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UNICENTRO NEWTON PAIVA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FOLCLORE E CULTURA POPULAR COMPANHIAS E FOLIAS: AS FESTAS DE REIS NO MUNICÍPIO DE TRÊS PONTAS Adriana Alice de Andrade Mesquita Belo Horizonte – 2002

UNICENTRO NEWTON PAIVA

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UNICENTRO NEWTON PAIVA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FOLCLORE E CULTURA POPULAR

COMPANHIAS E FOLIAS: AS FESTAS DE REIS NO

MUNICÍPIO DE TRÊS PONTAS

Adriana Alice de Andrade Mesquita

Belo Horizonte – 2002

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ADRIANA ALICE DE ANDRADE MESQUITA

COMPANHIAS E FOLIAS: AS FESTAS DE REIS NO

MUNICÍPIO DE TRÊS PONTAS

Monografia apresentada ao Unicentro

Newton Paiva como requisito parcial

para obtenção do título de especialista

em Folclore e Cultura Popular.

Orientador: Prof. José Moreira Sousa

Belo Horizonte – 2002

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Dedico este trabalho à pessoa que mais me incentivou e acreditou em meu

potencial, meu marido José Marcos. Sem ele talvez não estivesse agora concluindo esta

monografia. Sua força e dedicação foram cruciais para que obtivesse êxito.

Também dedico a outra pessoa muito especial em minha vida, à minha filha Julia

que amo muito.

Foram dias incessantes de trabalho e pesquisa, mas graças a Deus e a estas pessoas

maravilhosas hoje estou aqui finalizando esta monografia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, porque sem ele nunca poderia estar aqui.

Ao Unicentro Newton Paiva pela oportunidade oferecida.

Ao Professor José Moreira de Souza, que me orientou para que fizesse um bom

trabalho.

Aos professores do curso, que sempre nos incentivaram para que fizéssemos um

curso de qualidade.

Aos professores membros da banca.

Aos colegas de sala, que compartilharam todo um ano de intenso trabalho.

Aos mestres e foliões das companhias de reis, que nos auxiliaram com sua

sabedoria para que este trabalho tivesse êxito.

Ao senhor Ruy Quintão, que desde o início foi a pessoa que mais se empenhou em

me ajudar com a pesquisa, auxiliando com todas as informações e dados que podia.

Ao Padre Roberto Donizetti de Carvalho, que também nos auxiliou com sua

sabedoria.

Ao senhor Haroldo de Souza Figueiredo Junior, secretário da Divisão de Cultura do

município, pela sua ajuda quanto a dados referentes ao município e as companhias.

Ao senhor Afonso, presidente da associação de companhias de reis do Rio de

Janeiro, que também nos auxiliou quando a ele recorremos com monografia de seu

acervo.

Aos amigos: Pedro, Eugênio, CamilaRegina, Dª Tereza, Mariléa, Dª Maria José,

que me auxiliaram durante as pesquisas nas jornadas diárias, e outros com

documentos sobre o município.

À minha família, que também me incentivou muito para este trabalho.

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“No fundo, são misturas. Misturam-se as almas nas coisas; misturam-se as coisas nas

almas. Misturam-se as vidas, e é assim que as pessoas e as coisas misturadas saem

cada qual de sua esfera e se misturam: o que é precisamente o contrato e a

troca”.(Marcel Mauss,1974:71)

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SUMÁRIO

Adriana Alice de Andrade Mesquita................................................................................................... 1AGRADECIMENTOS........................................................................................................ 4

SUMÁRIO...................................................................................................................................................6RESUMO............................................................................................................................... 7

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 8

CAPÍTULO I........................................................................................................................15

FESTAS, MITO E RELIGIOSIDADE POPULAR...................................................................................... 16FESTAS ................................................................................................................................16

MITO E RITO .................................................................................................................. 18CAPÍTULO II...................................................................................................................... 28

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DE TRÊS PONTAS.....................................................................................28CAPÍTULO III..................................................................................................................... 35

A FOLIA DE REIS........................................................................................................................................35AS COMPANHIAS DE REIS DE TRÊS PONTAS..................................................................................... 37

REGISTROS REALIZADOS................................................................................................................... 54COMPANHIA DA FAMÍLIA DIAS........................................................................................................ 55

REGISTROS REALIZADOS........................................................................................................... 55COMPANHIA NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS...............................................................................62COMPANHIA SAGRADO CORAÇÃO DE MARIA............................................................................. 70

CONCLUSÃO..................................................................................................................... 77

BIBLIOGRAFIAS............................................................................................................... 82

ANEXOS..............................................................................................................................85

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RESUMO

O presente estudo trata das Companhias de Reis em Três Pontas. Fala especificamente

sobre três, sua história, seu grupo, sua origem, suas características fundamentais. Ainda

neste contexto, fala da origem da cidade e sobre sua situação atual. Uma cidade moderna,

progressiva, mas atenta para a tradição, os costumes do seu povo. Expomos alguns

conceitos de festas, mito, rito e religiosidade popular, que se relacionam com a

manifestação. As companhias são traços de cultura popular, grupos sociais que mantêm

viva a tradição religiosa do nascimento de Jesus. Exercem a solidariedade e promovem a

coesão social. Incentivam a coletividade, numa época em que o individualismo é crucial. A

fé é o alicerce para que se apresentem.

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INTRODUÇÃO

Essa afirmação de Carlos Rodrigues Brandão vai nos orientar no estudo das

Companhias de Reis:

“a Folia de Reis é um exemplo privilegiado da complexidade de símbolos e práticas do catolicismo popular. Constituindo durante o natal um tempo e um espaço de trocas de cerimônias que na verdade apenas atualizam ritualmente as situações tradicionais de prestações e contraprestações de bens e de serviços entre os parceiros”.(Brandão, 1981:49)

O que compreendemos a partir da citação acima é quão complexo é o catolicismo

popular, e desta maneira a folia de reis se torna um exemplo que faz parte da vida de

muitas pessoas. No período natalino se faz presente a comemoração do nascimento de

Jesus e dentro disto há um verdadeiro ritual religioso e social que exige uma integração e

cooperação de todos os participantes.

Orientada pelo que afirma Carlos Rodrigues Brandão pretendemos analisar as

companhias de Reis dentro do município de Três Pontas. O presente trabalho estuda o

sentimento de devoção e coesão social que as Companhias realizam, bem como uma

análise da situação social e religiosa de grupos de cidadãos trespontanos que integram

essas companhias.

Interessou-nos este estudo pelo fato de ser uma manifestação de cunho religioso

popular e também por poder ser considerado como fato folclórico1. Saul Martins enumera

como características do fato folclórico: ser popular, tradicional, coletivo, durável, funcional

e por vezes universal2. O fato folclórico é discutido por vários folcloristas, mas aqui

tomamos Saul Martins como exemplo. Explicamos essas características brevemente. Ser

popular se deve ao fato de vir do povo e a ele se destinar prioritariamente; é tradicional,

porque é antigo mas de uso corrente; é vulgar, porque é repetido, divulgado, todo mundo

sabe ou conhece; é coletivo, porque é social, de todos, não pertence a ninguém em

particular; é durável, porque persiste, tem vitalidade; é funcional, porque tem destinação ou

1 “Os fatos apresentados e caracterizados como folclóricos estão compreendidos numa ordem de fenômenos mais ampla- a cultura- e podem ser estudados como aspectos particulares da cultura de uma sociedade, tanto pela sociologia cultural como pela antropologia”.( Florestan Fernandes- 1978:46) “Considera-se fato folclórico toda maneira de sentir, pensar e agir, que constitui uma expressão da experiência peculiar de vida e qualquer coletividade humana, integrada numa sociedade civilizada. O fenômeno folclórico é elemento dinâmico da cultura, não é estático(...), divulga-se e é adquirido pelo homem no contato diário que mantém com seus semelhantes na prática da vida social”.( Laura Della Mônica- 1989:24)

2 Martins, Saul. Folclore: Teoria e Método (1986, p. 17, 18).

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serventia; e com freqüência é universal, está em toda parte. Admite variantes, resultado da

elaboração coletiva; finalizando, é anônimo, porque se ignora a autoria.

Compreendendo que a religião é um forte agente de coesão social e portanto de

grande importância para a comunidade, resolvemos nos ater ao estudo, que propicia ao

mesmo tempo uma análise da manifestação da companhia de reis como sendo de

manifestação folclórico-devocional3. Algumas características nos comprovam isto e

mesmo em muitos depoimentos colhidos esta afirmação foi confirmada.

Como sabemos há inúmeras diferenças entre as companhias de região para região,

não havendo explicação teórica para isso, apenas que conforme a tradição variam. Por

exemplo no norte do Brasil é comum haver “bois” nas companhias enquanto que no sul de

Minas não existe; também há companhias nas quais existe a presença de mulheres. São

aspectos nos quais não vamos nos deter, dado o fato de estarmos delimitando esta pesquisa

no município de Três Pontas.

Companhias de Reis conforme a região variam de nome como: Folia de Santos

Reis, Companhia dos Três Reis Santos, Reisado, Reis, Folia, Bandeira de Santos Reis4. E

desta maneira seus integrantes também variam. Todas são compostas por pessoas devotas

aos santos reis que ritualizam no período natalino a procura dos três reis magos pelo

Menino Deus.

3 “Folclórico-Devocional = (relativo a folclore e devoção). “Folclore é a cultura popular, tornada normativa pela tradição. Compreende técnicas e processos utilitários, além de sua funcionalidade. O folclore inclui nos objetos e fórmulas populares uma quarta dimensão, sensível ao seu ambiente. Não apenas conserva, depende e mantém os padrões do entendimento e da ação, mas remodela, refaz ou abandona elementos que se esvaziam de motivos ou finalidades indispensáveis a determinadas seqüências ou presença grupal(...). Qualquer objeto que projete interesse humano, além de sua finalidade imediata, material e lógica, é folclórico(...). Onde estiver um homem aí viverá uma fonte de criação e divulgação folclórica. O folclore estuda a solução popular na vida em sociedade(...). O folclore estuda todas as manifestações tradicionais na vida coletiva”.(Cascudo:240-241) Devoção- ato de dedicar-se ou consagrar-se a alguém ou entidade; sentimento religioso; culto, prática religiosa.4 “Reis- foram festas populares na Europa dedicadas aos três reis magos em sua visita ao Deus Menino. Com indumentária própria ou não, visitam os amigos ou pessoas conhecidas, na tarde ou noite de 5 de janeiro cantando e dançando, fazendo versos alusivos à data e solicitando alimentos ou dinheiro. Os colonizadores portugueses mantiveram essa tradição no Brasil e ainda não desapareceu de todo em algumas regiões”. (Luís da Câmara Cascudo: 580) “Reisado- é denominação erudita para os grupos que cantam e dançam na véspera e dia de reis(6 de janeiro). Tem sua origem na Idade Média. O auto popular profano-religioso pertence ao ciclo natalino, é formado por grupos de músicos, cantadores e dançadores que vão de porta em porta anunciar a chegada do Messias e homenagear os três reis magos. É conhecido também com os nomes de Reis, Folia de Reis, Boi de Reis, e o enredo é sempre a natividade, os reis magos e os pastores a caminho de Belém”.(Cascudo:581)“Folia- antigamente, em Portugal, era uma dança rápida, ao som do pandeiro ou do adufe, acompanhada de cantos. Fixou-se posteriormente, tomando características e modos típicos diferenciadores(...). No Brasil a Folia é bando precatório que pede esmolas para a festa do Divino Espírito Santo(Folia do Espírito Santo) ou para a festa dos Santos Reis Magos( Folia de Reis)”.(Cascudo:242)

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Deve ser ressaltada em todas essas manifestações a devoção ao sagrado,

independente de como é feita ou das circunstâncias, a fé que o povo tem, assume a

característica principal dessas manifestações. Além disso, percebemos que se trata de um

grupo social que promove uma manifestação folclórico-devocional caracterizada pela

religiosidade e sociabilidade.

A cultura popular é valorizada e o nosso povo muito talentoso e devoto se vangloria

disto. Com o objetivo de estudar esta manifestação no município de Três Pontas, já que

seria impossível analisar todas as manifestações existentes, pois são muitas, delimitamos a

pesquisa em torno de três companhias tomando-as como ponto de partida e desta forma

pesquisá-las também no seu conjunto como a estrutura, a religiosidade, a participação

popular, enfim, tentar compreender o significado que ela alcança no interior das famílias e

da comunidade.

Isso foi muito satisfatório, procuramos observar o processo ritual e simbólico das

companhias determinadas, assim como seus integrantes e as diferenças entre elas. O intuito

dessa delimitação nos levou a observações importantes que serão apresentadas mais

adiante.

A Companhia de Reis serve como aglutinante social, devido ao caráter religioso

que possui. A fé move e impulsiona o povo simples.

As camadas mais altas da sociedade embora prevaleçam hierarquizadas, durante o

ciclo natalino interagem; a coesão é provocada pelo espírito natalino, de fé, dádiva e

devoção. As companhias embora sejam integradas pela camada subalterna da população,

arrebanham muitos fiéis devotos de todas as camadas ,seguidores na sua jornada.

Muitas pessoas não participam da manifestação mas colaboram e recebem os

foliões de bom coração e desta maneira fazem doações; é um esquema de reciprocidade:

dar o que podem e receber a bênção da bandeira.

Ainda dentro deste estudo pretendo trabalhar as significações religiosas que

envolvem este ritual, uma vez que representam a busca dos três reis magos pelo Menino

Jesus, ou seja o nascimento dele. Para isto levantamos uma bibliografia sobre o assunto.

Dentro desta perspectiva demonstramos o culto ao sagrado, a fé do povo e a tradição

preservada.

Como objetivo pretendemos também mostrar as Companhias de Reis em Três

Pontas, como se desenvolvem e manifestam, enfocando a sociabilidade, o lado lúdico desta

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manifestação e com prioridade o caráter de devoção do povo. Dentro deste objetivo geral

há algumas especificidades que queremos trabalhar como:

• Identificar aspectos que solidificam essa manifestação folclórico-devocional na cidade.

Por exemplo, características identificadas durante a pesquisa_ antigüidade e sucessão,

organização, devoção ;

• Compreender o processo de formação das companhias de reis em Três Pontas,_ como

foram implantadas, falar sobre o histórico dos grupos;

• Resgatar a imagem das companhias como uma manifestação religiosa que mantém viva

a tradição popular e cultural do povo;

• Colaborar com a identificação e preservação dessas companhias, enquanto tradição

popular, para que possam ser prestigiadas e valorizadas por todos;

• Obter registros da manifestação para sua posterior preservação como fonte documental.

O fato de serem numerosas as folias da cidade e diante da impossibilidade de

estudar todas, delimitamos a pesquisa em torno de três: Companhia da Família Dias,

presidente José Dias; Companhia do Sagrado Coração de Maria, presidente José Luís e

José Cláudio; Companhia Nossa Senhora das Graças, presidente André Tiengo.

O que nos possibilitou este estudo além das entrevistas com mestres e outros

membros das folias, foram entrevistas com autoridades do município, que nos

proporcionaram muitas informações importantes. Um fato porém é interessante relatar, a

falta de documentos sobre as companhias, fontes escritas para poder comprovar a origem

dessas. O que coletamos de informações é muito valioso e como disseram é uma tradição

que passa de geração a geração, mas, não temos fontes para comprová-las, a não ser os

relatos orais. Neste âmbito é que nosso trabalho se torna mais eficaz, pois o Folclore que é

a disciplina que nos especializamos é entre outras coisas o registro das fontes orais. E

nosso trabalho é caracterizado justamente por esta busca de registros.

A Companhia da Família Dias, como o próprio nome diz é formada por uma

família numerosa e amigos. O aspecto mais importante que foi notado nessa companhia foi

a antigüidade, o que caracteriza bem o fato folclórico, entre outras características

relevantes também.

Na Companhia do Sagrado Coração de Maria a característica predominante foi a

organização. Também tratando-se de uma companhia feita pela família e amigos, levam–

na para outras localidades além de Três Pontas elevando o bom nome da cidade.

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E finalmente a Companhia Nossa Senhora das Graças, chamou nossa atenção pelo

fato de manter a ordem, a magia apesar dos poucos recursos. Com o dinheiro arrecadado

em festas e quermesses construiu-se a igreja que dá nome a companhia. O aspecto mais

relevante nessa foi a devoção, doavam o pouco que tinham, o tempo, o trabalho, a boa

vontade.

Dentro destas palavras: festas, religião, devoção, tradição e cultura popular procuro

exprimir o que vi e vivi durante a pesquisa. Nas jornadas de que participamos pudemos

constatar um pouco ou mesmo muito de cada uma dessas que considero de suma

importância para análise do presente trabalho.

Ao iniciarmos a pesquisa optamos pela participação com registro baseado na coleta

de depoimentos. A coleta de depoimentos de foliões foi realizada através de entrevistas

com uso de gravador e também anotações simultâneas. Essa etapa aconteceu num período

anterior à festa, mais especificamente no mês de outubro de 2001. Deram-nos seus relatos

os mestres, presidentes, foliões. Também colaboraram com dados importantes funcionários

municipais, o padre da paróquia Matriz Nossa Senhora D’Ajuda, enfim pessoas ligados ao

tema em questão. Cada entrevistado nos deu sua versão, como vêem a manifestação. O

presidente da Associação das Companhias de Reis Ruy Quintão, nos ajudou a encontrar os

grupos e seus endereços. Foi uma etapa decisiva para o trabalho, depoimentos importantes

foram coletados. Para isso precisamos marcar hora, pois muitos não tinham disponibilidade

tempo integral. No transcorrer da entrevista virou um bate-papo o que facilitou as nossas

perguntas, ou seja, sem precisar de muito questionamento, eles, os mestres das companhias

nos deram as respostas que precisávamos.

Também recorremos à pesquisa documental, percorrendo escritos, e dados

históricos como atas de reuniões das companhias, estatutos, sites na Internet , livros

históricos sobre a origem da cidade, entre outros dados específicos que nos foi mostrado e

que poderão ser comprovados pelas fotos tiradas. Um fato interessante foi o livro que o

mestre José Dias nos indicou para lermos, dizendo que se inspirava muito nele, o livro

chama-se Mártir de Gólgota5. Procuramos ler o livro para compreender o que a história nos 5 Trechos do livro “O Mártir do Gólgota”. “Chamo-me Gabriel; venho das margens do Tigre a guiar três reis magos do oriente que deixaram a populosa cidade de Selêucia para seguir-me(...). Venho anunciar-vos que nasceu o Messias prometido”.(Henrique Peres Escrich, 1959:52) - “Herodes, hábil político, simulou admiração, interesse pela ciência, a fim de saber dos próprios magos todos os detalhes, desde a partida de Selêucia. Sagaz e astuto, tratou de fazer com que os reis não percebessem o sangüinário plano que lhe refervia no cérebro. Sabia que os reis da Pérsia, na infância, aprendiam em primeiro lugar a dizer a verdade.”(Escrich, 1959:78)- “Era Belém de Judá, pátria imortal, berço santificado do Redentor do homem. Dispunham-se os reis a entrar na cidade quando a estrela, como que impelida por misteriosa mão, caiu do céu e foi colocar-se sobre a arruinada porta de um estábulo. Os reis, que julgavam teriam de encontrar o Messias

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passava e também observamos o que havia sido relatado pelo mestre José Dias a respeito

do assunto: a vida de Jesus Cristo.

Ainda para esta monografia fizemos levantamento e discussão do referencial

teórico para nos situarmos melhor quanto à manifestação religiosa e suas particularidades.

Usamos como base os livros de Carlos Rodrigues Brandão: Sacerdotes de Viola, Folclore,

Cultura na Rua e o livro de Núbia Pereira de Magalhães Gomes e Edimilson de Almeida

Pereira: O Presépio e a Balança. Esses exemplares nos guiaram pelos caminhos das

Companhias de Reis.

Como bem sabemos a riqueza do trabalho está nas diferenças e não nas

semelhanças, portanto procuramos observar bem cada uma das companhias para compará-

las às retratadas em outras obras.

Usamos a técnica da fotografia para documentar melhor e interpretar os fatos, bem

como analisar o convívio social dos envolvidos. Também contratamos o serviço filmagem

para dar mais veracidade aos atos representados, bem como a beleza que demostram e por

fim utilizamos o gravador para coletar depoimentos, para que pudéssemos fazer entrevistas

com mais tranqüilidade e para facilitar a compreensão dos relatos para posterior

transcrição. Nessa etapa houve fases da entrevista muito difíceis para alguns entrevistados;

eles às vezes até pediam para que não gravássemos, como o caso do mestre José Dias.

Também notamos uma certa desconfiança e timidez por parte de alguns entrevistados

quando perguntamos a respeito das ofertas e logo se apressaram em justificar que só a

usavam para fazer a “festa da chegada” e que se não fosse por isso e pelas condições atuais

não o fariam. Percebemos neste momento que eles sentiam que isso poderia prejudicá-los

sem entender bem nosso objetivo. Para estas pessoas muitas vezes o nosso questionamento

se referia apenas ao lado da renda, do lucro, não compreendiam que nosso interesse não era

este, por isso se justificavam tanto quanto a isso. No início a desconfiança pairava no ar,

era difícil para eles entenderem o que uma pessoa nova estaria ali fazendo perguntas,

questionando sobre suas vidas e mais sobre as companhias que para eles era tudo, como

nos disse um folião. Aos poucos a desconfiança passou e contribuíram significativamente

para o trabalho.

num palácio, surpreenderam-se com o miserável lugar escolhido pela mensageira do céu para terminar seu caminho(...). O Deus Menino estava reclinado num humilde leito de palha; ao lado a Santa Mãezinha contemplava com veneração o objeto do seu amor. Os reis aproximaram-se do presépio com profundo respeito(...). Ajoelhados diante de Jesus, os poderosos reis adoraram o recém-nascido como os príncipes do oriente adoravam os seus deuses.(Escrich Henrique Peres, 1959: 83,84)

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Em relação aos funcionários da prefeitura, do setor de divisão e cultura (Haroldo

Souza), com o senhor Ruy Quintão (presidente da Associação das Companhias de Reis de

Três Pontas) e o padre Roberto Donizetti de Carvalho, a conversa já foi diferente.

Entenderam o objetivo do trabalho e contribuíram igualmente com o que sabiam.

Quando iniciamos o trabalho de registros das companhias tivemos o auxílio de

pessoas amigas que nos acompanharam, para que o trabalho transcorresse da melhor

maneira possível. Foi preciso este auxílio para que pudéssemos gravar, fotografar e anotar

os dados importantes, para que nada nos escapasse aos olhos. Foi um período longo de

jornada, apesar de as companhias saírem pelas ruas próximas, fazia muito calor e a

caminhada era cansativa. Às vezes chovia como aconteceu no primeiro dia. Todas essas

situações tem que ser esperadas, nada é totalmente cronometrado, às vezes atrasa, às vezes

adianta, chove, faz muito sol, enfim, são situações inesperadas para os quais devemos estar

preparados.

Nos capítulos que se seguem vamos falar sobre festas, mito e religiosidade

popular, comentar sobre a formação histórica e cultural de Três Pontas, em seguida

exporemos sobre as companhias de reis mais especificamente. E finalmente concluiremos

com nossos resultados e discussões. Em todos estes capítulos procuraremos expor um

pouco destes conceitos.

No primeiro, falaremos a respeito do conceito de festas segundo autores

conceituados e mostraremos nossa linha de pensamento. As festas contribuem muito para o

bem- estar da sociedade; elas ligam, unem as pessoas em torno de um bem comum, seja ele

qual for: esporte, religião, turismo, qualquer que seja elas têm sua função social. Aliada a

função social que é a de unir as pessoas, o coletivo interagir, está outra base para nossa

pesquisa que é a religião, a devoção. Um povo humilde, trabalhador, que espera o ano todo

para poder homenagear seus santos de devoção, cumprir suas promessas, sair pelas ruas em

peregrinação à procura de um Deus, representando o ritual da procura do Menino Jesus, eis

os nossos foliões. Pessoas que não se preocupam com dinheiro que vão receber ao longo da

jornada e sim com a crença, a devoção que lhes permite caminhar durante dias. Encerrando

com a festa da chegada onde todos participam com fartura de comida ,bebida e alegria,

com a certeza de terem feito o melhor. Mesmo com dificuldades estão todos lá, todos os

anos, angariando mais e mais devotos dos “santos reis”. Também nesse capítulo

conceituaremos mito, rito, religiosidade popular, segundo autores selecionados e suas

correntes.

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A religião é um forte traço cultural da cidade, a devoção ao Padre Vitor, anjo tutelar

do município basta para explicitar isso, e claro da devoção as companhias de reis.

Ainda falaremos sobre o município em questão, um pouco da sua vida, sua

formação, sua geografia, sua economia e cultura, sua religião. Só para compreendermos

melhor tratava-se de uma sesmaria que virou arraial, depois vila, e enfim cidade.

É importante lembrar que a manifestação folclórico-devocional apesar de ter

grande aceitação pela maior parte da população é uma manifestação popular, ou seja, o

povo é que a celebra, representa ritualmente.

CAPÍTULO I

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FESTAS, MITO E RELIGIOSIDADE POPULAR

Pretendemos mostrar ao leitor um pouco do conceito de festas, mito e religiosidade

popular na ótica de escritores renomados e com isso fazermos uma opção pelo corrente

mais relevante. Dentro destas conceituações procuramos estabelecer paralelos com as

companhias, o que estas representam, no que elas fazem diferença e o porque de as

estudarem. Entendemos que um estudo adequado sobre essa manifestação não poderia

fugir à religiosidade popular nem de mito e festa, pois ambos estão no cerne da

manifestação. Portanto este capítulo trata do questionamento e das significações que esses

conceitos representam dentro da manifestação das companhias de reis.

FESTAS

Segundo Alceu Maynard Araújo(1977)as festas tiveram uma origem comum, eram

formas de culto externo tributados a uma divindade realizada em determinados tempos e

locais na época da arqueocivilização, porém com o advento do cristianismo recebeu

roupagens novas. Isso nos fica claro quando percebemos o calendário católico que as

separa em festas do senhor e os dias comemorativos dos santos.

Segundo Maynard :

“Dentre as manifestações da vida social nos agrupamentos humanos podemos destacar a festa, cujo aparecimento data das mais remotas eras, certamente quando o homo faber, deixando de ser mero coletor de alimentos, praticante da técnica de subsistência da catança, passou a produzi-los, plantando. Há na aurora das festas aquela preocupação mágica de agradecer a natureza ou suplicar para que ela, entidades supraterrenas ou divindades, não permitam as pragas, danos ou malefícios nas plantações, praticando portanto ritos protetivos e produtivos. A festa interrelaciona-se não só com a produção mas também com os meios de trabalho, exploração e distribuição, ela é portanto conseqüência das próprias forças produtivas da sociedade, por outro lado, é uma poderosa força de coesão grupal, reforçadora da solidariedade vicinal cujas raízes estão no instinto biológico da ajuda, nos grupos familiares”.(Alceu Araújo Maynard, 1977:11)

Fixamos desse autor a afirmação de que a festa é uma poderosa fonte de coesão

grupal e reforçadora da solidariedade vicinal. Isto é relevante se compreendermos que a

partir desta os grupos interagem, e que é uma maneira de concretizar atos para o bem de

todos. Como vimos muitas vezes elas existiam em função do agradecimento ou mesmo de

ritos na qual todos tinham o seu papel. As pessoas se apegam a todas as possibilidades de

melhora pessoal e muitas vezes uma festa com objetivos claros e até mesmo lúdicos

proporciona isso, o grau de sociabilidade que ela oferece é muito grande.

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Carlos Rodrigues Brandão afirma a respeito das festas:

“Algumas sociedades comemoram com mais ênfase certos acontecimentos e situações, enquanto outras os deixam em segundo plano e dão mais importância a outros. Nas cidades médias e grandes as festas cívicas, históricas e profanas conquistam um lugar de crescente importância, enquanto nas cidades pequenas e nos povoados do interior elas ocupam um segundo plano, e os festejos locais e religiosos povoam quase todo o calendário.”(Brandão, 1989:7)

Aqui também ressaltamos que este fato nos revela a complexidade das

comemorações. Enquanto algumas sociedades se prestam a comemorar certos

acontecimentos, outras, geralmente cidades pequenas ocupam-se mais com o aspecto

religioso das festas que cultuam seus santos de devoção, sua comunidade.

“Uma festa ou uma cerimônia possui várias dimensões e aspectos psicossociais e socioculturais.”

(Florestan Fernandes- 1978:59)

De fato, realmente há vários aspectos dentro de uma cerimônia, algumas prestam

homenagens , outras celebram acontecimentos importantes, outras ainda perpetuam

momentos. Enfim, dentro disto percebemos que ambos os aspectos psicossociais e

socioculturais estão sempre presentes, de uma maneira ou de outra.

O tema “festas” é um tema complexo e diz respeito a expressão de alegria, porém

no estudo que se propõe é importante diferenciar qual tipo de festa se enfatiza. Em nossa

cultura percebe-se que há diferentes formas de festejar , diferindo muito nas sociedades.

No estudo proposto pelo curso o tema é referente às comemorações de um lado e

comunidade do outro. Nesse sentido em toda comunidade há sempre que se ressaltar uma

festa como expressão de comemoração ou outro sentido qualquer.

Ao invés de se falar em comunidade prefere-se falar em Cultura Popular quando

se examinam as manifestações de festas ou costumes de um dado povo. A cultura popular

significa hábitos, representações, crenças e práticas culturais da população em geral,

especialmente quando contrastada com a erudita. Já a cultura erudita6 é mais restrita,

seletiva, nem todos tem acesso, e por isso mesmo há esse contraste com a cultura popular.

Na festa popular o sagrado e o profano se completam, há muita interação, troca de

experiências, é o aspecto lúdico presente. É fato que existem festas populares que são

apenas profanas e nestas não se encontra o componente religioso, mas na manifestação de

que tratamos o aspecto religioso é o mais importante. A festa é dinâmica, mutável, é

6 “A cultura é um fazer e refazer contínuos, acompanhando a roda do tempo”.(Gomes e Pereira, 1995:27)

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alegria compartilhada. Portanto a celebração do nascimento de Jesus se faz com festa,

júbilo em razão do seu caráter sagrado.

Com relação às festas populares, muitas vezes o poder e a autoridade eclesiástica7

se opõem a essas manifestações, por vezes levando-as à extinção.

E para o povo, as festas têm um significado de grande importância pois lhes

permite acreditar que algum dia as coisas vão mudar, então resistem, daí a importância da

fartura e das roupas belas usadas no período como expressão de esperança.

Também durante as festas as pessoas podem extrapolar seus sentimentos, seus

desejos, suas aspirações, sentirem-se iguais. As festas se caracterizam por procissões,

romarias, danças de roda, e são expressões da manifestação popular que as mantém acesas

e lhe dão sentido.

A festa muda com o tempo, que no caso são mudanças naturais. Ela sobrevive no

tempo devido ao sagrado, ela é coletiva, social, interação, troca de experiências, lúdico,

enfim manifestação de lazer e prazer.

Em toda comunidade as manifestações populares caracterizadas por festa são,

geralmente, manifestações religiosas, de fé, por isso mesmo tradicionais. Nestas, muitas

vezes o sagrado e o profano se misturam, geralmente no encerramento quando todos

comem, bebem e dançam com o dinheiro arrecadado nas visitas. Porém o sentido

profundo da celebração não muda.

Na realidade as manifestações festivas desempenham, como já foi dito, a esperança

num futuro melhor, a fé em que tudo vai melhorar e também a possibilidade de se

expressar com um pouco mais de desenvoltura e sem pudor, pois todos são considerados

iguais. Portanto, a festa é um momento de descontração, de bem estar, de paz e alegria.

MITO E RITO

7 De acordo com o Frei Francisco Van Der Poel, o popular e o oficial não podem ser separados

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Page 19: UNICENTRO NEWTON PAIVA

Como expusemos no início do capítulo trataremos da conceituação de mito e rito

segundo algumas correntes. O que vem a ser o mito e rito, seus significados e analisá-los

de acordo com a manifestação.

MITO

“Para Basílio de Magalhães(1960:71) :

“Mito- transfiguração dos seres e fenômenos naturais em corpos inaturais e forças sobrenaturais , totens e tabus, pelo eu projetivo do homem inculto, foi que geraram as lendas, os contos e as fábulas da tradição popular.”(Araújo-1977:178).

Esta citação apesar de explicitar o que o autor pensa sobre mito é um pouco

impositiva quando menciona que isto seja fruto do pensamento do homem inculto. Isto

porque não há homem sem cultura, todos os seres humanos são portadores desta, cada um

com a sua, mas todos a tem. É um pensamento que não deve ser considerado perfeito, nem

como referência. As pessoas devem levar em conta que existe outras pessoas que pensam

de maneira diferente e por isso mesmo criam mitos diversos.

Falando sobre mito Gomes e Pereira dizem:

“A sociedade cria os mitos constituindo um sistema de representação de si mesma. Mas a eficácia da experiência religiosa depende da prática, do seu caráter social. Por esse motivo Durkeim afirma a importância do processo ritual, que cria vínculos de solidariedade grupal.”( Gomes e Pereira, 1995:37)

Para Lévi-Strauss:

“Um mito diz respeito sempre a acontecimentos passados: “antes da criação do mundo”, ou “durante os primeiros tempos” , “faz muito tempo”. Mas o valor intrínseco atribuído ao mito provém de que estes acontecimentos, que decorrem supostamente em um momento do tempo, formam também uma estrutura permanente. Esta se relaciona simultaneamente ao passado, presente e futuro.( Lévi-Strauss,Claude 1978:241)

Para Everardo Rocha:

“O mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se refletir sobre a existência , o cosmos, as situações de “estar no mundo” ou as relações sociais”.(Everardo Rocha, 1991:7)

Para Laura Della Mônica

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“Mito- muitos conceituaram-no como coisa irreal, produto de imaginação. Neles estão concentrados os anseios, as paixões e os temores(...). A narrativa é a forma explícita do mito. (1989:55)

Para Luís da Câmara Cascudo

“Mito- objeto ou ser fabuloso, fictício, inexistente fisicamente(...). Ao redor do mito há sempre uma lenda, que se transmite oralmente e se modifica com os sucessivos relatos”. (2000:388)

O mito como nós vimos não está codificado, escrito, mas falado. Ele fundamenta as

relações sociais, precede, está anterior às questões sociais, é inquestionável, vigoroso, ao

contrário dos documentos históricos.

Há a questão do mito e as crenças em torno dos santos tradicionalmente

considerados como sendo de devoção, que povoam o imaginário popular, isto é de grande

relevância quando se pensa num país em que a devoção ao sagrado ainda é uma tradição e,

portanto, passada de geração a geração. “Como nos diz Daniel Waitzfelder(1984:86):

‘O mundo ritual é, então um mundo de oposições e junções, de destacamentos e integrações, de saliências e de inibições de elementos. É nesse processo que as “coisas do mundo” adquirem um sentido diferente e podem exprimir mais do que aquilo que exprimem no seu contexto normal(...) na verdade o rito, como o mito, consegue colocar em close up as coisas do mundo social”, ou seja ritualizar como simbolizar é fundamentalmente deslocar um objeto de seu lugar’.( da Matta,R. ,1979:60-61-65)

De acordo com Everardo Rocha numa de suas citações diz que Lévi-Strauss

acredita que exista uma relação muito próxima entre o mito e a linguagem, o mito é uma

narrativa, provém do discurso se dando a conhecer pela palavra.

“Para Lévi-Strauss o significado do mito está vinculado a grupos de acontecimentos que às vezes encontram-se até afastados na estória do mito”(1991:78).

Nesse sentido temos que perceber o mito como se percebe uma totalidade, só assim

perceberemos seu significado. Como nos diz Everardo Rocha o mito não possui sólidos

alicerces de definições, não possui verdade eterna, seu registro é o do imaginário.

RITO

“Mestre Herbert Baldus no Dicionário de Etnologia e Sociologia define rito :

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Page 21: UNICENTRO NEWTON PAIVA

“segundo Summer, o rito ou a cerimônia é um processo suscetível de estabelecer e desenvolver costumes. O rito é constituído por ações estandardizadas baseadas sobre uma disciplina estrita e ligadas a fórmulas , gestos, símbolos e sinais de um determinado significado para a sociedade que o engendrou(...). Na religião o rito representa um processo específico de comunicar-se com forças sobrenaturais(...)” (Araújo 1977:143).

Para Gomes e Pereira:

“O rito serve para refazer moralmente os indivíduos e os grupos, mantendo a vitalidade das crenças comuns e reforçando laços interpessoais. É através da ação que a experiência religiosa se torna eficaz. Quanto mais se celebra mais se reforça a fé.” (1995:37)

Para Câmara Cascudo:

“ rito significa um conjunto de ações praticado por tradição ou criado por necessidade e função específica em cada região”. (Cascudo,2000:591)

MITO E RITO NAS COMPANHIAS DE REIS

O nascimento de Jesus é o mito que irá fundamentar totalmente o rito. Nesse

âmbito há a presença constante do presépio que simboliza o nascimento de Jesus e,

consequentemente, a visita dos três Reis Magos, fatores que comprovam o rito do Natal.

No caso da Companhia de Reis, quem faz o rito é a companhia e a explicação dada

sobre ela é o mito. O imaginário popular é muito rico e recria através da folia o mito do

nascimento de Cristo. A simbologia do ritual é caracterizada pela viagem dos três reis

magos recriada como pudemos observar durante a sua peregrinação no ciclo natalino.

Embora haja algumas versões nos relatos colhidos, todos partem do mesmo princípio: o

mito do nascimento.

No ciclo natalino celebramos o nascimento de Cristo acima de tudo, e dentro dessa

comemoração cultuamos um presépio, e nos envolvemos em ritos natalinos, como missa,

ceia, adorno de árvores, presentes, uma época feliz e de júbilo. Neste contexto, fazem-se as

Companhias de Reis que presidem o rito do natal. A partir disso, fica claro o quanto somos

presos às tradições e por conseguinte à ordem instituída, sagrada, inquestionável, a

religiosidade presente nesta ordem é de suma importância.

Também podemos notar que para cada ato segue-se um complexo de atos também rituais,

que os participantes cumprem com muita disciplina e obediência.

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Page 22: UNICENTRO NEWTON PAIVA

É importante saber que os rituais são feitos de acordo com as tradições8. São atos que

configuram gesto de amor e carinho ao que realizam, devotadamente são seguidos

rigorosamente todos os anos. Como exprime claramente Brandão.

“ Não há santos sem os seus mitos e mitos sem os seus rituais, para que o padroeiro( o santo do povo é sempre o padroeiro de alguém, de algum lugar ou de uma categoria de sujeitos) chegue até perto dos homens com bênçãos e milagres, que o façam mais santo na memória coletiva e , aos homens que o veneram, mais felizes”(Brandão, 1981:158).

Ainda de acordo com Brandão, ritual significa a construção simbólica reativa na

memória de todos os símbolos comunitários de fé e solidariedade; e que estes grupos

conduzem simbólica e festivamente as suas crenças.

Para Brandão a companhia de reis representa na sociedade um ritual de trocas de

dons e bênçãos entre as pessoas da companhia e os moradores. Nesse sentido ele quer dizer

que há entre os moradores e as companhias um ritual de reciprocidade de trocas. Enquanto

as pessoas oferecem dinheiro, comida, bebida ou outra coisa, as companhias agradecem

com sua cantoria abençoando em nome de Jesus os lares visitados, as pessoas que os

receberam. Essa troca é um ato de confraternização, ao mesmo tempo que ambos os lados

ganham homenageando seus santos de devoção. O rito ou ritual sempre acompanha as

manifestações de religião e festas.

Ainda quanto a questão do rito, é importante ressaltar um aspecto comum destas

manifestações que é o ritual da comida, da bebida, praticamente em todas as manifestações

expressas no presente trabalho, a relação da fartura é uma constante. Talvez isso aconteça

pelo fato de ser uma maneira de extravasar os sentimentos e ao mesmo tempo indicação de

8 Tradição- Em relação `a tradição fica claro que se mantém como sendo a guarda dos valores da comunidade e da religião popular, assim citamos E.P.Thompson: “Para Sir Edward Coke(1641) os costumes repousam sobre “dois pilares”- o uso em comum e o tempo imemorial. Para Carter, em Lex Custumaria(1696), os pilares já eram quatro: a antigüidade, a constância, a certeza e a razão. Se as lembranças dos mais velhos, a inspeção e a exortação tendem a estar no centro da interface do costume entre a lei e a práxis, o costume passa no outro extremo para áreas totalmente indistintas- crenças não escritas, normas sociológicas e usos asseverados na prática, mas jamais registrados por qualquer regulamento. Essa área é a mais difícil de recuperar, precisamente porque só pertence à prática e à tradição oral. Talvez seja a área mais significativa para o sustento dos pobres e das pessoas marginais na comunidade do vilarejo.(Thompson, 1998:88 )- Sobre a questão dos costumes, Coke afirma: “ os costumes são definidos como uma lei ou direito não escrito que, estabelecido pelo longo uso e pelo consentimento de nossos antepassados, tem sido e continua sendo diariamente praticado”, o exercício dos direitos secundários comunais poderia ser, em muitas paróquias provado pela antiguidade, constância, certeza e razão, assim como o dos proprietários de terra e dos arrendatários tributários”.(Thompson, 1998:120).

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festividade, aceitação dos costumes, já que geralmente o banquete é oferecido pelos

visitados, anfitriões.

Para nós o conceito que se presta melhor para o estudo em questão é o de Câmara

Cascudo. Quando esse autor afirma que o mito é fictício, e que existe em função da

transmissão oral sendo modificado por esta, compreendemos que está mais perto do que

entendemos como mito. Tanto que percebemos durante vários relatos esta situação, o mito

sendo transmitido de geração a geração e portanto sendo a cada uma modificado, mas não

perdendo o cerne do produto original. Quanto a questão do rito, valemo-nos novamente do

mesmo autor; pois de fato ritos são ações praticadas de acordo com as tradições e variam

regionalmente. Cada região acrescenta o que lhe é conveniente e o que cabe de melhor a

sua manifestação. Este fato é comprovado quando notamos que mesmo a companhia de

reis tendo um único objetivo, em todas ou quase todas as regiões do Brasil há diferenças no

rito significantes e é o que realmente as enriquece. Portanto mito e rito fazem parte da

imaginação, criação do povo, não perdendo sua essência, apenas as diferenciando de outras

companhias.

RELIGIOSIDADE POPULAR

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Companhia de Reis, sendo grupo religioso, atualiza em ritual a viagem dos três reis

magos conforme a tradição, nos dias e nas formas como ensinaram seus antepassados. Suas

histórias vêm dos antigos tempos, na confluência de rituais católicos, provenientes de

Portugal. Aqui vamos estudar um pouco sobre a religiosidade e dentro desta a religiosidade

popular. Sabemos que a manifestação acima de tudo é uma manifestação religiosa e

comprometida com a devoção e a fé.

Para Carlos R. Brandão a religiosidade popular é basicamente a maneira do povo

adorar os seus santos glorificando-os. Assim citamos:

“A religiosidade popular é a maneira pela qual a cultura popular, pode se apropriar dos símbolos tradicionais do sagrado para fazer as representações de seu próprio mundo”.( Brandão, 1986:204)

A origem da Companhia de reis é explicada por diversos autores, cada um com suas

especificidades a respeito do assunto, porém é importante ressaltar que a origem mítica

está na bíblia, mais precisamente em Mateus, 2:1-12 .

“Tendo, pois, nascido Jesus em Belém de Judá, em tempo do rei Herodes, eis que vieram do Oriente uns magos a Jerusalém dizendo: onde está o rei dos judeus que é nascido? Porque nós vimos no Oriente a sua estrela e viemos adorá-lo.E o rei Herodes ouvindo isto se turbou e toda Jerusalém com ele. E convocando todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo lhes perguntava onde havia de nascer o Cristo.E eles lhe disseram: em Belém de Judá, porque assim está escrito pelo profeta: E tu Belém, terra de Judá não és a de menos consideração entre as principais de Judá porque de ti sairá o condutor que há de comandar o meu povo de Israel.Então Herodes, tendo chamado secretamente os magos, inquiriu deles com todo cuidado que tempo havia que lhes aparecera a estrela. E enviando-os a Belém disse-lhes: ide e informai-vos bem que menino é esse e depois que o houverdes achado, vinde-me dizer, para eu ir também adorá-lo.Eles, tendo ouvido as palavras do rei partiram; e logo a estrela que tinham visto no Oriente lhes apareceu, indo adiante deles, até que, chegando, parou sobre onde estava o menino. E quando eles viram a estrela foi sobremaneira grande o júbilo que sentiram.E entrando na casa acharam o menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se o adoraram: e abrindo seus cofres lhe fizeram suas ofertas de ouro, incenso e mirra. E havida resposta em sonhos que não tornassem a Herodes, voltaram para outro caminho para sua terra.”

A partir do evangelho e da tradição cristã, o imaginário popular ampliou a

mitologia gerando companhias de reis diferentes e até mesmo opostas, como pudemos

constatar neste relato de um radialista da cidade, hoje presidente da Associação das

Companhias de Reis de Três Pontas, Ruy Quintão:

“Olha, Festa de Reis significa tantas coisas boas, principalmente falando do menino Deus. Morava em Belém uma virgem por nome Maria e ela era casada com José descendente de Davi e no dia 25/03 do céu desceu um anjo por nome Gabriel, e para Maria anunciou: de ti Maria nascerá o filho de Deus e terá o nome Jesus. No oriente existiu sábios que estudavam a profecia e sempre diziam uma estrela há de aparecer e nos mostrará o caminho para visitarmos o menino Jesus, e no dia25/12 uma estrela surgiu do oriente, dando sinal aos três reis magos que o menino Jesus nascera , o quê que eles fizeram: arriaram os seus camelos, viajaram noites e dias, dando sinal aos três reis a estrela ia

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seguindo , eles iam seguindo a estrela, eles gastariam seis meses para chegar onde nasceu Jesus, só aí já aconteceu um milagre, eles gastaram apenas seis dias. Os três reis chegaram a manjedoura onde estava o menino Deus, pegaram os seus instrumentais: caixa, viola e cantaram, louvando o nascimento de Jesus, ofereceram-lhes presentes: ouro, incenso e mirra. Na folia de reis não podem faltar os palhaços, os marungos que foram eles que salvaram Jesus, pergunta mas salvaram como? Salvaram das garras de Herodes que o esperava na ponte do Jordão para matá-lo. Herodes com sua turma esperava o menino Jesus, esperava Maria ,José para matar o menino Jesus. Enquanto os palhaços distraíam Herodes, cantando, aqueles palhaços com sua indumentária, com máscaras, cantando ,dançando, estavam distraindo Herodes, enquanto isso o quê que aconteceu, eles atravessaram o rio Jordão, José, Maria e Jesus. Continuava ali os palhaços, os marungos, alegrando Herodes, e Herodes sorria e satisfeito, enquanto isso houve a fuga. Por serem os santos reis milagrosos umas pessoas fazem promessas quando recebem a visita das folias de reis. Algumas casas não recebem as companhias de reis por motivos religiosos com certeza, mas é muito importante quando chegar numa residência uma companhia de reis que ela seja muito bem recebida .Como foi recebida os três reis magos quando foram bem recebidos por são José e Maria, lá estava o menino Jesus, então, importante que nenhuma casa deixe de receber a visita das companhias de reis, que eles entrem em suas casas, que cantam , eles abençoam as nossas residências, por este motivo os foliões saem com uma bandeira, não pode faltar uma bandeira muito bonita, muito bem desenhada, ou com a foto de Maria ou de Jesus principalmente. Isso é importante numa companhia de reis, companhia de reis que não sair com uma bandeira não é de fato uma companhia de reis. Eles fazem aquilo que os três reis magos fizeram, visitando o menino deus com seu instrumental, eles cantaram e dançaram também. Os foliões saindo com a companhia de reis primeiro de janeiro encontram-se com o menino Jesus dia seis, mas Três Pontas as companhias saem dia vinte e cinco de dezembro. No dia vinte e cinco de dezembro eles saem, começam a visitar as residências, inclusive da zona rural.” (Ruy Quintão 09/2001)

De acordo com este relato os palhaços distraíram Herodes para que José e Maria

fugissem com o Menino Jesus. De fato eles fugiram, mas na Bíblia, a origem mítica, isto

não fica claro. Na realidade houve um fato que fez com que a família fugisse que era a

perseguição do rei ao Menino Jesus, mas não está claro que foram os palhaços, ou

marungos como relatado na entrevista que distraíram o rei. Daí o fato de acréscimos do

povo aos mitos, cada um aumenta, contribui com as suas assimilações, com a sua

interpretação dos fatos originais. Isso é muito importante, porque as pessoas,

principalmente as que fazem parte das companhias entendem estas passagens a sua

maneira e reproduzem aumentando, modificando. Isso é uma variante, é uma característica

do mito, a transmissão oral, que com o tempo é modificada, daí as várias versões a respeito

dos reis magos e o rumo a Belém.

Em relação à religiosidade entendemos esta como ingrediente primordial na

construção das festas dentro da cultura popular , dado o fato de que representa a esperança

e devoção que cada um possui em relação ao sagrado e com isso tem muita fé, por vezes

inabalável. Isto se comprova quando analisamos os seguintes dizeres:

“Neste domínio do religioso folclórico, como não existem manuais, às vezes há livros, estatutos, mas o limite do saber, da crença e da prática é o da memória que existe nas pessoas ou entre elas”.(Brandão,1981: 239)

Para sermos mais objetivos analisamos Gomes e Pereira:

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Page 26: UNICENTRO NEWTON PAIVA

“Os elementos básicos da vida religiosa são, pois, o sistema de crenças e o sistema de práticas que unem os indivíduos em um mesmo corpo moral- a igreja. (1995:36)

O fervor religioso que se abriga nos corações desse povo ameno e trabalhador,

projeta-se nas festas devocionais como expressão de sentimentos profundos, como um ato

de esperança e fé que religa os homens a Deus e os alça acima das duras contingências da

vida.. A religião pode ser vista como obediência (parte da estrutura social), instrumento da

ordem, mas ao mesmo tempo , ela religa as pessoas à vida. Tem a função de promover a

solidariedade, compreensão, cooperação e funciona muito mais com a classe subalterna do

que com a elite.

Os cantos populares religiosos guardam pureza , simplicidade e traduzem o mais

importante do sagrado: o encontro. Toda religiosidade popular segue imposições da Igreja,

ao mesmo tempo que é livre para rezar e pedir por elementos completamente fora da

Igreja. Neste sentido citamos Brandão:

“Apesar dos esforços da igreja para separar uma parte propriamente religiosa das outras, folclóricas ou francamente profanas, para o devoto popular o sentimento da festa não é outra coisa senão a sucessão cerimonial de todas estas situações, dentro e fora do âmbito restrito dos ritos da igreja”. (1989:37)

Essa bem-aventurança popular, esse esquecimento momentâneo das lutas pela vida

só a religião largamente proporciona.

De acordo com Padre Roberto da Igreja Nossa Senhora da Ajuda, a Igreja sempre

respeitou as companhias de reis, primeiramente porque são uma expressão forte da cultura

e da religiosidade popular, principalmente do povo pobre, mais humilde. Ele caracteriza o

respeito da Igreja para com as companhias no ato da bênção das bandeiras e na autorização

para que elas possam sair fazendo sua peregrinação prestando homenagem ao Menino

Jesus. Ainda em relação ao aspecto devocional e da relação com a Igreja o padre ressaltou

que entre seus colegas há opiniões distintas a respeito das companhias. Assim diz:

“Agora, quanto a posição dos padres quanto a folia é variada,... há padres que são mais voltados para a religiosidade popular... e valorizam as manifestações da cultura, né , popular do nosso povo. Então esses aceitam, apoiam, promovem festas de confraternização das folias, abrem as igrejas... para que os foliões possam ir ao presépio da matriz prestar homenagem ao menino deus. De um lado, há aqueles padres mais voltados a religiosidade, a cultura popular, que acolhem essa manifestação, e apoiam, dão aí importância a esse evento cultural religioso. Agora há aqueles que não aceitam, implicam com isso, talvez por falta de conhecimento e falta aí... a meu ver, valorização das expressões culturais do povo, que são também sementes do verbo de deus que ilumina nossa realidade”.(Padre Roberto)

Em relação a esse relato é de extrema relevância o fato de que o padre em questão,

padre Roberto é adepto das companhias, ele faz questão de valorizá-las, mas como ele

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mesmo disse não são todos assim. Um padre sozinho tem o poder de mudar as tradições de

festas em muitos lugares, em se tratando de festas religiosas. Muitas vezes ele abusa de sua

autoridade eclesiástica. Se ele não gostar, pode até proibir a realização de determinadas

festas contrariando grupos inteiros, irmandades. De acordo com o relato acima notamos

que há divergência de opiniões a respeito das companhias, mas mesmo assim elas são

preservadas. Ainda se respeita a vontade popular.

A religiosidade e a devoção são o referencial para que os foliões se apresentem, caso

contrário não o fariam. Está arraigada na alma do povo. A relação dos cânticos, da viagem

dos três reis magos, da negociação da dádiva8, a bandeira, o ritual, a aceitação coletiva,

tudo isso faz parte de uma estrutura religiosa de devoção e comprometimento muito

grande.

“O saber de um São Gonçalo ou de uma folia é igualmente religioso e sustenta rituais acreditados como sagrados- isso é o mesmo que uma missa; essa dança é sagrada. Este saber essencialmente popular desdobra a memória de agentes locais de prática religiosa coletiva(...) rastream mitos que explicam o ritual através das trocas diretas entre Deus, os santos e os homens comuns...(Brandão, 1981:.239)

Como enfoca Brandão no catolicismo popular predomina a idéia de que o culto

religioso é nômade, levando as pessoas a acreditar que estão convivendo com poderes

celestiais, cada vez que saem em peregrinação atrás de seus santos de devoção. Isto é

demonstrado nestas manifestações quando as pessoas saem de suas moradas e seguem o

cortejo sem mesmo saber para onde vão. A questão do nomadismo talvez esteja aí, o andar

por entre as casas sem um rumo certo, apenas com intuito de rezar pelo seu santo.

“Os católicos do Brasil peculiarmente colocam no rito e na celebração tudo e vivem “isto” entre todos: a esperança e o desespero, a glorificação e a súplica, o louvor de Deus, mas também a ostentação da miséria humana, a roupa colorida, Narciso, a música afinada(...). Entre a reza e a dança, a folia que antecede a festa e a procissão que a encerra, o que importa em cada caso e qualifica cada situação é a maneira como as variações de culto coletivo do catolicismo popular são combinadas, para produzir, cada uma e todas, semelhança com todas as outras, pois isto é o que as torna legitimamente acreditadas, e que haja entre elas a evidência de sua própria diferença, o que as torna uma maneira particularmente apropriada a um tipo necessariamente peculiar de celebração."(Brandão, 1989:41/42)

O autor nos revela que os católicos brasileiros revivem nos ritos e celebrações as

suas vontades, desejos, angústias, enfim, colocam aí um pouco de sua vida. Cada uma das

manifestações rituais celebram de uma maneira um mesmo acontecimento, cada qual com

a sua originalidade, sua característica, e então aparecem as diferenças. Estão nessas

diferenças as particularidades de cada uma e também a sua beleza.

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Como pudemos perceber a religião é a grande parte estruturante da sociedade, é a

mola-mestra. Assim as camadas subalternas se apegam com fé a estes mitos e ritos

acreditando mesmo que os reis magos eram santos. Em relação a esses dizeres citamos

Gomes e Pereira que observam:

“A devoção aos magos é o eixo da religião e a folia de reis é um conjunto de crenças (cosmologia) e de celebração(ritos)”. (1995:62)

A religião atua na sociedade como elemento integrador, une as diferentes camadas

sociais em torno de um fato, o mito do nascimento de Jesus. E todos compartilham das

mesmas referências , e por isso mesmo as companhias são respeitadas. Mais uma vez,

Gomes e Pereira para demonstrar nossa opinião:

“A religião proporciona a integração, atuando como força aglutinante, religião como elemento integrador.”( 1995:112)

Compreendemos dentro desta análise da religiosidade que o povo é muito fiel aos

seus santos, a fé é o elemento que impulsiona essa gente. De fato os três reis magos não

são santos como notamos no relato do padre Roberto, mas para o povo eles são. Ele precisa

de alguma coisa em que acreditar, se apegar, a devoção muitas vezes é uma maneira de se

acreditar, ter fé e esperança, e isto é o que ele mais tem.

CAPÍTULO II

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DE TRÊS PONTAS

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A origem e formação de Três Pontas é um aspecto importante para situar o leitor no

meu objeto de estudo que trata das Companhias de Reis no município. Pretendo com isto

informá-lo mais a respeito da cidade e do grupo folclórico-devocional que ora tratamos.

Iniciaremos falando sobre aspectos geográficos, econômicos e culturais da cidade, e em

seguida sobre a história da sua fundação. Três Pontas é uma cidade que conta com uma

população relativamente alta e que mesmo com seu progresso e modernidade não deixa as

raízes, os traços culturais extinguirem, tanto que preserva e incentiva as manifestações

culturais mais antigas do povo, como as companhias de reis.

Segundo dados obtidos no site da Prefeitura Municipal de Três Pontas são os

seguintes aspectos relevantes para o município que expomos a seguir.

Fundação: 15 de outubro de 1768

Instalação da 1ª Câmara Municipal: 10 de fevereiro de 1842

Elevação à Vila/Emancipação: 1º de abril de 1841

Elevação à cidade: 03 de julho de 1857

Nome anterior: São Gonçalo

Fundador: Capitão Bento Ferreira de Brito

Para se analisar a cidade é relevante compreendermos e localizá-la no espaço, deste

modo exporemos a seguir sua localização geográfica e os aspectos econômicos.

Localizado no Sul de Minas Gerais, o Município é banhado pelos Rios Verde,

Sapucaí (represados em Furnas), além dos ribeirões (Araras, Espera e Sete Cachoeiras) e

vários Córregos. Limita-se ao Norte com os Municípios de Campos Gerais e Santana da

Vargem, ao Sul com os Municípios de Varginha e Elói Mendes, a Leste com os

Municípios de Nepomuceno e Carmo da Cachoeira e a Oeste com o Município de Campos

Gerais. A maior representatividade topográfica do Município está na Serra de Três Pontas

que tem seu ponto culminante a 1.234 ms. de altitude.

A população da cidade segundo dados do IBGE(2000) é de 50.591 pessoas, sendo que a

população da área urbana é de 40.300 e da área rural 10.291.

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Três Pontas, localizada na região centro-sul de Minas Gerais, é uma cidade dotada

de invejável infra-estrutura urbanística, com índices próximos a 100% tanto no saneamento

básico e energia elétrica quanto pavimentação. A cidade tem um passado rico e dessa

riqueza construiu o seu maior trunfo: a qualidade de vida.

Um município de grande extensão, 662 km2 de terra fértil, teve na agricultura e na

pecuária as suas grandes vocações, exploradas ao longo dos anos e alicerce de toda riqueza

acumulada com o café e a cana-de-açúcar. A sua privilegiada localização geográfica é fator

preponderante para o seu desenvolvimento econômico, aliada a outros fatores, de acordo

com dados da Prefeitura Municipal de Três Pontas, entre os quais destacamos:

Existe mão-de-obra farta, com bom nível de escolaridade, com destaque para o grande

número de jovens para serem absorvidos pelo mercado de trabalho. Também possui uma

das maiores redes escolares do sul de Minas.

Com relação à área urbana, constatamos que havia boa rede hospitalar e serviço de saúde,

contando com onze unidades de saúde, uma policlínica e um hospital privado (Santa Casa).

A cidade oferece aos seus cidadãos condições de preparação de uma mão-de-obra

qualificada, instalando unidade SENAC, SEBRAE, Oficina de Artes e Ofícios, cursos do

SENAI (unidades móveis) e outros.

A economia do município é mista, onde a pequena e média indústria convivem

com a agricultura, que tem como base o café. O plantio é diversificado, mas os cafezais

ocupam a maior parte da área cultivada.

Existem no Município mais de 30 milhões de cafeeiros plantados, numa área de

24.000 hectares, sendo o maior produtor nacional.

Cerca de 75% da produção é comercializada pela Cooperativa dos Cafeicultores da

Zona de Três Pontas. Em seu Parque Industrial, apresenta indústrias de médio e pequeno

porte.

Ainda quanto ao aspecto cultural é importante ressaltar o empenho e trabalho da

Prefeitura para incentivar e fazer o melhor possível para que todos tenham acesso ao lazer,

cultura e educação.

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O seu perfil cultural é delineado por traços profundamente marcados pelos aspectos

agrícolas e religiosos que acompanham sua fundação. As raízes culturais estão diretamente

ligadas à terra, ao meio rural, à produção agrícola.

As Companhias de Reis, a música sertaneja, os congados, catiras e festas juninas

tradicionais na cidade, confirmam essa realidade. Atualmente a cidade não conta com

grupos de congado como nos foi relatado, mas há apresentações de grupos de cidades

vizinhas que encantam com igual beleza. Esta influência se faz sentir em toda a gama de

costumes e tradições que perfazem as feições da cultura de nossa terra.

Também conta com um magnífico Conservatório Musical denominado "Heitor

Villa-Lobos"; a Orquestra Experimental Municipal; o Coral Tons de Minas; Escola de

Música Pró-Art e muitos outros Grupos Musicais.

Nas comunidades tem-se o costume de comemorar muitos acontecimentos com

festas, e para que isso fique claro é bom que se faça distinções como: numa celebração

podemos comemorar, festejar, na comemoração reunimo-nos para recordar e na festa nos

juntamos na alegria diante da recordação. A propósito, é bom ressaltar que a festa é

independente da celebração e da comemoração.

Este fato é evidenciado no município em questão. De fato, as comemorações

referentes ao padroeiro e festejos locais são mais significantes que as datas cívicas ou

outras.

Em relação as festividades da cidade podemos ressaltar a Festa do Padre Vitor que

comemora-se no dia vinte e três de setembro, data da morte do Padre considerado Anjo

Tutelar da cidade. A comunidade trabalha para sua canonização com muita esperança de

êxito. Essa talvez seja a festa mais importante para o município tendo em vista que é

realizada para enaltecer uma figura ilustre que só bem fez, atrai multidões de pessoas das

cidades vizinhas e mesmo de outros estados, pessoas devotas e crentes no poder milagroso

do Padre. Na festa restabelecem-se laços, as pessoas sentem-se sólida e afetivamente

ligadas a uma comunidade.

Além da festa do Padre Vitor existem outras também importantes como: aniversário

da Cidade (03 de julho); Exposição Agropecuária e Industrial (julho). Ambas as festas

reúnem muitas pessoas, inclusive das cidades vizinhas. A exposição agropecuária em

especial é um forte atrativo da cidade. Realizada em julho reúne grande parte da população

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Page 32: UNICENTRO NEWTON PAIVA

no parque para assistir a shows e rodeios, de fato todos adoram essa festa. Além do que, é

uma maneira também de promover a principal atividade econômica da cidade que são a

agropecuária e o café, dado o fato de haver leilões, rodeios e outras atividades ligadas ao

assunto.

A respeito do quesito “cultura erudita” queremos salientar que há também um coral

tradicional que é da Família Tiso, gerações de músicos, da criança até o mais idoso. A

Família Dias que é uma Companhia de Reis também possui um coral que participa da

realização da missa do galo. São exímios cantores e instrumentistas. É importante ressaltar

que o estilo de música do coral da Família Tiso é diferente do da Família Dias. Ambos os

corais são particulares e constituem-se de membros da família, que o fazem por prazer de

tocar e cantar. Não tocam o ano todo mas apenas em datas especiais.

Finalmente esta é uma pequena prévia do município, um pouco do que há de melhor,

sua cultura, lazer, geografia, seu povo. Cabe salientar que o povo é acolhedor e

hospitaleiro, e que aqui surgiram grandes nomes do Brasil, como Milton

Nascimento(cantor), Antônio Aureliano Chaves(político), Wagner Tiso(músico), Padre

Francisco de Paula Vitor, Carlos Chagas(jornalista), Amélio Garcia Miranda(escritor),

entre outros.

Agora faremos uma breve análise da origem da cidade segundo a obra de um

escritor trespontano.

Segundo Amélio Garcia Miranda (1980), a origem de Três Pontas está ligada à caça

de escravos fugidos, comandada por Bartolomeu Bueno do Prado em 1760 e não em

conseqüência da descoberta de ouro e outras riquezas como muitas outras cidades

mineiras. Três Pontas, ainda segundo este escritor, passou de sesmaria ,arraial , vila, a

cidade. E com o crescimento da população que aqui se estabeleceu, foi requerida ao

Bispado de Mariana a licença para edificação de uma capela dedicada a Nossa Senhora

D’Ajuda, padroeira do povoado nascente. Mais tarde o pedido foi aceito e os habitantes

promoveram a construção da capela que se transformou na velha Matriz da paróquia de

Três Pontas, naquela época o território era intitulado arraial Nossa Senhora Da Ajuda.

Assim se originou a cidade.

É interessante observar que uma cidade se origina muitas das vezes de uma capela,

tal qual aconteceu com Três Pontas. É fato que ela já fazia parte das posses de Lavras, mas

sua elevação a cidade só foi possível após a instalação da capela que mais tarde se

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Page 33: UNICENTRO NEWTON PAIVA

transformou em Matriz e também devido a alguns favores políticos que propiciaram sua

independência de Lavras, tornando-se inicialmente vila. Três Pontas era apenas um arraial

em 1760 quando ali existiam dois quilombos que eram ajuntamento de escravos fugidos.

Estes quilombos situavam-se nas imediações do atual povoado de Martinho Campos e

outro no lugar denominado Cascalho, nas proximidades da Serra de Três Pontas.

É importante ressaltar que a origem de Três Pontas está ligada a caça de escravos

fugidos e sobre isto afirma-se que o Governo da capitania de Minas Gerais encarregou uma

expedição sob o comando do capitão Bartolomeu Bueno Prado de destruir os quilombos

existentes na região. A expedição desempenhou muito bem seu papel aniquilando os

quilombos e assim possibilitando a divisão do território em sesmarias. Sesmarias eram

glebas de terra que o governo da capitania distribuía a pessoas a fim de cultivá-las. Porém

estas pessoas deveriam ter condições econômicas para o cultivo, e o que na época

considerava ter escravos. O capitão demarcou as sesmarias que couberam a ele próprio e o

restante dos membros da expedição.

Com o início do povoamento do território de Três Pontas requereram sesmarias

aqui o capitão Bento Ferreira de Brito. Oito anos depois da expedição os moradores

dirigiriam uma petição ao Bispado de Mariana para edificar uma capela no lugar. Era filial

da freguesia de Lavras. Formado o arraial em torno da capela logo passou a chamar pelo

nome da serra- Três Pontas. A serra era um acidente geográfico constituído de três pontas,

e aliás era uma referência para as pessoas que ali passavam. No ano de 1800 o capitão

Bento Ferreira de Brito faleceu e em seu testamento chamou o arraial pelo nome de São

Gonçalo, mas esta denominação não prevaleceu pois o local já era conhecido por Três

Pontas e o santo padroeiro da capela não era este.

Em 1832 passou a freguesia, passando a contar com um juiz de paz e um vigário. O

município que era freguesia naquele momento cresceu e desenvolveu-se. Desse modo, em

1840, o Coronel Antônio José Rabelo e Campos fez um trabalho junto ao Governo da

Província para que a freguesia se elevasse à vila. Em 1841, sua aspiração foi realizada,

sendo então formado o município com território desmembrado de Lavras. Três Pontas

permaneceu como vila até 3 de julho de 1857, quando pela lei nº801 elevou-se a categoria

de cidade.

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Page 34: UNICENTRO NEWTON PAIVA

A vida religiosa da cidade iniciou-se com a construção da capela em homenagem a

Nossa Senhora Da Ajuda que era a padroeira. Conforme nos diz o autor a devoção à Nossa

Senhora da Ajuda foi trazida ao Brasil pelos padres jesuítas e pelos capuchinhos. Ao que

consta no livro “Santuário Mariano” grande parte de sua expansão em Minas Gerais foi

realizada por moradores de São Paulo, no Vale do Paraíba.

Além deste fato curioso que trata da devoção a Nossa Senhora da Ajuda , há

também a devoção ao Padre Vitor, que se chamava Francisco de Paula Vitor. Este assumiu

a paróquia quando o então responsável Padre Bonifácio Barbosa Martins faleceu, isto em

1852. Era natural de Campanha e fez muitas obras para Três Pontas, ampliou a capela

tornando-a a antiga Igreja Matriz Nossa Senhora da Ajuda, e também fundou o Colégio

Sacra Família( atualmente não existe), sendo muito conhecido na região e mesmo na

província de São Paulo. Padre Vitor pregou a fé, esperança, prudência, caridade. Paroquiou

Três Pontas por 53 anos. Faleceu em 23 de setembro de 1905 e seu corpo foi sepultado na

igreja matriz. O nome do Cônego Francisco de Paula Vitor ultrapassou as fronteiras de

Minas Gerais. Na data do aniversário de sua morte há uma verdadeira peregrinação para

Três Pontas, devotos de toda a região vem cumprir promessas e rezar pedindo bênçãos.

Padre Vitor atuava pelo bem do próximo, principalmente pela população mais carente. Sua

bondade lhe rendeu a adoração do povo trespontano que luta por sua canonização. Durante

o ano todo e em especial no mês de setembro os romeiros e a população da cidade fazem

verdadeiras peregrinações ao seu túmulo que se encontra na igreja matriz Nossa Senhora

Da Ajuda. Neste período são realizadas missas em horários especiais para esta gente que

vem de longe. As pessoas acreditam devotadamente na sua santidade e nos seus milagres.

Em 24/05/1998 foi inaugurado em Três Pontas o Memorial Padre Vitor, local destinado as

suas peças, suas vestimentas, seus objetos. O processo de sua “Beatificação” está em

estágio avançado. Em 12/06/1998 foi feita a exumação(reconhecimento dos ossos por

peritos médicos), realizado no Carmelo São José de Três Pontas. Em 28/06/1998, houve a

translação do Carmelo para a Matriz Nossa Senhora D’Ajuda. Atualmente a comunidade

está unida em torno dos preparativos para tentar a sua canonização, pois para a população

ele é considerado um santo, fez muito por todos e mesmo depois de morto acredita-se que

faça milagres.

Com base nas informações que coletamos concluímos que Três Pontas trata-se de

uma cidade moderna e atenta para o seu povo. Isto se comprova quando percebemos a

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Page 35: UNICENTRO NEWTON PAIVA

intenção e o incentivo que a administração municipal procura realizar. Os aspectos

econômicos e culturais da cidade são também de grande influência para esta manifestação,

pois colocam em evidência a tradição, os valores do povo. Notamos isto porque apesar de

ser uma economia que tem seu ponto forte baseado na cultura cafeeira colabora

significativamente para o progresso e desenvolvimento do município e proporciona para

que todos tenham acesso a cultura. Dentro desta preocupação cultural privilegiam as

manifestações populares incentivando-as e cultivando-as. Enfim, para nós o resultado que

ficou desta pesquisa sobre a cidade foi que atentam antes de tudo para o bem da sua

população .

CAPÍTULO III

A FOLIA DE REIS

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Page 36: UNICENTRO NEWTON PAIVA

Segundo sua origem ibérica, a Companhia de Reis ao longo do seu processo histórico

evoluiu de uma manifestação sociocultural de classes mais abastadas para uma

manifestação de classes mais simples, não perdendo seu caráter de cultura popular. Isso

devido ao fato de fazer parte de um complexo artístico-religioso, onde se compreende um

misto de sentimento e arte ao mesmo tempo, envolvendo padrões comportamentais, ritos,

símbolos, enfim uma teia de elementos oriundos das classes sociais e segmentos diversos.

Ela se reveste de um caráter sagrado. Os foliões são representantes dos reis magos, e por

isso, participam de um ritual especial de visitas e reverências nas casas onde há presépios.

De acordo com Guilherme Porto por “Folia de Reis” entende-se:

“ os cortejos de caráter religioso popular, que se realizam em vários estados do Brasil, entre o Natal e a Festa de Reis( 6 de janeiro) reproduzindo idealmente a viagem dos Magos a Belém, para adorar o Menino Jesus. Esses Magos, que a Tradição Cristã ocidental diz serem três e chamarem-se Gaspar, Belchior E Baltazar, vieram por inspiração divina, conforme o Evangelho de São Mateus( capítulo II, versículos de 1 a 12), desde o longínquo Oriente até a gruta onde se achava o Menino Jesus para adorá-lo como Rei dos judeus e oferecer-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra. A origem das companhias é uma tanto obscura, mas a maioria dos estudiosos concorda sobre a origem ibérica, pelo menos, européia das Folias de Reis”. (Porto,1982:13)

Para Romeu Sabará:

“Os Reisados ou Folias de Reis, juntamente com as Pastorinhas e os Pastoris(Cascudo, 1962), da mesma forma que os Impérios do Divino e os Congados, são celebrações de cunho religioso. Porém, diferentemente dos dois últimos, são celebrações natalinas. Mas, à semelhança dos Impérios do Divino e diferentemente dos Congados, estas festas podem ser consideradas como uma modalidade de tradição luso-brasileira”.(Sabará, 1997:12)

Há também estudiosos que enfatizam a função social das folias de reis, como se pode

ver por essa afirmação de Carlos Rodrigues Brandão:

“A folia é um sistema inicial de trocas entre pessoas que configura a própria essência da festa popular no Brasil. Cheia de falas e gestos de devoção, ruptura e alegria, ela nada mais é do que uma seqüência obrigatória de atos codificados de dar, receber, retribuir, obedecer e cumprir. Troca-se o trabalho por honrarias, bens de consumo por bênçãos, danças por olhares cativos, o investimento do esforço pelo reconhecimento do poder, a fidelidade da devoção pela esperança da bênção celestial. Obedece-se ao mestre, ao festeiro, ao padre, ao chefe da torcida, ao maestro da banda. Cumprem-se promessas, votos feitos.(Brandão, 1989:11)

Ainda esse mesmo autor explicita os aspectos formais da folia: “Entre os “figurantes” dos ternos e guardas dos nossos rituais populares de rua, não se exige que a pessoa seja religiosa ou eticamente exemplar; como acontece em outras confissões cristãs de domínio popular. Exige-se, sim, que todos sejam devotos confessos e artistas adequados ao papel que ali desempenham: cantar, compor, tocar um instrumento, dançar festivamente, recitar um verso. Religião sob o controle de elites civis e eclesiásticas mas inquestionavelmente aberta a todos e não apenas a

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Page 37: UNICENTRO NEWTON PAIVA

uma minoria exclusiva de eleitos, o catolicismo brasileiro recriou seus ritos dos festejos de rua, uma espantosa variedade que se presta aos mais variados fins(...)” (Brandão,1989:14/15)

Aqui é importante fazer um cotejo em relação às companhias pesquisadas e os

textos citados. Nas companhias estudadas o lado religioso é extremamente importante,

como lembraram Guilherme Porto e Romeu Sabará . E quanto a Brandão, vemos a sua

afirmação relativizada. De fato o caráter, a vida particular dos integrantes não é condição

para participar, mas a religião e a devoção são aspectos condicionais para integrá-las.

Em geral todas as festas comemoram ou celebram alguma coisa que, supomos,

realmente aconteceu, no caso da Companhia de Reis, é o nascimento de Jesus Cristo. O

objeto central da Companhia é a adoração do Menino Jesus que dentro da ordem é a

estrutura do rito. Todos os participantes dessa manifestação são articulados em torno do

mesmo objeto central, de modo equilibrado, consciente, devoto.

Na Companhia de Reis depois do ritual sagrado de adoração ao Menino Deus,

festejam, dançam e cantam, o que caracteriza o lado profano da festa; o lúdico mobiliza o

povo juntamente com a fé que o impulsiona. Este é o modo que os foliões encontram de

homenagear o Menino Deus, cada um a sua maneira.

Nesta proposta de trabalho sobre Festas das “Companhias de Reis”, é de grande

importância a distinção desses termos. Pois a festa de Reis é na verdade, uma

manifestação de cunho religioso, ou ainda folclórico-devocional, que encena a celebração

do nascimento de Jesus é ritualizada todos os anos no período natalino como sinal de

devoção, de alegria e de fé. Usamos o termo folclórico-devocional para mostrar que a

manifestação ao mesmo tempo que é parte integrante do folclore, é também devocional

porque todos que ali se apresentam ou assistem são devotos confessos.

Procuramos em poucas palavras resumir o conceito de Folia de Reis de acordo com

algumas correntes relevantes. É importante explicar que cada uma dessas tem a sua

definição e que nós compreendemos que todas tem algo de importante para nos passar. A

origem como se sabe é ibérica, mas com o passar do tempo ela se modificou, e assumiu

aspectos regionais. Cada companhia tem a sua peculiaridade , porém possui o mesmo

objetivo e fundamentação: o nascimento de Cristo.

AS COMPANHIAS DE REIS DE TRÊS PONTAS

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Page 38: UNICENTRO NEWTON PAIVA

Neste capítulo falamos um pouco sobre cada companhia pesquisada e como o povo

trespontano as respeita. Cada uma delas tem suas peculiaridades e desse modo procuramos

ressaltar o que há de melhor em cada uma. Ainda dentro de nossa análise destacamos o

aspecto da dádiva presente nas manifestações, a qual permeando as trocas entre a

comunidade e as companhias. Cuidamos de esclarecer ao leitor o que percebemos neste

estudo. Iniciamos os esclarecimentos a respeito das companhias com uma citação de

Carlos Rodrigues Brandão, na qual ele enfatiza no conceito da folia de reis, a função de

troca de dons, o que não é outra coisa senão sua função integradora:

“ a peregrinação da folia é entendida quando se nota que objetivam dar, receber e retribuir, como nos diz “pedir pouso, comida ou oferta, dar pouso, comida e oferta, e retribuir abençoando”.(1981:42)

Essa afirmação explica bem a situação da folia, estabelecem a reciprocidade da dádiva

quando agem desta maneira, o que nada mais é do que troca.

“O valor da dádiva está em articular as relações entre os que as fazem circular em seu próprio nome, no de seu povo ou nos seus deuses. Parceiros obrigados a trocas de dons e contradons, trocam com eles gestos de reconhecimentos, afirmações de respeito e de gentileza e, de certo modo, doam-se a si próprios”.(Brandão, 1981:43)

A contribuição, a doação e a participação da festa para os santos de devoção, em

especial os santos reis significa a concretização do elo com o sagrado, este círculo de dar e

receber que gira em torno do bem comum representa a integração e solidificam as relações

interpessoais do grupo e da comunidade.

A “Folia de Reis” assim chamada, mais conhecida em nível local como

“Companhia de Reis”, é um grupo social que promove uma manifestação folclórico-

devocional caracterizada pela religiosidade e sociabilidade9. A sociabilidade integra o

indivíduo ao coletivo, reforça os laços de solidariedade grupal. A manifestação é a

representação ritual do mito do nascimento de Jesus. Alegre tradição de violas e cantoria,

vinda com os colonos portugueses, a companhia de reis brasileira ganhou cara própria.

Saudando o Menino Jesus, os cantores fazem versos e improvisam. A companhia refaz o

caminho dos reis magos. É manifestação de fé e esperança do nosso povo.

9 Como nos diz Zanoni Neves(1998) a sociabilidade e o lado lúdico são características relevantes para as manifestações populares. As festas contribuem para as pessoas desenvolverem sua sociabilidade. O fortalecimento dessas relações sociais durante o período natalino é constatado, porém não sobrepõe-se ao aspecto religioso.

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Apesar de usarmos muito o termo folia, fazemos em obediência a uma imposição

popular. No município de Três Pontas preferindo-se o termo companhia essa não é uma

designação correta, conforme nos relatou o mestre André.

“Como os outro fala, folia de reis num é... a companhia é uma companhia de reis, até santos reis, né. Então tem muita gente Que confunde e fala a lá folia, a lá folia de reis, mais é o hábito de falar folia, mais o certo dela é a companhia dos três reis santos. É um hábito do povo...” ( mestre André Tiengo)

Isto se dá em virtude do nome folia indicar bagunça, desordem, anarquia, ou seja,

contrário ao que realmente as companhias representam que é a ordem, a disciplina, o ritual

da viagem dos reis magos em busca do menino Jesus.

A partir desta observação tiramos várias conclusões que serão analisadas adiante. As

Companhias de Reis, além de serem símbolo de religiosidade popular também são

instrumentos de coesão social e manifestação artística dado que na maioria das companhias

estudadas constatou-se os dotes artísticos de seus participantes. Notamos que eles sabiam

tocar bem e vários instrumentos, também constatamos que a dança era uma forte

característica dos participantes, em especial dos marungos10. A representação, a encenação

do ritual da chegada ao presépio também nos mostrou quão grande atores eles eram.

A Companhia da Família Dias mantém um coral que toca na missa do galo no natal

e já gravou inclusive um disco. Isso nos chamou atenção para os cânticos e modas de viola

representados e registrados em nossa pesquisa.

Além disso, notamos também peculiaridades nas outras duas companhias

selecionadas para esse estudo. Uma era do Sagrado Coração de Maria e a outra de Nossa

Senhora das Graças. Chamou nossa atenção o fato de ambas homenagearem santas.

Diferentes entre si, a Companhia Sagrado Coração de Maria chama atenção pela

organização, pelo número de integrantes e pela pompa; já a Companhia Nossa Senhora das

Graças, pela simplicidade e devoção que cativa a todos fazendo com que a recebam pela

fé.

10 “Malungo- (variante de marungo)companheiro, camarada, de mesma condição, irmão de criação, colaço. Etimologia: os negros chamavam malungos aos companheiros de bordo ou viagem, generalizando-se depois no Brasil o epípeto(...). Vocábulo de origem africana que depois da esxtinção do tráfico, foi perdendo a sua antiga razão de ser. Entretanto ficou na linguagem vulgar, e é corrente como expressão depreciativa. Marungo era a voz originária do vocábulo”.(Cascudo,2000:352)

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De acordo com o relatório que nos foi entregue pelo presidente da Associação das

Companhias de Reis existem no município vinte e duas companhias cadastradas que são as

seguintes:

1. Companhia de Reis Padre Vitor- Presidente Juvêncio Jacinto da Silva. End.: Fazenda

Rancho Grande

2. Companhia de Reis Imaculada Mãe dos Anjos- Presidente Sebastião Alves Ferreira.

End.: Fazenda Sete Cachoeiras.

3. Companhia de Reis Família Dias- Presidente José Dias dos Reis. End.: R: Antônio

Dias dos Reis nº33

4. Companhia de Reis Mãe Rainha- Presidente Hélio Ferreira. End.: Fazenda

Pitangueiras

5. Companhia de Reis Nossa Senhora do Rosário- Presidente Pedro José Pereira. End.: R:

Caetés nº 168, Bairro Vila Marilena

6. Companhia de Reis Cruzeiro do Padre Vitor- Presidente Loy de Brasil. End.: R:

Curitiba nº208, Bairro Padre Vitor

7. Companhia de Reis Padre Donizetti- Presidente Geraldo Francisco Nicodemos. End.:

R: das Piteiras nº133, Bairro Catumbi.

8. Companhia de Reis São Cristóvão- Presidente José Godofredo. End.: R: Irene Tiso

Veiga nº312, Bairro Jardim das Oliveiras.

9. Companhia de Reis Padre Vitor- Presidente Alex Sandro do Nascimento. End.: R:

Francisco Scalioni nº320, Bairro Santana.

10. Companhia de Reis Nossa Senhora de Fátima- Presidente Manoel Francisco Botelho.

End.: R: Ulisses José Braga nº66, Bairro Morada Nova .

11. Companhia de Reis São José- Presidente Joaquim. De tal( sem outras informações).

12. Companhia de Reis Nossa Senhora do Bom Fim- Presidente Jeremias Antunes Vieira.

End.: R: Rio de Janeiro nº316, Bairro Padre Vitor.

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13. Companhia de Reis Sagrado Coração de Maria- Presidente José Cláudio Luiz. End.: R:

Jandira Figueiredo Tiso nº94, Bairro Eucaliptos.

14. Companhia de Reis Nossa Senhora das Graças- Presidente André Tiengo. End.:

R:Zeferino Afonso Mesquita nº469, Bairro Antônio de Brito.

15. Companhia de Reis Os Três Reis Magos- Presidente Joaquim Edésio dos Santos. End.:

R: José Caxambu nº480, Bairro Aristides Vieira.

16. Companhia de Reis Santa Eliza- Presidente Joaquim Antônio Pereira. De tal( sem

outras informações)

17. Companhia de Reis Caminhos de Belém- Presidente Francisco de Paula Vitor Lima. R:

Bom Fim nº394, Bairro Perete.

18. Companhia de Reis Viva os Três Reis- Presidente José Malaquias Rodrigues. End.: R:

Paraguaçu nº596, Bairro Ponte Alta.

19. Companhia de Reis Nossa Senhora Aparecida- Presidente Antônio Ferreira Neto. End.:

R: Tupã nº112.

20. Companhia de Reis São Miguel- Presidente Alberto Barnabé. End.: R:3 nº25, Bairro

Morada Nova.

21. Companhia de Reis Santa Margarida- Presidente José Vianei Martins. End.: R: Olavo

Diniz nº391, Bairro Santa Margarida.

22. Companhia de Reis Estrela Guia- Presidente José Divino. End.: R: Sebastião Xavier de

Brito nº877, Bairro Aristides Vieira.

Todas essas companhias têm um dia especial na cidade, quando o povo pode

reconhecê-las no palanque. A maioria é urbana, e situam-se geralmente na periferia da

cidade, com algumas exceções. No caso de nosso estudo a primeira selecionada situa-se na

periferia; outra, numa localidade intermediária e outra nas proximidades do centro. Elas

peregrinam pela cidade, iniciando pelos seus próprios bairros. Não percorrem por toda a

cidade mas, alguns bairros próximos. Quanto às da zona rural, elas se apresentam nas casas

vizinhas, nas colônias rurais e, em seguida, seguem caminho por outras roças. Mas no dia

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do palanque todas se encontram e vira uma festa só. Lá todos são iguais, representam uma

só bandeira, e dão o melhor de si.

O período das festas do ciclo natalino tem um encanto especial, com os presépios

armados nas casas e igrejas, para relembrar e tentar viver de alguma forma o milagre do

nascimento de Jesus Cristo que efetivamente se realiza. O implemento das festas natalinas

é o presépio, representam a cena da manjedoura de Belém.

Atualmente com o advento da modernidade, em decorrência de fatores sócio-

econômicos e a televisão, o presépio em muitos lugares está sendo substituído pelas

árvores de natal, mais particularmente os pinheiros. É uma influência européia que a

televisão e o cinema nos impuseram e que estamos incorporando, deixando de lado o

verdadeiro sentido do presépio.

Quando se iniciou a participação mais intensa das companhias no período natalino,

pudemos compreendê-las melhor. Constatamos muitas coisas que já havíamos ouvido

anteriormente em relatos e os vimos na prática.

Uma companhia compõe-se de mestre, que é respeitado e tem sua autoridade

reconhecida por todos, conhece os rituais, cuida da organização da folia. Nessa

organização estão as intenções pedidas, os giros, o fardamento dos foliões, entre

outros...ainda há o contramestre, o bandeireiro, os músicos e cantores, os palhaços (no

máximo três, geralmente dois são adultos e uma criança para continuar a tradição) e os

festeiros, pessoas que cumprem promessas, devotos ou mesmo que gostam de acompanhar

a caminhada. Na maioria das vezes as companhias são formadas por pessoas da mesma

família, amigos, parentes, vizinhos que se reúnem, passando de geração a geração.

A bandeira é o primeiro sinal da chegada da folia, conduzida pelo bandeireiro é o

símbolo de respeito e fé, tanto que ao chegar em uma casa o visitado a beija, agradece e só

a entrega quando os foliões estão de saída. Geralmente passa-se por todos os cômodos da

casa com ela, acredita-se que ela seja abençoada e por isso mesmo deve ser muito

respeitada. Ela é que guia os foliões, um símbolo mágico e religioso, como disse-me um

folião : “ela representa a estrela do oriente que guia os três reis magos”, e completou: “uma

folia sem bandeira não é uma folia”. A bandeira é o símbolo máximo da companhia. Segue

a frente. Sem ela não há companhia.

Da mesma maneira que não existe folia sem bandeira, sem o marungo ela também é

prejudicada. Ou seja, perde a emoção, a animação, sua função é divertir o público. Por

isso, a presença dos marungos é imprescindível, pois são eles que trazem a alegria e que

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com seu jeito extravagante reúnem diversas pessoas para acompanhar as folias; são a

principal atração de qualquer folia. Como se diz em Três Pontas eles são os guardiões do

Menino Jesus, eles o protegem abrindo-lhe os caminhos para que se passe sem sofrer

qualquer dano. Mas há outras versões para a figura do marungo entre os mestres das

companhias. Alguns disseram-me que o palhaço foi quem distraiu os soldados de Herodes

para que Maria e José fugissem para o Egito. Outros dizem que foram traidores, que eram

do mal, representavam Herodes. Como vimos há várias versões entre os foliões. Mas uma

coisa é bom deixar claro, bom ou mau, a presença dos marungos é imprescindível, eles

animam com seu jeito descontraído e brincalhão, chamando a atenção do público.

As companhias de reis são de fato um componente da religiosidade popular, em

particular da população mais humilde. A nossa crença, devoção se torna maior quando nos

apegamos a algumas imagens, mitos, e isso nós observamos bem. A participação é ativa e

prazerosa, as pessoas se doam, cultivam essa fé com entusiasmo, muitas vezes são pessoas

tão humildes que recebem e prestigiam as companhias .

Outro ponto importante é relacionado ao contexto em que se realizam essas

manifestações, ou seja, são tradicionalmente festas mineiras de caráter religioso e

folclórico, sendo nosso foco de atenção a devoção ao sagrado. São também de caráter

cíclico, tradicionais e que envolvem a população.

As Companhias de Reis não têm um número exato de integrantes. Cada uma

variava em torno de 17 o mínimo e 25 o máximo. O núcleo ritual da Companhia é o

conjunto dos seus cantores e instrumentistas, acompanhados pelos marungos, também

chamados de bastião, pai bastião ou palhaço11. Entre os entrevistados ouvimos várias

versões a respeito dessa figura da companhia. Nas companhias do município, apesar de

alguns mestres usarem o termo bastião, o comum é o uso de marungo.

A organização é feita sob a ótica da hierarquia, assim distribuída: embaixador que

é o responsável pelo grupo de foliões, que cuida da disciplina do grupo, também podendo

ser chamado de capitão, mestre, folião guia. Em Três Pontas o usual é mestre e

embaixador. Este é respeitado pela sua autoridade reconhecida por todos. Conhece os

rituais, cuida da organização da companhia, dentro desta estão as intenções pedidas, os

giros, o fardamento dos foliões, a festa de encerramento. Ainda na composição da

11 “Bastião- personagem da Folia de Reis, representando um soldado de Herodes quando em perseguição à Família Sagrada em sua fuga para o Egito. Recebe também a designação de Palhaço, usa máscara, bastão ou facão, e se veste de Arlequim nessas representações”.(Cascudo:55)

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companhia existe o folião que é o nome dado aos participantes que a integram cantando e

tocando, e também há a figura do marungo, geralmente num numero de três, que dança e

anima o grupo e as pessoas visitadas.

Em Três Pontas se usa o termo Companhia de Reis, que de fato significa a

associação, o grupo, mas por imposição impopular também se usa folia entre a população.

Os mestres foram unânimes em dizer que usam o termo companhia e que por mais que o

povo diga folia isto não é o correto e se justificam dizendo que este termo tem sentido

pejorativo e que o significado das companhias não é este.

As três companhias são compostas por pessoas de diferentes condições sociais,

trabalhadores e aposentados. Verificou-se que não havia entre eles membros da elite.

Mas, apesar de as pessoas abastadas não fazerem parte das companhias, elas os

respeitam, aplaudem a sua iniciativa, prestigiam e dão ofertas, daí o caráter de coesão

social, ricos e pobres unidos num mesmo sentimento: fé.

As máscaras são elemento essencial da Companhia de Reis. Pontuam a festa como

expressão de religiosidade e cumprimento de uma promessa de resistência, forma de

reafirmar a identidade e reativar os laços fraternos das pessoas, das famílias no meio em

que vivem. Elas são feitas pelos próprios foliões, com material que conseguem: arame,

papelão, tela, peruca, pincel para pintar os olhos e boca, massa para modelar o rosto.

Geralmente não são bonitas, mais parecendo monstros. Os marungos as usam

representando os três reis magos, e sempre diante dos presépios eles a retiram em sinal de

respeito. Esse ritual reforça a interpretação de que os reis se mostram como tais diante do

Menino e ocultam a sua identidade diante de Herodes. Pelo fato das máscaras serem muito

feias muitas crianças quando os viam choravam sem cessar de medo, outras riam e

brincavam, não entendiam o verdadeiro significado delas.

A roupagem dá o colorido especial à manifestação. Cada companhia tem a sua

farda característica. Há companhias que não têm farda própria apresentando-se com suas

roupas comuns. Os marungos sempre vestem-se com cores mais vivas, chitas, coloridos e

os demais membros usam cores discretas. Há casos de companhias que têm duas fardas

para serem usadas alternadamente quando necessitam ser lavadas. A farda comum

geralmente é calça jeans ou azul marinho(brim, tergal) e camisas de cores discretas. Às

vezes as roupas são confeccionadas pelas próprias costureiras do grupo. Na apresentação

no palanque incrementavam mais a vestimenta, às vezes com lenço no pescoço, outras com

chapéu.

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A própria preparação já é uma festa. Ela é uma missão, liga o sagrado e o profano,

seu significado é social. Na companhia de Reis constata-se isso, o sagrado representado

pela jornada à procura do Menino Jesus e o profano pelas festas que se realizam em torno

deste. Ainda há também o lado social e o lúdico presentes, quando se percebe a

participação do povo unido em prol do bem comum e a festa, a dança, a comilança. A

situação social dos indivíduos determina as condições gerais de seu modo de vida,

incentivando-os a participar da cultura de seu grupo. Todos compartilham mais ou menos

de valores comuns 12.

A companhia de reis não é diferente, quando os marungos saem com os foliões e

começam a dançar e gritar, na verdade eles estão expressando seus desejos mais íntimos,

suas angústias, suas alegrias, porque, ao mesmo tempo que prestam homenagem a Jesus, se

sentem livres para se expressar, sem medo e vergonha. São felizes.

Aqui vamos caracterizar a figura do marungo, que é uma expressão local para que o

leitor compreenda melhor o exposto. Os marungos, como se diz em Três Pontas, são os

guardiões do Menino Jesus. Eles o protegem, abrindo-lhe os caminhos para que passe sem

sofrer qualquer dano. Mas há outras versões para a figura do marungo entre os mestres das

companhias. Alguns acham que os marungos representam o traidor, Herodes, que são do

mal e por isso mesmo não gostam de usar este nome e sim pai bastião como nos relatou

mestre André.

Nas companhias descritas há diferenças quanto ao número de marungos e sua

composição. Sendo que em algumas há o marungo mestre, o aprendiz(também adulto) e a

criança para perpetuar a tradição. Marungo é uma das designações usadas para especificar

o palhaço ou bastião como dizem alguns. São membros das folias. É fato que variam de

nome e mesmo de significado de folia para folia , como pudemos notar de acordo com os

relatos. A conclusão a que chegamos a respeito dos marungos foi como nos disseram que

se trata de uma variação regional de palhaço. A presença deste não tira o caráter sagrado

do peditório, sua função e simbolismo varia de folia para folia:

“Essa palavra( marungo), os foliões...( a mãe responde que antigamente era bastião)é , o marungo é

chamado de pai bastião, eu aprendi com os foliões mais velhos né, se usa falar que o marungo é o pai

12 “Apesar de rito coletivo a folia atua também como locus de realização pessoal, quando os indivíduos se valorizam perante o grupo pelos seus dons específicos: a mulher que costura os uniformes, o homem que sabe confeccionar as máscaras dos reis...todos se definem como sendo capazes de criação cultural, marcando suas posições na coletividade. A cultura popular integra alegria e sacralidade, por esse motivo se canta e dança para Deus numa atividade simultaneamente religiosa e lúdica”(Gomes e Pereira, 1995:105/106.)

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bastião... que ele representa na farda de marungo o rei Herodes, segundo os foliões mais velhos que

eu ouvi falar né.”(relato de Adilson ).

Neste relato percebemos a fala do mais velho que é a mãe e acréscimos do filho,

ambos concordam que antigamente marungo era chamado de pai bastião e que

representava o rei Herodes. Há entre eles um consenso a respeito disto. Mas como já

observamos antes , não há fontes que digam se esta versão é a correta ou não. Acreditamos

que os relatores saibam isto por gerações passadas e dessa forma houve várias

modificações que levaram a esta conclusão.

“Sobre o marungo que você me perguntou... marungo, eu num posso dizer o que qui é também... não sei, porque esses rei quando viajou, eles num viajaram só os 3 né, eles levaram muita gente que trabalhava com eles, eles eram muito rico, poderosos, né, então era muita gente que foi com eles, levando mantimento e cantando, aquela coisa, né, então, mais na viagem dos rei não contam os marungos, não contam. Eu tenho o livro ali, tenho 2 livros, não conta que existe marungos e já na... cada um fala uma coisa, uns diz que marungo era o soldado de Herodes , outros... o livro não conta, a bíblia não conta que tem marungo, não conta. Mas, então, eu penso que o marungo seja ... vamos si dizer um representante do natal, porque ele é muito parecido com o ... papai noel, né. A Folia de Reis tem que ter ele, ele é que chama a atenção, chama os dono da casa. Quer ver os marungo, todo mundo quer, né. E depois que a gente canta, agradece, sai para rua , eles dança ali, pula, faz um agrado, o povo gosta né. E sai aquela batucada para rua, o povo acompanha né, então sem eles, num... então o próprio marungo eu num posso dizer com certeza o que qui eles é, porque até hoje o que eu leio, na bíblia, eu tenho 2 livros ali muito grande da vida dos reis, viagem, tudo, não conta dos marungo, conta que eles... viajaram com os 3 reis , mas, mais de 100 pessoas né, muitas pessoas, mais era trabalhador deles, que cuidava de camelos, mantimentos, mas que era marungo num existia. Então eu também fico indeciso, eu num sei , para mim só pode se os representante do natal, parecido com papai noel né. Quando eu vi a primeira vez também já era assim né, e toda vida, mas até hoje.. eu num compreendo o porquê e para quê. E sem eles a Folia de Reis não tem graça”.(relato do Mestre José Dias)

Conforme a declaração do mestre José Dias não há uma explicação exata, clara sobre

a figura do marungo. Quando iniciou na companhia já existia a figura com esse nome,

ficando na dúvida sobre qual seu verdadeiro significado e completa dizendo que tanto na

Bíblia como no livro O Mártir do Gólgota não está especificado esta figura. Na sua

opinião eles são o representante do natal, pois se parecem com a figura do papai noel. Mais

uma vez a criatividade do povo cria asas. Mas não estamos aqui para fazer julgamentos e

sim constatações. O que é mais importante é a sinceridade do mestre ao relatar que não

sabe ao certo o verdadeiro significado da palavra marungo.

O ciclo de apresentação em Três Pontas geralmente inicia-se no dia 25/12 e vai até

o dia 06/01, das 8:00 às 22:00. O horário foi regulamentado pela prefeitura juntamente com

os órgãos responsáveis pela defesa do município para não haver discordância e para não

passarem do limite estabelecido. O regulamento foi criado para que as companhias não

excedessem em seus horários de visitas e para o bem de toda a comunidade. Durante o

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período os foliões -homens, mulheres e crianças devotos dos Santos Reis- peregrinam

pelas ruas visitando casas prestando suas homenagens ao Menino Deus e pedindo prendas

e dinheiro para realizar a grande festa final no dia seis de janeiro.

De certa maneira tudo o que acontece nos dias de festa é uma seqüência de

cerimônias regidas pela idéia de vagar pelas ruas e casas, unificando com o rito justamente

as polaridades que existem não apenas entre a casa e a rua, mas, entre também tudo aquilo

de que elas são símbolos: o sagrado e o profano, o feminino e o masculino, a devoção e a

diversão, a restrição e a permissividade.

Assim podemos notar que os foliões devotos-artistas desses grupos do catolicismo

popular alteram condutas próprias e produzem emoções nos anfitriões quando percorrem

fazendo as suas visitações levando símbolos e sentidos de sacralidade à casa do outro. Dão

ao que se festeja um sentido e uma intensidade que marcam. A visitação é a parte nuclear

do rito. Eles revivem em versos improvisados com muita dedicação e sabedoria pelos

mestres a jornada dos três reis magos: Baltazar, Belchior e Gaspar a caminho de Belém.

Desde o momento em que é anunciada a vinda do messias pela estrela do oriente até a

chegada na lapinha. Os versos são feitos de acordo com o local e a pessoa que os recebe,

são improvisados e por isso mesmo encantadores, daí o fato de serem os mestres que os

fazem.

A jornada é uma divertida encenação animada pelos palhaços, bastiões, marungos e

os três reis com suas máscaras e trajes típicos , além dos demais foliões que cantam,

dançam e encantam com suas músicas e versos. Sempre mascarado, com roupas coloridas

e extravagantes, o palhaço é o coração da folia de reis. Eles dançam para as pessoas na rua,

nas casas, no palanque. Dançam bem, todos agitados, dançam como se estivessem fazendo

malabarismo às vezes. Percebemos que sempre as pessoas pediam para que dançassem o

corta-jaca13, e outras vezes o recortado14 e a catira15. Até então não sabíamos o que aquilo 13 “Corta-Jaca. dança sensual, solta, com coreografia individual como nos frevos do Recife(...). É uma dança que se caracteriza pela movimentação dos pés, sempre muito juntos e quase sem flexão de pernas. Estes dão a impressão de deslizar, apesar de se ouvir muito bem o sapateado. É rápida e difícil, exigindo esforço do dançador”.(Cascudo,2000:164)

14 Recortado- parte final da catira ou cateretê, quando os violeiros cantam um trecho da moda de viola e os dançadores, em fila, fazem a coreografia passando de um lado para o outro, sempre sapateando e batendo palmas, ao ritmo das violas.

15 Catira- também denominada cateretê. É dança só para homens, em fileira, tendo à frente dois violeiros que cantam uma moda de viola que relata uma história satírica ou de amor. Após a parte inicial os dançadores colocados frente a frente, sapateiam e palmeiam ao ritmo das violas. A dança termina com o recortado

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significava, que se tratava de danças. Daí pudemos presenciar e ver como eram.

Procuramos nos informar, mas em palavras era difícil de se explicar, então outra vez nos

mostraram com um exibicionismo e satisfação de fazer bem feito.

As pessoas prestigiam as folias esperando-as em suas casas. Há também nesse

período muita comezaina por ocasião das festas do natal. O grande momento popular de

culto é o dia da festa de Santos Reis, é a ocasião da chegada simbólica da Folia em um

lugar onde termina a viagem- a “jornada”- todos encontram e se encontram diante de um

presépio onde o Menino Jesus é ritualmente adorado.

O período de participação com registro foi de grande valia e pudemos fixar melhor

como são os preparativos, a emoção, a cooperação dos integrantes e a fé que move a

todos.

Uma semana depois há o grande encontro das companhias que se realiza em praça

pública, no palanque como eles dizem. A festa é patrocinada e organizada pela prefeitura.

Todos comparecem para se apresentar e dar o melhor de si, inclusive companhias de outras

cidades. São todos premiados pela participação e há até sorteios de instrumentos musicais.

É realmente uma festa grandiosa que empolga foliões e um numeroso público. No ano de

2002 a festa foi realizada no ginásio da cidade. Isto se deu em virtude da melhor

acomodação do público e da apresentação das companhias, precavendo-se contra as chuvas

posto ser um ginásio coberto.

Quando a prefeitura ajuda os foliões com verba, transporte para apresentações em

outra cidade, fardamento, ou mesmo na apresentação no palanque que tanto eles estimam,

por menor que seja, a intenção é manter viva a tradição o que fortalece os foliões. O seu

desejo de continuidade é o reconhecimento e a valorização desse trabalho cultural que as

companhias prestam para a comunidade. Hoje as autoridades promovem as manifestações

populares com auxílio de verbas como incentivo para fixar na consciência do povo o valor

de suas vivências.

Na cantoria os versos muitas vezes são improvisados, não sendo exatamente os vinte

e cinco que alguns dizem:

“Na bíblia tem o nascimento de Jesus Que fala da viagem dos 3 reis magos, Que a folia de reis é... cada embaixador, embaixador é Que canta, canta na frente da folia de reis,( me pergunta se eu conheço a folia de reis) o embaixador é o Que tira, faz os verso né, por exemplo se você pega na bandeira né, ele faz uns verso para você, seu marido, namorado, sua família inteira... então os pai bastião segundo os mais velhos é chamado rei Herodes, mas cada embaixador canta dum jeito. Tem muita gente Que fala, muito embaixador Que fala Que na Bíblia tem 25 versos, 25 versos na folia de

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reis, eu já num concordo com esse negócio, 25 versos, porque na Bíblia num fala que você tem que fazer 25 verso, 50 verso, porque o verso que a gente faz... vem da, da, cabeça da gente, da criatividade da gente, de cada embaixador, então o nascimento de Jesus tá escrito na Bíblia, sabe, num fala quantos verso você tem que fazer, isso vai da sua criatividade, você pede canta 3, 4 verso para mim, eu vou cantar, isso aí vem da vontade de cada embaixador e da pessoa que tá segurando a bandeira que pediu para cantar, você entendeu, porque... o fundamento das companhia de reis, tem fundamento sim, a história dos 3 reis do oriente né, fala que os 3 reis saíram a procura do menino Jesus que... foi uma viagem de 6 dias, que eles enfrentaram chuva, sol né, uma viagem longa, os 3 montaram em cima dum camelo, e quem indico para os 3 reis do oriente que o menino Jesus tinha nascido e o local era uma gruta de Belém né, e quem indico isso para os 3 reis magos foi a estrela do oriente, num é verdade, mais ou menos por aí, o fundamento certinho eu num sei , eu sei o que a gente vai aprendendo dos foliões mais velhos”.(relato de Adilson, folião filho do mestre José Luís)

Para demonstrar agradecimento é comum os manifestantes recitarem músicas

improvisadas e danças para o anfitrião, isto é uma prova do bom acolhimento que

receberam. Percebe-se nas visitas das folias que através das homenagens em forma de

cânticos os foliões estabelecem uma relação de amizade com a comunidade, de

reciprocidade, encenando um ritual religioso, isto facilita a coesão social já que todos

sentem-se como integrantes do ritual. A integração foliões-comunidade é a todo momento

reafirmada.

Também há a questão da participação popular, muitos se envolvem, uns como

participantes, outros, como ouvintes.

Há aqueles que querem se promover em cima das festas, como alguns políticos, já

que se trata de manifestações populares, atualmente exploradas como bens simbólicos e

podem angariar muitos eleitores com isso .

A ordem é o pano de fundo de todos os valores, portanto, inquestionável, sagrada,

fora do tempo humano, é temida e conduz ao respeito, ao sacrifício à disciplina,

ingredientes básicos da promessa, que muitas vezes conduz as pessoas participantes da

Folia.

Dado o propósito inicial do presente trabalho de questionar sobre a religiosidade e a

estrutura das Companhias em Três Pontas como elemento de integração dos grupos sociais

menos favorecidos, pudemos notar pelas entrevistas e mesmo pela observação que é de

fato verdadeiro a idéia inicial, realmente há uma interação comunidade-folia. Essa relação

é caracterizada quando nos deparamos com a reciprocidade das pessoas, o ato de dar-

receber, ofertando o pouco que possuem em troca da benção da bandeira. As companhias

se diferenciam muito entre si, mas, como nos disse um folião:“(...) tem sim uma certa rivalidade(diferenças) sim, se eu te falar que não estou mentindo, o ideal era num te, porque os 3 reis são 3 só, pode te 1000,2000,3000 bandeira, mais as 3000 sabe, significa uma só, uma bandeira só, certo. Mais... aquele negócio sempre uma companhia de reis a bandeira é uma só, indiferente do fato de haver uma ou mil folias, todos representam apenas uma bandeira, e esta é aclamada por todos com muito respeito”(relato de Adilson).

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Há fontes sobre a implantação da Associação das folias, atas que descrevem como

foram realizados as solenidades de abertura. Registram os membros, as funções e as

normas. A cópia dessa ata nos foi entregue pelo presidente da Associação o Sr. Ruy

Quintão, aliás pessoa muito atuante na cidade, em várias campanhas em prol da

comunidade e ferrenho incentivador das companhias, da sua manutenção e valorização.

Sobre a Associação podemos dizer que quando foi fundada era muito ativa.

Os integrantes eram pessoas comprometidas com o trabalho de preservação das

folias e de sua manutenção. Porém com o passar dos anos a Associação se desmembrou e

ficou desativada. Somente em 2001 com a nova administração municipal e interesses

populares resolveram reativá-la.

Pudemos participar de uma reunião que tratava do processo de regulamentação das

companhias. Para receberem uma verba( pequena) da prefeitura. Antes de expor sobre a

reunião é preciso salientar como se deu a fundação da primeira Associação que por hora

estava extinta.

A Associação fora fundada em vinte e cinco de abril de 1994 no salão de reuniões

da Câmara Municipal de Três Pontas tendo como presidente o Sr. Francisco Borges

Miranda. O então prefeito Tadeu Mendonça enalteceu o trabalho das Companhias de Reis

na divulgação e preservação do folclore religioso da cidade, também elogiou o caráter de

organização social que estas companhias adotaram demonstrado com a fundação de sua

Associação. Essa teria caráter de órgão de utilidade pública com estatutos e regras a serem

cumpridos, tudo para seu melhor funcionamento.

A reunião(2001) a que me refiro foi de abertura da nova Associação, presidida pelo

então secretário da cultura do município Haroldo Figueiredo Souza e realizada no Centro

Cultural. Lá foram representantes de quase todas as companhias. Puderam opinar,

participar do andamento da reabertura e também discutir sobre a apresentação no palanque

no início do ano seguinte que, aliás, era o que mais os preocupavam e interessavam.

Durante a reunião questionaram como seria o funcionamento da Associação, a parte

burocrática e o que eles deveriam fazer. Alguns acharam que era bobagem a intenção de

institucionalizar, que as companhias não precisavam disso como nunca precisaram e que

não queriam contribuir e nem podiam. O Sr. Haroldo explicou a eles que não se tratava de

mudar nada no andamento das folias, nem queria prejudicá-los mas sim ajudá-los. Só dessa

maneira eles poderiam receber a verba da prefeitura, apenas sendo membros da associação

e essa estando ativa poderiam receber benefícios. Conversaram também a respeito da

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construção da capela de santos reis, uma idéia que a todos agradava e que seria

futuramente posta em pauta para discussão. Ficou resolvido por votação que o novo

presidente seria o Sr. Ruy Quintão. Como já disse pessoa popular da cidade, ex-vereador,

radialista antigo e querido por todos. Teria o compromisso de incentivar e motivá-los, não

deixando que as companhias acabassem. O interesse de todos era notório, a vontade de

participar, de falar, questionar. Alguns achavam que a reunião era desnecessária, mas,

quando se tratava da apresentação no palanque todos se envolviam.

O desfile no palanque em plena praça pública de frente à Igreja Matriz, é fato que

os honra muito e que por isso mesmo se preparam com antecedência para dar o melhor de

si. Não se trata de disputa, mas de desfile, do orgulho de se apresentar ao público maior

que engloba toda a cidade e onde todos podem por menor que seja mostrarem sua arte e

sua devoção. As apresentações são dignas de louvor, todos capricham, na ornamentação,

no vestuário, nos instrumentos, na confecção da bandeira, enfim, todos se exibem na

melhor farda e com o máximo de si.

O padre Roberto Donizetti de Carvalho da paróquia Nossa Senhora D’Ajuda

também nos proporcionou muitas informações, contribuindo para o entendimento dessa

manifestação, dando a visão da igreja sobre o movimento e sua opinião sincera sobre as

atuais companhias. Segundo ele:

“A igreja não se refere aos reis magos como santos, nem dedica um dia especial no calendário litúrgico. No dia 6 de janeiro ela comemora a festa da Epifania do Senhor, que quer dizer aparição, manifestação, porque Cristo se manifestou então aos olhos do mundo representado pelos reis magos, sendo a Segunda solenidade do ciclo natalino. A igreja em nenhum momento os dá o título de reis ou santos, o povo que os canonizou. A festa popular dos santos reis sempre foi muito divulgada na Europa, sobretudo na Península Ibérica, e nos foi passada pelos portugueses desde o início da colonização de nosso país. As folias de reis revivem todos os anos esta peregrinação dos santos reis, não é uma simples representação ou até mesmo um folguedo, nem se trata de uma reprodução viva do ocorrido, mas, são em princípio fundamentalmente religiosas. Isto é visível na devoção, unção, o respeito que este peregrinos representam. São diversos os tipos de folia, das que se preocupam mais com o lado lúdico da exibição, das vestimentas, dos ornamentos, da organização e outras que se preocupam mais com o lado sagrado, da devoção, enfim, são muitas e por isso mesmo cada qual com suas características.”

O catolicismo oficial não considera os reis magos como santos, apenas como nos

relatou o padre Roberto, eram sábios, pessoas eruditas. Mas a imposição popular os

transformou em santos, e para eles são considerados santos reis. Em torno desse

acontecimento acontecem as festas das Companhias de Reis que tanto encantam com suas

homenagens.

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Com relação às festas populares, muitas vezes o poder, a autoridade eclesiástica,

confronta-se com essas manifestações, por vezes, levando-as à extinção. Isso pudemos

constatar numa entrevista que ora transcrevo:

“Aqui enterrou um padre uma vez, ali no Catumbi, chego ali nós estávamos com a companhia para... eu fui, cheguei, tinha uma mulher que toma conta, eu falei, olha , a companhia vem descendo aí, eu quero fazer uma homenagem para Nossa Senhora porque a bandeira é daqui. Ela disse: mais num podemos abri a igreja. Falei: porque num pode abrir a igreja, quando foi na hora de nós construirmos ela aí, nós nunca achamos ruim que falasse assim. Nós num vamos construir quem construiu essa igreja fomos nós que fizemos com a maior dificuldade, com a ajuda do povo tudo do Catumbi e da cidade. Todo mundo ajudo, num foi um só. Agora uma coisa eu digo para você, o monsenhor silveira vinha aqui abri a porta da igreja para nós, porque que você pode falar uma coisa dessa para nós. Ela fico muito sem graça com nós foi lá e abriu a igreja, esse padre chego olhou, viu nós e foi embora. No outro dia eu peguei e fui lá na casa paroquiar conversar com ele, pedi licença e entrei. O Senhor vai me dá licença que eu quero falar com o senhor. Pois não, pode sentar( disse o padre). Eu fui expliquei o caso tudo pra ele, e ele disse: não, você tem razão, num sou contra não. A hora que se quiser cantar na igreja, foi lá ..., fazer homenagem a Nossa Senhora os direito é de vocês, nós manda abri a igreja para vocês, num tem problema não. A eu fui lá e conversei com ele, educadamente, mas conversei, eu num fui lá com jeito de bruto nem com farta de educação, fui conversar com ele o certo, eu fui ministro, então como ministro de deus eu fui conversar com ele na religião nossa católica. Ele foi e me atendeu com muita educação, e falou a hora que vocês precisarem a porta da igreja tá aberta para vocês, é graças a deus. Fiquei muito satisfeito e to satisfeito até hoje, viu, eu num tenho tristeza, aborrecimento, num tenho nada, vai chegando aquela época... a turma já vem, cumé que é, quando que é o ensaio, é tal dia, então vamos ensaiar(mestre André Tiengo).

Concluímos sobre as companhias que antes de tudo preservam suas origens fazendo

delas referências.

Acreditamos que a estrutura dessas é considerada tradicional com poucas

modificações adquiridas com a modernidade. Cada uma das companhias pesquisadas tem

suas características próprias, porém com o mesmo referencial. A origem da companhia de

reis é urbana, seu objetivo é a evangelização, pois todos lêem e aprendem sobre a vida de

Jesus.

As diferenças que constatamos são mais de origem financeira que cultural. Isso

percebemos quanto à organização dessas. A essência delas era a mesma, diferenciando-se

apenas nos rituais. Cada uma revestia-se de características próprias.

Na companhia da Família Dias preservavam o costume de no dia da chegada(06/01)

visitar o presépio da igreja mais próxima antes de iniciar a jornada. Além disso também

participavam cantando da missa do galo no dia 25/12. Se diferenciavam das outras

companhias quanto aos componentes, pois aceitavam a presença de mulheres e não

aceitavam mais de três marungos.

Na companhia Nossa Senhora das Graças preservavam o costume de visitar a zona

rural fazendo sua peregrinação e continuavam na área urbana próximo às suas localidades.

Faziam sua peregrinação em devoção aos santos reis e ofereciam suas dádivas a Nossa

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Senhora das Graças que era a santa de devoção do grupo. Diferenciavam-se das outras

companhias pelo fato de peregrinarem pela zona rural.

Na companhia Sagrado Coração de Maria assemelhavam-se às outras companhias

quanto ao aspecto organizacional, de estrutura. O diferencial estava nos componentes, pois

não aceitavam a presença de mulheres, mas havia muitos marungos. Outro fato curioso é

que se apresentavam na região e em São Paulo. Tínhamos a impressão que a manifestação

estava se tornando um show. Constatamos isso a pouco tempo quando de nossa visita a

cidade(14/07), fomos convidados para assistir a apresentação desses em praça pública pois

a Rede Bandeirantes estava lá os filmando.

Quanto à política cultural do município é de grande importância, pois incentivam as

manifestações com verbas e ajudas na apresentação no palanque. Preparam uma estrutura

para eles se apresentarem e informam a população nos veículos de comunicação da cidade.

As pessoas assistem e aplaudem, e eles se orgulham.

Ressaltamos aqui que de acordo com nossas constatações depois de relatos e

histórias, mesmo sem uma política de incentivo, eles continuariam sua peregrinação, a sua

tradição. Como vimos, eles independem dessa verba, pois saem por devoção e não por

dinheiro. É lógico que apreciam a ajuda, mas sem ela não se sentem prejudicados. Antes

eles saíam com o que tinham e conseguiam, e mesmo com todas as dificuldades nunca

desistiram. A fé é maior que a ostentação e a ambição. Portanto resistem, cultivam seu jeito

simples e procuram demonstrar ao povo um pouco da vida de Jesus. Revivem o

nascimento de Cristo.

Outro dado interessante que notamos foi a adequação da tradição à modernidade.

Preservavam costumes, ritos passados por seus antepassados, mas ao mesmo tempo

inseriam algumas modificações que pudessem melhorar a companhia. Por exemplo quanto

aos instrumentos, constatamos que pela tradição apenas a viola e a caixa eram

imprescindíveis. Mas com advento da modernidade e para melhorar as cantorias incluíram

diversos outros instrumentos, muitos até sofisticados como violino e acordeon. Cada

companhia incluía o que podia para melhorar sua apresentação.

Enfim constatamos que as companhias possuem mais semelhanças que diferenças e

que cada uma sobressai no que é melhor, umas na cantoria, outras nos versos, outras na

dança, mas todas são especialmente bonitas.

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REGISTROS REALIZADOS

Iniciamos a pesquisa durante o mês de outubro de 2001 quando realizamos as

entrevistas com os mestres, foliões, presidente da Associação de companhia de reis, padre

e funcionários da prefeitura. Durante as entrevistas compreendemos o valor real dessa

manifestação para o município. Para muitos deles as companhias representavam toda a

esperança , tudo de bom e às vezes esperavam o ano todo para o grande dia, era

demonstração de fé que tinham. Mas, também pudemos observar que o contrário também

existia. Como nos relatou o chefe da divisão de cultura, nem todos partilham das mesmas

opiniões e por isso mesmo havia opiniões(poucas) descrentes em relação às companhias.

Por serem poucas pessoas, não nos preocupamos em procurá-las, a maioria era de outras

religiões.

Percebemos que as companhias são realizadas pelas pessoas oriundas de grupos

sociais menos privilegiados e isso já era esperado, dado que se trata de uma manifestação

religiosa popular. As pessoas oriundas de grupos hegemônicos da elite não são tão devotas

como as outras, mas respeitam e valorizam a fé desses. Isso se comprova quando do início

da peregrinação as pessoas os recebem e doam ofertas para as companhias. Também é

demonstrado quando na realização do grande encontro de companhias lotarem a praça

pública para as prestigiarem.

A pesquisa nos indicou caminhos a seguir já nas entrevistas, quando lá

distinguimos algumas diferenças básicas entre elas, que diga-se de passagem é o que

realmente enriquece o trabalho. Primeiramente entrevistamos o radialista e presidente da

Associação Ruy Quintão para nos indicar quantas e quais eram as companhias existentes

no município e ele nos deu além dessas informações, outras de muito valor e inclusive

documentação. Daí percorremos as companhias selecionadas, já que teríamos que delimitar

a pesquisa para que pudéssemos fazer um trabalho consistente. Com endereços à mão,

cadernos de anotações gravador e máquina fotográfica fomos às entrevistas.

Fomos recebidos com muito carinho pelos mestres das companhias em suas

residências. Pessoas humildes de braços abertos, suas casas rústicas e ornadas com muitos

motivos religiosos. Retratamos isso tudo nas fotos tiradas e comprovamos os laços de

religiosidade desse povo. Alguns nos receberam com um certo constrangimento e até

desconfiança, mas depois relaxaram e nos relataram o que sabiam. Usavam muito o termo

“no tempo dos antigos”, mostrando claramente que a antigüidade é questão séria para eles.

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Quando não tinham certeza buscavam fontes no passado. Mas sempre tinham respostas, a

não ser quando não queriam comentar o assunto. Pudemos constatar numa entrevista,

quando perguntamos a respeito do recebimento das pessoas por parte da companhia, se

eram bem acolhidos em todas as casas e o Mestre José Dias iniciou uma fala e logo fez

uma pausa, pediu para que não gravássemos. Estava falando dos evangélicos da cidade,

pensou e desistiu. Sua decisão foi aceita e não tocamos mais no assunto.

COMPANHIA DA FAMÍLIA DIAS

REGISTROS REALIZADOS

Iniciamos o trabalho de entrevistas em 07/10/2001, num domingo à tarde como foi

combinado anteriormente com o entrevistado, o mestre José Dias. Chegamos lá após o

almoço e o mestre estava a nossa espera. Satisfeito por ter sido indicado para nos informar

sobre sua companhia. Percebemos logo na entrada sua satisfação e mesmo curiosidade, já

que poucos questionam sobre as companhias.

Na entrada da casa notamos muitos troféus e entre eles alguns recebidos pela

companhia, motivo de orgulho. Entre troféus e outros adornos estavam também motivos

religiosos como imagens de santos e quadros, enfim a relação com a religião era notória. A

família estava presente e aos poucos foram saindo para deixar-nos mais a vontade para

fazer a entrevista. A presença do gravador constrangia as pessoas. Ao mesmo tempo que

saíam pessoas da família, chegavam amigos e foliões, interessados em dar seus

depoimentos em prol do amigo.

Iniciamos com perguntas sobre a companhia, família, profissão e percebemos seu

constrangimento ao notar que estava sendo gravado, mas aos poucos ele relaxou e

colaborou muito. Num momento da entrevista( a televisão estava ligada porque havia

pessoas vendo e estava na sala) surgiu um plantão do jornal dizendo que os EUA haviam

iniciado a guerra contra o Afeganistão, curioso isso porque neste momento o mestre e

amigo entabulam um diálogo a respeito de paz e religião, dizem que as religiões deviam

unir os povos e não o contrário. O senhor José Dias nos relatou que era aposentado. Sua

casa era simples, a família grande e unida como pudemos notar. Moravam num bairro de

classe média, central, tinha um pedaço de terra, (aliás isso na cidade é sinônimo de posse),

apesar de não ser rico tinha um poder aquisitivo de classe média.

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Essa companhia nos chamou atenção pelo fato de ser além de tradicional ser a mais

antiga conforme ele nos relatou:

“ A Folia começou com Antônio Dias dos Reis que é meu avô, meu nome é José Dias dos Reis. Esta folia já tem mais ou menos uns 120 anos, daí para mais, é porque o filho dele Domingos Dias que tocava essa folia morreu com 80 anos, o filho dele. Faz uns 2 anos, e depois ficou para mim, e eu já toco ela há 8, né, eu já cantava nela desde pequenininho, na requinta, lá criancinha mesmo né, já cantava nela, foi indo para frente passei a ser embaixador. Mas já tem mais de 120 anos... é muita coisa né, é uma das primeira folia que teve aqui, uma das primeira não, foi a primeira que teve aqui, foi a primeira folia. Quando o Rui arrumou essa apresentação na praça, não existia folia né, quando o rui apresentou, já tá com 35 anos, por aí, 40, aí arrumo para apresentar na praça. Num tinha tanta Folia de Reis, mas a nossa já existia já há muitos anos(risos), então é muito antiga né, graças a Deus. Ainda bem tá preservando, tem que preservar né. É só família, era do meu avô, passou para o meu tio que era o Domingos Dias, e aí fico para mim, graças a Deus.”

Seu José diz que a companhia tem 120 anos e que foi passada de geração em geração

culminando com ele, fato que o alegra muito, pois iniciou cantando na requinta e hoje é o

presidente. Tenta passar todos os ensinamentos conforme a tradição ou fundamento como

diz.

É composta pelos integrantes de uma família numerosa e por outros agregados. São

pessoas simples, carismáticas que se envolvem pela fé, devoção aos santos reis como

dizem. Também há outros fatos curiosos e peculiares que as distingue das demais. A

companhia da Família Dias possui de 20 a 22 componentes, e três marungos, um mestre,

um aprendiz e uma criança. Fazem isso para manter a tradição, a criança deve continuar os

ensinamentos dos mais velhos como dizem. A função dos marungos segundo o mestre José

Dias era:

“ O marungo dança mas quieto(dentro da casa), ele num grita, porque se ele gritar vai atrapalhar o embaixador, de vez em quando ele grita : o sô moço...mas só aquilo, ele que combina como é que é, quer que canta, como é que num quer. Acabou de cantar ele pergunta se quer que canta mais, se num quer, si num quer, então pode agradecer, pode, então nós vamos agradecer .já é diferente, é outro verso né, para agradecer . Então ele que faz essas coisa tudo, o marungo, ele que chega.A dança é só os marungo mesmo que ensaia, nós num tem, nós leva num outro estilo. Os marungo é uma coisa, nós folião é outra coisa. Já é tudo acostumado, num precisa ensaiar pra cantar não”.

De acordo com José Dias há entre os marungos o mestre, que é o mais antigo, que

ensina os outros. Assim ele diz:

“Então ele que faz essas coisa tudo, o marungo, ele que chega. Tem que se uma pessoa muito

educada, saber tratar todo mundo, que pede licença para gente entrar, que chama a gente, é muito

importante. Tem que sê um marungo... sempre tem um marungo já mais antigo, já acostumado e tem

um mais novo que tá aprendendo com ele, e tem o menino também que tá ali, que vai pegando aquilo

ali. Nós diz o marungo mestre, é o marungo que faz isso aí, um marungo inteligente, um marungo que

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conversar direitinho, para agradar todo mundo, saber conversar. Porque as vezes chega numa casa e

num tem ninguém, tem uma mocinha e tem que saber conversar direitinho com essa menina né”

(mestre José Dias)

Na companhia da Família Dias a figura do marungo é muito importante,

distinguindo dos outros foliões, ele tem que ser uma pessoa carismática ao mesmo tempo

que brincalhão. Como percebemos a questão da educação e do respeito são referenciais

para eles. As pessoas os recebem porque conhecem seu caráter e isso eles fazem questão de

ressaltar.

Quanto ao número de componentes o mestre relata:

“Então , enfim todos os folião me ajuda, nós somos 20... 22 componentes. Eu tenho 22, tem gente aí que tem mais né, mas eu tenho 22. Eu num saio com mais de 2 marungo grande e um menininho né... é o que nós começou conversar, eu num mudo não né. Eu vejo outras aí, num tem nada a vê não, 10,12,15,16, mas eu não, eu não. É 2 e o menino né, sempre tem que te o menino para aprende, né, na hora que o velho aposenta ele que chega junto né, mais é assim num, num mudo não, é 2 só mesmo.(mestre José Dias)

Faz questão de frisar a quantidade de marungos, no seu entendimento bastam três.

Respeita outras companhias que modificam esta regra, mas não concorda.

O senhor José Dias auto intitula-se mestre, embaixador, capitão, presidente, dono,

tudo como ele mesmo disse. Ele é quem comanda tudo, na hierarquia ele está no topo,

todos o obedecem e respeitam. Ele explica que o embaixador tem que ter um tipo de voz

definido porque não são todos os tipos que dão certo, relata:

-“ Cada um já sabe o que vai fazer, porque num dá, quando ele canta num lugar ele num canta no outro, é muito difícil por exemplo: eu, o embaixador cantar repique, requinta, num canto. O caboclo que canta requinta num canciteia, a voz dele é fina, a voz da requinta é voz grossa, então num dá, é muito difícil ter um que faz isso; eu tenho um folião só que canta em qualquer voz, o Ernesto, mas é muito difícil.”

Aqui o mestre relata sobre a cantoria. Ele frisa que as vozes são diferentes e que as

pessoas já sabem o que podem e devem fazer. Não precisa ficar atrás falando o que devem

ou não fazer.

Outro dado curioso é que nesta companhia aceita-se - e há - a presença de mulheres

junto com o restante dos membros. É fato que antigamente não existia como o mestre nos

relatou, mas de uns anos para cá aceitaram a presença dessas. A mulher em questão chama-

se Dª Alvina e toca chocalho. A filha do Sr. José Dias, Sirlene também canta, diz ele todo

orgulhoso. Fora as mulheres que ficam na casa trabalhando para que tudo transcorra bem,

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fazendo o almoço, cuidando dos uniformes, enfim da manutenção da parte estética da

companhia.

Também há o fato de serem exímios cantores e isso se comprova pelo disco que

gravaram. São muito prestigiados e queridos pelo povo.

Pudemos presenciar um ensaio dos ilustres cantores. Seus instrumentos são

variados, o número de integrantes é grande. Pudemos observar e comprovar com fotos os

seguintes instrumentos: viola, caixa, adufe16, pandeiro.

Sobre os instrumentos o mestre relata:

“ O instrumento certo mesmo dos reis é a viola, a caixa e o adufe, é só isso aí. Que devia de sê toda folia, tocar viola, caixa e adufe. O adufe que a gente fala é um estilo dum pandeiro, mas ele num era um pandeiro, era um pau quadrado e um couro pregado em cima dele. Mas, agora a minha folia já tem uma porção de... nós temo viola, caixa, pandeiro, ... nós tem disco gravado(risos),nós já temo 3 disco gravado”. (mestre José Dias)

E ainda quanto a bandeira relata:

“Eu tenho uma bandeira muito bonita, bonita demais. Uma bandeira certa, uma bandeira que já mi acompanha muito tempo, muito certa. Então, e muito bonita também, quer ver...(mostra as bandeiras com orgulho) o Gaspar, Baltazar, Belchior. Ela já foi em Belo Horizonte. As bandeira são a mesma, mas, há diferenças de folia pra folia, comportamento, cantoria, tem diferença né.”

A bandeira era muito bem ornada, além do que, havia duas bandeiras, uma para o

trajeto diário e outra para apresentação no palanque. O pessoal é bem quisto pela

população. Saíam todos os dias de manhã após o giro do café rumo às casas vizinhas, não

tinham um trajeto certo, mas eram aceitos na maioria das casas, eram muito bem fardados.

O giro que falamos aqui é na realidade uma parada de descanso, na qual os foliões tomam

café, outras vezes almoçam e outras jantam. É basicamente isso, uma parada de descanso.

Sobre o uniforme o mestre explica que antes ele mandava fazer, mas agora ele acha melhor

comprar o tecido e os próprios foliões confeccionarem para não ter problema quanto ao

tamanho. A Companhia tem dois uniformes bem arrumados: camisas verde, azul e rosa de

manga comprida. A calça poderia ser qualquer uma desde que de cor escura: preta , azul

marinho ou jeans. O mestre comentou conosco que havia dois uniformes para que

pudessem alternar os dias se apresentando sempre limpos e arrumados e um reservado à

apresentação no dia da chegada ao palanque. Relatou:

16 Adufe- pandeiro quadrado, oco, de madeira leve, coberto com dois pergaminhos delgados (Cascudo, 2000:8)

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“É só eu, eu compro o pano i compro tudo, dou tudo certinho só para eles fazerem(explica que

compra os tecidos, mas que cada um manda confeccionar o seu uniforme para não haver problema de

numeração ou outro tipo de problema) . O ano passado eu fiz tudo, mas aí dá uma atrapalhada danada

né, uns fica grande, para outro fica apertado, num deu certo não. Mais eu que dou o tecido, botão,

camisa, faço tudo. Aí eles faz por conta deles.”

Também comentou sobre as crianças que participam , pelo fato de manterem a

tradição.

“criança num pode faltar né, tem que aprender uai. A criança tem que ter, se num incentivar eles aí acaba né, porque vai indo, a gente... mais hoje, mais amanhã, num agüenta mesmo né, se eles num participar num tem continuação...”

Aqui percebemos que as crianças são uma continuação da tradição, além de se

socializarem. Os adultos, que geralmente são os pais ou foliões as incentivam para que

preservem e continuem os seus passos.

Ainda questionamos a respeito das promessas, dos devotos e ele nos relatou o seguinte:

“Para uns tem né, porque, tem pessoa fanática, tem pessoa que Nossa Senhora ... a gente chega na casa para cantar e fica até sem jeito de cantar. Não, fanática, aquela coisa que a gente tá vendo que... é demais, entendeu, a gente nota que é uma coisa, a pessoa aperta, fica nervoso, pega a tremer a chorar, tem isso aí sim , fanático por aquela bandeira, aquele santo, ou a gente num sabe as vez recebeu qualquer coisa, a gente num sabe né, mas tem isso aí sim, é muita fé né, então bate aquela emoção na hora né, tem demais.”

Conforme o relato acima percebemos que as pessoas eram muito devotas, às vezes

chegando a ser fanáticas. O mestre explica que essas pessoas são muito agradecidas aos

santos reis e por isso oferecem o que podem a eles. É interessante ressaltar que nem

mesmo o mestre compreendia o fanatismo dessas pessoas.

Nesse dia também havia um ensaio do coral feito por membros da família e amigos

que por sinal estava muito bonito. Fui chamada para ver e tomar um café, tocaram músicas.

O estilo de música deles era moda de viola e religiosas, mas o forte era a moda.

O mestre José Dias também nos informou que muito do que sabia era devido as

leituras que fazia e dos conhecimentos passados pelos pais e os antigos. De suas leituras,

nos indicou os livros que seguia piamente: a Bíblia Sagrada e O Mártir de Gólgota. No

último deles está a versão do rei Belchior e a explica. “Os três reis veio...o Belchior veio da Índia, o Gaspar da Ásia Menor, o Baltazar residente da cidade de Seleucia, antiga Babilônia, hoje fica no Oriente Médio e tá ali mais ou menos na Arábia Saudita por ali, antiga Babilônia.

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Tem umas história bonita dessa viagem desses três reis, e tem história triste. Tem um deles... que fez um pecado muito grande e, grande demais e num tinha como ninguém perdoar ele. Ele saiu pro mundo pra, pra, pra ver se achava alguém que perdoava ele, aí achou esses dois(reis magos) e contou a história. Aí os outros dois falaram pra ele: nós lá vamos, estamos procurando uma pessoa que nasceu aí, só ele pra ti perdoar, se quiser ir com nós, aí ele falou vamos. Aí ele foi. Aí eles acharam o menino Jesus e o menino Jesus perdoou ele. Ele sofreu muito, a gente tá contando por cima né, é, mais ele sofreu demais, Nossa Senhora, sofreu muito. A primeira pessoa a montar um presépio foi São Francisco de Assis, montou o primeiro presépio, e depois, depois na vida adulta de Jesus ... é Baltazar foi batizado por ... por um discípulo de Jesus, depois da morte de Jesus, Baltazar foi batizado lá na Ásia Menor por um discípulo de Jesus, me parece que é Tomé, num tenho muita certeza, mas parece que Tomé batizou Baltazar lá na Ásia Menor. Tudo tá no livro, existe na vida pública de Jesus tá nesse livro. O mestre continua : porque nós lê mais é assim, nós lê , nós procura só aquelas parte mais, mais que interessa mais, que conta mais a história da gente na caminhada...então nós vamos lendo tudo mais nós num guarda na cabeça, nós guarda aquela parte que nós vamos precisar dela né, então ... aonde a gente sabe que tem muita coisa bonita, muita coisa triste, mais a gente num sabe mais...só aquelas parte... Você conhece a história do judeu errante, eu disse que não, então ele começou a falar. Na vida de Jesus existiu um judeu, Jesus pediu pra ele água pra beber e ele disse: vai, caminha. Então, depois, aí... Jesus falou pra ele assim : tudo quando existi na tua vida vai ti mandar você andar e caminhar. Aí, então, depois disso, depois que Jesus morreu, até as árvores falavam pra ele: vai Belibeti, o nome dele era Samuel Belibeti, vai Belibeti caminhe, a tua vida num te sossego. Então, acredita-se, não temos tanta certeza, mais acredita-se que o cigano saiu da descendência de Samuel Belibeti, que não tem parada”.

Durante a entrevista as pessoas amigas do mestre chegavam e queriam dar suas

contribuições, sempre exaltando o caráter e o dom do mestre, enaltecendo a sua figura.

O entrevistado relatou-nos que já havia participado de um encontro de companhias

em Belo Horizonte e que tinha achado muito estranho e diferente as companhias, porque

algumas tinham boi.

“Uma vez eu fui lá em Belo Horizonte no Minerinho né, e eu até tenho um crachá que eles me deram...(mostra o crachá). No Minerinho, apresentamos a Folia de Reis de Três Pontas, a minha folia, a Família Dias. Eu achei muito interessante lá também que a Folia de Reis deles tem boi, né. Essa mulher aqui(mostra foto –Dª Guidinha)ela tem uma Folia de Reis que canta muito bonito, eu gostei de ver a cantoria dela. Mas eu achei interessante que sempre na bandeira dessa gente tem um boi né, parece que chama ...os rei boi, cada um tem um sistema né, para mim num serve, não é do meu estilo(riso), o meu aqui já é outro e eu num vou mudar também, né .Num tem como eu mudar, eu nasci desse jeito, criou assim , então tem que se desse jeito mesmo, do meu jeito né. Cada um tem o seu, copiar num é bom né, nunca foi não. Tem que sê..., o estilo nosso é o estilo mesmo do reis antigo, reis..., os rei , que os rei cantava mesmo né, num tem modificação, num tem nada não, é aquilo mesmo, então nós num muda não, é desse jeito mesmo.”(mestre José Dias)

A PEREGRINAÇÃO

Fomos à casa do mestre José Dias no dia vinte e seis de dezembro por volta de 8:00

da manhã. Lá nos informaram que estariam na casa de um folião Antônio Manoel da

Silva, seu sobrinho que havia oferecido o café para o grupo. A residência era situada à rua

Recife, longe da casa do mestre. Fomos acompanhados por um sobrinho(Pedro) para que

pudéssemos gravar e tirar as fotos sem com isso prejudicar as anotações. Lá fomos bem

recebidos. Os foliões estavam chegando e os marungos trocando de roupa, uniforme( isto

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foi possível pelo fato da casa ser de um membro da cia.). Nos ofereceram café(pão com

manteiga e café com leite, tudo com fartura). A fartura é outra característica das

companhias. Em seguida ao café, todos alimentados deram-se as mãos e rezaram pedindo

graças por um novo dia, uma boa jornada.

Saíram e já iniciei as fotos. Desceram a rua tocando, cantando e dançando. Todos

muito bem uniformizados, instrumentos à mão. Havia duas trocas de uniforme para que

pudessem usar todos os dias.

As pessoas os recebiam com carinho. Num pequeno percurso quase todas as casas

os receberam, inclusive um bar. Quando entram nas casas após pedirem licença, os

marungos retiram as máscaras diante do presépio e rezam. Entregam a bandeira para dona

da casa(patroa, como eles diziam) ou dono. Ao terminar a saudação inicial os marungos se

oferecem para saudar a patroa com uma música, verso.

Em algumas casas apenas o mestre e os marungos entravam, porque eles eram

recebidos na sala e não havia espaço para todos os foliões. Primeiramente o marungo pedia

licença para entrar( ô patroa). A resposta sendo afirmativa perguntava se os demais foliões

podiam entrar seguia o rito.

Um fato inesperado que assistimos foi o desmaio seguido de convulsão de um dos

foliões. Era filho do senhor Antônio Manoel. Saímos de perto para que ele fosse socorrido

pelo pai. Informaram-nos que tinha desmaiado de emoção, aliado a problemas de saúde.

Não notamos a presença de nenhum bêbado ou uso de bebida ao longo do percurso.

A companhia se destaca pela organização e pela beleza, chamando a atenção de

muitas pessoas na rua.

No dia da “festa da chegada” fomos assisti-los como havíamos combinado

anteriormente. Durante o dia os foliões foram à Igreja prestar homenagens ao presépio,

todos bem uniformizados. Vestiam calça preta e camisa amarela de manga comprida.

Entraram, rezaram, cantaram e depois saíram. O resto do dia eles continuaram a jornada

pelas ruas do bairro, parando apenas para fazer o giro do almoço. Enquanto foram almoçar

e descansar, fomos acompanhar outras companhias.

Voltamos à noite e vimos que estavam indo em direção à casa do Sr. José Dias.

Percorreram por uma trilha muito bem ornada com folhas, galhos e palmeiras, eram três

passagens. Em cada uma havia ritual de cantoria e de versos, até que chegasse ao final

para adoração do Menino Jesus no presépio. O presépio fora montado em cima de um

caminhão. Um bebê de quatro meses representava o Menino Jesus. No final da

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apresentação todos foram festejar na casa do mestre. Foi uma festa muito bonita e rica,

cheia de foguetes, fartura de comida e bebida. Todos que estavam na rua, e eram muitas

pessoas participaram.

A reunião de todas as companhias aconteceu no dia 19 de janeiro. No dia da

apresentação no palanque(19/01) por motivos pessoais não pudemos assistir. Contratamos

então um serviço de filmagem que nos auxiliou nesta finalização.

Cada companhia subiu no palanque logo depois da bandeira. Os marungos ficaram

no chão de joelhos por alguns minutos até que iniciou a cantoria. Então puseram-se a

dançar.

Chamou a atenção as vestimentas dos três marungos: um vestia roupa vermelha de

seda com a beirada branca de renda e tinha um lenço na cabeça da mesma cor, porém com

bolas brancas. O outro estava vestido de roupa de seda amarelo e lenço também amarelo.

Finalmente o terceiro estava de roupa de seda branca com detalhes na calça em vermelho e

também tinha um lenço amarelo na cabeça. Todos possuíam um bastão enfeitado com fitas

coloridas. Durante o período que estiveram de joelhos, ficaram com as máscaras nas mãos

em sinal de respeito ao Menino Deus.

A bandeira era branca com pintura dos três reis magos, enfeitada com fitas e

lantejoulas. Um rapaz e uma menina seguravam-na diante da companhia.

Alguns instrumentos estavam enfeitados com fitas coloridas.

A gravação que possuímos não ficou muito nítida dificultando a transcrição da

cantoria. Eis o que conseguimos compreender da música.

“A estrela que brilhou, ai larai.(bis)

Do Oriente até Belém, ai larai. (bis)

Brilhou pra mãe de rei, ai larai. (bis)

Brilhou pra Maria, ai larai. (bis)

Ela brilhou foi só pra rei, ai larai. (bis)

Não brilhou pra mais ninguém, ai larai. (bis)

No final os marungos dançaram o corta-jaca a pedido do apresentador.

COMPANHIA NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS

REGISTROS REALIZADOS

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A entrevista foi realizada no dia 08/10/2001, numa quinta-feira à tarde, como

combinado anteriormente. Fomos muito bem recebidos. O mestre André estava disposto a

colaborar e considerava importante nosso interesse pelas companhias. Para ele a tradição

deveria ser mantida e conservada pelo povo. Iniciou comentando sobre a origem da

companhia.

“Para nós criarmos a companhia de reis, eu como embaixador da companhia, isso foi em 58, aí criamos a nossa companhia em 58, e de 58 estamos até hoje cantando para Nossa Senhora das Graças, sabe. Então minha companheirada taí, muitos já faleceram, uns irmão meu já faleceram, mais graças a deus aqueles novinhos veio vindo, taí no lugar, da companhia dos antigos tenho só 2 dos antigos mesmo.”

Sua casa era rústica, simples. Na parede principal notamos vários quadros:

familiares, da companhia e de santos. Também vimos troféus, dentre eles alguns da

companhia. O motivo religioso destacado era muito forte.

No transcorrer da entrevista percebemos que seu André era viúvo e vivia sozinho,

já que seu filho era casado. Funcionário público aposentado, trabalhara no matadouro

municipal. Comentou que, em sua maioria, os foliões eram aposentados, lavradores ou

desempregados.

Relatou sobre o início da companhia e como construíram a Igreja Nossa Senhora

das Graças do bairro Catumbi. Com festas realizadas pelos foliões juntamente com a

comunidade e nas jornadas das companhias conseguiram dinheiro para a obra. Ainda

nesse contexto fala sobre o relacionamento da companhia com o Monsenhor Silveira, já

falecido.

“Nós tem tudo(convívio bom)...sabe, então nós dançava lá , congada, vilão, Moçambique, quadrilha, baile, tudo na intenção da igreja, fazendo arrecadação para construir a igreja. Então que chegando na época das festas, aquele povão na praça do Catumbi para assistir a... principalmente no dia da chegada, então fazia lá na praça do Catumbi, a chegada(chegada da companhia). O Monsenhor Silveira que era o padre da paróquia de Três Pontas, você é capaz de num lembrar, você num era nem nascida. Então o Monsenhor Silveira ele era pelo contrário, num era muito amante de companhia de reis, mais a nossa ele gostava demais. Então ele ia lá recebe nossa companhia, prestigiar..., o falecido sô Odilon Doce é que pegava aquela esmola que a gente tirava pra igreja, então subia num tamborete e fazia discurso, entregava a esmola, o Monsenhor Silveira batendo palma, dava o ramalhete para gente continuar na companhia, isso tudo nós foi muito bem . Graças a deus nunca que foi desfeitiada e ele fizesse uma desfeita, um pouco caso da gente. Ele homenageou muitos anos a companhia da gente, toda vida, ele mesmo chegava na casa dele, cantava, ele dava esmola na casa dele. O monsenhor silveira..., chegava na porta da casa paroquial os bastião pediam licença, tiravam a máscara e ele dizia entra aqui, lá nós entravamos, cantávamos para ele, a esmola dele saía ali para valer, aquela esmola é de ajuda para igreja do Catumbi. E fizemos a igreja graças a deus, tá lá feita a igreja do Catumbi a poder de ajutório da folia.”

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De acordo com o relato notamos que a companhia preocupava-se com a comunidade

antes de preocupar consigo. Tanto que construíram uma igreja. A relação da companhia

com a Igreja era democrática e amigável, reforçando nossa crença no seu caráter

integrador. Ao contrário do que imaginávamos eles eram bem recebidos e apreciados pela

população e pelos padres.

Durante a entrevista foram chegando foliões da companhia que queriam ouvir e dar

seus relatos. Entusiasmados e tímidos ao mesmo tempo, pelo fato de estar sendo gravada a

conversa. O mestre comentou que a companhia ainda resiste graças às pessoas novas. E faz

questão de repassar a eles os seus ensinamentos para que preservem a tradição.

“ Eles também vai ficando velho(os foliões), vem os outros, vai indo, vai tocando para frente, né. Só que aquilo é uma festa que num pode acabar, porque aqueles novinhos que vem mais cedo ou mais tarde vão ter uma festa adicional que é a companhia de reis. É uma festa folclórica, do começo do mundo..., que nós todosque nascemos sabemos que existe a folia de reis, a companhia né, a gente fala folia mas o nome certo é companhia num é. Então isso tudo a gente tem que levar em consideração, levar aquilo numa amizade sabendo que aquilo tudo existia, entendeu.”

Num momento da conversa ele informou-nos que o povo antigamente contribuía

mais. A contribuição tinha diminuído porque alguns foliões denegriram a imagem das

companhias com bebedeira. Afirmava que a “exceção” virara regra e que as pessoas não

distinguiam as companhias por causa disso. Comprovamos isso na entrevista que o padre

Roberto nos concedeu, essa generalização em torno do uso da bebida, difamando e

denegrindo a imagem de todos. As companhias não acabaram porque existem pessoas

sérias trabalhando com respeito e levantando sua imagem. Para o mestre as companhias

são muito queridas pelo povo, e o fato de alguns foliões usarem a bebida em excesso não

devia ser tomada como regra para todas. Disse que na sua companhia não aceitava isso.

Prezava pela decência e respeito aos devotos que os recebiam, aceitando apenas um gole

para esquentar.

“Para num dar fracasso né, é maneirar no litro né, que o litro atrapalha. Aquilo ali, a tradição da companhia de reis... você é uma menina que está começando, explicar tudo direitinho é bom. Tudo neste mundo passado num presta, num digo você num dá um, um pouquinho da aguardente para todo mundo, porque aquilo é da criação, só para dar um entusiasmo, bebeu um golinho ali, já tá o puro barril. Então, agora já tem uns que erra a mão, já começa, já começa querer cantar, chega aqui na sua casa e... não, aí já para mim já num me serve, aquele já pode fica pra lá. Vamos cantar o certo, o verdadeiro.”

O mestre nos explica o porquê da bebida, e como eles fazem para não se embebedar. Eles

bebiam para se alegrar, perder a timidez, mas em alguns casos as pessoas erravam a mão e

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com isso prejudicavam toda a companhia. Por isso muitas companhias ficaram com nome

ruim e muitas vezes nem eram recebidas.

Com o tempo a entrevista virou um bate papo e o Sr. André insistiu para que

fôssemos lá no início da jornada, no dia 25/12/01. Afirmando que era muito bonita.

Combinamos que estaríamos lá no dia vinte e cinco de manhã na saída dos foliões.

“Aí nós, do dia 24 para 25 eu saio, eu canto só dia 25 ,porque depois eu paro, senão dá um trabalhão uma hora dessa, para reunir a companhia pra cantar as tarde, as vezes está chovendo num dá. Então eu só canto no dia 25, mais saí na rua é assim, nós, batemos aqui para sair ,num tem, vamos fazer o giro para onde, vamos descendo essa rua..., então os marungo já vão gritando: o seu moço dá licença chegar na sua casa, já vão pedindo licença. Aqueles que gosta manda chegar, num tem lugar certo, é o que pedir para chegar nós chega. Por acaso, eu vou fazer o giro aqui do Antônio de Brito(bairro), vou cantar aqui no Antônio de Brito, é só no Antônio de Brito. A hora que eu acabar de fazer ali, eu vou lá para Cocatrel(local próximo a um bairro), outra hora eu vou lá para praça, mais aí, cada um segue um giro. Quando uma pessoa num quer nós num entramos, nós vamos embora, crente, essas coisa, num aceita. O crente, nós chegamos assim, eles nem num abre a casa, si eles tá na janela eles ficam quietos, nem num dá confiança, tem razão, já sabe que é crente num passamos.”

Com relação às músicas o mestre relata:

“Então a música é sempre a mesma. As vezes a gente dá uma modificada, as vezes parece um reis diferente, uma outra toada diferente, um agradecimento diferente. Então a gente quer pegar um outro agradecimento como embaixador, então a gente tem que cantar e para turma detrás pegar para dar a resposta direitinho. Então aonde nós temos o ensaio, entendeu. Por acaso tem a primeira e segunda que canta aqui na frente com a gente, então essa primeira e segunda precisa pegar aquela toada para responder e jogar para aqueles que estão para trás e vão pegar. A dança é a mesma coisa, os bastião é a mesma , a dança é a mesma. O ritmo de dançar as vezes tem um reis mais cutucado, mais repicado(riso)o bastião já dança mais gingado, agora quando é aquele reis velho o bastião tem um balanceado só aqui( mostra) devagarinho, tem tudo na bíblia.”

A respeito do número de componentes e marungos ele depõe:

“O número de componentes certo, minha companhia era de 25 a 30, hoje numa base de 17,18 até 20 para trás. Às vezes sobra aí 4,5 para trocar de voz, as vezes um fica rouco, aquele entra no lugar dele, o embaixador tá, as vezes atrasa um pouquinho, outro também embaixa, pega a viola e entra ali e canta. Quer dizer que a companhia continua. Bastião tem os companheiro de revezar, tem o número certo. No testamento diz que é três, é três. Agora aqueles três grande sai, entra outros três, entra aqui, pede licença, entra no quarto troca a roupa e sai. Aqueles outros três vão descansar, vão vestir de tarde. Se num revezar eles cansam, num agüentam, porque bastião força muito né, porque a máscara é muito abafada e dança muito, acaso um barro desse aí coitado(neste momento fala sobre o barro da rua, ele mora num lugar próximo a outro que não é asfaltado). Sujeito manda corta jaca, eles cortam a jaca e cansa muito(cortar jaca é uma dança), é muito cansativo, então a gente tem um descanso para fazer uma troca, para aquilo melhorar, para continuar sempre bonito e firme.”

Fala sobre a atitude dos marungos dentro das residências, o respeito que eles têm pelo

mestre:

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“Eu entro aqui em qualquer casa ... esteja o marido da senhora na presença como na ausência o modo dos meu bastião entra e cantar aqui o meu regime é aquele. Com todo respeito, bastião meu num vai lá perto da dona que está segurando a bandeira daqui para trás( mostra a distância), ele pode dançar, pintar o sete, mais para lá ele num vai, é daqui para cá(mostra novamente). Num aceito, tanto faz o marido tá na presença como na ausência meu sistema dos meu bastião dançar é esse. Todo mundo me respeita, por acaso, se eu chego aqui na casa da senhora agora, o seu marido não está, tá trabalhando, senhora tá sozinha, então senhora manda entra, vamos entrar, vamos entrando porque eu gosto, então senhora manda entrar, eu sou o primeiro que entra e sento aqui(mostra o lugar),mais meus bastião já dança aqui, a senhora tá com a bandeira e eu estou bem tranqüilo aqui, não passa um pra cá, há, eles sabem, meu sistema é aquele, já ensino antes de sair, é bastante que eu nem preciso falar nada. O bastião mais velho já fala opa., vocês sabem o regime de nós cantarmos é daqui pra trás, então tá bão.”

Sobre a participação de mulheres e crianças ele diz o seguinte:

“Nós tínhamos duas moça aqui que vestiam de bastião, que eram um colosso. Até morreu uma agora esses dia, uma pena, a menina boa pra dançar que só vendo. Criança também participa. Uns menininhos pititinhos, vestidinho de bastião que é... o pai bastião é três né, então em vez de nós pormos... os três grandalhão, nós pomos dois grande e um menino. O pequeno entra no meio, aí ó fazendo arruaça, eles gosta. No dia da chegada nós deixamos vestir bastante, veste uns 10,12 , já que é o último dia, deixa eles dançar.”

Frisou que na companhia já houve a participação de mulheres, mas, atualmente não

existe. Não eram contra, mas ficava muito difícil a presença delas num ambiente que só

havia homens. Por isso preferiam não integrá-las mais.

Sobre a participação na missa do galo e na festa do Padre Vitor ele relata:

“Tem uns que vão a missa, meia-noite eles participam. Acaba de assistir a missa da meia-noite... como a folia do Zé Dias, sempre vai, num ponto da meia-noite eles cantam na igreja. Tem outras também que vai e canta, eu ainda num fui, sabe. Mais o certo, bonito mesmo na missa do galo, se todas pudessem ir no ponto da meia-noite quando terminasse a missa cantar lá na igreja . Cada uma cantasse ao menos dois verso do hino, a presença do menino para pode sair, era muito bonito. Mais, a gente num vai, mais tem umas que vão, é assim, mais num é... de necessidade de ir não, entendeu. No dia do Padre Vitor tem uns que vão lá homenagear o santo Padre Vitor, vem de fora, outras daqui cantam também, tudo, mais num é assim, grande necessário não, falar que é obrigatório não, vai... homenagear ele. Eu por acaso nunca fui, o ano que nós íamos nós num foi né Zé( na sala tem mais dois outros foliões que participam da conversa), mais se eu fosse, aquela esmola que eu tirasse lá eu dava aqui na igreja, naquela hora ali mesmo, mais eu num fui, num fui.”

Durante o diálogo fez comentários a respeito de companhias de outras cidades. Citou

as de Belo Horizonte que já havia presenciado. A respeito das diferenças entre as

companhias daqui e as de Belo Horizonte relata:

“O reis deles é muito diferente, o reis deles em Belo Horizonte é diferente completamente. É, eles tem um tipo de reis que eu num entendo sabe. Eles, os bastião deles, larga a bandeira aqui, estende correndo para aqui afora, eles tá cantando aqui os bastião tão correndo em cima dos outros. Aquilo é um ritmo que num, num existi. O bastião tem que respeitar esses três que tá na frente dele aqui( faz o gesto), ele num pode atravessar na frente dessa bandeira para correr atrás dos outro não, a bandeira é a prisão deles, eles num pode saí daqui..., sabe.”

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Page 67: UNICENTRO NEWTON PAIVA

Sobre os uniformes percebemos que ali não havia um específico, todos

andavam com suas próprias roupas. Apenas tinham um uniforme para a apresentação

no palanque. Pois iriam se apresentar para toda a cidade junto com as demais

companhias, não podiam ficar atrás. Os marungos iam vestidos de roupas parecidas

com chita, sempre coloridas e exageradas para chamar atenção.

Com relação à participação de crianças e jovens notamos como já havíamos visto

em outras companhias que participavam principalmente pelo prazer de brincar, de fazer

parte da companhia. Ali aprendiam a tocar instrumentos com os mais velhos, aprendiam

cantar e dançar. Também aprendiam sobre religiosidade popular. Sobre a vida de Jesus,

sobre conteúdos bíblicos, pois para participar era de suma importância saber o que estavam

homenageando e louvando. Os mestres e foliões mais velhos se encarregavam de ensiná-

los.

Segundo mestre André a companhia tem 44 anos. Possuía cerca de 25 a 30

componentes, mas com o passar dos anos diminuiu para 17,18 porque muitos faleceram e

os mais novos não se interessavam tanto.

Os devotos nunca saíam, ao contrário, traziam mais gente consigo e ensinavam os

filhos menores para que a companhia não acabasse.

Os instrumentos são variados: viola, caixa, violão, sanfona, bandolim, pandeiro,

chocalho, reco-reco. Fez questão de frisar que a viola era o instrumento do embaixador que

também era o mestre. E afirmou que ela e a caixa eram os principais instrumentos, não

podendo faltar. Os demais eram complementos para melhorar cantoria. Completou dizendo

que os instrumentos já eram bem antigos, e os próprios integrantes os concertavam,

afinavam, dada a falta de verba para comprar novos.

Sobre isso ele relata:

“Os instrumentos: sanfona, violão, primeiro, eu já falei agora tem que continuar, violão, caixa, uma viola que é do embaixador, bandolim, o instrumento pode levar o que quer, pandeiro, chocalho, reco-reco, pode levar de tudo que diz fala, faz parte da companhia o instrumento, pode levar o que quiser. O que num pode faltar numa companhia é a caixa e a viola, é, é o principal, depois a sanfona é que faz o tom de instrumento e os violão, o pandeiro..., mais o certo da companhia que num pode faltar de jeito nenhum a viola e a caixa. A bandeira é a principal, aquilo é da frente né.” ( relato mestre André Tiengo)

São de um carisma imenso. Nas nossas andanças percebemos quanto o povo os

prestigia e os aceita em suas casas, demonstração de fé e amizade.

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Page 68: UNICENTRO NEWTON PAIVA

Não tem um trajeto certo a seguir, nem mesmo um horário rígido, mas saem todos

felizes pelas ruas visitando as casas.

Para mestre André não existe marungo e sim pai bastião, então relata:

“Pai bastião é o nome deles, pai bastião, num é marungo não. É pai bastião, purgue é a semelhança dos três reis magos, né. O povo tem aquele hábito de fala ô marungo, marungo por causa de vestir de vermelho, de máscara, então o povo fala marungo, mais o certo deles é pai bastião, entendeu. Purgue eles num são marungo, marungo Qui eu intendo... é o que ofendeu, o menino de deus, é o Herodes, essas coisa,...esses é os marungo,é os mau. agora esses aí num são mau, eles tão fazendo a semelhança dos três reis magos quando estava viajando. Os três reis mago quando viajo o nome deles era pai bastião... como tem na bíblia, tem tudo, tá lá pai bastião, num é marungo. Como os outro falar folia de reis, num é... a companhia é uma companhia de reis, até santos reis, né. Então tem muita gente que confunde e fala ala folia, alá folia de reis, mais é o hábito de falar folia, mais o certo dela é a companhia dos três reis santos. É um hábito do povo, mais o nome deles é pai bastião.”(relato do mestre André Tiengo).

Aqui notamos a insistência do mestre em dizer que não é marungo que se fala e sim

pai bastião Menino Jesus. Insiste que apesar da imposição popular o correto é dizer pai

bastião. A questão da identidade se fortalece nesse sentido, pois percebemos que apesar da

imposição popular eles ainda usam o termo pai bastião.

A PEREGRINAÇÃO

O primeiro dia que participamos com eles foi no natal pela manhã. Fomos à casa do

mestre André às 8:00 conforme combinado para presenciarmos a saída (giro do café) e

registramos como se dava a jornada.

Quando chegamos já havia alguns foliões tomando café(pão com mortadela e café

com leite). Alguns demoraram um pouco atrasando a saída.

Estavam todos entusiasmados com o primeiro dia de andança. Ensaiaram alguns

cantos e afinaram seus instrumentos antes da saída. Rezaram pedindo a benção para o

início da jornada.

Havia um ônibus na porta esperando-os para ir se apresentar na fazenda do senhor

José Miranda(Deca). Eles gostavam muito de se apresentar lá para os colonos e para o

dono da fazenda. Pois fazia ofertas muito generosas, como por exemplo doação de garrote,

e ainda contribuía com um farto almoço. Todos estavam ansiosos.

Enquanto esperávamos o início da jornada, aconteceu um fato inusitado. Um rapaz

excepcional, vizinho do mestre queria muito tocar junto com eles, mas não sabia. Então o

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Page 69: UNICENTRO NEWTON PAIVA

mestre, com muito jeito, amável disse que o deixaria tocar. Ele ficou feliz, parecia uma

criança.

Na saída, depois do café, deram-se as mãos e rezaram pedindo a bênção de Deus e

uma boa jornada.

Na porta da casa reuniram-se para que pudéssemos tirar fotos. Novamente o rapaz

excepcional pediu ao mestre para que pudesse tirar uma foto segurando a bandeira e nós o

fizemos.

Fizeram versos improvisados agradecendo nosso interesse e presença.

Na saída começou a chover. Com a demora para saírem tudo atrasou e não

pudemos acompanhá-los até a fazenda. Mesmo porque a jornada pela fazenda demoraria

até o resto da tarde. Combinamos então que no dia seguinte continuaríamos com a

gravação e o acompanhamento da jornada pela cidade. Assim, no dia seguinte fomos

novamente a casa do mestre André por volta das 13:00. Lá estavam amigas e esposas de

foliões preparando o almoço, então fomos procurá-los pelas ruas já que chegamos

atrasados. Encontramos eles perto da praça do Catumbi. Os seguimos até o local do

almoço. Quando terminaram, continuaram a peregrinação agora pelas ruas do seu bairro.

Sempre tocando e cantando a companhia perfazia seu itinerário, ora pedindo pousada, ora

benzendo com a bandeira as casas visitadas. Por isso entoavam versos especiais de

agradecimento pelas comezainas que lhes proporcionavam

No dia da chegada, 6/01, fomos assistir a jornada. Porém desta vez fomos à noite,

na finalização. Lá chegando vimos muitas pessoas em volta da companhia. Os foliões

estavam passando pelos arcos de palmeira e bambus feitos para que pudessem atravessar

até a chegada final. Eram três arcos, ou seja três passagens. Em cada uma deviam cantar e

rezar até chegar a última e então homenagear o presépio na casa do festeiro, pessoa que os

recebia e lhes ofertava a festa. Havia fartura de comida e bebida para todos. Chegando

nesse ponto homenagearam o presépio. Em seguida homenagearam o dono da casa.

Fizeram como de costume as orações e músicas e depois festejaram. Não pudemos

participar da festa, pois ainda teríamos de acompanhar outras companhias, pois o ritual da

“chegada” dos três reis é sempre no mesmo dia, então todas o estavam cumprindo. Como

nos propomos a assistir e pesquisar três companhias não poderíamos deixar de vê-las

também.

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Page 70: UNICENTRO NEWTON PAIVA

As pessoas os recebiam com carinho, gente humilde. Muitos não tinham oferta para

dar e mesmo assim os marungos pediam licença e se ofereciam para entrar e prestar

homenagem ao Menino Deus.

COMPANHIA SAGRADO CORAÇÃO DE MARIA

REGISTROS REALIZADOS

A entrevista foi realizada no dia 09/10/2001, numa quarta-feira à tarde.

Primeiramente o mestre José Luís se mostrou tímido e desconfiado. Mas depois de me

apresentar e expor o trabalho aceitou colaborar, apenas disse que seu filho José Cláudio

(substituto) ajudaria nas respostas já que ele havia esquecido de muita coisa. Mas no

momento da entrevista o filho já havia ido embora por motivos particulares.

No transcorrer do diálogo os outros dois filhos(Gilson e Adilson) e a esposa(Maria

Francisca) colaboraram com muita presteza, orgulhosos de falarem da sua companhia.

“A Companhia de Reis Sagrado Coração de Maria começou mais o menos assim, já veio da época da minha avó, meu avô né, melhor meus avós, depois meus pais, e meus irmãos mais velhos né, até chegar nos amigos também do meu pai, e formaram a folia de reis. E antes a folia de reis ...daqui de casa ela já tem na faixa de uns 35 a 40 anos, entendeu, nessa faixa. E é uma tradição né, uma festa folclórica, e em Três Pontas já foi bem melhor né, teve mais animada, na época o pessoal de casa recebia as companhia de reis, era bem mais aceita, então hoje as coisa tá, tá mudando muito, mais ainda tem...num pode acabar num é verdade, principalmente nós aqui em casa procura manter sempre essa tradição, para o meu pai isso aí é uma satisfação muito grande, ele...é um prazer enorme, a alegria do meu pai é sair com a companhia de reis ,então nós aqui em casa ,somo da família dá aquela força”. (folião Adilson)

Origem da família e da companhia.

“Aqui nós é seis irmãos, todo ano as meninas vem de SP, então a casa fica cheia de gente e o pessoal aqui gosta muito da companhia do meu pai e é uma companhia muito organizada, todo lugar que vai recebem né, tem uns 3, 4 anos que vai para SP, então o pessoal lá num fica sem essa companhia mais, e nem o pessoal de Varginha que recebe a companhia todo ano, virou tradição, o pai, os avôs do pai, do pai para os filhos, agora ele passa para os neto. É uma folia assim que... o pessoal gosta, é uma folia muito forte, lá na companhia de reis todo mundo sabe tocar, cantar, já foi campeã umas três, quatro vezes, então é difícil de parar né. Todo mundo respeita o meu pai e o meu irmão que são os chefe da folia. Nós fazemos o que eles mandam.(folião Gilson)

O folião afirma que seu pai e seu irmão comandam a companhia e comenta o fato de

terem sido campeões algumas vezes. Ressaltamos que trata-se de um encontro de

companhias que acontece todos os anos na cidade e não uma disputa como pode ter

parecido. Para os foliões é motivo de muito orgulho esses encontros. No início havia uma

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Page 71: UNICENTRO NEWTON PAIVA

espécie de prêmio para as melhores categorias, a melhor farda, a melhor apresentação de

foliões e marungo. Hoje isso não existe mais. Não há disputas e sim confraternização, onde

todos exibem orgulhosos suas companhias. Todos são premiados com troféus de honra ao

mérito. Ainda quanto a questão da origem o folião afirma: “A folia de reis praticamente nasceu foi na

zona rural, né pai, foi na roça e depois veio pra cidade”(folião Gilson)

A companhia obedece à tradição herdada e prima pela organização. Possui cerca de

25 componentes e 3 marungos. Não souberam dizer ao certo a idade da companhia, mas

que varia entre 35 a 40 anos. A família toda faz parte. Trabalha mutuamente nos aparatos

da festa, como a confecção das máscaras, no feitio das roupas dos marungos, na

manutenção dos instrumentos. Além da família, também participam amigos e vizinhos, e

foliões de outras cidades como São Paulo. Pois tem familiares lá.

A Prefeitura os ajuda com transporte para se apresentarem todos os anos em São

Paulo e mesmo nas cidades vizinhas como Varginha.

Povo simples, exímios dançarinos e cantores, o qual pudemos presenciar.

Há grande número de crianças participando.

Também pudemos notar a diversidade de instrumentos, percebendo a melhor

condição deles em relação às outras companhias. Os instrumentos são os seguintes: viola,

caixa, violão, bandolim, acordeon, violino, pandeiro, reco-reco. Foram unânimes em dizer

que apesar da quantidade variada de instrumentos que possuem, o principal para uma

companhia é a viola e a caixa. O folião relata sobre os instrumentos:

“Antigamente as folias de reis era montada com poucos instrumentos que eram: a caixa, o pandeiro

né, e alguns instrumentos de corda como violino, bandolim, cavaquinho, acordeon naquela época num

existia, assim , tinha acordeon mas na companhia de reis num usava não, aí depois que as coisa veio

modernizando tudo que... hoje uma companhia de reis sem acordeon num é uma companhia de reis,

entendeu, é mais ou menos por aí. (relato Adilson- folião )

Dona Maria Francisca mostrou a bandeira, uniforme, máscaras, fitas de vídeo e

fotos. Comentou que ela confeccionava as roupas dos marungos com muito gosto e que

seu filho Adilson confeccionava as máscaras. Os uniformes, ou fardas como dizem, eram

comprados prontos, ou seja, não confeccionavam. Tinham duas fardas. Uma para o dia-a-

dia e outra para a apresentação no palanque. Dona Maria Francisca dizia que nem sempre

ficava bom uma farda feita e por isso preferiam comprar. O mestre dava o dinheiro e os

foliões compravam suas roupas, todos iguais. O dinheiro era das arrecadações feitas pelo

grupo.

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Page 72: UNICENTRO NEWTON PAIVA

Ao longo da conversa ficaram muito animados, contaram casos da companhia e

falaram de seu orgulho.

Notamos lá também a presença de troféus, quadros religiosos e familiares.

O senhor José Luís é de origem simples. Foi para Três Pontas fazer a vida e lá

constituiu família. Fez de tudo: trabalhou na zona rural, em obras de construção, hoje é

aposentado. Comentou que a maioria dos foliões era formada de aposentados,

trabalhadores temporários ou desempregados. Seus filhos, esposa e amigos ajudam muito

dentro da companhia, cada um tem a sua tarefa e fazem com gosto.

As ofertas recebidas eram usadas para a festa do ritual da chegada no dia seis de

janeiro e para outras finalidades no transcorrer do percurso diário. Como nos foi relatado

por um folião, antigamente estas ofertas eram doadas para a igreja, hoje já não o fazem

mais. O tempo passou, as coisas mudaram e as pessoas já não fazem grandes doações. De

modo que às custas da folia , da festa tem que ser arcadas com essas ofertas. Para que a

folia não se acabe eles acharam por bem usar a doação em benefício da própria folia. Já

que de outro modo não teriam como arcar com as despesas existentes já que muitos são

desempregados e outros aposentados.

Todos são devotos e saem por gosto, fé e prazer. Todos são católicos. Em

referência aos versos dizem que não há um número certo. Algumas companhias cantam 25,

mas eles cantam além disso, porque usam a sua criatividade. Relata que o embaixador que

também é o mestre faz os versos.

“Tem muita gente que fala, muito embaixador que fala que na bíblia tem 25 versos, 25 versos na Folia de Reis, eu já num concordo com esse negócio, 25 versos, porque na bíblia num fala que você tem que fazer 25 verso, 50 verso, porque o verso que a gente faz... vem da, da, cabeça da gente, da criatividade da gente, de cada embaixador, então o nascimento de Jesus tá escrito na bíblia, sabe, num fala quantos verso você tem que fazer, isso vai da sua criatividade, você pede canta 3, 4 verso para mim, eu vou cantar, isso aí vem da vontade de cada embaixador e da pessoa que tá segurando a bandeira que pediu para cantar, você entendeu, porque... o fundamento das companhia de reis, tem fundamento sim, a história dos 3 reis do oriente né, fala que os 3 reis saíram a procura do menino Jesus que... foi uma viagem de 6 dias, que eles enfrentaram chuva, sol né, uma viagem longa, os 3 montaram em cima dum camelo, e quem indico para os 3 reis do oriente que o m menino Jesus tinha nascido e o local era uma gruta de Belém né, e quem indico isso para os 3 reis magos foi a estrela do oriente, num é verdade, mais ou menos por aí, o fundamento certinho eu num sei , eu sei o que a gente vai aprendendo dos foliões mais velhos.”(folião Adilson)

A função do marungo também é importante, pois, ele pede aos devotos para entrar

em suas residências.

“Quando a companhia de reis tá chegando, os marungo vão pedir licença né, vão pedir licença, se você só recebe a bandeira, só fica na bandeira, traz a bandeira para sua casa, agora se você quiser receber a companhia, os foliões, vai chegar todo mundo, vai pedir licença, aí o marungo vão conversar com você, e você que manda, quero que faz verso para o meu marido, meus filho, minha

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mãe... na presença do presépio primeiramente vai cantar para o presépio, vai saudar o menino Jesus, para depois começar cantar para você e sua família. Aí depois, a esmola para agradece a oferta... outra coisa que eu aprendi, também, os embaixador, todos embaixador usa pedir a oferta e essa oferta que a gente pede, essa oferta é como se fosse os 3 reis leva de presente para o menino Jesus, mas essa oferta num é para dar para igreja, só se você for dono de uma companhia de reis, isso, tipo, eu vou fazer uma promessa ... o que a companhia de reis arrecadar e vou passar para igreja ou ajudar uma pessoa que deus livre guarde tá doente, aí tudo bem, mas o dinheiro da companhia de reis isso aí é para fazer a festa da companhia de reis, sabe. A função do marungo... vou deixar bem claro aqui...é ele pedir, chegar na casa, do dono da casa, ele fala seu moço, sabe, quando chegar na casa do seu moço pedir licença, para ver se você recebe a bandeira, como eu estava ti falando aquela hora, se você quiser só a bandeira, leva a bandeira e todo mundo beija, se você quiser os foliões né, para entra na sua casa para cantar, isso aí é conversa do marungo, ele que tá conversando com você, se você quer recebe a bandeira, os foliões , tudo, isso é função do marungo. E chegando na sua casa se tem um presépio ...se tem presépio, ele vai chegar, ele vai saudar os presépios, ele vai tirar a máscara do rosto né, e vai saudar o presépio, que Qui ele vai fazer, vai falar umas palavra, umas palavra bonitas do nascimento de Jesus. Ele fazendo isso aí ele já fez até a função do embaixador, que o embaixador num tem precisão mais de cantar no presépio, o marungo já fez essa parte, aí ele vai cantar só para você, sua família, depois agradece a oferta que você deu para bandeira, entendeu, essa é a função do marungo. E se o marungo, se ele não sabe fazer isso ele vai deixar para o embaixador que ele resolve o problema.” (folião Adilson)

Atualmente a Prefeitura tem ajudado com verba todas as companhias cadastradas,

mesmo sendo pequena já garante pelo menos parte das despesas. Outros Governos

municipais já ajudaram mas não havia um compromisso rígido quanto a isso. A respeito

disso o folião nos relatou:

“O dinheiro que ganha na companhia de reis ela fica entre a família mesmo, porque todo ano nós vamos para SP tocar, a prefeitura dá o ônibus para levar né, então sempre vai cheio, então os folião são 25 né, aí vai mais 25, a galera que gosta, todo ano vai acompanhar, entendeu... então fica lá em SP, uma semana né pai, fica uma semana lá e depois vem aqui, e daqui vai para Varginha. Fica lá mais uns 2, 3 dias lá, depois é o palanque né. O dinheiro que o pessoal aqui ganha fica tudo em festa, para os foliões, para família dos foliões, entendeu.”(folião Gilson)

Agora através da Associação das Folias de Reis essa verba tem mais condições de

chegar aos foliões. O povo recebe bem as folias, com raras exceções. Mas as oferendas são

poucas e eles nem podem se queixar disso, pois as folias fazem sua peregrinação sem fins

lucrativos e sim devotadamente. Se alguém pedir para que cantem eles acatam ao pedido

mesmo que não recebam nada por isso.

Na companhia o respeito é questão primordial, principalmente quanto à maneira

de se comportar e vestir, como nos foi relatado.

“Sempre os foliões tem que prestar atenção no que estão fazendo, num podem deixar a folia e ir para bar beber, não pode ficar espalhado, prestar atenção no caminho, outra coisa errada na companhia que não pode fazer é o folião cantar reis sem camisa né, e de bermuda, de short, errado também, isso é uma falta de respeito, concordo com isso de jeito nenhum.” (folião Adilson)

O folião nos recitou alguns versos.

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Page 74: UNICENTRO NEWTON PAIVA

“No antigo testamento

tem vária profecias,

uma bem esclarecida

do profeta Isaías,

das promessas aqui da terra

sobre a vinda do messias.

Os descendentes de Abraão

eram os eleitos de deus,

o profeta Simão

a mensagem recebeu,

profetizamos a vinda de cristo

perseguido pelos judeus.

Maria era natural da cidade de Nazaré,

a virgem foi escolhida

entre todas as mulheres

para ser mãe de Jesus

e esposa de José

Na cidade de Nazaré

havia um rei poderoso

conhecido Herodes,

muito cruel e orgulhoso,

queria Ter muito poder,

para o povo era maldoso.

No cipó nasceu a rama,

da rama nasceu a flor,

da flor nasceu Maria

mãe do cristo redentor.”

(folião Adilson)

A PEREGRINAÇÃO

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Page 75: UNICENTRO NEWTON PAIVA

Logo que chegamos percebemos a movimentação em torno da companhia, eram

muitas pessoas, crianças, homens, foliões, curiosos. Saíram da casa do mestre José Luís

após o café, que foi oferecido pelo mestre da companhia. Todos comeram e depois uniram-

se de mãos dadas numa oração pedindo bênçãos uma boa jornada. Reuniram-se todos na

porta da casa para que pudéssemos fotografar e gravar a saída. Posteriormente descemos a

rua e percorremos as casas, quase todas os receberam, apenas as que estavam fechadas ou

por outro motivo qualquer que não sabemos não os receberam. De resto tudo transcorreu

na mais tranqüila paz. Eram muito animados e as pessoas paravam nas ruas para vê-los. Os

foliões iam na frente da companhia, porém atrás da bandeira que sempre vai na frente.

Percorremos com a companhia um bom período e depois fomos embora, retornando a

tarde. A tarde também transcorreu muito bem, animados, todos estavam muito felizes e

alegres. Era notória a satisfação do povo, as pessoas os recebiam muito bem, como

pudemos perceber. De fato em todas as companhias estudadas percebemos muito essa

cumplicidade do povo para com os foliões, sinal de respeito e fé. A respeito desta

integração entre os foliões e os devotos e fiéis que são visitados é importante ressaltarmos

que isto se dá numa via de mão dupla, o aspecto da reciprocidade aí é notório. Tanto a

companhia que se oferece para apresentar e cantar para os devotos como a receptividade

destes para com ela é relevante. Este fato proporciona a integração, pois ambos os grupos:

companhia-devotos são ligados por um objetivo comum que é a fé. Uns apresentando-se

ritualmente demonstram o conhecimento adquirido e passado pelas gerações a outros que

os recebem com respeito e carinho.

Combinamos com o presidente José Cláudio (filho do mestre da companhia e seu

substituto) que iríamos voltar no dia da chegada da companhia-06/01- e ele ficou

agradecido, convidando-nos para que almoçássemos com eles. O almoço como ele disse

havia sido oferecido por um devoto o Sr. Sebastião Edevando Silva, que aliás fazia

aniversário neste dia. Nós agradecemos o convite mas não almoçamos, apenas fomos

conferir o giro do almoço que foi ofertado. Foi realizado no pátio da danceteria Kalifórnia

de propriedade do Sr. Sebastião. Lá chegando percebemos que havia além dos foliões,

muitas outras pessoas da família do anfitrião. A comida e bebida era farta, e os foliões

eram numeroso. No final o presidente ofereceu músicas e versos para o aniversariante e

sua família. Neste momento notamos que havia um senhor muito devoto agarrado

(literalmente) à bandeira, ele não a soltava e isso nos chamou a atenção. Viemos saber

depois que ele era devoto fervoroso e estava muito feliz por estarem lá. Os marungos

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Page 76: UNICENTRO NEWTON PAIVA

fizeram a festa para os anfitriões e demais convidados, os portões estavam abertos para

quem quisesse entrar. Havia muitos marungos, mais do que o normal, muitas crianças se

vestiram, os pais incentivavam para que estes venham substituí-los. O festival de

marunguinhos era uma graça, todos vinham pedir para que tirássemos fotos, orgulhosos de

serem marungos como os pais, tios , amigos. E as mães também não ficavam atrás, todas

orgulhosas de seus filhos. As crianças participavam com prazer, alegria, o lado lúdico da

manifestação as atraía muito, e desta maneira a sociabilidade se fazia presente. Quando

notamos a satisfação das crianças percebemos que isto fazia muito bem para sua

socialização e desenvolvimento. Aprendiam a lidar desde cedo com o grupo, a noção de

coletividade está sempre presente entre eles. Este aspecto é relevante se levarmos em conta

que eles estão sendo preparados para continuar a tradição enfatizando que o fazem é

porque gostam e querem, não lhes é imposto nada. A união e cooperação que isto acarreta

para suas vidas é de grande valor. Aprendem a respeitar uns aos outros, a se comunicarem

e acima de tudo o espírito de união que lhes é proporcionado. Os pais e mães incentivam

muito, mas não impõem nada.

Logo após o almoço saíram e continuaram a jornada pelas ruas, novamente foram

bem recebidos em todas as casas em que se apresentaram. A noite fomos conferir a

chegada na casa do mestre José Luís, lá fizeram um caminho coberto de palmeiras, toda

enfeitada para chegada dos três reis. E lá estavam esperando a esposa do Sr. José Luís, as

filhas, vizinhos e outros. Esperamos a chegada, conferimos e seguimos para outra

companhia. A chegada era a mesma em todas as companhias, porém cada uma com suas

diferenciações, suas características, sua criatividade. Por este motivo não nos detemos

muito tempo em cada uma, apreciamos, observamos e finalizamos na Companhia da

Família Dias.

Na apresentação final no palanque (vide vídeo) estavam muito arrumados, bem

fardados. Usavam calça branca, camisa manga curta xadrez e chapéu branco, todos

idênticos. Entraram primeiramente os bandeireiros com a bandeira, depois os marungos e

em seguida o restante dos foliões. Em cima do palanque ficaram apenas dois marungos

adultos e uma criança por algum tempo, pois estes recitaram versos antes do início, em

seguida desceram e se juntaram com o restante dos marungos, entre eles muitas crianças.

Os dois que estavam em cima vestiam-se de roupas: vermelha(cetim) com a beirada de

renda branca e possuía uma espécie de manto nas costas, estava com seu filho igualmente

vestido no colo, o outro vestia uma roupa azul de cetim com beirada de renda branca.

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Tinham lenço comprido na cabeça, supostamente para esconder o cabelo. Estavam em

grande número, e no início pediram um minuto de silêncio na intenção de uma família

tradicional da cidade. Uma semana antes havia acontecido um trágico acidente e por este

motivo a festa teria sido adiada. No chão estavam os marungos e foi uma festa. No início

estavam ajoelhados em sinal de respeito, depois levantaram-se e começaram a dançar.

Tinham as máscaras na mão enquanto estavam ajoelhados, seu chapéu era em formato de

cone com fitas coloridas na ponta. Todos também tinham um bastão à mão, na qual faziam

muitas estripulias em suas danças.

Inicialmente, depois do minuto de silêncio, o marungo inicia uma fala sobre a

traição de Judas a Jesus e discorre sobre ela em forma de versos. No final diz: “quem

gostou bate palmas, quem num gostou bate palma do mesmo jeito pro marungo num ficar

sem graça. Agora ceis vai escutar a voz dos nossos canarinhos”.

“Ai Deus que são da casa santa ai, ai.(bis)

Aonde Deus fez sua morada oi, larai. (bis)

(...)

A hóstia consagrada... oi larai. (bis)

Ai de Jessé nasceu a vara, ai, ai (bis)

Ai da vara nasceu a flor, oi larai(bis)

Ai de Jessé nasceu a vara, oi larai.(bis)

Da vara nasceu a flor, oi larai.(bis)

Aê, da flor nasceu Maria, ai, ai.(bis)

A mãe de Cristo, Ave Maria, oi larai. (bis)

Enquanto cantavam os marungos dançavam no chão.

No final o apresentador pediu que eles dançassem o corta-jaca.

CONCLUSÃO

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Vimos que, apesar de Três Pontas contar com ares de modernidade, ainda convive

com aspectos da tradicionalidade. Embora tenha empresas e projetos de grande porte, a

cidade depende da cultura cafeeira e agropecuária. Portanto o setor agrícola é a sua maior

fonte econômica sendo que a cultura cafeeira é primordial.

Dentro dessa situação, analisamos a vida da população, dividida em três blocos: os

grandes proprietários,- fazendeiros-, os lavradores e os funcionários públicos. São

basicamente estes que conduzem a vida econômica da cidade. Neste contexto situamos as

companhias de reis, compostas em sua maioria de lavradores, funcionários públicos,

servidores autônomos, aposentados e muitos desempregados.

Apesar de todo caos econômico, advindo das turbulências financeiras que o

município atravessa devido à crise da cafeicultura, essas companhias resistem, persistem

com sua tradição dando o melhor de si para que permaneça a manifestação, símbolo da fé e

esperança. A tradição representada pelas companhias convive com a modernidade da

cidade. Ambos, comunidade-companhia, representam esses laços de convivência mútua.

Dentro dessa perspectiva analisamos que os três grupos pesquisados fazem parte de um

todo complexo e estruturado que é a Associação. Convivem bem uns com os outros,

confirmando nossa hipótese de que a manifestação conduz a laços de união, coesão grupal.

O coletivo assume ares de totalidade e todos colaboram. Há de fato o desejo de se

apresentarem melhor, mais bonitos, mas isso é dá natureza humana. Querer ser e fazer o

melhor todos querem, e isto não tira o caráter devocional e fraterno dos grupos.

É interessante ressaltar como todas as três companhias citadas já na entrada de suas

casas demonstram seu orgulho com troféus na estante e quadros na parede, ou seja, de cara

a primeira coisa que se vê é a ostentação da companhia, o seu orgulho. Isso tudo misturado

aos motivos religiosos, contrastando com eles. Ainda há o fato da religião. Em todos os

três grupos pesquisados a religião católica é o referencial. Também constatamos que apesar

de diferenças todos são unânimes quanto à questão dos instrumentos e bandeira, ou seja, os

principais instrumentos são a viola e a caixa. E a bandeira representa os três reis magos,

independentemente de seu ornamento. Todas representam uma só. A bandeira também

percorria todos os cômodos das casas, esse fato foi verificado nas três companhias

pesquisadas. A dona da casa a segurava e levava para sua casa, antes deste ritual ela ficava

a sua porta com a bandeira, o marido e familiares recebendo a bênção e depois cumpria o

ritual dentro da casa, desta vez com a presença dos foliões. Havia muita cantoria e versos

na intenção da família e de outros que estes pedissem.

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Percebemos também que entre os foliões havia muita cumplicidade, amizade; a

cooperação era um componente essencial. Durante a jornada ficamos sabendo que os

foliões não dormiam nos pousos de giro, apenas tomavam o café, almoço, café da tarde,

sempre oferecidos pelas pessoas devotas, ou promesseiros. Estas pessoas na maioria das

vezes eram familiares, vizinhos, amigos, colegas. Outras vezes eram apenas devotos sem

qualquer ligação com os foliões, raros casos, porque na cidade é raro as pessoas não se

conhecerem ou conhecerem alguém da família, portanto são casos de exceção, mas

constatamos isto. Apenas os giros de café e almoço são previamente combinados com o

mestre, pois eles precisam saber com quem contar na parada de descanso(giro) e

alimentação. Muitas vezes as pessoas que ofereciam os giros eram promesseiros e devotos.

As mulheres ficavam em casa preparando as refeições enquanto os foliões peregrinavam

pelas ruas. Não há um roteiro predeterminado, os foliões saíam de uma casa(geralmente de

um folião) após a refeição da hora(ora café, ora almoço) rezavam um terço invocando

proteção e uma boa jornada, e depois seguiam pela rua e paravam onde as pessoas

pediam. Os foliões procediam de maneira diferente em cada casa, conforme a pessoa que

recebia a bandeira era um verso uma música e depois seguiam o ritual. Nunca faziam a

mesma cena na casa seguinte. Esta cantoria conduzia simbolicamente nos seus versos o

trajeto dos reis, a adoração pelos foliões revestidos como seus atores numa representação

ritual. As pessoas tinham seus nomes expostos nos versos com agradecimentos, bênçãos

pelos mestres, uma maneira de homenageá-los pela boa acolhida.

As ofertas eram mediadas pelos marungos que cumpriam a missão de pedir licença

para entrar e outras situações dentro da casa. A conduta durante os momentos da

cerimônia era solene. Os foliões cantavam para os outros, nunca para si próprios.

Há apenas um detalhe importante, eles não voltavam pelo mesmo caminho no

mesmo dia, diziam que os três reis não voltaram do Oriente para o Ocidente durante a

viagem a caminho de Belém, e como eles representavam esta viagem não poderiam fazer

isso.

Saíam por voto ou devoção, nunca por interesse, tanto que às vezes deixavam o

trabalho mais cedo para percorrer a jornada, sem tirar o fato de que muitos estavam

desempregados ou subempregados. Todo o dinheiro arrecadado durante a jornada era

usado para a festa da chegada, os foliões não recebiam para sair, saíam por gosto e

principalmente por fé. Os foliões depois de um longo dia de jornada voltavam para suas

casas e no dia seguinte se reuniam no local combinado. Outro vínculo de caráter religioso

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refere-se ao fato de os devotos sentirem que estão desempenhando um serviço ao santo,

não recebem pagamento para saírem, e se esforçam para participar.

A organização foi um ponto alto que percebemos nos grupos, principalmente na

companhia Sagrado Coração de Maria. Esta característica inicialmente havia nos

interessado e com a pesquisa constatamos tal fato.

A devoção e a antigüidade foram outras características que também nos fizeram

questionar, e mais uma vez constatamos tal hipótese nas outras companhias.

Na sociedade percebemos que havia grupos que se identificavam mais ou menos

com as companhias. Nestes grupos a elite apesar de aceitá-los era a que menos se

identificava com eles. Isso já era de se esperar dado o fato de se tratar de manifestação

popular realizada pelas pessoas mais simples. Durante a pesquisa constatamos que os usos

e costumes eram elementos de afinidade espiritual entre as classes subalternas,

aproximavam os indivíduos pelas práticas rituais em grupo, unificando as classes sociais.

A fé como sustentáculo foi o ponto básico da pesquisa aliada aos aspectos de sociabilidade

que nascia e o lado lúdico.

A rua desempenhou um papel muito importante tanto na deflagração do período

natalino, quando na preparação da festa a nível das famílias, ela constituiu o local por

excelência da preparação da festa.

A festa de que o povo participa coroa vários dias e até meses de intenso labor.

Desde a arregimentação de pessoal, no preparo dos instrumentos, confecção das

vestimentas, nos ensaios, na busca de donativos. Toda esta atividade preparatória consiste

no interesse e boa vontade das pessoas. A apresentação na manifestação revigora os

participantes por se sentirem parte dela, reforça o instinto de coesão do povo.

Numa sociedade como a nossa o espírito de harmonia, de proximidade com o outro

é muito importante e dessa forma o espírito natalino, a festa é o momento de ligação do

passado com o presente. O espírito familiar ganhava todos os domínios da sociedade,

realizando por algum tempo a união, a fraternidade, a convivência harmoniosa, onde os

bens deviam ser partilhados com todos os membros. Os rituais eram momentos

relativamente especiais.

Durante este período notava-se que havia um intercâmbio cultural entre os vários

estratos sociais, resultado direto da comunicação pessoal, de sentimento religioso. Sob a

pressão da vida social o povo atualizava-se constantemente. A cooperação era a essência

da vida social.

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A existência da devoção abrangia toda a comunidade, moldando os seus padrões à

mentalidade coletiva.

A companhia de reis organizava-se com dinheiro angariado no bairro ou nas

localidades, o que ganhavam era muito mais do que uma simples contribuição, mas uma

demonstração de confiança no grupo. O dinheiro, por pouco que fosse, bastava para ligar a

população à manifestação. A companhia se transformava numa diversão; saía às ruas tanto

para distrair os participantes como para retribuir as doações recebidas. Dentro desta lógica

está a reciprocidade. Aceitar uma coisa de alguém é como aceitar algo de sua essência

espiritual, alma. A troca em parte substitui o interesse individual (Mauss,1974) . O período

natalino é uma época em que as pessoas são mais convocadas a viver o espírito da dádiva.

Há uma relação de trocas mútuas17, a reciprocidade é constatada nessas relações de

maneira que quem doa, o faz com carinho e mesmo quem recebe, de certa maneira sente-se

na obrigação de retribuir. É um círculo em que todos trocam gentilezas. Nas companhias

esse espírito é notado quando se observa a relação entre foliões-comunidade, pessoas

visitadas. Os primeiros abençoam as casas com sua bandeira e cantam na intenção dos

moradores. Consequentemente, os visitados retribuem as bênçãos com dotes, dinheiro,

comida. Há aí uma uma relação de reciprocidade, ambos se satisfazem com as dádivas

recebidas. Para o leitor entender melhor o esquema das trocas, dádiva é o seguinte: a

companhia doa sua arte, sua bênção em nome de Jesus a um indivíduo ou família, que são

os visitados; estes por sua vez, recebendo estas bênçãos se sentem gratificados e retribuem

aos primeiros com o que possuem. É interessante observar que, no contexto atual da

modernidade, este espírito da dádiva, da reciprocidade é uma constante nas manifestações

de cunho religioso popular tradicional como as companhias de reis. Ela se mostra como

resistência ao espírito moderno, que é movido pelos interesses individuais. A o contrário se

mostra solidária com interesses coletivos. Nestes rituais percebemos a lógica da

reciprocidade, base fundamental- amar é transcender-se, é ir além de si próprio. Reforço de

uma solidariedade, base da representação da festa como festa de família, como também

aproximação do outro, das diferenças. Respeito à dinâmica da vida social. Não sendo a

17 “Títulos, talismãs, cobres e espíritos de chefes são homônimos e sinônimos, com a mesma natureza e com a mesma função. A circulação de bens segue a dos homens, das mulheres e das crianças, dos banquetes, dos ritos, das cerimônias e das danças, e até mesmo a das pilhérias e injúrias. No fundo, ela é uma só. Se se dão e se retribuem as coisas, é porque se dão e retribuem “respeitos”_ dizemos ainda “gentilezas”. Mas é também porque o doador se dá ao dar, e, ele se dá, é porque ele se “deve”_ ele e seu bem_ aos outros”.(Marcel Mauss, 1974:128-129)

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sociedade uma totalidade homogênea, mas ao contrário uma totalidade diversificada e

complexa composta de grupos cujos interesses são diferentes.

Uma sociedade só existe quando os membros cooperam entre si , de maneira que os

diferentes grupos que a compõem se habituem a viver uns com os outros, comunicando

entre si. A festa final da Companhia também age como aglutinadora pois reúne os

moradores em um ambiente de alegria. Festejar é o momento de se afirmar a unidade

interna. A identidade religiosa dos foliões caracteriza-os como um grupo devocional.

Concluímos que a companhia de reis é uma manifestação fortemente impregnada

de religiosidade e contribui para a manutenção da tradição, para sua continuidade e

também revela valores artístico, culturais do povo. A criatividade destes se afirma e resiste

aos problemas do dia-a-dia.

Dentro de tudo isto concluímos que a companhia era o centro aglutinador da

religião e do grupo. Cada uma tinha a sua estruturação referente a fundamentação mítica.

As companhias eram distintas e independentes umas das outras. Porém com objetivos

religiosos assume papéis sociais promovendo a união do agrupamento. A união religiosa

reforça a união social.

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ANEXOS

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Companhia da Família Dias

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Companhia Nossa Senhora das Graças

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Page 88: UNICENTRO NEWTON PAIVA

Companhia Sagrado Coração de Maria

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