esposo é respeitada mesmo quando outro familiar é
favorável à doação e lamenta a atitude de recusa.(IV,9,11)
35- O familiar quando conhece o desejo do parente em relação à doação
de órgãos acaba respeitando a vontade do mesmo e sente-se seguro diante da
decisão tomada, mesmo causando espanto para o restante da família.(VI,24)
36- A morte encefálica tira do paciente a autonomia e para o familiar o
correto é quem está vivo respeitar o que a pessoa pensava.(VIII,5)
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TEMA: APRESENTANDO OS MOTIVOS DE RECUSA DA DOAÇÃO DOS ÓRGÃOS
Subtema: A crença religiosa
37- O esposo atribuiu à religião como sendo um dos motivos para recusar
a doação dos órgãos e tecidos.(I,4,25)
38- O falecido não concordava com a doação dos órgãos por causa da
religião dele e o familiar respeitou.(VIII,34)
Subtema: A espera de um milagre
39- A crença em Deus alimenta a esperança de que um milagre possa
acontecer e possibilita imaginar que alguém que seja favorável à doação nesse
momento não tenha fé.(I,13,19)
40- O familiar, mesmo sabendo da morte do parente, acredita que Deus
faz milagre e mantém a fé de mudança da situação.(VII,5,7)
41- A esposa acreditava que Deus faria um milagre e que a situação do
paciente mudaria, mesmo sabendo que estava se iludindo, ela não aceitava o
fato de que o esposo estava morto.(VIII,20, 22, 23)
Subtema: A não compreensão do diagnóstico de morte encefálica e a
crença na reversão do quadro 42- A dificuldade de entendimento do conceito de morte encefálica, ou
seja, de que uma pessoa possa estar morta e o coração continuar batendo, leva
70
o familiar a acreditar que o ato da doação de órgãos para transplante é o
mesmo que estar matando a pessoa. Nessa situação, a presença dos
batimentos cardíacos é interpretada como sendo um indicativo de que a pessoa
ainda está viva, evidenciando a dificuldade de diferenciar a morte encefálica do
coma e alimentando a esperança de que a situação possa ser
revertida.(I,6,8,10,12,17,26)
43- Presenciar o paciente com todo o suporte avançado de vida como a
respiração artificial e a manutenção dos batimentos cardíacos leva os familiares
a acreditarem na possibilidade de melhora do quadro e à recusa da doação dos
órgãos. A crença na reversão do quadro é fortemente influenciada pela
presença dos batimentos do coração, tal fato leva o familiar a imaginar que a
paciente está viva. A informação equivocada da equipe do hospital sobre a
situação da morte encefálica e a informação de melhora do quadro alimenta a
esperança da família na recuperação da paciente. Há falta de compreensão e
aceitação do diagnóstico de morte encefálica. Mesmo com o alerta da
gravidade da situação, existe a crença na recuperação, que é motivo para
negar a doação.(IV,12,13,14,16,17)
44- A presença de fluxo sanguíneo em um dos vasos que irriga o cérebro,
evidenciado através do exame gráfico de morte encefálica, leva os familiares a
acreditarem na possibilidade de reversão do quadro do paciente. O
desconhecimento e o não entendimento da família no que se refere à diferença
entre coma e morte encefálica desperta nos familiares a esperança de um
prognóstico favorável à recuperação do paciente. A situação gera dúvida em
relação ao diagnóstico e reforça a crença na reversão do quadro. Nessa
circunstância, a doação dos órgãos é interpretada pela família como sendo o
mesmo que sacrificar a vida de um parente para beneficiar outras
pessoas.(V,7,9,11,28,31)
45- Para o familiar, presenciar o paciente com todos os equipamentos, o
coração batendo, o corpo quente e o sangue circulando, dificulta a
compreensão do conceito de morte encefálica, pois essa condição possibilita
71
imaginar que a pessoa está viva. Autorizar a doação dos órgãos é entendido
como autorizar o desligamento dos aparelhos e com isso estar matando o
paciente. Tal fato é motivo de medo, pois o familiar ficaria com a consciência
pesada e com sentimento de culpa, justificando a falta de coragem para doar.
Por outro lado, a esperança alimenta a crença de que a situação possa se
reverter, pois para o familiar a pessoa não está morta e sim em coma. Mesmo
quando é informado pela equipe médica da irreversibilidade do quadro,
prevalece a esperança na reversibilidade da situação. Fica a impressão de que
os equipamentos foram desligados, pois para o familiar o paciente ficaria por
algum tempo com o coração batendo.(VII,9,10,12,14,15,19,20,21,22)
46- A dificuldade de compreensão do conceito de morte encefálica dificulta
a aceitação do diagnóstico. Há a crença de que uma pessoa nessa situação
pode estar sofrendo. Dessa forma, autorizar a doação seria o mesmo que
decretar a morte do paciente, “assassinar” ou “assinar o atestado de óbito”, pois
os órgãos são retirados em centro cirúrgico e “a pessoa morre”. Por outro lado,
é considerado que recusar a doação significa o paciente ser mantido na UTI por
um tempo mais prolongado e, com isso, a situação poder se reverter. O familiar
mesmo tendo ciência da morte encefálica por meio da informação e do
esclarecimento da equipe médica cria mecanismos internos para negar a
situação, alegando que tudo poderia ser um engano do médico ou defeito no
equipamento que confirmou o diagnóstico gráfico da morte encefálica.
Acreditava que o paciente estava vivo e que ele acordaria a qualquer momento,
pois conversava como se ele estivesse vivo e achando que ele poderia
entender. Para o familiar a morte encefálica nunca vai ser aceita, a pessoa se
conforma por saber que não tem mais o que fazer diante da situação, mas não
aceita.(VIII,4,11,15,16,19,25,27,29,30,31,38)
72
Subtema: A não aceitação da manipulação do corpo
47- A recusa da doação foi pela não aceitação da manipulação do corpo
com a finalidade de retirada dos órgãos. O pai queria enterrar o filho com todos
os órgãos.(II,13)
48- Imaginar o corpo do familiar sendo manipulado para retirar os órgãos
com finalidade de transplante é um dos motivos alegados para recusar a
doação, pois há o desejo de enterrar o familiar do jeito que ele nasceu.(IV,8,18)
49- O corpo é considerado o templo de Deus e, dessa forma, intocável. Tal
fato revela a preocupação com a integridade do corpo diante da doação dos
órgãos. A situação é explicitada quando o familiar declara que acredita que a
pessoa veio ao mundo com todos os órgãos e deve morrer com tudo sem tirar e
nem acrescentar. Há também a preocupação da própria pessoa quando relata
em vida que gostaria de morrer com todos os seus órgãos.(VI,16,17,19)
50- O falecido em vida referiu que não queria doar nada dele, porque
desejava se apresentar a Deus do mesmo jeito que veio ao mundo.(VIII,3)
Subtema: O medo da reação da família
51- O medo da agressividade por parte de algum membro da família é um
dos motivos para recusar a doação dos órgãos. Tal reação faz com que o
familiar, favorável à doação, desconsidere a sua intenção, mesmo quando
recebe a orientação da médica que ela poderia tomar a decisão sozinha.(II,14)
73
Subtema: A inadequação da informação e a ausência de confirmação da morte encefálica
52- A falta de informação sobre o diagnóstico da morte encefálica, a
ausência de confirmação do diagnóstico e a inadequação das informações
transmitidas aos familiares são motivos que os familiares apontam para dizer
não à doação de órgãos. A informação é considerada inadequada quando um
profissional informa o falecimento do paciente e a equipe do hospital considera
a informação equivocada, pois refere tratar-se de morte encefálica. Os
familiares exigem que a condição de morte do paciente seja atestada através
de documento oficial (Declaração de Óbito), mas são informados pelo
profissional da captação de órgãos e pela equipe do hospital que o óbito não
pode ser declarado, pois o paciente não está morto. Há a exigência pelo
familiar da comprovação da informação dada. A esposa diante da incerteza
apela para a força divina e acredita que a situação possa mudar conforme a
vontade de Deus.(III,7,8,9,10,14,16,17)
Subtema: A desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos
53- A desconfiança na assistência dispensada ao paciente leva a
esposa a acreditar que a morte do seu familiar possa ser induzida, acelerada ou
até mesmo provocada, com a finalidade de doação de órgãos. O medo de que
a morte do paciente possa ser antecipada possibilita imaginar que o comércio
de órgãos existe, pois essa informação é obtida através dos meios de
comunicação. Essa situação é percebida pela família ao presenciar o paciente
sendo assistido na Emergência e não em uma Unidade de Terapia Intensiva
(UTI), que eles consideravam como sendo o local mais adequado para cuidar
74
de um paciente grave, por ser a unidade que dispõe de mais recursos e
possibilita a chance de recuperação. Por outro lado, a falta de uniformidade nas
informações que são transmitidas pela equipe do hospital, bem como a
sensação de estar sendo pressionada para realizar a doação, pois para o
familiar os membros da equipe pareciam “urubus”, reforçam a desconfiança de
que a morte possa ser realmente acelerada com o objetivo de
doação.(III,2,12,13,18,22,23)
54- O interesse excessivo demonstrado pela equipe para conseguir a
doação dos órgãos gera desconfiança no processo de doação e leva os
familiares a imaginarem a possibilidade de corrupção, onde pessoas ricas são
favorecidas e a equipe médica ganha muito dinheiro com a doação dos órgãos.
Tal fato é reforçado através do discurso da família, quando relata a sensação
de estar sendo pressionada ou até mesmo coagida a doar os órgãos, pois para
a família, ficou a impressão de que os médicos pareciam “urubus na carniça”. A
situação revela a crença de que os recursos oferecidos ao potencial doador
foram disponibilizados, somente, por conta da doação, pois a pessoa é tratada
como um “príncipe”. Caso contrário o potencial doador estaria fadado ao
abandono e descaso, nada seria feito para confirmar o diagnóstico de morte
encefálica e o suporte de vida seria desligado. A família diante de tal
circunstância sente dificuldade em tomar uma decisão favorável à doação e é
influenciada pela opinião de pessoas externas que acreditam na possibilidade
de corrupção. A situação é motivo de medo e pavor para a
família.(V,10,13,15,17,18,19,20,27,30)
Subtema: A inadequação no processo de doação 55- Impor a doação dos órgãos como condição para realizar os exames do
diagnóstico de morte encefálica é uma situação que desperta indignação na
75
família do potencial doador, e é motivo para negar a doação. O familiar quando
percebe a inadequação no processo de doação, como solicitar a doação dos
órgãos antes da confirmação do diagnóstico de morte encefálica ou negar o
direito da família de ter a certeza do diagnóstico do paciente é motivo de
descontentamento, indignação e fere o direito do familiar de decidir com
segurança. (III.11,15,20,21)
56- A falta de esclarecimento da situação do paciente é percebida pelos
familiares como sendo uma forma inadequada de conduzir o processo de
doação. Os familiares acreditam que diante da situação faz-se necessário o
detalhamento do quadro do paciente, de preferência por uma junta médica,
para que todos os envolvidos no processo possam esclarecer as dúvidas e
decidir diante da clareza da informação, o que possibilita a mudança de conduta
dos familiares diante da doação. Todavia, os familiares percebem um
comportamento de “condenação” por parte dos profissionais pelo fato de terem
recusado a doação, pois reclamam da falta de apoio pela decisão tomada, bem
como da falta de uma palavra que proporcione conforto espiritual diante da
situação vivenciada. Independente da decisão da família, o comportamento do
profissional deve estar fundamentado no principio da humanização do cuidar,
pois qualquer atitude contrária a esse principio é percebida pelos familiares
como sendo ofensiva, dessa forma possibilita que o desejo do falecido de ser
um doador não seja atendido.(V,12,14,22,23,25,29)
Subtema: O desejo do paciente falecido, manifestado em vida, de não
ser um doador de órgãos
57- A manifestação em vida, contrária à doação, por parte do falecido, foi
um dos motivos apresentados para recusar a doação dos órgãos e tecidos,
quando o desejo de não ser um doador foi registrado em documento oficial.(IV,10)
76
58- O paciente decide em vida que não seria nem doador e nem receptor
de órgãos. O familiar diante da situação acata o desejo do falecido, pois
considera esse tipo de decisão como sendo de cunho pessoal. É o desejo da
pessoa e tem que ser respeitado até o fim, mesmo que o ato de recusar a
doação pareça uma atitude egoísta para muitas pessoas.(VI,18,20,23)
59- O falecido decidiu em vida que não seria doador de órgãos. O familiar
diante da situação acatou o desejo do parente, pois autorizando a doação dos
órgãos estaria desrespeitando a vontade dele, mesmo sabendo que com a
doação poderia fazer outras pessoas felizes. Porém, o que importava era
respeitar e acatar o desejo do falecido, mesmo que para algumas pessoas o
desejo do paciente depois de morto não importasse.(VIII,8,33)
Subtema: O medo da perda do ente querido
60- A esposa não autorizou a doação dos órgãos pelo medo da perda do
ente querido. Mesmo tendo ciência da morte encefálica, para ela doar os
órgãos significava perder o marido.(VIII, 10, 17, 26)
3.2.2 A análise das convergências e das divergências
A análise das unidades de significado interpretadas se deu pela busca das
convergências e divergências de todas as unidades de significado
interpretadas, agrupadas dentro de seu respectivo tema. As proposições
essenciais do fenômeno que emergiram foram ressaltadas em negrito e
numeradas seqüencialmente, sendo o número correspondente colocado em
sobrescrito, no final da proposição.
77
Para referendar as proposições emergentes, foram resgatadas algumas
falas e identificadas com numeral romano e arábico, em sobrescrito, no final de
cada uma, correspondendo o numeral romano ao número do discurso e o
numeral arábico ao número da unidade de significado encontrada no discurso.
Na análise a seguir, os termos unidade, unidade de significado e unidade
de significado interpretada foram utilizados indistintamente. A numeração
dessas unidades refere-se à numeração seqüencial feita no agrupamento de
todas as unidades de significado interpretadas.
RELATANDO A INTERNAÇÃO DO FAMILIAR
Em relação ao tema “Relatando a internação do familiar”, as unidades 1, 2,
3, 4, 5, 6, 7 e 8 convergem para a evidência de que as internações dos pacientes decorrem de causas naturais e traumáticas1. Dessa forma,
pessoas que estavam bem e que, inesperadamente, apresentam um mal estar
súbito, ou foram vítimas de trauma, são socorridas e internadas em estado
grave. Estas constatações são evidenciadas nas seguintes falas:
“E ela vinha sofrendo muito com problema de nervos, de pressão alta (...). Nessa noite, na casa dela, ela sentiu um abalo no coração e veio em coma para o hospital. Ela saiu da casa dela em coma, foi socorrida imediatamente, chegou no Hospital C e foi medicada, recuperou os sentidos”.(IV, 2)
“O acidente foi assim: ele foi numa festa e bebeu um pouco, ele pegou a moto e saiu. (...) tava com o capacete, mas com o capacete no braço, foi onde não valeu nada. Se tivesse com o capacete na cabeça talvez não tivesse acontecido, né? Foi fazer uma curva e não conseguiu fazer uma curva, (...) foi em cima de um fusca. Foi aí que aconteceu o acidente. Depois ele foi internado no hospital S”.(V, 1) “Nós estávamos vendo televisão, quando de repente, não mais que de repente, ele jogou os braços para cima, jogou a cabeça para trás, deu uma sororoca, (...) eu pulei do sofá e quando vi, ele estava com o olho virado, os olhos virados, só se via a parte branca dos olhos. Aí foi que eu vi que tinha acontecido algo com ele”.(VI, 1)
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A pessoa apresentava-se bem, saudável, antes do inicio do acidente, do
mal súbito, ou mesmo da internação, assim, a unidade 1 revela que a ocorrência do evento que causa a internação do paciente de forma tão repentina é motivo de choque para a família2, como mostra a fala:
“Então foi um choque muito grande, porque horas antes de acontecer, ela ligou na minha casa perguntando se a gente ia pro almoço do Domingo. Então tudo aconteceu, foi tudo muito rápido...”(I,23)
Durante a internação do paciente, antes de receber a informação da
gravidade do caso, há o reconhecimento pelo familiar da gravidade da situação3, como revelam as unidades 2, 4 e 6. Diante da situação trágica que
leva à internação, a unidade 8 evidencia que a percepção da gravidade da situação e da proximidade da morte do parente é motivo de desespero para o familiar, por não se sentir preparado para aceitar a perda do ente querido4. A unidade 6 revela, ainda, que a notícia da gravidade do paciente aumenta a aflição, o desalento e a solidão do familiar5. No resgate das falas
temos”: “(...) falei com os médicos, a situação dele era crítica, como eu já imaginava, o tiro pegou do lado do crânio... A bala espatifou todinha dentro, foi só um, mas um mesmo já dado mesmo para matar. E a médica conversou comigo, e até aí, ele tava assim, em coma”.(II, 2)
“Eu já sabia, mais ou menos, quando passaram para mim do derrame cerebral, sei que não é fácil sair do derrame cerebral. Quando a pessoa escapa fica com problema sério, seriíssimo”.(IV, 3)
“(...) aí eu percebi que era algo anormal, percebi que ele tinha tido algo... Eu logo imaginei que era um derrame, pelo aspecto, porque eu perdi um irmão, também, com derrame...” (VI, 2)
“(...) ele entrou em coma, ele entrou em coma. Eu acho que mais foi induzido do que natural. (...) o médico falou: (...) não tem mais o que fazer, temos que esperar ele reagir. Tudo o que nós tínhamos o que fazer foi feito, o estado é grave mais lamentavelmente não tem mais o que fazer (...). Bom, sai de lá desesperada, desnorteada, sozinha”.(VI, 9)
“(...) quando ele passou mal. Eu levei ele para o Pronto Socorro. Eu vi ele se agravando na emergência. (...) eu sabia que estava perdendo ele. Mas você não aceita (...). Eu não podia entrar na
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emergência, porque eu sabia, ele estava rebaixando. Eu estava em desespero (...). Você não aceita, você não aceita (...). Você sabe tudo o que está acontecendo, mas você vai trabalhando contra”. (VIII, 19)
Nem sempre há a percepção da família sobre a gravidade do quadro, mas,
com a internação do paciente, a família deve ser informada sobre a condição do
parente, mas isso nem sempre acontece, gerando o equívoco da impressão da
boa evolução, como revela a unidade 3 que a informação sobre o estado do
paciente nem sempre é dada, fazendo com que a falta de esclarecimento sobre a gravidade do quadro do paciente seja motivo para acreditar na sua recuperação6, quando, na verdade, a situação é bastante grave. A
unidade 7 desvela, ainda, que a falta de esclarecimento gera a dúvida da ocorrência de erro médico7. No resgate das falas temos:
“É... Ele teve duas paradas cardíacas. O médico tinha explicado, mas não tinha falado, nem que ele estava em coma, não tinha falado, nem que ele estava em coma, e a gente pensou que no processo, que ele estava melhorando”. (III, 3)
“O tumor dele era muito grande. Quando ele fez a cirurgia, dois dias depois teve que fazer outra porque deu derrame. O médico falou que houve um pequeno acidente durante a cirurgia, que cortaram a veia carótida dele que manda oxigênio para o cérebro. (...) essa veia ficou entupida e parece que não mandava oxigênio e não mandava sangue para o cérebro, e o cérebro foi morrendo. (...) pedi para falar com o médico responsável (...). Ele falou: não, é porque o tumor estava localizado, já tava grudada nessa veia e ao tentar retirá-lo ele rompeu a veia, e eles não conseguiram estancar o sangue, aí deu o derrame. (...) eu não posso dizer que não teve erro médico”. (VII, 17)
A pesquisa de Santos; Massarollo (2005), sobre o processo de doação de
órgãos, revelou que as internações ocorrem de forma inesperada e decorrem
de causas traumáticas, podendo ser, também, devido a doenças congênitas ou
adquiridas.
Segundo Kovács (2003), a morte invade, ocupa espaço, penetra na vida
das pessoas a qualquer momento. É brusca, repentina, invasiva e involuntária,
está presente nas mortes violentas das ruas, nos acidentes e homicídios. A
família do potencial doador começa a vivenciar a perda do ente querido já no
80
momento da internação, quando percebe a gravidade da situação e a
proximidade da morte.
Bousso (2006) refere que o choque emocional vivenciado pela família é
caracterizado por sentimentos de incerteza, desconfiança, descrença, medo e
negação da realidade. É como se a família estivesse vivendo um pesadelo
diante da notícia inesperada da tragédia, do agravamento do caso ou mesmo
da internação do paciente.
VIVENCIANDO A PERDA DO FAMILIAR
Recebendo a informação da morte encefálica e a solicitação da doação
Nesse tema, “Vivenciando a perda do familiar”, temos que em relação ao
subtema “Recebendo a informação da morte encefálica e a solicitação da
doação”, a unidade 10 revela que a família não é informada do início dos procedimentos de confirmação do diagnóstico de morte encefálica e a notícia só é dada depois que o diagnóstico é constatado8. Antes de iniciar o
protocolo de confirmação da morte encefálica, a família deve ser informada da
suspeita clínica do diagnóstico e do início dos procedimentos comprobatórios.
Confirmado o diagnóstico, o médico assistente passa os resultados aos
familiares e, posteriormente, o profissional da Organização de Procura de
Órgãos (OPO), enfermeiro ou médico, realizará a entrevista de solicitação da
doação dos órgãos e tecidos para transplante com os familiares que respondem
legalmente pela doação. Entretanto, as unidades 12, 13 e 14 revelam que a solicitação da doação dos órgãos é feita pela equipe médica que está assistindo o paciente, imediatamente após a informação do diagnóstico de morte encefálica e sem a participação do profissional da captação de órgãos9. No processo de doação e transplante, a solicitação da doação dos
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órgãos e tecidos deve ser realizada pelo profissional da OPO. Porém, as
unidades 12 e 13 mostram que a solicitação da doação pelo profissional da captação de órgãos só ocorre após a solicitação feita pela equipe médica do hospital10. No resgate das falas temos:
“(...) a médica me procurou, aí eu tive a certeza, falou que o quadro dele era aquele mesmo e que há mais de 48 horas que estava constatado a morte cerebral dele. (...) tinham feito todos os exames, e que realmente há mais de 48 horas a morte cerebral dele já tinha sido realizada, que era só esperar os aparelhos parar, que só dependia dele...” (II,3)
“E lá mais tarde, a gente foi lá e o médico falou que ele não tinha mais como viver, porque nos exames estava dando morte encefálica. Aí o médico perguntou se a gente queria doar os órgãos dele”. (V, 2)
“(...) aí o povo do hospital da doação, fez uma outra entrevista com a gente. O rapaz de lá explicou tudo de novo, com mais detalhes sobre o que é morte encefálica, e aí todo mundo concordou. E levaram meu filho para o hospital da doação (...). Mas na entrevista o rapaz do hospital falou que tinha que repetir os exames, ele faziam três exames, com o último exame é que ele ia distinguir se ele teve a morte encefálica”. (V, 6)
A unidade 11 diverge da proposição 8, relativa à informação do início do
protocolo de confirmação de morte encefálica, quando o familiar refere que a
equipe médica comunicou que os exames do diagnóstico de morte encefálica
seriam realizados. A unidade 11 revela, ainda, que solicitar à família a doação dos órgãos do paciente sem a confirmação da morte encefálica é uma situação que gera desconfiança11. No processo de doação e transplante a
solicitação da doação dos órgãos deve ser feita mediante a confirmação clínica e,
preferencialmente, gráfica do diagnóstico de morte encefálica, como ilustrado a
seguir:
“Aí uma médica disse que o caso dele, ele tinha entrado em coma, já tinha entrado na segunda-feira e o médico tinha nos falado que ele tinha entrado em coma profundo na segunda-feira. E que o caso dele era bastante grave, mas dava assim a mínima chance, porque disse que para poder ver se tava realmente com morte encefálica teria que fazer três tipos de exames”. (III, 4)
82
“Aí falaram que uma equipe de doação de órgãos iria falar com a gente, aí eu perguntei: mas ele faleceu? O médico falou que não, que ele não tinha falecido, daí nós já achamos estranho”. (III, 6)
As unidades 9, 10 e 12 revelam que quando o familiar é informado sobre a possibilidade da doação dos órgãos, ele manifesta de imediato um desejo de doar ou evidencia a necessidade de compartilhar a decisão com outro membro da família12. O familiar, que compreende a morte encefálica
como sendo irreversível, acredita que através da doação o parente pode
continuar vivendo.
No momento da entrevista familiar para solicitar a doação dos órgãos, os
familiares que respondem legalmente pela doação devem estar presentes. O
profissional da OPO apresenta a possibilidade da doação e a família delibera
sobre o assunto, emitindo a resposta em seguida ou solicitando um tempo para
pensar. Nem sempre todos os familiares participam da entrevista e, às vezes, o
profissional da OPO tem que conversar sobre a doação com outros membros
da família, em momentos diferentes. Dessa forma, a unidades 12 desvela,
ainda, que quando a doação é discutida com outros membros da família, fica
evidente que a vontade de doar nem sempre é o desejo de todos os familiares13. Essas considerações são evidenciadas nas falas:
“Eu já queria, já na segunda-feira quando eu fiquei sabendo da morte, quando o doutor falou que era um quadro irreversível mesmo, aí eu já falei não, já vai pra doação, aí fica melhor. Até é um meio entre aspas dela continuar vivendo, de continuar sabe?” (I, 16)
“No sábado o telefone tocou. (...) Chegando lá, tava a turma da doação reunida, querendo falar comigo, foi aí quando ela veio perguntar sobre doação de órgãos, veio falar que era muito doloroso, que nessa hora a família sofre muito, e se eu tinha intenção de doar os órgãos dele. Já tinha mesmo constatado a morte... Olha, por mim eu tenho vontade, foi a primeira coisa que pensei. (...) antes eu era contra, entendeu?... Não sei, de repente, nem eu sei explicar direito... Vai tirar as coisas, vai mexer, deixa com tudo, não é certo, pra que? Já morreu com tudo lá... Mas, não sei, de repente minha cabeça mudou e eu tinha muita vontade de doar os órgãos dele, entendeu?” (II, 6)
83
“(...) não tinha nem 24 horas que ela estava internada aqui no hospital. (...) o médico me chamou, aí ele passou para mim o problema dela, perguntou se eu tava ciente, eu falei que sim. E daí ele falou sobre a doação dos órgãos dela, tal... o que eu achava, se eu permitiria. Eu falei não, ela é casada, seria bom conversar com o esposo dela”. (IV, 4)
“Depois no outro dia ele chegou e falou que havia conversado com um rapaz sobre a doação de órgãos e que não tinha aceitado”. (IV, 6)
A família deve ser preparada para receber a notícia da morte encefálica,
assim, quando ela é informada sobre o início dos exames para confirmação do
diagnóstico tem a possibilidade de preparar-se para a morte do parente, pois as
unidades 15 e 16 mostram que a notícia da morte encefálica desencadeia no familiar a negação dessa condição ou possibilita imaginar que a situação é um engano14. Como ocorre a manutenção da respiração, dos batimentos
cardíacos, pressão arterial e temperatura corporal do potencial doador, através
do suporte avançado de vida, a unidade 15 desvela que o familiar acredita que a morte clínica é diferente da morte encefálica, pois o paciente é mantido através dos equipamentos e a condição permite imaginar que a pessoa está viva ou em coma, mas não morta15. Nas falas temos:
“Os médicos falavam que não tinha mais jeito, a gente fez de tudo que podia fazer. É um caso irreversível. Mas eu achava que não. Eu achava que ele estava dormindo e que uma hora ele ia sair do coma, sabe? Que era um coma, sabe? Eu achava que poderia ser um engano, que ele ainda estava vivo”. (VII, 6)
“(...) quando é uma morte repentina, um acidente é diferente de uma pessoa que está lá no hospital. Porque é assim: aqueles aparelhos que tá lá, os remédios que colocam, a pessoa parece que está viva ainda, sabe?” (VII, 3)
“O médico falou: está em morte encefálica. Mas na tua cabeça, você não aceita. Ela fala: não. O médico falou que está, você sabe que está, porque você tem conhecimento da área. Mas você não aceita”. (VIII, 13)
A manutenção dos batimentos cardíacos, da ventilação mecânica, da
temperatura corporal e da pressão arterial para a manter a viabilidade dos
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órgãos até o momento da retirada, que é feita em centro cirúrgico, dificulta a
autorização da doação pelo familiar, pois, como revela a unidade 16, autorizar a doação dos órgãos significa perder o parente, pois acredita que com a doação a pessoa é encaminhada ao centro cirúrgico, os órgãos são retirados e nesse momento a morte é confirmada16, evidenciando a não
aceitação da morte encefálica como morte real, mesmo quando o familiar
informa ter conhecimento por ser da área da saúde, como mostra a seguinte
fala:
“Você tem certeza que a partir do momento que você é abordado e que você aceita a doação, então eu tenho certeza que eu já não vou ver mais. Está lá na UTI, está sofrendo, mas eu estou vendo. Meu coração está sofrendo, mas eu estou vendo. E a partir do momento que você aceita a doação, esse paciente ele vai, e é tirado os órgãos e ali é constatada a morte dele”. (VIII, 6)
Estudo realizado por Sadala (2001) com familiares de doadores de órgãos
apresentou resultados semelhantes, quando relatou que alguns familiares
expressaram a idéia de “aguardar a morte do familiar após a doação”,
compreendendo que morte encefálica não equivale à morte. Além disso, surge
o medo de doar os órgãos da pessoa ainda viva.
A pesquisa de Siminoff et al (2003) evidenciou que as famílias que
compreenderam o diagnóstico de morte encefálica foram mais favoráveis à
doação dos órgãos, em comparação com as famílias que acreditavam que a
morte da pessoa só ocorreria quando o coração parasse de bater e a ventilação
mecânica fosse desligada.
Além disso, quando a família não é notificada sobre o início dos
procedimentos de confirmação da morte encefálica e a solicitação da doação é
feita imediatamente após a informação do diagnóstico, sem a participação do
profissional da captação de órgãos, como deve ocorrer, revela a necessidade
de educação continuada para os profissionais da saúde quanto ao processo de
doação-transplante.
85
O Decreto-Lei nº 2.268, de 30 de junho de 1997, estabeleceu que os
familiares, que estiverem em companhia do falecido ou que tenham oferecido
meios de contato, serão obrigatoriamente informados do início do
procedimento para a verificação da morte encefálica (ME). Será admitida a
presença de médico de confiança da família do falecido no ato da
comprovação da morte encefálica. A família carente de recursos financeiros
poderá pedir que o diagnóstico de morte encefálica seja acompanhado por
médico indicado pela direção local do Sistema Único de Saúde (Brasil,
1997b).
A pesquisa de Lima (2006) evidenciou que a notícia da morte encefálica
foi dada de forma inadequada aos familiares dos potenciais doadores,
chegando a ser desrespeitosa. Muitas vezes, os familiares não foram
preparados para receber tal notícia, sendo feita de forma brusca e sem
oferecer suporte após a informação. A forma de se comunicar é essencial
para promover a humanização na interação. Os familiares dos doadores
recebem a notícia da morte encefálica, apresentada como uma condição
irreversível, e, depois, o enfermeiro da captação, em local restrito, conversa
com os familiares e solicita a doação dos órgãos de seu parente falecido.
O processo de solicitação da doação deve incluir: a notificação da morte
encefálica ao familiar pelo médico do potencial doador, o suporte familiar
para facilitar a aceitação da morte antes da solicitação da doação e a
solicitação da doação por um coordenador de transplante, em conjunto com
o pessoal do hospital que vai dar suporte a família do doador. A OPO deve
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ser notificada, preferencialmente, antes de qualquer pronunciamento oficial
sobre a morte encefálica e antes de alguma menção ou solicitação da
doação dos órgãos ao familiar. Isto permitirá ao coordenador, enfermeiro ou
médico, estabelecer um processo adequado de solicitação da doação de
órgãos para transplante (Cutler et al., 1993; Gortmake et al., 1998).
Em muitas situações, a solicitação da doação dos órgãos é realizada
antes da confirmação da morte encefálica, revelando inadequação no
processo de doação, e é motivo de desconfiança para os familiares que
estão vivenciando a perda súbita do parente. O fato evidencia o despreparo
e o desconhecimento da equipe quanto ao processo de doação e
transplante.
A entrevista precoce pela equipe que está prestando assistência
direta ao potencial doador pode ser motivo de recusa da doação e gera
desconfiança sobre o cuidado prestado (Padrão, Lima, Moraes, 2004).
Bousso (2006), em seu estudo, mostra que os familiares passam a se
questionar porque não foram notificados da morte encefálica, antes de serem
interrogados sobre o desejo da doação. A família fica incomodada e
desconfiada com o fato de que a solicitação da doação de órgãos foi feita no
momento do anúncio da suspeita ou confirmação da morte encefálica. A
família convive com a desconfiança em relação à equipe até o instante em
que consegue enxergar pela mesma perspectiva dela, definindo a situação
da mesma forma que a equipe o faz, podendo enxergar a mesma realidade.
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No estudo de Frutos et al. (2002), as entrevistas com os familiares dos
potenciais doadores foram realizadas após a confirmação da morte
encefálica, por exame neurológico e gráfico. Dois membros da captação de
órgãos (um médico e um enfermeiro), bem como um médico da UTI,
participaram da entrevista. Essa situação permite à família decidir com
segurança diante da certeza da irreversibilidade do quadro do paciente e
parece proporcionar tempo para a família se acostumar com a idéia da
doação dos órgãos.
Sofrendo com a perda do familiar
O subtema “Sofrendo com a perda do familiar” mostra que a morte do
parente é percebida pela família como um evento súbito e inesperado e que
vivenciar a perda do familiar desencadeia na família sentimentos de angústia, sofrimento, tristeza e dor17, como mostram as unidades 17, 18, 20,
21, 22, 23 e 24, que convergem com a proposição 4, que afirma que a
gravidade da situação e a proximidade da morte do paciente gera desespero na
família. O paciente que evolui para morte encefálica, na maioria das vezes,
ocorre de forma muito rápida, não possibilitando tempo para o familiar assimilar
a situação e, nesse sentido, a unidade 23 revela que a perda do ente querido é motivo de lamentação e gera um desgaste muito grande na família18. Diante da trágica situação, a família explicita a necessidade por notícias, mas
como mostra a unidade 17 a ansiedade dos familiares e pessoas do convívio do paciente, por notícias, leva à interpretação errada das informações e torna a perda mais desgastante19. A unidade 18 revela, ainda,
que a perda do paciente é motivo de transtorno na rotina familiar. Estas
constatações são exemplificadas nas seguintes falas:
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“Bem, a perda de minha irmã, foi muito grande para nós, para nossa família (...). Então, isso aí, foi uma coisa muito triste para nossa família, ter perdido ela”. (IV, 1)
“Mas para mim foi um processo muito desgastante (...). Uma vizinha veio, entrou no hospital (...). Aí a enfermaria pediu para minha vizinha sair da sala porque elas iriam dar banho na minha mãe e iriam trocar a roupa, os aparelhos e desligar aqueles. Eu acho que ela só ouviu: dar licença da sala e desligar os aparelhos. Ela então chega no meu pai e fala: sua mulher morreu, você precisa ir ao hospital. Meu pai me liga e fala: sua mãe faleceu (...). Então eu perguntei: pai o hospital te ligou? Não, quem ligou foi a vizinha... Com toda essa confusão, eu me desgastei mais ainda (...). Mas foi muito desgastante ter que entrar toda hora e ver minha mãe daquele jeito...” (I, 21)
“Durante esse tempo ficou sete dias, ele nessa agonia e todos os dias eu tinha que tá lá, presente, porque eu era a mãe e o pai dele socorreu, mas não voltou mais no hospital para visitar. Era essa agonia, ninguém comia, ninguém dormia, ninguém vivia mais...” (II, 5)
“Para gente, para a família foi muito triste, doloroso, crítico, chocante...” (VII, 1)
“Mas é muito difícil. Psicologicamente há um grande desgaste, sabe?” (VII, 11)
O sofrimento diante da perda do paciente com diagnóstico de ME, estimula
a família a buscar uma solução para a situação. Assim, a unidade 18 mostra
que autorizar a doação dos órgãos ou desligar os aparelhos é a melhor maneira para acabar com o sofrimento vivenciado pela família20, pois
manter o paciente com o suporte avançado de vida, é o mesmo que prolongar a
dor diante da espera infrutífera, que tem apenas um inevitável desfecho: a
parada cardíaca. A mãe supõe que o filho está sofrendo, se fortalece através da
fé e apela a Deus com o intuito de minimizar o sofrimento de ambos. A unidade
24 diverge da proposição 20, pois o familiar acredita que negando a doação dos órgãos é a melhor maneira para amenizar o sofrimento diante da perda do parente21, mesmo quando reconhece que com a doação poderia
salvar muitas vidas e proporcionar alegria aos receptores. A unidade 24 revela
que o familiar prefere alimentar a esperança de que a situação pode
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mudar, a aceitar a morte do ente querido22, pois a dor da perda, só conhece
quem vivencia, sendo que esperança e morte não caminham juntas, devendo
prevalecer, nessa situação, a esperança. No resgate das falas temos:
“E eu falei para ela se até na hora da decisão, de agonia, se não podia desligar, até quanto tempo ele ia ficar naquele sofrimento, porque ele tava um morto-vivo ali dentro... Então, um médico chegou para mim e falou: olha, tem paciente que fica uma semana, dias, mês, anos... Ai doutor, eu não acredito que isso vai acontecer comigo, (...)”. (II, 4)
“Por mim já levava para a doação e já acabava com aquele sofrimento, tirava o que tinha que tirar e já dava o óbito. Não ficava naquele sete dias de sofrimento que eu fiquei com ele, né?” (II, 11)
“Quando você fala não, isso vai se prolongando. Eu posso tê-lo por mais uma semana, por mais dois dias, por mais três (...). Mas é como se eu fosse prolongando aquele sofrimento. Eu quero prolongar essa dor, entendeu? Porque eu amo e não quero perder aquela pessoa. É complicado você entrar em um lugar e você saber que não vai ter mais aquela pessoa. Você se sente, assim, lesado, sabe? Você se sente, assim, magoado”. (VIII, 12)
“Aí, você vem de casa, vem na esperança, sabe? Ele está lá... Mas a partir do momento que você fez a doação, você perde isso. Você perde a esperança. Você prefere sofrer do que perder a esperança. É melhor sofrer do que perder a esperança”. (VIII, 14)
O sofrimento é sentido de forma diferente pelas famílias que vivenciam a
situação. A unidade 19 evidencia que a falta de informação sobre a gravidade do quadro do paciente é motivo de incerteza, dúvida e sofrimento para família23. No processo de doação e transplante a família é o
elemento principal e, a transparência desse processo só ocorre quando a
família é devidamente informada e esclarecida sobre o quadro do paciente, pois
a falta de esclarecimento é percebida pelo familiar como uma condição que
gera angústia, dor e desespero. A equipe deve oferecer apoio aos familiares,
independente da manifestação contrária à doação. A postura ética e o respeito
diante do sofrimento da família é um dever do profissional de saúde que presta
assistência ao potencial doador e seus familiares. A unidade 21 desvela que a
90
falta de sensibilidade da equipe é um fator que adiciona sofrimento, quando a família percebe que o único interesse do profissional que está cuidando do potencial doador é a doação dos órgãos24. A situação desperta
na família o desejo de não doar os órgãos do falecido, mesmo quando tem o
conhecimento de que, em vida, havia a manifestação de vontade de ser doador.
A unidade 21 revela que não realizar o desejo do falecido de ser um doador de órgãos é motivo de sofrimento, lamentação, arrependimento e tristeza, pois a chance de ajudar outras pessoas é desperdiçada25. A morte do ente
querido nessa condição é percebida, pela família, como um acontecimento
inútil, pois os órgãos não foram utilizados para salvar outras vidas. As
considerações são evidenciadas nas seguintes falas:
“Você já está naquela situação, que a pessoa que você ama tá ali, não sei se vai viver, se não, não te passam informações detalhadas. Eu acho que deveriam ter dito, olha ele teve morte encefálica, nós vamos fazer o exame, vamos fazer o exame pra ver...” (III, 19)
“(...) eles foram agressivos nas palavras.... É triste de ver um filho, um irmão deitado ali na cama, e os médicos falarem assim: não tem mais jeito, por que vocês não doam logo os órgãos; não é difícil? É difícil. Eles não souberam lidar com a gente”. (V, 16)
“No fim o menino morreu e nem serviu os órgãos dele para salvar outras vidas. É onde a gente fica mais sentido. Porque a gente gostaria de ajudar, porque quando ele era vivo, ele sempre falava, se acontecesse alguma coisa, se servisse algum órgão para doar, ele gostaria de ser um doador de órgãos”. (V, 24))
A pessoa quando esclarecida sobre o conceito de ME consegue entender
que a condição do parente é irreversível, nesse sentido, a unidade 22 revela
que quando a morte encefálica é anunciada o familiar percebe como sendo o fim, a morte e a perda de fato26, nesse momento o familiar prefere não ver
mais o paciente, por considerar sem significado visitar uma pessoa morta. No
resgate das falas, temos:
“Aí me bateu um desespero. Eu sabia que morte cerebral era porque ele já se foi, já tinha ido, já tinha partido... Aí me deu um desespero,
91
aí eu fui perto dele e abracei, beijei. Ele tava com o coração batendo (...)”. (VI, 12)
“Os maiores traumas para mim foi o dia que deu a convulsão, que eu entrei num desespero total, mas não perdi a consciência de nada, eu tomei todas as providências, e o dia que me avisaram que ele tinha morte cerebral. Nos dois dias seguintes eu não fui ao hospital. Vou ver o quê, meu marido morto, não adianta nada, abraçar, beijar, passar a mão, eu tava passando a mão num defunto. Embora, o coração dele estivesse batendo. Aí no segundo dia veio o telefonema. Ele faleceu quinze para as dez da manhã”. (VI, 13)
Entretanto, quando o familiar não é esclarecido sobre o conceito de ME,
manifesta dificuldade em aceitar a condição de morte do ente querido e
alimenta a esperança na recuperação do parente. Assim, a unidade 20 mostra
que o familiar que acredita na recuperação do paciente se nega a conversar sobre a doação de órgãos, pois conversar sobre o assunto é adicionar mais dor e sofrimento27. O familiar favorável à doação entende a
gravidade da condição do parente, mas prefere não tentar esclarecer a
realidade dos fatos para o restante da família, pois adicionaria mais dor para
quem está sofrendo com a situação da perda, como exemplificado nas falas:
“Quando o esposo dela chegou, ele veio muito abalado, ele pensava que ela estava melhorando. Eu falei: O médico quer falar contigo sobre a doação dos órgãos. Escuta bem o que o médico vai falar contigo. Mas na hora que ele chegou para ver a esposa, ele tava muito abalado e não conversou com o médico, ele voltou para casa, pois ele viu que a esposa estava bem e voltou para casa”. ((IV, 5)
“Eu não quis dizer para ele que ela tava morta, pois ia abalar ele mais ainda. Ele achava que ela ia sobreviver”. (IV, 15)
A morte provoca, na família do potencial doador, diversos sentimentos e
emoções, como: tristeza, sofrimento, desespero, apatia, ansiedade,
hiperatividade, sentimento de culpa, sendo difícil admitir a irreversibilidade da
morte encefálica, considerando-a como um fracasso da terapia e tornando
mais difícil o ato de altruísmo da doação de órgãos. Assim, o tempo dado
92
para tomada de decisão e o apoio oferecido à família são de fundamental
importância no processo de doação (Perez-San-Gregorio et al., 1992; Corbin
et al, 1996).
Na pesquisa de Lima (2006), os enfermeiros que trabalham com doação
de órgãos descrevem que os familiares expressam diversas reações diante
da perda, como: negação da morte, desconfiança se a pessoa realmente
está morta e se o processo de doação é confiável, revolta pela perda do
paciente de forma súbita e inesperada e, apatia diante da morte.
As famílias sofrem com a perda do parente e com a percepção de que o
único interesse da equipe que assiste o potencial doador é a doação dos
órgãos.
Bousso (2006) relata que quando a possibilidade da doação de órgãos
é apresentada pelos médicos, ela é acompanhada do receio de que o
interesse dos médicos possa ser maior pelos órgãos da criança do que por
salvar a vida de seu filho.
Roza (2005) refere que a insatisfação dos familiares, a falta de
informação e a rudeza no trato expressam situações cotidianas não
resolvidas no atendimento à saúde em geral.
DECIDINDO PELA RECUSA DA DOAÇÃO DOS ÓRGÃOS Conversando sobre doação
No tema “Decidindo pela recusa da doação dos órgãos”, em relação ao
subtema “Conversando sobre doação”, as unidades de significado 25, 27 e 30
mostram que a decisão da doação é compartilhada pela família. O familiar
93
favorável acredita que com o ato da doação é possível salvar vidas ou é a maneira encontrada para o ente querido continuar vivendo28. Essa
proposição corrobora a proposição 12 que afirma que quando o familiar é
informado sobre a possibilidade da doação dos órgãos mostra de imediato um
desejo de doar ou evidencia a necessidade de compartilhar o assunto com
outro membro da família. As unidades 25 e 26 mostram que quando o assunto
da doação é discutido com outro membro da família o desejo de doar nem sempre é a vontade de todos os familiares, ocorrendo divergência de opinião ou se estabelecendo um conflito diante da situação29. Essa
proposição corrobora a proposição 13 que afirma que a vontade de doar nem
sempre é o desejo de todos os familiares. A doação de órgãos ainda é um tema
pouco discutido entre as pessoas e a reação do familiar contrário à doação
pode ser de fúria. Ocorre, ainda, a possibilidade de admitir a doação após a
parada do coração. No resgate das falas, temos:
“Eu tentei conversar com ele, mostrei na Internet, mostrei várias coisas para ele. Sempre é benéfico, entre aspas... Seria até... Assim, um modo de dizer, que seria até um jeito dela continuar vivendo, dela continuar prosseguindo”. (I, 5)
“Ele falou assim de esperar o coração parar de bater eu dôo. Só que eu falei: pai aí não ajuda, não resolve, (...) só se tiver um plantão médico com uma sala de cirurgia do lado, ali, pra na hora que acontecer, abrir ela e tirar alguma coisa pra poder ver se salva ainda... Porque se o coração parou, acabou, não dar tempo, entendeu? Aí meu pai falou: então deixa ela assim”. (I, 18)
“Conversei com o pai dele, aí ele fez um escândalo, aquele escarcéu todo. Que ninguém ia tirar nada do filho dele... Aí eu falei: mas pensa bem, ele pode salvar muitas vidas, né?... Ele gritou, berrou, foi ao Hospital S, fez um escândalo, até foi constrangedor, pois minha cunhada trabalhava lá dentro”. (II, 19)
“Eu falei: Não faz isso, eu não tou desejando a morte dela, porque por enquanto ela ainda está viva, ainda... Mas se você aceitar ela pode salvar outras vidas, o esposo falou que não, ele não aceitou”. (IV, 7)
As unidades 25 e 26 evidenciam que o desconhecimento do desejo do falecido em relação à doação de órgãos não é considerado, pela família,
94
na tomada de decisão para recusar a doação dos órgãos e tecidos para transplante30, como mostram as falas:
“Em vida ela nunca falou sobre doação, ela até achava bonito, mas nunca disse se queria ser doador ou se não queria ser doador. (...) Ela achava bonito, mas nunca foi contra ou a favor, pelo menos para mim, ela nunca disse se queria. Ela achava bonito o ato, mas nunca opinou se queria doar ou não doar...” (I, 24)
“Eu também, não sei se ele tinha vontade, porque ele nunca comentou comigo, né?”(II, 7)
A solicitação do consentimento familiar na doação de órgãos é um
momento delicado e requer preparo emocional do profissional de saúde, pois
cada família reage de forma diferente diante da notícia da morte do parente. A
unidade 28 mostra que a solicitação da doação dos órgãos deixa a família chocada31. A entrevista para solicitar a doação deve ser realizada quando a
família oferece condições emocionais e está devidamente esclarecida para
decidir de forma consciente. As famílias que concordam de imediato com a
doação, motivadas pelo desejo de ajudar outras pessoas, quando percebem
que não estão devidamente esclarecidas ou plenamente certas da decisão de
doar voltam atrás. Sendo assim, a unidade 28 desvela, ainda, que a autorização da doação não é uma situação irrevogável e a família pode voltar atrás da decisão tomada32. As famílias, mesmo favoráveis, muda a sua
opinião em relação à doação e a mudança de decisão é motivo de
questionamento pelo profissional da captação de órgãos, revelado a seguir:
“Aí nós ficamos meio doidos na hora lá. Aí eu concordei, a mãe dele, também estava, e os irmãos”. (V, 3)
“Aí a família se reuniu em casa e falamos sobre isso. Eles ficaram sabendo que a gente não ia mais doar os órgãos. Alguém do hospital referência ficou sabendo que a gente não ia mais doar os órgãos e ligou para nossa casa querendo saber porque a gente não queria mais a doação”. (V, 21)
95
As unidades 29 e 31 mostram que conhecer a opinião do falecido em vida em relação à doação de órgãos é importante no momento de tomar a decisão sobre o assunto33. Discutir a doação de órgãos em vida facilita a
tomada de decisão. Os familiares referem que a decisão de recusar a doação é
o desejo do paciente e, o desejo de não ser doador de órgãos é registrado em
documento oficial, como é relatado nas falas:
“Aí eu fui rápida, porque não tinha o que hesitar, porque nós falávamos muito sobre isso, durante o tempo que nós vivemos juntos. (...) nós éramos muito realistas, ambos éramos realistas sobre a morte, sobre a vida (...). Nós tínhamos chegado à conclusão que quem morresse primeiro um cuidaria do outro, na enfermidade ou na morte e que nenhum dos dois doaria órgãos. Nem eu e nem ele. E isso nós renovamos as carteiras de identidade mandamos constar”. (VI, 15)
“Então, eu conversava muito com o meu esposo sobre doação. Ele falava que era uma coisa que ele não queria, ele não achava legal. Não sei se era pelo lado religioso dele. Ele não admitia”. (VIII, 2)
As unidades 29 e 31 destacam que o esclarecimento sobre a doação de órgãos é necessário para que as pessoas possam decidir conscientes porque tem gente que gostaria de doar, mas a falta de esclarecimento sobre o tema gera dúvidas e medo34. A divulgação e o esclarecimento são de
fundamental importância para que a população possa criar uma consciência
sobre a questão da doação de órgãos, e os meios de comunicação têm um
papel relevante nesse processo de formação de consciência. Além disso, a
unidade 31 enfatiza que a doação de órgãos é um assunto que deve ser abordado nas escolas para que a pessoa cresça sabendo se vai ser ou não um doador de órgãos35, pois há falta de conhecimento das pessoas sobre
a morte encefálica e mesmo quem conhece não aceita, como revelam as falas:
“(...) a mídia deveria atingir mais essa questão de doação de órgãos para esclarecer. Tem muita gente em dúvida em relação à doação. Tem muita gente que quer doar e tem medo. Então precisa ser esclarecido, precisa ter mais esclarecimento sobre isso. O desconhecido causa medo (...). Existem as rejeições, assim como, existe o sucesso, mas eu acho que é o medo. O medo de doar e o medo de receber, também”. (VII, 21)
96
“(...) então precisaria haver mais esclarecimento sobre isso. Para que cada um possa tomar a sua decisão, mas de sã consciência. Não pela emoção, agir pela razão”. (VI, 22)
“Eu acho que isso deveria ser incluído na escola de primeiro grau: a não doação de órgãos. O que é você doar, o que vai acontecer. Para você já crescer com aquele conceito. Será que eu vou querer doar ou não? Entendeu? Muitos vão querer doar, muitos não vão querer doar”. (VIII, 9)
“Eu acho que falta conhecimento das pessoas sobre a morte encefálica, e mesmo quem conhece não aceita, não aceita”. (VIII,
32)
A unidade 30 desvela, ainda, que a dificuldade de compreensão do conceito de morte encefálica dificulta a tomada de decisão quanto à doação de órgãos, pois autorizar a doação é uma situação difícil e complexa por despertar a sensação de estar autorizando a morte do parente36. Presenciar o paciente com todo o suporte avançado de vida, que
mantém o organismo funcionando, e autorizar a doação nessa condição
desperta a sensação, no familiar, de estar autorizando a morte do parente, e
isso é motivo para justificar a falta de coragem para concretizar a doação dos
órgãos. O familiar refere, também, que a situação pode parecer fácil para o
profissional que lida com essa questão no cotidiano, como pode ser verificado a
seguir:
“A gente não teve coragem, nós não tivemos coragem de jeito nenhum. Meu irmão quando falou que não teve coragem de doar, eu até critiquei ele. Eu até falei: imagina! Até que no dia seguinte (...) na segunda-feira cedo eu fui disposta a assinar o termo de doação de órgãos. Só que quando eu cheguei, eu não sei... Aqueles aparelhos, o coração fica batendo, eu sei que são os aparelhos, sabe? Eu sei que a pessoa está morta, mas é uma situação que é muito difícil. Eu sinceramente não tive coragem de doar”. (VII, 4)
“A gente sempre foi a favor da doação, mas eu não sabia que era tão complexo, tão difícil passar por isso”. (VII, 13)
97
“É difícil, é difícil, a situação é muito crítica, de decidir pela doação, parece uma sensação de que você vai acabar de matar a pessoa. É uma sensação estranha. Para vocês que são enfermeiros, porque vocês são um pouco frios, isso não é nada (...). Eu não sei se você já perdeu alguém da sua família e você teve que passar por isso, mas a situação é muito critica, muito critica”. (VII, 16)
Respeitando a decisão tomada
Em relação ao subtema “Respeitando a decisão tomada”, as unidades 32,
33 e 34 revelam que o familiar favorável à doação, diante da manifestação contrária de outro membro da família, acaba respeitando a decisão tomada, na tentativa de evitar conflito dentro da família37. A opinião do
familiar, que é contrário à doação, é a que prevalece, como exemplificado nas
falas:
“Então eu acatei a decisão dele... Eu tenho 23 anos e ele tem 36 anos de casado, né? Eu vou falar o quê. Eu aceitei o que ele falou”. (I, 20)
“Aí passou, no outro dia a médica tava lá de novo, me chamou... Olha, o pai dele não quer, por mim seria doado, mas por causa do pai... Ele não explicou, não quis nem dar explicação... Ele é uma pessoa, assim, bem ignorante, bem (...). Então, como a gente já conhece a pessoa, então a gente ficou quieta (...). Por mim, teria doado... Ia salvar muitas vidas, tudo nele tava bom para doar; tinha os olhos, coração, fígado, né? Tudo isso dava”. (II, 10)
“Eu até falei que ele deveria doar, mas como ele é um pouco ignorante, estúpido, aí eu fiquei quieto”. (IV, 9)
As unidades 35 e 36 mostram que o familiar no momento de decidir pela recusa da doação dos órgãos e tecidos para transplante leva em consideração o desejo do parente, manifestada em vida, de não ser doador de órgãos38. Essa proposição corrobora a proposição 33 quando
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afirma que conhecer a opinião do falecido em vida, em relação à doação de
órgãos, é importante no momento de tomar a decisão sobre o assunto. Quando
o desejo do falecido é de conhecimento da família, a decisão de recusar a
doação é uma situação que não causa dúvida no familiar que está recusando,
pois o familiar sente-se seguro diante da decisão tomada, mesmo que para
outros membros da família a atitude possa ser motivo de questionamento. Além
disso, a unidade 36 reforça que com a morte encefálica a pessoa perde o seu poder de decisão, sendo que o correto é o familiar respeitar o que o falecido pensava em vida39. No resgate das falas temos:
“(...) com relação à família dele que ficou assistindo eu falar que não, que eles não sabiam que ele deixou escrito (...). A mãe dele e o irmão ficaram espantados de eu ter falado com tanta convicção, com tanta rapidez a minha decisão ali na hora. Eu falei porque isso já estava tudo combinado entre nós. É uma coisa que se decide entre marido e mulher, não se fica comentando para o mundo”. (VI, 24)
“(...) quando se fala de morte encefálica, significa o quê? Você está ali e você não tem mais condições de decidir por você. Então, o mais correto é quem ficou, quem está vivo, quem está cuidando. (...) você pegar e respeitar o que a pessoa pensa”. (VIII,
5)
Após a solicitação da doação dos órgãos, a família delibera sobre o
assunto, antes de dar a resposta à equipe. A decisão da doação é
compartilhada pela família, o familiar favorável à doação acredita que com o
ato é possível salvar vidas. No entanto, o desejo de doar nem sempre é a
vontade de todos ocorrendo divergência de opinião entre os familiares, com
o surgimento de um conflito diante da situação.
Conhecer a opinião do falecido, em vida, contrária à doação é
considerada, pela família, no momento de tomar a decisão para recusar a
doação dos órgãos. Para as famílias que recusam, respeitar a vontade do
falecido é uma situação que causa conforto e alívio diante da solicitação da
doação, pois a recusa não é da família, e sim, da pessoa, em vida,
99
evidenciando que o familiar, provavelmente, transfere a responsabilidade de
recusar a doação para o falecido.
No estudo de Roza (2005), 90,5% dos familiares declaram ter tido
conhecimento prévio da vontade de seu familiar em ser doador de órgãos e
tecidos após seu falecimento e que foi importante na tomada de decisão pela
doação.
O esclarecimento sobre doação de órgãos é necessário para a tomada
de decisão.
Estudos têm evidenciado a necessidade de campanhas de
conscientização dirigida ao público, encorajando a atitude positiva em
relação à doação de órgãos na tentativa de minimizar a recusa familiar
(Jacob et al., 1996; Rowinski et al., 1993: Gäbel, Edström, 1993; Albright et
al, 2005).
Além de campanhas educativas, voltadas à população, sobre o conceito
de morte encefálica e o processo de doação e transplante, Bousso (2006)
refere a necessidade de educar não só a família, mas os profissionais da
saúde, antes de atribuir às famílias dos potenciais doadores a
responsabilidade pelo baixo índice de doação. A capacitação dos
profissionais, assume importância maior quando inadequações no processo
de doação e transplante são percebidas pelas famílias e interferem,
negativamente, na tomada de decisão. Assim, fica evidente que além de
implementar programa de educação voltado à população, faz-se necessário
iniciar ou reativar os programas de educação continuada direcionados à
equipe multiprofissional, enfatizando as implicações decorrentes do
desconhecimento do processo de doação e transplante. A necessidade de
educação enfatizada por Gäbel e Edström (1993) evidenciou a importância
da educação voltada aos profissionais da saúde em relação ao processo de
doação, bem como o cuidado dispensado aos familiares do potencial doador.
100
Siminoff et al (2001) afirmaram que as pessoas, freqüentemente, não
têm a informação de que precisam para tomar decisões sobre doar os órgãos
do familiar ou não têm a compreensão clara do processo de doação,
aumentando a recusa familiar.
APRESENTANDO OS MOTIVOS DE RECUSA DA DOAÇÃO DOS ÓRGÃOS
A crença religiosa
Em relação ao tema “Apresentando os motivos de recusa da doação dos
órgãos”, quanto ao subtema “A crença religiosa”, as unidades 37 e 38 mostram
que a religião é considerada pelo familiar ou falecido, em vida, como sendo um dos motivos para recusar a doação dos órgãos40, como revelado
nas falas:
“Só que assim, a recusa dos órgãos e tecidos não foi minha, foi do meu pai, porque meu pai, ele é evangélico, eu mesmo sou doador no RG, de carteirinha, tudo, entendeu?” (I, 4)
“E ele falou que não queria, por causa da religião dele e eu respeitei. Ele falava: não, eu não gosto, não é para mim, não combina comigo. Ele não aceitava”. (VIII, 34)
Observa-se na prática que, às vezes, os familiares referem a religião
como motivo para justificar a recusa da doação, entretanto a impressão é de
que a religião é referida para amenizar a dificuldade de assumir a decisão
tomada.
As crenças culturais, mais do que as religiosas opõem-se à doação. As
religiões católica romana, budista, hindu, muçulmana e protestante são
101
favoráveis à doação, classificando-a com um ato de generosidade. Na
religião judaica há perspectivas sobre a doação, porém não tão claras. Sabe-
se que no Japão, há pontos de vista religiosos e culturais que, também,
interferem na doação (Sá, 2002).
Gallagher (1996) afirma que razões religiosas são freqüentemente
citadas como barreiras para doação de órgãos, embora a maioria das
religiões seja favorável à doação.
A espera de um milagre
No subtema “A espera de um milagre”, as unidades 39, 40 e 41 desvelam
que a crença em Deus alimenta a esperança da família de que um milagre possa acontecer41. A dificuldade em aceitar a perda do parente leva os
familiares a cogitarem a possibilidade de que a situação do paciente possa
mudar, pois a crença em uma força maior fortalece a esperança de que um
milagre possa acontecer. O familiar acredita que o coração batendo é um
indicativo de que Deus possa realizar um milagre e a condição do parente
possa se reverter. As unidades 40 e 41 mostram que a crença que Deus possa ressuscitar ou abençoar o paciente com um milagre é tão grande que, mesmo quando o familiar tem ciência da morte encefálica prefere acreditar que o paciente vai melhorar42. No resgate das falas, temos:
“Aí ele voltou a falar de novo da fé. Você não tem fé? O coração ainda está batendo, quem sabe Deus não pode fazer um milagre, ela poder voltar...” (I, 19)
“(...) a gente tem uma esperança, parece, sei lá, como se a pessoa fosse viver, sabe? Mesmo sabendo que ela está morta, é muito complicado. É difícil demais...Eu não sei, de repente, sei lá, sempre tem uma luz no fim do túnel. Lá no fundo eu achava que Deus ia ressuscitar ele. Eu tinha aquela fé que ele ia ficar bom”. (VII, 5)
“(...) você fala com a pessoa achando que ele vai entender, mesmo sabendo que ela está morto. Mesmo quando o médico falava que não
102
tinha mais chance; você fala: não, para Deus tem chance. Você trabalha com a ilusão que ele está vivo, embora você tenha conhecimento que ele está morto. Mas você não aceita”. (VIII, 22)
“Amanhã pode ser que Deus abençoe ou sei lá. Amanhã ele pode estar extubado ele vai estar bem. Para Deus há milagre. Mesmo você sabendo que está se iludindo. Que ele não vai sair daquilo, que ele está sofrendo. Você não aceita”. (VIII, 23)
As famílias manifestam fé, acreditam que Deus irá devolver a vida de
seu ente querido, por ser uma pessoa muito boa, e empenham-se em
promessas, rezas, orações e cultos em busca de um milagre (Lima, 2006). A
maioria das “barganhas” é feita com Deus e, geralmente, é mantida em
segredo, percebida nas “entrelinhas” ou explicitadas a um líder religioso. Em
análise psicológica, as promessas podem estar associadas a uma culpa
oculta (Kübler-Ross, 1998).
A não compreensão do diagnóstico de morte encefálica e a crença na reversão do quadro
O subtema “A não compreensão do diagnóstico de morte encefálica e a
crença na reversão do quadro” desvela que a falta de entendimento da família em compreender a morte encefálica dificulta a assimilação de que uma pessoa com suporte avançado de vida, possa estar morta43, As
unidades 43 e 45 mostram como sendo um dos motivos para a decisão de
recusar a doação. Nas falas temos:
“Mas tanto ele, quanto toda família achava que ela ia reviver, que ela ia voltar para casa, que ela ia passar por isso, pelos exames. Todos os filhos, toda família já estava esperando que ela ia voltar para casa. Pelos aparelhos, como ela tava batendo o coração, mesmo assim eu falei: o problema com a morte cerebral não é fácil, não é todo mundo que escapa dessa, não”. (IV, 12)
103
“(...) a pessoa ainda está lá com aqueles aparelhos e o coração está bombando, o aparelho faz o coração ficar batendo... Você toca na pessoa e ela está quente, o pé, o sangue está circulando. E fica circulando até na hora...Só a massa encefálica que morreu, o resto ainda estava vivo. Parece que quando você desliga os aparelhos, parece que você está matando a pessoa”. (VII, 10)
A morte encefálica não é o conceito de morte mais amplamente divulgado
e culturalmente aceito em nossa sociedade. Assim, as unidades 42, 45 e 46
revelam que, o consentimento da doação dos órgãos é interpretado pela família como sendo o mesmo que assassinar, decretar ou autorizar a morte do parente44. Essa proposição confirma a proposição 36, que afirma que
a dificuldade de compreensão do conceito de morte encefálica dificulta a
tomada de decisão quanto à doação de órgãos. As falas mostram:
“Acreditar que o coração tava batendo ela tinha vida ainda, e por outro lado, pelo processo da retirada dos órgãos com o coração dela batendo para ele seria, entre aspas, como se tivesse matando ela”. (I,
26)
“Só que quando chegamos no hospital, a gente desistiu, a gente não teve coragem de doar, porque parecia que a gente tava matando a pessoa”. (VII, 9)
“Mas o que a gente vê na doação; quando você fala doação é como se você estivesse assinando o atestado de morte. Porque você sabe que vai levar e vai tirar o coração e ele vai parar de bater. Eu sei que é a noradrenalina que está fazendo bater o coração dele, eu sei. Eu sei que é aquele monte de remédio que está mexendo com o rim, eu também sei. Mas a partir do momento que eu assino a doação de órgãos é como se eu estivesse assinando o atestado de óbito”. (VIII, 4)
“Você pensa que é você quem está assassinando aquela pessoa. Você pensa: se eu não assinar isso ele pode durar mais dois ou três meses e reverter o caso. Tem tantas pessoas que falam que ficou dois ou três meses na UTI e saiu com vida. Mas porque que não pode acontecer com ele”. (VIII, 29)
A definição médica e legal de morte não se resume somente à parada da
função cardiorrespiratória, mas também à parada de todas as funções
104
encefálicas incluindo o tronco-encefálico, ou seja, morte encefálica é igual à
morte, mas, esse conceito, nem todas as pessoas compreendem e/ou aceitam.
Assim, o familiar acredita que a presença dos batimentos cardíacos é um indicativo de que o parente está vivo e acredita na possibilidade de reversão do quadro45 (unidades 42 e 43). Essa constatação é revelada nas
seguintes falas: “(...) na concepção dele, o coração batendo, ainda tinha chance de viver, ainda tinha chance dela se recuperar, dela sair do coma profundo que ela estava e tudo”. (I, 10)
“Ele achava que ela ia escapar, ele achava que o coração tava batendo, que ela ia escapar”. (IV, 13)
Para as famílias contrárias à doação de órgãos e tecidos para transplante,
a não compreensão do diagnóstico de morte encefálica e a crença na reversão
do quadro são motivos muito fortes para recusar a doação. O familiar acredita que autorizando a doação dos órgãos despertaria inúmeras reações como sentimento de culpa, medo, peso na consciência ou a sensação de estar sacrificando o parente para beneficiar outras pessoas46 (unidades 44 e 45).
A unidade 44 reforça que, o exame gráfico comprobatório de morte encefálica, quando mostra algum fluxo nas artérias que irrigam o cérebro, é motivo de dúvida em relação ao diagnóstico e alimenta a crença na reversão do quadro47. Mesmo diante da informação, pela equipe médica,
sobre a irreversibilidade do quadro do paciente e sobre a presença de fluxo
sangüíneo intracraniano, prevalece a crença na recuperação. No resgate das
falas, temos:
“Lá ele fez novos exames, (...) e deu uma célula da cabeça que tava funcionando, então a gente achou que essa célula que funcionou, a gente tinha esperança, né? Aí a gente ficou na esperança dessa célula, porque se uma célula funcionou, (...) eles disseram que era morte encefálica, então porque tinha célula funcionando, (...) aí a gente tinha esperança daquela célula se proliferar e fazer com que as outras células funcionassem também...” (V, 7)
“Correr o risco de perder um filho para salvar outras pessoas, não era certo. No caso da cabeça dele que tinha uma veia que começou a
105
funcionar, você colocava a mão, assim, na cabeça dele, você sentia a veia. Se tava morto daqui para cima e não tinha nada e começou a funcionar a gente ficou com aquela esperança”. (V, 28)
“A sensação de que a pessoa estava viva com o coração batendo, o corpo quente parece que a pessoa está viva. Medo de ficar com sentimento de culpa e com a consciência pesada de desligar os aparelhos”. (VII, 21)
No processo doação-transplante a informação é o elemento que garante
confiabilidade e transparência ao processo. A equipe que assiste o potencial
doador é responsável por manter os familiares informados e todos os membros
da equipe devem falar a mesma linguagem e a informação sobre a
irreversibilidade do quadro do paciente ser a mesma. Nem sempre isso ocorre,
pois a unidade 43 revela que a informação equivocada sobre a melhora do quadro do paciente, dada pela equipe que está prestando assistência, fortalece a crença da família na recuperação do ente querido48, como
exemplificado na seguinte fala:
“Um médico e um enfermeiro falaram ainda: Ela tem 90% de chance de morrer e 10% de chance de sobreviver. A pessoa quando dar 1% de chance de viver, de sobreviver... Ele achava que ela ia voltar para casa (...). Ele achava que ela ia sobreviver, ele não entendia. Mas eu já sabia que ela estava paralisada, mas ele achava que ela tava viva”.(IV, 14)
Os pacientes com suspeita, ou com morte encefálica confirmada, devem
ser mantidos, preferencialmente, em uma unidade de cuidados intensivos com
todo o suporte que possibilite manter a viabilidade dos órgãos para transplante.
A unidade 46 desvela que o familiar acredita que a assistência dada ao paciente em uma UTI possibilita a reversão do quadro, mesmo diante da informação sobre a irreversibilidade da situação49, ficando a esperança de
que a situação possa mudar. Diante da crença na possibilidade de recuperação
do paciente, a unidade 46 revela que, o familiar cria mecanismos internos para negar a morte encefálica do parente e, conseqüentemente, a doação dos órgãos, acreditando que o médico possa ter se enganado ou até
106
mesmo ocorrido um defeito na máquina que fez o diagnóstico gráfico50. A
unidade 46 mostra, também, que é difícil aceitar a morte encefálica, e que a esperança faz acreditar na recuperação do ente querido51. Essas
considerações são constatadas através das falas:
“A UTI traz uma esperança, você sabe que ele vai morrer, mas ele está em uma UTI sendo acompanhado 24 horas, tem recursos, qualquer hora pode reverter o quadro dele. Você se apega nessa esperança. Quando o médico dá morte encefálica, você fala: não, eu ainda posso ter uma esperança; mesmo sabendo que lá no fundo não tem (...). A tua esperança e a tua perseverança não deixa você acreditar que ele está morto”. (VIII, 27)
“A partir do momento que foi constatada a morte encefálica, você ver que a pessoa está morta, mas você não aceita (...). Você fala: não, não, não, isso não existe, isso não está acontecendo comigo, ele não está em morte, o aparelho errou, a médica não viu direito. Eu falava não, eu estou sonhando, ele não está morto (...). Mesmo você sabendo que ele não vai sair dali com vida, porque ele está morto. Mas você não quer perder. Você fala: não. Você cria resposta. Você cria jeito de falar não, não, não... Ele vai sair”. (VIII, 30)
“A morte encefálica, eu acho, que ela nunca vai ser aceita por ninguém. Você se consola, você se consola, porque você sabe que não tem mais o que fazer. Mas você não aceita. Você no fundo, no fundo, acha que qualquer hora aquela pessoa vai acordar. Embora haja o estudo. Eu vi ela fazendo o Doppler, eu vi que não tinha, que não estava respondendo. Mas você fala: pode ser que o aparelho esteja com problema ou a doutora não fez direito. Porque no fundo a tua autodefesa trabalha contra aquilo, sabe?” (VIII, 25)
“Eu acho que a morte encefálica é muito ingrata. (...) porque ela não mata. Ela não mata o ser humano. Ela mata a cabeça da pessoa (...) a pessoa não morre. É diferente de eu estar aqui e ter um infarto. Você vai embora e acabou. Mas a morte encefálica é traiçoeira. Ela mata o indivíduo, porque você sabe que você perdeu ele para ela. Mas ela não mata ele, porque ele fica ali com o coração batendo, o rim funcionando. A gente sabe que vai morrendo tudo aos pouquinhos. (...) eu acho que ela é muito traiçoeira, porque deixa o paciente vivo, mas o cérebro morto. E a gente sabe que uma coisa não funciona sem a outra, sabe?” (VIII, 31)
Os estudos mostram que a falta de compreensão e/ou aceitação do
diagnóstico de morte é um dos motivos apresentados pelas famílias para
107
recusar a doação dos órgãos do familiar para transplante (Singh et al., 2004;
Kerridge et al., 2002; Nuss et al., 1996; Frutos, 1994).
Para os familiares que recusam a doação dos órgãos, a não
compreensão do conceito de morte encefálica é um dos motivos de recusa,
evidenciando pela afirmação de que autorizar a doação significa assassinar,
decretar ou autorizar a morte do ente querido.
Fontana, Almasia (1996) afirmam que a morte encefálica na sociedade
não é considerada como morte real, sendo que de 100% das famílias que
recusam a doação, 40% não aceitam a ME como morte de fato.
Para Sadala (2001), o conhecimento limitado das famílias a respeito do
conceito de morte encefálica é um elemento que dificulta, primeiramente, a
tomada da decisão e, depois, a convivência com a decisão de ter doado.
Alguns familiares entrevistados descreveram que, após consentirem na
doação, não conseguiram dormir, pois estavam preocupados pela
possibilidade de terem causado algum dano ao doador. Um dos familiares
diz, após seis meses de doação, não ter certeza de que a doadora estivesse
morta.
No estudo de Lima (2006), os enfermeiros relataram que a negação da
morte, pelos familiares de potenciais doadores, pode ser determinada por
vários aspectos e que um deles está relacionado ao fato do potencial doador
parecer que está vivo. Referiram, também, que há familiares que expressam
dúvida e desconfiança em relação ao diagnóstico de morte encefálica.
Alguns pensam que a morte do seu ente querido foi provocada e outros não
entendem o significado de morte encefálica.
Sadala (2004) refere que alguns familiares questionam se a pessoa está
morta mesmo, não compreendendo a morte encefálica como morte da
pessoa, por estar observando que o potencial doador está com aparelhos
para respirar, apresenta batimentos cardíacos e aparenta está vivo.
108
A experiência com o processo de doação e transplante mostra que, não só
para a população, mas também, para muitos profissionais da saúde, parece
existir dois conceitos de morte: um com finalidade de transplante e outro
representado pela parada de todas as funções do corpo. Essa, percepção
deriva do fato de que, após a constatação da morte encefálica, caso os órgãos
sejam doados, o potencial doador é encaminhado para o centro cirúrgico para a
retirada dos órgãos. Entretanto, caso os órgãos não tenham sido doados,
mesmo após a morte encefálica comprovada, há resistência, inclusive de
profissionais da área da saúde, para desligamento dos aparelhos que estavam
sendo mantidos para viabilidade dos órgãos para possível transplante.
Padrão; Lima; Moraes (2004) relatam que a não compreensão do
diagnóstico de morte encefálica é uma das principais causa de recusa
familiar. Entretanto, Bousso (2006) discorda dessa afirmação, referindo que a
família é capaz de entender o conceito de morte encefálica e o processo de
doação, mas diante da experiência que está vivenciando, precisa de seu
tempo para que esses conceitos façam sentido na sua realidade. Segundo
Santos; Massarollo (2005) um dos motivos que contribui para a dificuldade
na compreensão e/ou não aceitação do diagnóstico de morte encefálica
advém do fato do paciente apresentar batimentos cardíacos, movimentos
respiratórios e temperatura corporal. A família não percebe o paciente como
morto e crê na possibilidade de reversão do quadro, evidenciando a
necessidade de esclarecimento à população sobre o conceito de morte
encefálica e sua irreversibilidade.
Sadala (2001) revelou que a própria condição do corpo, mantido
funcionando artificialmente na UTI, quente, com o coração batendo,
contrasta com a idéia que se tem de um cadáver. Para os familiares e
mesmo, para alguns profissionais que cuidam desses pacientes, de alguma
forma ele é ainda percebido como vivo.
Roza (2005) afirma que o desconhecimento, por grande parte da
população, sobre o conceito de morte encefálica e o processo de doação e
109
transplante, é fator relevante frente ao inexpressivo número de doações no
Brasil.
Outra questão evidenciada neste estudo está relacionada ao exame
gráfico comprobatório de morte encefálica (ME). A confirmação do
diagnóstico de ME é feita através de dois exames clínicos e um exame
gráfico. Em alguns casos, o exame gráfico pode evidenciar fluxo sangüíneo
intracraniano, deixando o familiar esperançoso em relação ao prognóstico do
paciente, alimentando a crença na reversão do quadro. Além disso, a
informação equivocada sobre a melhora do quadro do paciente, dada pela
equipe que está prestando assistência ao potencial doador, fortalece a
crença da família na recuperação do parente. O fato evidencia o
desconhecimento da equipe e a necessidade de educação sobre o processo
de doação de órgãos direcionado aos profissionais da saúde.
A não aceitação da manipulação do corpo
Quanto ao subtema “A não aceitação da manipulação do corpo”, as
unidades 47, 48 e 49 revelam que o familiar tem dificuldade em aceitar a manipulação do corpo do parente com finalidade de retirada de órgãos para transplante52. Tal fato pode estar relacionado ao medo da perda da
integridade física do paciente, revelando que a não aceitação da manipulação do corpo é motivo para negar a doação dos órgãos53 (unidades 47, 48 e 49),
justificando a recusa pelo desejo de sepultar o ente querido da mesma forma
que ele veio ao mundo. As unidades 49 e 50 mostram que a pessoa em vida, também, manifesta a sua preocupação em relação à manipulação do corpo, com finalidade de retirada de órgãos para transplante, quando afirma que gostaria de morrer ou se apresentar a Deus com todos os
110
órgãos54. A unidade 49 revela, ainda, que o corpo é o templo sagrado de Deus e é intocável55, como mostram as falas:
“O motivo da recusa foi do pai dele, o pai dele, eu não sei, tinha uma revolta de não aceitar tirar as coisas do menino. Ele falava que ninguém ia mexer, que ele ia enterrar com tudo... Ele ficou muito revoltado, ninguém mexe, ninguém tira...” (II, 13)
“Ele não queria que mexesse no corpo dela, que abrisse o corpo dela, que não mexesse em nada que era dela. Ele achava que essa coisa de doação não deveria ser feita com a esposa dele”. (IV, 18)
“Por que nós não doamos? Não é por religião, não é a religião (...). A não doação é o seguinte: nós fomos formado por Deus assim, nós fomos feitos a imagem e semelhança do senhor. Tudo que está no nosso corpo é o templo do espírito santo de Deus. Então é intocável”. (VI, 16)
“Ele falava: não, eu não quero que doe nada de mim, eu quero me apresentar para Deus como eu sou. Então, ele tem uma crença que ele acreditava que você tem que voltar para o céu do jeito que você veio”. (VIII, 3)
Estudos têm apontado, como motivo de recusa da doação dos órgãos o
medo da desfiguração e da perda da integridade física do corpo do falecido,
o desejo em manter a integridade do corpo do ente querido; bem como o
respeito ao corpo do potencial doador, uma vez que a família não vê a
doação como um ato cirúrgico, mas sim como uma mutilação do corpo do
falecido (Barber et al., 2006; Frutos et al., 2005; Siminoff et al., 2001 e 2007;
Nuss et al., 1996; Jouan et al., 1996).
O medo da reação da família
Nesse subtema, “O medo da reação da família”, a unidade 51 desvela que o familiar favorável à doação desconsidera a sua intenção de doar por
111
medo da repressão por parte de outro membro da família56. O consenso
familiar é a forma mais adequada para tomar a decisão, que não traga
desordem e conflitos para a família. Qualquer informação ou orientação
contrária à decisão que estimule o consenso familiar pode trazer conseqüências
desagradáveis para a família e para o sistema de captação de órgãos, mesmo
assim, o familiar é orientado pela equipe médica a tomar a decisão em relação à doação de órgãos sem a participação de todos os membros da família57 (unidade 51). No resgate da fala encontramos:
“Aí eu resolvi acatar a decisão do pai do menino, porque ele é uma pessoa meio violenta, meio brabo... Se eu tivesse feito a doação ele teria ficado muito bravo... Eu ainda pensei em assinar o papel sem ele saber, mas aí eu voltei atrás por causa da ignorância dele, do escândalo que ele poderia fazer, porque ele já tinha feito. (...) aí eu fiquei com medo, por causa da ignorância dele... A médica até falou que eu podia tomar essa decisão sem ele, eu até balancei, mas depois não”. (II, 14)
No meio familiar alguém assume, claramente, a responsabilidade pela
decisão, quando há discordância a respeito de doar e, nesse contexto, alguns
assumem a não participação por discordarem da decisão. Segundo Sadala
(2001) há também os familiares que ainda vivenciam a situação de conflito e
ruptura na família, causado pela doação. Fica evidente que o familiar contrário à
doação assume o controle da situação, impõe a sua opinião e, com isso,
concretiza a recusa da doação dos órgãos.
Diante do conflito vivenciado pela família, quando há divergência de
opinião para a tomada de decisão, deve ser estimulado o consenso familiar e,
não, que a decisão seja tomada só por um membro da família.
112
A inadequação da informação e a ausência de confirmação da morte encefálica
Quanto ao subtema “A inadequação da informação e a ausência de
confirmação da morte encefálica”, a unidade 52 revela que a ausência de confirmação do diagnóstico de morte encefálica e o desencontro de informações transmitidas à família, pela equipe do hospital, gera dúvida sobre o quadro do paciente e é motivo para recusar a doação dos órgãos58. A situação revela que a falta de conhecimento e preparo da equipe de saúde para conduzir o processo de doação de órgãos é fator que dificulta a aceitação da doação pelo familiar59. É previsto em lei que a
família tem o direito de ser informada sobre o início dos procedimentos
comprobatórios do diagnóstico de morte encefálica e solicitar a participação de
um médico de sua confiança. O familiar considera inadequada a forma como a
informação é repassada, quando recebe a notícia do falecimento do parente
pelo Serviço Social do hospital. Além disso, a equipe médica considera a
informação, dada pelo Serviço Social, equivocada, afirmando tratar-se da morte
encefálica e não do óbito. Quando a doação é solicitada, a família exige que a
morte do parente seja atestada através de documento oficial, mas é informada
que o paciente não está morto. O fato revela que a falta de convicção dos profissionais sobre a morte do paciente e a impossibilidade de fornecer o atestado de óbito geram, nos familiares, incerteza sobre a condição de morte do parente60. Essas constatações são exemplificadas a seguir:
“Meu cunhado já tinha conversado antes e falou assim: eu não vou, eu não aceito a doação de órgãos, porque eles não tinham falado que havia morte encefálica, em nenhum momento falaram em morte encefálica”. (III, 7)
“Só na quarta-feira, depois que a assistente social, de lá, falou que ele tinha falecido. Aí que a equipe falou assim, que ela devia ter se enganado, que era morte encefálica, não morte, morte”. (III,
8)
113
“Daí o meu cunhado falou o seguinte: o senhor quer a doação, os órgãos dele, então o senhor me faz um documento e assina o atestado de óbito, então ele falou que não poderia fazer isso, porque ele não estava morto. Então com aquilo tudo, então como é que você vai doar órgão, então nós...” (III, 9)
“A equipe disse que não podia assinar o atestado de óbito, porque ele não estava morto, porque batia o coração, mesmo com a ajuda de aparelhos, ele respirava pela ajuda de aparelhos, (...) eu falei: então ele não está morto? Ele falou assim: não, ele teve morte encefálica e nem podemos comprovar ainda antes de fazer esses três exames”. (III, 10)
A pesquisa de Siminoff et al (2001) mostrou que a insatisfação da família
com o cuidado prestado ao potencial doador, oferecido pela equipe do hospital,
interferiu na tomada de decisão em relação à doação. Além disso, a informação
incompleta ou incorreta sobre o processo de doação pode limitar o
consentimento familiar.
Em nenhum dos estudos foi relatada a situação em que a solicitação da
doação tenha sido realizada na ausência de confirmação do diagnóstico de
morte encefálica. Essa prática, porém, parece ocorrer quando a equipe médica,
com a intenção de agilizar o processo de doação, solicita o consentimento
familiar em um momento inadequado, gerando questionamentos por parte da
família e incerteza sobre a morte do paciente.
A desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos
No subtema “A desconfiança na assistência e o medo do comércio de
órgãos”, as unidades 53 e 54 desvelam que há a crença de que a morte do parente possa ser antecipada ou induzida objetivando a doação dos órgãos61. A unidade 54 revela, ainda, que o interesse excessivo, demonstrado pela equipe para conseguir a doação, gera suspeita de corrupção62. A propaganda sobre a corrupção na doação de órgãos,
114
veiculadas através dos meios de comunicação, contribui para que o familiar
acredite que o comércio de órgãos seja uma realidade. No resgate das falas,
temos:
“A gente também conversou sobre doação, porque a gente viu na televisão sobre a venda de órgãos, né?... A gente falava assim: não doa os meus órgãos, porque parece que vai acelerar a morte. Porque a gente já tem essa informação de venda de órgãos, então você já fica com medo, porque a gente fica com medo. A gente conversava não doa meus órgãos, porque se não vai acelerar a morte, por causa de venda de órgãos, que a gente viu na televisão, na Internet, jornais”. (III, 23)
“E o patrão dele que é policial e a esposa advogada, eles também falaram que tem muita corrupção nesse negócio de doar órgãos, né? Disse que corre muito dinheiro; gente de família rica, né... Aí a gente foi colocando tudo isso na cabeça e aquela esperança, ficando com medo... Porque a gente houve muito falar, principalmente essa advogada e esse policial falaram que tem muita corrupção por trás da doação de órgãos”. (V,17)
“A gente achou muito estranho, porque parecia que eles estavam muito interessados nos órgãos dele. (...) a gente ouve falar que tem muita corrupção, que os médicos são pagos quando tem um órgão, cerca de 10 mil dependendo do órgão (...). Foi então que decidimos rasgar o documento da doação”. (V, 18)
As unidades 53 e 54 revelam, também, que a suspeita de corrupção é reforçada quando o familiar sente-se coagido a doar os órgãos63. A
unidade 54 desvela, que a insistência da equipe médica para que a família autorize a doação dos órgãos, associada à suspeita de corrupção, desperta assombro e medo nos familiares, dificultando uma tomada de decisão que seja favorável à doação64. No resgate das falas, temos:
“Pareciam que tavam querendo, vamos usar o português, pareciam uns urubus que ficaram pressionando pra gente fazer aquela doação de órgãos, foi o que eu senti”.(III, 18)
“Não, eles chegavam e falavam que não tinha mais jeito e porque a gente não doava os órgãos, o que nós estávamos esperando para doar os órgãos. Então a gente deu a entender que eles estavam parecendo urubus na carniça, que no caso eram os médicos urubuzando os órgãos dele”. (V, 15)
115
“Muita gente falava com a gente da corrupção e a insistência deles para doar os órgãos, aí você fica mais assombrado, mais assustado”. (V, 27)
A unidade 53 explicita que a permanência do paciente na sala de emergência é motivo para o familiar desconfiar da assistência e reforça a crença de que a morte do parente está sendo induzida, pois o familiar acredita que na UTI, por ser a unidade que dispõe de mais recursos, as chances de recuperação são maiores65. Em sua fala, temos:
“Além dele estar na emergência, porque eu acho que era um caso de UTI, ele tava na emergência, parecia que tava segurando para doação... Eu acho que na UTI teria mais recursos, no meu ponto de vista, eu achava que tinha muito mais recursos, por que todos os casos graves que estavam lá subiram pra UTI, menos ele, e ele ficava lá, ele ficou lá o tempo todo, da segunda até o sábado que ele faleceu, ele ficou lá”. (III, 12)
A unidade 54 mostra que todos os recursos são disponibilizados ao potencial doador só quando a família concorda com a doação dos órgãos66. No resgate da fala, temos:
“Ele só foi bem tratado porque ele era um doador de órgãos, porque se ele não fosse um doador... Porque ele saiu daqui do hospital S para o hospital referência com todos os recursos, porque ele era um doador de órgãos. Quando falaram que ele não ia doar órgãos, disseram que ele ia ficar no hospital S até morrer. A partir do momento que nós assinamos que ele era um doador de órgãos, ele foi tratado igual a um príncipe...” (V, 19)
“Se não fosse para a doação ele iria ficar no hospital S até morrer. Até esse exame que ia fazer, não ia ser feito; esse último exame que aqui no hospital S não ia fazer, não seria feito. Eu acho que de um dia para o outro eles terminavam, porque eles iam desligar os aparelhos. A gente ficava com aquilo na cabeça como ele não vai ser doador de órgãos, cedo ou mais tarde eles não vão agüentar esperar e vão desligar os aparelhos dele”. (V, 20)
Segundo Padrão, Lima, Moraes (2004), ainda hoje, alguns meios de
comunicação de massa apresentam reportagens inconsistentes e
116
sensacionalistas, gerando polêmicas quanto ao tráfico de órgãos e levando a
população a assimilar essa informação como verdadeira.
Alguns estudos mostram que a publicidade negativa relacionada ao
comércio ou tráfico de órgãos tem um papel importante na formação de
opinião da população e é uma barreira na doação de órgãos (Wakeford,
Stepney, 1989; Horton, Horton, 1990; Frutos et al., 1995; Jouan et al., 1996).
A inadequação no processo de doação
No subtema “A inadequação no processo de doação”, a unidade 55
desvela que há revolta quando a equipe médica impõe, como condição para realizar o diagnóstico de morte encefálica, a intenção da doação ou quando a equipe solicita a doação dos órgãos antes da confirmação do diagnóstico67. O familiar, quando percebe a inadequação no processo de
doação, reprova a atitude da equipe e manifesta a sua indignação diante da
situação, recusando a doação dos órgãos. Negar o direito da família de ter a
certeza da morte do paciente é motivo de descontentamento, indignação e fere
a autonomia do familiar de decidir com segurança mediante a informação e o
esclarecimento da condição de morte do parente. Em sua fala, temos:
“Então eu falei assim: manda ele pro hospital referência depois eu assino. Então ele falou: não, a senhora tem que assinar primeiro a doação de órgãos pra poder, pra ele poder... Então a gente viu que era uma troca. Eu me senti indignada”. (III, 11)
“Agora fica aquela coisa, você doa e a gente leva para o hospital referência pra poder fazer o exame, se você não doa, foi o que aconteceu, eu não assinei, então a gente não faz o exame”. (III, 21)
A unidade 56 mostra que a família desconfia da inadequação no processo de doação de órgãos quando solicita o parecer de vários especialistas e o esclarecimento da situação do paciente68, a família
117
considera que frente à falta de esclarecimento do quadro do paciente faz-se
necessário o detalhamento da situação por uma junta médica para que todos os
envolvidos possam esclarecer as dúvidas e decidir com segurança, conforme
revelado na fala:
“A gente que não entende, eu acho que devia chegar na gente e conversar direito, explicar a situação dele. O que deu no exame, o que não deu, se ele tinha uma chance e se não tinha (...). Se vem uma junta médica e chama a família e o patrão dele para conversar, e a advogada esposa do patrão dele, podia juntar todo mundo e ter uma conversa bem detalhada, os médicos dar uma explicação bem exata (...). Mas da maneira que foi, ficou difícil”. (V, 23)
A atitude da equipe, frente à recusa da doação, que desperte na família a
sensação de recriminação, é causa para considerar o processo de doação
inadequado. A unidade 56 desvela que a família reclama da falta de apoio pela decisão de recusar a doação e manifesta a sensação de reprovação por parte da equipe que assiste o potencial doador69. A equipe deve
amparar a família e respeitar sua decisão, de doar ou não. Dessa forma, a família quando se sente pressionada pela equipe, para autorizar a doação dos órgãos, fica desconfiada, recusa a doação e lamenta não ter respeitado o desejo do falecido de ser um doador70. Essa proposição
corrobora a proposição 25, que afirma que para a família não realizar o desejo
do falecido de ser um doador de órgãos é motivo de sofrimento, lamentação,
arrependimento e tristeza, como exemplificado a seguir:
“Tudo bem que ele tava lá, em nenhum momento ninguém veio dar uma palavra de conforto para nós e sim só colocando a gente lá embaixo (...). Teve uma enfermeira que foi muito grossa com minha mãe a respeito disso. Disse que o meu irmão não tinha mais jeito, que dali ele não ia, porque a gente não queria doar os órgãos? E toda vez que ia uma visita lá, sempre a gente era taxado com isso: não tem mais jeito, não tem mais jeito, sabe. Ele tava lá respirando pelo aparelho, tudo bem; mas as pessoas nunca chegavam na gente, confia em Deus, entrega nas mãos de Deus, Deus sabe de todas as coisas”. (V, 14)
118
“Só que pelas atitudes dos médicos lá, fez com que a gente ficasse desconfiados, assim, e não realizou o desejo dele (...). Então às vezes a gente fica sentido por causa disso; porque eles não souberam conversar com a gente, não chegaram a conversar com a gente...” (V, 25)
Cutler et al (1993) revelaram que quando a solicitação da doação, feita à
família, foi realizada após a notificação da ME, a taxa de consentimento familiar
foi de 81%, sendo que, a solicitação feita antes, ou simultaneamente, com a
notícia da morte, o índice de aceitação foi de apenas 50%.
Para grande número de famílias, a falta de apoio da instituição aparece
como desorganização, ou descaso, que contrasta com o momento de
solicitação dos órgãos. Pra alguns, a falta de atenção à família leva a
desestimular a doação (Sadala, 2001).
A instituição e a equipe multiprofissional deve apoiar os familiares,
independente da decisão de doar ou não os órgãos e tecidos do parente
falecido, pois o comportamento do profissional da saúde deve estar
fundamentado no princípio da humanização, qualquer atitude contrária a esse
princípio pode ser percebida pela família como sendo inadequada e ofensiva.
Ao propor um programa de apoio para familiares de potenciais doadores,
preconiza-se que os profissionais devam manter o contato com eles durante
todo o processo de doação, informando-os a respeito do que acontece,
proporcionando visitas ao corpo do doador e mantendo o corpo em boas
condições de apresentação, após a retirada dos órgãos. Além disso, entrevistas
com a equipe podem esclarecer as suas dúvidas, oferecendo-lhes ajuda
(Johnson, 1992). Acreditamos que esse apoio deva se estender, também, às
famílias que recusam a doação, pois elas percebem que a atenção só ocorre
até o momento da solicitação e, após a recusa, as famílias são deixadas de
lado. O acompanhamento deve ser até o momento da liberação do corpo para o
sepultamento. A família que recusa a doação dos órgãos, quando bem
119
assistida, provavelmente terá uma outra idéia do processo de doação e,
possivelmente, será a “propaganda viva” em relação a esse processo.
O desejo do paciente falecido, manifestado em vida, de não ser um doador de órgãos
O subtema “O desejo do paciente falecido, manifestado em vida, de não
ser um doador de órgãos” mostra, nas unidades 57, 58 e 59, que o familiar respeita o desejo do falecido, manifestado em vida, de não ser um doador de órgãos e tecidos para transplante71. Essa proposição converge com a
proposição 38, que afirma que o familiar no momento de decidir pela recusa da
doação leva em consideração o desejo do falecido, manifestado em vida, de
não ser doador de órgãos. Conhecer o desejo do parente, em relação à doação,
facilita a tomada de decisão da família no momento de negar a doação dos
órgãos. As unidades 58 e 59 desvelam, também, que o importante é acatar o desejo do parente, mesmo que para algumas pessoas a vontade do familiar depois de morto não tenha importância ou que o ato de recusar a doação pareça uma atitude egoísta72. O familiar considera que a decisão é de
cunho pessoal, tem que ser respeitado até o fim, uma vez que, autorizar a
doação é desrespeitar o desejo da pessoa falecida, em vida, de decidir sobre o
que ela gostaria que fosse feito com o próprio corpo depois da morte. As
seguintes falas ilustram o fato: “Mas eu ainda não havia visto na identidade dela que estava escrito ”não doação de órgãos”. Talvez ele tenha obedecido ao que estava escrito na identidade dela”. (IV, 10)
“Então, essa foi a decisão que a gente queria ficar com todos os órgãos ou mesmo falido, que Deus tivesse compaixão da gente. Essa foi a nossa decisão, de não aceitar a doação e nem tampouco doar. Pode ser egoísmo, para muita gente é egoísmo”. (VI, 20)
120
“Eu considerei o pedido dele. Ele me pediu e eu como esposa respeitei o desejo dele em vida. As pessoas falavam assim: o que ele pediu em vida, depois de morto não importa. Tem que importar! (...). Eu levei em consideração o que ele me pediu. Nós conversamos uma vez só sobre não doação de órgãos. Ele não concordava. Tem que respeitar. Se você não quer que tire nada de você, tem que respeitar”. (VII, 33)
O estudo de Siminoff et al (2007) mostrou que as razões para doar, ou não,
são complexas. O altruísmo, embora importante, não parece ser suficiente para
motivar a doação de órgãos. O conhecimento das preferências do paciente, em
vida, é importante no momento de decidir. Além disso, o suporte emocional, a
assistência oferecida aos familiares e a informação sobre o processo de doação,
parecem ser essenciais para encorajar a atitude da doação.
Estudos mostram que para as famílias que autorizaram a doação dos
órgãos, de um parente falecido, foi importante na tomada de decisão o
conhecimento do desejo da pessoa, em vida, em relação à doação de órgãos
(Barber et al., 2006; Frutos et al., 2005; Roza, 2005; Singh et al., 2004; Siminoff,
Lawrence, 2002; Rosel et al., 1999; Nuss et al.,1996; Martinez et al., 1995).
O medo da perda do ente querido
No subtema “O medo da perda do ente querido”, a unidade 60 revela que
o familiar expressa o medo da perda negando a doação dos órgãos73, como ilustrado a seguir:
“(...) você sabe que está em morte encefálica, você sabe que só está funcionando o coração através de droga. Mas você não quer perder, mas ele está ali, você está sentindo a presença dele. Ele está sofrendo, mas está ali”. (VIII, 10)
“Quando a gente não quer doar, primeiro é porque você respeita o que a pessoa pensa e segundo é o medo da perda. Você não quer perder”. (VIII, 26)
121
Lima (2006) relata que a família do potencial doador muitas vezes, nega o
diagnóstico de morte encefálica e, nessa situação, não é aconselhável forçar
um diálogo ou realizar a solicitação da doação dos órgãos. Refere, ainda, que
caso seja entrevistada, ira negar a doação.
122
SÍNTESE
123
4 SÍNTESE
Esta pesquisa possibilitou desvelar o fenômeno “A recusa familiar no
processo de doação de órgãos e tecidos para transplante” em uma
Organização de Procura de Órgãos do Município de São Paulo, que foi
desocultado e compreendida a interrogação existente inicialmente.
Foi desvelado que as internações dos pacientes, que evoluem para morte
encefálica, decorrem de causas naturais e traumáticas. O evento, que causa a
internação, é inesperado e motivo de choque para o familiar.
Após a internação, antes de receber a informação da gravidade do
paciente, o familiar reconhece a complexidade da situação e entra em
desespero ao perceber a proximidade da morte. A notícia da gravidade do
quadro aumenta a aflição e o desalento. Quando os familiares não possuem os
esclarecimentos necessários sobre o estado do paciente, essa falta de
informação faz com que haja a crença na sua recuperação.
Em relação à informação da morte encefálica e à solicitação da doação, foi
evidenciado que ocorre a não informação da família sobre o início dos
procedimentos comprobatórios do diagnóstico, sendo comunicada depois da
constatação. Entretanto, ocorre, também, a comunicação da realização desses
procedimentos, antes de serem feitos. Na ausência de comprovação da morte
encefálica, a solicitação da doação dos órgãos gera desconfiança nos
familiares. A solicitação da doação é realizada pela equipe médica que está
assistindo o paciente falecido, imediatamente após a informação do diagnóstico
de morte encefálica. Com a chegada do profissional da OPO, é feita a
entrevista familiar que tem a finalidade de solicitar a doação.
O familiar, que compreende a condição do paciente como sendo
irreversível, quando é informado sobre a possibilidade da doação dos órgãos,
manifesta o desejo de doar, mas tem a necessidade de compartilhar o assunto
com a família.
124
A notícia da morte encefálica desencadeia a negação da morte, o que
propicia, ao familiar, imaginar que a situação é um engano. A morte encefálica é
percebida como sendo diferente da morte clínica, devido à manutenção dos
batimentos cardíacos, movimentos respiratórios e temperatura corpórea do
potencial doador, através de aparelhos e medicações, despertando a sensação
de que a pessoa está viva ou em coma, mas não morta. Dessa forma, para o
familiar, autorizar a doação significa perder o parente, pois ele é encaminhado
ao centro cirúrgico, os órgãos são retirados e a morte é concretizada.
Quando a morte encefálica é entendida como sendo o fim, a informação
desse diagnóstico provoca sentimentos de angústia, tristeza e dor no familiar,
que busca uma solução diante do sofrimento, chegando a acreditar que,
autorizando a doação ou desligando os aparelhos, poderá acabar com essa
situação tão sofrida.
A falta de sensibilidade da equipe é um fator que adiciona sofrimento ao
processo, quando a família percebe que o interesse do profissional, que está
cuidando do potencial doador, é a doação dos órgãos.
Em relação à decisão de recusar a doação, é evidenciado que o desejo de
doar não é unânime entre os familiares, ocorrendo divergência de opinião e o
surgimento de conflito. Nessa situação, a opinião do familiar que é contrário à
doação é a que prevalece. A dificuldade de compreensão do conceito de morte
encefálica dificulta a tomada de decisão quanto à doação, pois autorizar a
doação desperta a sensação de estar autorizando a morte do ente querido.
No momento de decidir, é importante conhecer a vontade do falecido, em
vida, em relação à doação de órgãos, e, quando o desejo era de não ser um
doador, a família respeita esse desejo, tornando menos difícil a decisão.
Quanto aos motivos de recusa da doação dos órgãos, foram revelados: a
crença religiosa; a espera de um milagre; a não compreensão do diagnóstico de
morte encefálica e a crença na reversão do quadro; a não aceitação da
manipulação do corpo; o medo da reação da família; a inadequação da
informação e a ausência de confirmação da morte encefálica; a desconfiança
na assistência e o medo do comércio de órgãos; a inadequação no processo de
125
doação; o desejo do paciente falecido, manifestado em vida, de não ser um
doador de órgãos e o medo da perda do ente querido.
Em relação á crença religiosa, foi desvelado que a religião é considerada
como sendo um dos motivos para recusar a doação dos órgãos e tecidos para
transplante.
A espera de um milagre revela que a crença em Deus alimenta a
esperança da família de que um milagre possa acontecer. A crença que Deus
possa ressuscitar ou abençoar o paciente com um milagre é tão grande que o
familiar, mesmo quando tem ciência da morte encefálica, prefere acreditar que
o paciente vai melhorar.
A não compreensão do diagnóstico de morte encefálica e a crença na
reversão do quadro mostram que a falta de entendimento da família em
compreender a morte encefálica dificulta a assimilação de que uma pessoa
possa estar morta quando está com suporte avançado de vida. Nessa
circunstância, o consentimento da doação dos órgãos é interpretado pela
família como sendo o mesmo que assassinar, decretar ou autorizar a morte do
parente. O familiar acredita que a presença dos batimentos cardíacos é um
indicativo de que o parente está vivo e é motivo para crer na reversão do
quadro. Acredita, ainda, que autorizando a doação dos órgãos ficaria com
sentimento de culpa, de medo, com “peso na consciência” ou com a sensação
de estar sacrificando o ente querido para beneficiar outras pessoas. Além disso,
o exame gráfico comprobatório de morte encefálica, quando evidencia algum
fluxo nas artérias que irrigam o cérebro, alimenta a crença dos familiares na
recuperação do paciente. Esse resultado do exame gráfico gera, também, a
informação equivocada, dada aos familiares pela equipe que está prestando
assistência ao potencial doador, sobre a melhora do quadro.
O familiar acredita que a assistência dada em UTI possibilita a reversão da
condição do paciente, mesmo diante da informação sobre a irreversibilidade da
situação. Dessa forma, nega a morte do parente e, conseqüentemente, a
doação dos órgãos, considerando que o médico possa ter se enganado ou, até
mesmo, ocorrido um defeito na máquina que fez o diagnóstico gráfico.
126
Considera, também, que é difícil aceitar a morte encefálica e que a esperança
possibilita crer na recuperação do ente querido.
A não aceitação da manipulação do corpo revela que o familiar tem
dificuldade em aceitar a manipulação do corpo do parente com a finalidade de
retirada de órgãos para transplante, e que a não aceitação é motivo para negar
a doação, acreditando que o corpo é o templo sagrado de Deus e é intocável.
Considera, também, a manifestação do potencial doador, em vida, que gostaria
de morrer ou se apresentar a Deus com todos os órgãos.
O medo da reação da família, também, é apontado como motivo para
recusar a doação dos órgãos, quando o familiar que é favorável à doação
desconsidera a sua intenção de doar por medo da repressão por parte de outro
membro da família.
A inadequação da informação e a ausência de confirmação da morte
encefálica desvelam que a ausência de confirmação do diagnóstico de morte
encefálica e o desencontro das informações transmitidas à família, pela equipe
do hospital, gera dúvida sobre o quadro do paciente e é motivo para recusar a
doação dos órgãos.
A desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos mostram
que há a crença de que a morte do parente possa ser antecipada ou induzida
objetivando a doação dos órgãos. O interesse excessivo demonstrado pela
equipe para conseguir a doação gera suspeita de corrupção. O familiar reforça
essa suspeita quando se sente coagido a doar os órgãos. A insistência da
equipe médica, para que a família autorize a doação dos órgãos, e a suspeita
de corrupção causam assombro e medo nos familiares, dificultando uma
tomada de decisão que seja favorável à doação.
A permanência do paciente na sala de emergência é motivo para o familiar
desconfiar da assistência, reforçando a crença de que a morte do parente está
sendo induzida, pois acredita que na UTI as chances de recuperação são
maiores. Há a crença de que todos os recursos são disponibilizados ao
potencial doador só quando a família concorda com a doação dos órgãos para
transplante.
127
A inadequação no processo de doação desvela que os familiares sentem-
se revoltados quando a equipe médica impõe, como condição para realizar o
diagnóstico de morte encefálica, a intenção da doação, ou quando a equipe
solicita a doação dos órgãos antes da confirmação do diagnóstico. A
desconfiança da inadequação do processo de doação faz com que seja
solicitado o parecer de outros especialistas e o esclarecimento da situação do
paciente.
Os familiares manifestam a falta de apoio pela decisão tomada, de recusar
a doação, e a sensação de reprovação por parte da equipe que assiste o
potencial doador. O familiar, quando se sente pressionado pela equipe, para
autorizar a doação dos órgãos, fica desconfiado e recusa a doação, mesmo
lamentando não respeitar o desejo do falecido de ser um doador.
O desejo do paciente falecido, manifestado em vida, de não ser um doador
de órgãos, é respeitado, sendo considerado pelo familiar que o importante é
acatar o desejo do ente querido, mesmo que para algumas pessoas a vontade
do paciente, depois de morto, não tenha importância ou que o ato de recusar a
doação pareça uma atitude egoísta.
Quanto ao medo da perda do ente querido, foi desvelado que o familiar
expressa esse medo negando a doação dos órgãos.
Assim, as proposições que emergiram revelam que a essência do
fenômeno a recusa familiar processo de doação de órgãos e tecidos para
transplante foi desvelada como vivenciar uma situação de choque e desespero
com a internação do familiar, de desconfiança com a solicitação da doação dos
órgãos, de negação da morte encefálica, de sofrimento e desgaste diante da
perda do ente querido, de conflitos familiares para a tomada de decisão e de
múltiplas causas para a recusa da doação.
128
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129
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136
ANEXOS
137
ANEXO I
138
ANEXO II
HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (Instruções para preenchimento no verso)
__________________________________________________________________
I - DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO DA PESQUISA OU RESPONSÁVEL LEGAL
1. NOME DO PACIENTE
DOCUMENTO DE IDENTIDADE Nº : SEXO : M � F �
DATA NASCIMENTO:. .../.../...
ENDEREÇO: Nº APTO:
BAIRRO: CIDADE:
CEP: TELEFONE:
2. RESPONSÁVEL LEGAL
NATUREZA (grau de parentesco, tutor, curador etc.)
DOCUMENTO DE IDENTIDADE Nº : SEXO: M � F �
DATA NASCIMENTO.: .../.../...
ENDEREÇO: Nº APTO:
BAIRRO: CIDADE:
CEP: TELEFONE:
__________________________________________________________________
II - DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTÍFICA
1. TÍTULO DO PROTOCOLO DE PESQUISA “A Recusa Familiar no Processo de
Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante”.
PESQUISADOR Edvaldo Leal de Moraes
CARGO/FUNÇÃO: Enfermeiro
INSCRIÇÃO CONSELHO REGIONAL Nº 69.960
139
UNIDADE DO HCFMUSP: Organização de Procura de Órgãos - OPO-
HCFMUSP
3. AVALIAÇÃO DO RISCO DA PESQUISA:
SEM RISCO x RISCO MÍNIMO � RISCO MÉDIO �
RISCO BAIXO � RISCO MAIOR �
(probabilidade de que o indivíduo sofra algum dano como conseqüência
imediata ou tardia do estudo)
4. DURAÇÃO DA PESQUISA:dezembro de 2005 a julho de 2006.
________________________________________________________________
III - REGISTRO DAS EXPLICAÇÕES DO PESQUISADOR AO PACIENTE OU SEU REPRESENTANTE LEGAL SOBRE A PESQUISA CONSIGNANDO:
1. justificativa e os objetivos da pesquisa: Estou realizando esta pesquisa: A
RECUSA FAMILIAR NO PROCESSO DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS
PARA TRANSPLANTE, com o objetivo de conhecer a percepção de familiares
de potenciais doadores sobre os motivos considerados para recusar a doação
de órgãos e tecidos para transplante. Realizarei entrevista utilizando um
gravador com duas perguntas abertas. Os dados coletados serão publicados
em eventos e publicações científicas sem que os nomes dos participantes
sejam mencionados. Caso haja a decisão de não participar isso não implicará
em prejuízo ou gastos aos participantes. Estarei a disposição para quaisquer
esclarecimentos durante a realização da pesquisa.
2. procedimentos que serão utilizados e propósitos, incluindo a identificação
dos procedimentos que são experimentais: Para a elaboração deste estudo
serão realizadas entrevistas com os participantes em horário e local agendados
de acordo com a disponibilidade dos entrevistados. Havendo concordância, as
entrevistas serão gravadas em fita K-7 para possibilitar a revisão do que foi dito.
140
3. desconfortos e riscos esperados: Como serão realizadas apenas entrevistas
com os participantes, após o consentimento, não haverá nenhum tipo de risco e
nem desconforto.
4. benefícios que poderão ser obtidos: Os resultados obtidos poderão contribuir
para o entendimento da recusa familiar bem como para implementação e
otimização de ações que promovam a melhoria da aceitação da doação de
órgãos e tecidos para transplante.
5. procedimentos alternativos que possam ser vantajosos para o indivíduo: Não se
aplica.
IV - ESCLARECIMENTOS DADOS PELO PESQUISADOR SOBRE GARANTIAS DO SUJEITO DA PESQUISA CONSIGNANDO:
1. acesso, a qualquer tempo, às informações sobre procedimentos, riscos e
benefícios relacionados à pesquisa, inclusive para dirimir eventuais dúvidas.
2. liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e de deixar de
participar do estudo, sem que isto traga prejuízo à continuidade da
assistência.
3. salvaguarda da confidencialidade, sigilo e privacidade.
4. disponibilidade de assistência no HCFMUSP, por eventuais danos à saúde,
decorrentes da pesquisa.
__________________________________________________________________
V. INFORMAÇÕES DE NOMES, ENDEREÇOS E TELEFONES DOS RESPONSÁVEIS PELO ACOMPANHAMENTO DA PESQUISA, PARA
CONTATO EM CASO DE INTERCORRÊNCIAS CLÍNICAS E REAÇÕES ADVERSAS.
1. Enfº. Edvaldo Leal de Moraes. Av Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255– 5º
andar, sala 5017A ICHC-FMUSP Fone: 30698004.
141
2. Prof. Dra. Maria Cristina K. Braga Massarollo. Av Dr. Enéas de Carvalho
Aguiar, 419 - 1º andar EEUSP Fone: 30667552
__________________________________________________________________
VI. OBSERVAÇÕES COMPLEMENTARES:
__________________________________________________________________
VII - CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO
Declaro que, após convenientemente esclarecido pelo pesquisador e ter entendido
o que me foi explicado, consinto em participar do presente Protocolo de Pesquisa
São Paulo, de 2006
____________________________ __________________________
assinatura do sujeito da pesquisa assinatura do pesquisador
ou responsável legal (Carimbo ou nome legível)
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ANEXO III
Roteiro para Entrevista 1. Caracterização do responsável legal pelo paciente em M.E. 1.1 Sexo ( ) masculino ( ) feminino
1.2 Idade ________
1.3 Religião ____________________
1.4 Profissão ___________________
1.5 Grau de parentesco: ( ) cônjuge
( ) pai ( ) mãe
( ) filho (a)
( ) avô (ó)
( ) irmão (ã)
1.6 Escolaridade: ( ) analfabeto
( ) nível fundamental incompleto
( ) nível fundamental completo
( ) nível médio incompleto
( ) nível médio completo
( ) nível superior incompleto
( ) nível superior completo
2. Como foi a tomada de decisão para recusar a doação dos órgãos e tecidos para transplante do seu familiar falecido?
3. Quais os motivos considerados para recusar a doação?
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ANEXO IV
QUADRO DE CARACTERIZAÇÃO DO SUJEITO DA PESQUISA
TEMPO DE PERDA DO
SUJEITO SEXO IDADE RELIGIÃO PROFISSÃO PARENTESCO ESCOLARIDADE FAMILIAR FALECIDO
Inspetor de Médio
I M 23 Evangélica qualidade Filho completo 3 meses
Superior II F 40 Espírita Desempregada Cônjuge incompleto 4 meses
Auxiliar de Fundamental III F 42 Católica limpeza Mãe incompleto 9 meses
Agente Fundamental IV M 60 Evangélica administrativo Irmão incompleto 3 meses
Fundamental V M 56 Católica Aposentado Pai completo 9 meses
Cristã Superior VI F 68 Evangélica Aposentado Cônjuge incompleto 2 meses
Médio VII F 38 Católica Cabeleireira Irmã incompleto 4 meses
Auxiliar de Superior
VIII F 36 Sem religião
definida enfermagem Cônjuge incompleto 2 meses