Transitional Justice - Working Group - Federal Prosecution Office - Brazil - 2011-2013-Libre

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  • Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo Ministrio Pblico Federal

    2011/2013

    2

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    Grupo de Trabalho

    Justia de Transio

  • Procurador-Geral da RepblicaRodrigo Janot Monteiro de Barros

    Vice-Procuradora-Geral da RepblicaEla Wiecko Volkmer de Castilho

    Vice-Procurador-Geral EleitoralEugnio Arago

    Ouvidor-Geral do Ministrio Pblico FederalAugusto Aras

    Corregedor-Geral do Ministrio Pblico FederalHindemburgo Chateaubriand Filho

    Secretrio-GeralLauro Pinto Cardoso Neto

    Secretrio-Geral AdjuntoDanilo Pinheiro Dias

  • Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo Ministrio Pblico Federal

    2011/2013

    Grupo de Trabalho

    Justia de Transio

  • 2 Cmara de Coordenao e Reviso do MPF

    Subprocuradora-Geral da Repblica - Coordenadora Raquel Elias Ferreira Dodge

    Subprocurador-Geral da Repblica Jos Bonifcio Borges de Andrada

    Subprocurador-Geral da Repblica Oswaldo Jos Barbosa Silva

    Procurador Regional da Repblica da 1 Regio Carlos Alberto Carvalho de Vilhena Coelho

    Procurador Regional da Repblica da 4 Regio Carlos Augusto da Silva Cazarr

    Procuradora Regional da Repblica da 3 Regio Luiza Cristina Fonseca Frischeisen

    Secretria-Executiva da 2 Cmara de Coordenao e Reviso Cludia de Ftima Roque

    Grupo de Trabalho Justia de Transio

    Procurador da Repblica (PRM/Santa Maria) Coordenador Ivan Cludio Marx

    Procurador da Repblica (PR/RJ) Coordenador Substituto Sergio Gardenghi Suiama

    Procurador da Repblica (PRM/Cruz Alta) Andr Casagrande Raupp

    Procurador da Repblica (PR/SP) Andrey Borges de Mendona

    Procuradora da Repblica (PRR3) Eugenia Augusta Gonzaga

    Procuradora da Repblica (PRR3) Ins Virgnia Prado Soares (PRR3)

    Procurador da Repblica (PRM/Patos) Joo Raphael de Lima

    Procuradora da Repblica (PR/TO) Luana Vargas Macedo

    Procurador da Repblica (PRR31) Luiz Fernando Voss Chagas Lessa

    Procurador da Repblica (PRR3) Marlon Alberto Weichert

    Procuradora da Repblica (PR/PA) Melina Alves Tostes

    Procurador da Repblica (PRM/Ilhus) Tiago Modesto Rabello

    Srie Relatrios de Atuao, 1

  • Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo Ministrio Pblico Federal

    2011/2013

    Braslia2014

    Ministrio Pblico Federal2 Cmara de Coordenao e Reviso

    Grupo de Trabalho

    Justia de Transio

  • Copyright 2014 - MPFTodos os direitos reservados ao autor.

    Coordenao e Organizao2 Cmara de Coordenao e Reviso

    Planejamento visual e diagramao Secretaria de Comunicao Social

    Normalizao BibliogricaCoordenadoria de Biblioteca e Pesquisa COBIP

    Tiragem: 2.000 exemplares.

    Ministrio Pblico Federal2 Cmara de Coordenao e Reviso - Matria Criminal e Controle Externo da Atividade PolicialSAF Sul, Quadra 4, Conjunto CFone (61) 3105-510070050-900 - Braslia - DFwww.pgr.mpf.mp.br

    B823cBrasil. Ministrio Pblico Federal. Cmara de Coordenao e Reviso, 2

    Grupo de trabalho justia de transio: atividades de persecuo penal desenvolvidas pelo Ministrio Pblico Federal: 2011-2013 / coordenao e organizao de Raquel Elias Ferreira Dodge, Subprocuradora-Geral da Repblica. Braslia : MPF/2 CCR, 2014.

    262 p. (Srie Relatrios de Atuao, 1)

    1. Persecuo penal. 2. Ministrio Pblico Federal. 3. Direitos humanos proteo vtima. I. Ttulo. II. Dodge, Raquel Elias Ferreira. III. Srie.

    CDD 341.4331

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

  • Captulo

    Apresentao

    Introduo 14

    Histrico 16 Iniciativas do MPF anteriores sentena do caso Gomes Lund ..........16

    Atividades de investigao posteriores sentena .................................................20

    Box 1: Principais bases de dados de acesso pblico utilizadas pelo MPF ................................................................................28

    Box 2: Quando uma porta se abre... Maria Amlia de Almeida Teles* ..........................................................34

    Box 3: Histrico das Lutas dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Polticos Victria Lavnia Grabois Olmpio* .......................................................36

    Teses institucionais adotadas pela 2CCR e pelo GTJT 48 Obrigaes positivas do Estado brasileiro em matria penal. A sentena do caso Gomes Lund e o direito internacional dos DH ....................................................................................................... 48

    Estado da matria no direito internacional dos DH ............................................48

    Sumrio

  • Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Pontos resolutivos da sentena relacionados persecuo penal de graves violaes a DH cometidas durante o regime militar. Obrigaes dirigidas ao MPF ...............................54

    Inexistncia de conflito real entre a ADPF 153 e a sentena de Gomes Lund ..................................................................................................58

    O desaparecimento forado como crime de sequestro permanente e no exaurido ................................................................................................................ 61

    O Desaparecimento Forado como crime imprescritvel e insuscetvel de anistia .............................................................................................................................69

    Resumo das Aes Penais Propostas 88 Os sequestros de Maria Clia Corra, Hlio Luiz Navarro de Magalhes, Daniel Ribeiro Callado, Antnio de Pdua e Telma Regina Cordeira Corra no mbito da represso Guerrilha do Araguaia .............................................. 88

    A Guerrilha do Araguaia .....................................................................................................................89

    Informaes sobre as vtimas ............................................................................................................91

    Fatos do caso ............................................................................................................................................................94

    O ru ....................................................................................................................................................................................95

    A investigao desenvolvida pelo MPF ................................................................................97

    Andamento da ao .................................................................................................................................... 103

    O sequestro de Aluzio Palhano no DOI-CODI do II Exrcito, em So Paulo ........................................................................... 115

    Informaes sobre a vtima ...............................................................................................................115

    Fatos do caso .........................................................................................................................................................116

    Os denunciados ................................................................................................................................................119

    Carlos Alberto Brilhante Ustra .................................................................................................119

    Dirceu Gravina ................................................................................................................................... 123

    Andamento da ao .....................................................................................................................................123

    O sequestro de Divino Ferreira de Souza no mbito da represso Guerrilha do Araguaia ..............................................................................146

  • Sumrio

    Informaes sobre a vtima .............................................................................................................. 146

    Fatos do caso .........................................................................................................................................................147

    O ru ................................................................................................................................................................................ 148

    Andamento da ao .................................................................................................................................... 148

    O sequestro de Edgar de Aquino Duarte no DOI-CODI e no DEOPS de So Paulo ..................................................................................149

    Informaes sobre a vtima ...............................................................................................................150

    Fatos do caso .........................................................................................................................................................150

    Os rus. .........................................................................................................................................................................157

    Carlos Alberto Brilhante Ustra .................................................................................................157

    Alcides Singillo ....................................................................................................................................159

    Carlos Alberto Augusto .................................................................................................................161

    Andamento da ao .....................................................................................................................................163

    A ocultao do cadver de Hirohaki Torigoe no cemitrio de Perus, em So Paulo ................................................................................................177

    Informaes sobre a vtima ...............................................................................................................178

    Fatos do caso ........................................................................................................................................................ 180

    Os rus .......................................................................................................................................................................... 201

    Carlos Alberto Brilhante Ustra ................................................................................................ 201

    Alcides Singillo ...................................................................................................................................205

    Andamento da ao .......................................................................................................................206

    O sequestro de Mrio Alves de Souza Vieira no 1o BPEx-RJ .................207

    Informaes sobre a vtima .............................................................................................................. 207

    Fatos do caso ........................................................................................................................................................208

    Os denunciados ................................................................................................................................................219

    Luiz Mrio Valle Correia Lima, vulgo Tenente Correia Lima .......................220

    Roberto Augusto de Mattos Duque Estrada, vulgo Capito Duque Estrada ............................................................................................................ 226

  • Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Dulene Aleixo Garcez dos Reis, vulgo Tenente Garcez .................................229

    Valter da Costa Jacarand, vulgo Major Jacarand ............................................. 233

    Andamento da ao .................................................................................................................................... 237

    Concluso 245

    Planilha Geral de casos 248

    Documentos Relacionados 262

  • Siglas

    Siglas Utilizadas neste Relatrio

    1BPEx.-RJ 1o Batalho de Polcia do Exrcito (RJ)

    2CCR 2a Cmara de Coordenao e Reviso do Ministrio Pblico Federal

    ADCT Ato das Disposies Constitucionais Transitrias

    ADPF Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental

    AGU Advocacia Geral da Unio

    ALN Ao Libertadora Nacional

    BNM Relatrio Brasil Nunca Mais

    CADH Conveno Americana de Direitos Humanos

    CC Cdigo Civil

    CEMDP-SDH Comisso Especial sobre Mortos e Desaparecidos Polticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    CENIMAR Centro de Informaes da Marinha

    CIDH Comisso Interamericana de DH

    CIE Centro de Informaes do Exrcito

    CNV Comisso Nacional da Verdade

    Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos

    CP Cdigo Penal

    CPP Cdigo de Processo Penal

    CR Constituio da Repblica

    DH Direitos Humanos

    DOI-CODI Destacamento de Operaes de Informaes - Centro de Operaes de Defesa Interna

    DEOPS Departamento Estadual de Ordem Poltica e Social

  • Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    GTJT Grupo de Trabalho Justia de Transio

    GTT Grupo de Trabalho Tocantins

    HC Habeas Corpus

    IML Instituto Mdico Legal

    IPL Inqurito Policial

    IPM Inqurito Policial Militar

    JF Justia Federal

    Molipo Movimento de Libertao Popular

    MP Ministrio Pblico

    MPF Ministrio Pblico Federal

    MPM Ministrio Pblico Militar

    OAB Ordem dos Advogados do Brasil

    OBAN Operao Bandeirantes (SP)

    OEA Organizao dos Estados Americanos

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PCB Partido Comunista Brasileiro

    PCBR Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio

    PC do B Partido Comunista do Brasil

    PF Polcia Federal

    PIC Procedimento Investigatrio Criminal

    PM Polcia Militar

    PGR Procuradoria Geral da Repblica/ Procurador Geral da Repblica

    PR Procuradoria da Repblica/ Procurador da Repblica

    PRM Procuradoria da Repblica no Municpio/ Procurador da Repblica no Municpio

  • Siglas

    PRR Procuradoria Regional da Repblica/ Procurador Regional da Repblica

    RESE Recurso em Sentido Estrito

    SNI Servio Nacional de Informaes

    SPGR Subprocurador Geral da Repblica

    STF Supremo Tribunal Federal

    TJ Tribunal de Justia

    TRF Tribunal Regional Federal

    VPR Vanguarda Popular Revolucionria

  • Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Toda transio diferente. Todavia, no importa onde se con-cretize, a verdadeira justia de transio s se realiza quando traz justia para as vtimas. O cerne do conceito de justia de transio, criado h poucas dcadas, inclui, a um s tempo, acesso das vtimas verdade, justia penal e reparao, da derivando o conjunto de medidas que, no mbito daquela sociedade, propiciam a conciliao, a paz, a democracia e o Estado de direito.

    A proporo de acesso das vtimas verdade, justia e repara-o, que tem propiciado uma transio verdadeira, varia de pas para pas, de comunidade para comunidade. A anistia frequentemente invocada como elemento de conciliao, mas muitas vezes apon-tada como elemento inibidor do acesso verdade, justia penal e reparao.

    No Brasil, recente atuao do MPF abriu uma nova vertente na concretizao da justia de transio, com o ajuizamento de aes penais por crimes da ditadura e com a abertura de muitas investiga-es para ins penais.

    Este trabalho tem sido coordenado pela 2CCR, que criou um GT para auxili-la nesta funo. Este relatrio preliminar, feito pelo GT, registra atos de persecuo penal desenvolvidos pelo MPF em relao a graves violaes de direitos humanos que caracterizam crimes e os

    Apresentao

  • Apresentao

    argumentos jurdicos utilizados para fundament-los. O MPF assume, na persecuo penal destes crimes, o papel de realizador de um dos componentes da justia de transio e oferece este relatrio preliminar para estudo e conhecimento pblicos.

    Raquel Elias Ferreira Dodge

    Subprocuradora-Geral da RepblicaCoordenadora da 2CCR

  • 14

    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Introduo

    O GTJT foi constitudo pela Portaria 21 da 2a Cmara de Coordenao e Reviso do MPF, datada de 25.11.11, e teve sua composio ampliada e modiicada pelas Portarias 28 (de 31.01.12), 36 (de 08.05.12), 47 (de 02.08.12) e 51 (de 28.08.12). Nos termos do art. 1 da Portaria 21, in-cumbe ao grupo examinar os aspectos criminais da sentena da Corte IDH no caso Gomes Lund vs. Brasil1 com o objetivo de fornecer apoio jurdico e operacional aos Procuradores da Repblica para investigar e processar casos de graves violaes a DH cometidas durante o regime militar. Segundo o 1 do mesmo artigo, cabe tambm ao GTJT buscar fomentar ambiente propcio para a relexo sobre o tema e para a tomada de posies institucionais e no isoladas sobre a questo. Para tanto, a portaria atribuiu ao grupo as funes de: a) deinir um plano inicial para a persecuo penal; b) identiicar os casos abrangidos pela sentena aptos incidncia da lei penal; c) deinir o juzo federal perante o qual sero propostas as aes penais, de acordo com as disposies internacionais e os dispositivos constitucionais e legais; d) examinar a investigao de crimes de quadrilha, nos casos em que os vnculos estabelecidos ainda durante a ditadura militar permaneceram ntegros at momento recente.

    1 Corte IDH, Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil. Excees preliminares, Fundo, Reparaes e Custas. Sentena de 24 de novembro de 2010. Srie C, N 219.

  • 15

    Introduo

    O GTJT atualmente constitudo pelos seguintes membros: Andr Casagrande Raupp (PRM-Cruz Alta), Andrey Borges de Mendona (PR-SP), Eugenia Augusta Gonzaga (PRR3), Ins Virgnia Prado Soares (PRR3), Ivan Cludio Marx (PRM-Santa Maria), Joo Raphael de Lima (PRM-Patos), Luana Vargas Macedo (PRM-TO), Luiz Fernando Voss Chagas Lessa (PRR1), Marlon Alberto Weichert (PRR3), Melina Alves Tostes (PRM-PA), Sergio Gardenghi Suiama (PR-RJ) e Tiago Modesto Rabello (PRM-Ilhus). Foram escolhidos, respectivamente como Co-ordenador e Coordenador Substituto do GTJT, os PRs Ivan Cludio Marx e Sergio Gardenghi Suiama.

    O relatrio est dividido em duas partes: na primeira, so apre-sentadas as teses jurdicas adotadas pela 2CCR e pelos procuradores naturais das aes ajuizadas, acerca da obrigao do MPF de pro-mover a persecuo penal das graves violaes a DH cometidas por agentes do regime de arbtrio instalado em 1964. Na segunda, feito um resumo dos fatos que fundamentam as seis aes j ajuizadas, acrescido da referncia s provas obtidas pelo MPF no curso das investigaes, e de informaes sobre o andamento dos respectivos processos penais.

    O grupo no poderia deixar de agradecer, na oportunidade, o inteiro apoio prestado pela 2CCR s atividades de investigao e de articulao institucional desenvolvidas pelo MPF em matria de crimes cometidos durante o regime militar.

    Tambm no poderia deixar de mencionar o inteiro apoio dado aos procuradores pelo movimento de familiares de mortos e desa-parecidos polticos e por organizaes da sociedade civil que vem, h mais de quatro dcadas, lutando por justia, memria, verdade e no-repetio.

  • 16

    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Iniciativas do MPF anteriores sentena do caso Gomes Lund

    As primeiras iniciativas do MPF2 de responsabilizao penal dos agentes de Estado envolvidos em graves violaes a DH durante o regime militar datam dos anos de 2008 e 2009. Nesse perodo, os procuradores Marlon Weichert e Eugnia Gonzaga protocolizaram oito notcias-crime3 seis na PR-SP, uma na PR-RJ e uma na PRM-Uruguaiana requerendo a instaurao de PICs com vistas apurao de casos de sequestro/desaparecimento forado e homicdio/execuo sumria contra Flvio de Carvalho Molina4, Luis Jos da Cunha5, Manoel Fiel Filho6, Vladimir Herzog7,

    2 Antes h o registro de iniciativas isoladas, na Justia Militar e na Justia Estadual, todas resultando em arquivamento com base na Lei de Anistia.

    3 Includas no CD-R anexo.

    4 Procedimento 1.34.001.005988/2008-15, posteriormente convertido no IPL 181/2009-3, e autos judiciais 2009.61.81.013046-8. Os autos foram distribudos 7 Vara Federal Criminal Federal de So Paulo.

    5 Procedimento 1.34.001.003312/2008-97, autos judiciais 2008.61.81.012372-1, distribudos 1a Vara Criminal de So Paulo.

    6 Procedimento 1.34.001.006086/2008-04.

    7 Procedimento 1.34.001.001574/2008-17, autos judiciais 2008.61.81.013434-2, distribudos 1a Vara Criminal de So Paulo.

    Histrico

  • 17

    Histrico

    Aluzio Palhano Pedreira Ferreira8, Luiz Almeida Arajo9, Horacio Domingo Campiglia10, Mnica Susana Pinus de Binstock11, Lorenzo Ismael Vias e Jorge Oscar Adur12

    O caso de Lorenzo Vias, remetido PRM de Uruguaiana (RS), refere-se ao sequestro de um militante da organizao de esquerda Movimento Peronista Montoneiro, supostamente preso em territrio nacional e levado Argentina por agentes da represso. Segundo a notcia-crime, Vias pretendia exilar-se na Itlia e teria sido detido no Brasil ao atravessar a fronteira, em Paso de Los Libres Uru-guaiana. A investigao do caso, requisitada pelo PR Ivan Cludio Marx PF em 19.06.08, foi a primeira das novas tentativas de punio dos agentes do Estado pelos crimes cometidos durante o ltimo regime militar no Brasil. Na mesma investigao, tambm foi includo o caso do padre catlico argentino Jorge Oscar Adur, desaparecido na mesma data e em circunstncias similares s de Lorenzo Vias.

    Na PR-SP, nos anos de 2008 e 2010, os procuradores naturais de trs procedimentos (casos de Lus Jos da Cunha13, Vladimir Herzog14 e Flvio de Carvalho Molina15) requereram judicialmente o arquiva-mento das investigaes instauradas, com fundamento na prescrio, intangibilidade da coisa julgada formal (caso Herzog) e anterioridade e taxatividade da lei penal no que se refere deinio de crimes

    8 Procedimento 1.34.001.001785/2009-3.

    9 Procedimento 1.34.001.002034/2009-31.

    10 Procedimento 2009.51.01.0809410-8, 7 Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

    11 Procedimento 2009.51.01.0809410-8, 7 Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.

    12 O caso de Vias foi apurado no processo 2008.71.03.001525-2 - IPL 116/2008. Nessa investigao foi includo posteriormente o caso de Jorge Oscar Adur.

    13 Segundo consta da notcia-crime, Lus Jos da Cunha foi torturado e morto em 13.07.73 nas dependncias do DOI/CODI em So Paulo.

    14 Torturado e morto no DOI-CODI do II Exrcito, em 25.10.75.

    15 Morto em novembro de 1971, tambm no DOI-CODI de So Paulo.

  • 18

    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    contra a humanidade (caso Lus Jos da Cunha). Dois desses pedidos de arquivamento, referentes s investigaes dos homicdios de Her-zog16 e Cunha, foram homologados pela 1a Vara Criminal Federal da Subseo de So Paulo.

    O pedido de arquivamento do caso de Flvio Molina, todavia, foi apenas parcialmente homologado pela 7a Vara Criminal Federal de SP17. O juiz federal Ali Mazloum, titular daquela vara, homologou o arquivamento com relao aos crimes de sequestro, homicdio e falsidade ideolgica, amparado na Lei de Anistia (argumento no uti-lizado pela procuradora natural do caso). Entretanto, no homologou o arquivamento com relao ao crime de ocultao de cadver, em razo de sua natureza permanente (o que afastaria a aplicao da anistia e da prescrio). Ademais, airmou que, durante a execuo do delito, surgiu uma nova norma que previu sua imprescritibilidade, qual seja, o art. 5, inciso XLIV, da CR, segundo o qual constitui crime inaianvel e imprescritvel a ao de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrti-co. De acordo com a deciso do magistrado, o crime investigado se amolda perfeitamente previso constitucional, resultando-lhe aplicvel a imprescritibilidade j que, ao momento do surgimento da nova Constituio, no havia cessado a permanncia do crime.

    Ainda antes da prolao da sentena da Corte IDH no caso Gomes Lund, no ano de 2009, a investigao relacionada ao desaparecimento de Horacio Domingo Campiglia e Mnica Susana Pinus de Binstock, sequestrados em 13.03.80, tambm foi arquivada com fundamento na prescrio. O procurador natural do caso asseverou que seria

    16 Em razo do esgotamento dos recursos internos satisfao dos interesses dos familiares de Herzog, o arquivamento foi submetido CIDH, tendo a Comisso, em maro de 2012, admitido a petio e determinado a notiicao do Estado brasileiro.

    17 A deciso judicial encontra-se no CD-R anexo.

  • 19

    Histrico

    discutvel a considerao dos atos cometidos durante a ditadura brasileira como crimes contra a humanidade (tema que estaria por ser decidido pelo STF na Extradio 97418), bem como que resultava inaplicvel a imprescritibilidade em razo da no adeso do Estado brasileiro Conveno Internacional sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade (1968). Air-mou, ademais, que a aplicao de direito costumeiro internacional importaria em violao ao princpio constitucional da legalidade penal. Sendo assim, requereu o arquivamento do caso sem prejuzo de retomada das investigaes com base no artigo 18 do CPP, caso, eventualmente, seja reconhecida a inexistncia de causa extintiva da punibilidade. O juiz homologou o arquivamento em 10.09.09, por assistir razo ao MP.

    Tambm em 2009, foi arquivada a investigao criminal relativa morte de Joo Goulart19, instaurada a partir de representao de familiares do ex-presidente. Em 05.06.09, a procuradora natural do procedimento20 fundamentou o arquivamento unicamente na prescri-o. O juiz federal da 2a Vara Criminal de Porto Alegre homologou o pedido em 28.08.09.

    No ano de 2010, logo aps o julgamento da ADPF 153, pelo STF, o procurador da PR-PE Leandro Bastos Nunes formulou pedido gen-

    18 STF. Ext./974. Relator Min. Marco Aurlio, j. 06.08.09, DJE n 156 de 19.08.09.

    19 Representao Criminal 2009.71.00.013804-2/RS, 2 Vara Federal Criminal de Porto Alegre. Deposto pelo sistema ditatorial cvico-militar em abril de 1964, o ex-presidente morreu em 06.12.76, na estncia de sua propriedade, na provncia de Corrientes, Argentina. Posteriormente, surgiram suspeitas de que a morte de Jango poderia no ser decorrente de causas naturais (enfermidade), mas sim de um homicdio fruto de um organizado plano, do qual teriam participado agentes de Estado de vrios pases, dentro do marco da conhecida Operao Condor. O corpo, curiosamente no submetido a necropsia, foi trasladado ao Brasil, onde foi sepultado.

    20 Representao Criminal 2009.71.00.013804-2/RS, 2 Vara Federal Criminal de Porto Alegre.

  • 20

    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    rico de arquivamento do IPL instaurado com o escopo de apurar as execues (homicdios) e desaparecimento de diversas pessoas em Pernambuco, no perodo do Regime Militar (1964 a 1985), consoante relatado em cpia da obra Direito Memria e Verdade.

    Atividades de investigao posteriores sentena

    Logo aps a publicao da sentena de Gomes Lund, a 2CCR teve a oportunidade de examinar um recurso contra o arquivamento indireto promovido pelo primeiro procurador natural das investigaes dos casos de Aluzio Palhano Pedreira Ferreira e Luiz Almeida Arajo. O recurso contra o arquivamento foi relatado pela PRR Mnica Nicida Garcia e submetido deliberao da Cmara em 07.02.11. No voto, tanto a relatora quanto a SPGR Raquel Dodge citam a sentena da Corte IDH como fundamento para rejeitar a homologao do ar-quivamento das apuraes relacionadas ao sequestro de Palhano e Arajo. Na mesma deliberao, airmam a competncia do MPF e da JF para promover a persecuo penal dos responsveis pelas graves violaes a DH cometidas durante o regime militar.

    Em razo das obrigaes impostas ao MPF pela Corte IDH na sentena de Gomes Lund, e em decorrncia do prprio entendimento irmado pela 2CCR nos dois casos por ela apreciados, foram realiza-das uma reunio interna e dois workshops internacionais, estes em parceria com a Secretaria Nacional de Justia, o Centro Internacional para a Justia de Transio e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidado, alm da prpria 2CCR.

    Os debates conduzidos no mbito desses ambientes de trabalho resultaram na criao, em 25.11.11, do GTJT, por iniciativa da 2CCR. Mesmo antes da criao formal do grupo, porm, seus membros j vinham se dedicando, sem prejuzo de suas funes regulares,

  • 21

    Histrico

    a aprofundar os estudos sobre os mecanismos de implementao da sentena de Gomes Lund no mbito interno, com o objetivo de garantir a maior eiccia possvel aos pontos resolutivos relaciona-dos persecuo penal das violaes a DH, respeitados todos os parmetros de legalidade. Com esse objetivo, elaborou-se uma Nota Tcnica21 a respeito do direito comparado, seguida de um produtivo debate estimulado pela 2CCR (em conjunto com os procuradores naturais dos procedimentos) acerca das teses jurdicas a serem adota-das nas aes penais. A criao do GTJT e a atuao integrada com os procuradores naturais da PR-SP, PR-RJ, PR-PB, PRM-Petrpolis e PRM-Marab foram responsveis pelo expressivo aumento de novas investigaes instauradas, demonstrado no quadro 1.

    O quadro acima foi extrado dos dados constantes da planilha anexa, a qual consolida a atuao do MPF em matria de responsa-bilizao dos autores de graves violaes a DH cometidas durante o regime militar. Em maro de 2013, o GTJT contabilizou 187 PICs e um IPL em andamento22, quase todos instaurados nos ltimos dois

    21 Anexada ao CD-R.

    22 Aos quais devem ser somados oito procedimentos arquivados e seis aes penais em andamento para totalizar 202 procedimentos arquivados, em andamento e com aes penais ajuizadas.

    2010 20122011

    140

    120

    100

    80

    60

    40

    20

    020092008

    Quadro 1 Investigaes Instauradas (2008 2012)

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    anos, sendo 133 na PR-RJ, 52 na PR-SP23 e os demais na PR e PRM citadas. Os PICs referem-se a crimes cometidos contra 183 vtimas, nestas no includas as pessoas vitimadas no mbito da represso Guerrilha do Araguaia24. Os procuradores de Marab optaram por manter um nico procedimento para apurar a totalidade dos casos de desaparecimento forado e execuo sumria l ocorridos.

    relevante consignar que foram encontrados apenas quatro inqu-ritos policiais destinados a apurar crimes cometidos durante a ditadura, sendo que apenas um encontra-se atualmente em andamento. Os inquritos identiicados foram instaurados a partir de requisio do prprio MPF, de modo que possvel airmar que a polcia federal no est comprometida com a investigao das violaes a DH per-petradas durante o regime de arbtrio.

    23 Como se sabe, os maiores centros de represso poltica do regime militar (nome-adamente os Destacamentos de Operaes Internas do Exrcito - DOIs, o Centro de Informaes da Marinha CENIMAR, os Departamentos Estaduais de Ordem Poltica e Social e as Casas da Morte clandestinas) estavam instalados no eixo Rio-So Paulo; da a concentrao das investigaes nessas duas PRs.

    24 Assim, o nmero total de vtimas cujos casos encontram-se em apurao no mbito do MPF o indicado neste relatrio, acrescido dos casos em apurao no PIC da PRM-Marab. A compilao apontou tambm a ocorrncia de alguns procedimentos duplicados na PR-RJ, motivo pelo qual o nmero de procedimentos maior do que o nmero de vtimas.

    Aes ajuizadas

    Arquivamentos

    11

    2 2 22

    Quadro 2 Aes Penais x Arquivamentos (2008 2013)

    4

    2008 2009 2010 2011 2012 2013

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    Histrico

    As aes penais e arquivamentos do perodo esto consolidados no quadro 2.

    O quadro 3 indica o nmero de PICs instaurados, segundo a con-duta delitiva apurada25:

    No interesse das investigaes criminais, o MPF promoveu a oitiva de mais de 220 testemunhas, em todas as regies do pas. Trata-se, sem nenhuma dvida, do maior esforo feito pelo Estado brasileiro at a presente data, com vistas investigao de crimes26 cometidos durante o regime militar. Foram colhidos depoimentos de ex-agentes do Estado ditatorial (civis e militares), de pessoas apontadas como cachorros27, de familiares de mortos e desaparecidos polticos, de camponeses da regio do Araguaia e de ex-presos polticos nos DEOPS e DOI-CODIs de So Paulo e do Rio de Janeiro. Trechos desses depoimentos esto citados no captulo 4 do relatrio. O GTJT

    25 Base de dados: 67 PICs em andamento nos quais foi possvel obter-se a tipiicao penal prvia, identiicados na planilha anexa.

    26 As oitivas realizadas pelas comisses da verdade, no obstante os resultados j alcanados, no tem por inalidade a investigao de um fato criminoso e de sua autoria.

    27 Na linguagem policial da poca, os cachorros eram ex-dissidentes iniltrados pelos rgos de represso em uma organizao poltica.

    51%

    10%

    32%

    7%

    Quadro 3

    Homicdio

    Ocultao de cadver

    Sequestro/Desaparecimento

    Tortura

    PICs segundo crime apurado

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    optou por transcrever mais extensamente as provas testemunhais que fundamentam as aes penais porque acredita que, com isso, est tambm contribuindo para a efetivao do direito memria e verdade histrica, objetivos institucionais consignados na lei de criao da CNV (Lei Federal 12.528/11).

    A 2CCR tem prestado apoio material oitiva de testemunhas e coleta de outras provas aptas a contribuir ao esclarecimento simultneo de mltiplos casos, abreviando, com isso, o tempo das investigaes e evitando a reproduo do mesmo ato em inmeros procedimentos. Com esse intuito, membros do GTJT, em conjunto com os procura-dores naturais das investigaes, realizaram a oitiva, dentre outros, dos seguintes integrantes do aparato repressivo do perodo: Cludio Antnio Guerra (ex-chefe do DEOPS do Esprito Santo), Marival Chaves Dias do Canto (ex-sargento lotado no DOI-CODI II Exrcito), Carlos Alberto Augusto (delegado de polcia, ex-agente do DEOPS-SP), Felix Freire Dias (cabo do Exrcito apontado como o esquartejador da Casa da Morte, em Petrpolis), Ricardo Agnese Fayad (mdico no 1BPEx-RJ), Jurandir Ochsendorf e Souza (sargento lotado no 1BPEx-RJ), Joo Henrique Ferreira de Carvalho (apontado em documentos oiciais como colaborador iniltrado do regime).

    Exemplos da efetividade da providncia so as oitivas do ex-dele-gado de polcia Cladio Guerra e do ex-sargento Marival Chaves Dias do Canto. Guerra, em recente publicao28, confessou sua participao na execuo sumria de trs pessoas e na destruio dos cadveres de outros dez dissidentes polticos, durante o regime militar. Chaves, por sua vez, era encarregado, segundo ele prprio, da anlise das informaes obtidas dos presos mediante tortura, no DOI-CODI de So Paulo. Desde 1991, ele airma ter conhecimento de uma srie de fatos relacionados ao desaparecimento forado e s execues

    28 Cludio Guerra, Memrias de uma Guerra Suja, Topbooks, 2012.

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    Histrico

    sumrias de presos polticos. Nunca, porm, havia sido oicialmente ouvido por um rgo estatal a respeito de tais fatos. Tanto Guerra quanto Chaves foram ouvidos pelo MPF durante doze horas, na sede da PR-ES, em Vitria, nos dias 28 e 29.05.12. Participaram das oitivas os PRs Ivan Cludio Marx e Sergio Gardenghi Suiama (Coordenadores do GTTJ), Silmara Goulart (PR-MG), Antnio do Passo Cabral (PR-RJ), Eduardo Santos (PRM-Campos de Goytacazes) e Paulo Augusto Gua-resqui (PR-ES).

    Os depoimentos de Cludio Guerra e Marival Chaves foram regis-trados em vdeo, e posteriormente transcritos pela Comisso de DH da Cmara dos Deputados, em cooperao com o MPF.

    A oitiva de Cludio Guerra trouxe elementos importantes eluci-dao das circunstncias da morte e desaparecimento das seguintes pessoas: Ana Rosa Kucinski (desaparecida em 22.04.74), Armando Teixeira Frutuoso (desaparecido em 04.09.75), David Capistrano (de-saparecido em 19.03.74), Eduardo Collier Filho (desaparecido em 23.02.74), Fernando Santa Cruz (desaparecido em 23.02.74), Ieda Santos Delgado (desaparecida em 11.04.74), Issami Nakamura Okano (desaparecido em 14.05.74), Joo Massena de Melo (desaparecido em 03.04.74), Jos Roman (desaparecido em 19.03.74), Merival Arajo (morto em 14.04.73), Luiz Igncio Maranho Filho (desaparecido em 03.04.74), Nestor Veras (desaparecido em abril de 1975), Ronaldo Mouth de Queiroz (morto em 06.04.73), Thomaz Antnio da SilvaMei-relles Neto (desaparecido em 07.05.74), Wilson Silva (desaparecido em 22.04.74). Das quinze vtimas mencionadas por Guerra em seu depoimento, o MPF tem procedimentos de investigao criminal instaurados em relao a quatorze delas.

    O mesmo se pode dizer em relao a Marival Chaves. A oitiva do agente trouxe elementos importantes elucidao das circunstncias da morte e desaparecimento das seguintes pessoas: Alexandre Vanucchi Leme (morto em 17.03.73), Aluzio Palhano (sequestrado em 06.05.71),

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Ana Maria Nacinovic Crrea (morta em 14.06.72), Ana Rosa Kucinski (desaparecida em 22.04.74), Antnio Carlos Bicalho Lana (morto em 30.11.73), Arnaldo Cardoso Rocha (morto em 15.03.73), David Capistra-no (desaparecido em 19.03.74), Edgar de Aquino Duarte (sequestrado em 13.06.71), Edson Neves Quaresma (morto em 05.12.70), Eduardo Collier Filho (desaparecido em 23.02.74), lson Costa (desaparecido em 15.01.75), Fernando Santa Cruz (desaparecido em 23.02.74), Fran-cisco Emanuel Penteado (morto em 15.03.73), Francisco Seiko Okama (morto em 15.03.73), Hiram de Lima Pereira (desaparecido em 15.01.75), Honestino Monteiro Guimares (desaparecido em 10.10.73), Issami Nakamura Okano (desaparecido em 14.05.74), Itair Jos Veloso (desa-parecido em 25.05.75), Iuri Xavier Pereira (morto em 14.06.72), Jayme Amorim de Miranda (desaparecido em 04.02.75), Joo Massena de Melo (desaparecido em 03.04.74), Jos Montenegro de Lima (desaparecido em 29.09.75), Luiz Igncio Maranho Filho (desaparecido 03.04.74), Mrcio Beck Machado (desaparecido em 17.05.73), Marcos Nonato da Fonseca (morto em 14.06.72), Maria Augusta Thomaz (desaparecida em 17.05.73), Nestor Veras (desaparecido em abril de 1975), Orlando da Rosa Silva Bonim (desaparecido em 08.10.75), Paulo Stuart Wri-ght (desaparecido em 01.09.73), Ronaldo Mouth de Queiroz (morto em 06.04.73), Rubens Paiva (desaparecido em 20/01/71), Snia Maria de Moraes Angel Jones (morta em 30.11.73), Vladimir Herzog (morto em 25.10.75), Walter de Souza Ribeiro (desaparecido em 03.04.74), Yoshitane Fujimori (morto em 05.12.70) e Wilson Silva (desaparecido em 22.04.74)29.

    O mesmo procedimento foi adotado para a oitiva de Joo Henrique Ferreira, apontado como cachorro da ALN em diver-

    29 As informaes referentes data da morte ou do desaparecimento da vtima foram extradas do livro Dossi Ditadura:Mortos e Desaparecidos polticos no Brasil (1964-1985). Convm ressaltar que tais informaes podem divergir conforme a fonte, e a real data do crime est sendo apurada nos autos de cada procedimento investigatrio.

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    Histrico

    sos documentos oiciais. Assim como Marival Chaves e Cludio Guerra, Joo Henrique jamais havia sido oicialmente ouvido pelo Estado brasileiro para relatar seu conhecimento sobre os fatos relacionados a desaparecimentos forados e execues sumrias. O depoimento prestado por Joo Henrique foi colhido na PR-DF e contou com a participao dos PRs Ivan Cludio Marx, Sergio Gardenghi Suiama e Joo Raphael Lima, integrantes do GTJT. O registro foi feito tambm em vdeo, e utilizado para a instruo de treze PICs instaurados no mbito da PR-SP.

    A par da importncia, para as investigaes, das declaraes pres-tadas por estas e outras duas centenas de testemunhas ouvidas pelo MPF no curso dos ltimos meses, o GTJT gostaria tambm de ressaltar o valor histrico e simblico do registro oicial dos depoimentos de testemunhas oculares de crimes nunca antes investigados, em nenhu-ma esfera. Os casos acima narrados, e o reconhecimento judicial do trabalho desenvolvido, manifestado no recebimento das aes penais ajuizadas, representam, no entender do GTJT, um grande avano em matria de proteo dos DHs no Brasil.

    O trabalho de investigao desenvolvido pelos membros do GTJT e pelos Procuradores naturais das investigaes envolve ainda a leitura e anlise de milhares de pginas de documentos digitalizados, cujos originais encontram-se nos arquivos pblicos (cf. box abaixo).

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Box 1: Principais bases de dados de acesso pblico utilizadas pelo MPF

    Arquivo Nacional. O Arquivo Nacional mantm, dentre outros acervos, os registros do extinto SNI, fonte de provas indispensvel persecuo dos crimes cometidos durante o perodo autoritrio. Alguns dos documentos de relevncia histrica, obtidos no mbito das investigaes desenvolvidas, esto includos no CD-R anexado. O objetivo dos procu-radores naturais, com a obteno de tais documentos, tem sido o de buscar reconstituir o funcionamento dos rgos de represso poltica (inclusive os clandestinamente orga-nizados), a partir do relato de ex-presos polticos, familiares de mortos e desaparecidos polticos, ex-agentes do regime, colaboradores e outras testemunhas aptas a fornecer ele-mentos hbeis comprovao, sobretudo da autoria delitiva, de crimes cometidos h mais de quarenta anos. Os pedidos de documentos devem ser dirigidos a: Praa da Repblica, 173 Rio de Janeiro RJ CEP 20211-350. Alm disso, o site do Arquivo Nacional hospeda a base de dados do projeto Memrias Reveladas: http://www.an.gov.br/mr/Seguranca/Principal.asp. O projeto rene, de forma cooperativa, infor-maes sobre o acervo arquivstico relacionado represso poltica no perodo 1964-1985, custodiado por diferentes entidades brasileiras. As informaes, exibidas em at cinco nveis de detalhamento, acham-se em constante atualizao. Proporciona um panorama do acervo disponvel consulta em diferentes pontos do pas e permite acompanhar a in-ventariao das fontes documentais.

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    Histrico

    Arquivo Pblico do Estado de So Paulo: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/memoriapolitica/index.php. O Arquivo Pblico de So Paulo o depositrio dos arquivos do extinto Departamento de Ordem Poltica e Social DEOPS, produzidos entre 1924 e 1983. O acervo compreende 1.173 metros lineares de documentao, com 150 mil pronturios (nominais e temticos), treze mil pastas de dossis e aproximadamente dois milhes de ichas. Possui quarto conjuntos principais de documentos: Ordem Social, Ordem Poltica, Dossis e Pronturios. Alm disso, tambm possui, em menor proporo, livros, como os Livros de Portaria do Departamento Estadual de Ordem Poltica e Social de So Paulo, e outros, como os Livros de Inquritos (ou de Registro de Organizaes, como tambm so conhecidos). As ichas referem-se a suspeitos de atividades subversivas investigados ou presos pelo prprio DEOPS e tambm pelo DOI-CODI, pois era frequente o intercmbio de informaes e presos polticos entre os rgos integrantes da comunidade de informa-es. Por esse motivo, a anlise dos documentos mantidos no Arquivo Pblico paulista revela-se imprescindvel ao deslinde dos crimes investigados pelo MPF, sobretudo aqueles cometidos no eixo RJ/SP. Uma cpia dos docu-mentos indexados em nome de vtimas, testemunhas e suspeitos pode ser obtida pelos procuradores naturais mediante requisio ao diretor do Arquivo Pblico Paulista (Rua Voluntrios da Ptria, 596 So Paulo SP CEP 02010-000). Na Internet, possvel a consulta parcial aos documentos. Mediante solicitao ou requisio,

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    possvel obter todas as ocorrncias relacionadas a uma determinada pessoa.

    Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro: o ar-quivo o depositrio dos documentos dos rgos de polcia poltica do Rio de Janeiro, incluindo o Departamento Aut-nomo de Ordem Poltica e Social (DOPS). Os documentos no esto digitalizados, devendo a solicitao de pesquisa ser endereada ao Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro - Praia de Botafogo, 480 - Botafogo - Rio de Janeiro, RJ - CEP 22250-040 - Telefone: (21) 2332-1449.

    Projeto Brasil Nunca Mais Digital: http://bnmdigital.mpf.mp.br/. Contem a reproduo digital de 710 processos julgados pelo Superior Tribunal Militar, totalizando cerca de 900 mil pginas de documentos. A consulta ao acervo pode ser feita por palavras e nomes e permite o acesso instantneo ao fac-smile dos processos criminais contra os opositores do regime. Os documentos apresentam um amplo panorama da estrutura policial e judiciria organizada para reprimir os autores de crimes contra a segurana nacional. O projeto BNM Digital uma co-iniciativa do MPF e integra as aes desenvolvidas pela instituio no que se refere memria e verdade dos fatos ocorridos durante a ditadura militar.

    Comisso Especial sobre Mortos e Desaparecidos Polticos da Secretaria de Direitos Humanos da

    Presidncia da Repblica. O rgo mantm o acervo de 475 processos administrativos envolvendo vtimas da

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    Histrico

    ditadura militar, apreciados no mbito da Comisso. Os processos esto instrudos com laudos, documentos oiciais do perodo e termos de declaraes de testemunhas de fatos envolvendo mortos e desaparecidos polticos.

    Acervo do jornal O Globo: http://acervo.oglobo.globo.com/. O site permite pesquisa e acesso ao acervo do jornal.

    Acervo Folha: http://acervo.folha.com.br/jornais/. Acesso e pesquisa ao acervo dos jornais Folha de S. Paulo, Folha da Manh e Folha da Noite.

    Condecorados com a Medalha do Paciicador: http://www.sgex.eb.mil.br/sistemas/almanaque_med_mdp/

    index.php. A Medalha do Paciicador era, durante a ditadura militar, notoriamente usada para condecorar agentes envol-vidos na represso poltica. No site, possvel pesquisar os condecorados, por nome ou sobrenome.

    Tambm como atividade de investigao criminal, o Procurador da Repblica Sergio Gardenghi Suiama, coordenador-substituto do GTJT, mediante prvia autorizao dos familiares das vtimas, requi-sitou a exumao das ossadas de Arnaldo Cardoso Rocha e daquelas atribudas a Alex de Paula Xavier Pereira, ambos dissidentes da ALN, mortos em So Paulo. As requisies foram expedidas no mbito dos respectivos PICs, instaurados, no caso de Arnaldo, para apurar o crime de homicdio, e, no caso de Alex, tambm a ocultao do cadver.

    Membros do GTJT ainda tm buscado informaes junto a arqui-vos de outros pases do Mercosul referentes a casos da Operao

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Condor. Nesse sentido, no procedimento 2008.71.03.001525-2 - IPL 116/2008, foram buscados elementos junto aos Legajos Conadep, na Argentina, bem como junto ao Archivo del Terror30, no Paraguai.

    Ainda no mbito da Operao Condor, o GTJT acompanhou, no dia 10.12.12, a oitiva do argentino Cludio Valejos, acusado de ter participado da priso ilegal e posterior desaparecimento de Francisco Tenrio Jnior, vulgo Tenorinho, ocorrido em Buenos Aires, no dia 27.03.76. Em razo de outros crimes cometidos na Argentina, o STF j autorizou sua extradio quele pas para responder a processo.

    No ano de 2013, o coordenador do GTJT participou de reunies de Fiscales em Buenos Aires e Montevidu, juntamente com colegas argentinos e uruguaios, contando, ainda, com a presena e apoio do juiz espanhol Baltazar Garzn Real. O objetivo dessas reunies tem sido o estabelecimento de maior cooperao interestatal na investigao dos crimes ocorridos no marco da Operao Condor, principalmente por meio de uma maior troca de informao pelos respectivos Ministrios Pblicos.

    De fato, uma investigao completa dos crimes da Operao Condor requer uma ampla troca de informaes entre os pases que, outrora, clandestinamente ainaram atos e troca de informaes em persecuo queles que se opunham aos regimes ditatoriais. Frisa-se que o escla-recimento desses fatos no pode ser levado a cabo por investigaes unilaterais conduzidas por promotores deste ou daquele pas31.

    30 Incluindo inclusive uma visita a sua sede, em maro de 2012.

    31 Especiicamente no caso dos crimes da Operao Condor, no bastasse a comple-xidade caracterstica da investigao dos crimes contra a humanidade pelo seu carter sistemtico ou generalizado, aliado clandestinidade e distncia no tempo entre sua ocorrncia e posterior investigao -, a diiculdade da produo de provas se v reforada pelas barreiras fronteirias recrudescidas pela inexistncia de acordos de colaborao mais cleres e efetivos. A necessidade de uma maior cooperao interestatal, ademais, se coaduna com o disposto pela Corte IDH no caso Gelmn vs. Uruguay (Sentencia de febrero de 2011. Serie C n.o 221: La obligacin de investigar los hechos en el presente caso de desaparicin forzada se ve particularizada por lo

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    Histrico

    Uma preocupao especial do GTJT e dos procuradores naturais tem sido o estabelecimento de dilogo com os familiares dos mortos e desaparecidos polticos, a im de assegurar total transparncia aos procedimentos de investigao em curso. Familiares das vtimas foram previamente contatados nas aes penais ajuizadas e tambm foi-lhes facultado o acesso s investigaes. Muitos familiares tm ativamente contribudo para a elucidao dos fatos, fornecendo documentos e informaes sobre possveis testemunhas.

    establecido en los artculos III, IV, V y XII de la Convencin Interamericana sobre Desaparicin Forzada, en cuanto a la investigacin de la desaparicin forzada como delito continuado o permanente, el establecimiento de la jurisdiccin para investigar dicho delito, la cooperacin con otros Estados para la persecucin penal y eventual extradicin de presuntos responsables y el acceso a la informacin sobre los sitios de detencin. 233. Igualmente, por tratarse no solo de un patrn sistemtico en que mltiples autoridades pudieron estar implicadas sino tambin de una operacin trans-fronteriza, el Estado ha debido utilizar y aplicar en este caso las herramientas jurdicas adecuadas para el anlisis del caso, las categoras penales correspondientes con los hechos por investigar y el diseo de una adecuada investigacin capaz de recopilar y sistematizar la diversa y vasta informacin que ha sido reservada o que no puede fcilmente accederse a ella y que contemple la necesaria cooperacin inter-estatal (grifos nossos).

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Box 2: Quando uma porta se abre... Maria Amlia de Almeida Teles*

    A iniciativa do MPF de apurar criminalmente os sequestros, torturas, assassinatos e ocultao dos cadveres de opositores polticos do perodo da ditadura militar nos trouxe a esperan-a, mas principalmente, a dignidade de se ter, pela primei-ra vez, depois daquele perodo, uma porta do Estado que se abre diante dos nossos clamores de tantos e tantos anos, acompanhados de perguntas que no se calam: onde esto os desaparecidos polticos? Quem so os responsveis por tais

    barbaridades? Onde esto?

    No Brasil, desde meados dos anos de 1980, durante o chamado processo de redemocratizao, havia uma impie-dosa rejeio s nossas indagaes e falas de lembrar e reivindicar memria, verdade, justia a respeito dos fatos dolorosos de violncia e perdas do perodo da ditadura militar. O terrorismo de Estado ainda se fazia presente. O medo se consolidou. Imps-se um silncio e vicejou a po-ltica do esquecimento em nome da governabilidade e do futuro promissor. Passamos a ser tratados como pessoas saudosistas para uns, e revanchistas por foras mais pode-rosas vinculadas ao estado.

    Mesmo assim buscamos a justia, com a nossa primeira ao civil, em 1982, e tivemos xito, no mbito nacional, quando, em 2007, foi transitada em julgado, a sentena que obriga o Estado brasileiro a localizar os restos mortais dos desaparecidos polticos. Fomos tambm bem sucedidos junto Corte IDH, que, em 14.12.10, condenou o Estado brasileiro por graves

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    Histrico

    violaes de direitos humanos em relao aos guerrilheiros desaparecidos no Araguaia.

    Entretanto, no tivemos uma ao de Estado contundente capaz de cumprir as sentenas, executando-as com respostas claras, objetivas e cabais que esclarecessem quem sequestrou os desaparecidos, responsabilizando e punindo, com o devido processo legal, os executores e mandantes destes crimes de lesa-humanidade.

    Felizmente, comeamos a respirar um pouco de verdade e justia quando o MPF, por meio do GTJT, rompe com a barreira quase intransponvel de que a lei da anistia foi para os torturadores e que, portanto, eles no podem ser respon-sabilizados pelos crimes cometidos na ditadura.

    O MPF, ao entrar com aes criminais contra os torturado-res, passa a ser autor de um feito jamais ocorrido na histria brasileira. Movido pela verdade e justia, o MPF desenha a possibilidade de se trilhar um caminho seguro e sereno para a construo do Estado democrtico de direito. Oxal tal exem-plo pioneiro se estenda s demais instituies estatais para pr im hipocrisia e banalizao da violncia to vigentes em nossa sociedade nos dias atuais.

    Comisso de Familiares de Mortos e Desaparecidos Pol-ticos. Presa poltica poca da ditadura juntamente com toda sua famlia

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Box 3: Histrico das Lutas dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Polticos Victria Lavnia Grabois Olmpio*

    Eu, Victria Lavnia Grabois Olmpio, familiar de desapare-cidos polticos da Guerrilha do Araguaia, venho agradecer a cooperao do MPF em razo das aes penais pblicas em face dos militares envolvidos nos crimes de lesa-humanidade relacionados a este episdio. Segue o histrico da luta dos familiares dos guerrilheiros.

    O contexto ditatorial das dcadas de 60/70 se revela como uma poca de prises, torturas e assassinatos. Nesse clima de represso gerado pelo Estado, milhares de democratas so presos e torturados, dezenas de brasileiros so mortos nos quartis militares ou casas de terror, utilizadas pelos militares como crceres privados.

    As mes dos opositores do regime militar iniciam buscas solitrias, clandestinas e individuais, para localizar o paradei-ro de seus ilhos. medida que se organizam, procuram os ilhos em quartis, delegacias e nos IMLs; muitas recorrem s embaixadas e consulados ou viajam para o exterior, a im de localizar o seu familiar.

    A atuao dos familiares, destacando-se as mes dos mortos e desaparecidos, tornou-se mais intensa a partir do governo Mdici, quando cresceu de forma alarmante o nmero de desa-parecidos. Essas mulheres, - mes, esposas e irms -, estiveram muito presentes e ainda hoje permanecem nesta busca. Em 1975, um grupo de mulheres proissionais liberais, trabalhado-ras, universitrias e mes de presos polticos - para comemorar

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    Histrico

    o Ano Internacional da Mulher lanaram no Rio de Janeiro, o primeiro Manifesto pela Anistia, e assim surge o Movimento Feminino Pela Anistia e Liberdades Democrticas. O exemplo de luta dessas mulheres foi seguido pela sociedade civil. Em 1976, foram fundados, em diversos estados, os Comits pela Anistia (CBA), esse movimento tinha como objetivo a anistia ampla, geral e irrestrita.

    O regime ditatorial, pressionado pela opinio pblica, foi obrigado a ceder, e inalmente, em 28.08.79, foi promulgada a Lei da Anistia, embora no fosse aquela anistia que todos clamavam: ampla, geral e irrestrita. Os presos polticos saram da priso, os exilados/banidos retornaram ao pas, os clandes-tinos voltaram para o convvio social, mas no houve nenhum esclarecimento por parte dos militares sobre o paradeiro dos mortos e desaparecidos. Com isso, o regime de exceo se eximia de suas responsabilidades, ocultando os assassinatos ocorridos nos DOI-CODIs e na Guerrilha do Araguaia, no permitindo a elucidao das circunstncias das mortes dos opositores do regime militar. Em 1985, com a redemocratiza-o e o declnio dos CBAs, as famlias, junto com ex-presos polticos e pessoas comprometidas com a luta dos direitos humanos, se organizam e fundam o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM/RJ).

    A luta dos familiares teve um grande marco: a abertura da vala de Perus, no cemitrio D. Bosco, em So Paulo, em 04.09.90. Neste local, foram encontradas 1049 ossadas de indigentes, vtimas do Esquadro da Morte e de presos polti-cos. Com a luta das famlias e da Comisso de Familiares de So Paulo, as ossadas foram transferidas para cemitrios da

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    capital e para o IML/SP, dando continuao ao trabalho de reconhecimento.

    A partir da abertura da vala, um marco na luta pelo resgate dos mortos e desaparecidos polticos, os familiares passaram a reivindicar de maneira mais incisiva o acesso aos arquivos da ditadura. Os arquivos do DOPS do Rio de Janeiro, que se encontravam em poder da PF, foram entregues ao governo do Estado em agosto de 1992, e logo foi permitida a pesquisa ao GTNM/RJ. Em So Paulo, o governo do Estado abriu os arquivos em 1994, quando 10 representantes dos familiares iniciaram as pesquisas. Outras valas clandestinas foram encontradas devido s pesquisas feitas pelos Grupos Tortura Nunca Mais/RJ/PE, nos cemitrios de Ricardo de Albuquerque no Rio e Santo Amaro no Recife.

    A Cmara Federal, em 1987, criou a Comisso de Repre-sentao Externa de Busca de Desaparecidos, presidida pelo deputado Nilmrio Miranda do PT de Minas Gerais. A partir de um relatrio das Foras Armadas, entregue ao parlamentar, onde havia informaes falsas ou incompletas, comea a ser elaborado um anteprojeto da Lei dos Desaparecidos.

    Em dezembro de 1995, o presidente da Repblica sancio-na a Lei 9.140. A lei declara que os 136 brasileiros que eram considerados desaparecidos, a partir da mesma, so mortos e suas famlias podem solicitar os atestados de bitos. Segundo essa lei, meu pai Maurcio Grabois, meu irmo Andr Grabois e meu marido Gilberto Olmpio Maria, judicialmente, passam a ser considerados mortos. Contudo, as circunstncias de suas mortes e a localizao dos seus restos mortais nunca foram reveladas.

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    Histrico

    A Lei 9140/95 perversa, pois declara que o nus das provas pelas mortes de responsabilidade das famlias e no do Estado. Vrios casos foram estudados pela Comisso, a partir das provas documentais trazidas pelos familiares. Mesmo assim, no foi possvel comprovar a responsabilidade do Estado pelas mortes, pelo fato de no terem sido abertos os arquivos secretos, os quais esto sob a jurisdio do Governo Federal.

    A resistncia dos familiares do AraguaiaEm 1980, os familiares do Araguaia com o apoio dos Co-

    mits de Anistia do Rio de Janeiro e de So Paulo, da OAB, de setores da igreja, de parlamentares de vrios estados e da imprensa, organizaram uma caravana que chegou no dia 22.10 a Belm e percorreu, durante quinze dias, a regio onde se desencadeou a luta armada nos anos de 1972/1975.

    A caravana constatou que o regime de exceo desenca-deou aes violentas contra a populao da regio. Antes da chegada dos familiares e seus companheiros, o Exrcito visitou inmeras famlias e intimidou com ameaas as pessoas que se dispunham a prestar esclarecimento caravana sobre o ocorrido nos anos de 1972/75.

    Os integrantes da caravana sentiram a presena ostensiva de elementos do Exrcito por onde passavam. Mesmo assim, os moradores da regio prestaram signiicativa solidariedade aos familiares atravs de muitos abraos e lgrimas, demonstrando imenso carinho e respeito pelos combatentes do Araguaia.

    Foi constatado que poucos foram os mortos em combate. Os guerrilheiros, em sua maioria, foram presos com vida e enviados para os quartis e acampamentos militares de Ma-

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    rab, Xambio e Bacaba, de onde suas cabeas e mos foram enviadas para Braslia, a im de serem identiicadas.

    Em 1991, com o apoio da Arquidiocese de So Paulo, em especial de Dom Paulo Evaristo Arns, foi organizada a segunda expedio regio do Araguaia. Alm dos familiares, izeram parte dessa segunda misso representantes da Arquidiocese, advogados e o mdico legista Badan Palhares do Departamento de Medicina Legal da Unicamp. Aps as escavaes, foram encontrados os restos mortais da guerrilheira Maria Lcia Petit da Silva e mais duas ossadas.

    Em julho de 2001, a Comisso de Familiares participou de uma caravana promovida pelo MPF. Durante as investigaes realizadas foram coletados cinquenta depoimentos de mora-dores da regio, que elucidaram algumas circunstncias das mortes dos guerrilheiros e ofereceram indcios da localizao dos seus restos mortais.

    Alm das iniciativas no mbito nacional, se requisitou o tra-balho da experiente Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAFF), que realizou quatro expedies na zona para explorar reas de interesse, mas essas incurses foram infrutferas em 2004. A EAFF fez as seguintes recomendaes: o aprofunda-mento das informaes de carter militar, como documentos, mapas e testemunhas que permitam buscar maiores refern-cias para localizao dos corpos; melhor delimitao da rea geogrica de busca. Alertaram tambm, que para se realizar buscas de mapas e informaes, dever-se-ia levar em conta as mudanas geogricas da regio.

    Alm das reivindicaes polticas, os familiares tambm seguiram a linha judicial. Assim, em 1982, vrios familiares

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    Histrico

    dos guerrilheiros do Araguaia ajuizaram uma ao contra a Unio Federal, visando indicao da sepultura de seus pa-rentes, de modo que pudessem ser lavrados os atestados de bitos e serem transladados os corpos, com base no relatrio oicial da Guerrilha, feito pelo ento Ministrio da Guerra. Em 1995, devido morosidade da justia brasileira, os autores do processo iniciado no Brasil em 1982 encaminharam CIDH uma demanda contra a Repblica Federativa do Brasil que originou a petio apresentada, em 07.08.95, pelo Centro pela Justia e o Direito Internacional (CEJIL) e pela Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia.

    Vale ressaltar que a CIDH acentuou o valor histrico do episdio denominado Guerrilha do Araguaia e alegou a respon-sabilidade do Estado brasileiro pela deteno arbitrria, tortura e desaparecimento forado de setenta pessoas entre militantes do PC do B e camponeses da regio. Na demanda enviada Corte, a Comisso enfatiza que o Estado no realizou uma in-vestigao penal com a inalidade de julgar e punir as pessoas responsveis pelo desaparecimento forado dos guerrilheiros, assim como o Estado no favoreceu aos familiares o acesso informao sobre a guerrilha. A CIDH solicitou Corte que o Estado brasileiro seja responsvel pela violao dos direitos estabelecidos nos seguintes artigos: Art. 3: direito ao reconhe-cimento da personalidade jurdica; art. 4: direito vida; art. 5: direito integridade pessoal; art. 7: direito liberdade pessoal; art. 8: garantias judiciais; art. 13: liberdade de pensamento e expresso e art. 25: proteo judicial, da CADH, em conexo com as obrigaes previstas nos artigos 1.1 (obrigao geral de

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposies de direito interno) da mesma Conveno.

    O pedido da Comisso foi aceito pela Corte e esta realizou uma audincia pblica nos dias 20 e 21.05.10. Durante esta audincia foram ouvidos peritos e testemunhas, tanto do Es-tado quanto dos familiares. Finalmente, em 24.11.10, a Corte responsabilizou, por unanimidade, o Estado brasileiro pelos desaparecimentos forados, alm de ter infringido os artigos da CADH. E ainda declarou que a Lei de Anistia brasileira no compatvel com a CADH ao impedir as investigaes e a sano de graves violaes de DH, declarando tambm que a Lei de Anistia no pode ser um obstculo para a investigao, identiicao e punio dos responsveis por estas violaes de DH. Airmou, ainda, que o Estado responsvel pela vio-lao da liberdade d pensamento e expresso e pela violao do direito integridade pessoal.

    De acordo com o Estado brasileiro, nos ltimos quatro anos, relatos e informaes sobre a Guerrilha do Araguaia vm sendo coletados e ou reunidos por agentes estatais, mas at agora no foi disponibilizado o contedo integral dos dados coletados das entrevistas de mais de 150 pessoas.

    Em 2003, a juza da 1 Vara da Justia Federal de Braslia, Dra. Solange Salgado, proferiu sentena em favor dos familia-res condenando a Unio a: quebra de sigilo das informaes militares relativas a todas as operaes realizadas no combate Guerrilha do Araguaia, no sentido de construir um quadro preciso e detalhado das operaes realizadas no cenrio da luta; intimar a prestar depoimento todos os agentes militares ainda vivos que tenham participado de quaisquer das opera-

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    Histrico

    es, independente dos cargos ocupados poca e no pra-zo de 120 dias; sem o cumprimento integral desta deciso, condenar a Unio ao pagamento de multa diria ixada em R$ 10.000,00. Aps a deciso da Juza Solange Salgado, os familiares e os Grupos Tortura Nunca Mais foram Braslia solicitar aos Ministros da Justia e da Casa Civil, ao secretrio especial dos DH e ao Advogado Geral da Unio para que a Unio no recorresse da sentena. Contudo, os apelos das fa-mlias e dos defensores dos DH no foram atendidos: a Unio recorreu alegando que na petio inicial os autores deman-davam somente a localizao dos corpos e a juza tambm determinava a apurao das circunstncias das mortes.

    Em 20.09.07, foi publicada no Dirio da Justia a deciso do STJ sobre o recurso da Unio, apresentado contra a deci-so anterior do TRF. Segundo esta deciso, a Unio deveria quebrar o sigilo sobre as operaes militares realizadas na regio do Araguaia e as Foras Armadas deveriam notiicar todos os militares que participaram dos confrontos a depor. O STJ tambm determinou o prazo de 120 dias para a Unio informar a localizao dos restos mortais dos combatentes da guerrilha, assim como realizar o traslado e entregar as ossadas aos familiares para que estes enterrem seus parentes.

    O ministro do STJ Teori Albino Zavascki manteve a sentena de primeira instncia, proferida em 10.06.07 e que fora recu-sada em 26.06.07 pelo TRF. Em seu voto, o Ministro Zavascki ponderou: (...) embora j distante no tempo como fato histrico que se pode ter por superado, inclusive pela paciicao na-cional decorrente do processo de anistia, esse episdio deixou feridas de natureza pessoal aos familiares dos envolvidos que

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    precisam ser de alguma forma cicatrizadas deinitivamente. A sentena, at hoje, est em fase de execuo. A juza Solange Salgado j ouviu como testemunhas o major Sebastio de Moura Curi e o tenente coronel Lcio Augusto Maciel, assim como soldados, cabos e sargentos. Assisti ao depoimento dos dois primeiros e eles mentiram descaradamente, airmando que nada sabiam sobre as mortes dos guerrilheiros.

    O Brasil, comparado aos demais pases da Amrica Lati-na, ainda no estabeleceu uma poltica coerente de DH. o nico pas desta regio que nunca processou e nem acatou nenhuma deciso judicial em relao aos atos de tortura, de desaparecimentos e de assassinatos cometidos por militares e civis. Nessa rea, as aes governamentais se mostram muito tmidas.

    Apesar de a Corte IDH tambm airmar que os familiares das vtimas e a sociedade devem ser informados de todo o

    ocorrido com relao a graves violaes de direitos humanos, e ordenar que o Estado brasileiro garantisse o acesso a toda a informao sobre a Guerrilha do Araguaia, o Estado at hoje no cumpriu a sentena de 2010.

    Seguindo a determinao da Corte, foi criado em 2009 o GTT, com o intuito de identiicar os restos mortais dos guer-rilheiros. Em 2011, o GTT passou a se denominar Grupo de Trabalho Araguaia (GTA), que continua sendo desenvolvido na regio da Guerrilha, porm, com muitas crticas dos fami-liares. No h uma metodologia de trabalho, principalmente no cemitrio de Xambio, onde so escavados tmulos se baseando unicamente na indicao de colaboradores. Outro ponto questionado pelos familiares a falta de confronto entre

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    Histrico

    informaes recebidas pelos colaboradores e as informaes j conhecidas para determinar a coniabilidade do relato. Um fato preocupante o que diz respeito logstica: at agora o Estado gastou com o trabalho de campo das expedies ao Araguaia, entre os anos de 2009 e 2010, R$ 4.615.178,19 (quatro milhes, seiscentos e quinze mil, cento e setenta e oito reais e dezenove centavos) e no ano de 2011, R$ 1.704.378,85 (um milho, setecentos e quatro mil, trezentos e setenta e oito reais e oitenta e cinco centavos). Outra denncia sobre o nmero de militares empregados nas misses, que excede o de civis. O Relatrio Final de Concluso do GTA de 2011 narra que: cada expedio contou em mdia com a participao de 30

    civis e com 40 militares. E, inalmente, os familiares que j participaram das misses airmam ser necessria a sistematiza-o minuciosa das informaes cotejadas at agora; preciso coletar os dados e sistematizar as informaes no sentido de facilitar o trabalho das misses.

    A nica ao louvvel desenvolvida pelo Estado em relao ao caso da Guerrilha refere-se ao MPF do Par, que em 2011, teve a coragem de iniciar aes judiciais por crimes contra a humanidade dos oicias da reserva Sebastio Rodrigues de Moura, o Curi, e Lcio Augusto Maciel. O primeiro acusado de sequestrar e ocultar os corpos dos guerrilheiros: Antnio de Pdua Costa, Maria Clia Corra, Daniel Callado, Hlio Luiz Navarro de Magalhes e Telma Regina Cordeiro Corra.

    Em julho de 2012, o MPF do Par denunciou mais um mi-litar por sequestro durante a Guerrilha do Araguaia: o major da reserva Lcio Augusto Maciel foi acusado de sequestrar o combatente Divino Ferreira de Sousa, nico de quatro guerri-

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    lheiros que foi levado vivo para dependncias militares, aps uma emboscada, em 1973, no sul do Par, na operao co-nhecida como Marajoara, de represso guerrilha.

    A outra ao de suma importncia foi a denncia do MPF de SP, que denunciou o coronel reformado, Carlos Ustra, JF pelo crime de sequestro qualiicado. Ustra foi comandante do DOI-CODI/SP, no perodo de 1970 a 1974. Na ao tambm foram indiciados os delegados da polcia civil: Alcides Singillo e Carlos Alberto Augusto.

    necessrio que o Estado brasileiro adote medidas urgentes para que os agentes pblicos envolvidos em crimes contra a humanidade sejam investigados e responsabilizados por seus atos desumanos.

    A importncia das aes criminais ajuizadas pelo MPF que estas so instrumentos para responsabilizar e punir os acusados de crimes contra a humanidade.

    As famlias, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, a Comisso de Familiares de Mortos e Desaparecidos Polticos e o Centro pela Justia e o Direito Internacional (Cejil) continuam enfa-tizando a luta pela total esclarecimento e responsabilizao do Estado brasileiro dos fatos ocorridos no perodo ditatorial. E com a certeza que o MPF far todo o esforo para auxiliar a elucidao das graves violaes dos direitos humanos da poca da ditadura militar brasileira.

    Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais RJ.

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    Histrico

    O MPF, por intermdio dos procuradores naturais e dos membros do GTJT tambm tem trocado informaes sobre casos especicos com a CNV e as Comisses da Verdade de Pernambuco, So Paulo e Rio de Janeiro.

    O GTJT entende que, no obstante os pontuais pedidos de arqui-vamento, as aes penais e as investigaes instauradas do parcial cumprimento obrigao estabelecida no ponto resolutivo 9 da sen-tena do caso Gomes Lund, consistente no dever do Estado brasileiro de iniciar a persecuo penal das graves violaes a DH cometidas durante o regime militar. O GTJT tambm entende que a instaurao de investigaes formais um dever do Estado brasileiro para com as vtimas dessas violaes e a seus familiares, os quais reivindicam, h pelo menos quatro dcadas, providncias do Estado em relao apurao do que ocorreu com seus prximos.

    O GTJT acredita que as provas produzidas nos autos dos proce-dimentos de investigao tm especial valor histrico, pois ampliam o conhecimento, consolidam e sistematizam, em relao a cada uma das vtimas, indcios e elementos, at agora esparsos, constantes de velhos arquivos ou presentes na memria das testemunhas dos acon-tecimentos. Em conjunto com os procuradores naturais dos feitos, os membros do GTJT recolheram provas de interesse pblico geral, como o depoimento de cerca de doze horas dos agentes da repres-so Marival Chaves e Cludio Antnio Guerra, que jamais haviam sido formalmente ouvidos por rgos do Estado. Os dois, e as mais de duas centenas de testemunhas j ouvidas pelo MPF em todas as regies do pais, forneceram importantes elementos de convico para a recuperao das histrias individuais e coletivas de um perodo crucial de nosso pas.

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Teses institucionais

    adotadas pela 2CCR

    e pelo GTJT

    Obrigaes positivas do Estado brasileiro em matria penal. A sentena do caso Gomes Lund e o direito internacional dos DH

    Estado da matria no direito internacional dos DH

    Uma crescente e visvel nfase nos deveres dos Estados em ma-tria de proteo a DH por intermdio do sistema jurdico-criminal tem sido uma das marcas do direito internacional do ps-2a Guerra. Sobretudo a partir da dcada de 1990, tratados e decises de cortes internacionais vm explicitando que os direitos reconhecidos pelos sistemas regionais e universal incluem deveres estatais correlatos, relacionados criminalizao de certas condutas atentatrias a esses direitos e organizao de um servio voltado persecuo criminal efetiva de seus autores. Tais deveres so entendidos, em geral, como inderrogveis e, dentre estes, alguns so de natureza cogente. o caso, por exemplo, da obrigao cogente internacionalmente reconhecida de criminalizao e represso ao genocdio32.

    32 Conveno para a Preveno e Represso do Crime de Genocdio. Aprovada pela Resoluo 260 A (III) da Assembleia Geral da ONU em 09.12.48. Assinada pelo Brasil em 11.12.48 e ratiicada em 15.04.52.

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    Teses institucionais adotadas pela 2CCR e pelo GTJT

    Provises dirigidas persecuo penal de certas violaes po-dem ser encontradas nos seguintes tratados internacionais de DH assinados pelo Estado brasileiro: Conveno para a Preveno e a Represso do Crime de Genocdio (1948); Conveno Interna-cional sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Racial (1969); Conveno contra a Tortura (1984); Conveno Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985); Conven-o Interamericana sobre o Desaparecimento de Pessoas (1994); Conveno Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violncia Contra a Mulher (Conveno de Belm do Par, 1994); Protocolo Facultativo Conveno sobre os Direitos da Criana referente venda de crianas, prostituio infantil e pornograia infantil (2000) e Protocolo Adicional Conveno contra o Crime Orga-nizado Transnacional relativo preveno, represso e punio do trico de pessoas, em especial mulheres e crianas (2000). No julgamento da Ao Declaratria de Constitucionalidade n.o 19 ADC 19, inclusive, os Ministros do STF lembraram os deveres de proteo penal assumidos pelo Estado brasileiro na Conveno de Belm do Par, ao conirmarem a natureza incondicionada da ao penal pblica em casos de violncia domstica33.

    33 Frisou-se [durante o julgamento da ADC] que, na seara internacional, a Lei Maria da Penha seria harmnica com o que disposto no art. 7, item c, da Conveno de Belm do Par (Artigo 7. Os Estados Partes condenam todas as formas de violncia contra a mulher e convm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, polticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violncia e a empenhar-se em: ... c. incorporar na sua legislao interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessrias para prevenir, punir e erradicar a violncia contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicveis) e com outros tratados ratiicados pelo pas. Sob o enfoque constitucional, consignou-se que a norma seria corolrio da incidncia do princpio da proibio de proteo insuiciente dos direitos fundamentais. Sublinhou-se que a lei em comento representaria movimento legislativo claro no sentido de assegurar s mulheres agre-didas o acesso efetivo reparao, proteo e justia. (noticiado no Informativo 654 do STF, ed. de 06 a 10.02.12).

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Tambm no mbito dos organismos internacionais de DH, o dever estatal de proteo por meio do sistema de justia criminal tem sido fortemente ressaltado. Em geral, as Cortes Europeia e Americana de DH fundamentam essa obrigao nas clusulas dos tratados que es-tipulam o dever dos Estados-Parte de assegurar e proteger o direito das vtimas e tambm nas que garantem a estas um remdio efetivo contra a violao constatada. Especiicamente, as cortes internacionais entendem que, no caso de graves violaes a certos direitos (v.g. vida, integridade fsica, liberdade, no-discriminao), a atuao estatal feita exclusivamente por meio de leis no-penais pode no ser suiciente efetividade da proteo. No sistema europeu, o primeiro precedente a esse respeito foi X. and Y. v. The Netherlands34, um caso de abuso sexual de uma adolescente com deicincia mental, no qual a Corte Europeia frisou que a proteo conferida pela lei civil em caso de ilcitos como os cometidos contra Y insuiciente. (...) Efetiva dissu-aso indispensvel nesta rea e s pode ser alcanada atravs de provises criminais; com efeito, por meio dessas provises que o assunto normalmente regulado.

    No sistema interamericano, a Corte IDH estabeleceu seu primeiro precedente na matria em 1988, no julgamento do caso do desapa-recimento forado do dissidente poltico Angel Manfredo Velsque-z-Rodrguez, cometido por agentes do Estado de Honduras35. Naquela ocasio, a Corte airmou que a obrigao estatal prevista no art. 1o da Conveno Interamericana, consistente no dever de garantir o livre e pleno exerccio dos direitos reconhecidos pelo tratado, implica no dever dos Estados de organizar o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas pelas quais o poder pblico exercido, de

    34 Corte Europeia de DH, X e Y vs. Pases Baixos, sentena de 26.03.85. Srie A, No 91.

    35 Corte IDH, Caso Velsquez Rodrguez vs. Honduras. Mrito. Sentena de 29 de julho de 1988, par. 103.

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    Teses institucionais adotadas pela 2CCR e pelo GTJT

    modo que eles sejam juridicamente capazes de garantir a livre e plena fruio dos DH. E prossegue:

    Como conseqncia desta obrigao, os Estados devem prevenir, investigar e punir qualquer violao de direitos reconhecidos pela Conveno e, alm disso, se possvel, buscar reparar o direito violado e providenciar a compensao cabvel pelos danos resultantes dessa violao.36

    A jurisprudncia posterior do sistema interamericano consolidada especialmente em casos de desaparecimentos forados e execues sumrias perpetrados pelos governos autoritrios que dominaram o continente (v.g., dentre outros, os casos Blake vs. Guatemala37, Durand y Ugarte vs. Per38, Bmaca Velsquez vs. Guatemala39, Goibur y otros vs. Paraguay40, Almonacid Arellano y otros vs. Chile, La Cantuta vs. Per) - fundamenta deveres estatais de proteo penal tanto na obri-gao geral de prevenir e reprimir a ocorrncia de graves violaes a DH (art. 1o da CADH), como na obrigao de proporcionar s vtimas um recurso efetivo contra atos que violem seus direitos fundamentais.

    36 Caso Velsquez Rodriguez vs. Honduras, par. 166, cit.

    37 Corte IDH, Caso Blake vs. Guatemala. Mrito. Sentena de 24.01.88.

    38 Corte IDH, Caso Durand y Ugarte vs. Per. Fundo. Sentena de 16.08.00.

    39 Este fenmeno supone, adems, el desconocimiento del deber de organizar el aparato del Estado para garantizar los derechos reconocidos en la Convencin. En razn de lo cual, al llevar a cabo o tolerar acciones dirigidas a realizar desapariciones forzadas o involuntarias, al no investigarlas de manera adecuada y al no sancionar, en su caso, a los responsables, el Estado viola el deber de respetar los derechos reconocidos por la Convencin y de garantizar su libre y pleno ejercicio83, tanto de la vctima como de sus familiares, para conocer el paradero de aqulla. (par. 129 da sentena).

    40 Corte IDH, Caso Goibur y otros vs. Paraguay. Fundo, Reparaes e Custas. Sen-tena de 22.09.06.

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    Nessa hiptese, a Corte IDH interpretou os arts. 8o e 25 da Conveno para conferir tambm aos familiares das vtimas:

    (...) el derecho a que la desaparicin y muerte de estas ltimas sean efectivamente investigadas por las autoridades del Estado; se siga un proceso contra los responsables de estos ilcitos; en su caso se les impon-gan las sanciones pertinentes, y se reparen los daos y perjuicios que dichos familiares han sufrido.41

    A natureza cogente das obrigaes estatais em matria penal en-volvendo certas violaes a DH (notadamente execues sumrias e desaparecimentos forados) ressaltada em diversos precedentes, dentre os quais cita-se La Cantuta vs. Per42, Almonacid Arellano vs. Chile43, Goibur e outros vs. Paraguai44; Chitay Nech e outros vs. Gua-temala45 e Ibsen Crdenas e Ibsen Pea vs. Bolivia46, alm, claro, da prpria sentena proferida no caso Gomes Lund vs. Brasil.

    No caso Goibur, julgado em 2006, a Corte IDH delineou a pos-sibilidade de controle jurisdicional de convencionalidade da proteo penal insuiciente conferida a certos direitos, ao julgar que o CP para-guaio no tipiicava adequadamente as condutas de desaparecimento forado e tortura:

    41 Corte IDH,Caso Durand y Ugarte vs. Per. Fundo. Sentena de 16.08.00, p. 130.

    42 Corte IDH,Caso La Cantuta vs. Per. Mrito, Reparaes e Custas. Sentena de 29.11.06.

    43 Corte IDH,Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile. Excees Preliminares, Mrito, Reparaes e Custas. Sentena de 26.09.06.

    44 Corte IDH, Caso Goibur e outros vs. Paraguai, cit., par. 84.

    45 Corte IDH, Caso Chitay Nech e outros vs. Guatemala. Excees Preliminares, Mrito, Reparaes e Custas. Sentena de 25.05.10, Srie C, N 212, par. 193.

    46 Corte IDH,Caso Ibsen Crdenas e Ibsen Pea vs. Bolvia. Mrito, Reparaes e Custas. Sentena de 01.09.10. Srie C, N 217, par. 197.

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    Teses institucionais adotadas pela 2CCR e pelo GTJT

    [E]l Tribunal considera que si bien los tipos penales vigentes en el CP paraguayo sobre tortura y desaparicin forzosa permitiran la penalizacin de ciertas conductas que constituyen actos de esa naturaleza, un anlisis de los mismos permite observar que el Estado las tipiic de ma-nera menos comprehensiva que la normativa internacional aplicable. El Derecho Internacional establece un estndar mnimo acerca de una correcta tipiicacin de esta clase de conductas y los elementos mnimos que la misma debe observar, en el entendido de que la persecucin penal es una va fundamental para prevenir futuras violaciones de derechos humanos. Es decir, que los Estados pueden adoptar una mayor severidad en el tipo especico para efectos de una mejor persecucin penal de esos delitos, en funcin de lo que consideren una mayor o mejor tutela de los bienes jurdicos protegidos, a condicin de que al hacerlo no vulne-ren esas otras normas a las que estn obligados. Adems, la sustraccin de elementos que se consideran irreductibles en la frmula persecutoria establecida a nivel internacional, as como la introduccin de modalidades que le resten sentido o eicacia, pueden llevar a la impunidad de conductas que los Estados estn obligados bajo el Derecho Internacional a prevenir, erradicar y sancionar.

    A partir da anlise dos tratados de DH e da jurisprudncia inter-nacional relacionada matria, possvel identiicar as seguintes obrigaes positivas dos Estados em matria de proteo a DH atravs do sistema penal: a) dever de tipiicar certas condutas como ilcitos criminais; b) dever de promover uma investigao sria, imparcial e minuciosa dos fatos, assumida pelo Estado como obrigao sua, e no como nus da vtima; c) dever de promover a persecuo penal, em

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    juzo, dos autores das violaes (adotada especialmente no sistema interamericano); d) dever de cooperar com outros Estados na perse-cuo de crimes transnacionais; e) dever de estabelecer jurisdio criminal sobre violaes cometidas em seus territrios.

    preciso fazer especial referncia nfase dada pelo direito in-ternacional dos DH aos deveres estatais relacionados s vtimas das violaes a DH. Tais deveres incluem: a) dever de proteger testemunhas e vtimas contra intimidaes e outras formas de vitimizao secund-ria; b) dever de garantir que os interesses e preocupaes das vtimas sejam apresentados e levados em conta em procedimentos criminais; c) dever de assegurar que as vtimas sejam informadas de todas as decises relevantes relativas ao seu caso; d) dever de assegurar pro-teo fsica e psicolgica e assistncia social s vtimas das violaes.

    nesse contexto, de crescente positivao no Direito Internacio-nal Pblico das obrigaes de proteo a DH por meio dos sistemas nacionais de justia criminal, que a sentena da Corte IDH no caso Gomes Lund deve ser compreendida.

    Pontos resolutivos da sentena relacionados persecuo penal de graves violaes a DH cometidas durante o regime militar. Obrigaes dirigidas ao MPF

    A posio adotada pela 2CCR a respeito do cumprimento, pelo MPF, dos pontos resolutivos relacionados persecuo penal das graves violaes a DH cometidas por agentes do regime ditatorial est sistematizada em dois documentos homologados pelos mem-bros da Cmara no ano de 2011, referidos como Documento 1 e Documento 247.

    47 Includos no CD-R anexo.

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    Teses institucionais adotadas pela 2CCR e pelo GTJT

    No documento 1, de 21.03.11, a 2CCR reiterou o dever do MPF de, na qualidade de titular exclusivo da ao penal pblica, cumprir, na maior medida possvel, os deveres impostos ao Estado brasileiro relacionados persecuo penal das graves violaes a DH cometidas no mbito da represso poltica a dissidentes do regime militar. Tais deveres esto assim sistematizados no documento:

    No que tange s atribuies criminais do MPF, a Corte IDH determinou ao Brasil conduza eicazmente a investigao penal para esclarecer os fatos, para deinir as correspondentes responsabilidades penais e para impor efetivamente as sanes penais cabveis. Esta obrigao deve ser cumprida pelo Brasil em um prazo razovel, e as autoridades brasileiras devem adotar os seguintes critrios:

    a) levar em conta o padro de violaes de DH exis-tente na poca, a complexidade dos fatos apurados, e o contexto em que os fatos ocorreram;

    b) evitar omisses no recolhimento da prova e seguir todas as linhas lgicas de investigao;

    c) identiicar os agentes materiais e intelectuais do desaparecimento forado e da execuo extrajudicial de pessoas;

    d) no aplicar a Lei de Anistia aos agentes de crimes;e) no aplicar prescrio, irretroatividade da lei penal,

    coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade criminal para eximir-se do cumprimento da obrigao determinada pela Corte;

    f) garantir que as autoridades competentes realizem, ex oficio, as investigaes criminais correspondentes obrigao determinada pela Corte e responsabilizem os agentes culpados. Para este efeito, devem ter a seu

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    Justia de Transio Atividades de Persecuo Penal desenvolvidas pelo MPF

    alcance e utilizar todos os recursos logsticos e cienticos necessrios para recolher e processar as provas; devem ter acesso garantido documentao e informao ne-cessrias para elucidar os fatos e concluir, com presteza, as investigaes e aes criminais que esclaream o que ocorreu pessoa morta e s vtimas de desaparecimento forado;

    g) garantir a segurana das pessoas que pa