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UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP STHEFANY CAROLINE BEZERRA DA CRUZ-SILVA HISTÓRICO E USO DA BIODIVERSIDADE NA COMUNIDADE NEGRA RURAL QUILOMBOLA CHÁCARA DO BURITI, CAMPO GRANDE, MATO GROSSO DO SUL, BRASIL CAMPO GRANDE MS 2016

UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERPrepositorio.pgsskroton.com.br/bitstream/123456789/2971/1/4f92ee8e3... · the participation of blacks in the occupation of the State of Mato Grosso do

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UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP

STHEFANY CAROLINE BEZERRA DA CRUZ-SILVA

HISTÓRICO E USO DA BIODIVERSIDADE NA COMUNIDADE NEGRA

RURAL QUILOMBOLA CHÁCARA DO BURITI, CAMPO GRANDE, MATO

GROSSO DO SUL, BRASIL

CAMPO GRANDE – MS

2016

1

STHEFANY CAROLINE BEZERRA DA CRUZ-SILVA

Histórico e Uso da Biodiversidade na Comunidade Negra Rural

Quilombola Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil

Tese apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional da

Universidade Anhanguera-Uniderp, como

parte dos requisitos para a obtenção do

título de Doutora em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional.

Comitê de Orientação:

Profa. Dra. Rosemary Matias

Prof. Dr. Ademir Kleber Morbeck de

Oliveira

CAMPO GRANDE – MS

2016

2

3

4

AGRADECIMENTOS

A Deus que me iluminou e permitiu toda a minha caminhada.

Aos meus pais Joel Rodrigues da Cruz e Edna Bezerra da Cruz, fontes

da minha vida, formação e caráter, sem os quais não teria chegado até a

realização deste sonho, por sempre acreditarem em mim e não pouparem

esforços para a realização de todos os meus sonhos.

Aos meus irmãos, Guilherme Alexandre Bezerra da Cruz e Gyovanna

Giulia Bezerra da Cruz, importantes fontes de incentivo e companheirismo.

Ao Joanir Teodolino da Silva, pela paciência, amor, incentivo, dedicação,

paciência, carinho e principalmente pela cumplicidade de todos os momentos.

Aos avôs, avós, tios, tias, primos, primas, enfim todos os familiares, pelo

apoio, por acreditarem em mim e sempre colaborarem no possível, e fornecer

sempre momentos de felicidade e pura alegria na minha vida, que

recarregavam minhas energias nos momentos mais difíceis.

A equipe do laboratório de Hidroquímica/Produtos Naturais da

Universidade Anhanguera – Uniderp (Jéssica Muller, Bruna Andrade, Fernanda

Silva, Raquel Oliveira, Adriana, Suelen Gonçalves, José Pina, entre outros)

incluindo o Alci Corsino, fundamentais na conclusão deste e de outros estudos.

Em especial à Karen Santos. Karen, você é nosso porto seguro,

gerenciando e nos iluminando a cada análise neste Laboratório, meu muito

obrigada.

Ao Rafael Brugnolli Medeiros pela paciência e ajuda com os mapas.

Aos companheiros de turma do Doutorado em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional, e de outras turmas também, em especial ao grande

amigo Valtecir Fernandes.

Aos colegas de trabalho das: Coordenadoria de Políticas para a

Educação Básica e Coordenadoria de Políticas para a Educação Profissional,

que nos últimos dois anos têm acompanhado minha jornada e tem entendido e

cooperado comigo nas execuções das minhas “demandas”. Em especial, aos

superintendente e gestores: Waldir Leonel, Hélio Daher, Davi de Oliveira

Santos, Erika Costa, Joseley Ortiz, Gilson Rodrigues, Alessandra Ferreira

Beker Daher e Rosângela Pereira Alves de Lemos, que entenderam minhas

necessidades e mesmo assim me ofereceram oportunidades únicas de

5

crescimento profissional e pessoal, colocando-se à disposição no que foi

preciso.

Aos moradores da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do

Buriti, primeiramente por permitir que eu me sentisse parte dessa família e que

eu participasse dessa história; e por aceitar e colaborar com a minha pesquisa,

meus mais profundos agradecimentos.

Ao Prof. Dr. Sandino Hoff pela incalculável ajuda e orientação nos

encaminhamentos do primeiro artigo desta tese.

A CAPES e ao Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional pela bolsa de estudos nos dois primeiros anos do

curso, sem a qual não iniciaria a jornada que agora termino.

A todo o corpo docente e coordenação do Programa de Pós-Graduação

em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela oportunidade de realizar

mais este sonho.

Aos professores membros das bancas do exame de qualificação e

defesa da minha tese, pela colaboração e pelas riquíssimas sugestões.

Aos professores orientadores Dra. Rosemary Matias e Dr. Ademir Kleber

Morbeck de Oliveira, exemplos valorosos para toda a vida.

A todos os meus amigos, os de perto e os de longe, os antigos e os

novos, que sempre torceram e que continuam torcendo por mim.

E a todos que, direta ou indiretamente, me ajudaram na conquista de

mais essa etapa da minha vida.

6

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe, pai e

irmãos, pelo amor, paciência e incentivo

em todos os momentos da minha vida.

Ao Joanir, meu esposo, meu amor, por

todo o apoio, ajuda nos momentos

difíceis, dedicação, paciência e carinho.

Aos moradores da Comunidade Negra

Rural Quilombola Chácara do Buriti,

minha família também.

Aos professores, da graduação em

Ciências Biológicas, do Mestrado em

Produção e Gestão Agroindustrial e do

Doutorado em Meio Ambiente e

Desenvolvimento Regional, vocês me

inspiraram e me deram alicerces para

chegar aonde eu desejar.

Aos amigos e todos que moram no meu coração.

7

“Se consegui ver mais longe é porque

estava aos ombros de gigantes”.

(Isaac Newton)

“Existe uma história do povo negro sem o

Brasil. Mas não existe história do Brasil

sem o povo negro”.

(Januário Garcia)

“Se não houver frutos, valeu a beleza das

flores; se não houver flores, valeu a

sombra das folhas; se não houver folhas,

valeu a intenção da semente”.

(Henfil)

8

SUMÁRIO

1. Resumo Geral .............................................................................................. 10

2. General Summary ........................................................................................ 12

3. Introdução Geral ........................................................................................... 14

4. Revisão de Literatura ................................................................................... 17

4.1 Comunidades Tradicionais ...................................................................... 17

4.2 Kilombo, quilombos e comunidades remanescentes de quilombo .......... 23

4.3 Histórico da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti .... 28

4.4 Saberes e Conhecimentos Tradicionais .................................................. 30

4.5 Etnobotânica: a interface entre o Saber tradicional e a biodiversidade ... 33

4.6 Uso de Plantas Medicinais e Comunidades Tradicionais ........................ 34

5. Referências Bibliográficas ............................................................................ 36

6. Artigos .......................................................................................................... 46

Artigo I .............................................................................................................. 46

Negros e História de Ocupação de Mato Grosso Do Sul ................................. 46

Resumo ......................................................................................................... 46

Abstract ......................................................................................................... 46

Introdução ..................................................................................................... 47

Procedimentos Metodológicos ...................................................................... 48

Resultados e Discussão ................................................................................ 48

Considerações Finais .................................................................................... 66

Referências Bibliográficas ............................................................................. 67

Artigo II ............................................................................................................. 74

Análise Físico-ambiental e Multitemporal do território da Comunidade Negra

Rural Quilombola Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso do Sul,

Brasil ................................................................................................................ 74

Resumo ......................................................................................................... 74

Abstract ......................................................................................................... 74

Introdução ..................................................................................................... 75

Procedimentos Metodológicos ...................................................................... 76

Resultados e Discussão ................................................................................ 78

Considerações Finais .................................................................................... 94

Referências Bibliográficas ............................................................................. 94

9

Artigo III ............................................................................................................ 99

Caracterização socioeconômica da Comunidade Negra Rural Quilombola

Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso do Sul .................................. 99

Resumo ......................................................................................................... 99

Abstract ......................................................................................................... 99

Introdução ................................................................................................... 100

Procedimentos Metodológicos .................................................................... 102

Resultados e Discussão .............................................................................. 104

Conssiderações Finais ................................................................................ 113

Referências Bibliográficas ........................................................................... 113

Artigo IV ......................................................................................................... 117

Uso da biodiversidade vegetal na Comunidade Negra Rural Quilombola

Chácara do Buriti (Campo Grande – MS) ...................................................... 117

Resumo ....................................................................................................... 117

Abstract ....................................................................................................... 118

Introdução ................................................................................................... 119

Procedimentos Metodológicos .................................................................... 121

Resultados e Discussão .............................................................................. 124

Considerações Finais .................................................................................. 144

Referências Bibliográficas ........................................................................... 144

7. Conclusão Geral ......................................................................................... 152

APÊNDICE A .................................................................................................. 155

10

1. Resumo Geral

A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti foi reconhecida em

2005 e é a única de Campo Grande-MS localizada em área rural, com isto

vários benefícios governamentais contemplaram a Comunidade, os quais

podem ter influenciado o saber tradicional dessa população. Assim o objetivo

deste estudo é delinear a participação dos negros na ocupação do Estado de

Mato Grosso do Sul, realizar uma análise multitemporal do uso e ocupação do

seu território, caracterizar a situação socioeconômica e os saberes populares

dos integrantes da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, na

utilização das plantas na atenção primária à saúde, o que contempla a linha de

pesquisa Sociedade, Ambiente e Desenvolvimento Regional Sustentável. O

trabalho foi dividido em quatro artigos e a metodologia se concentrou em fontes

secundárias, especializadas na ocupação daregião e em relações históricas

dos negros nesta área. As imagens dos satélites GeoEye-1 e LANDSAT foram

ferramentas empregadas para levantar o processo de expansão territorial e

ocupação do solo; além da utilização de questionários sobre a situação

socioeconômica dos informantes e o uso de plantas para fins terapêuticos. O

Artigo 1 relata a utilização de escravos na exploração das minas e como

serviçais ou trabalhadores braçais nas fazendas ou nas vilas da época, sendo

os progenitores demestiços ou mulatos em toda região, ademais, após a

abolição ocorreu a migração de famílias negras que se instalaram em terras

sul-mato-grossensses, participando do seu desenvolvimento. Esses fatores

originaram 22 comunidades remanescentes de quilombo, dentre elas a

Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti. O Artigo 2 descreve a

evolução da relação da Comunidade com seu entorno, no período de 1985 –

2015, constatando-se que a região do córrego Buriti não possui vegetação

densa e está contaminado, havendo acréscimo das áreas com solo exposto,

áreas de lavoura e urbanizadas, além da retração da cobertura vegetal. Artigo

3 descreve sobre a caracterização socioeconômica da Comunidade, verifica-se

que a idade dos entrevistados está entre 18 e 91 anos, prevalecendo o sexo

feminino (71%), com ensino Fundamental Incompleto (45%) e 79% são

residentes na Comunidade desde que nasceram, sendo descendentes diretos

do fundador. Os homens são os responsáveis pela renda familiar em 68,42%

das residências participantes e a atividade produtiva de 60% dos entrevistados

11

está associada à agricultura familiar, com renda de até 1 salário mínimo

(88,6%). No artigo 4, é possível observar que a Comunidade possui um

conhecimento da biodiversidade de seu território com 89,5% dos entrevistados

fazendo uso de plantas medicinais, sendo 80 espécies citadas, a maioria

nativas, sendo que das que alcançaram os maiores VU (Valor de Uso) e IR

(Importância Relativa) (9) e nativas do Cerrado estão carqueja e jatobá.

Verifica-se com isso que as relações econômicas e sociais da trajetória

histórica da Comunidade Chácara do Buriti refletiram no uso dos recursos

naturais de seu território, contudo é necessário resgatar e fortalecer esse

saber.

Palavras-chave: Comunidades Tradicionais, Remanescentes de Quilombo,

Conhecimento tradicional, Uso e Ocupação do solo, Agricultura Familiar,

Etnobotânica.

12

2. General Summary

The Rural Black Quilombo Community Chácara do Buriti was recognized in

2005 and is the only of Campo Grande-MS located in a rural area, thus various

government benefits contemplated the Community, which may have influenced

the traditional knowledge of this population. So the aim of this study is to outline

the participation of blacks in the occupation of the State of Mato Grosso do Sul,

perform a multi-temporal analysis of the use and occupation of its territory, to

characterize the socioeconomic status and the popular knowledge of the

members of the Rural Black Community Quilombola Chacara do Buriti, in the

use of plants in primary health care, which includes the line Society research,

Environment and Sustainable Regional Development. The work was divided

into four articles and the methodology focused on secondary sources,

specialized in the occupation of the area and historical relations of black people

in this area. The images of GeoEye-1 and Landsat satellites were tools used to

raise the process of territorial expansion and occupation; besides the use of

questionnaires on the socioeconomic situation of the informants and the use of

plants for therapeutic purposes. The article 1 describes the use of slaves in the

exploitation of mines and as servants or laborers on farms or in villages of the

time, being the progenitors of mestizos and mulattos throughout the region, in

addition, after the abolition occurred migration of black families They settled in

south-mato-grossensses land, participating in its development. These factors

gave 22 remaining communities of quilombos, among them Rural Black

Quilombo Community Chácara do Buriti. Article 2 describes the evolution of the

relationship of the Community with its surroundings, in the period 1985 - 2015 to

noting that the Buriti Stream region does not have dense vegetation and is

contaminated, with increase in areas with exposed soil, crop areas and

urbanized, plus the retraction of vegetation. Article 3 describes on the

socioeconomic characteristics of the Community, it appears that the age of

respondents is between 18 and 91 years, whichever is female (71%), with

elementary school incomplete (45%) and 79% are resident in the Community

from born, being direct descendants of the founder. Men are responsible for

family income in 68.42% of the participating households and the productive

activity of 60% of respondents are associated with family farming, with up to 1

minimum wage (88.6%). In Article 4, it is observed that the Community has a

13

knowledge of the biodiversity of its territory with 89.5% of respondents making

use of medicinal plants, 80 species mentioned, the native majority, and of which

reached the highest VU (Value of Use) and IR (Relative Importance) (9) and

native Cerrado are gorse and jatoba. There is thus that economic and social

relations of the historical trajectory of Chacara do Buriti Community reflected in

the use of natural resources in their territory, but it is necessary to rescue and

strengthen this knowledge

Keywords: Traditional communities, Remnant Quilombo, Traditional

Knowledge, Use and Land cover, Family Agriculture, Ethnobotany.

14

3. Introdução Geral

A história político-geográfica e cultural do Brasil é marcada

profundamente pelo uso de mão-de-obra escrava durante o período colonial e

o império (1530-1888). Em seu auge, esse sistema chegou a importar milhares

de escravos, chegando à quantia provável de 4 milhões de indivíduos, tornando

o Brasil, segundo ANJOS (2014), a segunda maior nação com

afrodescendentes do mundo. No Brasil, os negros escravizados foram

utilizados no trabalho braçal das atividades desenvolvidas pela economia

colonial e imperialista, tais como lavoura de cana-de-açúcar e café e

mineração, além do tráfico negreiro que foi muito rentável. Esse sistema

incluía, recebendo até anuência de parte religiosa, humilhação, castigos físicos

e punições para os negros; em consequência disso houve em todas as

colônias da América movimentos de resistência (FUNARI, 1996;

ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006). Entre os atos de resistência estava

a fuga, individual ou em grupos, para se juntar ou não a agrupamentos nos

sertões. Formavam-se então, o que foi chamado à época de “quilombo” (REIS

e GOMES, 1996; SCHMITT et al., 2002).

Paralelamente, ocorria a colonização e desenvolvimento de capitanias

no interior do Brasil através de expedições, que continham escravos, sendo os

territórios goiano e mato-grossense explorados a partir do século XVII. A

história da ocupação e colonização de Mato Grosso uno conta com uma

grande heterogeneidade sociocultural com contribuições indígenas (habitantes)

e de negros e brancos (migrantes) sendo ligada a três categorias

fundamentais: caminhos, comida e miscigenação populacional (SANTOS,

2010).

Participando do desbravamento da Província de Mato Grosso, muitos

escravos perceberam que a localização geográfica era uma oportunidade para

sucesso nas fugas. Aliando-se aos indígenas, procederam fugas chegando a

ultrapassarem o limite territorial português e adentrar em território espanhol e

terras bolivianas. Surgiram então, entre os séculos XVIII e XIX, muitos

quilombos no Mato Grosso como, por exemplo, Quilombo do Quariterê,

Sepotuba e Rio Manso (TERRA, 2011).

O surgimento e fortalecimento desses grupos (quilombos) foi

considerado uma ameaça à segurança pública, o que resultou em um grande

15

esforço para sua dissolução até a ocorrência da abolição, em 1888 (SOUZA,

1996; SILVA e SILVA, 2015).Os negros escravos que, quando da abolição em

1888, se encontravam nas fazendas, a maioria nelas permaneceram,

realizando as atividades das fazendas de gado e plantações, mas a partir

desse momento trabalhavam em troca de algum tipo de remuneração, como:

carne, aguardente, roupas e utensílios ou de pequenos salários (ALMEIDA,

2011).

Com a abolição ocorreu à transformação do quilombo de local de refúgio

pela luta de sobrevivência para o local em que seus moradores eram

considerados camponeses “pobres” e excluídos socialmente, condição que se

perpetuou aos ex-escravos e seus descendentes (LINDOSO, 2007).O negro,

agora ex-escravo e livre, se viu sem direito a terra onde estava, diante dessa

situação, muitos resolveram migrar para os ainda remanescentes sertões do

Brasil, chegando, ao fim do século XIX, grupos de Minas Gerais e Goiás na

região, onde hoje é localizado o Mato Grosso do Sul.

Como resultado dessa permanência e migração, o Brasil tem atualmente

2849 comunidades quilombolas, presentes em quase todos os Estados, sendo

que no Mato Grosso do Sul são encontradas 22 comunidades quilombolas ou

comunidades remanescentes de quilombo (FCP, 2016). Muitas dessas

comunidades tradicionais possuem uma relação íntima com a biodiversidade

que compõe o seu território e um reflexo disso é a utilização de plantas para

fins terapêuticos. Esse saber foi construído historicamente no Brasil através da

junção do repasse do sistema de classificação botânico africano e a inserção

de espécies nativas brasileiras em seu saber tradicional (ALMEIDA, 2011b).

Especificamente no município de Campo Grande, capital de Mato

Grosso do Sul, em área urbana, estão localizadas duas comunidades

remanescentes de quilombo: Comunidade Negra São João Batista e

Comunidade Eva Maria de Jesus - Tia Eva (Vila São Benedito), outrossim, em

área rural, a 18 km ao sul do limite urbano da cidade, está a Comunidade

Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti. O processo de reconhecimento

desta teve início em 2005 e foi finalizado em 2012, com o recebimento do título

definitivo de posse da terra (FCP, 2016).

Os registros do conhecimento tradicional das comunidades quilombolas

no Brasil ainda são escassos. Em se tratando da Comunidade Negra Rural

16

Quilombola Chácara do Buriti, por estar em área rural e, consequentemente,

distante do atendimento básico de saúde, o uso de espécies vegetais para o

tratamento de doenças é a primeira opção desta população, devido também a

sua crença na eficiência, sendo uma tradição da cultura local (GUERRA et al.,

2010). Em comunidades tradicionais, o uso de plantas medicinais está ligado

ao fazer, a uma vivência, a uma interferência no ambiente em que a

comunidade ocupa (DIEGUES et al., 2001).

Segundo SCHARDONG e CERVI (2000), a maior homogeneidade

cultural, preservação das tradições e uso dos recursos naturais em uma

comunidade tradicional possui relação com sua localização em área rural e

com sistema de produção baseado na prática da agricultura familiar. A

Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti ao explorar os recursos

naturais de seu território desde sua implantação na década de 1930 e ao

contemplar esses fatores, se faz alvo desta pesquisa.

Assim, o objetivo geral deste estudo foi diagnosticar as relações

histórico-sociais, territoriaise douso da biodiversidade pela Comunidade Negra

Rural Quilombola Chácara do Buriti, localizada em Campo Grande, Mato

Grosso do Sul. Como objetivos específicos foram:

● Delinear a participação dos negros na ocupação do sul do Estado de Mato

Grosso (hoje Mato Grosso do Sul);

● Avaliar o uso e ocupação do solo, assim como a qualidade dos recursos

hídricos, para caracterizar o ambiente e determinar como está sendo utilizado

e determinar qualidade para utilização pela comunidade e adequação as

legislações;

● Diagnosticar a situação socioeconômica da Comunidade Negra Rural

Quilombola Chácara do Buriti;

● Identificar espécies utilizadas pelos moradores locais, a fim de conhecer

suas formas de uso, modo de preparo, partes utilizadas e formas de difusão

dos conhecimentos relativos ao uso destas plantas e como acontece o

repasse desse conhecimento.

17

4. Revisão de Literatura

4.1 Comunidades Tradicionais

O termo Comunidade tem como significado: “um agrupamento de

pessoas que vivem dentro de uma mesma área geográfica (rural ou urbano),

cujos membros têm alguma atividade, interesse, objetivo ou função em comum,

com ou sem consciência de pertencimento, e de forma plural, com múltiplas

concepções ideológicas, culturais, religiosas, étnicas e econômicas”

(PEREIRA, 2001). Diante dessa definição que embarca pessoas, território e

herança cultural e histórica, surge o termo Comunidades ou Populações

Tradicionais.

Em fevereiro de 2007, ao instituir a Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais

(PNPCT), o Decreto n. 6.040 compreendeu como Povos e Comunidades

Tradicionais:

“aqueles grupos culturalmente diferenciados e que se

reconhecem como tais, que possuem formas próprias de

organização social, que ocupam e usam territórios e

recursos naturais como condição para sua reprodução

cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando

conhecimentos, inovações e práticas gerados e

transmitidos pela tradição” (BRASIL, 2007).

Segundo SANTILLI (2011), em discussões para a instituição do Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), antropólogos

definiram Comunidades Tradicionais como:

“populações que vivem em estreita relação com o ambiente

natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua

reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo

impacto ambiental”

Sendo consideradas comunidades tradicionais, portanto, além das

indígenas, as comunidades extrativistas, comunidades de pescadores,

18

comunidades remanescentes de quilombos, entre outras.Essas populações

e/ou comunidades tiveram a capacidade de desenvolver formas únicas de

manejar os recursos naturais disponíveis em seu território, em primícias não

visando o lucro mas sim ao repasse cultural e social. Associada a isso,

desenvolveram também “percepções e representações em relação ao mundo

natural” que são marcadas por estarem associadas à natureza e a

dependência de seus ciclos (GRZEBIELUKA, 2012).

Em 2004, através do Decreto de 27 de dezembro de 2004 (modificado

pelo Decreto de 13 de julho de 2006), foi criada a Comissão Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais

(CNPCT). É a CNPCT que coordena e acompanha a implementação da

Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades

Tradicionais (PNPCT), instituída pelo Decreto nº 6.040/07, além de propor os

princípios e diretrizes para políticas relevantes ao desenvolvimento sustentável

dos povos e comunidades tradicionais no âmbito do Governo Federal. Para

monitorar ações voltadas ao alcance dos objetivos específicos dessa política

pública, a CNPCT criou instâncias: Câmaras Técnicas Permanentes de

Infraestrutura, Fomento e Produção Sustentável, Inclusão Social e Acesso aos

Territórios e aos Recursos Naturais (BRASIL, 2015).

A Comissão é composta por 15 representantes de órgãos e entidades da

Administração Pública e Federal e 15 de organizações da Sociedade Civil, que

representam diversos segmentos de povos e comunidades tradicionais; e tem a

missão de pactuar pelo fortalecimento social, econômico, cultural e ambiental

dos povos e comunidades tradicionais (BRASIL, 2015; PORTAL YPADÊ,

2015).

Os objetivos da CNPCT são (PORTAL YPADÊ, 2015):

“I – Coordenar a elaboração e acompanhar a

implementação da Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais;

II – Propor princípios e diretrizes para políticas relevantes

para o desenvolvimento sustentável dos povos e

comunidades tradicionais no âmbito do Governo Federal,

19

observadas as competências dos órgãos e entidades

envolvidos;

III – Propor as ações necessárias para a articulação,

execução e consolidação de políticas relevantes para o

desenvolvimento sustentável de povos e comunidades

tradicionais, estimulando a descentralização da execução

destas ações e a participação da sociedade civil, com

especial atenção ao atendimento das situações que exijam

providências especiais ou de caráter emergencial;

IV – Propor medidas para a implementação,

acompanhamento e avaliação de políticas relevantes para

o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades

tradicionais;

V – Identificar a necessidade e propor a criação ou

modificação de instrumentos necessários à implementação

de políticas relevantes para o desenvolvimento sustentável

dos povos e comunidades tradicionais;

VI – Criar e coordenar câmaras técnicas ou grupos de

trabalho compostos por convidados e membros integrantes,

com a finalidade de promover a discussão e a articulação

em temas relevantes para a implementação dos princípios

e diretrizes da Política Nacional de que trata o inciso I,

observadas as competências de outros colegiados

instituídos no âmbito do Governo Federal;

VII – Identificar, propor e estimular ações de capacitação

de recursos humanos, fortalecimento institucional e

sensibilização, voltadas tanto para o poder público quanto

para a sociedade civil visando o desenvolvimento

sustentável dos povos e comunidades tradicionais; e

VIII – Promover, em articulação com órgãos, entidades e

colegiados envolvidos, debates públicos sobre os temas

relacionados à formulação e execução de políticas voltadas

para o desenvolvimento sustentável dos povos e

comunidades tradicionais.”

20

A garantia dos direitos das comunidades tradicionais, está resguardado

por legislações específicas (Quadro 1). A primeira legislação brasileira a tratar

de comunidades tradicionais é o Decreto nº 2519/98, que promulga a

Convenção da Diversidade Biológica e a mais recente é Decreto nº 7747/2012

que Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras

Indígenas (PNGATI).

Quadro 1. Legislações (Decretos e Instruções Normativas) que atuam sobre

Povos e Comunidades Tradicionais no Brasil

Decretos Ação

Decreto nº 2519/1998:

Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica

(CDB), que traz em seu artigo 8º, elementos

relacionados ao acesso ao conhecimento tradicional

e repartição de benefícios.

Decreto nº 143/2002 Aprova o texto da Convenção nº 169 da

Organização Internacional do Trabalho sobre os

povos indígenas e tribais em países independentes

Decreto nº 4.887/ 2003 Regulamenta o procedimento para identificação,

reconhecimento, delimitação, demarcação e

titulação das terras ocupadas por remanescentes

das comunidades dos quilombos de que trata o art.

68 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias.

Decreto Legislativo nº

5.051/2004

Promulga a Convenção nº 169 da Organização

Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos

Indígenas e Tribais.

Decreto nº 6.040/2007 Institui a Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável dos Povos e Comunidades

Tradicionais.

Decreto nº 6.261/2007 Dispõe sobre a gestão integrada para o

desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no

âmbito do Programa Brasil Quilombola, e dá outras

providências.

21

Instrução Normativa nº

02/2007 (ICMBio)

Disciplina as diretrizes, normas e procedimentos

para a formação e funcionamento do Conselho

Deliberativo de Reserva Extrativista e de Reserva

de Desenvolvimento Sustentável.

Instrução Normativa nº

04/2008 (ICMBio)

Disciplina os procedimentos para a autorização de

pesquisas em Unidades de Conservação Federais

das categorias Reserva Extrativista (Resex) e

Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS)

que envolvam acesso ao patrimônio genético ou ao

conhecimento tradicional associado.

Instrução Normativa nº

49/2008

Decretada pelo MDA, regulamenta o procedimento

para identificação, reconhecimento, delimitação,

demarcação, desintrusão, titulação e registro das

terras ocupadas por remanescentes.

Decreto nº 7747/2012 Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e

Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI)

Fonte: Elaborado pela autora.

As Comunidades Tradicionais (CT) brasileiras podem ser em todo

território nacional, atualmente são divididas em trinta segmentos com

características específicas sociais, culturais, econômicas e critério de auto

definição (PORTAL YPADÊ, 2015b).

Quadro 2. Comunidades Tradicionais encontradas nas Regiões do Território

Brasileiro

Comunidades Tradicionais Regiões

Comunidades quilombolas Centro-Oeste

Norte

Nordeste

Sul e

Sudeste

Extrativistas

Fundo e fecho de pasto

Geraizeiros

Pescadoras e pescadores artesanais

Povos e comunidades de terreiro

22

Povos indígenas

Povos Ciganos

Continuação da tabela 2...

Comunidade Endêmicas

Catadoras de mangaba Nordeste

Povos do Cerrado

Povos morroquianos Centro-Oeste

Apanhadores de flores sempre-vivas

Sudeste Caboclos

Vazanteiros

Veredeiros

Caatingueiros

Sul Cipozeiros

Ilhéus do Paraná

Caiçaras Centro-Oeste, Sudeste

Quebradeiras de coco babaçu Norte, Nordeste

Faxinalenses Norte, Centro-Oeste, Sul e

Sudeste Raizeiras

Pomeranos

Pantaneiros

Andiobeiras Norte, Centro-Oeste

Seringueiros

Retireiros do Araguai

Ribeirinhos Norte, Nordeste,

Centro-Oeste

Fonte: Adaptado das Cartas Abertas - Povos e Comunidades Tradicionais das

Regiões do Norte - Incluindo o Estado do Maranhão, Nordeste, Centro-Oeste,

Sudeste e Sul (PORTAL YPADÊ, 2015c) e Ministério do Meio Ambiente

(BRASIL, 2014).

23

Os povos e comunidades tradicionais possuem uma íntima relação com

a biodiversidade e os recursos do seu território, utilizando-os para manter e

reproduzir sua identidade, conhecimentos e práticas transmitidos

tradicionalmente (BRASIL, 2007). Essa relação resultou da evolução mútua

entre essas comunidades e seus territórios, refletindo na conservação tanto da

comunidade, quanto do seu ambiente natural (DIEGUES et al., 2001).

A interação com a natureza, seus recursos, a apropriação do seu

território, o repasse dessa cultura de geração em geração resulta na

construção de um saber próprio e único de cada Comunidade Tradicional que

pode ser denominado como Cultura ou Saber Tradicional (TERRA e DORSA,

2011). Para DIEGUES et al. (2001), esse conhecimento tradicional pode ser

definido como “o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo

natural, sobrenatural, transmitido oralmente de geração em geração”.

4.2 Kilombo, quilombos e comunidades remanescentes de quilombo

Entre os 30 segmentos de povos e comunidades tradicionais

catalogados pela CNPCT, destacam-se as Comunidades Remanescentes de

Quilombo, que estão historicamente ligadas aos antigos agrupamentos

conhecidos como Quilombos, sendo seus moradores conhecidos como

quilombolas.

A palavra quilombo é um aportuguesamento do termo kilombo, uma

expressão pertencente à família linguística das línguas Bantu, que são um

conjunto de cerca de 400 grupos étnicos diferentes existentes na África e se

espalham pelos territórios de Camarões até à África do Sul e ao Oceano Índico,

esses grupos apresentarem costumes comuns (MILLER et al., 1976 apud

MUNANGA, 1996).

A significação da expressão kilombo para os povos bantu é ligada a uma

lenda envolvendo diversos povos e regiões entre o Zaire e a Angola, que

remete a grupos guerreiros com uma estrutura firme capaz de reunir grande

número de estranhos desvinculados de suas linhagens, vencidas, e uma

disciplina militar capaz de derrotar os grandes reinos que bloqueavam sua

progressão ao norte e ao oeste de Kwanza” (MILLER et al., 1976 apud

MUNANGA, 1996).

Para o antropólogo Kabengele Munanga (MUNANGA, 1996):

24

“o quilombo amadurecido é uma instituição transcultural

que recebeu contribuições de diversas culturas: lunda,

imbangala, mbundu, kongo, wovimbundu, etc. Os

ovimbundu contribuíram com a estrutura centralizada de

seus campos de iniciação, campos esses que ainda se

encontram hoje entre os mbundu e cokwe de Angola

central e ocidental”.

Portanto na etimologia bantu, a palavra kilombo significa “acampamento

guerreiro na floresta”, como também um:

“lugar afastado da vida societária, lugar secreto em que

homens se reúnem para estabelecer seus ritos de iniciação

e de preparação para enfrentar os inimigos [...] uma

associação de homens, aberta a todos sem distinção de

filiação a qualquer linhagem, na qual os membros eram

submetidos a dramáticos rituais de iniciação que os

retiravam do âmbito protetor de suas linhagens e os

integravam como guerreiros num regimento de super-

homens invulneráveis às armas de inimigos” (LEITE, 2008).

O significado da denominação “quilombo” no Brasil foi se desenvolvendo

como um dos resultados do desbravamento e colonização do território

brasileiro. O elevado tráfico de africanos entre os séculos XVI e XIX, que pode

ter alcançado o número de quatro milhões de indivíduos fez com que o Brasil

seja a segunda maior nação com afrodescendentes (ANJOS, 2014).A mão-de-

obra escravizada foi empregada em inúmeras atividades, sejam elas de

construções ou serviços, sendo esse trabalho sempre acompanhado por

humilhação, subjugação, castigos físicos e punições; porém, apesar, ou por

causa deles, a resistência ao sistema se apresentou latente nas colônias da

América (FUNARI, 1996; ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006).

Para REIS e GOMES (1996), a resistência se apresentou de várias

formas: “o escravo negociava espaços de autonomia com os senhores ou fazia

25

corpo mole no trabalho, quebrava ferramentas, incendiava plantação, agredia

senhores e feitores, rebelava-se individualou coletivamente”. Entre essas

formas, a fuga e formação de grupos de escravos fugidos forama mais típica,

podendo ser individual ou em grupo, nos quilombos os fugitivos buscavam

nova vida longe da opressão e da violência de seus “donos” (REIS e GOMES,

1996).

Já em meados de 1740 o reconhecimento da importância desses

agrupamentos é percebido quando da correspondência entre o então Conselho

Ultramarino com o rei de Portugal, na qual definiu quilombo como “toda

habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada,

ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”, tendo

como característica unicamente sua existência como “locais de resistência e de

isolamento da população negra” (SCHMITT et al., 2002). Em 1757, foram

denominados quilombos o agrupamento que fosse constituído por mais de seis

escravos arranchados e fortificados com vistas a se defenderem (VAINFAS,

2000). Essas características atribuídas ainda no Brasil Colônia, influenciaram

além de leis, relatórios, atos e decretos quando da referência a esses

agrupamentos onde se encontrava a insurreição ao sistema escravista como

também as reações em prol da abolição (LEITE, 2008).

Cabe ressaltar que essas características, resistência e isolamento, não

são cristalinas e definitivas para todas os quilombos formados, podendo ser

exemplo disso o caso de um quilombo no Maranhão denominado Frechal, que

tinha localização a cem metros da casa grande, ou ainda relatos de quilombos

dentro da própria senzala. Esses quilombos apresentavam formas de produção

autônoma principalmente quando do declínio de ciclos econômicos, fossem

agrícolas ou de mineração. Assim, esse termo pode ser reinterpretado,

definindo quilombo como qualquer situação:

“onde há autonomia, existe onde há uma produção

autônoma que não passa pelo grande proprietário ou pelo

senhor de escravos como mediador efetivo, embora

simbolicamente tal mediação possa ser estrategicamente

mantida numa reapropriação do mito do bom senhor, tal

26

como se detecta hoje em algumas situações de

aforamento” (ALMEIDA, 2011b).

A presença e o fortalecimento de quilombos eram tidos como um perigo

a segurança pública, uma vez que esses grupos eram responsabilizados por

qualquer tipo de assalto, roubo, invasões, desonras, entre outras questões,

levando as autoridades da época ao esforço épico no combate e destruição

desses agrupamentos rebeldes (SOUZA, 1996).Com a intensa perseguição,

muitos quilombos foram destruídos, como o maior: quilombo de Palmares, mas

muitos resistiram, chegando a alcançar a “libertação dos escravos”,

permanecendo em seus locais residentes independente da abolição,

perpetuando sua posição à margem da sociedade, criando novas formas de

resistência e luta (SILVA e SILVA, 2015).

A liberdade por alforria ou decorrente da abolição não mudou

drasticamente a situação social e política dos negros e muito mais dos

quilombolas, uma vez que não garantiu a essa, agora, parte da população

brasileira acesso à escola, terra e nem empregos; muitos livres inclusive

retornaram para os locais aonde eram escravos em troca de uma oportunidade

de trabalho mal remunerado, sendo possível encontras após várias décadas

descendentes daqueles que foram escravizados no mesma fazenda, sendo

que estes não apresentavam significativa melhora em relação aos seus

antepassados escravizados, o que só reforçou a exclusão, foi abolição não

resultou na igualdade efetiva, e sim uma igualdade determinada por lei que não

ocorria na prática do cotidiano (CARVALHO, 2003).

Os grupos que, apesar da falta de políticas fundiárias e muitas vezes em

confronto com essas políticas públicas, permaneceram nos locais dos antigos

quilombos ou que em posse de sua liberdade partiram em busca de terras

desabitadas na busca por novos meios e formas de vida, fizeram surgir as

Comunidades Remanescentes de Quilombo.

Essas comunidades se estabeleceram sob uma variedade de processos,

tais como ocupação de terras livres e isoladas, ou apropriação de terras como

resultado de heranças, doações ou pagamento de serviços ao Estado, assim

como a compra dessas terras (SCHMITT et al., 2002). Nesses territórios, ao

longo da sua peculiar trajetória histórica ocorreram experiências de luta e

27

resistências de mais diversas formas, no enfrentamento do desafio de se

conservar física e culturalmente (SILVA e SILVA, 2015).

Mesmo com lutas anteriores com o objetivo de assegurar a posse das

terras ocupadas historicamente por seus antepassados quilombolas ou

escravos libertos, o marco legal dessa luta foi à promulgação da Constituição

Brasileira de 1988. O art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias da Constituição Brasileira estabeleceu que “aos remanescentes

das comunidades de quilombo que estejam ocupando suas terras é

reconhecida à propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe títulos

respectivos”.

Com o objetivo de fomentar os direitos e avalorização dos negros, foi

criada a Fundação Cultural Palmares - FCP, vinculada ao Ministério da Cultura,

instituída a partir da Lei nº. 7668, tendo como “finalidade de promover a

preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da

influência negra na formação da sociedade brasileira”.

A Lei n. 9.649/98 (com a redação dada pela Medida Provisória nº

2.123/28) em seu art.14 determina que cabe ao Ministério da Cultura “aprovar a

delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos,

bem como, determinar as suas demarcações, que serão homologadas

mediante decreto. ”

Em 20 de novembro de 2003 foi regulamentado o Decreto nº 4887, que

regulamenta “o processo para identificação, reconhecimento, delimitação,

demarcação e obtenção de títulos dos territórios onde residiam/residem às

comunidades remanescentes de quilombos”, o decreto inclusive define as

competências dos órgãos envolvidos na implementação dessas políticas.

De acordo com o artigo 2º do Decreto 4.887/2003: “Consideram-se

remanescentes das comunidades dos quilombos, [...], os grupos étnico-raciais,

segundo critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de

relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra

relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. ” O Decreto

determina que o processo de busca pela demarcação e titularização das terras

é feito junto ao INCRA – Instituto de Colonização e Reforma Agrária, órgão

responsável pela titulação das terras quilombolas. Em atenção a isso em 24 de

março de 2004, o INCRA publicou a Instrução Normativa nº16, que em seu

28

artigo 7º determina que a “caracterização dos remanescentes das

comunidades quilombolas será atestada mediante a auto definição da

comunidade” e em seu parágrafo 1º determina que a “auto definição será

demonstrada através de simples declaração escrita da comunidade interessada

ou beneficiária com dados de ancestralidade negra, trajetória histórica,

resistência à opressão, culto e costumes”.

Essas comunidades tradicionais, doravante chamadas de Comunidades

Remanescentes de Quilombo, possuem um elevado saber tradicional

resultante de sua trajetória histórica e convívio quanto Quilombo com diversas

culturas, uma vez que o mesmo não era formado apenas por africanos ou

quilombolas, mas também por indígenas, mestiços e “brancos”; portanto essa

convivência influenciou na construção de tradições culturais ou saberes

tradicionais complexos e únicos (DIEGUES, 2000; TERRA e DORSA, 2011).

4.3 Histórico da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti

A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti localiza-se a

18 quilômetros ao sul do limite urbano de Campo Grande, capital de Mato

Grosso do Sul, onde viviam 27 famílias (MAZZARO et al., 2011). A história

desta Comunidade está intimamente ligada a Comunidade Urbana Eva Maria

de Jesus Tia Eva (Vila São Benedito), podendo esta ser considerada uma

comunidade-irmã da Chácara do Buriti.A fundadora da Comunidade Urbana

Eva Maria de Jesus Tia Eva (Vila São Benedito), foi a ex-escrava Eva Maria de

Jesus Vida, que ficou conhecida como Tia Eva. Nascida aproximadamente em

1850 em Jataí, atual Goiás, cresceu em fazenda de Engenho, tornando-se livre

com a Lei Áurea em 1888. Ainda escrava tinha o sonho de adquirir terras no

sertão de Mato Grosso, de onde vinham notícias de terras sem donos.

Em 1904, Tia Eva formou comitiva junto a seu companheiro Adão e as

três filhas ex-escravas, (INCRA, 2007) e nesta comitiva, também havia outro

grupo de ex-escravos, estes vindos de Uberaba-MG também com destino a

Mato Grosso (MATOS, 2004).A comitiva formada pelos vários grupos de ex-

escravos, chegou no sertão mato-grossense em 1905, após passarem pela

região onde atualmente se encontram os municípios de Coxim e Camapuã, se

estabeleceram na Vila de Santo Antônio de Campo Grande (atual município de

Campo Grande). A comitiva de instalou em local ainda distante do centro da

29

Vila, uma área de mata rente ao córrego Segredo, local chamado de Olho

D’água, nesse local habitavam a época já alguns ex-escravos da Vila de Santo

Antônio (SANTOS, 2010).

Uma das filhas de Tia Eva, Sebastiana Maria de Jesus, após se casar

com Jerônimo Vida da Silva, em 1920 foi morar e trabalhar na fazenda “Buriti

Escuro”,onde tiveram ao todo contaram nove, entre eles João Antônio da Silva,

conhecido como João “Vida”, que se casou com Maria Theodolina de Jesus.

Algum tempo após se casarem o casal adquiriu uma área de 43 ha, onde se

localiza atualmente a Comunidade (MAZZARO et al., 2012). A comunidade

obteve registro pela Fundação Cultural Palmares e publicação no Diário Oficial

da União no dia 19/05/2005.

Inicialmente, a comunidade praticava agricultura de subsistência e

pecuária, até a década de 1950. Após este período, por 30 anos se dedicaram

a olaria. Com as mudanças da lei de impostos e a taxação da produção, além

do fato dos mais jovens não se interessarem pela atividade, já que as

máquinas eram primárias e o serviço em sua maioria era braçal e de muito

esforço, esta atividade foi extinta (INCRA, 2007).

Após este período, a fonte de renda da comunidade passou por uma

etapa de transição e os homens foram trabalhar em propriedades rurais

próximas a comunidade e algumas mulheres, com atividade doméstica. Em

2010 (FOSCACHES et al., 2010), das 27 famílias, oito atuam na agricultura no

local na produção de hortaliças (alface, rúcula, cebolinha, rabanete, cenoura,

quiabo, abóbora beterraba, berinjela, repolho e couve) e os demais trabalham

como diaristas dentro e fora da propriedade.

Segundo TERRA (2011), em junho de 2011, a Comunidade apresenta

majoritariamente por homens (36%) seguidos por crianças (34%) e mulheres

(30%) e os domicílios atendem ao critério de parentesco comum, onde as

casas estão próximas ao núcleo familiar principal e a regra é a “matrilocalidade

temporária”1. A escolaridade dos moradores em sua maioria é de Ensino

1 Matrilocalidade temporária é quando homem sai da casa paterna e reside na

casa ou propriedade dos pais da mulher até ter condições de construir a sua

própria casa, e também os casos dos homens e mulheres “de fora” que vão

morar nas casas dos pais (TERRA e DORSA, 2012).

30

Fundamental I, Ensino Médio e Ensino Fundamental II, sendo que as maiores

escolaridades são encontradas nos mais jovens. Dentre os sintomas com maior

preocupação citados pelos moradores está a hipertensão e problemas de

visão.

MAZZARO et al. (2012) relatam que a produção agrícola da comunidade

é agroecológica, uma vez que os produtores não empregam agrotóxicos,

queimadas e desmatamentos. Os produtos resultantes dessa produção são

vendidos em 2011 em feiras livres da capital sul-mato-grossense. A venda

nessas feiras do excedente da produção de hortaliças para a região de Campo

Grande e Anhandui – MS e narrativas de seus ascendentes é uma forma, que

a comunidade procura para dar continuidade a sua história de descendência,

procurando preservar seus conhecimentos tradicionais (TERRA, 2011).

Mas em 2010, FOSCACHES et al. (2010), ao analisarem a

sustentabilidade do projeto PAIS (Produção Agroecológica Integrada e

Sustentável) na Comunidade já haviam percebido que ele não pode ser

considerado uma forma de sustentabilidade social da comunidade, já que nem

todas as famílias são adeptas a ele e que a renda gerada é insuficiente para a

redução das diferenças sociais.

Segundo MONTELES e PINHEIRO (2007), as comunidades tradicionais

têm seus hábitos estreitamente condicionados aos ciclos naturais e se baseiam

em valores, símbolos, crenças e mitos, além de experiência e racionalidade

para apreender a realidade e a natureza. Durante séculos, o conhecimento

sobre o uso dos recursos naturais foram se acumulando nestas populações,

que podem oferecer informações valiosas sobre essa utilização com fins

terapêuticos (AMOROZO e GÉLY, 1988). Como as comunidades geralmente

são isoladas e tem dificuldades em se beneficiar do atendimento público de

saúde, o uso de plantas disponíveis no local se torna o meio mais utilizado no

tratamento primário de doenças que acometem seus moradores (GUERRA et

al., 2010).

4.4 Saberes e Conhecimentos Tradicionais

Pode-se conceituar Saber “como a capacidade de possuir um

conhecimento e consciência de alguma coisa; é apreender o objeto; é captar os

fenômenos em suas diversas manifestações”, estabelecendo-se uma relação

31

entre o sujeito e o objeto, onde “o sujeito apreende as qualidades do objeto; e o

objeto com a sua passividade deixa-se conhecer, seja ele material, cultural ou

espiritual e humano” (BASÍLIO, 2006).Para LIMA (2006) o Saber Tradicional

resulta das experiências de vida de pessoas de um determinado lugar, da

relação dessas pessoas com o ambiente natural e social além da memória

coletiva de um grupo refletida nas relações entre os sujeitos e seus pares,

somados.

A construção do Saber Tradicional está intimamente ligada à trajetória

histórica e ao relacionamento da comunidade com a biodiversidade do seu

território, como afirma BORGES DA SILVA (2005):

“Os conhecimentos tradicionais nada mais são do que

criações da mente, ou melhor, do intelecto coletivo ou

cultural de um povo, provenientes do estreito

relacionamento que possuem com a biodiversidade. Tais

saberes têm uma aplicação prática extremamente visível,

como, por exemplo, na fabricação de remédios, xampus,

alimentos, adubos, inseticidas dentre outros.”

Segundo DIEGUESet al. (2001), o saber tradicional tem como

característica o conhecimento profundo da natureza e dependência dos seus

ciclos, conhecimento esse transmitido oralmente entre as gerações, resultado

da residência e ocupação do território por sequentes gerações, mesmo

havendo trânsito, e posterior retorno ao território, de alguns membros para

áreas urbanas.

As Comunidades Tradicionais, mantém grande estima cultural da

comunidade pela unidade familiar doméstica ou comunal e às relações de

parentesco ou de compadrio para o exercício das atividades econômicas,

sociais e culturais; que utilizam tecnologias relativamente simples com baixo

impacto ao meio ambiente, prevalecendo o trabalho artesanal, dominando o

núcleo familiar durante todo o processo até o produto final; limitado pelo poder

político e principalmente o auto reconhecimento de pertencer a uma cultura

diferenciada (DIEGUES et al., 2001).

32

Por estar relacionada à vivência dos indivíduos com seus pares e com o

meio ambiente de seu território, além de depender do repasse às novas

gerações e do interesse destes em manter essa cultura, os saberes tradicionais

não são estáticos, e isso faz com que ao longo do tempo a sua identidade vá

se fortalecendo e refazendo. Segundo CERTEAU (1998), esse conhecimento

se constrói e reconstrói diariamente, por intermédio de pessoas comuns, de

usos comuns, que ao decorrer de sua trajetória se tornam os construtores da

história de uma comunidade, ressaltando a importância do repasse desse

saber tradicional para todos da comunidade, potencializados e valorizados por

agentes externos (TERRA e DORSA, 2011).

É possível inferir que o conhecimento tradicional, ou cultura e saber

tradicional contribui para a manutenção da biodiversidade dos ecossistemas,

uma vez que em sua maioria são resultado de uma co-evolução entre as

comunidades e meio natural de seu território, permitindo a conservação do

equilíbrio. Afinal, a comunidade, quanto homem, modificou paisagens,

implantando sistemas agrícolas, domesticando e diversificando fauna e flora

(DIEGUES et al., 2001).

Sendo o conhecimento tradicional “o conjunto de saberes e saber-fazer

a respeito do mundo natural, sobrenatural, transmitido oralmente de geração

em geração”, os povos e comunidades tradicionais “não só convivem com a

biodiversidade, mas também nomeiam e classificam as espécies vivas segundo

suas próprias categorias e nomes”, visualizando-as como algo domesticável e

manipulável, além de “um conjunto de seres vivos que tem um valor de uso e

um valor simbólico, integrado numa complexa cosmologia”, surgindo assim o

conceito de etno-biodiversidade, como sendo “a riqueza da natureza da qual

participam os humanos, nomeando-a, classificando-a, domesticando-a, mas de

nenhuma maneira selvagem e intocada” (DIEGUES et al., 2001).

No entanto, por depender da oralidade, esse conhecimento é

descentrado e fragmentado, embora seja claramente percebido nas

comunidades em seus membros mais antigos ou idosos, que por sua vez

receberam de seus ascendentes (HALL, 2003; GUARIN NETO, 2006).

33

4.5 Etnobotânica: a interface entre o Saber tradicional e a biodiversidade

Entre os saberes tradicionais locais está o uso de plantas nativas ou

exóticas, coletadas ou cultivadas, e até mesmo compradas, na prevenção e

tratamento primário às doenças. Essa forma de uso da etno-biodiversidade, já

foi e em muitos casos ainda é, a única ou mais rápida alternativa na atenção

primária à saúde, sendo repassado de geração em geração, incorporando ao

longo do tempo novos conhecimentos e novas práticas de uso (ALVES et al.,

2011).O resgate desse saber relacionado à flora do território dessas

comunidades é fundamental para contribuir com o resgate do conhecimento

tradicional e o sentimento de identidade na comunidade, resultando em uma

ímpar fonte de informação cultural, sociológica e antropológica, tornando essa

historicidade um instrumento de resgate da própria identidade cultural da

comunidade.

Além disso, apesar da sua não caracterização como conhecimento

científico, o saber tradicional tem a capacidade de direcionar ações técnicas na

área de conservação e manejo de espécies em cada hábitat; a prática

significativa da Educação Ambiental e essas informações recuperadas podem

servir de subsídio na procura de potenciais biomoléculas medicinais derivadas

da flora regional (GUARIN NETO, 2006; MAROTTA, 2011).

O entendimento de como as comunidades tradicionais utilizam esse

conhecimento da etno-biodiversidade depende do estudo desses saberes

tradicionais, resultando em uma conservação mais concreta da biodiversidade

(MAROTI, 2002; CHAGAS et al., 2007). PIMENTEL da SILVA e FRAXE (2013),

chegam a afirmar que o uso racional dos recursos naturais pode ser

considerado um requisito para a sustentabilidade dessas populações em seus

territórios, o que torna o saber tradicional uma relação mútua entre a

comunidade e seu entorno ambiental.

Para SILVA (2002) “o conhecimento tradicional etnobotânico pode servir

para indicar novos usos de plantas existentes, usos para plantas previamente

desconhecidas e novas fontes de fórmulas conhecidas e necessárias”.

Etnobotânica é o ramo da etnobiologia que estuda o conhecimento e

conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo

vegetal, englobando tanto a maneira como um grupo social classifica as

plantas, como os usos que dá a elas (AMOROZO, 1996). É por intermédio dela

34

que se busca o conhecimento e o resgate do saber botânico tradicional próprio

relacionado ao uso dos recursos da flora disponíveis em um território (GUARIN

NETO et al., 2000).

4.6 Uso de Plantas Medicinais e Comunidades Tradicionais

Planta medicinal é qualquer planta que possua em um ou em vários de

seus órgãos, substâncias usadas com finalidade terapêutica, ou que estas

substâncias sejam ponto de partida para a síntese de produtos químicos e

farmacêuticos. A estas substâncias é dado o nome de princípios ativos, que

são os responsáveis pelo efeito terapêutico da planta (SIMÕES et al., 2004).

De um modo geral, devido à grande biodiversidade da flora nacional, a

população brasileira detém um saber significativo a respeito de métodos

alternativos para curar doenças mais comuns. No entanto é bem claro que as

comunidades tradicionais possuem uma bagagem maior a esse respeito,

porém esse conhecimento é ameaçado pela influência da medicina moderna e

principalmente, pelo pouco interesse no conhecimento tradicional apresentado

pelas novas gerações das comunidades, resultando da quebra do ciclo de

transmissão desse saber entre gerações (AMOROZO, 1996).

O uso de plantas para fins terapêuticos e rituais religiosos no Brasil é a

junção das diferentes contribuições culturais decorrentes de populações

nativas indígenas, e colonizadoras como seitas afro-brasileiras, e europeia

(BERG, 1993; SIMÕES et al., 1998). Em comunidades tradicionais essa

utilização está ligada ao fazer, a uma vivência, a uma interferência no ambiente

em que a comunidade ocupa (DIEGUES, 2001). Aliado a essa capacidade das

comunidades tradicionais está o fato do Estado de Mato Grosso do Sul ser

formado por um mosaico de formações vegetais, que inclui Pantanal, Cerrado e

o Chaco (SPICHIGER et al., 2004).

Vários autores relatam o uso de plantas com potencial fitoterápico na

região que compreende o Bioma Cerrado e entre eles pode-se citar SANTOS

(1992), que realizou levantamento de espécies nativas empregadas por

populações de Corumbá e Ladário; POTT e POTT (2004), que listaram plantas

comestíveis e medicinais da população da Nhecolândia no Pantanal Sul-mato-

grossense e OLIVEIRA et al. (2011), que realizaram levantamentos com

raizeiros de Miranda e Aquidauana (MS) o potencial das espécies do Bioma.

35

Há vários relatos na literatura de levantamentos já realizados em outras

comunidades quilombolas pelo Brasil, onde foram inventariados quantidades

significativas de espécies utilizadas e de saberes tradicionais em relação a flora

regional, como por exemplo, o que foi encontrado por SCHARDONG e CERVI

(2000), na Comunidade Quilombola São Benedito na área urbana de Campo

Grande (MS) que utiliza 182 espécies, por FRANCO e BARROS (2006), na

comunidade quilombola Olho D’água dos Pires, Esperantina (PI), com 82

espécies, SILVA (2002), com inventário Comunidade Quilombola de Curiaú

(Macapá-AP) onde identificou 144 espécies sendo utilizadas para fins

terapêuticos, VASCONCELLOS (2004) Comunidade de Praia Grande

(Iporanga-SP), 260 espécies, MONTELES e PINHEIRO (2007), no Quilombo

Sangrador (MA), 121 espécies, SILVA (2010), Comunidade do Cedro (GO), 94

espécies, MASSAROTTO (2009), ao investigar quatro comunidades rurais

Kalunga: Emas, Limoeiro, Ribeirão dos Bois e Engenho II, identificando 392

espécies sendo utilizadas.

Ainda há autores que se atém a uma ou mais famílias botânicas como

PEREIRA et al. (2007), que focaram nas espécies utilizadas das famílias

Piperaceae e Solanaceae, ou os que focam em uma única espécie como

BARROSO et al. (2010), que descreveram apenas a palmeira Juçara, mas

fazendo a sua etnoecologia e etnobotânica em várias comunidades

quilombolas da região do Vale do Ribeira: Ivaporunduva, Sapatu, Nhunguara,

Galvão, São Pedro e Pedro Cubas (Eldorado-SP) e Mandira (Cananéia-SP).

Pode-se verificar que o conhecimento tradicional está arraigado a estas

comunidades.

36

5. Referências Bibliográficas

ALBUQUERQUE, W. R.; FRAGA FILHO, W. Uma história do negro no

Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais e Brasília: Fundação

Cultural Palmares, 2006. 320p.

ALMEIDA, A. W. B. Os quilombos e as novas etnias. Manaus: UEA Edições,

2011. 196p.

ALMEIDA, M. Z. Plantas Medicinais e Ritualísticas. 3ed. Salvador: EDUFBA,

2011b. 192p.

ALVES, A. P. A. F.; TOMASI, T.; SAHR, C. L. L. A perspectiva etnográfica na

identificação e caracterização de elementos cotidianos de uma comunidade

quilombola. OBSERVATORIUM: Revista Eletrônica de Geografia,Uberlândia,

v.3, n.7, p.79-100, 2011.

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46

6. Artigos

Artigo I

Negros e História de Ocupação de Mato Grosso Do Sul

Sthefany Caroline Bezerra da Cruz-Silva

Resumo

Na historiografia sul-mato-grossensse poucos trabalhos que enfocam na

ocupação histórica por negros e negros escravos. Esta pesquisa coletou dados

em fontes secundárias, utilizando a historiografia especializada na ocupação da

região de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além da historiografia negra

regional, objetivando, desse modo, contribuir para o reconhecimento da

participação dos negros na ocupação do Mato Grosso do Sul. Este artigo foi

publicado como capítulo do livro “Mato Grosso do Sul: perspectivas históricas,

educacionais e ambientais” (2016) e tem como objetivo analisar a história dos

afrodescendentes escravos, dos negros e dos mulatos no desenvolvimento de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em paralelo apresentar a formação de

quilombos. A história dos negros na ocupação do sul do Estado de Mato

Grosso, hoje denominado Mato Grosso do Sul, se inicia com os escravos

trazidos de outras regiões brasileiras e de famílias negras proprietárias que se

instalaram em terras sul-mato-grossensses. Há poucos registros existentes,

que são registros de nascimento ou de venda de negros escravos, utilizados

neste artigo a partir de fontes secundárias, de historiadores, além de memórias

orais narradas de geração em geração pelos mais velhos.

Palavras-chave: Colonizadores negros, Comunidade Tradicional,

Desenvolvimento Local, Quilombolas.

Abstract

In south-mato-grossensse historiography few studies that focus on historical

occupation by black and black slaves. This survey collected data on secondary

sources, using the historiography specialized in occupation of Mato Grosso and

Mato Grosso do Sul, as well as regional black historiography, aiming thereby to

contribute to the recognition of black participation in the occupation of Mato

Grosso do South. This article was published with the chapter of "Mato Grosso

do Sul: perspectivas históricas, educacionais e ambientais" (2016) and aims to

47

analyze the history of slaves African descent, of blacks and mulattos in the

development of Mato Grosso and Mato Grosso South. At the same time present

the formation of quilombos. The history of blacks in the occupation of the

southern state of Mato Grosso, now known as Mato Grosso do Sul, beginning

with the slaves brought from other regions of Brazil and proprietary black

families who settled in south-mato-grossensses land. There are few existing

records, which are records of birth or sale of black slaves used in this article

from secondary sources, historians, and oral memories narrated from

generation to generation by the elders.

Keywords: Black Settler, Traditional community, Local development, Quilombo.

Introdução

O Brasil foi descoberto em 1500, tornando-se colônia de Portugal. Sua

exploração iniciou-se na prática em 1530, com o intuito de colonizar e explorar

o novo território diversas expedições saíram do litoral brasileiro e,

posteriormente, do centro do país, a fim de desbravar o interior da colônia.

Essas expedições desbravadoras começaram a percorrer o sertão goiano e

mato-grossense no séc. XVII, e no século XVIII, com o descobrimento de ouro

em Cuiabá pelos bandeirantes paulistas atraiu força de trabalho na região,

principalmente escravos negros que foram a base braçal de fomento ao

desenvolvimento econômico das atividades da colônia do Novo Mundo

(ABREU, 1963; WOORTMANN e WOORTMANN, 1997; UMBELINO, 2014).

A história da ocupação e colonização de Mato Grosso conta com uma

grande heterogeneidade sociocultural, com contribuições de habitantes

originais, os índios e os imigrantes negros e brancos. Segundo SANTOS

(2010), a história de colonização do Estado está ligada a três fatores

fundamentais: caminhos (seus rios e territórios servindo de trilhas e estradas);

comida (nutrição das comitivas dos bandeirantes e das monções); e

miscigenação populacional (negro, índio e branco). A integração e influência

desses fatores estruturaram a organização sócio-política-econômica do Mato

Grosso, nos séculos XVIII, XIX e início do século XX.

Os trabalhos que relatam a presença do negro escravo na ocupação

histórica do sul de Mato Grosso são dispersos. São muito ricas as narrativas

orais de descendentes, que hoje moram em comunidades remanescentes de

48

quilombos, formadas por negros. Busca-se, neste trabalho, analisar o trabalho

e a vida dos negros escravos, negros e mulatos na região, cujo trabalho

colaborou para o desenvolvimento da região.

Procedimentos Metodológicos

As fontes da coleta de dados foram fontes secundárias, encontradas na

historiografia especializada sobre a ocupação do Sul de Mato Grosso e em

trabalhos publicados sobre territórios e comunidades quilombolas de Mato

Grosso do Sul. Os estudos teóricos utilizados como fonte secundária foram:

CAMPESTRINI (2001); BRAZIL (2002; 2006); SANTOS (2010) e HOFF (2015).

Foram utilizados também relatos e memórias.

O artigo foi dividido em três itens: o primeiro refletiu sobre a diferença,

comumente não feito pela historiografia, entre o modo de produção escravista e

a escravidão negra no Brasil, Haiti, Estados Unidos e em outros países. O

segundo item tratou da história dos negros escravos em Mato Grosso. O

terceiro item buscou entender a presença de negros e mulatos em Mato

Grosso e Mato Grosso do Sul, depois da Abolição.

Resultados e Discussão

Modos de Produção e a Escravidão Negra

As relações estabelecidas em uma sociedade visam o trabalho e a

produção social e econômica. Para isso, definem-se algumas categorias: forças

produtivas são as condições materiais de produção, ou seja, objetos, matéria-

prima, instrumentos e máquinas, que variaram historicamente, conforme os

modos de produção; relações sociais definem-se como a forma capitalista de

produzir mercadorias. As forças produtivas e as relações de produção em uma

sociedade foram denominadas modo de produção (MARX, 1996; SELL, 2006).

Segundo SAVIANI (2003), no decorrer de sua trajetória histórica, a humanidade

passou por diversos modos de produção, sendo divididos em: modo

comunitário, o modo de produção asiático, o modo de produção escravista, o

modo de produção feudal e o modo de produção capitalista.

O modo de produção escravista sobrepôs-se ao modo primitivo de

produzir. Quando se introduziram a apropriação privada da terra e a divisão da

sociedade em classes: a classe dos proprietários e a dos não-proprietários

49

(SAVIANI, 2007). Na sociedade escravista, os homens livres consideravam a

ociosidade como a perfeição do homem (SAVIANI, 2007), baseados em uma

ideologia escravista, entendiam que na espécie humana há seres superiores e

inferiores, sendo que os inferiores foram predestinados à escravidão, ao

trabalho para produzir e reproduzir a vida material.

A fim de suprir suas necessidades era mister aumentar a produção,

necessitando aumentar a quantidade de escravos e de terras. Não ocorrendo

novas forças produtivas no cultivo do solo, as guerras resolviam o problema: os

povos vencidos e suas terras foram submetidos ao trabalho forçado e à

produção. Os proprietários eram livres para dedicar-se a outras atividades não

ligadas à produção, como o ócio para as artes, os esportes e a política. Para

sustentar o sistema, criou-se o Estado, com suas representações e legislações

que estabeleciam as leis e as punições e legitimavam a obediência dos

escravos (SAVIANI, 2007). Nesse modo de produção a maior parte do produto

do trabalho escravo ia para o senhor e uma parte pequena lhe é restituída em

forma de alimento, vestuário e abrigo (HOFF, 2015). O modo de produção

escravista terminou entre os séculos V e VI.

O modo de produção feudal se consolidou a partir desses séculos,

instituindo-se o trabalho do servo nas glebas do senhor feudal. Os servos

produziam na terra para uso próprio e para o sustento do senhor, entregando-

lhe uma parte do resultado de seu trabalho (BARBOSA, 2015). No longo

período feudal, permaneceram a propriedade privada, divisão de classes e o

Estado com suas leis e penas. Este modo de produção durou até 1642 na

Inglaterra e colônias; até 1789 na França, em mais países europeus e em

países americanos; e até 1870 na Alemanha e Itália. As datas assinalam as

revoluções burguesas que instalaram o capitalismo. No capitalismo é a troca

que determina o consumo e as classes sociais subsistem entre o dono dos

meios de produção e o trabalhador assalariado (HOFF, 2015). O avanço das

forças produtivas, que desenvolveu a economia e gerou excedentes de

produção, fortaleceu o comércio, o que não ocorria no feudalismo, que

raramente produzia excedentes (HOFF, 2015), não cabia mais nas relações de

produção e nas leis do feudalismo. Houve profundas e diversas alterações

econômicas, sociais e culturais, resultando no avanço de diversas ciências e

ampliação das rotas comerciais, inclusive marítimas (SCHWARZ, 2008;

50

UMBELINO, 2014). As relações sociais foram alteradas, uma vez que o

trabalhador não era mais escravo e também não pagava mais renda ao senhor.

O trabalhador produzia a mercadoria recebendo como pagamento de seu

trabalho um salário mensal. GAIGER (2003, p.187) escreve:

“O modo de produção capitalista nasce da reunião de

quatro características da vida econômica, até então

separadas: a) um regime de produção de mercadorias, de

produtos que não visam senão ao mercado; b) a separação

entre os proprietários dos meios de produção e os

trabalhadores, desprovidos e objetivamente apartados

daqueles meios; c) a conversão da força-de-trabalho

igualmente em mercadoria, sob forma de trabalho

assalariado; d) a extração da mais-valia, sobre o trabalho

assim cedido ao detentor dos meios de produção, como

meio para a ampliação incessante do valor investido na

produção” (GAIGER, 2003, p.187).

Segundo PINSKY (2000), no período do mercantilismo (a partir do

século XVI), a ação dos burgueses comerciantes, dirigia-se a captar negros

africanos, os exportavam em navios negreiros para a América e para as Ilhas

Atlânticas (Madeira, São Tomé, Açores e Cabo Verde), para um longo período

de escravidão negra: o trabalho do negro era uma mercadoria, como qualquer

outra mercadoria a negociar. A escravidão negra do século XVI ao XIX era uma

mercadoria capitalista e não pode ser enquadrada no modo de produção

escravista que acabara nos primeiros séculos do cristianismo. Foi, sim, uma

forma histórica de utilização de força de trabalho utilizada na produção

capitalista. O modo de produção reinante era o capitalista e o trabalho escravo

foi introduzido porque não havia outra força de trabalho disponível nas imensas

regiões dasabitadas das Américas. A África tornou-se fornecedora de mão-de-

obra barata para o crescimento da produção capitalista. O escravo nos países

de escravidão, inclusive no Brasil, era uma mercadoria capitalista.

51

Negros, Mulatos e Negros Escravos em Mato Grosso

Martim Afonso de Souza foi um dos primeiros a trazer ao Brasil escravos

negros africanos, adquiridos por ele mesmo (UMBELINO, 2014). Inicialmente, o

objetivo dos portugueses para Terra de Santa Cruz foi o trabalho da madeira

Pau Brasil para a exportação; depois, o polo de produção açucareira, à

semelhança com o ocorrido nas ilhas da Madeira e de São Tomé (SCHWARZ,

2008).

Os engenhos foram construídos majoritariamente com mão-de-obra

indígena, advinda dos ataques dos bandeirantes aos assentamentos jesuíticos.

A força de trabalho dos escravos africanos era utilizada nas atividades

especializadas, uma vez que seu custo chegava a ser três vezes maior que o

escravo índio. A partir de 1560, o negro escravo foi essencial para o

desenvolvimento da produção, servindo de reposição de força de trabalho.

Nessa época, proliferaram diversas epidemias, tais como sarampo e varíola,

que causou grande mortalidade de índios nos engenhos (SCHWARZ, 2008).

Os negros africanos chegaram ao Brasil pelos grandes portos do Rio de

Janeiro, Salvador, Recife, Fortaleza, Belém e São Luís. A partir desses locais,

foram levados para as demais regiões da colônia, como para o Maranhão,

Pará, Rio Amazonas e para o Mato Grosso (ALBUQUERQUE e FRAGA-

FILHO, 2006).

Em 1534, o rei de Portugal D. João III, dividiu o litoral brasileiro em

faixas territoriais denominadas Capitanias Hereditárias, com fins de ocupação,

de proteção e defesa da terra (HOLANDA, 1968; IBGE, 2015). O litoral da

Terra de Santa Cruz foi dividido em 15 lotes que se agrupavam em 12

capitanias, tendo como ponto de partida a Ilha de Marajó, a norte, até o sul do

Estado de Santa Catarina e, a oeste, a linha imaginária do Tratado de

Tordesilhas (INNOCENTINI, 2009; IBGE, 2015).

A Coroa portuguesa difundiu a proposta de que os beneficiados, sendo

donatários, deveriam arcar com custos da colonização. Ao se dar conta de que

a única fonte comprovada de lucros na nova colônia era o Pau-Brasil e que a

eles caberia a responsabilidade de povoar, desenvolver e proteger a terra, a

nobreza não se interessou em ser donatária (INNOCENTINI, 2009), priorizando

as bandeiras. A aristocracia empobrecida de Portugal no século XVIII, veio ao

Brasil e constituiu as bandeiras como oportunidade de enriquecer no Brasil e,

52

posteriormente, retornar a Portugal. Os bandeirantes organizaram bandeiras

em busca de ouro e de indígenas para vender no mercado (HOFF, 2015;

SIQUEIRA, 2009).

Para GUIMARÃES (1992) e BRAZIL (2006), as bandeiras paulistas

mantinham em suas expedições negros e índios mansos, cuja função era

carregar provisões e ser mão-de-obra nos trabalhos de extração do ouro. As

primeiras expedições paulistas dirigiram-se aos arraiais de Minas Gerais (Vila

Rica, Ouro Preto), e nas vilas, como Mariana, Congonhas do Campo e Sabará.

Seguidas de muitas outras. O fim da Guerra dos Emboabas, ocorrida entre

1707 e 1709, motivada pela disputa de exploração das minas de ouro recém-

descobertas na região das Minas Gerais e a cobrança do quinto imposto pela

Coroa, realizaram mudança das rotas de expedições paulistas que seguiram

para Mato Grosso e Goiás, longe do fisco e da fiscalização da Coroa.

Com a construção de pequenas aldeias ao redor dos locais de extração,

surgiram as monções, cuja produção de mantimentos foi realizada também por

negros escravos na região de Mato Grosso. Dessa forma, houve presença de

negros escravos tanto no trabalho das minerações quanto no das monções. No

ano de 1721, em contas da época, migraram para as minas cerca de 2.000

paulistas, utilizando maciçamente mão-de-obra negra e indígena escravizada

(TAUNAY, 1949; GUIMARÃES,1992; BRAZIL, 2006).

Com a exploração das minas formaram-se, também, pequenas aldeias e

arraiais a seu redor, no intuito de prover o abastecimento dos mineiros por

meio de cultivo da terra. Alguns produtos alimentícios e a cachaça provinham

de localidades próximas, enquanto os demais artigos como roupas, bebidas,

medicamentos, ferramentas de trabalho e o sal, vieram por sistema hidroviário.

Têm-se, assim, o roteiro dos bandeirantes feito por terra, e o roteiro das

monções feio por hidrovias. Junto aos artigos de abastecimento, famílias se

estabeleciam para produzi-los. A duração do percurso de São Paulo a Mato

Grosso era feita em 4 a 6 meses, por via fluvial, sendo que, havia necessidade

de ligar um rio a outro por terra, denominado varadouro, como, historicamente,

se conhece o varadouro de Camapuã, sendo necessária a força de trabalho de

índios e escravos negros para carregar as provisões nas costas (SIQUEIRA,

2009).

53

As rotas das monções eram praticamente três, todas partindo de

Aratiguaba (Porto Feliz, São Paulo), descendo até o Tietê e até o Paraná;

deste se dividiam os roteiros. Diferindo apenas em seu meio, as rotas se

davam pelos seguintes rios: Ivinhema, Rio Pardo, Camapuã, Miranda, Coxim,

Taquari, Paraguai, São Lourenço, e por fim o rio Cuiabá, onde se encontravam

as minas. Todas as rotas passavam por afluentes no sul de Mato Grosso e

foram responsáveis também pela introdução de bovinos neste território

(SODRÉ, 1941).

O primeiro núcleo populacional da região sul de Mato Grosso surgiu a

partir de um varadouro que interligava as cabeceiras dos rios Sanguessuga

(afluente do rio Pardo) e Camapuã (afluente do rio Taquary). Ali, iniciou-se uma

aldeia que abastecia os transeuntes, onde os irmãos Leme estabeleceram a

fazenda “Camapuã”, em 1723, tornando-se caminho obrigatório dos que se

dirigiam às minas de Cuiabá. A fazenda, localizada no varadouro, abastecia os

viajantes de açúcar bruto, aguardente, fumo de rolo, carnes, entre outras

mercadorias, para finalizar o transito até às minas (VALVERDE, 1972;

BANDEIRA, 1988). A fazenda mantinha negros escravos a seu serviço (HOFF,

2015).

Em 1727, o arraial do entorno das minas de Cuiabá, foi elevado a

categoria de Vila, a Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, constituída por

comerciantes, mineiros, pequenos agricultores, negros forros, índios

“civilizados”, índios escravos, e, também, de negros escravos. Contaram-se

2.607 escravos trabalhando nas atividades econômicas, especialmente nas

jazidas de ouro, durante o período de extração. Outra atividade econômica que

movimentava a Vila e as minas era o comércio realizado por negros forros,

mulatos e escravos, conhecido como “negros de tabuleiro”: vendiam diversos

produtos, tais como: bolos, doces, mel, banana, fumo e bebidas (COELHO,

1850 apud SANTOS, 2010; ABREU, 1963; CORRÊA FILHO, 1969; SAINT-

HILAIRE, 1972; FIGUEIREDO, 1993).

Em 1748, foi criada a Capitania de Mato Grosso, que tinha como capital

a Vila Bela da Santíssima Trindade, no vale do rio Guaporé e, de 1722 até

1750, recebeu 10.775 escravos, que foram utilizados nas minas e em outros

seguimentos (SILVA, 1995).

54

Durante as últimas décadas do séc. XVIII, objetivando controlar e

intensificar a exploração dessas minas o primeiro ministro de Portugal, o

Marquês de Pombal, mandou iniciar a construção de fortificações militares, tais

como: o Forte de Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi (1767, na região

atual da cidade de Iguatemi-MS), o Forte Coimbra (1775, na região atual da

cidade Corumbá-MS), no Rio Paraguai, e o Forte Príncipe da Beira (1776), no

Rio Guaporé e a Vila Nossa Senhora de Conceição de Miranda. Com a

presença das tropas militares nesses fortes, construídos por escravos, houve a

necessidade de se estabelecer empreendimentos a fim de abastecê-las.

Surgiram as monções e, com elas, os povoados de Albuquerque e Corumbá,

em 1778.

A força de trabalho escrava foi utilizada de diversas formas, como na

retirada e transporte dos rochedos da região até o local da construção dos

fortes, na edificação das paredes, entre outros (BRAZIL, 2006). De acordo com

documentos oficiais, entre 1751 e 1768, já se encontravam 3.994 escravos em

todo o Mato Grosso, sendo que a maioria destes eram provenientes de São

Paulo (3.585) e uma menor parte do Pará (409) (SILVA, 1995). No primeiro

século de existência, a Província de Mato Grosso recebeu cerca de 15.380

escravos. (BRAZIL, 2002). Ocorreu um aumento significativo, também, de

negros forro e de mulatos, na região. Em 1800, segundo BRAZIL (2006), a

quantidade de escravos em Mato Grosso atingiu a marca de 11.910, entre

negros e mulatos. No ano de 1815, a província era constituída por 10.838

escravos e 16.377 indivíduos livres, divididos em pretos, brancos e pardos;

totalizando 27.265 pessoas. Em 1823 contava com 12.245 negros, população

total de 35.353 (CAMPESTRINI, 2002; BRAZIL, 2006).

Os escravos perceberam que a localização geográfica era uma

oportunidade para fugas. Aliaram-se aos nativos indígenas e procederam as

fugas, de forma individual ou em grupos que culminaram na formação de

agrupamentos de fugitivos. Surgiram muitos quilombos no Mato Grosso como,

por exemplo, Quilombo do Quariterê, Sepotuba e Rio Manso, Piolho,

Piraputanga, Mutuca, Pindaituba, Rio São Lourenço, Manso Sul, Rio Manso

(BRAZIL, 2006; TERRA, 2011), entre os séculos XVIII e XIX, sendo detectados

entre os anos de 1770 e 1879 (TERRA, 2011).

55

Em 1740, em correspondência entre o Conselho Ultramarino e o rei de

Portugal, quilombo foi conceituado como “toda habitação de negros fugidos,

que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos

levantados e nem se achem pilões nele”, arranchados e fortificados com vistas

a se defenderem. Portanto esses locais tinham como característica unicamente

como “locais de resistência e de isolamento da população negra” (VAINFAS,

2000; SCHMITT et al., 2002).

Em 1769 chegou a Mato Grosso o Capitão-general Luís Pinto de Sousa

Coutinho, afim de dar sequência à captura de escravos fugidos. Sob seu

comando foram destruídos vários núcleos de escravos, entre eles os quilombos

Sipotuba, Porridos e Piolho (denominado também de Quariterê, existente

desde a descoberta de minas na Província). Os fatores que garantiram a

sobrevivência dessas comunidades negras foram, além da riqueza de recursos

naturais, as plantas medicinais, a mataria erguida nos vales dos rios tributários

do rio Paraguai, em Cuiabá (BRAZIL, 2006).

A existência e o estabelecimento dessas aglomerações chegaram ao

conhecimento do governador da capitania de Mato Grosso, João

d’Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, que, em 1795, encaminhou uma

bandeira aos sertões, a fim de capturar escravos que se arrancharam em

quilombos. Percorreu as regiões de Serra dos Parecis e nascentes do rio

Guaporé, rios Galera, Sararé, Pindaituba e Piolho (BRAZIL, 2002).

Os núcleos populacionais da província foram formados a partir da

necessidade de formar residência fixa próximo às minas, e tinham a economia

balizada na extração do ouro e toda a população dependia direta ou

indiretamente dessa atividade. Em Camapuã havia 167 habitantes livres e 139

escravos (BRAZIL, 2002; CAMPRESTRINI, 2002). A estagnação das minas no

início do século XIX, reduziu o fluxo de pessoas para a Província de Mato

Grosso, e levou os habitantes estabelecidos a ocupar mais efetivamente o solo,

através da criação de gado, cultivo de açúcar, extrativismo de ipecacuanha,

seringueira e erva-mate, com amplo aproveitamento da mão-de-obra nativa e

cativa. Especificamente no Sul de Mato Grosso, desenvolveram-se as fazendas

de gado, constituídas por população reduzida, composta de brancos, índios e

mestiços.

56

Em 1829, na região sul de Mato Grosso chegavam famílias vindas de

Minas Gerais, tais como a composta por Joaquim Francisco Lopes e por seus

familiares com sobrenomes Garcia e Sousa, que tinham como principal fonte

econômica a criação de gado, resultando no estabelecimento de novas vias

terrestres e aquáticas que seriam usadas futuramente por outros exploradores

mineiros (SODRÉ, 1941). Outro clã a se estabelecer no sul da Província de

Mato Grosso, foi a família Barbosa, que criou fazendas nos Campos de

Vacaria, espalhando-se pela serra de Maracaju, às margens do rio Miranda e

pela área do rio Apa (SILVA, 1947).

O território de Mato Grosso contava, na primeira metade do século XIX,

com povoados nos arredores do presídio de Miranda, alcançando os campos

pioneiros; os campos do rio Negro, no Pantanal, junto à serra; os campos

firmes da foz do Nioaque até o cair da Serra de Maracaju; os campos ao cair

da mesma serra no vale do Apa; os campos junto às cabeceiras do rio

Brilhante; os campos do sertão dos Garcia e, finalmente, os Barros e Gomes

na Nhecolândia; sem contar os índios brasileiros, missionários e militares que

ocupavam a região de Albuquerque e o Forte de Coimbra. Albuquerque e

Miranda haviam sido elevados a freguesia em 1835 e Santana do Paranaíba

em 1838 (CAMPESTRINI, 2002).

O número de escravos foi diminuindo no século XIX, principalmente com

o fim das minerações em Cuiabá e no Guaporé, quando muitas famílias se

mudaram da região levando consigo os negros escravos (CAMPESTRINI,

2002). Segundo CAMPESTRINI (2002), porém, houve um aumento de

escravos fora da faixa de mineração. Em 1870 havia 142 escravos em Miranda,

275 em Corumbá e 354 em Paranaíba, totalizando somente nessas três

regiões 771 escravos, um aumento considerável, haja vista que em 1857 havia

no total 100 escravos em toda a área de Miranda até a fronteira. Em 1872 a

maior proporção da população de Santana de Paranayba era de mulatos,

sendo estes 1610, o resto se dividia em 354 escravos, 838 brancos, 692

negros e 84 caboclos (CAMPESTRINI, 2002).

A redução de escravos pode também ser confirmado com os dados de

importação de escravos para o Brasil, que mostra que entre 1848 e 1852, um

declínio, (Figura 1), que se deve à regulamentação da Lei nº 584, de 04 de

setembro, conhecida por Eusébio de Queiroz, que estabelecia punições para o

57

tráfico de africanos no Brasil. Com a Lei estabelecida, houve escassez de

cativos em todo o território refletindo no aumento dos preços de um escravo

(MALHEIRO, 1979; BRAZIL, 2006).

Figura 1. Variação da quantidade de escravos importados para o Brasil, entre

1845 e 1852. Fonte: Adaptado de MALHEIRO (1979).

A Lei de Terras (1850), regulamentada em 1854, pelo decreto nº 1.318,

instituiu o Registro Eclesiástico de Terras. As posses adquiridas até esse

período por concessão do poder público, ou por ocupação primária (sesmarias)

foram legitimadas e cada proprietário de imóvel rural demarcou suas grandes

extensões de terras. Neste cenário, os posseiros foram excluídos da

regularização fundiária e o acesso a terra só se daria por compra (SANTOS,

2010).

A partir de 1829, a região sul de Mato Grosso comportava três

municípios; Saint’Anna do Paranahyba (Paranaíba), Vila de Santa Cruz de

Corumbá (Corumbá), Vila de Nossa Senhora do Carmo de Miranda (Miranda),

cuja totalidade contava com 720 habitantes livres e 100 escravos: 400 pessoas

moravam no Povoado de Miranda, que possuía 41 casas de telha, 43 de palha,

1 igreja e 1 quartel (SILVA, 2010). A estes três juntou-se Santa Rita de

Levergésia (Nioaque) com maior destaque no sul de Mato Grosso no século

XIX. SILVA (2010) afirma que, entre 1838 e 1888, foram diversas as formas de

escravidão negra praticadas na região.

Havia escravos negros nesses municípios: alguns na Fazenda

Camapuã, em Santana do Parnaíba, outros em Miranda e em Corumbá.

58

Acrescente-se que na região da pecuária dos Campos da Vacaria não se

encontravam negros escravos, porque eles não tinham o ofício da pecuária e

porque as famílias Barbosa, Leal, Lopes e outras entraram pobres na região, a

partir de 1830, e, sem mercado para o gado que criavam. Somente, a partir de

1850, constituíram fazendas fixas e, somente a partir de 1880, houve ampla

comercialização de seus produtos, principalmente, couro e charque. Os

pecuaristas utilizavam preferencialmente o escravo indígena (ALVES, 2005;

HOFF, 2015)

Em 1994, Paulo Eduardo CABRAL (1994) publicou um levantamento

realizado nos Cartórios de Ofício e Paz e do Registro Civil de quatro núcleos

populacionais emergentes no início do século XIX do sul de Mato Grosso, a

saber, Sant’Anna do Paranahyba (Paranaíba), Villa de Santa Cruz de Corumbá

(Corumbá), Villa de Nossa Senhora do Carmo de Miranda (Miranda) e Santa

Rita de Levergésia (Nioaque). Neste levantamento Cabral (1994), encontrou

documentos que de 1838 a 1888 que faziam referência a escravos, tais como:

cartas de liberdade, revogações, hipotecas e escrituras de compra e venda de

escravos.

A maioria dos documentos encontrados alude a cartas de liberdade nas

quais os escravos, em sua maior parte, só gozariam liberdade após a morte de

seus proprietários, sendo essas cartas parecidas com as encontradas nos

cartórios da Bahia, de Minas Gerais ou Rio de Janeiro (CABRAL, 1994;

SANTOS, 2010). Nesses documentos encontrados nos cartórios dos núcleos

populacionais do sul de Mato Grosso, SILVA (2010) encontrou 147 citações

quanto à origem dos escravos, consistindo em 63 crioulos nascidos no Brasil,

mas sem naturalidade específica, 16 vindos de Minas Gerais, 19 naturais de

Mato Grosso, dois de Goiás e 47 da África. Dos africanos, um de Minas (atual

Gana), seis de Bengela, região correspondente a um porto no sul da atual

Angola, onde embarcava a maioria dos negros cativos com destino ao Brasil,

um de Ganguilo, quatro de Moçambique, um de Congo, dois de Angola e 11 de

Nação, região conhecida como Congo-Angola.

Ainda foi possível observar o reduzido número de escravos libertos que

sobreviveram, no Brasil, com o aluguel de sua força de trabalho, morando em

pequenos sítios de propriedade de seu ex-senhor, onde tinham pequenas

roças para sua subsistência em sistema de arrendamento, além do trabalho por

59

dia. Os escravos que possuíam função mais avançada como fiscal de engenho

e aqueles considerados bons trabalhadores continuavam a exercer essas

funções em fazendas vizinhas como trabalhadores livres (RUGENDAS, 1978).

A presença de negros no Brasil, no entanto, foi intensa, como se pode perceber

no relato de um viajante alemão chamado Robert Ave-Lallemant, em 1859, que

se impressionou com a quantidade de negros em Salvador:

Quando se desembarca na Bahia, o povo que se

movimenta nas ruas corresponde perfeitamente à confusão

das casas e vielas. De feito, poucas cidades podem haver

tão originalmente povoadas como a Bahia. Se não se

soubesse que ela fica no Brasil, poder-se-ia tomá-la sem

muita imaginação, por uma capital africana, residência de

poderoso príncipe negro, na qual passa inteiramente

despercebida uma população de forasteiros brancos puros.

Tudo parece negro: negros na praia, negros na cidade,

negros na parte baixa, negros nos bairros altos. Tudo que

corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega é

negro; até os cavalos dos carros na Bahia são negros

(ROBERT AVE-LALLEMANT, 1980 apud ALBUQUERQUE

e FRAGA-FILHO, 2006, p. 67).

Entre 1864 e 1870 ocorreu a Guerra da Tríplice Aliança ou Guerra do

Paraguai, envolvendo, de um lado, Brasil, Argentina e Uruguai e, do outro, o

Paraguai. Excluindo o exército da Argentina, em todos os outros se

encontravam soldados negros, ex-escravos ou não, havendo inclusive

batalhões formados exclusivamente por negros. Ocorreu então a compra de

escravos para lutarem em nome de seus donos, a compra por parte do governo

de escravos para lutarem na guerra e a promessa de alforria ao que lutassem

na guerra, ressaltando aqui a indiferença em relação à fuga (REIS e GOMES,

1996). Pode-se aventar que esse fato pode ter contribuído para a presença dos

negros no território do (hoje) Mato Grosso do Sul.

Receosos com a Guerra, vários fazendeiros do Sul de Mato Grosso

fugiram de suas terras e, com o fim da guerra em 1870 e com o fim da guerra,

60

retornaram. Vários ex-combatentes fixaram-se nessas terras do sul de Mato

Grosso, aumentando a população na região. Ao fim da guerra ocorreu a

reabertura da bacia Platina, permitindo à Província de Mato Grosso exportar

produtos do extrativismo vegetal e da pecuária e importar produtos

industrializados, fez surgir a burguesia comercial, cidadãos proprietários das

chamadas Casas de Comércio. Essas Casas de Comércio surgiram nas

principais cidades portuárias: Cuiabá, Cáceres, Corumbá, Porto Murtinho, Bela

vista e Ponta Porã (CAMPESTRINI e GUIMARÃES, 2002; ALVES et al., 2012)

As relações sociais também sofreram alterações com o fim da guerra.

Com a estrutura de país arrasado, muitos paraguaios migraram para a

Província brasileira em busca de melhor qualidade de vida. Aqui, sofreram

xenofobia por parte da população (SIQUEIRA, 2009). Em primeiro momento, os

imigrantes paraguaios tentaram ocupar as terras devolutas, explorando mate e

criando gado, no entanto muitos foram expulsos, restando-lhes como modo de

sobrevivência ou a criminalidade ou vender sua força de trabalho. Foram então

incorporados como mão-de-obra das empresas ervateiras do sul de Mato

Grosso, principalmente a Companhia Erva Matte Laranjeira. A sua expulsão se

deve muito a lei de Terras promulgada em 1850, que limitou o acesso às terras

(CENTENO, 2000).

Neste cenário o Império iniciou a campanha a fim de demarcar

definitivamente os limites fronteiriços com o Paraguai, instituindo uma comissão

mista que finalizou as demarcações após quatro anos do fim do conflito armado

(CAMPESTRINI e GUIMARÃES, 2002).

Os Negros Libertos com a Abolição

Para VOLPATO (1993), a reabertura da Bacia Platina foi para os

empresários locais a oportunidade para o crescimento econômico e

consequente saída da crise econômica. Porém, com sua mão-de-obra baseada

em escravos (negros e indígenas) e assalariados locais, os empresários

acreditavam que a “falta de iniciativa” da população local atrasava o

desenvolvimento. Viram então a solução na importação de mão-de-obra.

Neste contexto, o sistema escravista brasileiro estava em crise, havendo

três linhas de pensamento sobressalientes: os emancipacionistas, que

defendiam a extinção lenta e gradual da escravidão; os abolicionistas, que

61

buscavam a libertação imediata e os escravistas, que defendiam o sistema

escravista (VOLPATO, 1993). Os defensores do fim do sistema escravista se

baseavam nos fatos de que o trabalho escravo tinha baixa produtividade e que

todos os indivíduos tinham direito a liberdade (VOLPATO, 1993). Além disso, o

sistema escravista foi abalado pelos acordos firmados entre Brasil e Inglaterra,

que tinham como objetivo extinguir o tráfico de africanos para o Brasil e libertar

os que foram importados ilegalmente, tendo como prazo três anos para

realização dessas ações acordadas (MARTINS, 2010).

Verifica-se, portanto, que o cenário aponta para a redução da utilização

de mão-de-obra escrava, uma vez que diante dos acordos e leis sua compra e

manutenção se mostrava cada vez mais cara; e propício para a extinção da

escravidão. Diante disso, os capitalistas passam a ver a imigração europeia

como solução à falta de escravos como mão-de-obra (CENTENO, 2000).

Em setembro de 1871, foi promulgada a Lei do Vente Livre, que instituía

que os filhos das escravas deveriam ficar sob a autoridade dos senhores de

suas mães até completarem oito anos, depois disso o senhor da mãe teria a

opção de receber indenização do Estado ou de utilizar os serviços da criança,

sem remunerá-la, até que ela completasse 21 anos de idade. Além disso, foi

reconhecia pela primeira vez o direito do escravo ao acúmulo monetário,

chamado de pecúlio, com fim a comprar sua própria liberdade. Pela lei ainda se

instituiu em cada município um fundo que receberia recursos do Império a fim

de classificar e alforriar escravos (BRAZIL, 2002).

Para CORRÊA FILHO (1957), após a promulgação da Lei do Ventre

Livre, a imigração para a Província de Mato Grosso se tornou mais intensa e

organizada, possibilitando seu desenvolvimento e a exportação de produtos do

extrativismo vegetal e da pecuária. Na região também havia os posseiros

gaúchos, imigrantes da região sul do Brasil. A maioria destes entraram em

conflito com as grandes empresas ervateiras pela posse de terras, perdendo

em muitos casos, tornou-se junto com a população indígena e os paraguaios

mais uma fonte de mão-de-obra.

Nesse cenário em paralelo à crise do sistema escravista, uma vez que

não era mais lucrativo comprar e manter escravos devido à diversa opção de

mão-de-obra barata continua-se a promulgação de leis “em favor” dos escravos

negros. Em 1885, foi promulgada a Lei n. 3.270, também conhecida como Lei

62

dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe, que regulava a extinção gradual da

escravidão e a garantialiberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade.

Finalmente, em 1888 foi promulgada a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão

no Brasil. Aqueles que se encontravam nas fazendas, em sua maioria

permaneceram nela, realizando as atividades das fazendas de gado e

plantações, mas a partir desse momento trabalhavam em troca de algum tipo

de remuneração, como: carne, aguardente, roupas e utensílios – ou de

pequenos salários (ALMEIDA, 2011).

No século XIX, antes da Abolição, havia negros em Corumbá,

Paranaíba, Camapuã e Miranda. Mas, nos Campos de Vacaria (Jardim, Guia

Lopes, Rio Brilhante, Maracaju, Campo Grande) havia poucos negros escravos

(HOFF, 2015). Com a Lei Áurea o quilombo passou de local de refúgio pela luta

de sobrevivência para o local em que seus moradores eram considerados

camponeses “pobres” e excluídos socialmente, uma vez que foram excluídos

pela Lei de Terras de 1850, condição que se perpetuou aos ex-escravos e seus

descendentes (LINDOSO, 2007).

Os libertos que se encontravam nos territórios de seus senhores, mas

almejavam sair, não possuíam local para onde ir e sem condições de adquirir

qualquer terra uma vez que a remuneração agora recebida era baixa, muitos

resolveram migrar para os ainda remanescentes sertões do Brasil, chegando,

ao fim do século XIX, grupos de Minas Gerais e Goiás na região que hoje é o

Mato Grosso do Sul.

Após a abolição, grupos de libertos chegaram ao sul do Mato Grosso

procedente de Minas Gerais e Goiás. Essas migrações, associadas às fugas

do tempo de escravatura, resultaram na consolidação da presença de

afrodescendentes no sul de Mato Grosso, conforme a tabela 1. Essa presença

refletiu nos documentos historiográficos supracitados e posteriormente no

desenvolvimento de comunidades quilombolas (Quadro 1), sendo que em Mato

Grosso do Sul há atualmente registrado 22 comunidades quilombolas

reconhecidas oficialmente.

63

Quadro 1. Comunidades remanescentes de quilombo certificadas pela

Fundação Cultural Palmares e INCRA/MS em Mato Grosso do Sul, sua

localização e origem de seus fundadores

Localização da

Comunidade Nome da Comunidade

Ano de chegada dos fundadores/

compra das terras/lembrança

de presença

Origem dos fundadores

Aquidauana Furnas dos Baianos 1952 Bahia (migração)

Bonito Águas de Miranda 1976

Minas Gerais e Rio de Janeiro

(migração) e Mato Grosso do Sul

(divisão a partir de outra Comunidade Remanescente do

Estado)

Campo Grande/MS

Tia Eva (Vila São Benedito)

1904 Goiás (migração)

Campo Grande/MS

Chácara do Buriti** 1920 a 1930 Goiás (migração)

Campo Grande/MS

São João Batista s/i s/i

Corguinho/MS Furnas Boa Sorte** Entre 1875 e 1906 (pedido de posse

das terras)

Escravos de Minas Gerais e Rio de

Janeiro

Corumbá/MS Maria Theodora

Gonçalves de Paula 1920 migração

Corumbá/MS Ribeirinha Família Campos Correa

s/i s/i

Corumbá/MS Ribeirinha Família

Osório# s/i s/i

Dourados e Itaporã/MS

Picadinha** 1907 Minas Gerais

(migração)

Figueirão/MS Santa Tereza 1901 Minas Gerais

(migração)

Jaraguari/MS Furnas do Dionísio** Entre 1870 e 1900 Escravos de Minas

Gerais

Maracajú/MS Colônia São Miguel** ao redor de 1941 Província Mato

Grosso*

Nioaque/MS Família Araújo e

Ribeiro** ao redor de 1911 Goiás (migração)

Nioaque/MS Família Cardoso** primeiras décadas

do século XX

Minas Gerais e Rio de Janeiro

(migração) e Mato Grosso do Sul

(escravos -

64

testemunhas da Guerra do Paraguai)

Nioaque/MS Ribeirinha Família

Bulhões s/i s/i

Nioaque/MS Ribeirinhos Família Romano Martins da

Conceição s/i s/i

Pedro Gomes/MS

Família Quintino 1958 Goiás (migração)

Rio Brilhante/MS

Família Jarcem# s/i s/i

Rio Negro/MS Ourolândia 1958 Bahia (migração)

Sonora /MS Família Bispo#

primeiras décadas do século XX

Província Mato Grosso*

Terenos/MS Comunidade dos

Pretos 1945

Minas Gerais (migração)

Migração: fundadores foram escravos livres que migraram em busca de terras

devolutas. (*): fundadores foram filhos livres nascidos, de escravos ou ex-escravos, já

na Província de Mato Grosso. (**): Comunidade possui RTID. (#): RTID em finalização.

Fonte: Adaptado de VALENTE et al. (2001); BANDEIRA e DANTAS (2004); INCRA

(2007a); INCRA (2007b); INCRA (2007c); INCRA (2007d); FUNASA (2009); INCRA

(2013);

Dessas comunidades, apenas sete possuem Relatório Técnico de

Identificação e Delimitação (RTID) com seu respectivo Relatório Antropológico

finalizado e três em finalização (ainda não acessíveis), uma vez que o RTID só

é elaborado quando a Comunidade solicita posse do território historicamente

ocupado. O histórico de mais sete (além das que possuem RITD) está

disponível apenas em uma Coletânea publicada pela FUNASA (2009) e há

uma citação em um livro sobre religiosidade (Religiosidade e Performance -

Marcia Contins, 2015) sobre a fundação da Comunidade Remanescente Maria

Theodora Gonçalves de Paula, de Corumbá-MS.

De acordo com a tabela 1, podemos perceber que até o momento em

três comunidades remanescentes (Comunidades Furnas Boa Sorte-

Corguinho/MS, Furnas do Dionísio - Jaraguari/MS e Família Cardoso-

Nioaque/MS) os fundadores estavam na região de Mato Grosso do Sul antes

da abolição (1888). As demais tiveram como fundadores famílias de ex-

escravos que, entre o final século XIX e início do século XX, chegaram ou

65

casaram, nos sertões de Mato Grosso, na região Sul, com fins de aquisição de

propriedade agrícola.

A falta de documentos oficiais históricos sobre a época faz os

historiadores absterem-se de inferir forças de resistência no sul de Mato

Grosso, à época da escravidão. Documentos desapareceram, foram destruídos

ou foram malconservados. José Antônio Pimenta Boeno, Presidente da

Província, ainda em 1838, discursou sobre o assunto na Assembleia Legislativa

Provincial, relatando o péssimo estado de conservação e a falta de asseio nos

locais de armazenamento desses documentos (CABRAL, 1994).

É importante destacar que Rui Barbosa, então ministro da Fazenda da

Primeira República ordenou a queima de todos os arquivos referentes à

escravidão (SANTOS, 2010). Santos (2010) concluiu que a historiografia

tradicional advoga que o trabalho escravo no sul de Mato Grosso teve pouca

relevância. Um exemplo é a afirmação de Barbosa (2005), em seu livro sobre a

família Rodrigues na ocupação de Mato Grosso do Sul, relata que a

convivência era harmoniosa, além disso, Hildebrando CAMPESTRINI (2002)

relatou que os escravos eram como agregados, não tendo o mesmo tratamento

que tiverem em outras regiões escravocratas. Evidentemente, os autores

referem-se à Fazenda Camapuã e à Miranda. Na grande área dos Campos da

Vacaria houve pouquíssimos escravos negros. O trabalho familiar, ali, tinha no

trabalhador indígena/paraguaio a base da produção pecuária.

Desenvolveram-se assim no território histórico da Província de Mato

Grosso (Sul e Norte) conforme interesses dos atores sociais, quilombos, fortes,

presídios, arraiais, vilas e cidades, o que trouxe novas configurações espaciais

ao território, utilizando-se, também o trabalho das famílias negras, escravas ou

não. Esses atores foram fundamentais para a constituição sociocultural e

econômica nesses Estados. (SANTOS, 2010).

O reconhecimento da legitimidade e domínios dos povos quilombolas

sobre as terras em que moravam e trabalhavam só se iniciou a partir da

Constituição Federal de 1988, cujo artigo nº 68, do ato das Disposições

Constitucionais Transitórias deixa claro: “Aos remanescentes de comunidades

quilombolas que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade

definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL,

1988).Esse ato garantiu direito à preservação de sua cultura, às terras

66

ocupadas, à autodeterminação, além da instituição da Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais,

Fundação Cultural Palmares, Programa Brasil Quilombola. Essas legislações

fortaleceram as comunidades quilombolas, assegurando acesso aos direitos

fundamentais de todos os cidadãos.

As legislações regionais, que tratam dos direitos da população das

comunidades remanescentes de quilombo em Mato Grosso do Sul, delegam a

Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural como responsável

pelas políticas de desenvolvimento, agricultura familiar e extensão rural às

comunidades tradicionais do Estado (Lei nº 3.345, de 22 de dezembro de 2006

e decreto nº 12.312, de 11 de maio de 2007), a criação de programas de

regularização fundiária (Decreto nº 11.493, de 3 de dezembro de 2003) e

acesso à assistência social (Decreto nº 11.587, de 20 de abril de 2004, Lei nº

3.039, de 05 de julho de 2005).

Para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação,

desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das

comunidades dos quilombos o INCRA-MS utiliza a Instrução Normativa nº 57,

de 20 de outubro de 2009 do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

Considerações Finais

A história dos negros na ocupação do sul do estado de Mato Grosso,

hoje denominado Mato Grosso do Sul, possui poucos registros documentais.

Os existentes são alguns registros de nascimentos ou de venda de negros

escravos, utilizados aqui como fontes secundárias, de historiadores. A literatura

existente sobre a colonização do estado de Mato Grosso, cita as famílias

colonizadoras e dirigem-se aos negros como serviçais ou trabalhadores braçais

nas fazendas ou nas vilas da época. Em grande parte das fazendas de gado

em MS quase não havia escravos negros; sim, escravos indígenas/paraguaios,

que conheciam a lida campeira de gado.

Percebe-se que a presença de negros escravos em MS está relacionada

com a exploração das minas, crescendo também, por consequência, a

quantidade de mestiços ou mulatos em toda região. Além disso, a partir de

1850, verifica-se a queda na quantidade de escravos negros e,

67

consequentemente, a diversificação da mão-de-obra, o que contribui, dentre

outros fatores nacionais para a Abolição em 1888. A historiografia desses

colonizadores negros está em sua maioria na forma de relatos contados, onde

são passados de geração em geração pelos mais velhos nas comunidades

remanescentes.

Cabe ressaltar que de acordo com as fontes consultadas, até o

momento, três comunidade reconhecidas no território de Mato Grosso do Sul, a

saber Comunidades Furnas Boa Sorte-Corguinho/MS, Furnas do Dionísio-

Jaraguari/MS e Família Cardoso-Nioaque/MS, foram formadas a partir de

escravos de Mato Grosso do Sul e as demais foram formadas a partir da

migração de pioneiros negros, ex-escravos e filhos de ex-escravos, vindos por

migrações, que aqui chegaram, estabeleceram residência e compraram ou

requereram posse de seu território.

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74

Artigo II

Análise Físico-ambiental e Multitemporal do território da Comunidade

Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso

do Sul, Brasil

Sthefany Caroline Bezerra da Cruz-Silva

Resumo

As comunidades quilombolas possuem diferentes estruturas sócio-históricas-

territoriais. Em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, apenas uma comunidade

encontra-se em área rural, o que justifica realizar uma análise multitemporal do

uso e ocupação do território e retratar as relações históricas da “Comunidade

Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti”. Para mapear o uso do solo utilizou-

se de imagens de satélites (1985-2015), diagnóstico das relações territoriais e

trajetória histórica e determinou-se a qualidade da água do córrego Buriti e de

consumo. A história da ocupação inicia-se em 1930 com 3 núcleos familiares, a

base estrutural para a formação da atual população com 126pessoas. As

relações econômicas e sociais da trajetória histórica da Comunidade

influenciaram no uso dos recursos naturais, com acréscimo de solo exposto,

áreas urbanizadas, de lavoura irrigada e pastagem o que possivelmente refletiu

na contaminação do córrego, já a água do poço artesiano, para consumo

humano, atende a legislação vigente.

Palavras-chave: Comunidade Tradicional; Geoprocessamento; Uso e

Ocupação; Qualidade da água.

Abstract

Quilombola communities have different socio-historical-territorial structures. In

Campo Grande, Mato Grosso do Sul-Brazil, only one community is located in a

rural area, which justifies a multitemporal analysis of the use and occupation of

the territory and portrays the historical relations of the "Comunidade Negra

Rural Quilombola Chácara do Buriti". In order to map the land use, satellite

images (1985-2015) were used, as well as a diagnosis of territorial relations and

historical trajectory, and the water quality of Buriti stream and consumption was

determined. The history of occupation began in 1930 with 3 family nuclei, the

structural basis for the formation of the present population with 126 people. The

75

economic and social relations of the historical trajectory of the Community

influenced the use of natural resources, with the addition of exposed soil,

urbanized areas, irrigated agriculture and pasture, which possibly reflected in

the contamination of the stream, as well as artesian well water, for human

consumption, complies with current legislation.

Keywords: Traditional community; Geoprocessing; Use and occupation; Water

quality

Introdução

Em resposta ao sistema escravocrata brasileiro, que perdurou entre os

séculos XVI e XIX, os negros escravizados manifestaram sua resistência de

variadas formas, desde ações que influenciavam negativamente a

produtividade de seu trabalho, até fugas, individuais ou coletivas, para se juntar

ou não a agrupamentos nos sertões, originando os Quilombos (REIS e

GOMES, 1996).

Todo esse processo gerou a formação das, atualmente denominadas:

Comunidades Remanescentes de Quilombo, formadas a partir do agrupamento

de escravos fugidos ou por escravos libertos pela Lei Áurea que ocuparam

propriedades de menor custo ou consideradas a época terras devolutas.

No antigo Estado de Mato Grosso, a presença de negros escravos está

diretamente relacionada a exploração de minérios, tal como ouro, ou a pedras

preciosas, como os diamantes, que necessitavam de uma grande quantidade

de pessoas para sua exploração, já a agropecuária, em menor escala, também

utilizava os negros para o trabalho. Já na região do atual Estado de Mato

Grosso do Sul (desmembrado do Estado de Mato Grosso em 1977) o processo

de mineração foi mais disperso, com pouca produção, predominando,

inicialmente, a criação de gado extensiva, que demandava pouca mão de obra.

Além disto, mesmo as atividades mais extenuantes, com a necessidade de

muitos trabalhadores braçais, como a extração de erva-mate, utilizavam

preferencialmente a mão de obra indígena ou paraguaia. Desta maneira,

poucas comunidades são encontradas no Estado, em comparação com outras

unidades da federação e atualmente, são reconhecidas vinte e duas

comunidades quilombolas (CRUZ-SILVA et al., 2016).

76

Em Campo Grande, capital do Estado, existem três comunidades; duas

urbanas: São João Batista e a Eva Maria de Jesus, Tia Eva (Vila São Benedito)

e uma encontra-se em área rural, a Comunidade Negra Rural Quilombola

Chácara do Buriti, formada a partir da migração de ex-escravos e filhos de ex-

escravos, que chegaram ao Estado em 1905.

Essa cultura desenvolvida em comunidades negras rurais, como

resultado de sua identidade cultural, formada pela junção da sua identidade

étnica e a territorialidade, além da sua relação com a utilização dos recursos do

seu território, pode e deve ser valorizada, como parte integrante da

historiografia regional e brasileira.

Considerando que a elaboração de políticas públicas, visando a melhoria

da qualidade de vida e valoração dessa cultura deve levar em consideração as

informações do espaço geográfico (território) ocupado pelas comunidades

(SCHMITT et al., 2002), o objetivo deste estudo foi realizar uma análise

multitemporal do uso e ocupação do território, retratando as relações históricas

da “Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti” com seu

ambiente.

Procedimentos Metodológicos

Caracterização da Área de Estudo

O território da comunidade foi anteriormente delimitado pelo Relatório

Técnico de Identificação e Delimitação do Território da Comunidade

Quilombola (INCRA, 2007), finalizado em 2007 pelo Serviço de Regularização

de Territórios Quilombolas, setor especializado do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Superintendência Regional de Mato

Grosso do Sul, Brasil. No local existem 72 residências, com uma população de

cerca de 126 pessoas, estabelecidas em 43,008 ha.

A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti está situada

no km 449 da BR 163, cerca de 18 km ao sul do limite urbano de Campo

Grande, capital de Mato Grosso do Sul, Brasil, tendo como ponto as

coordenadas20°44’41’.63’’S; 54°31’43’.13’’O. Possui como recurso hídrico o

Córrego Buriti (Figura 1), afluente do Córrego Cachoeirinha, Ribeirão

Cachoeira, Rio Anhanduí, Rio Pardo e por fim desagua no Rio Paraná.

77

O clima enquadra-se no tipo Clima Tropical de Savana, com duas

estações bem definidas: quente e úmida no verão e fria e seca no inverno

(KÖEPPEN, 1948) e está localizada no bioma Cerrado, com as fitofisionomias

encontradas sendo o Cerrado sensu stricto, Savana Arbórea Densa (cerradão),

Vereda de Buritizal (área úmida com presença de nascente) e Formação

Ripária (Mata de Galeria Inundável), com predominancia de latossolo roxo.

Análise multitemporal por sensoriamento remoto das imagens nos SIG’s

ArcGis 10 e Spring 5.2.6

Para a delimitação da área, utilizou-se de arquivos shape,

disponibilizados pelo Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas,

setor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – SR/16 (INCRA-

MS).A análise da área de estudo foi baseada em quatro períodos, 1985, 1995,

2005 e 2015, utilizando-se os Sistemas de Informação Geográfica ArcGis 10 e

Spring 5.2.6, resultando na análise multitemporal de imagens de satélite

Landsat 5, do sensor TM (1985 e 1995) e imagens Digital Globe, do satélite

GeoEye-1 (2005 e de 2015).

Para elaboração dos mapas temáticos utilizou-se uma composição de

bandas RGB em todas as imagens adquiridas; os procedimentos iniciais foram

realizados em ambiente do SIG ArcGis 10; já os métodos elaborados para a

segmentação, classificação e mapeamento foram realizados no SIG Spring

5.2.6.No mapeamento foram identificadas nove classes temáticas: Água, Áreas

úmidas (áreas de brejo com solo hidromórfico), Áreas urbanizadas, Áreas

florestais (vegetação primária e secundária), Lavouras (culturas temporárias),

Pastagem, Pastagem degradada, Solo exposto e Vegetação campestre

(vegetação em recuperação, após abandono da pastagem). Assim, os mapas

temáticos foram confeccionados a partir das imagens classificadas; em

sequencia, foram obtidos os dados em quilômetros quadrados (Km²) de cada

classe temática resultante da classificação das imagens para cada ano, os

quais serviram de subsídios para a análise do uso e ocupação.

Para fins de análise do uso e ocupação do solo, pela Comunidade, a

classificação do uso foi realizada em proporção, já que nos anos 1985, 1995 e

2005, a área total era de 29,13 ha; já no ano 2015, 43,008 ha.

78

Para caracterizar o córrego Buriti, que limita a Comunidade ao sul, foram

realizadas coletas de amostras de água em 2 pontos: o ponto Pm localizado no

início do córrego dentro da Comunidade, o Ponto Pj na saída dos limites da

Comunidade. Foram feitas coletas de amostras de água do poço semi-

artesiano (P0), de onde é distribuída a água para todos os moradores e o

segundo ponto da caixa d´água de um dos moradores (P1).A rotina de coleta

(amostra composta), armazenamento e transporte das amostras de água

seguiu recomendações técnicas descritas em CETESB (1987) e as análises

físicas, químicas e microbiológicas segui APHA (2005). As analises foram

realizadas em triplicatas e a interpretação dos resultados com base na

Resolução do CONAMA 357/2005 (BRASIL, 2005) e nas Portarias do

Ministério da Saúde nº 518, de 25 de Março de 2004 e nº 2.914 de 12 de

dezembro de 2011 (BRASIL, 2004; BRASIL, 2011).

Entrevistas e caracterização da comunidade

Para completar o diagnóstico do uso e ocupação do território além das

informações do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território

da Comunidade Quilombola (INCRA, 2007) finalizado em 2007 pelo Serviço de

Regularização de Territórios Quilombolas, Setor especializado do Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Superintendência

Regional de Mato Grosso do Sul, realizou-se visitas in loco e entrevistas

dialogadas com três moradores, indicados pela Associação que representa a

Comunidade, por serem os mais antigos e conhecerem as relações históricas

da comunidade com o território.

Comitê de Ética

O presente estudo foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa

Envolvendo Seres Humanos, resolução n°196/1996 (CONSELHO NACIONAL

DE SAÚDE, 1996) e aprovado, sob parecer nº 1.354.762.

Resultados e Discussão

Caracterização do Território e Histórico

A história da Comunidade começa com a chegada em 1905 da comitiva

da ex-escrava Tia Eva, junto a seu companheiro Adão e as três filhas ex-

79

escravas, oriunda de Mineiro, Goiás, em conjunto com outros grupos familiares

oriundos de Uberaba, Minas Gerais (famílias dos ex-escravos Nortório e

Borges), no atual município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, se

instalando às margens do Córrego Segredo (INCRA, 2007; MAZZARO et al.,

2011), um dos córregos principais formadores da cidade.

De acordo com a historiografia tradicional, os primeiros desbravadores a

se instalar na área, que hoje é o município, assim fizeram no final do século 19

e início do século 20 (WEINGÄRTNER, 1995). Conforme a historiografia oral

nessa época já existia uma comunidade negra, em local conhecido como

Cascudo, atual Bairro São Francisco. A região era conhecida por servir de

passagem para as minas de Mato Grosso, mais ao Norte, no entanto sua

ocupação e crescimento territorial ocorreu após o estabelecimento desses

núcleos familiares.

Neste local, que compreende 8 hectares, encontra-se hoje a

Comunidade Remanescente de Quilombo “Eva Maria de Jesus - Tia Eva”, onde

os filhos de tia Eva e dos outros núcleos familiares se estabeleceram, vivendo

até hoje (MAZZARO et al., 2011). Atualmente, no local onde está a

Comunidade Tia Eva está localizado o Bairro São Francisco. A revelia do

desenvolvimento do município, a Comunidade Tia Eva desenvolvia em seu

território atividades diárias de pequenos produtores, tais como: pequenos

roçados de subsistência e criação de animais; assim como era comum nos

locais da onde vieram, Mineiros-GO e Uberaba-MG. Tia Eva possuía três filhas,

que também foram escravas: Sebastiana Maria de Jesus, Joana Maria de

Jesus e Lazara Maria de Jesus. Sebastiana Maria de Jesus, era casada com

Jerônimo “Vida” da Silva, que era filho da africana Maria Antônia, uma das ex-

escravas que vieram na comitiva junto a Tia Eva e sua família (INCRA, 2007).

Posteriormente, Sebastiana (filha de Tia Eva, vinda na comitiva) junto ao

seu marido Jerônimo “Vida”, na década de 1920, foram trabalhar morar e na

fazenda “Buriti Escuro” de propriedade do Sr. Joaquim de Oliveira, que tinha

esse nome devido à grande quantidade de palmeiras Buriti na área, localizada

aproximadamente a 50 km ao sul de Campo Grande, atualmente denominada

Santa Euzélia. Nesta fazenda, durante seu tempo de trabalho, tiveram nove

filhos e entre eles, João Antônio da Silva, conhecido como João “Vida

80

João Vida casou-se com Maria Theodolina de Jesus, filha de Custódio

Antônio Nortório e Maria Antônia de Jesus (descendentes dos núcleos que

vieram na comitiva com Tia Eva) e segundo informações orais de Jair Vicente

da Silva (casado com Izalda Theodolina da Silva, neta de João “Vida”), após

alguns anos trabalhando na Fazenda Buriti Escuro, o casal passou a buscar

outra terra para se estabelecer. Ao encontrar o compadre Marcelo dos Santos,

João “Vida” negociou um pedaço de terra de 35ha em troca de 12 cabeças de

gado, pertencentes ao casal, já que não possuíam dinheiro. Ainda, segundo

Jair, a dívida não foi liquidada, sendo que João “Vida” ainda demorou mais dois

anos para terminar de pagar a terra, que foi realizado através da produção

pecuária e de milho na recém-adquirida área. Ainda, segundo informações

orais de Jair Vicente da Silva, por se parecer com a região da Fazenda Buriti

Escuro, inicialmente a nova área foi chamada de Buriti Claro; atualmente,

Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti (Figura 1).

Figura 1. Delimitação do território da Comunidade Negra Rural Quilombola

Chácara do Buriti, Campo Grande, Brasil, 2015.

Fonte: Adaptado pelos autores do Digital Globe, Satélite GeoEye-1.

Esse momento de transição de área está na memória de todos da

Comunidade Chácara do Buriti, pois, de acordo com o Relatório Técnico de

81

Identificação e Delimitação-RTID (INCRA, 2007), esta lembrança é “um marco

que deu início a sua territorialização”, conectando as diversas gerações e

formando sua identidade. Nesta nova propriedade, a fonte de renda da família

era basicamente a criação dos animais, agricultura de subsistência (arroz,

milho, feijão, mandioca, cana, abóbora) e como renda extra, o trabalho em

fazendas vizinhas, amansando gado e/ou realizando outros serviços.

Inicialmente as moradias foi construída com sapé e paredes de taipa, idêntico

ao encontrado em fazendas de gado no final do século XIX. Neste tipo rústico

de moradia, segundo informações orais de Izalda Theodolina da Silva, neta de

João “Vida”, as paredes eram de pau a pique com madeira roliça, que eram

revestidas com sabugo de milho e tampados com barro misturado à fezes de

vaca, ao final dessa etapa, denominada barriamento, jogava-se água de cinza,

com o objetivo de se imitar o efeito do cal.

Ao se estabelecer na nova área, João “Vida” convidou seu concunhado

Manoel Francisco Domingos e posteriormente Antônio Custódio (irmão de

Maria Theodolina), moradores na Fazenda Buriti Escuro, para residir no Buriti

Claro. Alguns anos depois, os três núcleos familiares iniciaram então a explorar

os recursos naturais da chácara, que possui uma área de solo úmido,

popularmente chamada brejo, da qual passaram a extrair argila e, com

equipamentos primitivos, exigindo muito trabalho braçal, começaram a produzir

tijolos através de sua olaria (INCRA, 2007).Como não possuíam o meio para

transportar a produção, os tijolos produzidos eram vendidos para fazendeiros

vizinhos que levavam até o centro urbano e vendiam aos depósitos de

materiais de construção. Os tijolos produzidos ainda foram muito utilizados

para substituição das paredes de taipa das moradias e na construção de novas

moradias.

Porém esta exploração, apesar de ser uma fonte de renda para a

comunidade, também gerou uma série de impactos ambientais de grande

porte, pois o brejo foi descaracterizado e desta maneira, o lençol freático

tornou-se mais profundo, levando a perda de parte do recurso hídrico.

Também o processo de queima dos tijolos exigia grande quantidade de

madeira, retirada das matas de região, levando a um desmatamento intenso e

perda da biodiversidade. Desta maneira, as matas da região entraram em

82

processo de sucessão secundária, indicando ação antrópica e levando a outras

consequências, com perda de fertilidade do solo e processo de erosão.

Por outro lado, a partir deste momento, as moradias passaram então a

serem construídas com “tijolinhos” fabricados na própria comunidade. O

trabalho era realizado por todos, homens, mulheres e crianças e estas, a partir

de seus oito anos já começavam a colaborar na produção dos cerca de trinta

mil tijolos por semana, que saíam com a gravação JAS, iniciais do nome oficial

de João “Vida”. Ainda, segundo informações orais de Joanir Teodolino da Silva,

bisneto de João “Vida”, a renda obtida com a venda da produção, não era

repartida igualmente, a produção era separada por porções, ficando a maior

parte para o filhos de João “Vida” que eram casados, o resto era divido entre os

filhos solteiros e ainda havia aqueles que recebiam pagamento pelo dia ou mês

trabalhado.

Apesar das várias décadas de ocupação da área, apenas em 1940 João

“Vida” conseguiu registrar a propriedade no Registro de Imóveis da 1ª

Circunscrição em Campo Grande, com uma área de 35 ha e 500 m². Nessa

época, a fonte de renda da Comunidade era baseada na pecuária de leite

(utilizado na fabricação de queijos), na agricultura (arroz, milho, feijão,

mandioca, cana, abóbora) e na olaria Cabe ressaltar que a obtenção de

dinheiro em espécie só ocorria na venda da produção de tijolos, a produção

das demais atividades (pecuária e agricultura) era utilizada prioritariamente

para suprir as necessidades de subsistência dos moradores da Comunidade e

o que sobrava era utilizado para adquirir outros mantimentos de vizinhos, mas

na base da troca, sem envolver dinheiro.

Segundo RESENDE (1999), na década de 1950 começaram as obras

para a construção de diversas rodovias federais, entre elas a BR-163, ligando

Campo Grande a Cuiabá, entre outras regiões. Porém esta rodovia dividiu o

território da Comunidade em duas áreas, uma com 6ha, que na época era de

mata, a direita da BR-163 (para quem vem de Campo Grande para a

Comunidade) e a outra a esquerda, de 29ha e 500m2, onde estavam

concentradas as plantações, residências e a olaria.

Para a divisão da propriedade em duas áreas, João “Vida” e seus

vizinhos não foram consultados e nem informados pelo órgão responsável na

época, o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER). Esta era

83

uma situação normal, no período, pois a construção de estradas era

considerada um fator de integração e segurança nacional, onde o importante

era interligar as diferentes regiões brasileiras, não importando quais os

impactos causados.

No final da década de 1960, João Vida trocou os 6ha com seu vizinho

João Alves de Almeida, por 10ha de área contigua as terras da propriedade.

Com isto a área da Comunidade passa a ter então 40 ha e 500 m²; a diferença

da troca foi paga com o valor da época de 500 contos, o que significa em

valores atuais (INCRA, 2007).

Em 1960, conforme relatos orais de Izalda, João “Vida” faleceu, sendo

enterrado na própria Comunidade. Então, seu genro (casado com a filha

Arlinda, a penúltima), pai de Izalda, Sebastião Domingos da Silva, assumiu a

liderança da Comunidade e da Olaria. Visando regularizar a área permutada

com João Alves, mesmo com resistência de diversos moradores da área, que

não queriam se desfazer de terras, a Comunidade foi obrigada a vender parte

da área (cerca de 18ha), por Ncr$ 500,00 (Quinhentos cruzeiros novos) ao

proprietário vizinho, Antônio Lino, para obter recursos financeiros para pagar

um advogado para regularização.

Segundo relatos orais de Izalda, nesse período, concidente com o

desmembramento do Estado de Mato Grosso e criação do Estado de Mato

Grosso do Sul (1977), com a venda de parte do território a Comunidade

Chácara do Buriti possuía apenas 21 hectares. Este tamanho era considerado

insuficiente para que todos os moradores aptos praticassem a agricultura,

resultando em uma diáspora de pessoas, que passaram a buscar outras fontes

de renda fora da comunidade.

Aliada a esta situação de pouca disponibilidade de terras, a área era

pobre de recursos financeiros, com os moradores vivendo com dificuldade;

reflexo desta situação era a maneira como eram obtidas as roupas, feitas de

sacos de açúcar e/ou fabricados de algodão cru.

Nessa época, não havia luz elétrica e água encanada. Diante disto, a

água para consumo, dessedentação dos animais e irrigação era retirado de

poços rasos e do Córrego Buriti. A maioria dos alimentos consumidos não

necessitava de refrigeração, pois eram os grãos produzidos além dos legumes,

já as proteínas eram armazenadas de dois processos: desidratação e

84

conservação em latas. Ainda, conforme relato de Jair, a falta de água

encanada, energia elétrica e consequentemente refrigeração não causava

problemas de saúde aos moradores, ao contrário, nesse tempo eram muito

mais saudáveis do que hoje, sem a ocorrência de doenças como alta pressão

arterial, diabetes, câncer.

Até inicio de 1990, a Comunidade usava lampião a gás e/ou de

querosene e ferro de carvão. Apesar de iniciada na década de 1990, apenas

em 2003, com o Programa Luz para Todos do Governo Federal, todas as

residências tiveram acesso à energia elétrica e desta maneira, ocorreram

mudanças sociais e econômicas, com os moradores passando a adquirir bens

eletrônicos e a realizarem atividades no período noturno (INCRA, 2007).

Após 4 décadas da perda e do processo aberto no INCRA, ocorreu a

recomposição da área original, como explicado anteriormente, com a adição de

13 hectares, anteriormente vendidos com o intuito de obter condições

financeiras para a regularização fundiária da propriedade. Esta situação foi

resultado de um estudo favorável ao aumento, realizado pelo procurador

federal do INCRA, Adão Francisco de Novais, em 2005.

Uso e Ocupação do Território nas décadas de 1980, 1990, 2000 e 2010

Em 1985 é possível observar que o uso predominante da área da

Comunidade era majoritariamente explorada para pastagem, para a pecuária

de leite. No entanto, com a maior renda obtida com a olaria, a produção de

leite, com baixa produtividade (em torno de 30 litros no total de

aproximadamente 6 animais) era utilizada em sua maioria para a produção de

queijos, para consumo e venda entre os moradores e também, quando

sobrava, para os vizinhos.

Esta situação também é observada no entorno do local, com pastagens

predominando e indicando o uso pastoril da região. Também o volume hídrico

chama a atenção, indicando a origem do nome da comunidade, Buriti. Com a

quantificação da utilização do solo, feita a partir da imagem de satélite

geoprocessada do ano de 1985, foi possível perceber que a maior ocupação

era a Pastagem, seguida de Florestal e Áreas úmidas. A soma das áreas

florestais e das áreas úmidas garante a conservação de 49,86% da cobertura

vegetal.

85

Com a olaria em pleno funcionamento, a matéria-prima era retirada do

brejo, ou seja, das áreas úmidas, chamadas popularmente de veredas. As

Veredas de Buritizal são uma das fitofisionomias do Cerrado, conhecidas como

berços d’água, contém solos úmidos, argilosos ou arenosos e ácidos,

caracterizadas pelas formações da palmeira Mauritia flexuosa L.f. (Buriti) com

agrupamentos mais ou menos densos de espécies arbustivo-herbáceas

(RIBEIRO e WALTER, 1988; BOAVENTURA, 2007). Esses ambientes são

ricos em nascentes (olhos d’água), resultado de solos hidromórficos,

permanecendo a maioria do tempo alagado perenemente como consequência

do afloramento do lençol freático. Por isso, funcionam como bacias coletoras

ou vias de drenagem, sendo essenciais para a perenidade e regularidade dos

cursos

Na junção entre os Estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás, os povos

tradicionais que habitam as veredas são denominados Veredeiros. Estes,

nesse ecossistema, exercem como fonte renda atividades agroextrativistas,

como criações de gado e plantio rotativo no campo ao redor da vereda, além

da extração de diversos itens, como o Buriti, o que caracteriza sua identidade

intimamente ligada ao seu território. Segundo o Ministério do Meio Ambiente a

identidade dos Veredeiros se construiu a partir da miscigenação de indígenas

com imigrantes europeus e depois com afrodescendentes (YPADÊ, 2015). Na

Comunidade Chácara do Buriti, segundo Jair, os primeiros moradores

utilizaram as folhas secas da palmeira Buriti, na cobertura de estruturas

denominadas Paiol (utilizada na criação de aves) e Rancho (estrutura utilizada

para armazenamento dos grãos de milho).

A preferência de grupos tradicionais por locais de veredas segundo

Borges et al. (2016), ocorre, pois, “em muitas regiões do Cerrado,

especialmente as formadas por solos arenosos, bem drenados e pobres em

nutrientes, a maior parte das atividades agrícolas são desenvolvidas em áreas

próximas a cursos d’água, em especial, nas veredas (brejos ou buritizais)”.

Estas informações podem justificar o estabelecimento dos descendentes de Tia

Eva, João “Vida” nas áreas de vereda. Tia Eva e sua família, assim como os

seus companheiros de comitiva, Nortório e Borges, possuem suas raízes em

Minas Gerais e Goiás; portanto pode-se aventar que era de seu conhecimento

o potencial das áreas de Veredas e esse conhecimento foi repassado a seus

86

descendentes, que quando se viram na oportunidade de obter uma área,

buscaram características que já conheciam.

A década de 1990 está marcada na memória de toda a Comunidade, por

fatos que transformaram sua estrutura econômica, como o fechamento da

olaria. Neste período, todas as famílias da Comunidade estavam envolvidas na

Olaria, desde os mais velhos até as crianças. É uma memória que unifica a

identidade da Comunidade, onde as crianças na época, hoje adultos, ainda

lembram claramente das etapas de produção, assim como da importância

financeira da Olaria para a sobrevivência dos mesmos.

Inicialmente a produção da Olaria era focada em suprir as necessidades

primárias da Comunidade, para a construção e melhorias das residências;

portanto não se pensava em lucro, mas sim na subsistência. No decorrer da

desta década, os oleiros da Comunidade se depararam com a necessidade de

pagamentos de impostos, tais como ICMS (Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços); além disso, os custos de produção, que incluíam a

aquisição de lenha e manutenção do maquinário, além da divisão do que

sobrava para a manutenção de necessidades básicas de moradores, tornaram

inviável a produção, obrigando os moradores a finalizar a produção de tijolos e

buscar novas fontes de renda (INCRA, 2007).

Com as mudanças da lei de impostos e a taxação da produção, além do

fato de os mais jovens não se interessarem pela atividade, já que as máquinas

eram primárias e a maioria do serviço era braçal e de muito esforço, a atividade

foi extinta (MAZZARO et al., 2011).

Conforme relatos orais do Sr. Jair, a desativação da Olaria causou

grande impacto. Desta maneira, o foco dos moradores se voltou para a

agricultura (arroz, milho, feijão, mandioca, cana, abóbora) e pecuária de leite;

no entanto a área de produção não era suficiente para todos da Comunidade,

resultando na evasão em busca de emprego, fora da Comunidade; grande

parte dos que ficaram se viram na necessidade de trabalhar em fazendas

vizinhas para suprir sua demanda financeira de subsistência.

Com a análise do mapa de uso e ocupação desta década, anos 90

(Figura 2A), é possível observar que nas classes de uso de solo ocorre um

aumento considerável das áreas com solo exposto e pastagem, em detrimento

das áreas florestais, que pode ser interpretado como resultado da necessidade

87

que a Comunidade teve de explorar outras áreas de seu território, com

agricultura ou pecuária.

Em relação à cobertura vegetal, verifica-se que somadas às áreas

florestais e das áreas úmidas, a porcentagem é de 39,21%, uma redução de

10,65% em relação a 1985. O uso do solo das propriedades que cercam a

Comunidade em 1995 (Figura 2B) não se alterou em relação a 1985 (Figura

2A), mantendo-se como pastagem, floresta e áreas úmidas.

Figura 2. Mapa de uso e ocupação do solo no território da Comunidade Negra

Rural Quilombola Chácara do Buriti (Campo Grande, Mato Grosso do Sul) em:

A: 1985, B: 1995, C: 2005 e D: 2015.

A década dos anos 2000 foi marcada por novas alterações na fonte de

renda da Comunidade, ocorrendo o abandono da pecuária e fortalecimento da

agricultura familiar. Conforme informações orais de Jair e da AQBURITI, no

ano de 2005 a pecuária ainda era uma das fontes de renda para a

Comunidade; no entanto já estava enfraquecida em razão da pouca área

disponível e da área necessária ao pastejo dos animais. A renda da maioria

dos moradores advinha do trabalho nas fazendas que cercavam o território

A

1985

B

1995

2005

C

2015

D

88

quilombola, assim como da produção da agricultura familiar, baseada no cultivo

de variedades de pimentas. O cultivo foi iniciado após conversa de alguns

moradores com comerciantes do Mercado Municipal de Campo Grande

“Antônio Valente”, que os instigaram a produção para vender a eles, dando

inclusive algumas orientações sobre o cultivo. No entanto, a maioria da

produção era vendida para comerciantes de Anhanduí (Distrito de Campo

Grande), o que fez reacender nos moradores a vocação para agricultura

familiar, o que também os fez visíveis aos olhos do governo municipal,

chamando à atenção para que futuramente fossem implantadas políticas de

incentivo a essas e a outras atividades.

Na imagem de 2005, também é possível observar o surgimento de áreas

urbanizadas que correspondem às residências dos moradores. Esse fato

resultou do aumento da população da Comunidade; como exemplo, o casal

Arlinda e Sebastião Domingos da Silva tiveram 12 filhos e a maioria

permaneceu na comunidade e lá tiveram seus filhos, aumentando assim a

população local.

Também pode ser observado um aumento no solo exposto nas

propriedades ao redor da Comunidade. A proporção de área com pastagem

degradada é significante, atingindo um quarto da área (28,13%); já solo

exposto aumentou cerca de 7,47% e a área com pastagem diminuiu 33,85%.

Se considerar-se que alguns moradores voltaram sua mão-de-obra para a

produção de pimentas, essas áreas com solos expostos poderiam ser áreas

em preparo para o estabelecimento da cultura (Figura 2C). Em relação a

cobertura vegetal, a soma das áreas úmidas e das florestas, a ocupação ficou

em 35,10%, uma redução de apenas 4,11% em relação a década anterior.

A década de 2005 também é marcada pelo reconhecimento da

Comunidade. Em 05 de julho a Comunidade obteve a Certidão de Auto

reconhecimento fornecida pela Fundação Cultural Palmares (Livro de Registro

Geral n. 003 da FCP, sob o n. 257, f. 63). Isto ocorreu após processos de

conscientização dos integrantes da Comunidade pelos representantes do

Movimento Negro de Mato Grosso do Sul, que requereram ao INCRA a posse

de sua terra. Em junho de 2004 iniciam-se os trabalhos para a Regularização

Fundiária da Comunidade Quilombola Chácara do Buriti, sob processo nº

54290.000405/2004-91.

89

Cabe lembrar, que o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias da Constituição Brasileira de 1988, já estabelecia que as

comunidades remanescentes de quilombo tivessem reconhecida sua

propriedade à terra ocupada, cabendo ao Estado emitir o título de posse. No

entanto, apenas em 2003, com a publicação do Decreto nº 4.887, houve a

regulamentação do procedimento para identificação, reconhecimento,

delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas.

O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território (RTID)

da Comunidade, parte integrante do processo de regularização, foi concluído

em 2007; nele consta o território reivindicado com uma área de 43,008 ha, que

inclui a área em que a Comunidade estava estabelecida e de Antônio Lino, em

posse de Ana Lina de Menezes, sua filha. Após a finalização, emitiu-se Portaria

aprovando as conclusões do RTID e determinando a publicação de seu resumo

no Diário Oficial da União e do Estado e que essa publicação fosse afixada na

sede da Prefeitura Municipal de Campo Grande.

Entre o final de 2007 e início de 2008, a Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Econômico, Turismo, Ciência e Tecnologia e Agronegócio em

parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

(SEBRAE-MS), contemplou os moradores da Comunidade com o programa

PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável). O programa

incentivou a produção orgânica de hortaliças e incluiu assistência técnica e

direito dos produtores a vender sua produção em uma feira de orgânicos no

centro de Campo Grande.

Os quilombolas que aderiram ao programa receberam um kit, contendo

caixa d’água, canos, telas, arames, ferramentas, entre outros equipamentos,

para fomentar a produção. No entanto, os produtores não conseguiram se

adaptar totalmente a este novo modo de produção; segundo eles, “a dificuldade

em se adaptar as normas de produção e as dificuldades financeiras, uma vez

que os insumos destinados à produção orgânica são mais caros”.

Para FOSCACHES et al. (2010), apesar do objetivo do PAIS ser de

gerar renda, trabalho e meios sustentáveis para fixação do agricultor no campo,

no caso de Chácara do Buriti os autores observaram que esse projeto, mesmo

gerando renda às famílias, não poderia ser considerado uma forma de

sustentabilidade social. Isto ocorreu uma vez que a renda obtida não foi

90

suficiente para diminuir as diferenças sociais, além do fato de apenas sete

famílias serem beneficiadas com o kit. Ainda, afirmam que a Comunidade

precisava de uma melhor articulação entre seus autores sociais para buscar

uma alternativa sustentável para ela.

Nesta década, a agricultura mudou de padrão. O modo de produção

agora pode ser classificado como convencional com uso mínimo de insumos

químicos, com algumas práticas de agroecologia, como mão-de-obra familiar e

produção adaptada às condições locais. A produção se concentra nas culturas

de alface, couve, rúcula, salsa, cebolinha e abóbora; a venda é prioritariamente

para programas de incentivo a Agricultura Familiar da Prefeitura Municipal de

Campo Grande e do Governo Federal, pelo Programa de Aquisição de

Alimentos – PAA/CONAB. Os produtores possuem apoio e orientação técnica

da Prefeitura Municipal de Campo Grande.

Em 2012, a Comunidade recebeu a posse da área que pertencia a Ana

Lina de Menezes, que compreende aproximadamente 13 ha que foram

desapropriados pelo INCRA-MS sob a justificativa de que esta área atende ao

descrito no Decreto n. 4.887/2003, entendendo o território como um espaço

necessário à garantia de reprodução física, social, econômica e cultural da

Comunidade. O título foi emitido em nome da Associação Quilombola Chácara

do Buriti, entidade representante da Comunidade.

Após a oficialização da posse da terra, os moradores passaram a utilizar

esta parte da propriedade para a agricultura familiar, intensificando as áreas de

lavoura, como pode-se observar no mapa temático elaborado a partir de

imagem de satélite de 2015 (Figura 2D).

Deste modo, em 2015 (Figura 2D) é possível observar o aumento das

áreas de lavoura e área urbanizadas, tanto no território da Comunidade quanto

nas propriedades do entorno. Também visualiza-se o aparecimento da classe

vegetação campestre, que são os quintais dos moradores e as áreas

anteriormente de pastagem ou pastagem degradada, onde verifica-se a

tentativa de recomposição da vegetação.

Na análise quantitativa do mapa temático, é possível observar que em

relação ao ano de 1985 (Figura 2A), em 2015 (FIGURA 2D) a cobertura vegetal

diminui 13,30%, não há área para uso exclusivo de pastagem, em sua

substituição há 22,31% da área com pastagem degradada, vegetação

91

campestre, solo exposto e principalmente lavoura (Figura 3). O aumento das

áreas urbanizadas é justificado, uma vez que a partir do ano de 2012, os

moradores foram contemplados com três etapas do programa federal Minha

Casa Minha Vida, que no total propiciou a construção de 63 novas moradias.

Em relação ao aumento das áreas de lavoura, atualmente a produção é

vendida além dos programas já citados, também em feiras, supermercados e

revendedores. O aumento da área produtiva se deu em detrimento das áreas

de pastagem e não das áreas de preservação permanente e reserva legal.

Durante sua trajetória história, a Comunidade exerceu variadas

atividades como fonte de renda, com o foco ao longo dos anos podendo ser

dividido em momentos: (1) pecuária e agricultura de subsistência, (2) olaria,

pecuária e de subsistência, (3) pecuária, mão-de-obra à fazendas vizinhas e

agricultura de subsistência e (4) agricultura familiar e mão-de-obra à fazendas

vizinhas.

A partir de 2005 ocorre um aumento significativo tanto das áreas de

lavoura e das áreas de solo exposto, praticamente na mesma intensidade, o

que pode evidenciar o foco que a Comunidade passou a ter na agricultura

familiar, o que necessitaria de preparo de novas áreas para cultivo, que

aparecem como solo exposto no mapa temático (Figura 2C). Ao somar-se as

áreas florestais (vegetação nativa - RL) e as áreas úmidas (APP) o território a

Comunidade possui 36,56% de cobertura vegetal nativa (Figura 3), atendendo

o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012). Em seu

Art. 3º, parágrafo único, prevê que o mesmo tratamento dispensado às

pequenas propriedades ou posses rurais familiares seja dado à propriedades e

posses rurais com até 4 (quatro) módulos fiscais (no município de Campo

Grande, cada módulo corresponde a 15 hectares) que desenvolvam atividades

agrossilvipastoris, e também as terras indígenas demarcadas e às demais

áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do

seu território, não sendo especificado para estes últimos o limite de área.

A

92

Figura 3. Porcentagens das classes de uso e ocupação do solo, entre 1985 e

2015, no território da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti,

Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

O código também institui que fora da Amazônia Legal, o percentual

mínimo da área com cobertura de vegetação nativa destinada à Reserva Legal

deve se manter em 20%, permitindo que Áreas de Preservação Permanente

sejam contadas no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel. Diante

disso, a Comunidade, que é uma comunidade tradicional e possui menos que 4

módulos fiscais (2,86) atende a legislação florestal. Contudo, será necessário

ainda que a Comunidade proceda o registro da área através do Cadastro

Ambiental Rural (CAR), estabelecido pelo CFB, para que sua área de Reserva

Legal se torne consolidada.

Para a caracterização das condições ambientais atuais da Comunidade,

foram realizadas análises de qualidade da água para consumo (poço

semiartesiano) e de águas superficiais (córrego Buriti). Conforme relatam os

moradores, desde o estabelecimento dos pioneiros no território da

Comunidade, a fonte da água para consumo humana, dessedentação de

animais de criação e irrigação era proveniente de poços com profundidade até

15 metros, cavados pelos próprios moradores. Com a chegada da energia

elétrica, alguns poços passaram a ser utilizados com ajuda de uma bomba

elétrica para a retirada da água. Em 2007 foi inaugurado o sistema de

abastecimento de água e a Comunidade que passou a contar com um poço

93

tubular profundo, vazão de 10 mil litros/hora; o acionamento do bombeamento

é com sistema automático e em sequência, a água é direcionada à uma

unidade simples de tratamento com hipoclorito de sódio e armazenada em uma

caixa d’agua coletiva de 20 mil litros para posterior distribuição às casas. O

sistema foi construído pela FUNASA (Fundação Nacional da Saúde), em

parceria com a Prefeitura de Campo Grande, com recursos do PAC (Programa

de Aceleração do Crescimento).

Com o crescimento da produção agrícola na Comunidade, este poço não

conseguiu suprir a demanda e foi necessário perfurar outro poço, o qual

também foi construído pela FUNASA, que serve para consumo humano.

Visando diminuir a pressão sobre este poço comunitário, os produtores da

Comunidade investiram em alternativas para a irrigação, tais como obter água

do córrego Buriti e perfurar poços para cada produtor. Devido à legislação de

outorga do uso da água (BRASIL, 2004), atualmente os produtores obtém água

para irrigação de poços semi-artesianos localizados na própria área de

produção.

Os resultados das análises da água de consumo indicam que os

parâmetros avaliados atendem a Portaria 2914/11, do Ministério da Saúde

(BRASIL, 2011) para coliformes totais e coliformes termotolerantes (isentas),

cor (P0 = 2,5; P1= 2,5 mg PT-cor/L), pH (P0 = 6,7 ± 0,03; P1= 6,0 ± 0,04) e

Dureza total (P0 = 33,6 ± 1,24; P1= 25 ± 2,44 mg/L de CaCO3).Então, ao

atender a legislação, a qualidade que a água possui é suficiente para que ela

seja utilizada para consumo humano, sem prejuízo à saúde de quem consome.

Em relação ao Córrego Buriti, as amostras, independente da época de

coleta, apresentaram coliformes totais e termotolerantes superiores a 2400

N.M.P./100 mL, indicando contaminação do recurso hídrico antes mesmo que o

córrego adentre a área da Comunidade. Foi constatado in loco que o córrego

se encontra assoreado e atualmente não é utilizado para qualquer tipo de

atividade da Comunidade (pesca, consumo e irrigação). Conforme relato dos

morados entrevistado, antigamente o córrego era utilizado como fonte de água,

além de lavagem de roupas e louças e pesca, provavelmente devido ao fato de

nas propriedades vizinhas existirem criação de animais, como suínos e

bovinos, o que pode contribuir para essa contaminação.

94

Com base nestas informações e que o limite de coliformes

termotolerantes para classe 2 é até 1.000 N.M.P./100 mL em 80% das

amostras, pode-se inferir que o córrego está recebendo carga poluidora e que

o uso desta água para irrigação de hortaliças, atividade atual dos habitantes

locais, não é recomendada, já que possibilita o acometimento de doenças

provocadas por transmissão hídrica (VON SPERLING, 2014).

O uso e acesso a área está restrito desde 2014, quando a Comunidade

foi questionada sobre suas Reservas Legais pela Polícia Militar Ambiental de

Campo Grande e se comprometeu em cercar a área para recomposição natural

da vegetação.

Considerações Finais

A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti tem uma

relação histórica com filhos de escravos libertos de Goiânia e seus

descendentes. As relações econômicas, sociais e históricas foram baseadas,

inicialmente, no uso dos recursos naturais de seu território, o que permitiu sua

sobrevivência, através das diferentes formas de uso, demonstrando adaptação

ao que era oferecido pelo meio.

Atualmente, as áreas de pastagem diminuíram, cedendo espaço para o

surgimento das áreas de lavoura, o que reflete a mudança da fonte de renda

dos moradores. As áreas úmidas e de água, permaneceram relativamente

constantes no período avaliado, ao contrário das áreas com cobertura vegetal

que diminuíram. A análise de uso e ocupação do solo por comunidades

tradicionais podem embasar formulações de políticas públicas voltadas para

fortalecer essas comunidades e ainda contribuir para o planejamento de futuros

estudos ambientais de áreas de interesse.

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1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de

2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de

abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e

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99

Artigo III

Caracterização socioeconômica da Comunidade Negra Rural Quilombola

Chácara do Buriti, Campo Grande, Mato Grosso do Sul

Sthefany Caroline B. da Cruz-Silva

Resumo

Traçar o perfil socioeconômico de uma comunidade tradicional se mostra

importante para desenhar e desenvolver ações que preservem a identidade

cultural. Diante disso, o objetivo deste estudo foi caracterizar a situação

socioeconômica da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti,

Campo Grande – MS. Os dados dos aspectos sociais e econômicos da

população foram obtidos com base nas informações de 38 entrevistados

quanto a sexo, idade, grau de escolaridade, descendência, fonte de renda e

sistemas de produção. A Comunidade está estabelecida em 43,008 ha, com 50

residências e uma população de 180 pessoas. Dos informantes 60% tem a

renda diretamente associada a agricultura familiar. O modo de produção pode

ser classificado como convencional com uso mínimo de insumos químicos, com

algumas práticas de agroecologia, como mão-de-obra familiar e produção

adaptada aos recursos locais. Dos informantes, 71% são do sexo feminino, a

maioria descendentes diretos (bisnetos) do fundador João Vida,residentes no

local desde que nasceram (79%), com idade entre 18 e 91 anos, prevalecendo

a faixa etária de 18-30 anos (45%) e 43-55 anos (26%). No item escolaridade,

prevaleceu o Ensino Fundamental Incompleto (45%). É possível perceber que

os moradores da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti

possuem uma inter-relação com o meio natural de seu território, tornando-o

fundamental, principalmente nos últimos anos, para sua sobrevivência,

crescimento e desenvolvimento, por meio da agricultura familiar, tendo 60% da

comunidade envolvida nesta atividade.

Palavras-chave: Comunidades Tradicionais, Agricultura Familiar, Quilombos.

Abstract

Charting the socioeconomic profile of a traditional community proves important

to design and develop actions to preserve the cultural identity. Thus, the aim of

this study was to characterize the socioeconomic status of the Rural Black

100

Quilombo Community Chacara do Buriti, Campo Grande - MS. The data from

the social and economic aspects of the population were obtained based on 38

respondents information about gender, age, level of education, ancestry, source

of income and production systems. The Community is set at 43,008 ha, with 50

homes and a population of 180 people. Of respondents 60% have income

directly associated with family farming. The mode of production can be

classified as conventional with minimal use of chemical inputs, with some

agroecology practices, such as family hand labor and production adapted to

local resources. Of the respondents, 71% are female, most direct descendants

(great grandchildren) founder John Life, residents on site since birth (79%),

aged between 18 and 91 years, whichever the age group of 18-30 years (45%)

and 43-55 years (26%). In item education, elementary school Incomplete

prevailed (45%). You can see that the residents of Rural Black Community

Quilombola Chacara doBuriti have an interrelationship with the natural

environment of its territory, making it critical, especially in recent years, for their

survival, growth and development, through family farming, with 60% of the

community involved in this activity.

Keywords: Traditional communities, Family agriculture, Quilombos.

Introdução

A Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais (CNPCT), criada em 2004, pelo Governo Federal,

coordena e acompanha a implementação da Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais

(PNPCT). Além disso, a CNPCT é responsável por propor os princípios e

diretrizes para políticas relevantes ao desenvolvimento sustentável dos povos e

comunidades tradicionais no âmbito do Governo Federal e monitorar ações

voltadas ao alcance dos objetivos específicos da PNPCT (PORTAL YPADÊ,

2015).

A CNPCT reconhece a existência de 30 segmentos de povos e

comunidades tradicionais distribuídas por todas as regiões do território

brasileiro. Dentre estas comunidades temos os quilombolas, com 2849

comunidades distribuídas em todas as regiões do país, com maior número nas

regiões Nordeste e Sudeste, com 1804 e 402 comunidades respectivamente

101

(FCP, 2016). Na região Centro-Oeste existem 126 comunidades, destas, 22

estão localizadas em Mato Grosso do Sul, sendo três em Campo Grande,

capital do Estado. As Comunidades Negras São João Batista e Comunidade

Eva Maria de Jesus - Tia Eva (Vila São Benedito) estão na área urbana da

cidade enquanto a Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti está

localizada em área rural do município (FCP, 2016).

A trajetória histórica dessa comunidade inicia-se com a chegada, em

1905, da comitiva da ex-escrava Tia Eva (Goiás-GO) junto a outros núcleos

familiares oriundos de Uberaba-MG; na região dos Campos de Vacaria, atual

cidade de Campo Grande. As famílias e seus descendentes se estabeleceram

no município, na região onde atualmente é o Bairro São Benedito, onde fica a

Comunidade Remanescente de Quilombo “Eva Maria de Jesus - Tia Eva (Vila

São Benedito) ” (MAZZARO et al., 2011; INCRA, 2007). Entre as décadas de

1920 e 1930, descendentes de uma das filhas de Tia Eva se estabeleceram em

áreas rurais ao redor do município, às margens do córrego Buriti, onde está a

Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, que obteve registro

pela Fundação Cultural Palmares e publicação no Diário Oficial da União no dia

19/05/2005.

Ao longo de sua trajetória histórica a Comunidade Chácara do Buriti

passou por diversas mudanças em sua conformação demográfica e

socioeconômica. Inicialmente, a comunidade praticava agricultura de

subsistência e pecuária, até a década de 1950, posteriormente uma das fontes

de renda foi a olaria, sendo a matéria-prima (argila) retirada da área de veredas

dentro da Comunidade. Com as mudanças da lei de impostos e a taxação da

produção, além do fato dos mais jovens não se interessarem pela atividade, já

que as máquinas eram primitivas e o serviço em sua maioria era braçal e de

muito esforço, esta atividade foi extinta (INCRA, 2007). Atualmente a

comunidade se dedica a agricultura familiar e é possível perceber ao analisar

trabalhos já realizados na Comunidade (INCRA, 2007; FOSCACHES et al.,

2010; MAZZARO et al., 2011; TERRA, 2011) e ao observar a sua

contemporaneidade que a Comunidade está em transição.

Na última década, a Comunidade sofreu transformações econômicas

que conduziram à um maior convívio com a população urbana. Essas

mudanças foram reflexo da maior atenção governamental que a comunidade

102

recebeu ao ser beneficiada com programas municipais de apoio à agricultura

familiar, estaduais e federais além de unidades habitacionais, refletindo na

situação econômica e consequentemente em outros aspectos sociais da

Comunidade.

Mesmo conservando sua identidade étnica, que deriva da sua

localização rural e reflete em sua organização social, as comunidades

tradicionais ao entrarem em contato com as chamadas sociedades

industrializadas ou urbanizadas, que possuem uma organização social e

cultural divergente da sua, modificam seu estilo de vida e seus padrões de

subsistência (SILVA e SILVA, 2015). Essas novas oportunidades vêm de

encontro com as tradições de organização social e cultural da comunidade.

Considerando-se que, o “estilo de vida, forma de ver, fazer e sentir o

mundo” estão relacionados com território e a identidade em uma comunidade

quilombola (SEPPIR, 2004), é importante traçar o perfil socioeconômico atual

da comunidade. Objetivando que, a partir dele seja possível sugerir ações que

preservem a identidade cultural assim como ações que supram as

necessidades atuais da Comunidade. Diante deste cenário o objetivo deste

trabalho foi diagnosticar o perfil socioeconômico da Comunidade Negra Rural

Quilombola Chácara do Buriti, analisando informações sobre a caracterização

do informante, seu grau de escolaridade, fonte de renda e sistemas de

produção.

Procedimentos Metodológicos

Caracterização da Área de Estudo

A CNRQ Chácara do Buritiestá localizada no km 449 da BR 163, a 18

km ao sul do limite urbano do município de Campo Grande, Mato Grosso do

Sul (S20°44’31.12” e O54°31’58.77”). Nessa localização a Comunidade está

sobre Bacia Hidrográfica do Rio Paraná, Sub-bacia do Rio Pardo, na

Microrregião Homogênea (MRH) de Campo Grande (AMARAL FILHO, 1989).

103

Figura 1. Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti em 2015.

Fonte: Adaptado de Digital Globe, satélite GeoEye-1, 2016 (CRUZ-SILVA,

2016).

O clima enquadra-se no tipo climático Aw (Clima Tropical de Savana),

com duas estações bem definidas: quente e úmida no verão e fria e seca no

inverno. A amplitude térmica é grande, nos meses de inverno a temperatura

pode cair drasticamente, sendo que a temperatura média está em torno de

22ºC. A precipitação média é de 1500mm ao ano, com variações para mais ou

para menos (KÖEPPEN, 1948).

Os dados foram obtidos com aplicação de questionários com membros

da Comunidade, contendo aspectos sociais e econômicos da população, dados

do informante, como seu grau de escolaridade, fonte de renda e sistemas de

produção.Em um primeiro momento houve reuniões com a diretoria da

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti

(AQBURITI), representada por sua presidente, para a obtenção das devidas

permissões e esclarecimentos referente à pesquisa dentro do território.

Posteriormente realizou-se uma reunião com os moradores da

Comunidade onde foi realizada a leitura coletiva do Termo de Consentimento

104

Livre e Esclarecido. Após o esclarecimento de dúvidas referentes aos termos,

estes foram assinado por aqueles que concordaram em participar da pesquisa.

Este procedimento seguiu a solicitação do Conselho Nacional de Saúde por

meio do Comitê de Ética em Pesquisa, resolução n°196/1996 (CONSELHO

NACIONAL DE SAÚDE, 1996). Como envolve seres humanos, este trabalho foi

previamente submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade

Anhanguera – Uniderp e aprovado, sob parecer nº 1.354.762.

Os dados foram coletados no período entre agosto de 2015 e março de

2016. Foram visitadas todas as residências da comunidade, sendo entrevistado

um morador adulto (acima de 18 anos) por residência que se encontrava

presente no momento da visita. Os dados da pesquisa foram armazenados em

um banco de dados, utilizando-se o programa MS Excel® e foi utilizado a

ferramenta Solver para realizar a estatística descritiva dos dados.

Resultados e Discussão

Caracterização da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti

A Comunidade, está atualmente estabelecida em 43,008 ha, sobre os

quais existem 72 residências, com uma população de cerca de 180 pessoas.

Esse resultado demonstra o crescimento da mesma, uma vez que TERRA

(2011), relatou que, nesta data, os habitantes somavam 80 pessoas, divididas

em 21 habitações e em 50 núcleos familiares e encontrava-se em processo de

regularização da incorporação de novas áreas ao território da época, 30 ha.

O aumento do território ocorreu com a adição de 13 hectares, resultado

de um estudo favorável ao aumento realizado pelo procurador federal do

INCRA, Adão Francisco de Novais. Essa área havia sido propriedade da CNRQ

Chácara do Buriti, mas fora vendida com o intuito de obter condições

financeiras de iniciação da comunidade, em 2005; o procurador federal

entendeu que deveria ser restituída (INCRA, 2007).

Em entrevista com a presidente da Associação da Comunidade Negra

Rural Quilombola Chácara do Buriti - AQBURITI, Lucinéia de Jesus Domingos

Gabilão, esta relata que em 2012, a comunidade foi contemplada pelo

programa Minha Casa Minha Vida, e neste mesmo ano foram construídas 11

moradias. Antes dessa etapa, 10 moradias eram ocupadas por 80 moradores,

portanto havia residências com mais de um núcleo familiar. Os filhos do casal

105

progenitor, que construiu a moradia, se casavam e não tinham recursos para

construir sua própria residência e, por isso, continuavam junto aos pais. Nesse

sentido, essa primeira etapa resolveu este problema de superocupação das

residências (informação pessoal)2.

A comunidade ainda foi beneficiada por mais duas etapas do programa

Minha Casa Minha Vida, uma com a construção de 16 casas e, na outra, 36

casas. Na primeira e segunda etapa, os moradores não ficaram obrigados a

pagar pelas moradias; já na terceira etapa, foi assumido uma dívida no valor de

R$ 1.140,00 (mil cento e quarenta reais), pagas em parcelas anuais no valor

R$ 285,00, por quatro anos (informação pessoal)1.

A segunda e a terceira etapa contemplaram inicialmente algumas

famílias e membros que se encaixavam no caso de superpopulação de uma

residência. Os demais contemplados foram moradores que emigraram da

Comunidade, e que por direito reconhecido pelo Estatuto da Comunidade,

desejavam retornar ou que apenas desejavam ter uma moradia lá para ocupar

em finais de semana ou férias. Com isto, de 2012 a 2015 foram construídas 68

novas moradias (informação pessoal)1.

A fonte de renda da comunidade em seus primórdios era advinda da

agricultura de subsistência, pecuária e de uma olaria de propriedade dos

moradores. Após uma série de adversidades a maioria dos moradores

passaram a ter como fonte de renda o trabalho como peão em fazendas

vizinhas, postos de combustíveis e também em empresas vizinhas à

comunidade. Assim apenas uma pequena parcela da população continuou se

dedicando a agricultura familiar, principalmente no cultivo de pimentas, e a

criação de pequenos animais para consumo e venda.

No final de 2007 e início de 2008, a Comunidade começou a participar

do programa PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável) junto a

Prefeitura Municipal de Campo Grande – MS. Dentro desse projeto, alguns

produtores da comunidade foram contemplados com um kit para fomentar a

produção orgânica de hortaliças. O apoio da Prefeitura também incluiu

assistência técnica e posteriormente, direito de a comunidade vender sua

2 Informação fornecida por Lucineia de Jesus Domingos Gabilão, presidente da

Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti – AQBURITI, durante a pesquisa.

106

produção em uma feira de orgânicos no centro de Campo Grande. Deste

programa apenas 1 morador conseguiu a certificação de produtos orgânicos,

os demais produtores não se adaptaram a este modo de produção, fato este

atribuído a eles a dificuldade de seguir as normas de produção de orgânicos e

dificuldades financeiras.

Cabe ressaltar que, segundo FOSCACHES et al. (2010), apesar do

objetivo do PAIS ser de gerar renda, trabalho e meios sustentáveis para fixação

do agricultor no campo, no caso de Chácara do Buriti os autores observaram

que esse projeto, mesmo gerando renda às famílias, ele não poderia ser

considerado uma forma de sustentabilidade social. Uma vez que a renda obtida

não era suficiente para diminuir as diferenças sociais, além do fato de apenas

sete famílias serem beneficiadas com o kit, fazendo com que essa suposta

sustentabilidade social não possa ser estendida a comunidade. Ainda, afirmam

que a Comunidade precisava de uma melhor articulação entre seus autores

sociais para buscar uma alternativa sustentável para ela.

Hoje, o modo de produção pode ser classificado como convencional

com uso mínimo de insumos químicos, com algumas práticas de agroecologia,

como mão-de-obra familiar e produção adaptada aos recursos locais.

Perfil socioeconômico

De acordo com o mais recente levantamento realizado pela AQBURITI,

a Comunidade conta atualmente com 72 residências construídas. Destas, 22

não estão habitadas ou pertencem a descendentes que a utilizam apenas nos

finais de semana ou férias, restando, portanto, 50 casas habitadas. Destas 50

residências habitadas permanentemente foram entrevistados moradores em 38

moradias e 12 representantes se recusaram a participar da pesquisa. Parte da

desistência ocorreu após a leitura do TCLE e outra parte durante o

preenchimento dos questionários, alegando motivos diversos.

Dos 38 informantes prevaleceu o sexo feminino (71%). Outros trabalhos

realizados na região Centro-Oeste também tiveram as mulheres como

principais informantes nas comunidades (RODRIGUES e CARLINI, 2003;

PASA et al., 2015), assim como na Comunidade São Benedito (Campo

Grande-MS) (SCHARDONG e CERVI, 2000), que foi fundada pela Tia Eva, ex-

escrava avó do fundador da CNRQ Chácara do Buriti.

107

Ao manter diversas tradições históricas, as comunidades quilombolas

preservam o valor histórico e cultural do papel da mulher em uma família.

Responsável pelas atividades domésticas, muitas vezes as mulheres, com a

saída do homem em busca de renda, se tornam responsável pelo espaço no

entorno de sua residência como horta, roça e pomares (PASTORE et al., 2006;

OLIVEIRA e DALCIN, 2008), desempenhando as funções de “produtoras de

alimentos, administradoras dos recursos naturais, angariadoras de receitas e

zeladoras da alimentação doméstica e da segurança nutricional das pessoas”

(QUISUMBING e MEIZEN-DICK, 2001).

A idade dos entrevistados ficou entre 18 e 91 anos, prevalecendo a faixa

etária de 18-30 anos (45%) e 43-55 anos (26%) (Figura 2). A prevalência de

entrevistados com idade entre 18 e 30 anos é reflexo da nova conformação

habitacional alcançada pelo benefício do Programa Minha Casa Minha Vida.

Diante do beneficiamento da Comunidade, pelas unidades habitacionais,

muitos jovens solteiros e recém-casados saíram da residência de seus pais e

empreenderam nova moradia, formando um novo núcleo familiar.

A prevalência de escolaridade dos entrevistados foi a de Ensino

Fundamental Incompleto, com 45%, seguido de Ensino Médio Completo,

Ensino Médio Incompleto, Ensino Superior Incompleto e em menor proporção,

com 8%, estão os entrevistados que não frequentaram a escola (Figura 3).

Figura 2. Idade dos entrevistados. Comunidade Negra Rural Quilombola

Chácara do Buriti, Campo Grande-MS, 2016.

108

Mesmo não estando muito distantes de um município, que inclusive é a

capital do Estado, os membros da CNRQ Chácara do Buriti enfrentaram

durante sua trajetória muitas dificuldades para evoluir em seus estudos. Na

década de 1940 o fundador da Comunidade, João Vida, chegou a contratar um

professor particular para proporcionar educação formal a todas as crianças da

Chácara do Buriti, mas diante das dificuldades financeiras foi forçado a abdicar

da atividade. As crianças passaram então a frequentar uma escola rural que

ficava cerca de sete quilômetros da Chácara, na região conhecida como

Cachoeirinha (INCRA, 2007).

A baixa escolaridade da maioria dos informantes pode ser justificada

pela dificuldade enfrentada pelos moradores da Comunidade para escolarizar-

se há décadas. Em tempos em que a única forma de locomoção era a pé ou

em carroças, a educação formal foi deixada em segundo plano, conforme relato

dos moradores. O esforço para o deslocamento e a distância até a escola,

além de falta de recursos para aquisição dos materiais necessários, fizeram

com que muitos não tivessem oportunidade de concluir o ensino fundamental.

Figura 3. Escolaridade dos entrevistados. Comunidade Negra Rural

Quilombola Chácara do Buriti. Campo Grande-MS, 2016.

Somado a isso, ainda há o fato de que as crianças e jovens, naquela

época, também contribuíam com mão-de-obra para a principal atividade

econômica na Chácara do Buriti, a produção de tijolos. A partir da idade de oito

anos as crianças já eram admitidas para ajudar na produção de cerca de dez

109

mil tijolos diariamente, que possuíam a gravação JAS, iniciais do nome oficial

de João Vida (INCRA, 2007).

A iniciação precoce como mão-de-obra e a dificuldade de locomoção

que reflete na baixa escolaridade dos mais velhos, também é percebida em

diversas comunidades quilombolas, como por exemplo, da Comunidade São

Benedito, em Campo Grande-MS (SCHARDONG e CERVI, 2000),

Comunidade Quilombola de Kalunga de Cavalcante-GO (FERREIRA et al.,

2015) e Comunidade Mata Cavalo de Baixo, em Nossa Senhora do

Livramento-MT (PASA et al., 2015).

Além disso, pode-se aventar que, somado a essas dificuldades,

conforme ANJOS e CYPRIANO (2006), o conteúdo ministrado pelas escolas

não considerava as especificidades da comunidade. Fato esse que pode ser

observado ainda na contemporaneidade, o que pode refletir no baixo

rendimento dos escolares contemporâneos da Comunidade.

Devido ao fato de verificar-se que, mesmo estando em vigor a Lei nº

10.639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino da temática "História e

Cultura Afro-Brasileira" (que inclui os tópicos: História da África e dos Africanos,

a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da

sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,

econômica e política pertinentes à História do Brasil) na Rede de Ensino

Brasileira, isso não reflete nem na Escola mais próxima da CNRQ Chácara do

Buriti, a Escola Municipal José do Patrocínio frequentada por todos os

escolares da Comunidade, que cursam o ensino fundamental (CRUZ-SILVA et

al., 2015).

Mesmo a escolha do nome dessa Escola Municipal ser uma homenagem

a Comunidade, já que José do Patrocínio foi um jornalista abolicionista, as

crianças da comunidade desconhecem a história do nomeador da Escola,

assim como a relação da comunidade com essa escolha.

Além disso, 75% das crianças afirmam já terem estudado sobre os

negros na Escola, mas quase 40% afirmam que não ouviram falar na Escola

sobre os conhecimentos (cultura) trazidos pelos negros ao Brasil, dos que

afirmaram já ter ouvido falar 60% afirmaram como conhecimento apenas a

capoeira e a feijoada, o que demostra um conhecimento superficial sobre a

cultura afrodescendente repassada pela educação formal (CRUZ-SILVA et al.,

110

2015). Nesse sentido, ressalta-se a importância de docentes estarem atentos

às concepções prévias dos estudantes, uma vez que as salas de aula são

espaços multiculturais, de modo a facilitar o processo de aprendizagem

(BAPTISTA, 2010).

Percebe-se, portanto, que é necessário que sejam realizadas ações no

sentido de propiciar oportunidades para que esses membros menos

escolarizados possam, mesmo que minimamente, serem alfabetizados, ainda

mais é necessário que se busque resgatar às novas gerações o histórico da

comunidade e fazer com que os responsáveis pela educação formal das novas

gerações percebam a necessidade de um ensino/aprendizagem interdisciplinar

e contextualizada que propicia uma relação entre ensino e as questões étnico-

raciais, resgatando e validando os conhecimentos prévios e tradicionais dos

estudantes.

O alto índice de parentesco entre os membros de uma comunidade

resulta em maior homogeneidade cultural, preservação e uso dos recursos

naturais, características importantes em comunidades tradicionais, segundo

SCHARDONG e CERVI (2000). Dos informantes, 79% são descendentes

diretos do fundador. Dos descendentes diretos, uma (3,3%) é filha de João

Vida, uma (3,3%) é tataraneta, doze (40,0%) são netos e a maioria, 53,3%

(dezesseis) são bisnetos.

Dos informantes, 3%, apesar de serem descendentes direto de João

Vida, só passaram a residir permanentemente na Comunidade depois da última

etapa de construção de habitações pelo programa Minha Casa Minha Vida,

18% passou a residir na comunidade após se casar com um membro local e

79% são residentes da Comunidade desde que nasceram. Destes, 61%

sempre moraram no local e o restante em algum momento residiu fora da

comunidade, buscando melhores condições de renda, e depois retornaram,

permanecendo no local.

Os entrevistados que passaram a morar recentemente e os que voltaram

ao local depois de um período fora, alegam que o motivo da volta é por

considerar que na comunidade há mais chances de uma vida melhor, sem

necessidade de pagar aluguel e com melhores oportunidades de trabalho, tanto

dentro da comunidade como em seu entorno.

111

A ocupação do território por várias gerações, mesmo havendo êxodo

eventual e retorno de alguns membros, a relevância do núcleo familiar e as

relações de parentesco nas atividades econômicas e a auto-identificação de

pertencer a uma cultura diferente, são alguns dos elementos que caracterizam

comunidades tradicionais (DIEGUES, 2001) e estão presentes na CNRQ

Chácara do Buriti.

Como responsáveis pelos domicílios, 68,42% apontaram os homens e

31,58% apontaram que eram mulheres as principais responsáveis. Pode-se

observar que mesmo a maioria dos presentes na reunião de assinatura do

TCLE e dos informantes serem mulheres, a maioria das residências tem o

homem, como principal responsável. Esse resultado confirma a posição de

PASTORE et al. (2006), que afirmam que no meio rural ao se conservar as

tradições de valores patriarcais, o homem é superior a mulher, tornando-o

“chefe de família, cuidando dos negócios enquanto a mulher é responsável

pela “lida do lar”, mas sem a figura de responsabilidade.

A importância dada aos núcleos familiares é um dos elementos que

caracterizam as comunidades tradicionais, segundo DIEGUES (2001). Na

Comunidade a importância da família, do núcleo familiar, quanto instituição é

percebida quando se observa que os solteiros são 31,57% e a maioria

(68,41%) dos informantes possuem ou já possuíram relação conjugal. Do total,

57,89% são casados, 5,26% viúvos e 5,26% vive sob união estável.

Atualmente 60,0% dos informantes tem sua renda diretamente associada à

agricultura familiar, seguidos pelos aposentados (20%), empregados de

particulares e autônomos (14,3%) e em menor proporção encontram-se

aqueles que não possuem fonte de renda própria (5,7%) (Figura 4).

A produção da agricultura familiar se concentra nas culturas de: alface,

couve, rúcula, salsa, cebolinha, abóbora; e a venda é prioritariamente para

programas de incentivo a Agricultura Familiar da Prefeitura Municipal de

Campo Grande e do Governo Federal, pelo Programa de Aquisição de

Alimentos – PAA/CONAB. A maioria dos informantes, 88,6%, possuem renda

de até 1 salário mínimo. É possível verificar o quanto hoje a renda da

Comunidade está ligada ao desenvolvimento da agricultura familiar.

112

Figura 4. Fonte de renda dos informantes. Comunidade Negra Rural

Quilombola Chácara do Buriti. Campo Grande, MS.

É possível perceber a importância das atividades de subsistência,

mesmo apresentando canais para venda da produção, muito do que é

produzido está ligada a subsistência do núcleo familiar. Essa característica

aliada à tecnologia de produção simples, com mão-de-obra familiar

predominando no processo são mais dois elementos caracterizantes de

comunidades tradicionais, segundo DIEGUES (2001).

Em curto espaço de tempo, levando-se em consideração os estudos de

FOSCACHES et al. (2010), MAZZARO et al. (2011) e TERRA (2011), foi

restituída à Comunidade parte de seu território, seus membros duplicaram

assim como quantidade de residências.

Observou-se que a Comunidade alcançou segurança jurídica quanto ao

seu território e utilizando-o como principal fonte de renda consegue

desenvolver a atividade econômica que acreditam ter vocação, a agricultura

familiar. Para tanto superaram, através da força de união e tradição, percalços

como o insucesso do programa PAIS, que se mostrou inviável para a realidade

econômica naquele momento e como alertado por FOSCACHES et al. (2010),

insustentável como ferramenta de para diminuir as diferenças sociais.

113

Conssiderações Finais

Conclui-se que no contexto histórico o perfil socioeconômico da

Comunidade foi se alterando principalmente com o incentivo da agricultura

familiar e mais recentemente com o benefício do programa Minha Casa Minha

Vida, que possibilitou o retorno de descendentes dos fundadores da

Comunidade.

Apesar das mudanças observadas na organização desta população, a

maioria da população reside no local desde nasceram e são descendentes

diretos do fundador. Constata-se uma baixa escolaridade na Comunidade

(ensino fundamental incompleto) homens são os responsáveis pela renda

familiar que é de até 1 salário mínimo.

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117

Artigo IV

Uso da biodiversidade vegetal na Comunidade Negra Rural Quilombola

Chácara do Buriti (Campo Grande – MS)

Sthefany Caroline B. da Cruz-Silva

Resumo

A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti é a única de Campo

Grande, Mato Grosso do Sul, localizada em área rural. Esse fato associado ao

alto nível de parentesco entre os moradores e a relação histórica estabelecida

pela Comunidade com seu território, resulta no uso dos recursos naturais

desse como parte de sua identidade cultural, sendo o saber etnobotânico um

dos reflexos deste uso. Assim, o presente artigo tem como objetivo realizar o

estudo etnobotânico das plantas utilizadas na medicina tradicional aliada aos

saberes populares pelos integrantes desta Comunidade. A coleta dos dados

ocorreu em entrevistas utilizando roteiro semiestruturado. As indicações de uso

foram agrupadas com base na classificação de doenças proposta pela OMS e

Após a catalogação e tabulação, foram calculados os índices de Valor de Uso

(VU) e Importância Relativa (IR). Dos entrevistados, 89,5% utilizam plantas

medicinais para prevenir e tratar enfermidades, relatando o uso de 80 espécies,

com maior frequência das famílias Asteraceae (13,75%), Fabaceae (8,75%) e

Lamiaceae (7,5%), com 40% cultivada, 31,25% coletada e 20% comprada. O

principal modo de uso é a forma de chá (33,96%), seguido do emplasto

(15,09%) e o suco (7,55%), com a parte mais empregada nas preparações

sendo a folha, seguido de raiz e casca do caule. As únicas espécies que

apresentaram valores de VU e IR acima da média, simultaneamente são: Ruta

graveolens (arruda), Mentha spicata (hortelã), Baccharis crispa (carqueja),

Costus spicatus (cana de macaco/cana do brejo), Gymnanthemum

amygdalinum (boldo), Hymenaea courbaril (jatobá), Kielmeyera speciosa (folha-

santa), Matricaria chamomilla (camomila) e Momordica charantia (melão-de-

São-Caetano). A maioria (22,29%) das plantas são indicadas para tratamento

de sinais e sintomas gerais; doenças dos sistemas respiratório e genito-urinário

(16,56%) e, sistema digestivo (14,01%). Os resultados demonstram que a

Comunidade Chácara do Buriti tem um conhecimento da biodiversidade de seu

território e que o uso dessas plantas é repassado oralmente pelos mais antigos

118

da Comunidade, contudo verifica-se que há necessidade de resgatar e

fortalecer esse saber, garantindo sua posse às gerações futuras.

Palavras-chave: Comunidade tradicional, Quilombos, Etnobotânica, Espécies

terapêuticas.

Abstract

The Community Rural Black Quilombo Chacara doBuriti is the only Campo

Grande, Mato Grosso do Sul, located in a rural area. This fact associated with

high levels of relationship between the residents and the historical relationship

established by the Community on their territory, results in the use of natural

resources such as part of their cultural identity, and the ethnobotanical

knowledge of the consequences of this use. Thus, this article aims to conduct

ethnobotanical study of plants used in traditional medicine combined with the

popular knowledge by members of this community. Data collection occurred in

interviews using semistructured script. The instructions for use were grouped

based on the classification proposed by WHO and diseases After cataloging

and tabulation were calculated indexes of Use Value (VU) and Relative

Importance (IR). Of the respondents, 89.5% use medicinal plants to prevent and

treat diseases, reporting the use of 80 species, most often of the Asteraceae

(13.75%), Fabaceae (8.75%) and Lamiaceae (7.5%), cultured with 40%,

31.25% and 20% purchased collected. The main mode of use is in the form of

tea (33.96%), followed by poultice (15.09%) and the juice (7.55%), with the

most used in the preparations of the sheet being followed root bark and the

stem. The only species showing VU values and IR above average, both are:

Ruta graveolens (arruda),Mentha spicata (hortelã), Baccharis crispa (carqueja),

Costus spicatus (cana-de-macaco/cana-do-brejo), Gymnanthemum

amygdalinum (boldo), Hymenaea courbaril (jatoba), Kielmeyera speciosa (folha-

santa), Matricaria chamomilla (camomila) and Momordica charantia (melão-de-

São-Caetano). The majority (22.29%) of plants are suitable for the treatment of

general symptoms and signs; respiratory and urogenital systems (16,56%) and

digestive system (14.01%). The results show that the Community Chacarado

Buriti has a knowledge of the biodiversity of its territory and that the use of

these plants is passed on orally by the oldest of the Community, but it turns out

119

that there is need to rescue and strengthen this knowledge, ensuring their

possession to future generations.

Keywords: Traditional community, Quilombos, Ethnobotany, Therapeutic

species.

Introdução

Em países em desenvolvimento, 80% da população faz uso dos

conhecimentos tradicionais para os cuidados básicos de saúde, utilizando de

plantas medicinais ou preparações (WHO, 2001); principalmente para

comunidades isoladas, pode ser a única opção terapêutica (OLIVEIRA et al.,

2011; SHARMA et al., 2012). O Brasil, dentre os países em desenvolvimento, é

rico em diversidade de espécies vegetais, com a exploração de recursos

genéticos de plantas medicinais relacionada, em grande parte, ao uso popular

(ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO, 2006). O conhecimento indígena,

associado à influência europeia (com plantas introduzidas como medicamento

e ervas aromáticas) e africana, com plantas trazidas pelos negros para serem

usadas como medicinais e em parte nos ritos religiosos propiciou uma vasta

lista de espécies utilizadas regularmente pelas comunidades tradicionais

(DIEGUES et al., 2001).

Muitas dessas espécies são utilizadas na atualidade e uma das

contribuições para a continuidade desta cultura vem das comunidades

tradicionais (CT), as quais detém em grande parte este conhecimento. Porém

este conhecimento sofre ameaça constante devido à influência direta da

medicina ocidental moderna e pelo desinteresse dos jovens das comunidades,

interrompendo assim o processo de transmissão do saber entre as gerações

(AMOROZO, 2002).

Dentre as CT’s brasileiras estão os quilombolas e as áreas

remanescentes de quilombo, que são frutos de um processo histórico da

formação da nação brasileira, originada na colonização portuguesa no século

XVI (TERRA, 2011). Essas comunidades têm seus hábitos estreitamente

condicionados aos ciclos naturais; desta forma, o conhecimento sobre o uso

dos recursos naturais foi se acumulando nestas populações, as quais detém

informações valiosas de espécies empregadas para fins terapêuticos

(SARAIVA et al., 2015). Atualmente, há 2849 comunidades remanescentes de

120

quilombos em todo o país (FCP, 2016). No Estado de Mato Grosso do Sul, são

reconhecidas 22 comunidades quilombolas e em Campo Grande, capital do

Estado, estão localizadas duas comunidades na área urbana e uma na área

rural. A comunidade rural, chamada de Comunidade Negra Rural Quilombola

Chácara do Buriti está localizada no Centro-Oeste, em área do bioma Cerrado

(FCP, 2015; INCRA, 2015).

A história desta Comunidade teve início no final do século XIX, com

registro pela Fundação Cultural Palmares em 2005 (INCRA, 2007).

Inicialmente, a comunidade praticava agricultura de subsistência e pecuária até

a década de 1950. Após este período, por 30 anos se dedicaram a olaria e

pecuária e atualmente a fonte de renda dos moradores advém da produção

agrícola local e de empregos fora da Comunidade (FOSCACHES et al., 2010).

Como essa comunidade está localizada em área rural, mais distante dos polos

de atendimento público de saúde, os moradores ainda priorizam o uso de

plantas no tratamento primário de doenças (INCRA, 2007; GUERRA et al.,

2010). Além disso, existe ainda um elevado índice de parentesco entre seus

integrantes, o que para SCHARDONG e CERVI (2000), permite maior

homogeneidade cultural, preservação das tradições e uso dos recursos

naturais.

Cabe ressaltar que, estudos etnofarmacológicos e etnobotânicos são as

principais abordagens para selecionar essas plantas com potencial terapêutico,

além de esses estudos possuírem baixo impacto biológico, econômico e social

(ALBUQUERQUE e FRAGA-FILHO, 2006).

Diante disso, o objetivo deste estudo é realizar o estudo etnobotânico

das plantas utilizadas pelos integrantes da Comunidade Negra Rural

Quilombola Chácara do Buriti, no município de Campo Grande, Mato Grosso

do Sul, Brasil. As informações obtidas permitirão conhecer suas formas de uso,

modo de preparo, partes utilizadas, bem como sua identificação botânica, além

do valor de uso e importância relativa atribuído a cada espécie, como forma de

resgatar o conhecimento tradicional local.

121

Procedimentos Metodológicos

Caracterização da Área de Estudo

A Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti (CNRQ

Chácara do Buriti) está situada a cerca de 18 km do limite urbano da Capital do

Estado de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, Brasil, tendo como ponto as

coordenadas S20°44’31.12”; O54°31’58.77”, no km 449 da BR 163 (Figura 1).

Figura 1. Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti em 2015.

Fonte: Adaptado de Digital Globe, satélite GeoEye-1, 2016. Fonte: CRUZ-

SILVA (2016).

O clima enquadra-se no tipo Clima Tropical de Savana, com duas

estações bem definidas: quente e úmida no verão e fria e seca no inverno. A

amplitude térmica é grande e nos meses de inverno, a temperatura pode cair

drasticamente, sendo que a temperatura média está em torno de 22ºC. A

precipitação média é de 1500 mm ao ano, com variações para mais ou para

menos (KÖEPPEN, 1948).

A Comunidade está localizada no bioma Cerrado (BRASIL, 2016) e as

fitofisionomias encontradas são: Cerrado sensu stricto; Savana Arbórea

Densa (cerradão); Vereda de Buritizal e Mata de Galeria Inundável, com solos

latossolo roxo distrófico e eutrófico (INCRA, 2007).

122

Coleta de dados e do material botânico

Inicialmente recorreu-se a liderança da Comunidade, na forma da

presidente da AQBURITI (Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola

Chácara do Buriti), onde em reunião foi esclarecido os objetivos do estudo e

buscou-se apoio e permissão para desenvolvimento do trabalho. Em um

segundo momento, foi realizada uma reunião com os moradores da

Comunidade e feita a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(TCLE), conforme solicitação pelo Conselho Nacional de Saúde por meio do

Comitê de Ética em Pesquisa, Resolução n°196/1996 (CONSELHO NACIONAL

DE SAÚDE, 1996). Como envolve seres humanos, este trabalho foi

previamente submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade

Anhanguera – Uniderp e aprovado, sob parecer nº 1.354.762.

A Comunidade, atualmente está estabelecida em 43,0080 ha, sobre os

quais existem 72 residências, com uma população de cerca de 180 pessoas.

Desse total de residências, 22 não estão habitadas ou pertencem a

descendentes que a utilizam apenas nos finais de semana ou férias, restando,

portanto, 50 casas habitadas. Os dados foram obtidos com aplicação de

questionários, no período entre agosto e setembro de 2015. Foram visitadas as

38 residências, as quais seus representantes aceitaram participar da pesquisa;

foi entrevistado um morador adulto (acima de 18 anos) que se encontrava

presente no momento da visita, que ocorreram em diversos dias da semana.

Os representantes das casas restantes (12) não aceitaram participar da

pesquisa, parte da desistência ocorreu após a leitura do TCLE e outra parte

durante o preenchimento dos questionários, alegando motivos diversos.

O questionário foi composto de 5 perguntas sobre a utilização ou não

de plantas para fins terapêuticos, as variáveis avaliadas foram como as

doenças eram tratadas, uso de plantas medicinais e a origem do

conhecimento, sendo a última questão uma tabela onde foram colocadas as

seguintes informações: nome da planta medicinal, órgão vegetal utilizado,

indicação, modo de preparo, se é coletada, cultivada ou comprada, local de

coleta, cultivo ou compra. As entrevistas foram conduzidas de forma livre,

utilizando a linguagem regional, para evitar possíveis constrangimentos dos

entrevistados.

123

As indicações de uso foram agrupadas com base na classificação de

doenças proposta pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 2010) e os

sinais ou sintomas que não puderam ser inclusos nesta classificação, foram

agrupadas na categoria “sintomas e sinais gerais”.

Para identificação das plantas citadas, após fichamento, foram levados

até os informantes livros, como: Angiosperm Phylogeny Group III (APG, 2009),

SANO e ALMEIDA (1998) e POTT e POTT (1994, 1999); que continham

imagens de espécies nativas e cultivadas com os nomes populares citados

pelos moradores na comunidade, uma vez que muitas espécies não se

encontravam disponíveis para coleta e identificação.

Após identificação das espécies, suas características tais como:

habitat, domínio fitogeográfico e endemismo foram confirmados no banco de

dados “Flora do Brasil 2020” pertencente ao programa REFLORA. As espécies

não encontradas na base de dados foram consideradas exóticas. Além da

confirmação no “Flora do Brasil 2020”, o nome científico das espécies também

foi confirmado no site “The Plant List” (www.theplantlist.org).

A origem das espécies citadas foram classificadas em 5 grupos: (1)

cultivada: exóticas ou nativas, cultivadas no quintal do entrevistado; (2)

coletada: quando o informante busca na vegetação nativa a espécie; (3)

comprada: quando a espécie é comprada fora da comunidade; (4) coletada

e/ou cultivada: quando o informante esporadicamente pode ter cultivado em

seu quintal, mas também tem a possibilidade de adentrar a mata para a coleta

e (5) cultivada e/ou comprada: quando o informante esporadicamente pode ter

cultivado em seu quintal, mas também tem a possibilidade ou prefere comprar

a planta fora da comunidade.

Paralelamente, após a catalogação e tabulação dos resultados, foram

calculados os índices de Valor de Uso (VU), adaptado por ROSSATO et al.

(1999) e Importância Relativa (IR) (BENNETT e PRANCE, 2000). O VU indica

a importância de uma espécie a partir do número de usos informado pela

comunidade, já o IR leva em conta a versatilidade de uma espécie no

tratamento doenças dos sistemas corporais.

Para o cálculo do VU, seguiu-se a fórmula VU=∑U/N, onde tem-se o

somatório de número de usos dado pelo informante (U) dividido pelo número

total de informantes (N), que será no máximo dois. Para o índice IR utilizou-se

124

a fórmula: IR=NSC/NP, onde NSC é o número de sistemas corporais e NP é o

número de propriedades.

Para chegar-se ao NSC, utiliza-se a fórmula NSC=NSCE/NSCEV, onde

NSCE é o número de sistemas corporais tratados por uma determinada

espécie, NSCEV, o número total de sistemas corporais tratados pela espécie

mais versátil. Já para chegar-se ao valor de NP, a fórmula é NP=NPE/NPEV,

onde NPE é o número de propriedades atribuídas à determinada espécie e

NPEV, número total de propriedades atribuídas a espécie mais versátil.

Resultados e Discussão

Do total de 38 entrevistados da Comunidade, 89,5% fazem uso de

plantas medicinais para prevenir e tratar enfermidades; todos afirmaram que o

conhecimento das plantas advém do conhecimento familiar tradicional. Dos

entrevistados que não utilizam de plantas para fins terapêuticos (10,5%); os

motivos alegados são: falta de interesse, incredulidade da eficácia de plantas

medicinais, alto crédito aos tratamentos convencionais ou nunca ficaram

doentes.

Comparando estas informações com os dados é possível perceber que

conforme as novas gerações surgem e os mais velhos falecem, há perdas

desse saber tão singular. Segundo FRANCO e BARROS (2006), vários fatores

contribuem para que ocorra perda desse saber, relacionado ao repasse desses

conhecimentos pelas pessoas mais idosas. Por ser oral, é mais lento; e as

novas gerações tem pressa em adquirir conhecimento; também existe o

desinteresse das novas gerações, reflexo da nova forma de interação com a

sociedade e provavelmente devido às alterações antrópicas pelas novas

formas de apropriação e uso da terra.

Os informantes relataram o uso medicinal de 80 espécies (Tabela 1,

pg. 142), sendo a maioria(52,5%) espécies nativas. Os dados indicam que mais

de 50% das espécies utilizadas tem como um de seus domínios fitogeográficos

o Cerrado, demonstrando a relação entre o conhecimento tradicional e os

recursos naturais locais.

125

Em consulta à Lista Vermelha3 do Centro Nacional de Conservação da

Flora–CNCFLORA (http://cncflora.jbrj.gov.br/portal/), verificou-se que das

espécies nativascitadas (41), 73,17% não possui avaliação quanto àameaça de

extinção (categoria NE), 21,95% estão na categoria “menos preocupante” (LC),

por encontrarem-se abundantes e amplamente distribuídas e 4,87% (2), estão

classificadas “quase ameaçadas” (NT), portanto próximas ou suscetíveis a

serem consideradas ameaçadas de extinção, a saber: assa-peixe

(Lessingianthus grandiflorus) e amburana (Amburana cearensis).

Esses dados demonstram que a maioria das espécies não tem seu

risco de extinção avaliado; contudo, os moradores relataram a dificuldade de

encontrar atualmente as espécies nativas citadas pela Comunidade, o que os

levam a cultivar as espécies domesticadas e/ou adquirí-las junto aos raizeiros

no Mercado Municipal Antonio Valente, em Campo Grande-MS.

A dificuldade relatada pelos moradores de encontrar as espécies pode

ser um sinal de extinção local dessas espécies. A extinção local é quando não

há indivíduos de uma determinada espécie em uma localidade, e pode ser

causada tanto pela menor plasticidade fenotípica e fisiológica da espécie

quanto pela fragmentação de seu habitat no local (MANOR e SALTZ, 2008). A

redução da cobertura vegetal do território da Comunidade Chácara do Buriti, se

apresenta durante sua trajetória histórica, que se diversificou demográfica e

socioeconômicamente, desde sua primeira fonte de renda, agricultura de

subsistência e pecuária, passando pela produção de tijolos a partir do solo de

suas áreas úmidas, até a atividade atual na Comunidade, a agricultura familiar.

Essas atividades implicam necessariamente na redução da cobertura vegetal,

que associado a uma possível menor plasticidade fenotípica e fisiológica,

contribui para a extinção local das espécies.

Ao visualizar-se a possível extinção local de algumas espécies citadas e

o desinteresse das novas gerações em aprender profundamente o

conhecimento tradicional em relação a flora, verifica-se a necessidade de 3Com o objetivo de atender a meta 2 da “Estratégia Global de Conservação de Plantas”, o Centro

Nacional de Conservação da Flora – CNCFLORA instituiu uma equipe multiprofissional da área de Ciências da Natureza para avaliar o risco de extinção de espécies da flora do Brasil. Como resultado a equipe gerou a “Lista Vermelha”, onde é possível consultar todas as fichas de análise e avaliação de risco de extinção para as espécies que já foram avaliadas. As espécies já avaliadas são divididas em 8 categorias: Criticamente em Perigo (CR), Em perigo (EN), Vulnerável (VU), Quase ameaçada (NT), Menos preocupante (LC), Dados insuficientes (DD), Extinta (EX) e Extinta na natureza (EW); a descrição do critério pode ser consultada em http://cncflora.jbrj.gov.br/portal/pt-br/listavermelha. As espécies não avaliadas possuem a designação NE.

126

alguma ação que fortaleça e recupere este saber ancestral. É necessário o

engajamento para formulação de projetos, em parceria ou não com instituições

públicas ou privadas, a fim de desenvolver ações como por exemplo,

elaboração de catálogos, implantação de hortas medicinais ou farmácias vivas,

que podem ser atividades individuais ou coletivas, de modo a fomentar as

relações de convivência entre as gerações.

O total de plantas utilizadas é superior quando comparados as

Comunidades do Quilombo Senhor do Bonfim, de Areia, Paraíba, que utiliza 37

espécies (SALES et al., 2009), Comunidade Quilombola Kalunga - Engenho II,

município de Cavalcante, Goiás, com 40 espécies (DE TORRES, 2014);

Comunidade Carreiros, de Mercês, Minas Gerais, que faz uso de 62 plantas

(FERREIRA et al., 2014) e Comunidade Quilombola do Cedro, de Mineiros,

Goiás, com 49 plantas citadas; e similar a quantidade citadas por moradores

do Quilombo Sesmaria Mata-Cavalos, de Nossa Senhora do Livramento, Mato

Grosso, com 80 plantas (RODRIGUES e CARLINI, 2003). Já em relação ao

Quilombo Sangrador, em Presidente Juscelino (Maranhão), que relatou o uso

de 121 espécies (MONTELES e PINHEIRO, 2007); foi inferior, assim como em

relação à Comunidade Quilombola de Curiaú (Macapá), que citaram 144

espécies (SILVA, 2002); Comunidade São Benedito, de Campo Grande (Mato

Grosso do Sul), que com 178 espécies (SCHARDONG e CERVI, 2000).

As Comunidades que apresentaram maior número de espécies citadas

são Comunidades mais antigas em seu território, a maioria desde o tempo da

escravidão (1530 - 1888), com maior número de moradores e especialistas em

plantas medicinais, além de, possuírem um território maior e também

conservarem a tradição de benzimentos e rezas. Diferentemente da

Comunidade Chácara do Buriti, que se estabeleceu na década de 30 e que,

além de possuir um território considerado enxuto (43,0080 ha), atualmente a

maioria pratica a religião cristã apostólica, abandonando a execução de rituais

ancestrais; esse fator pode ter contribuído para a perda do etnoconhecimento

em relação as plantas com atividades terapêuticas.

O número superior de espécies em relação à outras Comunidades

estabelecidas desde o período de escravidão, como Quilombola Kalunga,

Comunidade Carreiros e Comunidade Quilombola do Cedro, também

localizadas em áreas de Cerrado, o que pode indicar uma relação mais intima

127

com seu território, mas mesmo assim em desenvolvimento, visto a data de

fundação da Comunidade. Em relação as famílias botânicas, foram

identificadas 41, sendoas famílias com maior frequência Asteraceae (13,75%),

Fabaceae (8,75%) e Lamiaceae (7,5%). Resultados semelhantes foram

encontrados por SILVA (2002), no Quilombo de Curiaú, em Macapá-AP, onde

assim como na CNRQ Chácara do Buriti, as famílias com maior representação

foram Asteraceae, seguida por Lamiaceae e Fabaceae, com mesma

frequência.

Asteraceae e Lamiaceae possuem entre suas representantes plantas

consideradas ervas aromáticas, cultivadas no Brasil e dentre elas Mentha

pulegium(poejo), Ocimum basilicum (alfavaca), Plectranthus barbatus (boldo),

Rosmarinus officinalis (alecrim), Mentha spicata (hortelã), espécies citadas

pelos informantes da CNRQ Chácara do Buriti (Tabela 1).

À família Fabaceae, são atribuídas principalmente atividades frente à

agentes infecciosos e parasitários e está constantemente presente entre as

espécies mais citadas em estudos etnobotânicos, inclusive em estudos

publicados em períodos que focam esse tipo de estudo, como por exemplo, a

Journal of Ethnopharmacology (GOTTLIEB e BORIN, 2003). A prevalência

pode estar relacionada ao fato da família ser uma das mais bem representadas

em regiões tropicais e no Cerrado, é a com maior número e diversidade de

espécies (SOUZA, 2007).

Assim como no Quilombo Olho D’água dos Pires, de Esperantina – PI

(FRANCO e BARROS, 2006), foi possível constatar que na CNRQ Chácara do

Buriti, dentre as plantas citadas, as indicações de uso são as mesmas, tais

como: acerola, guaco e laranja para gripes e infecções, goiaba para diarreia,

berinjela para emagrecer e eucalipto para sinusite e bronquite.

No quilombo de Mata-Cavalos, localizado em Nossa Senhora do

Livramento-MT, a família Asteraceae também apresentou maior diversidade de

espécies, seguidas de Caesalpiniaceae (Fabaceae), Myrtaceae,

Malpighiaceae, Euphorbiaceae, Mimosaceae e Sterculiaceae (RODRIGUES e

CARLINI, 2003). Na Comunidade Quilombola São Benedito, localizada em área

urbana de Campo Grande – MS a família com maior representação também foi

a Asteraceae (SCHARDONG e CERVI, 2000).

128

Das espécies citadas, 40% são cultivadas, 31,25% coletadas, 20%

compradas, 6,25% cultivadas e/ou compradas e em última proporção, 2,5%,

coletadas e/ou cultivadas. É possível observar que para 80% das plantas

utilizadas, que correspondem as espécies das categorias cultivadas, coletadas,

cultivadas e/ou compradas e coletadas e/ou cultivadas, há a possibilidade de

obtenção in loco em ambientes no território da Comunidade. A coleta das

espécies ocorre em áreas de vegetação nativa (campo/cerrado/brejo), sendo

que do total, nove são consideradas pelos informantes infestantes ou

espontâneas; o cultivo das plantas é realizado nos quintais das residências e a

compra é realizada principalmente de raizeiros independentes ou do Mercado

Municipal Antônio Valente, localizado no centro do município (Campo Grande-

MS).

A comunidade de caboclos do Baixo Amazonas, em Barcarena (PA),

também passou a cultivar cerca de 50% das plantas utilizadas por eles em

quintais, visando facilitar assim sua obtenção (AMOROZO e GÉLY, 1988). O

cultivo das plantas utilizadas como medicamentosas também foi relatada por

SCHARDONG e CERVI (2000), para a comunidade quilombola São Benedito,

em Campo Grande.

Nesse estudo, foram citadas 16 formas de uso e preparações das

plantas (Tabela 1), incluindo desde xampu (Sh), sumo (PJ), pomada (O),

sabonete (S) e supositório (Sp), entre outros. Não foi indicada nenhuma

preparação com a junção de duas ou mais espécies. Do total de plantas, 54

(67,5%) tiveram apenas um modo de uso, 22 (27,5%) tiveram dois modos,

quatro plantas (5%) tiveram três e apenas 1 (1,25%), utilizada de 4 modos

diferentes. O principal modo de uso foi o chá (T) (33,96%), seguido do

emplasto (P) (15,09%) e o suco (J) (7,55%) (Tabela 1).

O chá é a forma de uso mais comum também em estudos realizados por

FRANCO e BARROS (2006), na comunidade quilombola Olho D’água dos

Pires, assim como na Comunidade São Benedito (SCHARDONG e CERVI,

2000) e na Comunidade quilombola Senhor do Bonfim (SALES et al., 2009) e

na Comunidade quilombola Mata Cavalo de Baixo (PASA et al., 2015).

Os informantes indicaram 13 partes vegetais utilizadas. As folhas (L) são

as partes com maior número de emprego medicinal, com 60 indicações, em

sequência a raiz (R), com 23, casca do caule (BS), com nove, seguidos de fruto

129

(F), planta inteira (WP), látex (Lx), semente (S), batata/tubérculo (T), buchinha

(fruto seco) (DF), feijão (Be) e caroço (C). A parte mais utilizada pelas

comunidades é uma característica muito relevante do saber tradicional, pois

farmacologicamente, cada parte da planta pode conter uma diversidade e

quantidade variada de fitoconstituintes (SCHARDONG e CERVI, 2000). Das

plantas citadas pela Comunidade, de 56 espécies apenas uma parte tem

emprego medicinal, de 20 espécies são empregadas duas partes e quatro

espécies, possuem três partes são utilizadas em algum tipo de tratamento.

As folhas também foram indicadas como parte mais utilizada em várias

comunidades, entre elas: comunidade quilombola urbana São Benedito

(SCHARDONG e CERVI, 2000), comunidade quilombola Senhor do Bonfim

(SALES et al., 2009), Quilombo Sangrador (MONTELES e PINHEIRO, 2007) e

no Quilombo de Mata Cavalo (FERREIRA et al., 2015). O uso das folhas na

maior parte das plantas medicinais pode estar relacionado ao fato de sua maior

disponibilidade durante todo o ano; além disso, há relatos apontando que nas

folhas concentram-se grande parte dos princípios ativos (GONÇALVES e

MARTINS, 1998; CASTELLUCCI et al., 2000).

As plantas indicadas pelos informantes foram classificadas no

tratamento de doenças em 12 categorias: 11 sistemas corporais e 1 categoria

de sinais e sintomas gerais, conforme classificação CID-10 (versão 2016) da

Organização Mundial da Saúde (WHO, 2010). A categoria sinais e sintomas

gerais é uma categoria destinada a manifestações de distúrbios que não se

consegue categorizar como de algum sistema específico, tais como febre, dor

no corpo em geral, dor de cabeça, queda de cabelo, aparecimento de piolho,

inflamação, infecção, dentre outros citados pela comunidade.

A maioria das plantas (22,29%) são indicadas para tratamento de sinais

e sintomas gerais, isso demonstra a utilização de plantas para busca do bem-

estar geral. Após sinais e sintomas, as categorias que apresentaram maior

proporção de tratamentos são: doenças dos sistemas respiratório (16,56%),

genito-urinário (16,56%) e sistema digestivo (14,01%).

Resultados semelhantes foram observados na Comunidade São

Benedito (SCHARDONG e CERVI, 2000), com maior número de plantas

indicadas para tratamento de doenças do sistema respiratório e digestivo.

Assim como nas comunidades: Quilombo Sangrador (MONTELES e

130

PINHEIRO, 2007), Quilombo Olho D’água dos Pires (FRANCO e BARROS,

2006), comunidades quilombolas de Casinhas e Baixa dos Quelés (ALMEIDA,

2011) e comunidade quilombola Mata Cavalo de Baixo (PASA et al., 2015).

Vários autores, em estudos desenvolvidos em diferentes comunidades

tradicionais do Brasil, observaram que diversas espécies vegetais são mais

citadas para problemas dos sistemas respiratório e gastrintestinal, incluindo

doenças parasitárias, como verminoses (AMOROZO, 2002; BEGOSSI et al.,

2002; MEDEIROS et al., 2004; BUENO et al., 2005). Isto indica uma certa

frequência nas enfermidades que atingem essas comunidades relativamente

isoladas. Podemos supor que isso se deve as condições insalubres das

residências e das criações de animais, como porcos e galinhas, que sem os

devidos cuidados permitem e facilitam a contaminação de seres humanos,

fazendo-os sofrer de doenças parasitárias e infecciosas.

Em relação ao VU e IR as únicas espécies que alcançaram

simultaneamente os maiores valores são: Ruta graveolens (arruda), Mentha

spicata (hortelã), Baccharis crispa (carqueja), Costus spicatus (cana de

macaco/cana do brejo), Gymnanthemum amygdalinum (boldo), Hymenaea

courbaril (jatobá), Kielmeyera speciosa (folha-santa), Matricaria chamomilla

(camomila) e Momordica charantia (melão-de-São-Caetano), isso indica que

essas espécies são mais relevantes tanto pela quantidade de indicações de

usos, quanto pela diversidade de sistemas corporais que tratam.

Posterior aos estudos etnobotânicos deve-se realizar os estudos

fitoquímicos, que validam (ou não) a utilização das plantas conforme o

conhecimento popular, objetivando a identificação e quantificação dos

princípios ativos, além de estudos farmacológicos, para determinar a

inocuidade ou toxicidade destas substâncias (LIMA e SANTOS, 2006).

Das espécies que alcançaram maiores VU e IR simultaneamente apenas

duas são nativas: Baccharis crispa (carqueja) e Hymenaea courbaril

(jatobá),portanto, elas mostraram ser significativas tanto nos cálculos que

levam em consideração a quantidade de indicações (VU) quanto no que

ressalta o tratamento do maior número de sistemas corporais (IR).

A carqueja (Baccharis crispa), utilizada na forma de chá das folhas, é

empregada na Comunidade para tratar diabetes, cólicas e distúrbios

estomacais, entre eles a azia. Esta espécie faz parte da Relação Nacional de

131

Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (RENISUS), uma lista de espécies

vegetais que apresentam potencial para gerar produtos de interesse ao SUS

(Sistema Único de Saúde brasileiro). De acordo com Agência Nacional de

Vigilância Sanitária-ANVISA (BRASIL, 2011), a carqueja é indicada para tratar

dificuldades de digestão (atividade antidispéptica) e seu uso não é

recomendado para aqueles que utilizam medicamentos para hipertensão e

diabetes e para gestantes e lactantes. Segundo VERDI et al. (2005), sua

constituição química é formada por compostos fenólicos, di e triterpenos,

flavonoides, saponinas, taninos, e óleos essenciais. Resultados de estudos

científicos evidenciam suas bioatividades, entre elas a inibição da secreção de

ácido gástrico (BIONDO et al., 2011) e sua atividade antibiótica frente à

Staphylococcus aureus (HAAG et al., 2014).

O chá ou xarope da casca do caule do jatobá (Hymenaea courbaril), é

utilizado pelos moradores no tratamento de tosse, gripe, diabetes e inflamação.

Estudos científicos têm demonstrado atividades da casca do caule, tais como

ação antibacteriana frente à Staphylococcus aureus resistentes e sensíveis à

meticilina respectivamente (GARCIA et al., 2011) e Staphylococcus aureus,

cepa oxacilina sensíveis (SALES et al., 2014), além de atividade antioxidante,

anti-inflamatóriadas vias aéreas e miorrelaxante da musculatura lisa traqueal

(BEZERRA et al., 2013). Segundo NOGUEIRA et al. (2001), os

quimioconstituintes da espécie são: diterpenos, óleos essenciais, taninos,

xiloglucanas, galactomananas, oligossacarídeos e ácidos graxos.

132

Tabela 1. Lista das espécies citadas pela Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti, com seus respectivos modos de

uso, Valor de Uso e Importância Relativa Continua...

Família/ Espécie

N/E Endêmica

Nome popular

Local de coleta/com

pra

coletada ou

comprada

Parte Utilizada

Modos de uso

Indicações terapêuticas

VU IR domínio

fitogeográ-fico

Fitofisiono-mia-

Tipo de Vegetação

Avaliação de risco de

extinção

Adoxaceae

Sambucus nigra L.

E não sabu-gueiro

Quintal da residência

(CV) e Mercado

Municipal e raízeiros

(PR)

CV/PR L T, O sarampo,

tosse, calmante

0,107 2,25

1 NE

Alismataceae Echinodorus grandiflorus (Cham. & Schltr.) Micheli

N não chapéu

de couro

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR L T antibiótico 0,036 2,25 Caa, Crr,

MAt 22 NE

Amaranthaceae Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze

N não terra-micina

Quintal da residência

(CV) CV L, R T

cólicas, infecção, garganta

0,107 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt

1, 2, 7, 9, 10, 15 17, 18, 20, 21, 23

NE

Dysphania ambrosioides (L.) Mosyakin & Clemants

E não

mastrus/ erva de santa maria

Quintal da residência

(CV) / Infestante/es

pontânea (CL)

CL/CV L, R T, PJ, M, P

vermífugo, quebradura,

torções, luxações, diabetes,

gases

0,214 1,13

Amz, Caa, Crr, MAt

1, 2, 9 NE

Anacardiaceae Myracrodruon urundeuva

N não aroeira Quintal da residência

CV/PR BS T perda de voz 0,036 2,25 Caa, Crr,

MAt 1, 2, 10, 16 NE

133

Allemão (CV) e Mercado

Municipal e raízeiros

(PR) Annonaceae

Annona muricata L.

E não graviola

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR L T câncer,

pressão alta 0,071 2,25

NE

Apiaceae Petroselinum crispum (Mill.) Fuss

NR

salsa Quintal da residência

(CV) CV L, R T infecção 0,036 2,25

Apocynaceae Hancornia speciosa Gomes

N não mangava (manga-

ba)

Campo/Crr (CL)

CL Lx T problemas de

coluna 0,036 2,25

Amz, Caa, Crr, MAt

7, 9, 21 NE

Asparagaceae Sansevieria trifasciata Prain.

NR

espada de São Jorge

Quintal da residência

(CV) CV L P, PJ

reumatismo, inchaço

0,071 2,25

Asteraceae Gymnanthe-mum amygdalinum (Delile) Sch.Bip. ex Walp.

E não boldo Quintal da residência

(CV) CV L T, J, S

distúrbios estomacais,

vesícula, cólicas, micoses

0,143 1,69 Amz, Crr,

MAt 1 NE

Matricaria chamomilla L.

E

camo-mila

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR L, R T

gases, cólicas,

dores gerais, dor de

0,143 1,69

NE

134

cabeça Achyrocline satureioides

N não marcela Campo/Crr

(CL) CL L, R T infecção 0,036 2,25

Crr, MAt, Pmp

1, 4, 6, 7, 20 NE

Ageratum conyzoides L.

N não men-trasto

Quintal da residência

(CV) CL L T cólicas 0,036 2,25

Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl

1, 9 NE

Baccharis crispa Spreng.

N não carqueja

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR L T

distúrbios estomacais,

diabetes, cólicas, azia

0,143 1,69 Caa, Crr, MAt, Pmp

1, 4, 6, 7, 9, 17, 18, 20,

23 NE

Lessingianthus grandiflorus (Less.) H.Rob.

N não assa peixe

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR L T, O ácido úrico,

feridas, dores musculares

0,107 1,50 Crr 9 NT

Mikania glomerata Spreng.

N não guaco Quintal da residência

(CV) CV L T, Sy

tosse, gripe, dores gerais,

cólicas, inflamação

0,179 1,35 Crr, MAt 9, 10, 17, 18 LC

Sphagneticola trilobata (L.) Pruski

N não arnica Quintal da residência

(CV) CV L P

hematomas, contusões

0,071 1,13 Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl

1, 20 NE

Artemisia absinthium L.

E não losna Quintal da residência

(CV) CV L T, P gripe, cólica 0,071 2,25

Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl

1 NE

Bidens pilosa E não picão Infestante/es

pontânea (CL)

CL L, WP T hepatite, infecção

0,071 2,25

Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl

1, 14 NE

Tithonia diversifolia (Hemsl.) A.Gray

E não flor do amazo-

nas

Infestante/espontânea

(CL) CL L T

distúrbios estomacais

0,036 2,25 Amz, Crr,

MAt 1 NE

135

Bignoniaceae Jacaranda caroba (Vell.) DC.

N não carobi-

nha Campo/Crr

(CL) CL R T depurativo 0,036 2,25 Crr, MAt 9 NE

Brassicaceae

Rorippa Scop. E não agrião Quintal da residência

(CV) CV L T, P

gases, vermífugo

0,071 2,25 Amz, MAt,

Pmp 1, 4, 5, 6 NE

Brassica oleracea variedade acephala

NR

couve Quintal da residência

(CV) CV L J

anemia, ação diurética

0,071 1,13

Celastraceae Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek

N não canco-rosa

Quintal da residência

(CV) CL L, R T depurativo 0,036 2,25

Crr, MAt, Pmp

9, 10, 16, 18 LC

Cochlospermaceae Cochlosper-mum regium

N não Algodão-

zinho Campo/Crr

(CL) CL L, S, WP T

dor, gripe, infecção

0,107 1,50 Amz, Caa,

Crr, Ptl 2, 6, 7, 9, 21 LC

Convolvulaceae

Mandevilla illustris (Vell.) Woodson

N não Jalapa

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR R T derrame 0,036 2,25 Caa, Crr,

MAt 6, 9 NE

Crassulaceae

Bryophyllum pinnatum (Lam.) Oken

E não Folha Santa

Quintal da residência

(CV) CV L O, PJ

tosse, gastrite,

bronquite, rins

0,143 1,69 Amz, Caa, Crr, MAt,

Pmp 1, 2, 20, 23 NE

Cucurbitaceae Luffa operculata (L.) Cogn.

N não Buxinha Mercado

Municipal e raízeiros

PR DF

(buchi-nha)

I (alcool)

sinusite 0,036 2,25 Crr, MAt 17 NE

136

(PR)

Momordica charantia L.

E não Melão de

São Caetano

Infestante/espontânea

(CL) CL L T, B

gripe, cólicas,

quebradura 0,143 1,69 Amz, Crr 17 NE

Equisetaceae

Equisetum sp L.

N não cavalinha

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR R T infecção 0,036 2,25 Crr, MAt 1, 9, 16, 17,

20 NE

Euphorbiaceae Croton matourensis Aubl.

N não sangria d'água

Campo/Crr (CL)

CL BS T depurativo,

infecção 0,071 1,13 Amz

3, 10, 11, 12, 21

NE

Phyllanthus niruri L.

N não quebra pedra

Campo/Crr (CL)

CL L T

rins, diabetes,

anti-inflamatório

0,107 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt

1, 2, 3, 5, 6, 9, 17, 20

NE

Fabaceae

Hymenaea courbaril L.

N não jatobá Quintal da residência

(CV) CL BS T, Sy

tosse, gripe, diabetes,

inflamação 0,143 1,69

Amz, Caa, Crr, MAt,

Ptl

1, 9, 10, 12, 17, 20

NE

Pterodon emarginatus Vogel

N não sucupira Campo/Crr

(CL) CL S T

reumatismo, tireoide

0,071 2,25 Amz, Caa,

Crr, Ptl 9, 10, 16 NE

Stryphnoden-dron adstringens (Mart.) Coville

N sim Barbati-

mão

Campo/Crr (CL) e

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

CL/PR BS T, B micose,

inflamação, infecção

0,107 1,50 Caa, Crr 7, 9 LC

Senna macranthera (DC. ex

N não Fedegoso Campo/Crr

(CL) CL R T

gripe, purgativo

0,071 2,25

Caa, Crr, MAt

1, 2, 8, 9, 10, 17

NE

137

Collad.) H.S.Irwin & Barneby

Cajanus cajan (L.) Millsp.

E não Feijão andu

Quintal da residência

(CV) CV L, Be T

tosse, pneumonia

0,071 1,13 Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl

1 NE

Erythrina dominguezii Hassl.

N não maleito-

so

Quintal da residência

(CV) CL BS T

distúrbios estomacais

0,036 2,25 Crr 9, 16 NE

Amburana cearensis (Allemão) A.C.Sm.

N não ambu-rana

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR BS T distúrbios

estomacais 0,036 2,25

Caa, Crr, MAt

2, 14, 16 NT

Iridaceae

Crocus sativus NR

assa-frão Quintal da residência

(CV) CV T T

tosse, garganta, colesterol

0,107 1,50

Lamiaceae Leonotis nepetifolia (L.) R.Br.

E não rubinho Campo/Crr

(CL) CL L T infecção 0,036 2,25

Amz, Caa, Crr, MAt,

Ptl

1, 2, 8, 9, 10, 13, 17, 20

NE

Mentha pulegium L.

E não poejo/ vick

Quintal da residência

(CV) CV L T, Sy

cólicas, tosse, dores

gerais 0,107 2,25

Amz, Crr, MAt

1 NE

Mentha spicata L.

E não hortelã Quintal da residência

(CV) CV L, R T, Sy

vermífugo, dores gerais,

dor de barriga, cólicas

0,143 1,69 Amz, Crr,

MAt 1 NE

Ocimum gratissimum L.

E não manjeri-

cão

Quintal da residência

(CV) CV L, R T, Sy

gases, tosse, garganta,

gripe, cólica, aumenta o

0,214 1,50 Amz, Caa, Crr, MAt

1, 10, 17, 20 NE

138

leite materno

Origanum majorana

NR manje-rona

Quintal da residência

(CV) CV L, F T

calmante, analgésico

0,071 2,25

Rosmarinus officinalis

NR alecrim Quintal da residência

(CV) CV L, R, WP T

tosse, gripe, falta de ar, cólicas, má circulação,

pressão alta,

0,214 1,13

Lauraceae

Persea americana Mill.

E não Abacate Quintal da residência

(CV) CV L T

problemas de bexiga

0,036 2,25 MAt 1 NE

Liliaceae

Aloe vera (L.) Burm. f.

NR babosa Quintal da residência

(CV) CV L

P, Sh, Sp

cicatrizante, queimaduras

0,071 1,13

Lythraceae

Punica granatum L.

NR

Romã Quintal da residência

(CV) CV F T garganta 0,036 2,25

Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.Macbr.

N não sete

sangria

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR R T pressão alta 0,036 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl

1 NE

Malvaceae Malvastrum americanum (L.) Torr.

N não malva / malva-branca

Infestante/espontânea

(CL) CL L M

infecção, dor de dente, garganta

0,107 2,25

Caa, MAt 1, 2, 17 LC

Sida spinosa L. N não Guanxum

a

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR L T, Sh pressão alta 0,036 2,25 Caa, Crr,

MAt 1, 20 NE

139

Moraceae

Brosimum guadichaudii Trécul.

N não mamica

de cadela

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR F T infecção 0,036 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt

1, 9, 21 NE

Morus nigra NR

Amora Quintal da residência

(CV) CV L, Lx T, Plx

pressão alta, dor de dente

0,071 2,25

Musaceae

Musa paradisíaca

E não bananeira Quintal da residência

(CV) CV L T labirintite 0,036 2,25 Amz, MAt

NE

Myristicaceae

Myristica fragrans Houtt.

NR

Noz moscada (caroço)

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR C T dores gerais 0,036 2,25

Myrtaceae

Eugenia uniflora L.

N não Pitanga Campo/Crr

(CL) CL L T

pressão alta, diabetes

0,071 2,25 Crr, MAt,

Pmp

1, 9, 10, 15 16, 17, 18,

20 NE

Psidium guajava

E não Goiaba Quintal da residência

(CV) CV BS T diarreia 0,036 2,25

Amz, Caa, Crr, MAt

NE

Syzygium cumini (L.) Skeels

E não Jamelão Quintal da residência

(CV) CV L T diabetes 0,036 2,25

Amz, Crr, MAt, Ptl

NE

Corymbia citriodora (Hook.) K.D.Hill & L.A.S.Johnson

NR

Eucalipto Quintal da residência

(CV) CV L, BS T, I

dor de cabeça, sinusite, bronquite

0,107 1,50

140

Passifloraceae

Passiflora edulis Sims

N não maracujá Quintal da residência

(CV) CV L T, J, G

cólicas, dor de cabeça

0,071 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt,

Ptl

1, 9, 10, 16, 17, 18, 20

LC

Piperaceae

Piper peltatum L.

N não capeva

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR L T pra tudo 0,321 1,33 Amz, Crr,

MAt 1, 9, 10, 17,

20 NE

Plantaginaceae

Scoparia dulcis N não Vas-

sourinha Campo/Crr

(CL) CL L, WP JP, T vistas (olhos) 0,036 2,25

Amz, Caa, Crr, MAt, Pmp, Ptl

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23

NE

Plantago major L.

E não Tans-sagem

Infestante/espontânea

(CL) CL L, R, WP T

infecção, inflamação

0,071 1,13 Amz, Caa, Crr, MAt,

Pmp 1 NE

Poaceae Cymbopogon citratus (DC.) Stapf

E não Erva

Cidreira

Quintal da residência

(CV) CV L, R T calmante 0,036 2,25

Amz, Caa, Crr, MAt

1 NE

Rosaceae Acaena eupatoria Cham. & Schltdl.

N não Carra-picho

rasteiro

Quintal da residência

(CV) CL L, R T, P

corrimentos, diarreia, infecção

0,107 2,25 Crr, MAt,

Pmp 4, 6 NE

Rubiaceae

Rudgea viburnoides (Cham.) Benth.

N não Con-

gonha de Bugre

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR L T pressão alta, problemas de

coluna 0,071 2,25

Amz, Caa, Crr

3, 6, 8, 9, 10, 12, 21

NE

141

Rutaceae

Ruta graveolens

E

arruda Quintal da residência

(CV) CV L T, O

má digestão, cólicas,

coceiras, dor de cabeça

0,179 1,80

NE

Citrus sinensis L.

E não laranje-ira Quintal da residência

(CV) CV L T gripe 0,036 2,25 Crr, MAt 1, 9, 16, 18 NE

Smilacaceae

Smilax elastica Griseb.

N sim Jape-canga

Quintal da residência

(CV) CV L, R T, D

depurativo, artrite

0,071 2,25 Crr, MAt 1, 4, 7, 10, 16, 17, 20

NE

Smilax longifolia Rich.

N não Salsa

parrilha

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

PR L T rins, diabetes 0,071 2,25 Amz

LC

Smilax goyazana A. DC.

N não Doura-dinha

Campo/Crr (CL)

CL L T infecção 0,036 2,25 Caa, Crr,

Ptl 2, 7, 9, 10 LC

Solanaceae

Solanum melongena

E não beringela Quintal da residência

(CV) CV F J emagrecedor 0,036 2,25

1

Solanum paniculatum L.

N não Jurube-ba

Quintal da residência

(CV) / Infestante/es

pontânea (CL)

CL/CV L, R, F T, F diabetes,

inflamação 0,071 2,25

Amz, Caa, Crr, MAt

1, 17 NE

142

Urticaceae Cecropia pachystachya Trécul

N não Em-

baúba

Quintal da residência

(CV) CL L T

sinusite, pressão

0,071 2,25 Amz, Caa, Crr, MAt,

Ptl

9, 10, 12, 16, 17, 18, 20

NE

Verbenaceae Bouchea pseudogervao (A.St.-Hil.) Cham.

N sim Carrapi-chinho

Infestante/espontânea

(CL) CL L, R T infecção 0,036 2,25

Amz, Crr, MAt

1, 9, 10, 16, 17, 18

LC

Stachytarpheta cayennensis (Rich.) Vahl

N não Gervão Infestante/es

pontânea (CL)

CL L, R T

dores gerais, cólicas,

inflamação, infecção

0,143 1,13 Amz, Caa, Crr, MAt,

Ptl

1, 2, 4, 7, 8, 9, 10, 12, 16,

17, 20 NE

Zingiberaceae

Alpinia zerumbet (Pers.) B.L.Burtt & R.M.Sm.

E não Noz

moscada-folha

Quintal da residência

(CV) CV L T

dores gerais, dor de

barriga, gripe,

problemas de bexiga,

prisão de ventre,

distúrbios estomacais,

empachamento, hepatite,

infecção

0,321 1,00 Amz, Caa, Crr, MAt

1 NE

Zingiber officinale Roscoe

E não gengibre Quintal da residência

(CV) CV Sk T

gripe, resfriado

0,071 1,13

NE

143

Costus spicatus E

Cana de Macaco / cana do

brejo

Campo/Crr (CL) e

Mercado Municipal e

raízeiros (PR)

CL/PR L, R T, J, P

infecção, feridas,

furúnculos, rins

0,143 1,69

NE

Legenda: N/E – nativa ou exótica, N – nativa, E – exótica, NR – não encontrada no “Flora do Brasil 2020”;Do – não ocorre; N –

não, S – sim; CL – coletada, PR – comparada, CV/PR – cultivada e comprada, DF – fruto seco, T – tubérculo/batata, F – fruto, C –

caroço, B – casca, S – caule, B – feijão, Lx – Látex, L – folha, R – raiz, BS – casca do caule, WP – planta inteira, S – semente, F –

alimento, B – banho, M – bochecho, T – chá, P – emplasto, Plx – emplasto com o látex, G – gargarejo, I – inalação, M –

maceração, O – pomada, S – sabonete, J – suco, PJ – sumo, D – tintura, Sh – xampu, Sy – xarope, Sp – supositório, Amz–

Amazônia, Caa – Caatinga, Crr – Cerrado , Mat – Mata Atlântica, Pmp – Pampa, Ptl – Pantanal, 1 – Área Antrópica, 2 – Caatinga

(stricto sensu), 3 – Campinarana, 4 – Campo de Altitude, 5 – Campo de Várzea, 6 – Campo Limpo, 7 – Campo Rupestre, 8 –

Carrasco, 9 – Cerrado (lato sensu), 10 – Floresta Ciliar ou Galeria, 11 – Floresta de Igapó, 12 – Floresta de Terra Firme, 13 –

Floresta de Várzea, 14 – Floresta Estacional Decidual, 15 – Floresta Estacional Perenifólia, 16 – Floresta Estacional Semidecidual,

17 – Floresta Ombrófila (= Floresta Pluvial), 18 – Floresta Ombrófila Mista, 19 – Palmeiral, 20 – Restinga, 21 – Savana Amazônica,

22 – Vegetação Aquática, 23 – Vegetação Sobre Afloramentos Rochosos,NE – ameaça de extinção não avaliada, LC – risco de

extinção menos preocupante, NT - quase ameaçada.

144

Considerações Finais

Conclui-se que parte dos moradores da Comunidade Negra Rural

Quilombola Chácara do Buriti utilizam da medicina tradicional, das 80 espécies

citadas com fins terapêuticos a maioria é nativa do Cerrado, ambiente onde

localiza-se seu território, demonstrando o conhecimento sobre a natureza em

sua volta e a dependência dos recursos naturais, direta e/ou indiretamente,

além das plantas cultivadas para suas práticas de cura.

Ao se verificar a dificuldade de encontrar as plantas na Comunidade,

pode-se afirmar que será necessário que ela se organize de forma à buscar

alternativas para resgatar e valorizar esse saber particular e constante

mudanças, de modo a garantir as próximas gerações a posse desse

conhecimento.

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152

7. Conclusão Geral

Apesar da crença popular de que os negros escravizados foram

passivos a esse sistema desumano de empoderamento capitalista, houve

resistência, algumas vezes implícitas, como “corpo mole”, quebra de

ferramentas, banzo; mas também de forma explícita, com agressões e fugas. A

fuga tinha um destino, um objetivo, viver fora do domínio do senhor, do dono,

do feitor e da igreja que agia fechando os olhos para os maus tratos e

oprimindo a cultura nativa do africano.

Ao fugir em busca do sonho da liberdade, o negro encontrava seus

pares, aqueles que como ele se ergueram contra o sistema. Ao agruparem-se

formaram uma fortaleza, um local de refúgio e sobrevivência, que ficou

conhecido como quilombo, local muito combatido por forças oficiais e mal visto

pela população em geral, mas que sobreviveu e hoje é uma das mais

características formas de comunidades tradicionais no país, alcunhadas de

comunidades quilombolas, ou mais recentemente como comunidades

remanescentes de quilombo.

Outra forma de surgimento das comunidades remanescentes de

quilombo foi a migração após a assinatura da Lei Áurea em 1888. Ao se verem

livres, sem emprego e sem prestígio, muitos núcleos familiares se aventuraram

em comitivas em busca de terras devolutas pelo interior do país, inclusive na

província de Mato Grosso.

A presença do negro, escravo, depois ex-escravo e por fim livre, na

história de colonização do Estado de Mato Grosso do Sul se mostra claramente

quando se analisa documentos historiográficos de época, onde se constata que

os negros escravos foram trazidos de outras regiões brasileiras, servindo à

exploração das minas, crescendo também, por consequência, a quantidade de

mestiços ou mulatos em toda região. O negro também se faz parte da

historiografia do Estado, com a migração de famílias negras que se instalaram

em terras sul-mato-grossensses, após a abolição. O reflexo dessa participação

na ocupação é a existência de 22 comunidades remanescentes de

quilombolas, dentre elas a Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do

Buriti, objeto desse estudo.

Entre as comitivas vindas para explorar o sertão da Província de Mato

Grosso, estava a comitiva de Eva Maria de Jesus, conhecida como Tia Eva e

153

avó de João Vida, que se casou com Maria Theodolina de Jesus, e juntos

compraram uma pequena área às margens do Córrego Buriti, onde está

localizada a Comunidade que recebeu o mesmo nome do córrego,

Comunidade Negra Rural Quilombola Chácara do Buriti.

Ao longo de sua trajetória histórica, a Comunidade Chácara do Buriti,

estabeleceu relações econômicas e sociais com seu território, que sofreu

transformações, no entanto sem uma profunda modificação em suas

características ambientais. Verificou-se através da análise de imagens de

satélites que no período estudado (1985-2015), se mantiveram constantes as

áreas úmidas e com água, ao passo que houve acréscimo das áreas com solo

exposto e urbanizadas. Além disso, as áreas de pastagem diminuíram cedendo

espaço para o surgimento das áreas de lavoura, o que reflete a mudança da

fonte de renda dos moradores. Ainda observa-se que a área de cobertura

vegetal demonstrou um leve aumento na última imagem avaliada (2015), fato

que pode ser resultado da regeneração das áreas de Reserva Legal e Área de

Preservação Permanente.

As relações sociais e econômicas que a Comunidade estabeleceu em

seu território e em seu entorno, modificaram drasticamente seu perfil

socioeconômico, que é uma característica chave para a elaboração e

desenvolvimento ações e políticas que preservem a identidade cultural de uma

sociedade. Inicialmente os moradores praticaram a pecuária e agricultura de

subsistência, chegaram a possuir uma olaria, explorando um recurso natural

disponível na propriedade (solo hidromórfico – área de Veredas de Buritizal)

com a presença de dois núcleos familiares e atualmente a comunidade possui

cerca de 120 moradores, descendentes de seus fundadores ou casados com

descendentes. Dos moradores entrevistados 60% estão envolvidos com a

agricultura familiar, resultado da inter-relação da Comunidade com o meio

natural de seu território, o utilizando para sua sobrevivência, crescimento e

desenvolvimento.

As relações estabelecidas entre uma comunidade tradicional e seu

território se manifestam na forma de diversos saberes, entre eles o saber

etnobotânico, com a utilização de plantas nativas ou exóticas, coletadas ou

cultivadas na prevenção e tratamento primário às doenças. A Comunidade

Chácara do Buriti cita o uso de 80 plantas para fins terapêuticos, dessas a

154

maioria são espécies nativas, cultivadas ou coletadas e utilizadas em sua

maioria na forma de chá das folhas. Através dos índices calculados neste

trabalho as espécies nativas que apresentaram maior significância para a

Comunidade foram a carqueja (Baccharis crispa) e o jatobá (Hymenaea

courbaril).

Conclui-se, portanto que as relações que a Comunidade Chácara do

Buriti estabeleceu com seu território ao durante sua trajetória histórica

refletiram na construção de sua identidade cultural e histórica, assim como em

seus saberes tradicionais.

155

APÊNDICE A

PESQUISA: SABERES TRADICIONAIS E USO DA BIODIVERSIDADE NA

COMUNIDADE NEGRA RURAL QUILOMBOLA CHÁCARA DO BURITI,

CAMPO GRANDE, MATO GROSSO DO SUL, BRASIL

CARACTERIZAÇÃO DO ENTREVISTADO

1) Nome/Apelido:_________________________________________________

2) Sexo:

( )Feminino

( ) Masculino

3) Idade:____

4) Escolaridade:

( ) Abandonou a escola. Qual série:_______________________

( ) Nunca foi a escola

( ) Ensino fundamental incompleto

( ) Ensino fundamental completo

( ) Ensino médio incompleto

( ) Ensino médio completo

( ) Ensino superior incompleto. Qual:______________________

( ) Ensino superior completo. Qual:_______________________

5) É descendente direto dos fundadores da Comunidade (filho(a) ou neto(a))?

( )Sim. Qual?_________

( )Não

6) Desde quando mora na comunidade? Já morou e foi embora? Porque

voltou? Se nunca morou antes, porque esta agora (casamento, trabalho)

_______________________________________________________________

156

7) O principal responsável pelo domicílio é:

( )Homem

( ) Mulher

8) Qual a sua religião?

( )Católico

( )Cristão Apostólico

( )Outra:__________

9) Situação civil?

( ) Casado

( )Solteiro

( ) Separado ou divorciado

( )Viúvo

10) Qual a sua principal fonte de renda?

( ) Público - Federal ( ) Público - Estadual ( ) Público - Municipal

( ) Conta Própria (autônomo, agricultor). Qual?

___________________________

Se agricultor, quais as principais

culturas?________________________________

Em que local/programa entrega?

_______________________________________

( ) Empregado de particular ( ) Aposentado/Bolsa de Auxílio

11) Qual a principal fonte de renda dos moradores dessa casa?

( ) Público - Federal ( ) Público - Estadual ( ) Público - Municipal

( ) Conta Própria (autônomo, agricultor). Qual? _________________________

Se agricultor, quais as principais culturas?_____________________________

Em que local/programa entrega? ____________________________________

( ) Empregado de particular ( ) Aposentado/Bolsa de Auxílio

12) Qual a sua renda? (1 salário mímino= R$788,00)

( )Até 1 Salário Mínimo ( )De 1 a 2 Salários Mínimos

157

( )De 2 a 3 Salários Mínimos ( )De 3 a 4 Salários Mínimos

( )De 4 a 5 Salários Mínimos ( )De 5 a 10 Salários Mínimos

( )Mais de 10 Salários Mínimos

13) Qual a renda total da casa? (1 salário mímino= R$788,00)

( )Até 1 Salário Mínimo ( )De 1 a 2 Salários Mínimos

( )De 2 a 3 Salários Mínimos ( )De 3 a 4 Salários Mínimos

( )De 4 a 5 Salários Mínimos ( )De 5 a 10 Salários Mínimos

( )Mais de 10 Salários Mínimos

CONHECIMENTO ETNOBOTÂNICO

14) Em caso de doença na família aonde recebe tratamento

( ) Posto médico ou hospital

( )Outra cidade

( )Trata com remédios naturais

( )Não faz nada

( )Outra:________________

Você pode marcar diversas casas.

15) Quais as doenças mais comuns na família?

( )Malária ( )Tuberculose ( )Verminose ( )Gripe ( )Diabetes

( )Febre amarela ( )Leishmaniose ( )Diarréia ( )Gastrite ( )Sarampo

( )Lepra(Hanseníase) ( )Catapora ( )Problemas do coração

( )Pressão Alta ( )Anemia ( ) Outras:______________________

16) Faz uso de plantas medicinais?

( )Sim

( )Não, Por que?___________

17) De onde vem o conhecimento de uso de plantas medicinais?

( )Do conhecimento tradicional da família

( )outras pessoas ou veículos de informação (rádio, TV, jornal)

( )Médicos, enfermeiros, biológos, professores

( ) Outros:_________________________________________

158

18) Qual pessoa da Comunidade você acha que possui grande conhecimento

sobre plantas

medicinais?____________________________________________________

19) Estaria disponível para uma caminhada (turnê guiada) para coleta das

plantas que utiliza?( ) Sim ( ) Não

20) Quais as plantas utilizadas pela família? (Fazer listagem na tabela)

159

TABELA DE PLANTAS UTILIZADAS

Nome Popular

Parte Usada

Indicação Medicinal Popular

Modo de Uso (chá,

pomada, emplasto...)

Qual a quantidade utilizada? Tem jeito certo, ou

hora certa, ou época do ano

certa pra colher?

Tem algum efeito

colateral? (dor de barriga, gosto

amargo, cheiro forte,

aumenta pressão,

baixa pressão)

Alguém não pode usar?

(grávida, idoso,

criança, mãe que

amamenta, pessoa com problema de

pressão, diabete,

etc...)

É coletada, comprada

ou cultivada?

Aonde coleta?

Hoje é fácil encontrar?

Aonde compra?

Quais as principais caracteristicas da planta?

Pode utilizar outras

partes da planta?

Se não, por que?

Se sim, por que

não usa?

Tem outro

nome?