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Cap´ ıtulo 11 Transforma¸c˜ ao de Fourier 11.1 Introdu¸ ao Nos cap´ ıtulos anteriores utilizaram-se s´ eries de Fourier na resolu¸c˜ ao de pro- blemas de valor na fronteira para equa¸c˜ oes diferenciais parciais definidas em intervalos limitados. A ideia central desta aplica¸ ao consiste na repre- senta¸ ao de fun¸ oes definidas em intervalos limitados em termos de fun¸ oes trigonom´ etricas por meio de s´ eries de Fourier, o que ´ e poss´ ıvel em situa¸ oes muito gerais, como foi visto no cap´ ıtulo ??. Para fun¸ oes definidas em intervalos ilimitados, o desenvolvimento em eries de Fourier ´ e poss´ ıvel apenas para fun¸ oes peri´ odicas. Contudo, sob condi¸ oes bastante gerais ´ e poss´ ıvel estender a ideia das s´ eries de Fourier a fun¸ oes definidas em intervalos ilimitados, mesmo que n˜ ao sejam peri´ odicas, substituindo as s´ eries por integrais. Obt´ em-se assim a chamada transforma- ¸ ao de Fourier, muito ´ util em v´arios dom´ ınios da Matem´atica e aplica¸ oes, com destaque para An´alise de Sistemas e Sinais, Teoria do Controlo, Ro- otica, Comunica¸ oes, as quais por seu lado tˆ em implica¸ oes, directas ou indirectas, nas v´arias especialidades de Engenharia, F´ ısica, Biologia, etc. Atransforma¸c˜ ao de Fourier permite transformar a resolu¸c˜ ao de certas equa¸c˜ oes diferenciais lineares naresolu¸c˜ ao deequa¸c˜ oes alg´ ebricas e, por isso, ´ e um m´ etodo deresolu¸c˜ ao deequa¸c˜ oes diferenciais ´ util em muitas situa¸ oes. 11.2 Defini¸ ao e propriedades da transforma¸c˜ ao de Fourier Para motivar a defini¸c˜ ao da transforma¸c˜ ao de Fourier observa-se que se f : R C ´ e uma fun¸ ao de per´ ıodo 2T , com T> 0, cuja restri¸c˜ ao ao inter- valo ] T,T e integr´ avel (` a Lebesgue), ent˜ ao a s´ erie de Fourier de f pode ser escrita na forma +n=−∞ c n e in(π/T )t , com c n = (2T ) 1 T T f (t) e int dt, para n Z. Estas rela¸ oes podem ser escritas, com ω n = n(π/T ), na

Transforma¸c˜ao de Fourier - Department of Mathematicslmagal/TEEDCap11.pdf · 1H´a quem defina a transformada de Fourier multiplicando a expressa˜o em (11.3) por 1/ 2π ou por

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Capıtulo 11

Transformacao de Fourier

11.1 Introducao

Nos capıtulos anteriores utilizaram-se series de Fourier na resolucao de pro-blemas de valor na fronteira para equacoes diferenciais parciais definidasem intervalos limitados. A ideia central desta aplicacao consiste na repre-sentacao de funcoes definidas em intervalos limitados em termos de funcoestrigonometricas por meio de series de Fourier, o que e possıvel em situacoesmuito gerais, como foi visto no capıtulo ??.

Para funcoes definidas em intervalos ilimitados, o desenvolvimento emseries de Fourier e possıvel apenas para funcoes periodicas. Contudo, sobcondicoes bastante gerais e possıvel estender a ideia das series de Fourier afuncoes definidas em intervalos ilimitados, mesmo que nao sejam periodicas,substituindo as series por integrais. Obtem-se assim a chamada transforma-cao de Fourier, muito util em varios domınios da Matematica e aplicacoes,com destaque para Analise de Sistemas e Sinais, Teoria do Controlo, Ro-botica, Comunicacoes, as quais por seu lado tem implicacoes, directas ouindirectas, nas varias especialidades de Engenharia, Fısica, Biologia, etc.

A transformacao de Fourier permite transformar a resolucao de certasequacoes diferenciais lineares na resolucao de equacoes algebricas e, por isso,e um metodo de resolucao de equacoes diferenciais util em muitas situacoes.

11.2 Definicao e propriedades da transformacao

de Fourier

Para motivar a definicao da transformacao de Fourier observa-se que sef :R→C e uma funcao de perıodo 2T , com T > 0, cuja restricao ao inter-valo ]−T, T [ e integravel (a Lebesgue), entao a serie de Fourier de f pode

ser escrita na forma∑+∞

n=−∞ cn ein(π/T )t, com cn = (2T )−1

∫ T−T f(t) e

−int dt,para n ∈ Z. Estas relacoes podem ser escritas, com ωn = n(π/T ), na

304 Transformacao de Fourier

forma (2π)−1∑+∞

n=−∞(π/T )f(ωn) eiωnt, com f(ωn)=

∫ T−T f(t) e

−iωntdt, paran∈Z. Pensando no limite quando T→+∞ e observando a analogia da serieanterior com uma soma de Riemann para subintervalos de largura π/T , enatural esperar que a serie de Fourier de lugar a um integral improprio de−∞ a +∞ com os extremos de integracao a tenderem simetricamente para±∞, a que se chama valor principal de Cauchy do integral improprio∫ +∞−∞ e se designa por vp

∫ +∞−∞ . Assim, espera-se que a serie de Fourier de

lugar a

(11.1)1

2πvp

∫ +∞

−∞f(ω) eiωt dω = lim

T→+∞

∫ +T

−Tf(ω) eiωt dω ,

(11.2) f(ω) = vp

∫ +∞

−∞f(t) e−iωt dt = lim

T→+∞

∫ +T

−Tf(t) e−iωt dt .

Note-se que a funcao integranda no ultimo integral e mensuravel e temmodulo igual a |f |. Portanto, se f ∈ L1(R) o valor principal de Cauchydo integral considerado em (11.2) existe e e igual ao integral (de Lebesgue)usual

(11.3) f(ω) =

∫ +∞

−∞f(t) e−iωt dt .

Assim, para f ∈L1(R) a formula (11.3) define uma funcao f :R→C, a que sechama transformada de Fourier1 de f , que tambem pode ser designadapor f ou [f(t) ], analogamente aos coeficientes de Fourier no capıtulo ??.A utilizacao da mesma notacao para transformadas de Fourier e coeficientesde Fourier nao deve causar confusao devido as diferencas de contexto e econveniente pela grande semelhanca entre as propriedades de ambas, comose vera. A transformacao de Fourier F e definida em L1(R) por F[f ]= f .

Dado o paralelismo entre series de Fourier e integrais de Fourier que seacabou de ilustrar, e de esperar que a teoria dos integrais de Fourier possaser apresentada seguindo um caminho analogo ao percorrido para as seriesde Fourier no capıtulo ??.

Analogamente ao que se fez na seccao ?? para funcoes definidas emintervalos limitados, dadas funcoes f, g ∈ L1(R) define-se a convolucao def com g por

(f ∗g)(t) =∫ +∞

−∞f(t−τ) g(τ) dτ , t ∈ R .

1Ha quem defina a transformada de Fourier multiplicando a expressao em (11.3) por1/

√2π ou por 1/2π, devendo entao a expressao em (11.1) ser multiplicada por

√2π ou

2π, respectivamente.

11.2 Definicao e propriedades da transformacao de Fourier 305

Pode-se estabelecer um resultado analogo ao teorema (??), mas agora parafuncoes definidas em R.

(11.4) Teorema: Se f, g, h ∈ L1(R), entao f ∗g ∈ L1(R), ‖f ∗g‖L1 ≤‖f‖L1‖g‖L1 , f ∗g=g∗f , (f ∗g)∗h=f ∗(g∗h), f ∗(g+h)=(f ∗g)+(f ∗h).

Dem. Deixa-se como exercıcio. E analoga a do teorema (??).

A transformacao de Fourier satisfaz propriedades analogas as proprieda-des dos coeficientes de Fourier na Proposicao (??).

(11.5) Proposicao: Seja f, g∈L1(R). Entao

1. (f+g)= f+g ;2. (af)=af , a∈C ;

3. f(ω)= f(−ω), ω∈R ;

4. |f(ω)| ≤∫ +∞−∞ |f(t)| dt = ‖f‖L1 , ω∈R ;

5. fτ (ω)= f(ω) e−iωτ , onde fτ (t)=f(t−τ), t, τ ∈R ;

6. (f ∗g)= f g ;

7. f(ω) eiωt=(f ∗ϕ)(t) , onde ϕ(t)=eiωt, t, ω∈R ;

8. Se F (t)=∫ t−∞ f(s) ds para t∈R, e F ∈L1(R),

entao F (ω)= f(ω)/(iω), ω∈R\0 .

Dem. Deixa-se como exercıcio.

E tambem util conhecer as propriedades na proposicao seguinte2.

(11.6) Proposicao: Seja f ∈L1(R). Entao

1. Se f ′∈L1(R), entao f ′(ω)= iω f(ω), ω∈R;

2. Se g(t)=−it f(t) e g∈L1(R), entao f e diferenciavel e (f )′= g;

3. Se g(t)=f(t) eiτt, entao g(ω)= f(ω−τ), ω, τ ∈R;

4. Se g(t)=f(t/λ) para t∈R e λ>0, entao g(ω)=λf(λω), ω∈R;

5. Se g(t)=f(−t) para t∈R, entao g(ω)= f(−ω), ω∈R;

2No apendice B estabelece-se que as hipoteses da 1a propriedade na proposicao seguintesao verificadas se adicionalmente a f ∈L1(R) a funcao f e absolutamente contınua.

306 Transformacao de Fourier

6. Se g ∈ L1(R) e g(t) =∫ +∞−∞ G(ω) eiωtdω com G ∈ L1(R), entao

(g∗f)(t)=∫ +∞−∞ G(ω) f(ω) eiωtdω.

Dem. Deixa-se como exercıcio.

(11.7) Exemplos:

1. Seja f(t)=e−a|t| se t≥0, e f(t)=0 se t<0, onde a>0. A transformadade Fourier de f e (Figura (11.1)

f(ω) =

∫ +∞

0e−at e−iωt dt =

∫ +∞

0e−(a+iω)t dt =

1

a+iω.

Figura 11.1: Graficos de f tal que f(t) = e−a|t|

se t≥0 e f(t)=0 se t<0, e de f , para a=1

2. A transformada de Fourier de g(t) = e−a|t|, t∈R, com a> 0 pode serobtida de forma semelhante, mas notando que em termos da funcaof do exemplo anterior e g(t) = f(t)+f(−t), das propriedade geraisenunciadas nas duas proposicoes precedentes obtem-se (Figura 11.2)

g(ω) = f(ω)+f(−ω) = 1

a+iω+

1

a−iω =2a

a2+ω2.

Figura 11.2: Graficos de g(t)=e−a|t| e de g, para a=1

11.2 Definicao e propriedades da transformacao de Fourier 307

3. Considera-se o impulso em rampa (Figura 11.3)

r(t) =

t+1 , |t|<10 , |t|>1 .

A transformada de Fourier de r e

r(ω) =

∫ +∞

−∞r(t) e−iωt dt =

∫ 1

−1(t+1) e−iωt dt

=

[(t+1) e−iωt

−iω

]1

t=−1

+

∫ 1

−1

e−iωt

−iω =−2 e−iω

iω+

[e−iωt

ω2

]1

t=−1

=−2 e−iω

iω− eiω−e−iω

ω2=

2(i sinω−cosω)

iω+

2 sinω

iω2.

Figura 11.3: Graficos de r tal que r(t)= t+1se |t|<1 e r(t)=0 se |t|>1, e de r

4. Considera-se o impulso (Figura 11.4)

pT(t) =

1 , |t|<T0 , |t|>T ,

onde T > 0. A transformada de Fourier de pTe3

pT(ω) =

∫ +∞

−∞pT(t) e−iωt dt =

∫ T

−Te−iωt dt =

eiωT −e−iωT

iω=

2 sin ωT

ω.

5. A transformada de Fourier da soma de dois impulsos, dada pela funcaof(t)=p

T(t+2T )+p

T(t−2T ), pode ser facilmente obtida com base no

3Em termos da funcao sinc introduzida a proposito de series de Fourier no exemplo(??), pode-se escrever p

T(ω)=2T sinc ωT .

308 Transformacao de Fourier

Figura 11.4: Graficos de pTe de p

T, para T =1

exemplo anterior, na linearidade da Transformacao de Fourier e naProposicao (11.5.5) (Figura 11.5)4

f(ω) = pT(ω) eiω2T + p

T(ω) e−iω2T = p

T(ω) 2 cos ω2T

=4 sin ωT cos ω2T

ω.

Figura 11.5: Graficos de f(t)=pT (t+2T )+pT (t−2T )

e de f , para T =1/2

6. Considera-se agora um“impulso modulado” f(t)=pT(t) cosω0t. Note-

se que f(t) =[pT(t) eiω0t−p

T(t) e−iω0t

]/2. Com base no penultimo

exemplo, na linearidade da Transformacao de Fourier e na Proposicao(11.5.3) obtem-se (Figura 11.6))5

f(ω) =pT(ω−ω0)+pT

(ω+ω0)

2=

sin (ω−ω0)T

ω−ω0+

sin (ω+ω0)T

ω+ω0.

4Em termos da funcao sinc, pode-se escrever f(ω)=4T sinc ωT cos ω2T .5Em termos da funcao sinc, pode-se escrever f(ω)=T sinc (ω+ω0)T + T sinc (ω+ω0)T .

11.2 Definicao e propriedades da transformacao de Fourier 309

Figura 11.6: Graficos de f(t)=pT(t) cosω0t

e de f , com T =20, ω0=1

7. Seja f(x) = e−ax2

, onde a > 0. Entao f(ω) =∫ +∞−∞ e−ax2

e−iωx dx.Considerando a funcao integranda como funcao de variavel complexax+iy∈C obtem-se uma funcao holomorfa no plano complexo que tendepara zero no infinito ao longo de qualquer das rectas paralelas ao eixoreal. Devido ao Teorema de Cauchy, o integral nao muda de valor sefor tomado sobre qualquer recta paralela a esse eixo. Assim, qualquerque seja y∈R

f(ω)=

∫ +∞

−∞e−a(x+iy)2e−iω(x+iy) dx = e−ay2+ωy

∫ +∞

−∞e−ax2+ix(2ay+ω) dx .

Figura 11.7: Graficos de f(x)=e−ax2

e de f , para a=4/5

Com y = −ω/(2a) obtem-se

f(ω) = e−ω2/(4a)

∫ +∞

−∞e−ax2

dx = e−ω2/(4a)

∫ +∞

−∞

e−t2

√adt =

√π

ae−ω2/(4a).

310 Transformacao de Fourier

O caso particular com a = 1/2 e o da funcao g(x) = e−x2/2, para aqual g =

√2π g . Assim, esta funcao tem a propriedade de ser igual

a sua transformada de Fourier, a menos de multiplicacao por umaconstante6.

Nos exemplos 2, 5 e 6 as transformadas de Fourier foram obtidas poraplicacao das propriedades gerais da transformacao de Fourier e de trans-formadas de Fourier de outras funcoes ja conhecidas, sem calcular integrais.Este procedimento simplifica muito o calculo de transformadas de Fourier 7.

O resultado seguinte estabelece que as transformadas de Fourier sao fun-coes contınuas que tendem para zero em ±∞. A esta ultima propriedadef(ω) → 0 quando ω → ±∞ e usual chamar Lema de Riemann-Lebesguede forma semelhante a propriedade analoga para series de Fourier em (??).

(11.8) Teorema: Se f ∈L1(R), entao f e uma funcao contınua em R

e f(ω)→0 quando ω→±∞.

Dem. Tem-se∣∣∣f(ω+σ)−f(ω)

∣∣∣ ≤∫ +∞

−∞|f(t)|

∣∣e−iσt−1∣∣ dt .

Para cada t∈R fixo a funcao integranda nesta desigualdade e majorada por2|f(t)| e tende para zero quando n → +∞. O Teorema da ConvergenciaDominada de Lebesgue implica que o integral tende para zero. Portantof(ωn)→ f(ω) e f e contınua em R. A convergencia de f(ω) para zero quandoω→±∞ resulta imediatamente de f(ω)=

∫ +∞−∞ f(t) (cosωt−i sinωt) dt e do

Lema de Riemann-Lebesgue na forma (??). Q.E.D.

11.3 Inversao da transformacao de Fourier de

funcoes integraveis C2

Na motivacao da transformacao de Fourier a partir de series de Fourierno inıcio da seccao anterior concluiu-se que a serie de Fourier da lugar a

6Alguns autores definem a transformacao de Fourier dividindo a expressao aqui adop-

tada por√2π o que daria neste caso que a transformada de f(t)=e−t2/2 seria esta mesma

funcao e, portanto, f seria um ponto fixo da transformacao considerada.7A este procedimento chama-se ”calculo operacional” por se basear nas propriedades

do operador transformacao de Fourier em conjugacao com operacoes. Assim, e usual obtertransformadas de Fourier e tranformadas de Fourier inversas com base em expressar asfuncoes consideradas em termos de funcoes para que ja sejam conhecidas, e e mesmocomum usar tabelas de transformadas de Fourier para facilitar este ”calculo operacional”.

11.3 Inversao da transformacao de Fourier de funcoes C2 311

formula (11.1) quando a largura do intervalo de definicao das funcoes con-sideradas tende para infinito. Uma vez que, sob condicoes adequadas, aserie de Fourier de uma funcao converge para essa funcao, e natural esperarque, sob condicoes analogas, o integral improprio em (11.1) convirja para f .Dado que a questao considerada e a obtencao da funcao f a partir da suatransformada de Fourier, diz-se que se pretende estabelecer condicoes parainversao da transformacao de Fourier e chama-se transformada deFourier inversa de uma funcao g definida em R a funcao F−1[g] dada por

(11.9) F−1[g] (t) =1

2πvp

∫ +∞

−∞g(ω) eiωt dω .

A F−1 chama-se transformacao de Fourier inversa.

Assim, o analogo da convergencia da serie de Fourier de f paraa propria funcao f e a transformacao de Fourier inversa da trans-formada de Fourier da funcao f ser a propria funcao f .

Se g∈L1(R), entao a funcao integranda na formula acima da transforma-cao de Fourier inversa e integravel, o valor principal de Cauchy do integralimproprio nessa formula converge uniformemente para o integral de g em R,e F−1[g] (t)=F[g] (−t)/(2π), para t∈R. Portanto, o domınio da transforma-cao de Fourier inversa contem L1(R) e neste conjunto a transformacao deFourier inversa e muito parecida com a propria transformacao de Fourier.Na verdade, para funcoes integraveis a transformacao de Fourier e atransformacao de Fourier inversa sao identicas a menos de trans-formacoes geometricas triviais: uma reflexao em relacao a origemno domınio e uma expansao de escala no contradomınio em 2π.

Tal como para series de Fourier comecamos por considerar a inversaoda transformacao de Fourier no caso mais simples de funcoes C2, pois paraestas funcoes a ordem de convergencia para zero dos valores das suas trans-formadas de Fourier f(ω) quando ω→±∞ e suficientemente elevada parasimplificar a questao. A hipotese de f ser C2 e suficiente para a consideracaode series de Fourier de f porque em intervalos limitados a continuidade defuncoes implica a sua integrabilidade. No caso de transformadas de Fouriere preciso adicionar a hipotese de integrabilidade de f pois esta nao fica auto-maticamente garantida no intervalo ilimitado ]−∞,+∞ [ e e essencial para apropria consideracao de transformadas de Fourier. Na verdade, o que fica emquestao para uma funcao f contınua em R e apenas que convirja para zerono infinito suficientemente rapidamente para o integral

∫ +∞−∞ f existir, o que,

em particular, fica assegurado para funcoes contınuas f se |f(t)| ≤ |t|1+ǫ,para algum ǫ > 0, ou por razao maior para funcoes contınuas de suportecompacto.

312 Transformacao de Fourier

No caso de series de Fourier comecou-se por estabelecer no teorema (??)que a convergencia uniforme da serie de Fourier de uma funcao contınua fimplica que a serie converge para a propria funcao f . O analogo da con-vergencia uniforme da serie de Fourier e a convergencia uniforme do valorprincipal de Cauchy do integral improprio na formula da transformacao deFourier inversa, que sabemos verificar-se quando a transformacao de Fouriere integravel. Assim, e natural comecar por estabelecer a inversao da trans-formacao de Fourier para funcoes com transformadas de Fourier integraveis.

Figura 11.8: Nucleo de Fejer

No caso das series de Fourier a demonstracao baseou-se em obter aproxi-macoes da funcao por polinomios trigonometricos obtidas por convolucao dafuncao com o nucleo de Fejer em [0, 2π]. No caso presente usa-se o nucleode Fejer em R, definido por qualquer das formulas (Figura 11.8)

(11.10) Kλ(t)=λ

[sin λt

2λt2

]2=

λ

∫ 1

−1(1−|ω|) eiωλtdω , com λ>0.

A 1a formula 8 nao esta definida em t=0 mas estende-se por continuidade aeste ponto com o valor Kλ(0)=λ/(2π). Note-se que com λ=n+1, a 1a for-mula paraKλ so difere da 1a formula para o nucleo de Fejer considerado paraseries de Fourier em (??) por o denominador ser agora (λt/2)2 quando era(sin λt/2)2. A igualdade das duas formulas resulta simplesmente do seguintecalculo do integral na 2a formula e de usar uma identidade trigonometrica

8Note-se que a 1a formula se pode escrever Kλ(t)=(λt/2) sinc λt/2.

11.3 Inversao da transformacao de Fourier de funcoes C2 313

para o coseno do angulo duplo:

∫ 1

−1(1−|ω|) eiωλtdω=

∫ 1

0(1−ω)

(eiωλt−e−iωλt

)dω

=

[(1−ω) e

iωλt−e−iωλt

iλt

]1

ω=0

+

∫ 1

0

eiωλt−e−iωλt

iλtdω

=−[eiωλt+e−iωλt

λ2t2

]1

ω=0

=21−cos λt

λ2t2=

[sin λt

2λt2

]2.

O nucleo de Fejer em R tem as propriedades seguintes.

(11.11) Proposicao: O nucleo de Fejer Kλ definido por (11.10) e umafuncao par definida e contınua em R, com Kλ ≥ 0, Kλ(0) = λ/(2π) eKλ(t)→0 para |t|→∞, que satisfaz as propriedades seguintes:

1.∫ +∞−∞Kλ = 1 ;

2.∫ +∞δ Kλ → 0 para λ→+∞ qualquer que seja δ>0.

Dem. As primeiras afirmacoes sao consequencias obvias da 1a formula paraKλ em (11.10) e do prolongamento por continuidade a t=0, como indicadoacima.

1. a relacao acima referida com o nucleo de Fejer no intervalo [0, 2π]considerado para series de Fourier para λ=n+1 da

[sin δ

δ

]2 1

2π(n+1)

∫ δ

−δ

[sin n+1

2 t

sin t2

]2dt ≤

∫ δ

−δKλ ≤ 1

2π(n+1)

∫ π

−π

[sin n+1

2 t

sin t2

]2dt ,

pelo que fazendo n→+∞ se obtem que limλ→+∞

∫ δ−δKλ esta entre sin2 δ/δ2

e 1 para todo δ>0, e portanto este limite e igual a 1. Como, com uma mu-danca de variavel de integracao se obtem

∫ δ−δKλ=

∫ δ−δλK1(λt) dt=

∫ λδ−λδK1,

fazendo λ→ +∞ obtem-se∫ +∞−∞K1=1. Tambem com mudanca de variavel

de integracao obtem-se∫ +∞−∞Kλ=

∫ +∞−∞K1=1.

2. resulta da seguinte uma mudanca de variaveis e da integrabilidade deK1 em R: ∫ +∞

δKλ =

∫ +∞

λδK1 → 0 , para λ→+∞ .

Q.E.D.

Com o nucleo de Fejer pode-se estabelecer que a inversao de transfor-madas de Fourier integraveis com base na convolucao do nucleo de Fejer

314 Transformacao de Fourier

Kλ com uma funcao integravel convergir na norma de L1(R) para a propriafuncao f .

(11.12) Teorema de inversao de transformadas de Fourier in-tegraveis: Se f, f ∈ L1(R), entao f = F−1[ f ] q.t.p. em R, e o valorprincipal de Cauchy do integral improprio na definicao de F−1 convergeuniformemente para f .

Dem. Seja Kλ o nucleo de Fejer definido em ( 11.10).Da definicao de convolucao, tendo em conta

∫ +∞−∞ Kλ=1, e aplicando o

Teorema de Fubini obtem-se∫ +∞

−∞|(Kλ∗f)(t)−f(t)| dt =

∫ +∞

−∞

∣∣∣∣∫ +∞

−∞[f(t−τ)−f(t)]Kλ(τ) dτ

∣∣∣∣ dt

≤∫ +∞

−∞

∫ +∞

−∞|f(t−τ)−f(t)|Kλ(τ) dt dτ ≤2 ‖f‖L1

∫ +∞

−∞Kλ(τ) dτ = 2 ‖f‖L1 .

Como para cada τ ∈R\0 verifica-se Kλ(τ)→ 0 para λ→+∞, o Teoremada Convergencia Dominada de Lebesgue implica

limλ→+∞

∫ +∞

−∞|(Kλ∗f)(t)−f(t)| dt = 0 ,

ou seja, (Kλ∗f)→f em L1(R), para λ→+∞.Da 2a formula na definicao do nucleo de Fejer em (11.10) constata-se que

Kλ(t)=∫ +∞−∞ Kλ(ω) e

iωtdω, com

(11.13) Kλ(ω) =

12π

(1− |ω|

λ

), |ω|<1

0 , |ω|>1 .

Da propriedade (11.6.6), e (Kλ∗f)=∫ +∞−∞ Kλ(ω)f(ω) e

−iωtdω, o que con-

jugado com o facto ja estabelecido (Kλ ∗f)→ f em L1(R), para λ→+∞,implica

1

∫ λ

−λ

(1− |ω|

λ

)f(ω) eiωt dω → f emL1(R) , para λ→+∞ .

Como f ∈L1(R), novamente o Teorema da Convergencia Dominada de Le-besgue implica que o integral na expressao anterior converge uniformementepara 1/(2π)

∫ +∞−∞ f(ω) eiωt dω=F−1[ f ] . Q.E.D.

O resultado anterior permite estabelecer a unicidade da transformadade Fourier, pelo que a transformacao de Fourier F : L1(R)→C0(R) e umafuncao injectiva.

11.3 Inversao da transformacao de Fourier de funcoes C2 315

(11.14) Teorema de unicidade da transformada de Fourier:Se as transformadas de Fourier de f, g∈L1(R) sao iguais, entao f=gq.t.p. em R. Se f e g tambem sao contınuas em R, entao f=g em R.

Dem. Nas condicoes referidas (f−g)= f− g=0. Aplicando o teorema deinversao anterior conclui-se que f−g=0 q.t.p. em R. A ultima afirmacaoresulta da simples observacao que a funcao nula e a unica funcao contınuaque e zero q.t.p. em R . Q.E.D.

Uma outra consequencia simples mas muito util na utilizacao pratica detransformadas de Fourier e a proposicao seguinte que permite obter trans-formadas de Fourier de funcoes integraveis que sao transformadas de Fourierde outras funcoes conhecidas. Esta observacao corresponde a constatacaoda inversao da transformacao de Laplace no conjunto das funcoes integra-veis que sao transformadas de Fourier de alguma funcao ser igual a propriatransformacao de Fourier a menos da reflexao no domınio em relacao a ori-gem e da expansao de escala no contradomınio em 2π, como ja tinha sidosublinhado.

(11.15) Proposicao: Se f, g∈L1(R), entao g(ω)=F[f ] (ω) para ω∈R

equivale a f(ω)=2π F[g] (−ω) para ω∈R. Ou seja, se f, F[f ] ∈ L1(R),entao f(ω)=2π F[F[f ] ] (−ω) , ou ainda F−1[f ] (t)=(1/2π)F[f ] (−t) .

Dem. Resulta simplesmente de constatar que se g=F[f ] e integravel, entaof=F−1[g] e

F[g] (−ω)=∫ +∞

−∞g(t) eiωt dt=2π F−1[g] (ω)=f(ω) .

Q.E.D.

Por exemplo, das transformadas de Fourier calculadas nos exemplos(11.7), as dos exemplos 2., 3. e 7. sao integraveis. Obtem-se imediatamentedos dois primeiros exemplos que a transformada de Fourier de t 7→2a/(a2+t2)e ω 7→2π e−a|ω|, e a transformada de Fourier de t 7→2(sin tT )/t e o impulsoω 7→pT (ω), onde como no exemplo 3. pT (ω)=1 se ω<1 e pT (ω)=0 se ω>1.Para o exemplo 7. esta observacao e inutil porque este e um caso de auto-semelhanca da transformada de Fourier, em que a transformada de Fourierda funcao e igual esta propria funcao, a menos de mudancas de escala nodomınio e no contradomınio.

Os resultados anteriores tem duas outras consequencias imediatas queinteressa destacar, a primeira das quais e relativa a transformada de Fourierdo nucleo de Fejer (Figura 11.9).

316 Transformacao de Fourier

Figura 11.9: Transformada de Fourier do nucleo de Fejer

(11.16) Proposicao: A transformada de Fourier do nucleo de Fejer tem

suporte [−λ, λ] e no suporte e Kλ(ω) = 1−|ω|/λ. Se f ∈L1(R), entao(Kλ∗f) tem mesmo suporte e neste (Kλ∗f)(ω)=(1−|ω|/λ) f (ω).

Dem. A 1a afirmacao e consequencia imediata da unicidade de transforma-das de Fourier e de Kλ ser igual a transformada de Fourier inversa da funcaono enunciado.

A 2a afirmacao resulta da propriedade geral da transformada de Fourierda convolucao de duas funcoes ser o produtos das respectivas trasnformadasde Fourier. Q.E.D.

A proposito de series de Fourier foi provado o Teorema de Aproxima-cao de Weierstrass garantindo a densidade dos polinomios trigonometricosem L1([0, 2π]), e analisando a demonstracao conclui-se que, mais especifica-mente, dos polinomios trigonometricos cujo perıodo e um submultiplo inteirode 2π. Estes polinomios trigonometricos sao as funcoes cujas series de Fou-rier tem um numero finito de coeficientes de Fourier diferentes de zero. Oanalogo deste resultado para a transformacao de Fourier e a densidade dasfuncoes com transformadas de Fourier de suporte compacto em L1(R) quese estabelece a seguir.

11.3 Inversao da transformacao de Fourier de funcoes C2 317

(11.17) Teorema de aproximacao por funcoes com transformadade Fourier de suporte compacto: As funcoes com transformada deFourier de suporte compacto sao densas em L1(R).

Dem. Na demonstracao do teorema de inversao de transformadas de Fourierintegraveis (11.12) provou-se que o conjunto das funcoes que sao a convo-lucao do nucleo de Frechet com funcoes integraveis e denso em L1(R). Aproposicao anterior implica que estas funcoes tem suporte compacto. Q.E.D.

De forma semelhante ao que se estabeleceu para os coeficientes de Fourierde funcoes periodicas Ck pode-se estabelecer a ordem de convergencia parazero das transformadas de Fourier de funcoes Ck integraveis e com derivadasintegraveis ate a ordem k.

(11.18) Proposicao: Se f ∈ Ck(R), para algum k ∈N, e f (j) ∈ L1(R)para j=1, 2, . . . , k, entao para ω∈R\0 e

|f(ω)| = |(f (j))(ω)| |ω|−j , j=1, 2, . . . , k ,

|f(ω)| ≤ minj=0,1,··· ,k

∥∥∥f (j)∥∥∥L1

|ω|−j .

Dem. Se g∈C1(R) e g∈L1(R) e g(t)=∫ t−∞ g′ e da propriedade (11.5.8) re-

sulta que g (ω)=(g′)(ω)/(iω) para ω∈R\0. Por inducao finita obtem-se|f(ω)|= |(f (j))(ω)|/(iω)j |= |(f (j))(ω)|/|ω|j para ω ∈ R\0. De (11.5.5)e |f(ω)|≤‖f‖L1 e |(f (j))(ω)|≤

∥∥f (j)∥∥L1 , pelo que se obtem a desigualdade

pretendida. Q.E.D.

A integrabilidade em R de funcoes contınuas tem estritamente a vercom a ordem de decrescimento das funcoes para zero no infinito. Assim,uma condicao suficiente para que seja satisfeita para que uma funcao f ∈Ck(R) satisfaca a hipotese da proposicao anterior e que existam K, ǫ> 0 talque |f (j)(t)| ≤K |t|−(1+ǫ), para j = 1, 2, . . . , k. Uma condicao simples maisrestritiva e a funcao f ∈Ck(R) ter suporte compacto, dado que neste caso afuncao e todas as derivadas ate ordem k sao zero suficientemente longe daorigem e, portanto sao integraveis.

Podemos agora estabelecer a inversao da transformacao de Fourier defuncoes f sem hipoteses sobre a transformada de Fourier da funcao, no casosimples de f ∈C2(R) e f, f ′, f ′′∈L1(R) devido ao modulo da transformadade Fourier |f(ω)| decrescer mais rapidamente para zero do que |ω|−2 quandoω→±∞ e, portanto, os valores absolutos da funcao integranda da corres-pondente transformada de Fourier inversa serem dominados por multiplos

318 Transformacao de Fourier

da funcao ω 7→ |ω|−2 que e integravel em todos os intervalos fechados quenao contenham zero.

(11.19) Teorema: Se f ∈C2(R) e f, f ′, f ′′ ∈L1(R), entao f ∈L1(R) ef=F−1[ f ] em R, onde o valor principal de Cauchy do integral impropriona definicao de F−1 converge uniformemente.

Dem. A proposicao (11.18) garante que a funcao mensuravel |f(ω)| e majo-rada pela funcao ω 7→‖f ′′‖L1 |ω|−2 que pertence a L1(R), pelo que f ∈L1(R)e a conclusao resulta do teorema (11.12). Q.E.D.

Tal como referido anteriormente, se f ∈ C2(R) tem suporte compactoficam automaticamente satisfeitas as outras condicoes da hipotese do resul-tado anterior, pelo que a inversao da transformada de Fourier e valida parafuncoes C2 de suporte compacto sem a necessidade de condicoes adicionais.

11.4 Criterio de Dini para inversao da

transformacao de Fourier

Em consequencia do resultado da seccao anterior para funcoes C2 integra-veis, verifica-se f(t) = F−1[ f ] (t) =

∫ +∞−∞ f(ω) eiωt dω, nao sendo necessario

considerar o valor principal de Cauchy do correspondente integral improprio,o qual, alias, converge uniformemente para o valor do integral pois f ∈L1(R).Por isso, poder-se-ia a primeira vista pensar que nao ha necessidade de de-finir a transformacao inversa de Fourier pelo valor principal de Cauchy deum integral improprio em vez de ser definida pelo correspondente integralde Lebesgue em ]−∞,+∞[ . Contudo, e facil ver que uma funcao f ∈L1(R)que nao e igual q.t.p. a uma funcao contınua nao pode ter transformadade Fourier integravel. Caso contrario, devido aos teoremas (??) e (11.8), atransformada de Fourier inversa seria igual a uma funcao contınua, o que econtraditorio. Na verdade, e o que acontece para as funcoes consideradasnos exemplos (11.7.3) a (11.7.5). Portanto, pelo menos nos casos referidos, ainversao da transformacao de Fourier exige a consideracao do valor principalde Cauchy de um integral improprio como indicado na formula (11.9), o queacontece para uma classe mais ampla de funcoes. A situacao aqui e analogada convergencia pontual de series de Fourier.

A proposito da convergencia pontual de series de Fourier estabeleceu-se oCriterio de Dini. Agora estabelece-se o resultado correspondente de inversaoda transformacao de Fourier. Tal como na seccao precedente, segue-se um

11.4 Criterio de Dini para a transformacao de Fourier 319

caminho analogo ao percorrido para estabelecer o Criterio de Dini para seriesde Fourier.

Comeca-se por observar que a convergencia do valor principal do integralimproprio em (11.9) num ponto depende apenas do comportamento localda funcao f numa vizinhanca desse ponto, de forma semelhante ao que seestabeleceu para series de Fourier, apesar da transformada de Fourier de fser definida por um integral que considera a funcao em todo R.

(11.20) Princıpio de Localizacao de Riemann: Se f ∈ L1(R), ointegral improprio

1

2πvp

∫ +∞

−∞f(ω) eiωt dω

converge num ponto t∈R se e so se para algum δ>0 existe o limite

limT→+∞

2

π

∫ δ

0

f(t+τ)+f(t−τ)2

sinTτ

τdτ ,

que, em caso afirmativo e igual ao valor principal de Cauchy do integralimproprio.

Dem. Comeca-se por observar da definicao de f que

f(ω) eiωt =

∫ +∞

−∞f(s) eiω(t−s) ds

=

∫ +∞

−∞f(s) cosω(t−s) ds+ i

∫ +∞

−∞f(s) sinω(t−s) ds .

E obvio que o primeiro integral no lado direito define uma funcao par de ω eo segundo uma funcao ımpar. Da continuidade de f estabelecida no teorema(11.8) resulta que essas duas funcoes sao contınuas. Assim, obtem-se

1

2πvp

∫ +∞

−∞f(ω) eiωt dω =

1

2πlim

T→+∞

∫ +T

−Tf(ω) eiωt dω = lim

T→+∞H(T ) ,

onde

H(T ) =1

π

∫ T

0

∫ +∞

−∞f(s) cosω(t−s) ds dω .

Logo, a convergencia em valor principal de Cauchy do integral improprioconsiderado e equivalente a convergencia de H(T ) quando T→∞, e ambosos limites tem o mesmo valor. Portanto, interessa provar que limT→∞H(T )e igual ao limite considerado no enunciado.

Aplicando os teoremas de Tonelli e Fubini, e mudando de variavel de

320 Transformacao de Fourier

integracao

H(T ) =1

π

∫ +∞

−∞f(s)

∫ T

0cosω(t−s) dω ds = 1

π

∫ +∞

−∞f(s)

sinT (t−s)t−s ds

=1

π

∫ +∞

−∞f(t+τ)

sinTτ

τdτ =

2

π

∫ +∞

0

f(t+τ) + f(t−τ)2

sinTτ

τdτ

=2

π

∫ δ

0

f(t+τ)+f(t−τ)2

sinTτ

τdτ +

1

π

∫ +∞

δ

f(t+τ)+f(t−τ)2

sinTτ dτ .

Para terminar a demonstracao basta provar que o ultimo integral convergepara zero quando T → +∞. Ora, para τ > δ e

∣∣∣∣(f(t+τ)+f(t−τ)

τ

∣∣∣∣ ≤|f(t+τ)|+|f(t−τ)|

δ,

pelo que a integrabilidade de f implica a integrabilidade da funcaoτ 7→ [f(t+ τ)+ f(t− τ)]/τ . O Lema de Riemann-Lebesgue (??) implicaque o ultimo integral converge para zero quando T→+∞. Q.E.D.

Estabelece-se agora o Teorema de Inversao da Transformacao de Fourieranalogo ao Criterio de Dini considerado na seccao ?? para convergenciapontual de series de Fourier para funcoes seccionalmente diferenciaveis.

(11.21) Teorema (Criterio de Dini para inversao da transfor-macao de Fourier): Se f ∈L1(R), t∈R, o limite da funcao g(τ) =[f(t+τ)+f(t−τ)]/2 para τ → 0 existe, e para algum δ > 0 a funcaokt(τ)= [g(τ)−limh→0 g(τ)]/τ e integravel em [0, δ], entao F−1[f ] (t)=limh→+∞[f(t+h)+f(t−h)]/2. Em particular, F−1[f ] (t) e f(t) se f econtınua em t e e a media dos limites laterais esquerdo e direito de fem t se f tem uma descontinuidade de salto em t.

Dem. Do Princıpio de Localizacao de Riemann anterior o valor principal deCauchy do integral improprio que da F−1[f ] (t) converge se e so se existe olimite

limT→+∞

∫ δ

0g(τ)

sinTτ

τdτ = lim

T→+∞

∫ δ

0kt(τ) sinTτ dτ

+limτ→0

f(t+τ)+f(t−τ)2

limT→+∞

∫ δ

0

(sinTτ

τ− π

)dτ+

π

2limτ→0

f(t+τ)+f(t−τ)2

,

e, caso este limite exista, e igual a (π/2)F−1[ f ] (t).Do Lema de Riemann-Lebesgue o primeiro limite do lado direito e zero.

O limite no 2o termo do lado direito, apos mudanca de variaveis de inte-gracao e limT→+∞

∫ Tδ0 (sin s)/s ds−π/2, e como o lema que se segue a esta

11.4 Criterio de Dini para a transformacao de Fourier 321

demonstracao da que o limite do integral nesta expressao converge para π/2,o segundo limite do lado direito da expressao acima tambem e zero. Por-tanto, (π/2)F−1[ f ] (t) e igual a ultima parcela do lado direito na expressao,o que conclui a demonstracao. Q.E.D.

(11.22) Lema: limR→+∞

∫ R0 (sin t)/t dt = π/2.

Dem. Calcula-se o integral com metodos de Analise Complexa9. A funcaocomplexa (sin z)/z = (eiz−e−iz)/(2iz) estendida por continuidade a z=0 eholomorfa em C. O Teorema de Cauchy garante que para R>1 verifica-se

∫ R

−R

sin z

zdz =

1

2i

γR

eiz−e−iz

zdz = π [ϕ

R(1)−ϕ

R(−1)] ,

onde γRe o caminho indicado na Figura 11.10 e ϕ

R(t)=(2πi)−1

∫γReitz/z dz.

A funcao z 7→eitz/z tem um polo simples em z=0, onde o resıduo e 1. Logo,prolongando o caminho dado de modo a fecha-lo pela semicircunferenciaα

Rde raio R no semiplano complexo inferior e pela semicircunferencia β

R

tambem de raio R mas no semiplano complementar (Figura 11.10), obtem-secom a teoria dos resıduos as duas formulas seguintes

Figura 11.10: Caminho de integracao no plano complexo para cal-cular limR→+∞

∫ R0 (sin t)/t dt = π/2 pelo Teorema dos Resıduos

ϕR(t)=−1

2πi

αR

eitz

zdz=

1

2πi

∫ 0

−π

exp(itR eiθ

)

ReiθiR eiθdθ=

1

∫ 0

−πexp(itR eiθ

)dθ,

ϕR(t)=1− 1

2πi

βR

eitz

zdz=1− 1

∫ π

0exp(itR eiθ

)dθ .

9Sao frequentemente uteis metodos de Analise Complexa para calculo de transformadasde Fourier ou das suas inversas, em particular devido a conveniencia rsultante do Teoremade Cauchy e do relacionado Teorema dos Resıduos.

322 Transformacao de Fourier

Como∣∣exp

(itReiθ

)∣∣ = exp(−Rt sin θ) → 0 quando R → +∞ se t sin θ > 0,o Teorema da Convergencia Dominada de Lebesgue da que os integraisno lado direito em cada uma das duas formulas anteriores tendem parazero se, respectivamente, t < 0 e t > 0. Portanto limR→+∞ ϕR(−1) = 0 elimR→+∞ ϕR(−1) = 1. Aplicando estes resultados na 1a formula desta de-monstracao e notando que a funcao t 7→ (sin t)/t e par, obtem-se a formulano enunciado. Q.E.D.

Tal como se observou a proposito de series de Fourier, a verificacao di-recta do criterio de Dini e, em geral, incomoda, pelo que convem conhecercondicoes mais simples de verificar que impliquem a validade deste criterio.Uma destas condicoes e a continuidade a Lipschitz a esquerda e a direita deum ponto, como foi estabelecido para series de Fourier no corolario (??), ese afirma agora para transformadas de Fourier.

(11.23) Corolario: Se f ∈L1(R) e contınua a Lipschitz a esquerda e adireita de um ponto t∈R, entao o valor principal de Cauchy do integralimproprio na formula da transformada de Fourier inversa de f convergepontualmente em t e tem-se as conclusoes do criterio de Dini em t.

Dem. A demonstracao e a mesma do corolario (??), mas utilizando o criteriode Dini para a transformacao de Fourier. Q.E.D.

Como pode ser util dispor de condicoes de formulacao simples baseadasnos resultados anteriores que garantam a convergencia pontual de transfor-madas de Fourier inversas em todos os pontos de R, tambem se afirma aquio resultado correspondente ao estabelecido no corolario (??) para series deFourier de funcoes seccionalmente lipschitzianas.

(11.24) Corolario: Se f e uma funcao seccionalmente lipschitziana emR, entao o valor principal de Cauchy do integral improprio na formulada transformada de Fourier inversa de f converge pontualmente emtodos os pontos: em pontos t de continuidade de f para f(t) e em pontosτ de descontinuidade de f para a media dos limites laterais de f em τ .

Dem. A demonstracao e a mesma do corolario (??), mas utilizando o criteriode Dini para a transformacao de Fourier. Q.E.D.

Para o Criterio de Dini anterior e imprescindıvel considerar a transfor-macao de Fourier inversa definida em termos de valores principais de Cauchy

11.4 Criterio de Dini para a transformacao de Fourier 323

de integrais improprios. Para funcoes integraveis e seccionalmente diferen-ciaveis que tenham descontinuidades por saltos a necessidade de considerara transformacao de Fourier inversa definida em termos de valores principaisde Cauchy de integrais improprios resulta das observacoes no inıcio da pre-sente seccao, mas na verdade tal e necessario para uma classe mais amplade funcoes.

A inversao da transformacao de Fourier de funcoes f integraveis C2 podeser facilmente obtida na seccao anterior em consequencia dos modulos dastransformadas de Fourier |f(ω)| decrescerem mais rapidamente para zerodo que |ω|−2 quando ω→±∞ e, portanto, os valores absolutos das funcoesintegrandas das correspondentes transformadas de Fourier inversas seremdominados por multiplos da funcao ω 7→ |ω|−2 que e integravel em todos osintervalos cujo fecho nao contem zero. Neste caso o valor principal de Cau-chy do integral improprio considerado na transformacao inversa de Fourierconverge uniformemente em R.

A majoracao correspondente para funcoes C1 leva a funcao ω 7→ |ω|−1

que nao e integravel em intervalos ilimitados, pelo que o argumento naopode ser aplicado neste caso. Contudo, tambem analogamente a series deFourier, e possıvel estender a inversao da transformacao de Fourier parafuncoes C1, e ate para funcoes diferenciaveis f com hipoteses adicionais deintegrabilidade.

No caso das series de Fourier bastou adicionar a diferenciabilidade de fa hipotese de f ′ ser integravel, pois num intervalo limitado tal implica quef ′ e de quadrado integravel (o que e essencial na demonstracao dada queusa a desigualdade de Cauchy-Schwarz para as series de Fourier que assimsao de quadrado somavel) e, alem disso, a continuidade de integrais indefi-nidos de f garante a integrabilidade da propria funcao f (o que e necessariopara considerar coeficientes de Fourier e transformadas de Fourier). Comoestas condicoes nao sao automaticamente satisfeitas no intervalo ilimitado]−∞,+∞[ , a condicao de f ser integravel e f ′ ser de quadrado integravel10

tem de ser adicionadas as hipoteses de diferenciabilidade de f e integrabili-dade de f ′.

Alem disso, como se viu na seccao anterior, a inversao de transformadasde Fourier integraveis e o analogo natural do resultado que estabelece quea convergencia uniforme da serie de Fourier de um funcao contınua implicaque o limite da serie e a propria funcao. A inversao de transformadas deFourier integraveis, por si so, nao garante que a convergencia uniforme parauma funcao h do valor principal de Cauchy do integral improprio na defi-nicao da transformada de Fourier inversa de uma funcao g=F[f ] impliqueh= f , pois g pode nao ser integravel (e tambem a correspondente funcaointegranda pode nao ser integravel (a Lebesgue) em R mas existir o valor

10No Apendice D prova-se que se f ′∈L1(R) ∩ L2(R), entao f ′ ∈L2(R).

324 Transformacao de Fourier

principal de Cauchy do integral improprio). Contudo, o Criterio de Dini quese acabou de demonstrar permite estabelecer a inversao da transformacaode Fourier de funcoes f ∈ C1 integraveis com derivada de quadrado inte-gravel, precisamente com a mesma ideia utilizada para series de Fourier defuncoes diferenciaveis com derivada de quadrado integravel. Para series deFourier a ideia consistiu em majorar somas de termos simetricos da seriede Fourier por uma funcao integravel em vez dos proprios termos da serie epara integrais de Fourier a ideia analoga e majorar integrais da transformadade Fourier em subintervalos simetricos em vez da propria transformada deFourier. Em ambos os casos esta majoracao e feita com a desigualdade deCauchy-Schwarz, de onde a necessidade da hipotese de quadrado integravel.

Como ja foi mencionado, no Apendice D prova-se que f ′∈L1(R)∩L2(R)

implica f ′ ∈L2(R), pelo que a condicao na hipotese do resultado seguintepode ser substituıda por f ∈L1(R) ser diferenciavel e f ′∈L1(R) ∩ L2(R).

(11.25) Teorema: Se f ∈ L1(R) e diferenciavel em R, f ′ ∈ L1(R) e

f ′ ∈L2(R), entao f =F−1[ f ] em R, onde o valor principal de Cauchydo integral improprio na definicao de F−1 converge uniformemente.

Dem. Verifica-se f(t)=∫ t−∞ f ′. A propriedade (11.5.8) da f(ω)= f ′ (ω)/(iω)

para ω∈R\0. Para 1<A<B

A<|ω|<B

∣∣∣ω f(ω)∣∣∣2dω ≤

∫ +∞

−∞

∣∣∣( f ′ )(ω)∣∣∣2dω =

∥∥∥( f ′ )∥∥∥2

L2.

Aplicando a Desigualdade de Cauchy-Schwarz obtem-se

∣∣∣∣∣

A<|ω|<Bf(ω) eiωt dω

∣∣∣∣∣ =∣∣∣∣∣

A<|ω|<Bω f(ω)

eiωt

ωdω

∣∣∣∣∣

≤(∫

A<|ω|<B

∣∣∣ω f(ω)∣∣∣2dω

)1/2(∫

A<|ω|<B

∣∣∣∣eiωt

ω

∣∣∣∣2

)1/2

≤∥∥∥( f ′ )

∥∥∥2

L2

(2

∫ B

A

1

ω2dω

)1/2

.

Como o integral improprio∫ +∞1 1/ω2 dω e convergente, tambem

∫ −1

−Bf(ω) eiωt dω +

∫ +B

1f(ω) eiωt dω

converge uniformemente em R quando B → +∞. Devido ao teorema (11.8)a transformada de Fourier f e contınua em R, pelo que o integral de Riemann

11.5 Fenomeno de Gibbs na transformacao de Fourier 325

∫ +1−1 f(ω) e

iωt dω existe. Portanto,

g(t) =1

2πvp

∫ +∞

−∞f(ω) eiωt dω

define uma funcao g : R → R, e o valor principal de Cauchy do integralimproprio converge uniformemente em R.

O Criterio de Dini em (11.21) assegura que g=f . Q.E.D.

No apendice D estabelece-se o Teorema de Inversao da Transformacaode Fourier sob outros tipos de condicoes. Em particular, da analogia comseries de Fourier, e de esperar que as condicoes para funcoes de quadradointegravel sejam particularmente simples.

11.5 Fenomeno de Gibbs na transformacao de

Fourier

Dado o paralelismo entre series de Fourier e transformacao de Fourier naoe de estranhar que tambem seja observado o Fenomeno de Gibbs com atransformacao de Fourier quando na formula da transformacao inversa deFourier se consideram as aproximacoes sucessivas do valor principal de Cau-chy do integral improprio por integrais centrados em zero de larguras finitastendentes para infinito.

Para ilustrar o Fenomeno de Gibbs na transformacao de Fourier consideram-se os exemplos analogos dos considerados para series de Fourier, nomeada-mente o de um impulso rectangular e o de um impulso em rampa.

(11.26) Exemplos:

1. Sabe-se do exemplo (11.7.4) que a transformada de Fourier de umimpulso rectangular de altura 2

2 pT(t) =

2 , |t|<T0 , |t|>T

e

2 pT(ω) =

4 sin ωT

ω.

Com base no Criterio de Dini, sabe-se que a transformacao inversa deFourier de p

Tda a funcao original p

Tnos pontos de continuidade e

da o valor medio dos limites laterais nos pontos de descontinuidade,

326 Transformacao de Fourier

neste caso o valor 1 nos pontos ±T . Para simplicidade de notacaoprolonga-se a funcao inicial a estes dois pontos com o valor indicado.

A transformacao de Fourier inversa da

2 pT(t) = F−1[p

T] (t) =

1

2πvp

∫ +∞

−∞

4 sin ωT

ωeiωt dω .

Considera-se a aproximacao-Ω da transformada de Fourier inversa quecorresponde aos extremos de integracao iguais a ±Ω, com Ω > 0.Obtem-se para π/2 vezes a aproximacao da transformada de Fourierinversa

∫ +Ω

−Ω

sin ωT

ωeiωtdω =

∫ +Ω

−Ω

eiωT−e−iωT

2iωeiωtdω =

∫ +Ω

−Ω

eiω(t+T )−eiω(t−T )

2iωdω

=

∫ +Ω

0

eiω(t+T )+e−iω(t+T )−eiω(t−T )+e−iω(t−T )

2iωdω

=

∫ Ω

0

sin ω(t+T )

ωdω −

∫ Ω

0

sin ω(t−T )ω

dω .

Assim, definindo a funcao dada por

(11.27) φΩ(t)=2

π

∫ Ω

0

sin ωt

ωdω − 1 =

2

π

∫ t

0

sin Ωs

sds− 1 ,

obtem-se para a aproximacao-Ω da transformada de Fourier inversaφΩ(t+T )−φΩ(t−T ), ou seja a aproximacao-Ω e a diferenca de translacoesde φΩ no domınio por comprimentos iguais a distancia da origem aospontos de descontinuidade do impulso rectangular, e

F−1[2 pT ] (t)= limΩ→+∞

φΩ(t+T )−φΩ(t−T ) .

E de notar a semelhanca entre a funcao φΩ que descreve as aproximacoes-Ω da transformada de Fourier inversa correspondente ao impulso dealtura 2 e largura 2T centrado na origem e a funcao Φn, definida em(??) que foi usada para descrever o fenomeno de Gibbs para a funcaoperiodica de impulsos rectangulares de altura 2 e largura 2π, definidapor

Φn(t)=2

π

∫ t

0

sinns

sin sds− 1 , n∈N .

Na verdade, φn so difere de Φn pelo denominador da funcao integrandana 1a ser s e na 2a ser sin s , o que para valores de s proximos dezero e identico ate a 3a ordem em s . Em particular, o 1o extremo deφΩ para t>0 ocorre no ponto t>0 tal que sin Ωt=0, ou seja t=π/Ω,

11.5 Fenomeno de Gibbs na transformacao de Fourier 327

e e um maximo relativo porque φ′′Ω(π/Ω)=−2Ω2/π<0. O valor destemaximo relativo e

φΩ

( πΩ

)=

2

π

∫ π/Ω

0

sin Ωs

sds−1=

2

π

∫ π

0

sin τ

τdτ−1=

2

π

∫ π

0sinc τ dτ−1 .

e, portanto, nao so e independente de Ω como e igual ao mesmo∆ = 0, 1789797 . . . . encontrado a proposito de Fenomeno de Gibbsem series de Fourier. Dado que φΩ+1 e uma funcao ımpar, quandoΩ → +∞ o limite do grafico de φΩ em t = 0 e o segmento de recta0×[−∆, 2+∆] .

Da mesma forma como se fez para Φn, prova-se que os extremos rela-tivos alternam entre maximos e mınimos relativos, a sucessao dos va-lores absolutos dos extremos relativos de φΩ ao longo de R

+=]0,+∞[e estritamente decrescente para zero em +∞ e, para cada k fixo, oponto onde ocorre o k-esimo extremo relativo tende para zero quandoΩ→+∞.

Tal como no exemplo correspondente de series de Fourier, pode-se con-cluir que a convergencia da transformada de Fourier inversa para o im-pulso rectangular considerado e uniforme em subconjuntos fechados deR sem pontos de descontinuidade, ou seja, em conjuntos fechados quenao contenham os pontos ±T , e nao e uniforme em qualquer conjuntoque contenha um destes pontos, embora o grafico da aproximacao-Ω datransformada de Fourier inversa convirja uniformemente para a uniaodo grafico do impulso rectangular considerado com os dois segmentosde recta verticais nos pontos de descontinuidade ±T× [−∆, 2+∆]que excedem em ∆ os limites laterais do impulso rectangular consi-derado nestes pontos, o maior dos limites laterais no sentido positivodas ordenadas e o menor dos limites laterais no sentido negativo dasordenadas (Figura 11.11).

2. Considera-se o impulso em rampa linear crescente de altura 2 e largura1 centrado em zero

S(t) =

1+t , t∈ ]−1, 1[

0 , t /∈ [−1, 1 ] .

Sabe-se do exemplo (11.7.3) que a transformada de Fourier desta fun-cao e

S(ω) =−2 e−iω

iω− eiω−e−iω

ω2.

Com base no Criterio de Dini, sabe-se que a transformacao inversade Fourier de S da a funcao original S nos pontos de continuidade,logo tambem o valor 0 no ponto −1, e da o valor medio dos limiteslaterais nos pontos de descontinuidade, neste caso o valor 1 no ponto

328 Transformacao de Fourier

Figura 11.11: Fenomeno de Gibbs na transformacao de Fourier inversapara um impulso rectangular de altura 2 e largura 2T centrado em t=0

1. Para simplicidade de notacao prolonga-se a funcao inicial a estesdois pontos com o valor indicado.

A transformacao de Fourier inversa da

S(t) = F−1[S] (t) =1

2πvp

∫ +∞

−∞

[−2 e−iω

iω− eiω−e−iω

ω2

]eiωt dω .

Observa-se que, com a funcao φΩ definida em (11.27), se verifica

1

∫ +Ω

−Ω

−2 e−iω

iωdω =

−2

π

∫ Ω

0

sin ω(t−1)

ωdω = −φ

Ω(t−1)− 1 .

Assim, considerando tambem a funcao ψΩ definida por

ψΩ(t)=

−1

∫ +Ω

−Ω

eiω−e−iω

ω2eiωt dω ,

obtem-se que a aproximacao-Ω da transformada de Fourier inversa eneste caso igual a ψ

Ω(t)−φ

Ω(t−1)−1, ou seja a aproximacao-Ω e a dife-

renca entre ψΩe a translacao de φΩ no domınio por um comprimento

igual a distancia da origem ao ponto de descontinuidade da funcaodada menos 1, e

F−1[S] (t)= limΩ→+∞

[ψΩ(t)− φ

Ω(t−1)− 1 ] .

A analise da funcao φΩja foi feita no exemplo anterior. Resta analisar

a funcao ψΩ.

11.5 Fenomeno de Gibbs na transformacao de Fourier 329

Figura 11.12: Caminhos de integracao no plano complexopara calcular h

Ω,δ(t) pelo Teorema dos Resıduos

Para analisar ψΩ

de uma forma expedita usam-se aqui metodos deAnalise Complexa11. Comeca-se por observar que com uma mudancada variavel de integracao para o simetrico

ψΩ(t)=

1

∫ +Ω

−Ω

eiω−e−iω

ω2e−iωt dω .

Adicionando esta formula e a da definicao de ψΩ, obtem-se

ψΩ(t)=

−1

∫ +Ω

−Ω

(eiω−e−iω

)(eiωt−e−iωt

)

ω2dω .

O valor deste integral de uma funcao de variavel real pode ser calculadointegrando a funcao de variavel complexa z 7→

(eiz−e−iz

)(eizt−e−iωt

)/z2.

Esta funcao estendida por continuidade a z = 0, com o valor −4t, eholomorfa em C. O Teorema de Cauchy garante que para 0<1<Ω e

ψΩ(t)=

−1

γΩ

(eiz−e−iz

)(eizt−e−izt

)

z2dz ,

onde γΩe o caminho indicado na Figura 11.12, que consiste na con-

catenacao do segmento de recta no eixo real de −Ω a −1, com a se-micircunferencia de raio 1 e centro na origem contida no semiplano

11Como ja foi referido, sao frequentemente uteis metodos de Analise Complexa para cal-culo de transformadas de Fourier ou das suas inversas, em particular devido a simplificacaoque pode resultar do Teorema de Cauchy e do relacionado Teorema dos Resıduos.

330 Transformacao de Fourier

complexo inferior, e com o segmento de recta no eixo real de 1 a +Ω.Com h

Ω(t)=1/(2πi)

∫γΩ

eizt/z2 dz, obtem-se da formula de definicao de

ψΩque ψ

Ω(t)= i [h

Ω(t−1)−h

Ω(t+1)].

A funcao complexa z 7→eizt/z2 e uma funcao meromorfa em C com umpolo de ordem 2 na origem, onde tem resıduo it, dado que eizt/z2 =∑∞

k=0 (izt)k−2/k! e o coeficiente de z−1 nesta expansao e it. Prolon-

gando o caminho γΩ

de modo a fecha-lo pela semicircunferencia αΩ

de raio Ω no semiplano complexo inferior e pela semicircunferencia βΩ

tambem de raio Ω mas no semiplano superior (Figura 11.12), com oTeorema dos Resıduos12 obtem-se para h

Ω(t) as duas formulas seguin-

tes

hΩ(t) = − 1

2πi

αΩ

eitz

z2dz =

1

2πi

∫ 0

−π

exp(itΩ eiθ

)

Ω2 e2iθΩ eiθdθ

=1

∫ 0

−π

exp(itΩ eiθ

)

Ω eiθdθ ,

hΩ(t)= it− 1

2πi

βΩ

eitz

z2dz = it− 1

∫ π

0

exp(itΩ eiθ

)

Ω eiθdθ .

Como∣∣exp

(itΩeiθ

)/(Ωeiθ

)∣∣= exp(−Ωt sin θ)/Ω→ 0 quando Ω→+∞se t sin θ > 0, o Teorema da Convergencia Dominada de Lebesgue daque os integrais no lado direito em cada uma das duas formulas ante-riores tendem para zero se, respectivamente, t < 0 e t > 0 . PortantolimΩ→+∞ h

Ω(t)=0 se t<0, e limΩ→+∞ h

Ω(t)= it se t>0, e

limΩ→+∞

ψΩ(t) = i lim

Ω→+∞[ h

Ω(t−1)−h

Ω(t+1) ] =

2 , t > 1

t+1 , |t|<1

0 , t<−1 ,

assim como, para t≥0 ,

∣∣∣∣ψΩ(t)− lim

Ω→+∞ψ

Ω(t)

∣∣∣∣ ≤1

π

∫ π

0

e−Ω sin θ

Ωdθ .

Como o integral no lado direito converge para zero quando Ω→+∞,qualquer que seja ǫ > 0 existe N > 0 tal que Ω > ǫ implica que olado esquerdo da desigualdade e menor do que ǫ para todo t > 0, ouseja ψ

Ω→ 0 uniformemente quando Ω→+∞. Como tanto ψ

Ωcomo

limΩ→+∞ψΩsao funcoes ımpares, a convergencia e uniforme em R.

12O Teorema dos Resıduos pode ser consultado em textos basicos de Analise Complexa,como por exemplo o texto do autor Analise Complexa de Uma Variavel e Aplicacoes,Departamento de Matematica, IST, 2005.

11.5 Fenomeno de Gibbs na transformacao de Fourier 331

Conclui-se que a transformada de Fourier inversa do impulso em rampaconsiderado converge uniformemente para essa mesma funcao em sub-conjuntos fechados de R sem pontos de descontinuidade, ou seja, emconjuntos fechados que nao contenham o ponto 1, e a convergencia naoe uniforme em qualquer conjunto que contenha este ponto, embora ografico da aproximacao-Ω da transformada de Fourier inversa convirjauniformemente para a uniao do grafico do impulso em rampa consi-derado com o segmento de recta vertical no ponto de descontinuidade1×[−∆, 2+∆] que excedem em ∆=0, 1789797 . . . os limites lateraisdo impulso em rampa considerado no ponto 1, o maior dos limites la-terais no sentido positivo das ordenadas e o menor dos limites lateraisno sentido negativo das ordenadas (Figura 11.13).

Figura 11.13: Fenomeno de Gibbs na transformacao de Fourier inversapara um impulso em rampa de altura 2 e largura 2 centrado em t=0

Analogamente a series de Fourier, o Fenomeno de Gibbs na Transfor-macao de Fourier descrito nos exemplos anteriores e paradigmatico do queacontece em geral com a inversao da transformacao de Fourier de funcoesintegraveis e seccionalmente diferenciaveis com derivada integravel e de qua-drado integravel em R, e possivelmente com descontinuidades de salto. Oresultado seguinte estabelece este facto e que a trasnformacao de Fourier in-versa de funcoes deste tipo converge em todos os pontos. Em subconjuntosfechados de R sem pontos de descontinuidade da funcao a convergencia euniforme para a propria funcao, e em pontos de descontinuidade a conver-gencia e para a media dos limites laterais nesses pontos e nao e uniforme emqualquer conjunto que contenha pontos de descontinuidade.

332 Transformacao de Fourier

Como ja foi mencionado a proposito de series de Fourier, no ApendiceD prova-se que f ′∈L1(R) ∩ L2(R) implica f ′ ∈L2(R), pelo que a condicaona hipotese do resultado seguinte pode ser substituıda por f ser seccional-mente diferenciavel com f ∈L1(R) e f ′∈L1(R) ∩ L2(R). Alem disso, comoas funcoes seccionalmente diferenciaveis de suporte compacto sao necessa-riamente integraveis e como em intervalos compactos I se verifica sempreL2(I)⊂L1(I), obtem-se as conclusoes do resultado seguinte sob a hipotesede simplesmente f ser seccionalmente diferenciavel com suporte compacto ef ′∈L2(R), condicoes estas que sao asseguradas pela hipotese mais restritivamas ainda mais simples de verificar de f ser seccionalmente C1 com suportecompacto.

(11.28) Teorema: Se f ∈ L1 (R) e seccionalmente diferenciavel com

f ′∈L1 (R) e f ′ ∈L2 (R), entao o valor principal de Cauchy do integralimproprio na formula de inversao da transformacao de Fourier convergeem todos os pontos: para f(t) se t e um ponto de continuidade e paraa media dos limites laterais, [f(t−)+f(t+)]/2, se t e um ponto de des-continuidade. A convergencia e uniforme em subconjuntos fechados deR sem pontos de descontinuidade de f .

Na vizinhanca de qualquer ponto de descontinuidade a convergencianao e uniforme e ocorre o Fenomeno de Gibbs, com overshooting eundershooting, respectivamente do lado do limite lateral de f maior emenor nesse ponto. Mais especificamente, o grafico da aproximacao-Ωda transformada de Fourier inversa da funcao converge uniformementepara a uniao do grafico de f com segmentos de recta verticais em cadaponto de descontinuidade que excedem em ambos os sentidos o segmentode recta delimitado pelos limites laterais de f , em comprimentos iguaisa cerca de 8,95% do salto nesse ponto, mais precisamente a

|f(t+)−f(t−)|2

[2

π

∫ π

0

sin τ

τdτ − 1

]= |f(t+)−f(t−)| 0, 0894899 . . . .

Dem. A demonstracao e semelhante a do resultado analogo para series deFourier e deixa-se como exercıcio. Q.E.D.

11.6 Notas historicas

A transformacao de Fourier foi introduzida pelo proprio J. Fourier, por S.D.Poisson e por por A.L. Cauchy.

A primeira contribuicao de Fourier foi num artigo sobre a propagacaodo calor apresentado a Academia das Ciencias de Paris em 1811 e publicado

11.6 Notas historicas 333

apenas em 1824, devido a controversia gerada pelas suas contribuicoes sobreseries de Fourier, embora tambem fosse referida no seu livro La TheorieAnalytique de la Chaleur publicado em 1822. Os trabalhos de Fourier conema formula integral de Fourier para a inversao da transformacao de Fourier,embora sem ter sido estabelecida de forma rigorosa.

Poisson introduziu o integral de Fourier num artigo com o tıtuloMemoiresur la theorie des ondes publicado tambem em 1816.

Cauchy introduziu o integral de Fourier num artigo de 1816 com o tıtuloTheorie de la propagation des ondes que foi o primeiro trabalho sistematicosobre ondas de superfıcie em fluidos. Em 1823 e 1827, Cauchy considerouo teorema do integral de Fourier relativo a inversao da transformacao deFourier, tomada como funcao de variavel complexa, e aplicou integrais decontorno no plano complexo para calcular inversas de transformadas de Fou-rier a proposito da resolucao de equacoes diferenciais parciais. Em 1825 e1845 Cauchy Tambem trabalhou em metodos de ”calculo operacional” pararesolver equacoes diferenciais, embora este tipo de metodos ja tivesse sidousado anteriormente por outros autores.

Em 1836, J. Liouville considerou a passagem de series de Fourier a inte-grais de Fourier, ou seja de espectro discreto a espectro contınuo, em relacaocom a equacao do calor e com base no trabalho de Poisson.

Contudo, a transformacao de Fourier so foi tornada rigorosa com traba-lhos de varios matematicos no final do seculo XIX e no inıcio do seculo XX,inclusivamente com a adopcao do integral de Lebesgue. O desenvolvimentoda analise de Fourier veio a originar a area da matematica conhecida porAnalise Harmonica. Charles Louis Fefferman13 recebeu em 1978 a MedalhaFields por contribuicoes nesta area.

13Fefferman, Charles Louis (1949-).