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117 Franciely Vicentini Herradon* TRIBUNAL DO JÚRI: CONHECIMENTO DE OFÍCIO DA REINCIDÊNCIA E DA MENORIDADE SEM AFRONTA À SOBERANIA DO VEREDICTO JURy: lEGAl KNOWlEDGE OF tHE CRiMiNAl RECURRENCE AND MiNORity WitH NO AFRONt tO tHE SOVEREiGNty OF tHE VERDiCt tRiBUNAl DEl JURADO: CONOCiMiENtO DE OFiCiO DE lA REiNCiDENCiA y DE lA MENORiDAD SiN AFRONtA A lA SOBERANÍA DEl VEREDiCtO Resumo: A Lei n. 11.689/2008 provocou acentuadas mudanças quanto ao pro- cesso e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, especialmente a matéria referente à formulação de quesitos. Assim, circunstâncias agravantes e atenuantes apreciadas pelo magistrado na segunda fase da dosimetria não são quesitadas aos jurados, porém, o juiz pre- sidente somente poderia aplicá-las se sustentadas pelas partes du- rante os debates. Todavia, a agravante da reincidência e a atenuante da menoridade são circunstâncias de caráter objetivo, já demonstra- das nos autos documentalmente e também pelo interrogatório judicial, o que permitiria ao julgador conhecê-las de ofício, sem qualquer afronta ao contraditório e à plenitude de defesa, bem como à sobe- rania dos veredictos, conforme importante precedente do Supremo Tribunal Federal lastreado no princípio da proporcionalidade da pena. Abstract: The Law n. 11.689/2008 promoted drastic changes in procedures related judgement of deliberate crime committed against human life, especially concerning issues referring to questions formula- tion. Thus, aggravating or attenuating circumstances assessed * Pós-graduada em Ciências Criminais pela Escola Superior Associada de Goiânia e graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá-PR. Juíza de Direito da Comarca de Novo Gama-GO.

TRIBUNAL DO JÚRI: CONHECIMENTO DE OFÍCIO DA ... 1.pdf · Resumen: La Ley n. 11.689/2208 hizo grandes cambios en ... vantes y atenuantes preciadas por el juez en la segunda fase

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Franciely Vicentini Herradon*

TRIBUNAL DO JÚRI: CONHECIMENTO DE OFÍCIO DA REINCIDÊNCIA E DA MENORIDADE SEM AFRONTA À SOBERANIA DO VEREDICTO

JURy: lEGAl KNOWlEDGE OF tHE CRiMiNAl RECURRENCE AND MiNORity WitH NO

AFRONt tO tHE SOVEREiGNty OF tHE VERDiCt

tRiBUNAl DEl JURADO: CONOCiMiENtO DEOFiCiO DE lA REiNCiDENCiA y DE lA MENORiDAD

SiN AFRONtA A lA SOBERANÍA DEl VEREDiCtO

Resumo:

A Lei n. 11.689/2008 provocou acentuadas mudanças quanto ao pro-

cesso e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, especialmente

a matéria referente à formulação de quesitos. Assim, circunstâncias

agravantes e atenuantes apreciadas pelo magistrado na segunda

fase da dosimetria não são quesitadas aos jurados, porém, o juiz pre-

sidente somente poderia aplicá-las se sustentadas pelas partes du-

rante os debates. Todavia, a agravante da reincidência e a atenuante

da menoridade são circunstâncias de caráter objetivo, já demonstra-

das nos autos documentalmente e também pelo interrogatório judicial,

o que permitiria ao julgador conhecê-las de ofício, sem qualquer

afronta ao contraditório e à plenitude de defesa, bem como à sobe-

rania dos veredictos, conforme importante precedente do Supremo

Tribunal Federal lastreado no princípio da proporcionalidade da pena.

Abstract:

The Law n. 11.689/2008 promoted drastic changes in procedures

related judgement of deliberate crime committed against human

life, especially concerning issues referring to questions formula-

tion. Thus, aggravating or attenuating circumstances assessed

*Pós-graduada em Ciências Criminais pela Escola Superior Associada de Goiâniae graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá-PR. Juíza de Direitoda Comarca de Novo Gama-GO.

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by the magistrate at the second stage of penalty setting, do not

submit to jury’s questioning anymore, but a judge presiding would

be able to apply them only if mentioned by the parts involved du-

ring jury debates. However, the aggravating concerning habitual

offense, as well as attenuating minority are circumstances of ob-

jective nature, as they have already been registered at court re-

cords and trial inquiry, which allows the judge to appoint them by

his own initiative, with no harm to contestation and broad de-

fense, as well as to verdict prevalence, in accordance with im-

portant precedent at Brazilian Federal Supreme Court based on

the penalty proportionality.

Resumen:

La Ley n. 11.689/2208 hizo grandes cambios en el proceso y juzga-

miento de los delitos dolosos contra la vida, especialmente en lo que

atañe a la formulación de los quesitos. Así, las circunstancias agra-

vantes y atenuantes preciadas por el juez en la segunda fase de la

dosimetría de la pena no son objeto de los quesitos a los jurados, sin

embargo, el juez presidente solo podría aplicarlas si sustentadas por

las partes durante los debates. Por otra parte, la agravante de la rein-

cidencia y la atenuante de la menoridad son circunstancias de carác-

ter objetivo, ya demostradas en los autos documentadamente así

como en el interrogatorio judical, lo que permitiría al juez conocerlas

de ofício, sin cualquier afronta al contradictorio y a la amplia defensa,

como tampoco a la soberanía de los veredictos, conforme importante

precedente del Supremo Tribunal Federal basado en el principio de

la proporcionalidad de la pena.

Palavras-chave:

Dosimetria, atenuante, agravante, circunstâncias objetivas.

Keywords:

Penalty dosimetry, attenuating, aggravating, objective circumstances.

Palabras-clave:

Dosimetría, atenuante, agravante, circunstâncias objetivas.

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INTRODUÇÃO

As normas processuais que disciplinam o tribunal do Júri,previstas no Código de Processo Penal de 1941, sofreram inúme-ras modificações com a lei n. 11.689/2008, com o fito de agilizar,simplificar e modernizar o procedimento atinente aos crimes dolo-sos contra a vida.

Dentre as alterações oriundas da novel legislação, ocupaposição de destaque a formulação de quesitos.

Pelo regramento anterior, as circunstâncias agravantes eatenuantes necessariamente eram objeto de quesitos, de maneiraque o juiz sentenciante não poderia decidir isoladamente e tam-pouco contrariar o entendimento dos jurados. todavia, o sistemaprocessual vigente permite que aludidas circunstâncias sejam re-conhecidas pelo magistrado independente de qualquer indagaçãoao Conselho de Sentença.

Para que tais circunstâncias incidam na segunda fase defixação da pena, mister se faz que sejam sustentadas pelas partesdurante o momento processual denominado “debates”, em confor-midade com o disposto no artigo 492, inciso i, alínea b, do Códigode Processo Penal.

Entretanto, será que mencionado preceito aplica-se indis-tintamente a qualquer agravante ou atenuante? Ora, não se podeolvidar que há circunstâncias agravantes e atenuantes de naturezaobjetiva, as quais dispensam maiores indagações entre os sujeitosprocessuais, mormente porque já se encontram documentadas nosautos, não pairando dúvidas quanto às suas existências.

Desse modo, para o reconhecimento na sentença da agra-vante da reincidência e da atenuante da menoridade, ambas decaráter objetivo, seria necessário que fossem postuladas peloórgão acusatório e pelo defensor durante os debates?

O estudo em questão tem por escopo demonstrar pelométodo dedutivo, através de evolução doutrinária e jurisprudencialnacional, que o magistrado pode aplicar a agravante da reincidên-cia e a atenuante da menoridade, ainda que não tenham sido sus-citadas pelas partes, sem acarretar qualquer nulidade processuale ofensa à soberania do júri popular.

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A SOBERANIA DO VEREDICTO DO TRIBUNAL DO JÚRI: DELIMI-TAÇÃO

O tribunal do Júri - integrante do Poder Judiciário de pri-meira instância da Justiça Comum Estadual e Federal -, é de natu-reza eclética, ou seja, composto por um juiz togado, que o presidee por 25 (vinte e cinco) cidadãos, dentre os quais, 07 (sete) serãosorteados para compor o Conselho de Sentença em cada sessãode julgamento e com competência mínima para julgar os crimesdolosos contra a vida.

A Constituição Federal de 1988, no título ii, reservado aosdireitos e garantias fundamentais, conferiu ao júri a importância defigurar como garantia e direito-instrumental (art. 5º, XXXViii), com opropósito de tutelar o direito de liberdade e também o direito coletivoe social do cidadão para participar ativamente do Poder Judiciário1.

Além do mais, a instituição do júri foi erigida à categoria decláusula pétrea (CF, art. 60, § 4º, iV), não podendo ser abolida doordenamento jurídico pátrio, sendo ainda regida por um microssis-tema inserido no âmbito do Código de Processo Penal2 em conso-nância com os princípios constitucionais.

Dentre tais princípios, merece especial ênfase aquele de-nominado de soberania dos veredictos (CF, art. 5º, XXXViii, c), oqual estabelece que a decisão coletiva e sigilosa dos jurados sejaacatada, impossibilitando qualquer alteração em seu mérito, seja

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1 Nesse sentido: “Se é uma garantia, há um direito que tem por fim assegurar.Esse direito é, indiretamente, o da liberdade. [...] o Estado só pode restringir a li-berdade do indivíduo que cometa um crime doloso contra a vida, aplicando-lheuma sanção restritiva de liberdade, se houver um julgamento pelo tribunal doJúri. O Júri é o devido processo legal do agente de delito doloso contra a vida,não havendo outro modo de formar sua culpa. E sem formação de culpa, ninguémserá privado de sua liberdade (art. 5º, liV). logicamente, é também um direito.Em segundo plano, mas não menos importante, o Júri pode ser visto como umdireito do cidadão de participação na administração de justiça do país.” (NUCCi,1999, p. 55). Enaltecendo ainda a importância do tribunal do Júri: “Por sua posi-ção topográfica no texto constitucional, contemplado entre as garantias funda-mentais dos cidadãos, vê-se, de logo, o estreito liame da instituição do júri comos ideais democráticos acolhidos pela nação, a um tempo servindo de garantiaao acusado, de ser julgado por seus pares, e permitindo a participação popularna administração da justiça criminal.” (BONFiM; PARRA NEtO, 2009, p.1).2 Após ser sancionada a lei n. 11.689, de 09 de junho de 2008, a matéria foi discipli-nada nos artigos 406 a 497 do Código de Processo Penal (Cf. CPP, art. 394, § 3º).

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por um juiz de direito, seja por um tribunal.Nesse viés, oportuna a distinção de José Frederico Mar-

ques (1997, p. 80) entre soberania do júri e soberania dos veredic-tos. Enquanto a primeira refere-se à impossibilidade de outro órgãodo Poder Judiciário, por exemplo, tribunal de Justiça, em sede re-cursal, modificar o entendimento dos jurados, a segunda atinge opróprio magistrado presidente, impedindo-o que contrarie a vontadepopular ao proferir sentença com conteúdo diverso do que foi deli-berado pelos juízes naturais da causa3.

Mas se a decisão dos jurados for manifestamente contráriaàs provas dos autos, caberá à parte interessada interpor apelação,podendo o juízo ad quem determinar a realização de novo julgamentopelo próprio júri, com outros jurados (CPP, art. 593, iii, d e § 3º), semque haja violação ao postulado da soberania dos veredictos.

Frisa-se que o jurado, pelo princípio da íntima convicção,simplesmente vota, condenando ou absolvendo o réu, de acordocom sua consciência e sem apego à lei4. Como bem asseverou Ro-berto lyra, “não é o jurado obrigado, como Juiz, a decidir pelas pro-vas do processo, contra os impulsos da consciência” (apudtOURiNHO FilHO, 1997, p. 76). Ele apenas vota “sim” ou “não”aos quesitos, sem externar qualquer fundamento.

Entende-se por quesitos as perguntas dirigidas aos juradospara que se pronunciem sobre a imputação que recai sobre o réu,cujo resultado das respostas materializará a soberania do veredicto.Ao conjunto de quesitos dá-se o nome de questionário.

Assim, a soberania dos veredictos restringe-se ao méritoda causa, isto é, os juízes leigos votam os quesitos pela condena-ção ou absolvição do acusado, cabendo ao juiz de direito, a partirdo resultado obtido, empenhar-se na fixação da reprimenda.

Portanto, o preceito constitucional da soberania dos vere-dictos não abrange a dosimetria da pena, sendo esta de compe-tência exclusiva do magistrado presidente.

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3 Vide também: ANSANElli JÚNiOR, 2005.4 A propósito, uma vez formado o Conselho de Sentença composto por 07 (sete)cidadãos sorteados, procede-se ao juramento, ocasião em que os jurados sãochamados nominalmente, firmando o compromisso de que decidirão o caso emjulgamento, de acordo com a consciência e os ditames da justiça, sem qualquerreferência às leis e às jurisprudências pátrias. Vide artigo 472 do Código deProcesso Penal.

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AS CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES: NECES-SIDADE DE ELABORAÇÃO DE QUESITOS ANTES E APÓS ALEI N. 11.689/2008

Anteriormente às alterações introduzidas pela lei n.11.689/2008, uma das funções do libelo-crime - peça articulada pri-vativa do órgão acusatório -, era permitir a inclusão das circunstân-cias agravantes, que, nesta hipótese, obrigatoriamente, seriamobjeto de quesitos, sob pena de nulidade.

Nesse sentido decidiu o Superior tribunal de Justiça que,“no julgamento pelo júri, não formulado quesito sobre a reincidên-cia, a agravante não pode ser considerada pelo juiz presidente aoexarar a sentença, sob pena de nulidade” (BRASil, 2009), se-guindo a mesma orientação do Supremo tribunal Federal quantoà indispensabilidade de elaboração de quesito sobre a agravanteda reincidência, ou de qualquer outra, para que se pudesse na sen-tença reconhecê-la5.

logo, pela sistemática outrora vigente, as circunstânciasagravantes deveriam ser articuladas no libelo-crime ou, então, sus-tentadas em plenário durante os debates, para que fossem subme-tidas ao crivo do Júri Popular, a requerimento do acusador6.

No tocante às circunstâncias atenuantes, antes da reformaprocessual, compunham elas o rol de quesitos obrigatórios, inde-pendente da defesa articulá-las na contrariedade ao libelo oumesmo em plenário7. A ausência desse quesito ensejava nulidadeabsoluta, em consonância com a Súmula 156 do StF8.

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5 Cf. Habeas Corpus n. 69.803, segundo o qual o Relator Ministro Paulo Brossardsedimentou que a “reincidência induz nulidade de sentença por falta de quesitonesse sentido.”6 Eis a redação do antigo artigo 484, parágrafo único, do Código de ProcessoPenal: “Serão formulados quesitos relativamente às circunstâncias agravantese atenuantes [...]: i – para cada circunstância agravante, articulada no libelo, ojuiz formulará um quesito; ii – se resultar dos debates o conhecimento da exis-tência de alguma circunstância agravante, não articulada no libelo, o juiz, a re-querimento do acusador, formulará o quesito a ele relativo.”7 A redação antiga determinava que “o juiz formulará, sempre, um quesito sobre a exis-tência de circunstâncias atenuantes, ou alegadas” (CPP, art. 484, parágrafo único, iii). 8 “É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de quesito obrigatório.”

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todavia, o libelo-crime não mais foi contemplado. Hodier-namente, é a pronúncia que delimita a acusação em plenário, de-vendo o juiz, de forma comedida e fundamentada, indicar amaterialidade do fato e a existência de indícios suficientes de auto-ria ou de participação, bem como citar o dispositivo legal que seacha incurso o pronunciado, além de eventuais qualificadoras ecausas de aumento de pena (CPP, art. 413, § 1º).

trata-se, pois, do princípio da correlação entre a pronúnciae o questionário, isto é, “teses não abordadas especificamente nadecisão de admissibilidade da acusação, relacionadas ao tipo penalincriminador, são vedadas ao órgão acusatório, ao atuar em plenário”(NUCCi, 2013b, p. 138).

Observa-se, porém, que a novel legislação não mencionouas chamadas circunstâncias agravantes, previstas nos artigos 61 e62 do Código Penal, como parte integrante da decisão de pronúncia9.

Desse modo, exsurge a seguinte indagação: As circuns-tâncias agravantes, tais como as atenuantes, devem ser objeto dequesitos?

Em outras palavras, compete aos jurados votarem pelaconfiguração ou não de tais causas legais de elevação ou reduçãoda pena, assim como ocorria antes da entrada em vigor da lei n.11.689/2008?

Oportuno ponderar que as circunstâncias agravantes (CP,arts. 61 e 62) e atenuantes (CP, arts. 65 e 66) são matérias atinen-tes à fixação da pena, tendo sido adotado em nosso ordenamentojurídico o sistema trifásico (ou Nelson Hungria), conforme se inferedo artigo 68, do Código Penal10.

As agravantes e as atenuantes podem ser assim definidascomo “circunstâncias objetivas ou subjetivas que não integram a es-trutura do tipo penal, mas se vinculam ao crime, devendo ser con-sideradas pelo juiz no momento da aplicação da pena” (CUNHA,2014, p. 384), mais precisamente, na segunda fase da dosimetria.

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9 Com efeito, “mesmo no regime anterior, já era entendimento dominante que apronúncia não deveria conter referências a questões relativas à pena, entre asquais as circunstâncias agravantes (CP, arts. 61 e 62).” (BADARÓ, 2008, p.185). No mesmo sentido: CAPEZ, 2004, p. 600; MiRABEtE, 1998, p. 488-489.10 Art. 68 do CP: “A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes eagravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.”

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Ademais, em consonância com o artigo 385 do Código deProcesso Penal, admite-se o reconhecimento de circunstânciaagravante ainda que não descrita na denúncia. logo, permite-seao magistrado aplicá-la de ofício, malgrado não tenha sido susten-tada pela acusação11-12 .

O mesmo raciocínio, com mais razão ainda, deve ser em-pregado acerca das circunstâncias atenuantes, por serem de incidên-cia obrigatória, posto que sempre atenuam a pena, representandoum direito público subjetivo do réu seu reconhecimento pelo juiz nafixação da reprimenda, ainda que não arguida pelas partes.

Pois bem. Na seara do tribunal do Júri, com a supressãodo libelo-crime, não se torna mais necessária a formulação de que-sitos referentes tanto à agravante quanto à atenuante.

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11 Confira: HABEAS CORPUS. PENAl E PROCESSUAl PENAl. ANUlAÇÃODA SENtENÇA tRANSitADA EM JUlGADO NA PARtE DA FiXAÇÃO DAPENA. MANUtENÇÃO DA EXECUÇÃO PENAl. AGRAVANtE DO ARt. 62, iDO CP. DEMONStRAÇÃO DA RESPONSABiliDADE DA PACiENtE NA OR-GANiZAÇÃO CRiMiNOSA. 1. [...]. 2. As agravantes, ao contrário das qualifica-doras, sequer precisam constar da denúncia para serem reconhecidas pelo Juiz.É suficiente, para que incidam no cálculo da pena, a existência nos autos de ele-mentos que as identifiquem. [...]. (StF - HC 93211, Relator(a): Min. EROS GRAU,Segunda turma, julgado em 12/02/2008, DJe-074 DiVUlG 24-04-2008 PUBliC25-04-2008 EMENt VOl-02316-06 PP-01294 lEXStF v. 30, n. 356, 2008, p.449-454). (destacou-se); HABEAS CORPUS. SUBStitUtiVO RECURSAl.CRiME CONtRA A ORDEM tRiBUtÁRiA. NUliDADES. AlEGADA AUSÊNCiADE MOtiVAÇÃO DE ACÓRDÃO PENAl. APliCAÇÃO DE AGRA-VANtE. FUN-DAMENtAÇÃO iDÔNEA. SUPRESSÃO DE iNStÂNCiA. 1. [...] 3. O reconheci-mento de agravante não envolve a questão da quebra de congruência entre aimputação e a sentença, por força do art. 385 do CPP (Precedentes) – [...] .(StJ - HC 246.398/AM, Rel. Ministro SEBAStiÃO REiS JÚNiOR, SEXtAtURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 13/03/2013). (destacou-se).12 De acordo com Guilherme de Souza Nucci, “o magistrado não está atrelado aopedido de reconhecimento das agravantes, feito pela acusação, para poder aplicaruma ou mais das existentes no rol do art. 61 do Código Penal (além de outrasque, porventura, surjam em leis especiais). Se o juiz pode o mais, que é aplicaras circunstâncias judiciais, em que existe um poder criativo de larga extensão [...],é natural que possa o menos, isto é, aplicar expressas causas agravantes, bemdescritas na lei penal. Não há, muitas vezes, contraditório e ampla defesa acercadas agravantes e atenuantes, tanto quanto não se dá em relação às circunstânciasjudiciais do art. 59 do Código Penal.” (2013a, p.747). De outro lado, Eugênio Pacellie Douglas Fischer sustentam a aplicação da parte final do artigo 385 do Códigode Processo Penal, somente se a circunstância agravante, ainda que não apon-tada na denúncia ou na queixa, foi debatida, e desde que tenha natureza objetiva,assim como ocorre com a reincidência (CP, art. 61, i) (2014, p. 794).

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O artigo 483 do Código de Processo Penal enumera asmatérias que integrarão o questionário, sendo elas: a) a materiali-dade do fato; b) a autoria ou a participação; c) se o acusado deveser absolvido; d) se existe causa de diminuição de pena alegadapela defesa; e e) se existe circunstância qualificadora ou causa deaumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões pos-teriores que julgaram admissível a acusação.

Entretanto, Guilherme de Souza Nucci aduz que as cir-cunstâncias agravantes e atenuantes continuam sendo objeto dequesitos, de modo que o juiz presidente se submeterá à conclusãodo Conselho de Sentença, não podendo ser reconhecidas na sen-tença, se foram expressamente rejeitadas pelos jurados (2013b, p.360). trata-se, porém, de entendimento minoritário.

Por sua vez, a doutrina majoritária, conjugando os artigos 483e 492, ambos do Código de Processo Penal13, posiciona-se no sentidode ser desnecessária a elaboração de quesitos referentes às circuns-tâncias agravantes e atenuantes, uma vez alegadas nos debates14.

Segue-se, assim, o espírito simplificador do questionário,aliás, um dos grandes objetivos da lei n. 11.689/2008.

Nota-se que o legislador infraconstitucional mencionou noartigo 492, inciso i, alínea c, do Código de Processo Penal, que osaumentos ou diminuições da pena deverão ser levados em conta, seadmitidos pelo júri, ou seja, desde que apresentado quesito próprio arespeito de qualificadoras, majorantes, privilégios e minorantes.

lado outro, no que tange às circunstâncias agravantes eatenuantes, basta que sejam sustentadas nos debates, para que omagistrado as aplique na segunda fase da dosimetria da pena, semqualquer interferência do corpo de jurados, como se observa da re-dação do artigo 492, inciso i, alínea b, do diploma processual penal.

A propósito, esse é o entendimento que predomina nos tri-bunais pátrios, com o advento da lei n. 11.689/200815.

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13 Art. 492 do CPP: “Em seguida, o presidente proferirá sentença que: i – no casode condenação: a) fixará a pena-base; b) considerará as circunstâncias agra-vantes ou atenuantes alegadas nos debates; c) imporá os aumentos ou diminui-ções de pena, em atenção às causas admitidas pelo júri [...].” (destacou-se).14 Nesse sentido: BADARÓ, 2008, p. 205; CAMPOS, 2014, p. 302; liMA, 2015,p. 1396; PACElli, 2012, p. 736.15 À guisa de exemplo, confira os seguintes julgados: NUliDADE. AGRAVANtE.

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EVOLUÇÃO INTERPRETATIVA DA EXPRESSÃO “ALEGADASNOS DEBATES” PREVISTA NO ARTIGO 492, INCISO I, ALÍNEAB, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Em consonância com a interpretação gramatical do artigo492, inciso i, alínea b, do Código de Processo Penal, o reconheci-mento das circunstâncias agravantes e atenuantes pelo juiz togadodepende de alegação pelas partes nos debates.

Assim, a admissão das causas legais previstas nos artigos61, 62, 65 e 66, todos do Código Penal, não poderá ocorrer de ofício,

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REiNCiDÊNCiA. MAtÉRiA QUE NÃO FOi AlVO DE QUESitO PERANtE OtRiBUNAl DO JÚRi. ARt. 484, § ÚNiCO, i E ii DO CPP. RitO PROCEDiMEN-tAl. NOVEl lEGiSlAÇÃO. lEi N. 11.689/2008. NÃO APliCAÇÃO. MAJORA-ÇÃO DA REPRiMENDA NA DOSiMEtRiA. iMPOSSiBiliDADE.CONStRANGiMENtO ilEGAl EViDENCiADO. ORDEM PARCiAlMENtECONCEDiDA. 1. Não obstante o advento da inovação processual no sentidode que as circunstâncias atenuantes e agravantes não mais são objeto dequesitação, constata-se que o paciente foi submetido a julgamento peloTribunal do Júri em sessão realizada em 18-7-2007, isto é, em momento an-terior à entrada em vigor da Lei n. 11.689/2008. Logo, no presente caso,ainda se fazia necessária a inclusão das circunstâncias atenuantes e agra-vantes no questionário a ser apreciado pela Corte Popular, consoante de-terminava a antiga redação do art. 484, parágrafo único, incisos I e II, doEstatuto Processual. [...] (StJ - HC 100.641/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSi,QUiNtA tURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 16/11/2010). (destacou-se). APE-lAÇÃO CRiMiNAl. HOMiCÍDiO SiMPlES. JÚRi. NUliDADE. AtENUANtE.AUSÊNCiA QUESitAÇÃO. Com o advento da lei n. 11.689/08, o reconhecimentode circunstâncias atenuantes e agravantes basta sejam debatidas em plenário,não se exigindo a formulação de quesitos a serem apreciados pelo conselho desentença. [...] (tJGO - APElACAO CRiMiNAl 271549-55.2004.8.09.0023, Rel.DES. lEANDRO CRiSPiM, 2A CAMARA CRiMiNAl, julgado em 19/03/2013,DJe 1279 de 10/04/2013). (destacou-se). APElAÇÃO CRiMiNAl - JÚRi - HO-MiCÍDiO QUAliFiCADO - RECURSO QUE iMPOSSiBilitOU A DEFESA DOOFENDiDO - DECiSÃO MANiFEStAMENtE CONtRÁRiA À PROVA DOSAUtOS - iNOCORRÊNCiA - CONDENAÇÃO MANtiDA - AtENUANtE DACONFiSSÃO ESPONtÂNEA - MAtÉRiA NÃO DEBAtiDA EM PlENÁRiO - RE-CONHECiMENtO - iNADMiSSiBiliDADE - AFRONtA AO DiSPOStO NO ARt.492, i, B, DO CPP - PENAS EXACERBADAS - REDUÇÃO QUE SE iMPÕE. [...]02. Com a reforma introduzida pela Lei n. 11.698/2008 não mais se submeteaos jurados quesitos acerca da existência de circunstâncias agravantesou atenuantes, as quais somente poderão ser consideradas pelo juiz pre-sidente, na dosimetria da pena, desde que suscitadas nos debates orais,a teor do que prescreve o art. 492, inciso I, alínea b, do CPP. [...] (tJMG -Apelação Criminal 1.0134.13.003422-3/003, Relator(a): Des.(a) Fortuna Grion, 3ª CÂMARA CRiMiNAl, julgamento em 03/03/2015, publicação da súmula em13/03/2015). (destacou-se).

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sujeitando-se à provocação da parte interessada no momento pro-cessual chamado “debates”, após o encerramento da instrução emplenário16.

Contudo, em março de 2011, o Supremo tribunal Federal,ao julgar o Habeas Corpus n. 106.376/MG, criou importante prece-dente quanto à possibilidade de reconhecimento pelo juiz senten-ciante da circunstância atenuante referente à confissão espontânea(CP, art. 65, iii, d), apesar de não debatida em plenário do júri, oque implicou reforma da decisão exarada pela Quinta turma do Su-perior tribunal de Justiça17.

Eis o teor da ementa do significativo julgado da maior ins-tância do Poder Judiciário:

CONStitUCiONAl, PENAl E PROCESSUAl PENAl. tRiBUNAl DOJÚRi. CONFiSSÃO ESPONtÂNEA NÃO DEBAtiDA NO PlENÁRiO.AUtODEFESA. PlENitUDE DE DEFESA. RECONHECiMENtOPElO MAGiStRADO DE OFÍCiO. POSSiBiliDADE. NAtUREZA OB-JEtiVA DA AtENUANtE. DiREitO PÚBliCO SUBJEtiVO DO RÉU.PRiNCÍPiOS DA iNDiViDUAliZAÇÃO DA PENA E DA PROPORCiO-NAliDADE RESGUARDADOS. HARMONiZAÇÃO DO ARt. 492, i, DOCÓDiGO DE PROCESSO PENAl, AOS ARt. 65, iii, D, DO CÓDiGOPENAl, E ARt. 5º, XXXViii, “A”, e XlVi, DA CONStitUiÇÃO DA RE-PÚBliCA. 1. Pode o Juiz Presidente do Tribunal do Júri reconhecera atenuante genérica atinente à confissão espontânea, ainda quenão tenha sido debatida no plenário, quer em razão da sua natu-reza objetiva, quer em homenagem ao predicado da amplitude de

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16 Assim, “a acusação deve sustentar a pronúncia e se desejar o reconheci-mento de alguma circunstância agravante deverá também sustentá-la em ple-nário, não podendo, portanto, considerar agravantes se não houve expressasustentação da mesma pela acusação” (tASSE, 2009, p. 64).17 A ementa do acórdão proferido pelo StJ dando provimento ao Recurso Es-pecial n. 1.157.292-MG, interposto pelo Ministério Público, é a seguinte: PENAlE PROCESSUAl PENAl. RECURSO ESPECiAl. JÚRi. DOSiMEtRiA DAPENA. APliCAÇÃO DE AtENUANtE. CONFiSSÃO ESPONtÂNEA. JUlGA-MENtO REAliZADO NOS tERMOS DA lEi N. 11.689/08. NECESSiDADE DEtER SiDO A tESE AlVO DOS DEBAtES. i - Com a reforma introduzida pelalei n. 11.698/08 não há mais necessidade de submeter aos jurados quesitosacerca da existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes. ii - Não obs-tante, embora tenha sido transferido o exame da presença das referidas cir-cunstâncias ao Juiz Presidente do tribunal do Júri, elas somente serãoconsideradas na dosimetria da pena desde que suscitadas nos debates orais,a teor do que prescreve o art. 492, inciso i, alínea b do CPP. Recurso especialprovido. (REsp 1157292/MG, Rel. Ministro FEliX FiSCHER, QUiNtA tURMA,julgado em 02/09/2010, DJe 04/10/2010). (destacou-se).

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defesa, consagrado no art. 5º, XXXVIII, “a”, da Constituição da Repú-blica. 2. É direito público subjetivo do réu ter a pena reduzida, quandoconfessa espontaneamente o envolvimento no crime. 3. A regra con-tida no art. 492, I, do Código de Processo Penal, deve ser interpretadaem harmonia aos princípios constitucionais da individualização dapena e da proporcionalidade. 4. Conceder a ordem. (StF - HC 106376,Relator(a): Min. CÁRMEN lÚCiA, Primeira turma, julgado em 01/03/2011,PROCESSO ElEtRÔNiCO DJe-104 DiVUlG 31-05-2011 PUBliC 01-06-2011 REVJMG v. 62, n. 196, 2011, p. 345-353). (destacou-se).

Segundo as razões do voto da Ministra Cármen lúcia, oentendimento adotado pelo Superior tribunal de Justiça, negandoo reconhecimento da atenuante não sustentada nos debates pelojuiz presidente, “iguala aquele que confessa ao que nega os fatos,prestigiando a forma, ou a ausência dela, em detrimento ao con-teúdo” (BRASil, 2011).

Desse modo, ignora-se “o princípio da proporcionalidade,que deriva do princípio da individualização da pena, à medida queestabelece um resultado final incompatível com as circunstânciasque envolvem o delito e o seu protagonista” (BRASil, 2011).

Além disso, não se pode olvidar que a atenuante em ques-tão, assim como a menoridade e a senilidade (CP, art. 65, i), possuinatureza objetiva, tornando sua constatação independente do sub-jetivismo do julgador.

De mais a mais, conforme ressaltado pela referida relatora,“afigura-se impróprio, porque inócuo, determinar que seja debatidoalgo que documentalmente se comprovou e sobre tema que nãosubsistem dúvidas” (BRASil, 2011).

Firmado esse entendimento, parcela doutrinária passou aposicionar-se favoravelmente ao reconhecimento pelo magistradode circunstância atenuante, ainda que não sustentada nos debates18.

18 Nesse sentido, salienta a doutrina que “o mais adequado é que o juiz presi-dente possa reconhecer as circunstâncias atenuantes comprovadas nos autos,independentemente de solicitação do defensor do acusado em plenário, quandoo advogado pedir a absolvição. Diferente situação ocorrerá se o defensor tiverrequerido aos jurados a condenação de seu cliente, apenas tendo sustentadoa diminuição de sua carga (v.g., afastamento de qualificadoras, reconhecimentode privilégio), pois caberá a ele postular ao juiz o reconhecimento da atenuanteque julgar cabível, o que não trará qualquer prejuízo à imagem de coerênciade sua atuação frente aos jurados. Se não o fizer, não poderia, em tese, o ma-gistrado, nos termos da lei processual, reconhecê-la”. (CAMPOS, 2014, p. 303).

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A jurisprudência também trilhou o mesmo caminho, comose vê das razões do acórdão referente à Apelação Criminal n.374952-82.2006.8.09.0051 interposta perante o tribunal de Justiçade Goiás, no sentido de que, muito embora não pleiteadas nos de-bates, tanto a menoridade quanto a confissão, uma vez comprova-das nos autos, devem ser levadas em consideração na dosimetriada pena19.

Quanto às circunstâncias agravantes, independente do ca-ráter subjetivo ou objetivo que apresentarem, prevalece que são re-pelidas de ser conhecidas pelo juiz de direito, se não constituíram alvodos debates, mesmo que devidamente comprovadas nos autos20.

Entretanto, oportuno registrar que no tocante à agravanteda reincidência, em tempo longínquo, mais precisamente emagosto de 1997, houve o adiamento do julgamento do Habeas Cor-pus n. 75.256-0/RJ, em virtude de requerimento de vista do Ministro

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Em adição: “não cabe, no caso das atenuantes, interpretação restritiva, em pre-juízo do réu. [...] Ainda que a atenuante não tenha sido explicitada nos debates,se não mais existe previsão para a formulação de proposição específica noquestionário sobre o assunto, o magistrado deverá reconhecê-la, de ofício, porser direito público subjetivo do réu. [...] Em resumo, na prática, o juiz presidentesomente irá valorar por si mesmo as circunstâncias judiciais elencadas no art.59 do CP, bem como as circunstâncias agravantes e atenuantes, sendo que naprimeira hipótese dependerá de requerimento, ao passo que na segunda po-derá agir de ofício” (CANO; ANtUNES; DOMiNGUES, 2004, p. 334-335). Videtambém MARQUES, 2009, p.158.19 Confira: APElAÇÃO CRiMiNAl. HOMiCÍDiO QUAliFiCADO. NUliDADE.iNiMPUtABiliDADE. AUSÊNCiA DE FORMUlAÇÃO DE QUESitOS. iNO-CORRÊNCiA. REGiME DE CUMPRiMENtO DA PENA. [...] APliCAÇÃO DASAtENUANtES CONFiSSÃO E MENORiDADE. COMPEtÊNCiA DO JUiZ PRE-SiDENtE. É sabido que, apesar de as atenuantes e as agravantes não seremsubmetidas ao Conselho de Sentença, elas devem ser analisadas pelo Juiz Pre-sidente do Júri ao dosar a pena, o que não ocorreu no caso em tela. Assim, ape-sar de não terem sido alegadas nos debates, tanto a menoridade quanto aconfissão estão devidamente demonstradas nos autos. Deve, portanto, seremconsideradas para minorar a pena imposta ao apelante. [...]. APElAÇÃO CO-NHECiDA E PARCiAlMENtE PROViDA. (tJGO, APElACAO CRiMiNAl374952-82.2006.8.09.0051, Rel. DES. lEANDRO CRiSPiM, 2A CAMARA CRi-MiNAl, julgado em 18/02/2014, DJe 1501 de 12/03/2014) (destacou-se).20 Afirma-se que “a denominada cláusula de debates (necessidade de expressaarguição de atenuantes e agravantes nos debates para seu reconhecimentopelo juiz), [...], só é aplicável à acusação, que tem o ônus de, sempre que opor-tuno, sustentar ao juiz o agravamento da pena quando presentes as hipóteseslegais, sob pena de preclusão”. (CAMPOS, 2014, p. 304).

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Nelson Jobim que, naquela época, já ousou em pensar que a reinci-dência, por se tratar de uma questão objetiva, prescindiria de quesito.

O citado ministro do Supremo tribunal Federal, mesmo es-boçando entendimento de vanguarda, acabou refluindo, adotandoposição de que a reincidência deveria ser objeto de quesito paraser considerada na dosimetria da pena21.

Ressalta-se, porém, que a decisão em tela ocorreu antesda reforma gerada pela lei n. 11.689/2008, isto é, quando o Códigode Processo Penal ainda exigia que as circunstâncias agravantesfossem quesitadas, sob pena de nulidade.

Com efeito, os princípios constitucionais devem orientar ainterpretação e a aplicação das normas infraconstitucionais.

Nessa perspectiva, a expressão “alegadas nos debates”inserta no artigo 492, inciso i, alínea b, do Código de ProcessoPenal, não deve ser interpretada restritivamente, a ponto de tolherdo juiz presidente o reconhecimento da agravante da reincidência,bem como da atenuante da menoridade.

Como já mencionado, aludidas circunstâncias possuemstatus objetivo. Assim, somente as agravantes e atenuantes de na-tureza subjetiva é que dependeriam de alegações durante os de-bates, condicionando o juiz presidente a admiti-las no momento dadosimetria da pena, sob pena de invalidade.

Se a agravante da reincidência e a atenuante da menori-dade ostentam caráter objetivo e já foram demonstradas nos autos,corroboradas, inclusive, pelo interrogatório judicial, ocasião em queo réu é indagado sobre sua qualificação e vida pregressa, qual anecessidade/utilidade de que tais circunstâncias fossem quesitadasaos jurados ou mesmo debatidas pelas partes?

Somado a isso, o interrogatório não pode ser desprezadocomo exercício da autodefesa e tampouco como elemento deprova, no momento da aplicação da pena pelo juiz presidente.

Vale a pena repisar que, antes das alterações provocadas

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21 “AGRAVANtE - liBElO - QUESitO. Uma vez não havendo constado do li-belo, ou não tendo sido submetida ao corpo de jurados determinada agravante,descabe levá-la em conta na dosimetria da pena, procedendo-se à compensa-ção da atenuante reconhecida pelo júri”. (StF - HC 75256, Relator(a): Min.MARCO AURÉliO, Segunda turma, julgado em 23/09/1997, DJ 30-03-2001PP-00081 EMENt VOl-02025-01 PP-00232).

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pela lei n. 11.689/2008, não se admitia em hipótese alguma que omagistrado reconhecesse a agravante da reincidência de ofício,pois, necessariamente, os jurados deveriam ser consultados sobresua configuração.

Hodiernamente, não se formula mais quesitos sobre cir-cunstâncias agravantes e atenuantes.

Destarte, não haveria razão plausível para impedir que ojuiz togado aplicasse a agravante da reincidência e a atenuante damenoridade, quando da análise da segunda fase de dosimetria dapena, ainda que não tenham sido objeto de quesitos e sequer sus-tentadas pelas partes nos debates.

Assim, desde que a matéria tenha sido ventilada nos autose durante o plenário, ainda que não especificamente na etapa dos“debates” (CPP, arts. 476-481), pode e deve ser conhecida pelo juizde direito a circunstância de natureza objetiva, seja agravante, sejaatenuante.

Negar ao magistrado o conhecimento de ofício de tais cir-cunstâncias implica um apego exacerbado à forma, por meio deuma interpretação meramente literal, quando o mais prudente e ra-zoável seria a aplicação de uma interpretação sistemática, mor-mente com os princípios constitucionais da individualização dapena e da proporcionalidade.

Nem se diga que haveria cerceamento de acusação ou dedefesa, pois tanto as partes como os jurados tiveram acesso à exis-tência das circunstâncias genéricas, não só pelos documentos car-reados aos autos, mas também pelas declarações do réu em seuinterrogatório judicial.

Outrossim, no que diz respeito à agravante da reincidência,calha salientar que está ela intimamente relacionada com a análiseda pena-base, na fase do artigo 59 do Código Penal referente aosantecedentes, tanto é assim que, se o acusado apresentar sen-tença penal condenatória com trânsito em julgado por fato crimi-noso anterior, não poderá servir ela ao mesmo tempo para elevara pena como circunstância judicial e como circunstância agravante,sob pena de haver bis in idem22. Nesse caso, costuma-se valorar a

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22 Eis o teor da Súmula 241 do StJ: “A reincidência penal não pode ser consideradacomo circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial.”

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condenação transitada em julgado na segunda fase de fixação dareprimenda, como agravante da reincidência.

Por conseguinte, mesmo os adeptos do entendimento deque a circunstância agravante da reincidência não pode ser reco-nhecida pelo juiz presidente, sem a provocação da acusação, naprática, resultará idêntica elevação da pena no momento de apreciara circunstância atinente aos antecedentes do acusado (CP, art. 59).

Ora, há verdadeiro consenso de que o magistrado aprecialivremente as circunstâncias judiciais descritas no artigo 59 do CódigoPenal, na primeira fase da dosimetria da pena no procedimento es-calonado do Júri, independente de qualquer alegação das partes.

logo, ainda que impedido seja o juiz togado de conside-rar a condenação penal definitiva como agravante da reincidência,fatalmente a levará em conta quando da análise das circuns-tâncias judiciais (CP, art. 59), notadamente aquela referente aosantecedentes.

Além disso, não se pode perder de vista que, na fase doartigo 422 do Código de Processo Penal é bastante comum aoórgão acusatório requerer como diligência a juntada de certidão deantecedentes atualizada do pronunciado, constando eventual sen-tença e seu trânsito em julgado. E qual seria então a finalidadedesta providência? Por óbvio, em caso de condenação, a elevaçãoda pena pelo reconhecimento da reincidência 23.

Assim, se a mais alta Corte de Justiça brasileira admitiu apossibilidade de reconhecer as atenuantes de cunho objetivo deofício pelo juiz sentenciante, impõe-se a adoção de idêntico critérioem relação à agravante da reincidência de natureza objetiva, sobpena de clara violação aos princípios da igualdade entre acusaçãoe defesa24 e da proporcionalidade na aplicação da pena.

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23 Giza-se que, o requerimento de provas e de diligências outrora constituía umadas partes do libelo. Com a supressão do libelo, tais providências passaram aser exercitadas após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, nos termosdo artigo 422 do Código de Processo Penal.24 “insere-se aí a garantia de paridade de armas no processo penal, igualandoacusação e defesa. Mas quando se afirma que as duas partes devem ter trata-mento paritário, isso não exclui a possibilidade de, em determinadas situações,dar-se a uma delas tratamento especial para compensar eventuais desigualda-des, suprindo-se o desnível da parte inferiorizada a fim de, justamente, resguar-dar a paridade de armas.” (FERNANDES, 2000, p. 50).

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O INTERROGATÓRIO COMO FONTE DE DADOS RELEVANTESPARA O RECONHECIMENTO DA REINCIDÊNCIA E DA ME-NORIDADE

A confissão do réu e sua menoridade quando da práticado delito, mesmo que não tenham sido levantadas em sede de de-bates, foram exteriorizadas no momento do interrogatório.

Assim, ao apreciar as agravantes ou atenuantes, “deve ojuiz presidente levar em consideração tanto a tese apresentadapela defesa técnica quanto aquela apresentada pelo próprio acu-sado, no exercício de sua autodefesa” (liMA, 2013, p. 1419)25.

É cediço, portanto, que o interrogatório exprime a autode-fesa ou defesa pessoal do acusado, não podendo ser desprezadono julgamento, notadamente diante do princípio constitucional daplenitude de defesa (CF, art. 5º, XXXViii, a).

Giza-se, ainda, que o próprio artigo 482 do Código de Pro-cesso Penal elege, como fonte dos quesitos, a decisão de pronún-cia, as alegações orais das partes em plenário e o interrogatório.

De acordo com a lição de Guilherme de Souza Nucci, o in-terrogatório (CPP, art. 187) está dividido em três etapas: a primeira,chamada interrogatório de qualificação, é o momento em que ocorrea colheita de dados pessoais do réu, como nome, naturalidade,

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25 Aliás, seguindo essa linha de pensamento, assim decidiu recentemente o Su-perior tribunal de Justiça: PENAl E PROCESSUAl. HABEAS CORPUS SUBS-titUtiVO DE RECURSO ORDiNÁRiO. HOMiCÍDiO tENtADO. AtENUANtEDA CONFiSSÃO. iNCiDÊNCiA. DEFESA tÉCNiCA. iNtERROGAtÓRiO JU-DiCiAl. DEBAtE EM PlENÁRiO. CONSiDERAÇÃO. [...] 2. Esta Corte possuio entendimento de que a Lei 11.689/2008, alterando a redação do art. 492do CPP, conferiu ao juiz presidente do Tribunal do Júri a atribuição de apli-car as atenuantes e agravantes alegadas nos debates. 3. O juiz presidentedeve considerar como "alegada nos debates" ou "debatidas em Plenário"tanto a defesa técnica quanto a autodefesa realizada pelo acusado no mo-mento do interrogatório, de forma que ambas são legítimas para ensejaro reconhecimento de atenuantes e agravantes. 4. A atenuante prevista noartigo 65, iii, d, do Código Penal, deve ser aplicada em favor do condenadoainda que a sua confissão somente corrobore a autoria delitiva já evidenciadapela prisão em flagrante delito. 5. Habeas corpus não conhecido ante a inade-quação da via eleita. Ordem concedida de ofício para determinar que o Juízoda Execução aplique a atenuante da confissão. (StJ, HC 161.602/PB, Rel. Re-lator: Ministro GURGEl DE FARiA, Data de Julgamento: 18/11/2014, t5 -QUiNtA tURMA). (destacou-se).

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idade, estado civil, filiação, profissão, grau de instrução, residênciaetc.; a segunda é o interrogatório de individualização, consistentena obtenção de dados sobre a vida pessoal do acusado, incluindosua vida pregressa, sendo a ele indagado se já foi preso ou proces-sado alguma vez, se sofreu condenação e o quantum da pena, sejá cumpriu a reprimenda etc.; e, a terceira, refere-se ao interrogatóriode mérito, oportunidade concedida ao infrator para apresentar suaversão a respeito da imputação acusatória (2013a, p. 444-447).

inegável, assim, que o interrogatório, além de cumprir pri-mordialmente a função de autodefesa, também é meio de provacontra ou a favor do réu, podendo materializar perante as partes,os jurados e o juiz presidente, inclusive, a presença de certas ate-nuantes, como a menoridade26 (CP, art. 65, i), quando o réu declarasua idade ou a data de nascimento (interrogatório de qualificação),bem como a agravante da reincidência27 (CP, art. 61, i), ao serquestionado sobre sua vida pregressa, isto é, os antecedentes cri-minais consistentes em condenações definitivas (interrogatório deindividualização).

Não se desconhece, é claro, que para o reconhecimentoda agravante da reincidência, exige-se certidão de trânsito em jul-gado de sentença penal condenatória, ao passo que, para a ate-nuante da menoridade, seria necessário cópia de certidão denascimento ou outro documento pessoal equivalente (CPP, art. 155).

Ademais, tanto a agravante da reincidência quanto à ate-nuante da menoridade possuem indiscutivelmente caráter objetivo,haja vista que foram concebidas documentalmente nos autos, nãopairando, em tese, dúvidas quanto às suas existências.

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26 Diga-se que “a menoridade relativa é atenuante aplicável aos indivíduos comidade entre 18 e 21 anos à época do fato. [...] entendendo-se que o menor,nessa fase da sua vida, ainda está em formação da sua personalidade, mere-cendo a benevolência do juiz no momento da fixação da pena.” (NUCCi, 2014,p. 229).27 “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois detransitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha conde-nado por crime anterior” (CP, art. 63). Configura reincidência também o come-timento de contravenção penal após já ter sido o autor condenado com trânsitoem julgado por anterior contravenção penal, nos termos do art. 7º do Decreto-lei 3.668/1941.

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Salienta-se ainda que, a despeito das críticas existentesquanto à incidência do artigo 385 do Código de Processo Penal,sob o argumento de que o reconhecimento de agravantes não ale-gadas afrontaria os princípios do contraditório e da ampla defesa eo próprio sistema acusatório, definitivamente, essa situação nãoatinge a reincidência, posto não se tratar de circunstância relacio-nada ao fato imputado, mas de uma condição pessoal do réu, oque dispensa sua narrativa na peça inicial acusatória, bastando queesteja documentalmente demonstrada por certidão de condenaçãodefinitiva28.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A lei n. 11.689/2008 acarretou importantes alterações norito escalonado do tribunal do Júri, tornando desnecessária a for-mulação de quesitos referentes às circunstâncias agravantes eatenuantes.

O termo “alegadas nos debates” contido no artigo 492, in-ciso i, alínea b, do Código de Processo Penal, merece ser interpre-tado em consonância com os princípios constitucionais,especialmente o da individualização da pena e da proporcionali-dade, possibilitando ao juiz togado, de ofício, a aplicação da agra-vante da reincidência e a atenuante da menoridade, principalmentepor ostentarem caráter objetivo, dispensando maiores indagações,se devidamente demonstradas nos autos, independente de seremsustentadas pelas partes.

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28 Na verdade, na maioria das vezes, somente se toma ciência acerca da reinci-dência do acusado após o recebimento da denúncia, durante o trâmite proces-sual, com a juntada de certidão de antecedentes criminais. Em sentido contrário,“ainda que na pronúncia não haja necessidade de fazer referência a circunstân-cias agravantes, [...] elas devem ter uma descrição mínima implícita na denúnciaou nas alegações finais para que possam ser aplicadas pelo juiz presidente emsua sentença condenatória, ato que não possibilita uma inovação em plenário,como fosse viável rebater a exposição sem oportuna produção de provas, sur-preendendo a defesa que não estará preparada para demonstrar a não incidên-cia da circunstância legal.” (CANO; ANtUNES; DOMiNGUES, 2004, p. 334).

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tanto é assim que, para corrigir essa anomalia, o Supremotribunal Federal permitiu que o magistrado reconhecesse a ate-nuante de natureza objetiva, como a menoridade e a confissão,ainda que não debatida em plenário, conforme decisão exarada noHabeas Corpus n. 106.376/MG.

Malgrado os tribunais superiores não tenham enfrentadoainda o tema29, o mesmo raciocínio deve incidir no que toca à agra-vante da reincidência, posto que, tratando-se de matéria devida-mente comprovada nos autos através de certidão e não tendo sidoobjetada pelas partes, inexiste motivo para que não seja levada emconta diretamente pelo juiz sentenciante.

Só haveria sentido em condicionar a aplicação da reinci-dência na dosimetria da pena, se fosse obrigatória sua quesitação!

lado outro, as agravantes de ordem subjetiva e que en-volverem questões de fato devem ser levantadas pelo órgão acu-satório durante os debates, abstendo-se o magistrado deconhecê-las de ofício, por manifesta violação ao contraditório e àplenitude da defesa.

Certo é que a discussão em questão perderia o sentido se,em plenário do tribunal do Júri, houvesse promotores de justiça eadvogados talhados à função de verificar com acuidade a presençade agravantes e atenuantes e, de conseguinte, sustentá-las duranteos debates, o que muito facilitaria a tarefa do julgador em aplicarcorretamente e com justiça a pena ao condenado.

todavia, é cada vez mais recorrente a ausência de alega-ções do órgão acusatório e da defesa durante os debates, quantoà presença de causas legais que interferirão na fixação da pena.

impedir que o juiz presidente do tribunal popular dose de-vidamente a reprimenda, por deficiência na atuação do órgão acu-satório e da defesa, significa tolher a consciência jurídica dojulgador, forçando-o a ignorar a incidência de uma agravante e/ouatenuante de ordem objetiva, quando seu convencimento apontajustamente que elas indubitavelmente existem.

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29 Em pesquisa jurisprudencial realizada até o término deste trabalho, não houveo registro de qualquer pronunciamento judicial acerca da admissão ou não dareincidência, ainda que tal agravante não tenha sido alegada pelo órgão acu-satório durante os debates.

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Por derradeiro, se as circunstâncias agravantes e atenuan-tes não figuram mais como quesitos obrigatórios, não há que sefalar em ofensa à soberania do veredicto do tribunal do Júri ou aqualquer outro princípio, na hipótese de o juiz de direito conhecê-las diretamente na fixação da pena.

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