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opicos de ´ Algebra Linear em Mecˆ anica Quˆ antica Raphael Campos Drumond Notas de Aula Departamento de Matem´atica, UFMG Belo Horizonte, Janeiro de 2014

Topicos de Algebra Linear

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Topicos de Algebra Linear

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Page 1: Topicos de Algebra Linear

Topicos de Algebra Linear

em

Mecanica Quantica

Raphael Campos Drumond

Notas de Aula

Departamento de Matematica, UFMG

Belo Horizonte, Janeiro de 2014

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CONTEUDO

1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos . . . . . . . . . . . . 11.1 Notacao e resultados basicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 Teorema espectral e algumas de suas aplicacoes e consequencias 31.3 POVM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81.4 Os operadores de Pauli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.5 O estado quantico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos . . . . . . . . 162.1 Construcao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.2 O produto tensorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.3 Operadores no produto tensorial . . . . . . . . . . . . . . . . . 212.4 Representacao matricial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222.5 O traco parcial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242.6 Teorema da dilatacao de Naimark . . . . . . . . . . . . . . . . 262.7 Operadores Separaveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 282.8 Sistemas Quanticos Compostos . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas . . . . . . . 313.1 Mapas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313.2 Mapas completamente positivos: Teorema da Representacao

de Krauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333.3 O isomorfismo de Choi-Jamiolkowsi e mapas positivos . . . . . 363.4 Mapas completamente positivos que preservam traco . . . . . 373.5 Mapas positivos e operadores separaveis . . . . . . . . . . . . 413.6 A equacao de Schrodinger . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 433.7 Operacoes quanticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

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1. OPERADORES AUTOADJUNTOS - ESTADOSQUANTICOS

1.1 Notacao e resultados basicos

O objetivo desta secao e simplesmente fixar notacao e explicitar alguns resul-tados e definicoes que supomos conhecidas pelo leitor. Caso o mesmo nao sesinta seguro sobre as expressoes e conceitos descritos abaixo, deve primeira-mente procurar um bom livro de algebra linear e voltar aqui posteriormente1.

Os elementos centrais deste curso sao os espacos vetorias complexos mu-nidos de produto interno e dimensao finita, que chamaremos simplesmentede espacos de Hilbert2. Denotaremos tais espacos, tipicamente, pelas letraslatinas X, Y, ..., seus elementos por letras latinas minusculas x, y, ..., e seuproduto interno por 〈·, ·〉. Assim, se x, y ∈ X, 〈x, y〉 ∈ C e o produto internoentre x e y.

Consideraremos o produto interno linear na segunda entrada e sesquili-near na primeira, quer dizer, se λ ∈ C e λ∗ denota seu complexo conjugado,vale 〈x, λy〉 = λ〈x, y〉 = 〈λ∗x, y〉.

A norma de um vetor e definida por ||x|| =√〈x, x〉 e vetores normali-

zados satisfazem ||x|| = 1.Denotaremos por dim(X) = n ∈ N a dimensao de X e uma base U =

u1, ..., un satisfazendo 〈ui, uj〉 = δij para i, j = 1, ..., n e dita ortonormal3.Operadores ou aplicacoes lineares serao denotados por letras latinasA,B,C....

O espaco vetorial complexo de todas as aplicacoes lineares A : X → Y seradenotado por L(X;Y ), sendo que a sua dimensao e o produto das dimensoesde cada espaco, dim[L(X;Y )] =dim(X)·dim(Y ). Em especial, em se tra-tando de espacos de operadores lineares, ou seja, quando X = Y , escrevemossimplesmente L(X).

1 Recomendamos fortemente as seguintes opcoes: o “preludio” de [1], toda a referencia[2], os cinco primeiros capıtulos (pelo menos) de [3], alem de [4].

2 Sendo o espaco vetorial de dimensao infinita, a definicao de espaco de Hilbert pedetambem a completude do espaco, quer dizer, a convergencia de toda sequencia de Cauchy.

3 Aqui usamos o delta de Kronecker δij =

1 se i = j0 se i 6= j

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 2

O sımbolo 0 sera usado para representar tanto o numero complexo zero,quanto o elemento neutro de X e o operador nulo de L(X;Y ).

O posto de uma aplicacao A : X → Y e simplesmente a dimensao da suaimagem, postoA =dim(ImA), onde ImA = y ∈ Y |y = Ax, para algum x ∈X. Pode-se definir em L(X;Y ) a norma ||A|| = sup||x||=1 ||Ax||.

O dual de X, quer dizer, conjunto dos funcionais lineares f : X →C|f e linear sera denotado por X∗. Para cada x ∈ X podemos definirseu elemento dual x∗ ∈ X∗ fazendo x∗(y) = 〈x, y〉 para todo y ∈ X. Omapeamento x 7→ x∗ e um isomorfismo entre X e X∗, e assumimos em X∗ oproduto interno tal que 〈x∗, y∗〉 = 〈y, x〉.

Dados x ∈ X e y ∈ Y , podemos definir uma aplicacao linear yx∗ ∈L(X;Y ) que atua da seguinte forma em um elemento u ∈ X: yx∗(u) =x(u)y = 〈x, u〉 y.

A adjunta de uma aplicacao linear sera denotada por ∗. Quer dizer, seA : X → Y e linear, a sua adjunta e a aplicacao linear A∗ : Y → X definidade forma a satisfazer 〈y, Ax〉 = 〈A∗y, x〉 para todos x ∈ X e y ∈ Y .

Se X = Y e A = A∗, A e dito autoadjunto. Caso A apenas comute comA∗, quer dizer, AA∗ = A∗A, diz-se que A e operador normal.

O conjunto dos operadores autoadjuntos atuando em X formam umespaco vetorial real, denotado porA(X), e vale dim[A(X)] = dim(X)[dim(X)+1]/2.

Um operador A : X → X e unitario se sua inversa A−1 existe e A−1 =A∗.

O operador identidade de um espaco X sera denotado por IX , que dizerIX(x) = x para todo x ∈ X.

Dada uma qualquer base ordenada B = v1, ...., vn de X, a matriz deum operador A nesta base sera representada pelo sımbolo [A], com entradas[A]ijni,j=1 definidas pelas equacoes Avj =

∑ni=1[A]ijvi, para j = 1, ..., n. Se

B e ortonormal, vale que [A]ij = 〈vi, Avj〉.A adjunta de uma matriz (sua transposta conjugada) tambem sera de-

notada com ∗ e uma matriz que coincide com sua adjunta sera denominadahermitiana.

Dado W ⊆ X subespaco de X, denotamos por W⊥ seu complementoortogonal, quer dizer, o subespaco formado pelos vetores ortogonais a todosos elementos de W . O projetor ortogonal em W e o operador linearPW : X → X tal que Px = x para todo x em W e Px = 0 para todo x emW⊥. Caso seja unidimensional, W = [u], onde o [S] indica o subespacogerado pelo subconjunto S ⊆ X, e u e unitario, entao PW = uu∗, pois(uu∗)(x) = u∗(x)u = 〈u, x〉u para todo x ∈ X.

Finalmente, se, para um operador A existem um vetor nao-nulo x ∈ Xe λ ∈ C tais que Ax = λx, x e dito autovetor de A com autovalor λ. O

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 3

conjunto de todos os autovetores com mesmo autovalor λ e um subespacode X, denominado autoespaco do autovalor λ. O conjunto dos autovaloresde um operador e denominado espectro. Se A e auto-adjunto, decorre queseus autovalores sao necessariamente reais e que autovetores com autovaloresdistintos devem ser ortogonais.

Observe finalmente que todos os espacos de Hilbert aqui considerados saoentao isomorfos e isometricos a Cn = (z1, ..., zn)|zi ∈ C para i = 1, ..., n, oespaco complexo n−dimensional das n−uplas de numeros complexos, munidodo produto interno 〈(z1, ..., zn), (z′1, ..., z

′n)〉 =

∑nj=1 z

∗j z′j. Ademais, L(X;Y )

e isomorfo ao espaco Mn×m = [M ]|[M ]ij ∈ C para i = 1, ...,m, j = 1, ..., ndas matrizes m× n com entradas complexas, se dim(X) = n e dim(Y ) = m.

1.2 Teorema espectral e algumas de suas aplicacoes econsequencias

Um resultado central para entendimento do conteudo destas notas e o teo-rema espectral, que garante, para todo operador autoadjunto, a existenciade uma base ortonormal inteiramente formada por autovetores do operador:

Teorema 1. Se A e um operador autoadjunto no espaco de Hilbert X dedimensao n ∈ N, existe uma base ortonormal u1, ..., un e n numerosreais λ1, ..., λn, nao necessariamente distintos, tais que Auj = λjuj paraj = 1, ..., n.

Observacao 1. Segue do teorema que

A =n∑i=1

λiuiu∗i

pois, para j = 1, ..., n,∑n

i=1 λiuiu∗i (uj) =

∑ni=1 λi〈ui, uj〉ui =

∑ni=1 λiδijui =

λjuj. Ou seja, o operador do lado direito da equacao atua da mesma formaque A em uma base de X, logo coincide com A. Dizemos que a expressao dooperador A nessa equacao e a decomposicao espectral do mesmo.

Observacao 2. Supondo que λi1 , ..., λik , k ≤ n, sao os autovalores distintosde A, e que Pλij e o projetor ortogonal no subespaco dos autovetores comautovalor λij , e facil concluir que

A =k∑j=1

λijPλij ,

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 4

onde, ademais, vale PλijPλij′= Pλij′

Pλij = 0 para j 6= j′ e∑k

j=1 Pij = IX .

Tambem dizemos que a soma acima e a decomposicao espectral do operadorA.

Ideia da demonstracao. O teorema decorre de dois fatos: i) todooperador linear em X possui pelo menos um autovetor e ii) se um opera-dor autoadjunto A preserva um subespaco W (quer dizer, a imagem doselementos de W por A pertencem a W ), entao tambem ira preservar W⊥.Assim sendo, dado um operador auto-adjunto A atuando em um espaco dedimensao d > 1, i) nos garante a existencia de um subespaco de dimensao 1preservado por A e ii) nos garante que seu complementar tambem sera preser-vado. Logo, podemos definir a restricao de A a este complementar como umoperador atuando em um espaco de dimensao d−1. Dada a obvia veracidadedo teorema para dim(X) = 1, o resultado segue do princıpio da inducao.

Exercıcio 1. Mostre que se um operador autoadjunto A : X → X preservasubespaco W entao preserva seu complemento ortogonal W⊥.

Exercıcio 2. Mostre que todo operador linear A : X → X tem pelo menosum autovetor. Dica: Considere o polinomio caracterıstico det(A− zI), ondeI e o operador identidade em X e use o teorema fundamental da algebra4.

Exercıcio 3. Para qualquer operador linear A : X → X, verifique que osoperadores B = 1

2(A+A∗) e C = i

2(−A+A∗) sao auto-adjuntos, e A = B+iC.

Exercıcio 4. Se A,B : X → X sao autoadjuntos e comutam, entao existeuma base uini=1 ortogonal de X formada por autovetores de A e B. Dica:se Wλ e o autoespaco de um autovalor λ de A, use a comutatividade paramostrar que Wλ sera preservado por B.

Exercıcio 5. Use os Exercıcios 3 e 4 para generalizar o teorema espectralpara operadores normais: se A : X → X comuta com A∗, existe uma baseortonormal em X inteiramente formada por autovetores de A.

Exercıcio 6. Mostre que U : X → X e unitario se, e somente se, X ad-mite uma base de ortonormal formada por autovetores de U e com todos osautovalores de modulo um. Dica: observe que U e operador normal.

4 Uma possıvel demonstracao sem uso do determinante e a seguinte. Primeiramenteobserve que o conjunto de elementos I, A,A2..., An2 de L(X), onde I e o operadoridentidade, e linearmente dependente pois contem n2+1 elementos, enquanto dim[L(X)] =

n2. Logo, existem coeficientes complexos α0, ..., αn2 tais que α0I+α1A+ ...+αn2An2

= 0e αi 6= 0 para algum i ≥ 1 (observe que nao e possıvel ter apenas α0 6= 0). Se k e o maiornatural tal que αk 6= 0, o teorema fundamental da Algebra nos garante que o polinomiop(z) = α0z + α1z + ... + αkz

k pode ser fatorado como produto de polinomios de grau 1,p(z) = αk(z − γ1)...(z − γk). Logo αk(A − γ1I)...(A − γkI) = 0 e necessariamente deveexistir x 6= 0 tal que (A− γjI)x = 0 para algum j, quer dizer, Ax = γjx.

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 5

Operadores semi-definido positivos

Um particular subconjunto dos operadores autoadjuntos sera especialmenterelevante para nos:

Definicao 1. Um operador linear A : X → X e dito semi-definido po-sitivo se 〈x,Ax〉 ≥ 0 para todo5 x ∈ X. Tambem indicaremos essa pro-priedade do operador com a notacao A ≥ 0. O conjunto de todos os ope-radores semi-definido positivos atuando em um espaco X sera denotado porDP(X) = A ∈ L(X)|A ≥ 0.

A primeira vista nao e claro que essa definicao implica em um operadorautoadjunto, mas isso e garantido pelo teorema abaixo.

Teorema 2. Um operador linear A : X → X e positivo semi-definido se, esomente se, e auto-adjunto e seus autovalores sao nao-negativos.

Demonstracao. (⇒) Lembre que, para quaisquer x, y ∈ X vale 〈x, y〉 =〈y, x〉∗. Logo, 〈x,Ax〉 = 〈x,Ax〉∗ = 〈Ax, x〉 para todo x ∈ X, onde a primeiraigualdade decorre da hipotese de 〈x,Ax〉 ser real. Para quaisquer x, y ∈ Xvale entao 〈x + iy, A(x + iy)〉 = 〈A(x + iy), x + iy〉 e 〈x + y, A(x + y)〉 =〈A(x+y), x+y〉. Da primeira igualdade deduz-se que Re〈x,Ay〉 = Re〈Ax, y〉e da segunda, que Im〈x,Ay〉 = Im〈Ax, y〉. Logo 〈x,Ay〉 = 〈Ax, y〉 e A e auto-adjunto.

Sobre o sinal dos autovalores, basta notar que se A tivesse algum auto-valor negativo λ com autovetor u, entao 〈u,Au〉 = 〈u, λu〉 = λ〈u, u〉 < 0,contrariando a hipotese.

(⇐) Seja uini=1 uma base ortonormal de autovetores de A com autova-lores λi ≥ 0. Para x =

∑ni=1 αiui arbitrario, vale

〈x,Ax〉 = 〈n∑i=1

αiui, A(n∑j=1

αjuj)〉 =n∑

i,j=1

α∗iαj〈ui, Auj〉

=n∑

i,j=1

α∗iαj〈ui, λjuj〉 =n∑

i,j=1

α∗iαjλjδij

=n∑j=1

|αj|2λj ≥ 0.

5 Note que em geral 〈x,Ax〉 pode ser um numero complexo. A desigualdade numerica〈x,Ax〉 ≥ 0 significa que 〈x,Ax〉 e real e positivo.

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 6

Exercıcio 7. Sejam Ai ∈ DP(X), 0 < λi ∈ C para i = 1, ..., N . Mostre queA =

∑Ni=1 λiAi ∈ DP(X). Ademais, mostre que a imagem de Ai esta contida

na imagem de A para i = 1, ..., N . Dica: mostre primeiramente para o casoλ1A1 + λ2A2, onde os dois operadores tem posto unitario. Generalize para ocaso em que apenas um tem posto unitario e finalmente para o caso em queambos tem posto qualquer. Encerre usando inducao em N .

Exercıcio 8. Sejam A ∈ DP(X) e B ∈ L(X), entao BAB∗ ∈ DP(X).

Exercıcio 9. Mostre que se Rπ4

e uma rotacao de π/4 no plano R2, vale~x ·Rπ

4· ~x ≥ 0 para todo ~x = (x, y) ∈ R2, mas o operador nao e autoadjunto.

Quer dizer, a recıproca do Teorema 2 so e valida para operadores em espacosvetoriais complexos.

O traco

Definicao 2. O traco de um operador linear A : X → X e definido porTrA =

∑ni=1〈ui, Aui〉, onde uini=1 e uma base ortonormal.

Dados espacos de Hilbert X, Y , o traco pode ser usado para fazer deL(X;Y ) tambem um espaco de Hilbert, definindo o produto interno 〈A,B〉 =Tr(A∗B), paraA,B ∈ L(X;Y ), denominado produto de Hilbert-Schmidt.Observe que A∗B e um operador linear definido em X e podemos de fato apli-car a definicao de traco (para uma aplicacao linear A : X → Y , com X 6= Y ,o traco nao e definido).

Os exercıcios abaixo demonstram que o traco e de fato bem definido, querdizer, nao depende da escolha da base ortonormal para computa-lo.

Exercıcio 10. Suponha A auto-adjunto e mostre que se uini=1 e uma baseortonormal de autovetores de A, com autovalores λi, entao

∑ni=1〈ui, Aui〉 =∑n

i=1 λi. Dada uma base ortonormal wjnj=1 arbitraria, expresse cada um deseus elementos em termos da base de autovetores e mostre que

∑ni=1〈wi, Awi〉 =∑n

i=1 λi. Conclua que o traco e bem definido para operadores auto-adjuntose coincide com a soma de seus autovalores.

Exercıcio 11. Use o exercıcio acima para mostrar que o traco e bem definidopara operadores lineares arbitrarios. Dica: use tambem o Exercıcio 3.

Exercıcio 12. Dados operadores lineares atuando em espaco de Hilbert X,A,B ∈ L(X), mostre que Tr(AB) =Tr(BA). Conclua tambem que, paraA1, ..., AN ∈ L(X), Tr(A1...AN) =Tr(ANA2...AN−1), chamada propriedadecıclica do traco. Dica: Expresse os elementos de matriz de AB e BAem uma base ortonormal e em termos dos elementos de matriz de A e B.Verifique que as somas dos elementos da diagonal coincidem.

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 7

Definicao 3. Os operadores lineares em X, semi-definido positivos e de tracounitario, sao denominados operadores densidade e seu conjunto sera de-notado por D(X).

Exercıcio 13. Se A e um operador semi-definido positivo, TrA = 1 e wjnj=1

e uma base ortonormal arbitraria, mostre que os numeros pi = 〈wi, Awi〉,satisfazem pi ≥ 0 para i = 1, .., n e

∑ni=1 pi = 1.

Exercıcio 14. Se Di ∈ D(X) para i = 1, ..., N e os numeros reais λi ≥ 0satisfazem

∑Ni=1 λi = 1, entao

∑Ni=1 λiDi ∈ D(X).

A exponencial de um operador

Dado operador linear A : X → X, podemos definir um novo operadoreA : X → X fazendo eA =

∑∞j=0

Aj

j!, pois essa serie converge6 na norma

de L(X) para todo operador A, e dizemos que eA e a exponencial de A. Aconvergencia na norma de L(X) implica em particular que para todo x ∈ X,∑∞

j=0Ajxj!

e uma serie convergente em X, e converge para eAx.Para entender como uma exponencial de um operador A atua em X e

necessario entender todas as potencias deste operador. Essa tarefa e par-ticularmente simples se olhamos para autovetores de A. De fato, se x eautovetor de A com autovalor λ, entao Anx = λnx, e vale eAx =

∑∞j=0

Ajxj!

=∑∞j=0

λj

j!x = eλx. Logo, se A e autoadjunto poderemos entender sua atuacao

em todo o espaco: se ui e uma base de ortonormal de autovetores de A, comautovalores λi, vemos que eA tambem tera todos os autovetores desta basecomo seus autovetores e com autovalores correspondentes eλi . Em particular,eA tambem sera autoadjunto.

Exercıcio 15. Mostre que det[eA] = eTr(A) para A autoadjunto.

Exercıcio 16. Mostre que eiA e um operador unitario se A e autoadjunto.Reciprocamente, se U e unitario, mostre que existe operador autoadjunto Atal que U = eiA. Dica: para a segunda parte, use o Exercıcio 6.

6 Para ver esta convergencia note que, se Sn =∑n

j=1Aj

j! e uma soma parcial, entao para

numeros naturais n > m, vale ||Sn − Sm|| = ||∑n

m+1Aj

j! || ≤∑n

m+1 ||Aj

j! || ≤∑n

m+1||A||jj! .

A ultima desigualdade segue da propriedade ||AB|| ≤ ||A|| · ||B||, valida para a norma de

L(X). Ora, a serie numerica∑∞

j=1||A||jj! e convergente, logo, dado ε > 0, existe N ∈ N

tal que n,m > N implica∑n

m+1||A||jj! < ε. Estas desigualdades mostram portanto que Sn

e uma sequencia de Cauchy na norma de L(X), sendo portanto convergente, visto L(X)ser completo.

O leitor nao familiarizado com fundamentos de analise pode ter dificuldade com o ar-gumento acima. Esta, no entanto, e a unica passagem desta notas onde esse tipo deargumento sera usado e o leitor pode ignorar esta passagem em um primeiro momento.

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 8

Exercıcio 17. Se A,B ∈ L(X) sao auto-adjuntos e comutam, mostre queeA+B = eAeB = eBeA. Dica: use o Exercıcio 4.

1.3 POVM

O tıtulo desta secao se refere a sigla em ingles da expressao positive operatorsvalued measures, que pode ser traduzida por medidas com valores emoperadores positivos. Grosseiramente, a ideia por tras desta expressaoe generalizar uma medida de probabilidade. Essa “medida”, ao inves deassumir valores reais, assume valores em operadores semi-definido positivosatuando em algum espaco de Hilbert fixado.

Se Ω e uma conjunto com uma quantidade finita de elementos ωi, chamadoespaco amostral, com i = 1, ..., N ∈ N, uma medida de probabilidadee um funcao da forma P : P(Ω) → R+, onde P(Ω) e o conjunto formadopor todos os subconjuntos de Ω e R+ e o conjunto dos numeros reais nao-negativos. Ela deve satisfazer ainda7 P (Ω) = 1 e P (E) =

∑ωi∈E P (ωi)

para todo E ⊆ Ω. Os subconjuntos E ⊆ Ω sao chamados eventos enquantoos subconjuntos com apenas um elemento, ωi, sao chamados eventos ele-mentares.

Pelas propriedades de P , vemos que basta conhecer os numeros pi =P (ωi), quer dizer, as probabilidades dos eventos elementares, para compu-tar a probabilidade de qualquer evento. Podemos entao agrega-los em umvetor de probabilidades (p1, ..., pN) para identificar a medida de probabi-lidade correspondente.

A definicao de POVM basicamente muda P (E) ∈ R, P (E) ≥ 0 paraP (E) ∈ L(X), P (E) ≥ 08 e P (Ω) = 1 para P (Ω) = IX , sendo IX o operadoridentidade em X. Para ser mais preciso:

Definicao 4. Um POVM e uma tripla (Ω, X,Π) onde Ω = ωiNi=1 e umconjunto com quantidade finita de elementos, X e espaco de Hilbert e Π :P(Ω)→ DP(X) satisfaz:

i) para cada E ⊆ Ω, Π(E) =∑

ωi∈E Π(ωi),

ii) Π(Ω) = IX .

A propriedade i) permite identificar um POVM igualmente bem peloconjunto de operadores ΠiNi=1, onde Πi = Π(ωi), sendo essa a forma mais

7 A definicao de medida de probabilidade aqui apresentada e valida apenas para espacosamostrais com um numero finito de elementos. Para uma exposicao geral, recomendamos[5].

8 Ou, em outra notacao, de P (E) ∈ R+ para P (E) ∈ DP(X).

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 9

comumente encontrada em textos de fısica. Os elementos deste conjunto saochamados os elementos do POVM.

No caso especial em que X = C o POVM coincide com a nocao usual demedida de probabilidade9.

Por exemplo, se X e bidimensional, Ω = 1, 2, 3, 4, u1, u2 e w1, w2sao bases ortonormais, entao 1

2Pu1 ,

12Pu2 ,

12Pw1 ,

12Pw2 sao elementos de um

POVM. Aqui temos apenas que verificar que todos elementos do conjunto saosemi-definido positivos e que a sua soma e a identidade. Ora, todos eles saoproporcionais a projetores ortogonais, com constantes de proporcionalidadepositivas, logo sao de fato semi-definido positivos. Ademais, 1

2Pu1 + 1

2Pu2 +

12Pw1 + 1

2Pw2 = 1

2(Pu1 + Pu2) + 1

2(Pw1 + 1

2Pw2) = 1

2IX + 1

2IX = IX .

Exercıcio 18. Seja X espaco de Hilbert, u1, ..., un base ortogonal para X,Ω = 1, ..., n e para E ⊆ Ω, WE subespaco gerado pelos vetores uii∈E.Mostre que (Ω, X,Π), onde Π(E) = PWE

e um POVM.

Exercıcio 19. Dados (Ω, X,Π) um POVM e um operador D ∈ D(X) (querdizer, D ≥ 0 e Tr(D) = 1), mostre que a aplicacao P : P(Ω) → R definidapor P (E) = Tr[Π(E)D] para E ⊆ Ω e uma medida de probabilidade. Dize-mos que essa e a medida de probabilidade induzida pelo POVM (Ω, X,Π)e o operador densidade D ∈ D(X).

Um caso particular importante de POVM’s sao aqueles em que Π(E) eprojetor ortogonal para todo E ⊆ Ω e Π(E)Π(E ′) = Π(E ′)Π(E) = 0 sempreque E ∩ E ′ = ∅, sendo denominados POVM’s projetivos. Neste caso, paracada particao do espaco amostral, Ω = E1∪ ...∪Em onde os eventos da uniaosao dois a dois disjuntos, os subespacos projetados por Π(Ei) sao mutuamenteortogonais e formam uma decomposicao em soma direta de X (em particular,a quantidade de elementos do espaco amostral deve ser menor ou igual adimensao de X).

Exercıcio 20. Construa um POVM projetivo (Ω, X,Π) usando a decom-posicao espectral de um operador autoadjunto A ∈ L(X).

1.4 Os operadores de Pauli

O objetivo desta secao e introduzir uma famılia bastante simples de operado-res atuando em espacos bidimensionais, devido a sua importancia e presencamacica na literatura em fısica. Seja X espaco de Hilbert de dimensao 2 com

9 DP(C) pode ser identificado naturalmente com o conjunto dos numeros reais nao-negativos, R+.

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 10

u0, u1 base ortonormal ordenada, enquanto σx, σy e σz sao operadores queatuam da seguinte forma:

σxu0 = u1 e σxu1 = u0, (1.1)

σyu0 = −iu1 e σyu1 = iu0, (1.2)

σzu0 = u0 e σzu1 = −u1. (1.3)

Estes sao denominados operadores de Pauli.

Exercıcio 21. Mostre que os operadores sao auto-adjuntos e unitarios. Quaissao as suas inversas?

Exercıcio 22. Como atuam os operadores σ− = 12(σx−iσy) e σ+ = 1

2(σx+iσy)?

Eles sao autoadjuntos? Senao, calcule suas adjuntas.

Exercıcio 23. Mostre que as suas matrizes sao

[σz] =

(1 00 −1

), [σx] =

(0 11 0

), [σy] =

(0 −ii 0

).

Exercıcio 24. Mostre que os operadores de Pauli, juntamente com o operadoridentidade IX , formam uma base para L(X) e tambem para A(X).

Exercıcio 25. Diagonalize σx e σy.

Exercıcio 26. Mostre que [σx, σy] = 2iσz, [σy, σz] = 2iσx, [σz, σx] = 2iσy, onde[A,B] = AB −BA denota o comutador de dois operadores.

Exercıcio 27. Se A = 12(I + rxσx + ryσy + rzσz), onde rx, ry, rz ∈ R, mostre

que A e semi-definido positivo se, e somente se |~r| ≤ 1, onde ~r = (rx, ry, rz).

1.5 O estado quantico

Com o que foi exposto acima, ja temos elementos matematicos suficientespara formular alguns dos princıpios gerais da teoria quantica. Vamos exporestes princıpios de tres maneiras distinas, em graus crescentes de genera-lidade, com vistas a preparar o leitor para outras leituras na literatura emfısica, onde as tres formulacoes ainda sao usadas. Pois, apesar da terceira for-mulacao incluir as duas primeiras como casos especiais, na literatura usa-sefrequentemente a linguagem e os objetos das duas primeiras por simplicidadeou razoes historicas.

Mas antes, para dar uma ideia um pouco mais precisa da importanciae significado destes princıpios, vamos primeiramente explorar a formulacaomatematica de um exemplo simples de um sistema descrito pela mecanicaclassica, uma vez que o leitor certamente tem alguma familiaridade com estateoria.

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 11

Considere uma sistema fısico S formado por uma unica partıcula de massam, tal que a sua locomocao e restrita a uma dimensao espacial. A suaposicao e descrita por uma coordenada x, suponha que V (x) e a sua energiapotencial, enquanto seu momento linear e p = mv, sendo v a sua velocidade.Note que o simples conhecimento do par de numeros (x(t = 0), p(t = 0)),explicitando o instante de tempo t = 0 onde estes numeros sao conhecidos,tem consequencias muito fortes:

i) Permite-nos computar o valor obtido pela medicao de qualquer gran-deza fısica relevante desse sistema nesse instante de tempo, como a sua ener-gia cinetica T (p) = p2/(2m) ou a sua energia mecanica total E = T (p)+V (x),pois de maneira geral as grandezas sao uma funcao f(x, p) da posicao e domomento da partıcula, como nos dois exemplos acima.

ii) Podemos calcular, gracas as leis de Newton, o par (x(t), p(t)) paraqualquer instante de tempo posterior t > 0, assim como, por i), qualqueroutra grandeza que nos interesse10.

Quer dizer, por i) e ii) teremos basicamente todas as informacoes sobreo sistema S. Por isso, dizemos que o par (x(0), p(0)) e o estado do sistemaS no instante t = 0. Consequentemente, a colecao de todos estes possıveispares (em um instante de tempo fixado), que aqui podemos simplesmenteidentificar com R2, e denominado espaco de estados. As medicoes nestesistema sao descritas por funcoes f(x, p), como a energia cinetica ou energiamecanica total, enquanto a dinamica do (estado do) sistema e determinadapelas leis de Newton (que, por sua vez, e determinada pela energia mecanicatotal, ou Hamiltoniano).

Finalmente, se tivermos um sistema S ′ formado por uma outra partıculade massa m′, posicao e momento x′, p′, sabemos como descrever o estado dopar de sistemas S + S ′: basta considerar a posicao e o momento de ambas,(x, p, x′, p′). Aqui, o espaco de estados pode ser identificado com R2 ×R2.

1a Formulacao

Postulado 1. A mecanica quantica postula que a todo sistema fısico S eassociado um espaco de Hilbert X. O sistema pode se encontrar em diferentesestados, que neste caso sao vetores unitarios em X. Uma medicao nestesistema, por outro lado, e descrita por um operador autoadjunto A : X → X.

A interpretacao deA e a seguinte: os seus autovalores ai correspondem aospossıveis resultados da medicao. Se o sistema se encontra em um estadox ∈ X, e e feita uma medicao descrita pelo operador A, a probabilidade

10 Lembre-se que a segunda lei de Newton e uma equacao diferencial ordinaria de segundaordem, e o que conhecimento dos dados iniciais x(0) e x(0) (ou, equivalentemente, de x(0)e p(0)) implica na existencia de uma solucao unica para o problema.

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 12

pi de se obter um particular valor ai e dada por pi =∑k

j=1 | 〈x,wj〉 |2, ondeos vetores wj formam um base ortonormal para o autoespaco do autovalorai (ou, equivalentemente, pi = 〈x, Paix〉, onde Pai e o projetor ortogonalno subespaco do autovalor ai). Em particular, o valor esperado de A,∑k

i=1 piai, e 〈x,Ax〉.Assim, se em um laboratorio tem-se um sistema fısico como, por exemplo,

um atomo de hidrogenio, os fısicos podem fazer e responder perguntas como:“se medirmos a energia deste atomo, quais valores podemos obter”? E “quale a probabilidade de se obter cada uma delas?” Para responder a primeirapergunta e necessario entao: a) identificar o espaco de Hilbert X associadoao atomo; b) identificar o operador autoadjunto H : X → X que descreveas medicoes de energia e, finalmente; c) computar o espectro de H, pois osnumeros reais deste conjunto serao exatamente os possıveis valores de energia.Para responder a segunda pergunta teriam que identificar, no experimentoem questao, qual o particular estado x ∈ X em que o atomo se encontra e,juntamente com os autovetores de H, computar as probabilidades desejadas.

2a Formulacao

Postulado 1’. A mecanica quantica postula que a todo sistema fısicoS e associado um espaco de Hilbert X. O sistema pode se encontrar emdiferentes estados, que neste caso sao elementos de D(X) (quer dizer, saooperadores semi-definido positivos de traco unitario). Uma medicao nestesistema ainda e descrita por um operador auto-adjunto A : X → X.

A interpretacao de A agora e: os seus autovalores ai ainda correspondemaos possıveis resultados da medicao. Se o sistema se encontra em um es-tado D ∈ D(X), e e feita uma medicao descrita pelo operador A, a probabi-lidade pi de se obter um particular valor ai e dada por pi =

∑kj=1 〈wj, Dwj〉,

onde os vetores wj formam um base ortonormal para o autoespaco do autova-lor ai (ou, equivalentemente, pi =Tr(DPai), onde Pai e o projetor ortogonalno subespaco do autovalor ai). Em particular, o valor esperado de A,∑k

i=1 piai, e Tr(AD).

Exercıcio 28. Mostre que se nos restringirmos a operadores D ∈ D(X) deposto unitario, D = Px = xx∗, sendo x ∈ X de norma 1, a formulacao acimae equivalente a primeira. Os estados fısicos descritos por operadores destetipo sao dito puros. Caso o operador tenha posto ≥ 2, o estado e dito misto.

3a Formulacao

Postulado 1”. A mecanica quantica postula que a todo sistema fısicoS e associado um espaco de Hilbert X. O sistema pode se encontrar em

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 13

diferentes estados, que neste caso sao elementos de D(X) (quer dizer, saooperadores semi-definido positivos de traco unitario). Uma medicao nestesistema, no entanto, agora e descrita por um POVM (Ω, X,Π).

A interpretacao do POVM e a seguinte: os possıveis resultados damedicao sao os elementos de Ω onde Ω = ω1, ..., ωN e um conjunto finito,cujos elementos nao sao necessariamente reais e pode ser que N > dim(X)(observe que nas formulacoes anteriores o numero de possıveis resultados deuma medicao estava limitado pela dimensao de X). Se o sistema se encontraem um estado D ∈ D(X), e e feita uma medicao descrita pelo POVM, aprobabilidade pE de se observar um determinado evento E ⊆ Ω e dadapor p(E) =Tr[DΠ(E)]. Em particular, se os elementos de Ω sao numerosreais, podemos computar o valor esperado da medicao,

∑Ni=1 pωiωi, por∑N

i=1 ωiTr(ΠiD), onde Πi = Π(ωi) sao os elementos de POVM.

Exercıcio 29. Mostre que se Ω so tem elementos reais e o POVM e pro-jetivo, essa formulacao se reduz a segunda. Dica: mostre que o operadorA =

∑Ni=1 ωiΠi, onde Πi sao os elementos de POVM, e autoadjunto e com

decomposicao espectral dada pelo lado direito da igualdade.

Faltou algo...

Dois ingredientes essenciais faltaram mesmo a essa formulacao mais geral:i) Caso tenhamos dois sistemas distintos S e S ′, descritos por espacos de

Hilbert X e X ′, qual e o estado do sistema composto S + S ′, quer dizer,considerando uma situacao experimental onde medicoes podem ser feitasconjuntamente em S e S ′? No proximo capıtulo definiremos o ferramentalnecessario para dar essa resposta.

ii) Em nenhum momento dizemos como que o estado de um sistemase comporta no tempo. Oferecemos apenas uma descricao estatica da teoria.Queremos ser capazes de computar, a partir do estado de um sistema D(0) ∈D(X) em um instante de tempo t = 0, o estado do sistema D(t) em uminstante de tempo posterior t > 0 arbitrario. Este sera um dos objetos deestudo do terceiro e ultimo capıtulo destas notas.

Uma observacao sobre a notacao

A notacao adotada aqui nestas notas e pouquıssimo usual na literatura defısica (experimental, teorica ou matematica). A esmagadora maioria dostextos faz uso dos bras e kets. Mas como essas notas tem em mente prin-cipalmente estudantes de matematica, com algum background em algebralinear e pouco em fısica, preferimos adotar uma notacao que o faca se “sentirmais em casa”. Nao obstante, acreditamos que a notacao sera igualmente util

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 14

aos estudantes de fısica, pois a notacao tradicional deixa muita informacaosubentendida, de forma que conceitos matematicos sutis podem passar de-sapercebidos ou mesmo ser erroneamente entendidos. Cremos que a notacaoaqui adotada e mais explıcita e abre menos espaco para erros de leitura.

Na notacao usual, vetores dos espacos de Hilbert sao representados pelossımbolos |ψ〉, chamados kets, enquantos os elementos do dual sao represen-tados pelos sımbolos 〈φ|, chamados bras. Essa notacao para o bra explora aidentificacao natural dos elementos de um espaco de Hilbert com seu dual,|φ〉 7→ 〈φ|. Quer dizer, 〈φ| e o funcional linear (|φ〉)∗, ou seja, a sua atuacaoem um elemento arbitrario |ψ〉 e 〈φ| (|ψ〉) = 〈|φ〉 , |ψ〉〉. Por isso, o produto in-terno entre dois vetores |ψ〉 e |φ〉 e convenientemente representado por 〈φ|ψ〉.Note entao que este mesmo sımbolo pode tambem ser entendido como o pro-duto interno ou a atuacao do elemento do dual 〈φ| no vetor |ψ〉. Ademais, naliteratura os operadores densidade sao usualmente representados pelas letrasgregas ρ e σ e seu domınio e propriedades sao frequentemente subentendidos.

Nao obstante, a notacao e bastante util para calculos e manipulacoesalgebricas mais longas, devido a sua simplicidade e fluidez. Por exemplo,um projetor na direcao de um vetor normalizado |φ〉 pode ser conveniente-mente representado pela sımbolo |φ〉 〈φ|, e sua atuacao em um vetor |ψ〉 fica|φ〉 〈φ| (|ψ〉) = (〈φ|ψ〉) |φ〉, ou simplesmente |φ〉 〈φ| |ψ〉 = 〈φ|ψ〉 |φ〉.

A “estranheza” da mecanica quantica

Voltando aos princıpios da mecanica quantica ja introduzidos, chamamos aatencao para o fato que a formulacao da teoria causa estranheza (para muitos)essencialmente porque a palavra probabilidade inevitavelmente aparece.

De maneira geral, podemos dar duas interpretacoes a probabilidade p deum evento: i) p e a fracao de vezes que este evento e observado quando ummesmo experimento e repetido muitas vezes (que e a adotada em analisesquantitativas de experimentos) ou ii) p e uma medida do “grau de expecta-tiva” deste evento ocorrer, 1 indicando que temos certeza que ira ocorrer, 0indicando que temos certeza que nao ira ocorrer (que e a adotada quandoouvimos a previsao do tempo, apostamos em um jogo de azar).

Qualquer que seja a interpretacao do que e probabilidade, necessaria-mente faz-se referencia a uma observacao (ou medicao). Isso implica que amecanica quantica nao diz como que todas as caracterısticas relevantes de umsistema fısico (como posicao, momento, energia, numero de partıculas, etc.)“estao”, mas apenas o que devemos esperar ao fazer nele uma observacao,ou medicao, destas caracterısticas. Nesse ponto, a interpretacao da fısicaquantica se desvia da fısica classica. Nessa ultima podemos pensar, ou pelomenos fingir, que os sistemas fısicos por ela descritos tem suas caracterısticas

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1. Operadores Autoadjuntos - Estados Quanticos 15

bem definidas, independentemente de observa-los ou nao.E claro que a mecanica classica tambem lida com probabilidades, espe-

cialmente a mecanica estatıstica. Jamais vamos descrever, por exemplo, oestado do gas em uma caixa especificando as mais de 1023 posicoes e momen-tos de suas partıculas. Descrevemos apenas a probabilidade de se encontraruma partıcula em um determinado ponto da caixa, ou a probabilidade delater um determinado momento linear, etc. Nao obstante, do ponto de vistaconceitual, e possıvel considerar que essas probabilidades surgem apenas da“ignorancia” do observador a respeito do sistema: as 1023 partıculas poderiamter, pelo menos a princıpio, em qualquer instante de tempo, suas posicoes emomentos bem definidos, apenas terıamos dificuldades (ou falta de interesse)de experimentalmente determinar todos eles. Mas, ainda a princıpio, alguemcom muitos recursos (e tempo) o poderia fazer.

Este nao e o caso das probabilidades da mecanica quantica. Elas nao saoconsequencia de limitacoes ou erros experimentais, sao inerentes a natureza.Elas sao irremovıveis e incontornaveis: certos fenomenos fısicos sao intrin-secamente imprevisıveis, no sentido do que o melhor que podemos fazer eatribuir a ele uma probabilidade estritamente entre 0 e 1.

Evidentemente, isso pode ser uma limitacao da teoria em si, quer dizer,apenas nao sabemos o suficiente sobre a natureza para construir uma teoriafısica correta e capaz de descrever todos os fenomenos sem uso de proba-bilidades (ou predize-los sempre com probabilidade 1 ou 0). De fato, essapossibilidade foi considerada desde os primordios da mecanica quantica, eas hipoteticas teorias que fariam tal trabalho sao tipicamente denominadasteorias de variaveis ocultas. A ideia destas teorias nao seria exatamentemostrar que a mecanica quantica esta errada, pois ate o momento nao foifeito qualquer experimento apontando neste sentido, mas sim que ela po-deria ser “melhorada”. Em situacoes em que a mecanica quantica atribuiuma probabilidade estritamente entre 0 e 1 para eventos, variaveis adicio-nais permitiriam dizer se os eventos sao certos ou nao. Ao se desconsiderarestas variaveis, no entanto, recuperarıamos as probabilidades previstas pelaquantica.

No proximo capıtulo iremos voltar a este ponto e discutir brevementeporque tais teorias, embora a princıpio matematicamente viaveis, violariamum outro princıpio importante da fısica. Ademais, recomendamos ao leitoruma visao bastante recente sobre a mecanica quantica e sua interpretacao naRef. [6].

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2. O PRODUTO TENSORIAL - SISTEMAS QUANTICOSCOMPOSTOS

Neste capıtulo definiremos o chamado produto tensorial entre dois espacosde Hilbert, resultando em um novo espaco de Hilbert cuja dimensao e o pro-duto da dimensao de cada um dos espacos envolvidos. O produto tensorialpode ser definido na verdade para quaisquer espacos vetoriais (nao necessari-amente com produto interno, dimensao finita ou sobre os complexos) mas nospreocuparemos aqui unicamente com a construcao para espacos de Hilbert.

2.1 Construcao

A definicao abaixo possivelmente parecera estranha ou artificial, mas temo proposito de deixar claro para o leitor que e possıvel construir o produtotensorial de forma razoavelmente simples e concreta. Nao, obstante, comono restante do texto nao usaremos os detalhes da construcao, mas unica esomente as propriedades expostas na proxima secao, o leitor pode pular paraela sem riscos a compreensao do restante do material.

Definicao 5. O produto tensorial entre dois espacos de Hilbert X e Y e oespaco vetorial das aplicacoes lineares entre X∗ e Y , ou L(X∗;Y ), munido doproduto interno 〈A,B〉 = Tr(A∗B), sendo A,B ∈ L(X∗, Y ) e A∗ : Y → X∗

a adjunta de A. Denotaremos este espaco de Hilbert por X ⊗ Y .

Dado um par de elementos x ∈ X, y ∈ Y , seu produto e o elementode X ⊗ Y , denotado por x ⊗ y, definido por (x ⊗ y)(f) = f(x)y, para f ∈X∗. Dito de outra forma, o produto entre dois vetores e uma aplicacao⊗ : X ×Y → X ⊗Y que associa cada par (x, y) ao elemento x⊗ y de X ⊗Yacima definido.

Proposicao 1. Sendo X, Y espacos de Hilbert, n = dim(X),m = dim(Y ),x, x′ ∈ X, y, y′ ∈ Y , α ∈ C, uni=1, wmi=1 bases ortonormais para X e Y ,

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2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 17

respectivamente, sao validas as seguintes propriedades:

i) (x+ x′)⊗ y = x⊗ y + x′ ⊗ y (2.1)

ii) x⊗ (y + y′) = x⊗ y + x⊗ y′ (2.2)

iii) (αx)⊗ y = x⊗ (αy) = α(x⊗ y) (2.3)

iv) 〈x⊗ y, x′ ⊗ y′〉 = 〈x, x′〉〈y, y′〉 (2.4)

v) o conjunto ui ⊗ wjn,mi,j=1 e uma base ortonormal (2.5)

Demonstracao.i) Para todo f ∈ X∗ vale [(x+x′)⊗y](f) = f(x+x′)y = f(x)y+f(x′)y =

(x⊗ y)(f) + (x′ ⊗ y)(f), entao (x+ x′)⊗ y = x⊗ y + x′ ⊗ y.ii) Para todo f ∈ X∗ vale [x⊗(y+y′)](f) = f(x)(y+y′) = f(x)y+f(x)y′ =

(x⊗ y)(f) + (x⊗ y′)(f), entao x⊗ (y + y′) = x⊗ y + x⊗ y′.iii) Exercıcio.iv) Se fini=1 e uma base ortonormal paraX∗, vale 〈x⊗y, x′⊗y′〉 = Tr[(x⊗

y)∗(x′ ⊗ y′)] =∑n

i=1〈(x ⊗ y)(fi), (x′ ⊗ y′)(fi)〉 =

∑ni=1〈fi(x)y, fi(x

′)y′〉 =〈y, y′〉

∑ni=1 fi(x)∗fi(x

′) = 〈y, y′〉〈x, x′〉. A primeira igualdade e somente adefinicao do produto interno em X ⊗ Y ; a segunda e consequencia imediatadas definicoes de traco e adjunta (ver o Exercıcio 31); a terceira e a definicaodo produto tensorial entre vetores de cada espaco; a quarta decorre de pro-priedades do produto interno enquanto a quinta e deixada como exercıcio1.

v) E consequencia imediata de iv) que o conjunto e ortonormal. Comodim[L(X∗, Y )] = nm, segue que tambem e uma base.

Exercıcio 30. Identifique ao longo do enunciado e da demonstracao da Pro-posicao 1 a quais espacos, X, Y ou X ⊗ Y , correspondem as operacoes desoma, multiplicacao por escalar e produto interno.

Exercıcio 31. Sendo n = dim(X) e u∗i ni=1 uma base ortonormal para X∗,mostre que Tr(X∗Y ) =

∑ni=1〈X(u∗i ), Y (u∗i )〉.

Caso tomemos o produto entre mais de dois espacos, digamos X, Y e Z, aprincıpio temos que X⊗(Y ⊗Z) e (X⊗Y )⊗Z, segundo a construcao acima,estritamente falando, sao distintos: um e o espaco vetorial L(X∗; (Y ⊗ Z))enquanto o segundo e L((X⊗Y )∗;Z)). Nao obstante, podemos identifica-losde forma bastante natural.

Se xini=1, yimi=1 e ziki=1 sao bases ortonormais para X, Y e Z, respecti-vamente, decorre da Proposicao 1 que a aplicacao linear I : L(X∗; (Y ⊗Z))→L((X ⊗Y )∗;Z) definida por I[xi⊗ (yj ⊗ zl)] = (xi⊗ yj)⊗ zl para i = 1, ..., n,

1 Lembre-se que pelo fato dos elementos fi formarem uma base ortonormal em X∗, osnumeros fi(x), para i = 1, ..., n, sao as componentes de x em uma base ortonormal.

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2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 18

j = 1, ...,m e l = 1, ..., k e um isomorfismo isometrico (preserva o produtointerno entre vetores) pois mapeia uma base ortonormal em uma base orto-normal. Alem disso, dado qualquer trio de vetores (x, y, z) ∈ X × Y × Z,vale que I[x ⊗ (y ⊗ z)] = (x ⊗ y) ⊗ z. Portanto, iremos denotar o produtotensorial entre espacos simplesmente por X ⊗ Y ⊗ Z, bem como o produtoentre vetores, x⊗ y ⊗ z, sem a preocupacao quanto a ordem das operacoes.

2.2 O produto tensorial

Na secao anterior oferecemos uma construcao explıcita do produto tensorialentre espacos de Hilbert. Nesta secao oferecemos uma abordagem alternativa,apenas enunciando as propriedades essenciais do produto tensorial, com quaise possıvel demonstrar todos os resultados subsequentes2.

Sendo X, Y espacos de Hilbert, n = dim(X),m = dim(Y ), x, x′ ∈ X,y, y′ ∈ Y , α ∈ C, uini=1, wimi=1 bases ortonormais para X e Y , respectiva-mente, o produto tensorial X ⊗ Y e um espaco de Hilbert onde existe umaaplicacao ⊗ : X × Y → X ⊗ Y tal que:

i) (x+ x′)⊗ y = x⊗ y + x′ ⊗ y (2.6)

ii) x⊗ (y + y′) = x⊗ y + x⊗ y′ (2.7)

iii) (αx)⊗ y = x⊗ (αy) = α(x⊗ y) (2.8)

iv) 〈x⊗ y, x′ ⊗ y′〉 = 〈x, x′〉〈y, y′〉 (2.9)

v) o conjunto ui ⊗ wjn,mi,j=1 e uma base ortonormal (2.10)

O produto tensorial e associativo X⊗(Y ⊗Z) = (X⊗Y )⊗Z = X⊗Y ⊗Ze para todo trio de vetores (x, y, z) ∈ X ×Y ×Z, x⊗ (y⊗ z) = (x⊗ y)⊗ z =x⊗ y⊗ z. Alem disso, propriedades analogas as (2.6)-(2.10) sao validas parao produto X ⊗ Y ⊗ Z.

Definimos ainda X⊗C = C⊗X = X, e se x ∈ X,λ ∈ C x⊗λ = λ⊗x =λx.

Os vetores da forma x⊗y sao denominamos vetores produto, enquantoa base descrita no item v) e denominada base produto de X⊗Y associadasas bases ui e wj. O exercıcio abaixo mostra que nem todos os vetoresdo produto tensorial precisam ser da forma produto.

Exercıcio 32. Suponha que dim(X) =dim(Y ) = 2 e que x0, x1 e y0, y1sao bases ortonormais para X e Y respectivamente. Mostre que o vetorx0 ⊗ y0 + x1 ⊗ y1 nao e produto. Dica: escreva vetores arbitrarios x e y nas

2 A ideia e similar a da analise: basta conhecer os axiomas do conjunto dos numeros reais(o fato de formarem um corpo ordenado completo) para demonstrar todos os resultadosrelevantes, sem a necessidade de se usar qualquer construcao explıcita do conjunto.

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2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 19

bases ortogonais e mostre que a igualdade x⊗ y = x0⊗ y0 +x1⊗ y1 nao podese verificar.

Exercıcio 33. Nas condicoes do exercıcio anterior, defina novas bases orto-normais x+, x− e y+, y− onde x± = (x0 ± x1)/

√2 (e analogamente para

y). Mostre que x0 ⊗ y0 + x1 ⊗ y1 = x− ⊗ y− + x+ ⊗ y+.

Exercıcio 34. Generalize e demonstre as propriedades (2.6)-(2.10) para oproduto de tres espacos X ⊗ Y ⊗ Z.

Exercıcio 35. Mostre que para x ∈ X, y ∈ Y quaisquer, x⊗ 0 = 0⊗ y = 0 ∈X ⊗ Y .

Exercıcio 36. Mostre que se dim(X) = 1 ou dim(Y ) = 1 entao todos osvetores de X ⊗ Y sao da forma produto.

Exercıcio 37. Mostre que se xini=1 e yjmj=1 sao bases (nao necessariamenteortonormais) para X e Y , respectivamente, entao xi ⊗ yjn,mi,j=1 e base paraX ⊗ Y .

A proposicao (2.10) nos garante que, de maneira geral, um vetor de umproduto tensorial X ⊗ Y e uma combinacao linear de nm elementos ui⊗wj,se uini=1 e wjm sao bases ortogonais de X e Y fixadas. O teorema a seguirnos mostra que, por outro lado, se fixamos um vetor de X⊗Y e permitimosvariar as bases ortonormais de X e Y , entao apenas uma combinacao linearde minn,m de vetores e necessaria.

Teorema 3. (Decomposicao de Schmidt). Se X, Y sao espacos de Hil-bert com n = dim(X),m = dim(Y ), r = minn,m, fixado φ ∈ X ⊗ Y ,existem bases ortonormais uini=1 e wjmj=1 para X e Y , respectivamente,

tais que φ =∑r

i=1

√λiui ⊗ wi, onde λi ≥ 0.

Demonstracao. Este teorema decorre basicamente da decomposicao emvalores singulares de uma matriz3.

Tome xini=1 e yjmj=1 bases ortonormais para X e Y de forma queφ =

∑n,mi,j=1 αijxi ⊗ yj para algum conjunto de coeficientes complexos αij.

Aplicando o teorema da decomposicao em valores singulares para a matrizformada por estes coeficientes, podemos concluir que

αij =

n,m∑k,k′=1

[U ]ik[D]kk′ [V ]k′j,

3 Se [M ] e uma matriz n×m, existem matrizes [U ], [V ], [D] de dimensoes n×n, m×m en×m, respectivamente, com [U ], [V ] unitarias e [D] diagonal com entradas nao negativas,tais que [M ] = [U ][D][V ]. As entradas da diagonal de [D] sao as raızes quadradas dosautovalores de [M ][M ]∗.

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2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 20

onde os coeficientes [U ]ik e [V ]k′j formam matrizes unitarias n× n e m×m,enquanto [D]kk′ e diagonal com entradas nao-negativas. Logo

φ =

n,m∑i,j=1

αijxi ⊗ yj

=

n,m∑i,j=1

(

n,m∑k,k′=1

[U ]ik[D]kk′ [V ]k′j)xi ⊗ yj

=

n,m∑k,k′=1

[D]kk′(n∑i=1

[U ]ikxi)⊗ (m∑j=1

[V ]k′jyj)

=r∑

k=1

[D]kkuk ⊗ wk.

Na ultima igualdade usamos que os coeficientes [D]kk′ formam um matrizdiagonal (logo, com r =minn,m entradas na diagonal) e definimos os ve-tores uk =

∑ni=1[U ]ikxi e wk =

∑mj=1[V ]k′jyj. Como os coeficientes [U ]ik

e [V ]k′j formam matrizes unitarias e os xi e yj formam bases ortonormais,entao os conjuntos uknk=1 e wkmk=1 tambem serao ortonormais (verifique!).Definindo λk = [D]2kk, concluımos a demonstracao.

Observacao 3. Definimos os coeficientes numericos√λi com esta raiz qua-

drada para que ||φ|| =∑r

i=1 λi. Como λi ≥ 0, se φ e normalizado o vetor(λ1, ..., λr) pode ser pensado como um vetor de probabilidades. De maneirageral (com suas entradas somando 1 ou nao), o vetor e chamado vetor deSchmidt de φ. No exercıcio a seguir o leitor pode demonstrar que este vetore bem definido (a menos de reordenamento de suas entradas). Dizemos quea expressao para φ na forma enunciada pelo teorema e uma decomposicaode Schmidt de φ. Ademais, o numero de elementos nao nulos do vetor deSchmidt e denominado posto de Schmidt de φ.

Exercıcio 38. Se xini=1, x′ini=1 sao bases ortonormais para X, yjmj=1 ey′jmj=1 bases ortonormais para Y e φ ∈ X ⊗ Y , entao φ =

∑n,mi,j=1 αijxi ⊗

yj =∑n,m

i,j=1 α′ijx′i ⊗ y′j. Mostre que as matrizes [M ] e [M ′] formadas pelos

coeficientes complexos αij e α′ij respectivamente, se relacionam por [M ] =[U ][M ′][V ], onde [U ] e [V ] sao unitarias. Conclua que o vetor de Schmidt deφ e bem definido, a menos de reordenamentos. Dica: como que os pares debases de cada espaco se relacionam?.

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2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 21

2.3 Operadores no produto tensorial

Dadas aplicacoes lineares A : X → X e B : Y → Y , onde X, X, Y, Y saoespacos de Hilbert, e natural definir um produto entre elas, denotado porA ⊗ B, atuando nos produto tensoriais entre os espacos, fazendo A ⊗ B :X ⊗ Y → X ⊗ Y tal que (A ⊗ B)(xi ⊗ yj) = (Axi) ⊗ (Byj) onde xini=1 eyjmj=1 sao bases para X e Y respectivamente. Como o conjunto xi⊗yjn,mi,j=1

forma uma base para X⊗Y , A⊗B fica definido. Dizemos que essas aplicacoesde L(X ⊗ Y ; X ⊗ Y ) sao da forma produto.

A aplicacao linear assim definida nao depende da escolha das bases paraX e Y . De fato, se x′knk=1 e y′lml=1 sao um novo par de bases paraestes espacos, entao x′k =

∑ni=1 αikxi, y

′l =

∑mj=1 βljyj para coeficientes

complexos αik e βlj. Dado φ =∑n,m

i,j=1 γijxi ⊗ yj =∑n,m

k,l=1 γ′klx′k ⊗ y′l se-

gue que γij =∑n,m

k,l=1 αikγ′klβlj. Entao (A ⊗ B)(φ) =

∑n,mi,j=1 γij(Axi) ⊗

(Byj) =∑n,m

i,j=1(∑n,m

k,l=1 αikγ′klβlj)(Axi)⊗ (Byj) =

∑n,mk,l=1 γ

′kl[A(

∑ni=1 αikxi)]⊗

[B(∑m

j=1 βljyj)] =∑n,m

k,l=1 γ′kl(Ax

′k)⊗ (By′l).

Proposicao 2. Sendo X, Y, X, Y espacos de Hilbert e A : X → X e B :Y → Y aplicacoes lineares, vale que (A⊗B)∗ = A∗ ⊗B∗.

Demonstracao. Sendo xi ⊗ yjn,mi,j=1 base ortonormal para X ⊗ Y , ob-serve que, para todos i, i′ = 1, ..., n e j, j′ = 1, ...,m vale 〈xi⊗yj, (A⊗B)xi′⊗yj′〉 = 〈xi⊗yj, (Axi′)⊗(Byj′)〉 = 〈xi, Axi′〉〈yj, Byj′〉 = 〈A∗xi, xi′〉〈B∗yj, yj′〉 =〈(A∗xi)⊗ (B∗yj), xi′ ⊗ yj′〉 = 〈(A∗ ⊗B∗)xi ⊗ yj, xi′ ⊗ yj′〉.Exercıcio 39. Sendo Xi, Yi espacos de Hilbert para i = 1, 2, 3 e A : X1 → X2,B : Y1 → Y2, C : X2 → X3 e D : Y2 → Y3 aplicacoes lineares, mostre que:

(C ⊗D)(A⊗B) = (CA)⊗ (DB). (2.11)

Exercıcio 40. Mostre que o produto tensorial de operadores autoadjuntos eautoadjunto e o produto tensorial de operadores unitarios e unitario.

Se A : X → X e B : Y → Y sao operadores lineares, dizemos queA ⊗ B ∈ L(X ⊗ Y ) sao operadores produto. Nem todo elemento deL(X ⊗ Y ) e um operador produto (ver exercıcio abaixo), porem e possıvelescrever qualquer um de seus elementos como uma combinacao linear deoperadores produto.

Proposicao 3. Se X, Y sao espacos de dimensao n e m, respectivamente,A,C ∈ L(X), B,D ∈ L(Y ), entao

i) Tr(A⊗B)=(TrA)(TrB).

ii) Ain2

i=1, Bjm2

j=1 formam bases para L(X) e L(Y ), entao Ai⊗Bjn2,m2

i,j=1

e uma base para L(X ⊗ Y ).

Page 24: Topicos de Algebra Linear

2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 22

Demonstracao.i) Tome xini=1 e yini=1 bases ortonormais para X e Y , fazendo de xi⊗

yjn,mi,j=1 uma base ortonormal para X ⊗ Y . Entao Tr(A⊗ B) =∑n,m

i,j=1〈xi ⊗yj, (A⊗B)(xi⊗yj)〉 =

∑n,mi,j=1〈xi⊗yj, (Axi)⊗(Byj)〉 =

∑n,mi,j=1〈xi, Axi〉〈yj, Byj〉 =

(∑n

i=1〈xi, Axi〉)(∑m

j=1〈yj, Byj〉) = (TrA)(TrB).

ii) Como dim[L(X ⊗ Y )] = (nm)2, mesmo numero de elementos do con-junto, basta mostrar sua independencia linear. Para tanto, podemos lancarmao do produto de Hilbert-Schmidt. Sendo os conjuntos Ain

2

i=1 e Bjm2

j=1 li-

nearmente independentes, podemos obter novos conjuntos Ain2

i=1 e Bjm2

j=1

ortogonais, via ortogonalizacao de Gram-Schmidt. O item i) garante que o

conjunto Ai⊗Bjn2,m2

i,j=1 sera ortogonal e, portanto, L.I. Alem disso, e tambemuma base. Mas como seus elementos sao combinacoes lineares dos elementosde Ai ⊗Bjn

2,m2

i,j=1 , esse conjunto tambem deve ser uma base.

Exercıcio 41. Se A,B sao autoadjuntos, obtenha os autovetores e autovaloresde A⊗B em termos dos autovetores e autovalores de A e B. Os autovetoresde A⊗B sao necessariamente da forma produto?

Exercıcio 42. Se A,B sao semi-definido positivos, mostre que A⊗B e semi-definido positivo.

Exercıcio 43. Se X, Y sao espacos de Hilbert e Φ ∈ L(X ⊗ Y ) e tal que〈x⊗ y,Φx⊗ y〉 ∈ R, para todo x ∈ X e y ∈ Y , entao Φ e autoadjunto. Dica:Mostre primeiramente que 〈x⊗ y,Φx⊗ y〉 = 〈Φx⊗ y, x⊗ y〉 para x, x ∈ Xe y, y ∈ Y arbitrarios, usando estrategia semelhante a da demonstracao doTeorema 2.

Exercıcio 44. Se um operador autoadjunto atuando em X ⊗ Y admite baseortonormal de vetores, todos eles produto, entao o operador e tambem daforma produto?

Exercıcio 45. Mostre que se um operador Φ ∈ L(X ⊗ Y ) e produto, querdizer, Φ = A⊗B, e tem posto um, entao A e B tambem tem posto unitario.

Exercıcio 46. Mostre que a aplicacao linear Ψ : L(X) ⊗ L(Y ) → L(X ⊗ Y )definida de forma a levar uma base produto de (Ai)⊗ (Bj) ∈ L(X)⊗ L(Y )em Ai ⊗Bj ∈ L(X ⊗ Y ) e um isomorfismo.

2.4 Representacao matricial

Se X, Y sao espacos de Hilbert com u0, ..., un−1 e w0, ..., wm−1 basesortonormais ordenadas, podemos considerar um ordenamento adequado paraa correspondente base produto de X ⊗ Y para que a matriz de um operador

Page 25: Topicos de Algebra Linear

2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 23

A ⊗ B se expresse de forma simples em termos das matrizes de A e B emcada uma das bases.

Supondo o ordenamento φ1, ..., φi, ..., φnm = u0⊗w0, ..., u0⊗wm−1, u1⊗w0, ..., u1 ⊗wm−1, ..., un−1 ⊗w0, ..., un−1 ⊗wm−1, vamos olhar para a matrizde A ⊗ B como n × n blocos de tamanho m × m. Pois se i = mk + londe k = 0, ..., n − 1 e l = 0, ...,m − 1, j = mk′ + l′ onde k′ = 0, ..., n − 1 el′ = 0, ...,m−1, de forma que (k, k′) indexa cada bloco e (l, l′) suas respectivasm2 entradas, vemos que o elemento de matriz

[A⊗B]ij = 〈φi, (A⊗B)φj〉= 〈uk ⊗ wl, (A⊗B)uk′ ⊗ wl′〉= 〈uk, Auk′〉〈wl, Bwl′〉 = [A]kk′ [B]ll′ .

Ou seja, cada bloco (k, k′) e a matriz de B multiplicada pela entrada (k, k′)da matriz de A:

[A⊗B] =

[A]11[B] [A]12[B] · · · [A]1n[B][A]21[B] [A]22[B] · · · [A]2n[B]

.... . .

...[A]n1[B] · · · · · · [A]nn[B]

.

Por exemplo, se X e de dimensao 2, u0, u1 uma base ordenada e σx, σyoperadores de Pauli anteriormente definidos [ver Eqs., (1.1)-(1.3)], a matrizdo operador σx ⊗ σy sera

[σx ⊗ σy] =

([σx]11[σy] [σx]12[σy][σx]21[σy] [σx]22[σy]

)=

0 · 0 0 · (−i) 1 · 0 1 · (−i)0 · i 0 · 0 1 · i 1 · 01 · 0 1 · (−i) 0 · 0 0 · (−i)1 · i 1 · 0 0 · i 0 · 0

=

0 0 0 −i0 0 i 00 −i 0 0i 0 0 0

.

Nos exercıcios abaixo, X e espaco de Hilbert bidimensional, u0, u1 euma base ordenada, enquanto σx, σy e σz sao os operadores de Pauli definidospelas Equacoes (1.1)-(1.3).

Exercıcio 47. Calcule as matrizes dos operadores atuando em X⊗X definidospor σx ⊗ σx, σz ⊗ σz e σx ⊗ σz e obtenha seus autovetores e autovalores.

Exercıcio 48. Calcule os coeficientes do vetor φ = 1√2(u0 ⊗ u0 + u1 ⊗ u1) na

base ordenada de X ⊗X obtida da base de X.

Page 26: Topicos de Algebra Linear

2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 24

Exercıcio 49. Calcule, para φ ∈ X ⊗ X definido no exercıcio anterior, osseguintes produtos internos 〈φ, σx ⊗ (σx+σz√

2)φ〉, 〈φ, σz ⊗ (σx+σz√

2)φ〉, 〈φ, σx ⊗

(σx−σz√2

)φ〉 e 〈φ, σz⊗ (σx−σz√2

)φ〉 diretamente e usando as representacoes matri-ciais.

Exercıcio 50. Seja N ∈ N e Y =⊗N

i=1 X, o produto tensorial de N copias de

X. Para j = 1, ..., N defina em Y os operadores Σ−j = I⊗...⊗(σx−iσy2

)⊗...⊗Ionde o operador entre parentesis se encontra na j−esima posicao. Ainda emY , defina C1 = Σ−1 e para j = 2, ..., N , Cj = (⊗j−1

i=1σz)Σ−j . Mostre que

Ci, Cj = C∗i , C∗j = 0 e C∗i , Cj = δijI onde A,B = AB + BA e oanticomutador de dois operadores. Dica: considere a base formada por todosos possıveis produtos dos elementos da base de X (tendo esta base produtoum total de 2N elementos) e entenda primeiramente como que os operadoresΣ−j e suas adjuntas, bem como ⊗j−1

i=1σz, nela atuam.

2.5 O traco parcial

Nesta secao definiremos uma importante aplicacao linear que mapeia ele-mentos de L(X ⊗ Y ) em elementos de L(X) (ou L(Y )), denominada tracoparcial, “eliminando” um dos espacos no produto.

Definicao 6. Sendo X, Y espacos de Hilbert o traco parcial de Y e aaplicacao linear TrY : L(X ⊗ Y ) → L(X) definida por (IL(X) ⊗ Tr) Ψ−1,onde Ψ−1 : L(X ⊗ Y )→ L(X)⊗ L(Y ) e inverso do isomorfismo definido noExercıcio 46, IL(X) : L(X) → L(X) operador identidade e Tr: L(Y ) → C aaplicacao linear traco.

A proposicao abaixo nos da formas mais operacionais de se computar otraco parcial de um operador.

Proposicao 4. Se L(X ⊗ Y ) 3 Φ = A ⊗ B e produto, vale TrY (A ⊗ B) =Tr(B)A. Em geral, se uini=1, wimi=1 sao bases ortonormais para X e Y ,respectivamente, e Φ ∈ L(X ⊗ Y ), a matriz de TrY (Φ) na base uini=1 temelementos [TrY (Φ)]ii′ =

∑mj=1〈ui ⊗ wj,Φ(ui′ ⊗ wj)〉.

Demonstracao. DadoA⊗B ∈ L(X⊗Y ), vale (IL(X)⊗Tr)Ψ−1(A⊗B) =(IL(X) ⊗ Tr)[(A)⊗ (B)] = [IL(X)(A)]⊗ Tr(B) = Tr(B)A. Quanto a segundaafirmacao, pelo o que ja foi demonstrado, e facil atestar sua veracidade parao caso em que Φ e produto, enquanto o caso geral segue por linearidade.

Exercıcio 51. Seja X espaco de Hilbert com bidimensional e u0, u1 baseortonormal. Se φ, ψ ∈ X ⊗ Y sao dados por φ = (u0 ⊗ u0 + u1 ⊗ u1)/

√2 e

ψ = x⊗ x′, onde x, x′ ∈ X, calcule os tracos parciais de φφ∗ e ψψ∗.

Page 27: Topicos de Algebra Linear

2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 25

As seguintes propriedades do traco parcial sao simples mas importantespara a continuidade da formulacao da mecanica quantica, a ser feita no finaldesse capıtulo.

Proposicao 5. Sendo Φ ∈ L(X⊗Y ) vale Tr[TrY (Φ)] = Tr(Φ). Se, ademais,Φ ∈ DP(X ⊗ Y ), entao TrY (Φ) ∈ DP(X).

Demonstracao. Tomando uini=1, wimi=1 bases ortonormais para Xe Y , respectivamente, temos que Tr(Φ) =

∑n,mi,j=1〈ui ⊗ wj,Φui ⊗ wj〉 =∑n

i=1(∑m

j=1〈ui ⊗ wj,Φui ⊗ wj〉) =∑n

i=1[TrY Φ]ii = Tr(TrY Φ). A primeiraigualdade e somente a definicao de traco de Φ, pois ui⊗wjn,mi,j=1 e uma basepara L(X ⊗ Y ); na terceira e ultima usamos, respectivamente, a Proposicao4 e a definicao do traco de um operador em X.

Para mostrar a segunda afirmacao, tome X 3 x 6= 0 e faca u = x/||x|| ele-mento de uma base ortonormal em X. Entao, novamente pela Proposicao 4,〈u, (TrY Φ)u〉 =

∑mj=1〈u⊗ wj,Φu⊗ wj〉 ≥ 0 pois Φ ≥ 0.

Exercıcio 52. De um exemplo para mostrar que TrY (Φ) ≥ 0 nao implicaΦ ≥ 0.

Exercıcio 53. Se Φ ∈ L(X ⊗ Y ) e B ∈ L(Y ), mostre que TrX [Φ(IX ⊗ B)] =(TrXΦ)B. Dica: escreva Φ como uma combinacao linear de operadores pro-duto.

Exercıcio 54. Seja φ ∈ X ⊗ Y e φ =∑r

i=1

√λiui ⊗wi uma decomposicao de

Schmidt, onde r =mindim(X),dim(Y ), λi ≥ 0 e os vetores ui e wj formamconjuntos ortonormais. Se Φ = φφ∗, mostre que TrY (Φ) =

∑ri=1 λiuiu

∗i e

TrX(Φ) =∑r

j=1 λjwjw∗j .

Encerramos esta secao como o chamado teorema da dilatacao, usadofrequentemente para simplificar demonstracoes envolvendo operadores semi-definido positivos, ao permitir que sejam substituıdos por vetores em umespaco de Hilbert maior, uma “dilatacao” do espaco original.

Teorema 4. Se A ∈ L(X) e semi-definido positivo, existe Y espaco deHilbert e φ ∈ X ⊗ Y tal que TrY (φφ∗) = A.

Demonstracao. Se A =∑n

i=1 λiuiu∗i onde λi ≥ 0 sao os autovalores de

A, enquanto seus autovetores ui formam uma base ortonormal, faca Y = Xe φ =

∑ni=1

√λiui ⊗ ui ∈ X ⊗X. Pelo Exercıcio 54, TrY (φφ∗) = A.

Exercıcio 55. Mostre que, na demonstracao do Teorema 4, e possıvel tomaralgum espaco Y com dimensao igual ao posto p do operador A. Seria possıveltomar Y de dimensao inferior a p?

Exercıcio 56. Se φ, φ′ ∈ X ⊗ Y sao tais que TrY (φφ∗) =TrY (φ′φ′∗), existeaplicacao unitaria U ∈ L(Y ) tal que φ = (IX ⊗ U)φ′. Dica: use o Exercıcio54.

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2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 26

2.6 Teorema da dilatacao de Naimark

No capıtulo anterior vimos que um POVM (Ω, X,Π) e um operador densidadeatuando em X, D ∈ D(X), induzem uma medida de probabilidade no mesmoespaco amostral, definindo P (E) =Tr[Π(E)D] para todo evento E ⊆ Ω.

Da mesma forma que podemos “dilatar” um espaco de Hilbert para queum operador densidade seja visto como um vetor (ou um operador de postounitario) do espaco maior, nesta secao vamos ver como, dados POVM eoperador densidade, “dilatar” o espaco de Hilbert para obter POVM projetivono espaco maior, mas cuja medida de probabilidade induzida e a mesma doPOVM original [7, 8].

Teorema 5. (Dilatacao de Naimark). Se (Ω, X,Π) e um POVM, exis-tem espaco de Hilbert Y , y ∈ Y e POVM projetivo (Ω, X ⊗ Y, Π) tais queTr[Π(E)(D ⊗ yy∗)] =Tr[Π(E)D] para todo evento E ⊆ Ω e operador densi-dade D ∈ D(X).

Demonstracao. Se Ω = ω1, ..., ωN, tome Y um qualquer espaco deHilbert de dimensao N (e.g., Y = CN) e uma qualquer base ortonormalw1, ..., wN para Y . Defina o subespaco W ⊆ X ⊗ Y , fazendo W = φ ∈X ⊗ Y |φ = x ⊗ w1, x ∈ X e a aplicacao linear U : W → X ⊗ Y , ondeU(x⊗w1) =

∑Nk=1(√

Πkx)⊗wk e Πk = Π(ωk) sao os elementos de POVM4.Se uini=1 e base ortonormal para X, note que

〈U(ui ⊗ w1), U(uj ⊗ w1)〉 = 〈N∑k=1

√Πkui ⊗ wk,

N∑k′=1

√Πk′uj ⊗ wk′〉

=N∑

k,k′=1

〈√

Πkui,√

Πk′uj〉 〈wk, wk′〉

= 〈N∑k=1

√Πkui,

√Πkuj〉 = 〈ui,

N∑k=1

Πkuj〉

= 〈ui, uj〉 .

Quer dizer, U mapeia uma base ortonormal da W em um conjunto or-tonormal de X ⊗ Y , sendo entao possıvel tomar uma extensao unitaria5

4 Aqui usamos que operadores semi-definido positivos tem unica raiz quadra semi-definida positiva: se A e semi-definido positivo com autovalores λi ≥ 0 e autovaloresui, entao A =

∑ni=1 λiuiu

∗i e√A =

∑ni=1

√λiuiu

∗i

5 Tome bases ortonormais para W⊥ e [Im(U)]⊥, defina U ′ : W⊥ → X ⊗ Y que faz ummapeamento entre esse par de bases, e U ∈ L(X ⊗ Y ) tal que sua restricao a W coincidecom U e sua restricao a W⊥ coincide com U ′.

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2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 27

U : X ⊗ Y → X ⊗ Y . Observe que, para todo A ∈ L(X), U(A⊗w1w∗1)U∗ =

U(A⊗ w1w∗1)U∗ =

∑Nk,k′=1

√ΠkA√

Πk′ ⊗ wkw∗k′ .Defina um POVM (Ω, X ⊗ Y, Π) cujos elementos sao Π(ωk) = Πk =

U∗[IX ⊗ (wkw∗k)]U . Estes elementos de fato definem um POVM pois sao cla-

ramente definido positivos e∑N

k=1 Πk =∑N

k=1 U∗[IX ⊗ (wkw

∗k)]U = U∗[IX ⊗

(∑N

k=1 wkw∗k)]U = U∗IX ⊗ IYU = IX⊗Y .

Primeiramente vamos verificar que o POVM e projetivo. Realmente,note que IX ⊗ wkw

∗k e autoadjunto e (IX ⊗ wkw

∗k)

2 = I2X ⊗ (wkw

∗k)

2 =IX ⊗ wkw∗k, quer dizer estes operadores sao projetores ortogonais. Ademais,(IX ⊗ wkw∗k)(IX ⊗ wk′w∗k′) = IX ⊗ (wkw

∗k)(wk′w

∗k′) = 0 se k 6= k′. Como os

elementos de POVM Πk sao obtidos dos operadores acima por uma operacaounitaria, eles continuarao sendo projetores ortogonais em subespacos mutu-amente ortogonais.

Finalmente, vejamos qual e a medida de probabilidade induzida por estePOVM e o operador densidade D ⊗ yy∗, onde y = w1.

Tr[Πk(D ⊗ w1w∗1)] = Tr[U∗IX ⊗ wkw∗kU(D ⊗ w1w

∗1)]

= Tr[IX ⊗ wkw∗kU(D ⊗ w1w∗1)U∗]

= Tr[(IX ⊗ wkw∗k)(N∑

k′,k′′=1

√Πk′D

√Πk′′ ⊗ wk′w∗k′′)]

=N∑

k′′=1

Tr[√

ΠkD√

Πk′′ ⊗ wkw∗k′′ ]

= Tr[√

ΠkD√

Πk]

= Tr[ΠkD].

Para um evento qualquer E ⊆ Ω,

Tr[Π(E)(D ⊗ w1w∗1)] = Tr[

∑ωk∈E

Π(ωk)D ⊗ w1w∗1]

=∑ωk∈E

Tr[Π(ωk)D ⊗ w1w∗1]

=∑ωk∈E

Tr[Π(ωk)D]

= Tr[∑ωk∈E

Π(ωk)D]

= Tr[Π(E)D].

Page 30: Topicos de Algebra Linear

2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 28

2.7 Operadores Separaveis

Sejam AiNi=1, BiNi=1 conjuntos onde Ai ∈ L(X), Bi ∈ L(Y ) sao operadoressemi-definido positivos. O leitor nao tera dificuldade de verificar que que∑N

i=1Ai ⊗ Bi ∈ L(X ⊗ Y ) e tambem semi-definido positivo. Os operadoresde L(X ⊗ Y ) que podem ser expressos desta forma (onde N pode assumirqualquer valor natural, independentemente das dimensoes de X e Y ) saodito separaveis e denotaremos o conjunto de todos estes operadores porS(X ⊗ Y ).

Os elementos do complementar de S(X ⊗ Y ) em DP(X ⊗ Y ) podem serdenominados operadores emaranhados e denotaremos o seu conjunto porE(X ⊗ Y ).

Exercıcio 57. Se A,B ∈ S(X ⊗ Y ) e C 3 λ1, λ2 ≥ 0, entao λ1A + λ2B ∈S(X ⊗ Y ).

De maneira geral, dado um operador ρ ∈ DP(X ⊗ Y ), e extremamentedifıcil determinar se ρ ∈ S(X ⊗ Y ) ou ρ ∈ E(X ⊗ Y ) e a literatura contemum enorme leque de condicoes necessarias e/ou suficientes para tal deter-minacao. Abaixo exploraremos um caso bem simples e deixamos para oproximo capıtulo alguns resultados mais fortes e gerais.

Proposicao 6. Se o posto de ρ ∈ DP(X ⊗ Y ) e unitario, de forma queρ = φφ∗, sendo o vetor 0 6= φ ∈ X ⊗ Y , entao ρ ∈ S(X ⊗ Y ) se, e somentese, φ e vetor produto.

Demonstracao. (⇐) Claramente, se φ = x ⊗ y, com x ∈ X e y ⊗ Ynao-nulos, vale que ρ = φφ∗ = (x⊗ y)(x⊗ y)∗ = xx∗ ⊗ yy∗ ∈ S(X ⊗ Y ) poisxx∗ e yy∗ sao semi-definido positivos.

(⇒) Se ρ =∑N

i=1 λiAi⊗Bi e necessario que todos os operadores envolvidosna soma tenham posto unitario e sejam proporcionais entre si, quer dizer,Ai ⊗ Bi = αiA1 ⊗ B1 para i = 1, 2, ..., N e αi ≥ 0 (ver Exercıcio 7). Logo,ρ = (

∑Ni=1 λiαi)A1 ⊗ B1. Sendo ρ de posto unitario, necessariamente A1 e

B1 tambem o sao, quer dizer, A1 = xx∗ e B1 = yy∗ onde x ∈ X e y ∈ Y sao

nao-nulos. Logo, ρ = (∑N

i=1 λi)xx∗ ⊗ yy∗ = φφ∗, onde φ = x⊗ y/

√∑Ni=1 λi.

2.8 Sistemas Quanticos Compostos

Na secao 1.5 ja introduzimos os princıpios gerais da mecanica quantica, masja alertando que faltavam alguns pontos. Um deles era o seguinte: se sabemosdescrever um sistema S e um sistema S ′, como descrever o sistema compostoS + S ′? Dado o conteudo deste capıtulo, o leitor talvez ja adivinhou que aresposta esta no produto tensorial. De fato, temos o:

Page 31: Topicos de Algebra Linear

2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 29

Postulado 2. Se os sistemas quanticos S e S ′ tem espacos de Hilbertassociados X e X ′, o sistema S+S ′, onde o par e considerado conjuntamentecomo um novo sistema, tem espaco de Hilbert associado X ⊗X ′.

Naturalmente, os estados do sistema serao vetores normalizados nesteproduto tensorial ou, mais geralmente, elementos de D(X ⊗X ′), quer dizer,operadores semi-definido positivos de traco um. Por outro lado, medicoesserao descritas por operadores autoadjuntos em X⊗X ′ ou, mais geralmente,POVM’s assumindo valores em DP(X ⊗X ′) (o espaco dos operadores semi-definido positivos atuando em X ⊗X ′).

Caso A : X → X descreva uma medicao no sistema S, a mesma medicao,quando o sistema S ′ e tambem considerado, sera descrita por A⊗IX′ , onde IX′

e o operador identidade em X ′. De forma similar, se um operador A′ : X ′ →X ′ descreve uma medicao em S ′, a mesma medicao, no sistema compostoS + S ′ sera descrita por IX ⊗ A′.

Mais geralmente, uma medicao descrita por um POVM (Ω, X,Π) quandoo sistema S ′ e considerado, sera descrita pelo POVM (Ω, X ⊗X ′,Π ⊗ IX′),onde [Π⊗ IX′ ](E) = Π(E)⊗ IX′ .

Assim, se em um laboratorio temos em uma caixa um sistema S cons-tituıdo por um atomo de hidrogenio em um estado x ∈ X, em outra caixatemos um sistema S ′ constituıdo por um nanotubo de carbono, em um es-tado x′ ∈ X ′, o par de caixas tera espaco de Hilbert X ⊗ X ′ e estara noestado x ⊗ x′ ∈ X ⊗ X ′. Caso H : X → X seja o operador que descreveuma medicao de energia no atomo de hidrogenio, esta medicao sera descrita,somente pelo fato de considerarmos o nanotubo como parte remota do nossosistema, por H ⊗ IX′ .

Os sistemas compostos quanticos tambem se destacam fortemente damecanica classica, devido basicamente a existencia dos estados emaranha-dos, quer dizer, que nao sao da forma produto x⊗ x′ (ver Exercıcio 32) ou,na definicao mais geral de estados, operadores pertences a E(X ⊗X ′). Issosignifica que nem sempre podemos nos referir separadamente ao estado decada um dos sistemas, mas apenas ao estado do sistema como um todo6.Alem disso, propriedades das estatısticas de medicoes nestes estados sao, decerta forma, unicas a mecanica quantica, nao podendo ser reproduzidas porsistemas descritos pela mecanica classica. Esta muito alem do escopo des-tas notas discutir com algum grau de precisao esta ultima afirmacao, masreferimos o leitor ao “posludio” da Ref. [1] para um introducao detalhada.

O traco parcial tem uma importancia especial neste contexto de sistemas

6 Compare com os estados de duas partıculas massivas descritas pela mecanica classica,discutido no capıtulo anterior: podemos dizer sempre que o estado do par de partıculas e(x, p, x′, p′) ou que uma partıcula esta no estado (x, p) enquanto a outra no estado (x′, p′).

Page 32: Topicos de Algebra Linear

2. O Produto Tensorial - Sistemas Quanticos Compostos 30

compostos. Suponha que em um laboratorio tenhamos um par de sistemasS+S ′, podendo inclusive estar em um estado emaranhado, mas, por algumarazao, nos temos acesso apenas as medicoes em um deles, digamos, S. Seranecessario continuar descrevendo toda a estrutura matematica do segundosistema? Na verdade nao. Se ρ ∈ D(X ⊗X ′) e o estado do par de sistemas,o operador ρX =TrX(ρ) ∈ D(X) sera capaz de descrever quaisquer medicoesem X. Por exemplo, se A : X → X descreve uma medicao em S, o valoresperado desta medicao sera, a princıpio, Tr[A⊗ IX′ρ], onde nesta expressaodevemos considerar a estrutura matematica do sistema como um todo. Poroutro lado:

Exercıcio 58. Tr[A⊗ IX′ρ] =Tr(AρX).

No lado direito da igualdade acima, apenas operadores atuando em Xestao envolvidos, e o sistema S ′ pode ser ignorado por completo. Portanto,o operador ρX =TrX′ρ tem um significado especial, por permitir descreverquaisquer medicoes que atuam exclusivamente em S, e e chamado estadoreduzido do sistema.

Page 33: Topicos de Algebra Linear

3. MAPAS COMPLETAMENTE POSITIVOS -OPERACOES QUANTICAS

3.1 Mapas

Dado espaco de Hilbert X, podemos definir o espaco vetorial dos operadoreslineares L(X) e naturalmente considerar os operadores lineares nele atuando,que chamaremos, para facilitar a exposicao, de mapas (muito embora sejamapenas operadores lineares atuando em um particular espaco vetorial) e de-notaremos seu conjunto por L2(X) (para abreviar L[L(X)]). Destes mapas,serao particularmente interessantes para nos aqueles que preservam o sub-conjunto dos operadores semi-definido positivos, DP(X):

Definicao 7. Um mapa Λ ∈ L2(X) e dito positivo se Λ(A) ≥ 0 para todoA ∈ L(X) e A ≥ 0. O conjunto de todos estes mapas sera denotado porMP(X).

Exercıcio 59. Se X e espaco de Hilbert e A0 ∈ L(X) e operador semi-definidopositivo fixado, mostre que o mapa Λ ∈ L2(X) definido por Λ(A) =Tr(A)A0

para todo A ∈ L(X), e positivo.

Exercıcio 60. Se X e espaco de Hilbert, Λ ∈ L(X) e positivo se, e somentese, Λ(xx∗) e semi-definido positivo para todo x ∈ X.

Exercıcio 61. Se K ∈ L(X), mostre que o mapa ΛK : L(X) → L(X),A 7→ KAK∗ e positivo. Em particular, se K = IX , ΛIX = IL2(X) e positivo.

Exercıcio 62. Fixada base β = uini=1 para X, mostre que e positivo o mapaTβ : L(X) → L(X), onde T (A) 7→ AT , sendo AT o operador atuando em Xcuja matriz na base β e a transposta da matriz de A nesta mesma base.

Exercıcio 63. Para Λ : L(X) → L(X) uma mapa positivo, mostre queTr[A∗Λ(A)] ≥ 0 sempre que A ∈ DP(X).

Exercıcio 64. Considere X espaco de Hilbert bidimensional e o operador σzdefinido em (1.3), em uma base ortonormal u0, u1. Verifique a desigualdadeTr[(u0u

∗1)∗, σzu0u

∗1σz] < 0.

Exercıcio 65. Se Λ : L(X) → L(X) e um mapa tal que Tr[A∗Λ(A)] ≥ 0para todo A ∈ L(X), mostre que Λ e positivo. Observe que Tr[A∗Λ(A)] =〈A,Λ(A)〉, o produto interno de Hilbert-Schmidt entre A e Λ(A).

Page 34: Topicos de Algebra Linear

3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 32

Os dois exercıcios acima mostram que se um mapa e semi-definido posi-tivo com relacao ao produto interno de Hilbert-Schmidt1 em L2(X), entao etambem positivo (no sentido da Definicao 7). Mas um mapa pode ser positivosem ser semi-definido positivo segundo esse produto interno.

Por outro lado, se Λ e mapa positivo e Λ∗ e a sua adjunta (munindo L(X)do produto de Hilbert-Schmidt), vale, para quaisquer x, y ∈ X:

〈y,Λ∗(xx∗)y〉 = Tr[Λ∗(xx∗)yy∗]

= Tr[xx∗Λ(yy∗)]

= 〈x,Λ(yy∗)x〉 ≥ 0.

Com isso demonstramos a:

Proposicao 7. Se X e espaco de Hilbert e Λ ∈ L2(X) e mapa positivo, aadjunta de Λ, munindo L(X) do produto de Hilbert-Schmidt, e tambem ummapa positivo.

Caso tenhamos um par de mapas Λ : L(X) → L(X),Γ : L(Y ) → L(Y ),podemos definir uma mapa Λ ⊗ Γ ∈ L2(X ⊗ Y ), tomando Λ ⊗ Γ : L(X) ⊗L(Y ) → L(X) ⊗ L(Y ) como definimos no capıtulo anterior, e identificandoL(X) ⊗ L(Y ) com L(X ⊗ Y ) pelo isomorfismo Ψ definido no Exercıcio 46.Quer dizer, entenderemos como definicao do produto tensorial entre mapas,o mapa Λ ⊗ Γ = Ψ(Λ ⊗ Γ)Ψ−1. Por simplicidade, no restante do textousaremos o sımbolo ⊗ tambem para esse produto.

Uma surpresa que temos nesta definicao e fato de que, ao contrario doque ocorre como o produto tensorial de operadores semi-definido positivos(ver Exercıcio 42), o produto entre mapas positivos nao e necessariamentepositivo, demonstrado pelo exercıcio abaixo:

Exercıcio 66. Seja β = u0, u1 base para espaco de Hilbert bidimensionalX e defina o mapa Γ : L(X ⊗X)→ L(X ⊗X) fazendo Γ = IL(X)⊗Tβ, ondeTβ e como definido no Exercıcio 62. Calcule a matriz [Γ(φφ∗)], de Γ(φφ∗) nabase u0⊗ u0, u0⊗ u1, u1⊗ u0, u1⊗ u1, onde φ = u0⊗ u0 + u1⊗ u1. Calculeseu determinante e conclua que Γ nao e uma mapa positivo.

O fato ilustrado no exercıcio acima motiva a seguinte definicao:

Definicao 8. Um mapa Λ ∈ L2(X) e dito completamente positivo se osmapas Λ ⊗ IL(Y ) ∈ L2(X ⊗ Y ) sao positivos para todo espaco de Hilbert Y .O conjunto dos mapas completamente positivos serao denotados por CP(X).

1 Quer dizer, segundo a definicao usual de operadores semi-definido positivos atuandoem um espaco com produto interno.

Page 35: Topicos de Algebra Linear

3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 33

Os mapas definidos no Exercıcio 61 sao completamente positivos. Defato:

Proposicao 8. Para qualquer K ∈ L(X) o mapa ΛK ∈ L2(X), definido porΛK(A) = KAK∗, e completamente positivo.

Demonstracao. Se dim(X) = n, dim(Y ) = m e escrevendo Φ ∈ L(X ⊗Y ) em uma base Ai⊗Bjn

2,m2

i,j=1 para L(X⊗Y ), Φ =∑n2,m2

i,j=1 αijAi⊗Bj, vale

(ΛK ⊗ IL(Y ))(Φ) =∑n2,m2

i,j=1 αij(ΛK ⊗ IL(Y ))(Ai⊗Bj) =∑n2,m2

i,j=1 αij(KAiK∗)⊗

Bj = (K ⊗ IY )(∑n2,m2

i,j=1 αijAi ⊗ Bj)(K∗ ⊗ IY ) = (K ⊗ IY )Φ(K∗ ⊗ IY ) =

(K ⊗ IY )Φ(K ⊗ IY )∗. Se Φ ≥ 0, entao (K ⊗ IY )Φ(K ⊗ IY )∗ ≥ 0, logo ΛK ecompletamente positivo.

Exercıcio 67. Se Λ,Γ ∈ CP(X) e α ≥ 0, entao Λ+Γ ∈ CP(X) e αΛ ∈ CP(X).

Da proposicao e do exercıcio acima segue que mapas da forma A 7→∑Nj=1 KjAK

∗j , onde Kj ∈ L(X) sao sempre completamente positivos. Na

proxima secao veremos que vale a recıproca desse fato: todo mapa comple-tamente positivo Λ admite uma representacao da forma acima, denominadarepresentacao de Krauss.

3.2 Mapas completamente positivos: Teorema daRepresentacao de Krauss

Para entender melhor e simplificar a analise da positividade completa de ummapa Λ ∈ L2(X), e util ver que nao e necessario verificar a positividade detodos os mapas Λ ⊗ IY para todo espaco de Hilbert Y , mas apenas para Ycom dimensao igual a de X. Para tanto, comecemos com a

Definicao 9. Um mapa Λ ∈ L2(X) e dito k−positivo, para k ∈ N, se Λ⊗IY ,para algum espaco de Hilbert Y com dim(Y ) = k.

Claramente, se Λ e k−positivo e Y e um espaco de Hilbert k−dimensionaltal que Λ⊗IL(Y ) e positivo, entao Λ⊗IL(Y ) sera um mapa positivo para todoespaco de Hilbert Y com dim(Y ) = m ≤ k.

De fato, sejam x1, ..., xn, y1, ..., ym e w1, ..., wk bases ortonormaispara X, Y e Y , respectivamente, e suponha, por absurdo, que exista Φ ∈L(X ⊗ Y ) =

∑n,n,m,mi,j,i′,j′=1 αiji′j′xix

∗j ⊗ yi′y

∗j′ positivo tal que Λ ⊗ IL(Y )(Φ) =∑n,n,m,m

i,j,i′,j′=1 αiji′j′Λ(xix∗j) ⊗ yi′y

∗j′ nao e positivo, quer dizer, para algum φ =∑n,m

i,i′=1 βii′xi ⊗ yi′ , vale 〈φ, [(Λ ⊗ IL(Y ))Φ]φ〉 < 0. Definindo entao Φ =∑n,n,m,mi,j,i′′,j′′=1 αiji′′j′′xix

∗j ⊗ wi′′w

∗j′′ ∈ L(X ⊗ Y ) e φ =

∑n,mi,i′′=1 βii′′xi ⊗ wi′′

Page 36: Topicos de Algebra Linear

3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 34

(note que e necessario ter k ≥ m para estas definicoes), vemos que 〈φ, [(Λ⊗IL(Y ))Φ]φ〉 = 〈φ, [(Λ⊗ IL(Y ))Φ]φ〉 < 0, uma contradicao.

Enfim, com esta definicao podemos enunciar o resultado central destasecao, que garante a existencia de um representacao de Krauss para qualquermapa completamente positivo:

Teorema 6. Seja X de dimensao n. Se Λ ∈ L2(X) e n−positivo, existem

n2 operadores Kj ∈ L(X) tal que Λ =∑n2

j=1 ΛKj , onde ΛK definido porΛK(A) = KAK∗. Em particular, Λ e completamente positivo.

Demonstracao. Tome base ortonormal para X, ulnl=1 e o vetor φ =∑nl=1 ul ⊗ ul de X ⊗ X. A n−positividade de Λ garante que Φ = [Λ ⊗

IL(X)](φφ∗) e semi-definido positivo, uma vez que φφ∗ e semi-definido po-

sitivo. Tome entao uma base ortonormal de autovetores de Φ, ψjn2

j=1

com autovalores λj ≥ 0, de forma que Φ =∑n2

j=1 λjψjψ∗j . Por outro lado,

Φ =∑n

k,l=1 Λ(uku∗l )⊗ uku∗l .

Vamos olhar agora para os elementos de matriz de Φ na base ui⊗ujni,j=1

de X ⊗X usando estas duas expressoes para o operador. Por um lado:

〈ui ⊗ ui′ ,Φuj ⊗ uj′〉 = 〈ui ⊗ ui′ , [n∑

k,l=1

Λ(uku∗l )⊗ uku∗l ]uj ⊗ uj′〉

=n∑

l,k=1

〈ui,Λ(uku∗l )uj〉u∗l (uj′) 〈ui′ , uk〉

= 〈ui,Λ(ui′u∗j′)uj〉 .

A igualdade acima nos permite identificar como Λ atua na base ui′u∗j′ni′,j′=1

de L(X), ao identificar os elementos de matriz das imagens correspondentesem uma base. Por outro lado,

〈ui ⊗ ui′ ,Φ(uj ⊗ uj′)〉 =n2∑k=1

λk 〈ui ⊗ ui′ , (ψ∗kψkuj ⊗ uj′)〉

=n2∑k=1

λk 〈ψk, ui ⊗ ui′〉 〈ψk, uj ⊗ uj′〉 .

Definindo os operadores Kk ∈ L(X) cujos elementos de matriz sao [Kk]i′i =√λk 〈ψk, ui ⊗ ui′〉 para k = 1, ..., n2, vale que Λ(ui′u

∗j′) =

∑n2

k=1 K∗kui′u

∗j′Kk.

Page 37: Topicos de Algebra Linear

3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 35

De fato,

〈ui,n2∑k=1

Kkui′u∗j′K

∗kuj〉 =

n2∑k=1

〈Kkui, ui′u∗j′Kkuj〉

=n2∑k=1

〈n∑l=1

[Kk]liul, ui′u∗j′

n∑l′=1

[Kk]l′jul′〉

=n2∑k=1

[Kk]i′i[Kk]j′j

=n2∑k=1

λk 〈ψk, ui ⊗ ui′〉 〈ψk, uj ⊗ uj′〉 .

Enfim, como definimos a atuacao de Λ em uma base de L(X), temos que

de fato Λ(A) =∑n2

j=1 KjAK∗j para todo A ∈ L(X). Para finalizar, observa-

mos que a positividade completa do operador decorre da Proposicao 8 e doExercıcio 67.

Observacao 4. Da demonstracao do teorema acima extraımos uma condicaosimples, necessaria e suficiente para determinar a positividade completa deum mapa Λ: basta verificar se [Λ ⊗ IL(X)](φφ

∗) e um operador semidefinidopositivo em X ⊗ X, sendo φ =

∑ni=1 ui ⊗ ui ∈ X ⊗ X, enquanto uini=1

e uma qualquer base ortonormal para X. Ademais, a demonstracao ofereceuma construcao explıcita de uma representacao de Krauss para o mapa.

Exercıcio 68. Se X e espaco de Hilbert e A0 ∈ L(X) e operador semi-definidopositivo fixado, use a observacao acima para mostrar que o mapa Λ ∈ L2(X)definido por Λ(A) =Tr(A)A0, para todo A ∈ L(X), e completamente posi-tivo.

Exercıcio 69. Seja X espaco de Hilbert com dim(X) = 2 e u0, u1 baseortonormal. Considere uma mapa Λ ∈ L2(X) definido para todo operador

A ∈ L(X) com matriz [A] =

(a11 a12

a21 a22

), por [Λ(A)] =

(a11 00 a22

).

Calcule a matriz do operador [Λ⊗ IL(X)](φφ∗) na base u0⊗u0, u0⊗u1, u1⊗

u0, u1 ⊗ u1 onde φ = u0 ⊗ u0 + u1 ⊗ u1 e obtenha uma representacao deKrauss para Λ.

Exercıcio 70. Repita o exercıcio anterior para o mapa Λ ∈ L2(X) definidopor Λ(A) = Tr(A)IX .

Vimos que a positividade de mapas e de mogo geral “mal comportada”com relacao ao produto: o produto tensorial de mapas positivos pode resultar

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 36

em um mapa nao-positivo. Agora ja temos condicoes de ver que a positivi-dade completa, no entanto e “bem comportada”. Dito de forma precisa:

Proposicao 9. Se X, Y sao espacos de Hilbert enquanto Λ ∈ L2(X) e Γ ∈L2(Y ) sao mapas completamente positivos, entao Λ ⊗ Γ ∈ L2(X ⊗ Y ) ecompletamente positivo.

Demonstracao. Tomando representacoes de Krauss para cada mapa,quer dizer, famılias de operadores KiNn=1, LjMj=1 de L(X) e L(Y ), res-

pectivamente, tais que Λ(A) =∑N

i=1 KAK∗ para todo A ∈ L(X) e Γ(B) =∑M

j=1 LBL∗ para todo B ∈ L(Y ), entao a famılia Ki ⊗ LjN,Mi,j=1 e uma

representacao de Krauss para Λ ⊗ Γ. De fato, vale (Λ ⊗ Γ)(A ⊗ B) =Λ(A) ⊗ Γ(B) = (

∑Ni=1KiAK

∗i ) ⊗

∑Mj=1 LjBLL

∗j) =

∑N,Mi,j=1(Ki ⊗ Lj)(A ⊗

B)(K∗i ⊗ L∗j) =∑N,M

i,j=1(Ki ⊗ Lj)(A ⊗ B)(Ki ⊗ Lj)∗. Logo, por linearidade,

para todo Φ ∈ L(X⊗Y ), (Λ⊗Γ)(Φ) =∑N,M

i,j=1(Ki⊗L)Φ(Ki⊗Lj)∗ e o mapae completamente positivo.

3.3 O isomorfismo de Choi-Jamiolkowsi e mapas positivos

Na demonstracao do Teorema 6 e usado um artifıcio interessante para seidentificar a atuacao de um mapa Λ ∈ L2(X) em todo o seu domınio atravesde um operador atuando em um espaco maior2. Basicamente, tomamos umabase ortonormal uini=1 para X, definimos φ =

∑ni=1 ui ⊗ ui ∈ X ⊗ X e

olhamos para o operador de L(X ⊗X), Φ = Λ⊗ IL(X)(φφ∗), e vemos que os

elementos de matriz de Λ(ui′u∗j′) podem ser escritos em termos do elementos

de matriz de Φ em uma base produto:

〈ui,Λ(ui′u∗j′)uj〉 = 〈ui ⊗ ui′ ,Φuj ⊗ uj′〉 . (3.1)

No lado esquerdo da equacao temos que, varrendo os ındices i′, j′ = 1, ..., npercorremos uma base para L(X), domınio de Λ, enquanto a variacao nosındices i, j = 1, ..., n nos da (os elementos de matriz da) imagem de Λ paracada um dos elementos da base. Ou seja identificamos por completo o mapa.No lado direito da equacao, por outro lado, varrendo os mesmos ındices,percorremos todos os elementos de matriz de Φ em uma base produto paraX ⊗X. Com isso temos o [9, 10]

Teorema 7. Isomorfismo de Choi-Jamiolkowsi. Dado espaco de Hil-bert X e base ortonormal uini=1 ⊂ X, a aplicacao linear Jφ : L2(X) →L(X ⊗X), Λ 7→ Λ⊗ IL(X)(φφ

∗), onde φ =∑n

i=1 ui ⊗ ui, e um isomorfismo.

2 Similar a ideia de identificar um operador atuando em um espaco de dimensao n comoum vetor de um espaco n2-dimensional.

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 37

Demonstracao. Sendo valida a igualdade (3.1) para todos i, i′, j, j′ =1, ..., n, segue que Jφ(Λ) = 0 se, e somente se, Λ = 0. Como temos aindadim[L2(X)] =dim[L(X⊗X)] = n4, a aplicacao e de fato um isomorfismo.

Na secao anterior, essencialmente, usamos este isomorfismo para caracte-rizar os mapas completamente positivos: esta aplicacao faz uma bijecao entreos mapas completamente positivos atuando em X com os operadores semi-definido positivos atuando em X ⊗X. Aqui vamos usa-los para caracterizaros mapas apenas positivos.

Proposicao 10. Se X e espaco de Hilbert, uini=1 ⊂ X e base ortonormale φ =

∑ni=1 ui ⊗ ui ∈ X ⊗ X, entao Λ ∈ L2(X) e um mapa positivo se,

e somente se, Φ = Λ ⊗ IL(X)(φφ∗) satisfaz 〈x⊗ y,Φx⊗ y〉 ≥ 0 para todos

x, y ∈ X.

Demonstracao. Dados x, y ∈ X, expresse-os em termos da base orto-normal dada, x =

∑ni=1 αiui, y =

∑nj=1 βiui, e note que:

〈x,Λ(yy∗)x〉 =n∑

i,i′,j,j′=1

α∗iαjβi′β∗j′ 〈ui,Λ(ui′u

∗j′)uj〉

=n∑

i,i′,j,j′=1

α∗iαjβi′β∗j′ 〈ui ⊗ ui′ ,Φuj ⊗ uj′〉

= 〈(n∑i=1

αiui)⊗ (n∑

i′=1

βi′ui′),Φ(n∑j=1

αjuj)⊗ (n∑

j′=1

β∗j′uj′)〉

= 〈x⊗ y,Φx⊗ y〉 ,

onde y =∑n

i=1 β∗i ui.

Supondo entao que Λ e positivo, temos garantia que 〈x,Λ(yy∗)x〉 ≥ 0 paratodos x, y ∈ X, e da deducao acima concluımos que Φ satisfaz a propriedadedesejada. Por outro lado, se assumirmos que Φ satisfaz 〈x⊗ y,Φx⊗ y〉 ≥ 0,concluımos, pelo Exercıcio 60, que Λ e positivo, visto que a deducao garanteque Λ(yy∗) sera semi-definido positivo para todo y ∈ X.

Observacao 5. Pelo Exercıcio 43, o operador Φ da proposicao acima seratambem autoadjunto.

3.4 Mapas completamente positivos que preservam traco

Um subconjunto relevante dos mapas completamente sao aqueles em preser-vam traco:

Page 40: Topicos de Algebra Linear

3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 38

Definicao 10. Diz-se que um mapa Λ ∈ L2(X) preserva traco se Tr[Λ(A)] =Tr(A)para todo A ∈ L(X).

A condicao de preservar traco, para mapas completamente positivos, podeser entendida de forma simples usando uma representacao de Krauss.

Proposicao 11. Um mapa completamente positivo Λ ∈ CP(X) com repre-sentacao de Krauss Λ(A) =

∑Nl=1 KlAK

∗l preserva traco se, e somente se,∑N

l=1K∗l Kl = IX .

Demonstracao. (⇐) Basta ver que Tr[Λ(A)] =∑N

l=1Tr[KlAK∗l ] =∑N

l=1Tr[K∗l KlA] =Tr[(∑N

l=1K∗l Kl)A] =TrA.

(⇒) Tome base ortonormal uini=1 paraX e note que Tr(uiu∗j) = 〈ui, uj〉 =

δij. Se Λ preserva traco, entao;

δij = Tr(uiu∗j)

= Tr[Λ(uiu∗j)]

=N∑l=1

Tr[Kluiu∗jK∗l ]

=N∑l=1

Tr[K∗l Kluiuj]

=N∑l=1

〈ui, K∗l Kluj〉

= 〈ui, (N∑l=1

K∗l Kl)uj〉 .

Quer dizer, os elementos de matriz do operador∑N

l=1K∗l Kl sao iguais aos do

operador identidade, logo, e o operador identidade.Uma consequencia imediata do resultado acima e que da representacao

de Krauss de uma mapa completamente positivo que preserva traco, Λ(A) =∑Nl=1 KlAK

∗l , com A ∈ L(X), podemos definir de forma natural um POVM

em X. Basta fazer Ω = 1, ..., N e tomar como elementos de POVM osoperadores Πl = K∗l Kl, pois sao semi-definido positivos e somam para a iden-tidade em X. Isso sugere a possibilidade de usar uma “dilatacao” para des-crever mapas completamente positivos de forma mais “simples” neste espacomaior. O leitor que acompanhou atentamente a demonstracao do Teorema 5pode talvez adivinhar que, escolhendo apropriadamente o espaco maior, omapa ira atuar como um operador unitario.

Page 41: Topicos de Algebra Linear

3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 39

De fato, seguindo a mesma linha de ideias da demonstracao do teoremada dilatacao de Naimark, tome Y espaco de Hilbert de dimensao N , (e.g.,CN), e w1, ..., wN ⊂ Y base ortonormal. A aplicacao linear x ⊗ w1 7→∑N

j=1(Klx)⊗wj mapeia uma base ortonormal de um subespaco de X⊗Y emum conjunto ortonormal deste mesmo espaco. Tal aplicacao linear pode serestendida entao a um operador unitario U ∈ L(X⊗Y ), valendo em particularque U(A⊗ w1w

∗1)U∗ =

∑Nl,l′=1(KlAK

∗l′)⊗ wlw∗l′ para todo A ∈ L(X). Logo,

TrY [U(A⊗ w1w∗1)U∗] =

N∑l,l′=1

TrY [(KlAK∗l′)⊗ (wlw

∗l′)]

=N∑

l,l′=1

(KlAK∗l′)Tr(wlw

∗l′)

=N∑

l,l′=1

KlAK∗l′δll′

=N∑l=1

KlAK∗l = Λ(A).

Com isso, demonstramos o

Teorema 8. Se Λ ∈ L2(X) e completamente positivo e preserva traco, exis-tem Y espaco de Hilbert, y ∈ Y e U ∈ L(X ⊗ Y ) operador unitario tais queΛ(A) =TrY [U(A⊗ yy∗)U∗] para todo A ∈ L(X).

Exercıcio 71. Mostre que vale a recıproca do teorema acima: Se X, Y saoespacos de Hilbert, U ∈ L(X ⊗ Y ) e unitario e y ∈ Y , entao o mapaA 7→TrY [U(A ⊗ yy∗)U∗] , onde A ∈ L(X), e completamente positivo e pre-serva traco.

Uma aplicacao

Pode-se definir em L(X) a chamada norma do traco fazendo, para A ∈L(X), ||A||1 =supU∈U(X)|Tr(AU)|, onde U(X) = U ∈ L(X)|U e unitario.

Para ver que a definicao acima nos da de fato uma norma, e util usar acaracterizacao abaixo:

Proposicao 12. Dado X espaco de Hilbert e A ∈ L(X), ||A||1 =Tr|A|, onde|A| =

√A∗A.

Page 42: Topicos de Algebra Linear

3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 40

Demonstracao. Escrevendo A em sua forma polar, A = |A|V , onde Ve operador unitario, vemos imediatamente que

||A||1 = supU∈U(X)|Tr(AU)| = supU∈U(X)|Tr(|A|V U)| ≥ |Tr|A|| = Tr|A|.

Por outro lado, tomando a decomposicao espectral |A| =∑n

i=1 λiuiu∗i , onde

λi ≥ 0, e usando a base ortonormal uini=1 para computar o traco:

||A||1 = supU∈U(X)|Tr(|A|V U)| = supU∈U(X)|n∑i=1

λi 〈ui, V Uui〉 |

≤ supU∈U(X)

n∑i=1

λi| 〈ui, V Uui〉 |

≤ supU∈U(X)

n∑i=1

λi||ui|| · ||V Uui||

≤ supU∈U(X)

n∑i=1

λi||UV || · ||ui|| =n∑i=1

λi = Tr|A|.

Exercıcio 72. Mostre que ||A||1 e de fato uma norma em L(X), que dizer,vale, para todos A,B ∈ L(X): i) ||A||1 = 0 se, e somente se A = 0, ii)||λA||1 = λ||A||1 para λ ∈ C e iii) ||A + B||1 ≤ ||A||1 + ||B||1. Dica: use aproposicao para resolver i) e a definicao para resolver iii).

Exercıcio 73. Se X, Y sao espacos de Hilbert, A ∈ L(X) e B ∈ L(Y ), entao||A⊗B||1 = ||A||1||B||1. Dica: mostre primeiramente que |A⊗B| = |A|⊗|B|.

Vamos usar a caracterizacao dos mapas completamente positivos que pre-servam traco, dada nesta secao, para mostrar que eles sempre atuam comouma contracao para a norma do traco. Em outras palavras, a distancia entreoperadores sempre diminui apos a aplicacao de uma mapa completamentepositivo.

Teorema 9. Se Λ ∈ L2(X) e completamente positivo e preserva traco, entao||Λ(A)||1 ≤ ||A||1 para todo A ∈ L(X).

Demonstracao. Pelo Teorema 8 existe espaco de Hilbert Y , y ∈ Ye unitaria U0 ∈ L(X ⊗ Y ) tal que Λ(A) =TrY [U0(A ⊗ yy∗)U∗0 ] para todo

Page 43: Topicos de Algebra Linear

3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 41

A ∈ L(X). Logo,

||Λ(A)||1 = supU∈U(X)|Tr[Λ(A)U ]|= supU∈U(X)|Tr[TrY (U0A⊗ yy∗U∗0 )U ]|= supU∈U(X)|Tr[(U0A⊗ yy∗U∗0 )(U ⊗ IY )]|= supU∈U(X)|Tr[(A⊗ yy∗)(U∗0U ⊗ IYU0)|≤ supU∈U(X⊗Y )|Tr(A⊗ yy∗)U |= ||A⊗ yy∗||1 = ||A||1.

Da segunda para a terceira linha usamos a Proposicao 5 e o Exercıcio 53,enquanto na ultima igualdade foi usado o Exercıcio 73.

3.5 Mapas positivos e operadores separaveis

No capıtulo anterior distinguimos uma classe especial de operadores atuandoem produto tensorial de espacos, os operadores separaveis. Nesta secao vamosestabelecer uma conexao entre os operadores separaveis atuando em X ⊗Xcom os mapas positivos atuando em X.

Para tanto, vamos considerar S(X ⊗ Y ) como subconjunto do espacovetorial real dos operadores autoadjuntos em X. Observe primeiramente queS(X ⊗ Y ) e um conjunto convexo3:

Exercıcio 74. Se X, Y sao espacos de Hilbert, S, S ′ ∈ S(X ⊗Y ) e 0 ≤ λ ≤ 1,entao [λS + (1− λ)S ′] ∈ S(X ⊗ Y ).

Outra propriedade igualmente relevante de S(X ⊗ Y ), mas menos tri-vial, e a de que o conjunto e tambem fechado (na topologia da norma).A demonstracao envolve conceitos um tanto estranhos ao curso, e portantoencaminhamos o leitor interessado ao apendice dessas notas.

Um ultimo ingrediente importante para a nossa analise sera uma versaofraca do teorema de Hahn-Banach geometrico: se S e subconjunto convexonao-vazio de um espaco vetorial real e y e um ponto no seu complementar,existe um hiperplano que separa y de S. Tambem recomendamos o apendicepara o leitor interessado em uma demonstracao simples desse fato.

Podemos demonstrar entao o:

Teorema 10. Se E ∈ L(X⊗Y ) e operador semi-definido positivo pertencentea E(X ⊗ Y ), existe operador autoadjunto T ∈ L(X ⊗ Y ) tal que Tr(TS) ≥ 0para todo S ∈ S(X ⊗ Y ) e Tr(TE) < 0.

3 Segmentos de reta unindo dois pontos do conjunto pertencem inteiramente ao con-junto.

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 42

Demonstracao. Do fato de S(X ⊗ Y ) ser convexo e fechado, vem doTeorema de Hahn-Banach que existe funcional linear f ∈ [L(X ⊗ Y )]∗ eT0 ∈ L(X⊗Y ) tal que f(S−T0) ≥ 0 e f(E−T0) < 0. O fato de 0 ∈ S(X⊗Y )implica −f(T0) ≥ 0 e, portanto, f(E) < 0. Ademais, suponha por absurdoque existe S0 ∈ S(X ⊗ Y ) tal que f(S0) < 0. Podemos entao tomar λ > 0tal que f(λS0 − T0) < 0, o que contradiz o fato de λS0 ∈ S(X ⊗ Y ) paratodo λ > 0. Enfim, vale que f(S) ≥ 0 para todo S ∈ S(X ⊗ Y ).

Ora, sendo f funcional linear, existe T ∈ L(X⊗Y ) tal que f(A) =Tr(T ∗A)para todo A (basta considerar em L(X ⊗ Y ) o produto interno de Hilbert-Schmidt). Para todo x ∈ X, y ∈ Y , xx∗⊗ yy∗ ∈ S(X ⊗ Y ), vale Tr(T ∗xx∗⊗yy∗) = f(xx∗⊗yy∗) ≥ 0. Pelo Exercıcio 43, T ∗ e autoadjunto e T = T ∗. Ade-mais, Tr(TS) = f(S) ≥ 0 para todo S ∈ S(X⊗Y ) e Tr(TE) = f(E) < 0.

Observacao 6. O Teorema 7 nos garante que, para T ∈ L(X ⊗X), existemapa Λ ∈ L2(X) tal que Λ⊗ IL(X)(φφ

∗) = T , sendo φ =∑n

i=1 ui, enquantouini=1 e base ortonormal. Se, alem disso, 〈x⊗ y, Tx⊗ y〉 =Tr(Txx∗ ⊗yy∗) ≥ 0 para todos x, y ∈ X, a Proposicao 10 garante que este mapa epositivo.

Finalmente, podemos demonstrar a seguinte relacao entre operadores se-paraveis atuando em S(X ⊗X) e os mapas positivos atuando em L(X):

Teorema 11. Se X e espaco de Hilbert, um operador S ∈ L(X ⊗ X) eseparavel se, e somente se, para todo mapa positivo Λ ∈ L2(X) vale Λ ⊗IL(X)(S) ≥ 0.

Demonstracao.(⇒) Sendo S ∈ S(X ⊗ X), entao S =

∑Ni=1 Ai ⊗ Bi, onde Ai, Bi ≥ 0

para i = 1, ..., N . Logo, Λ ⊗ IL(X)(S) =∑N

i=1 Λ(Ai) ⊗ Bi ∈ S(X ⊗X) poisΛ(Ai) ≥ 0.

(⇐) Suponha, por absurdo, que S /∈ S(X ⊗ X). Pelo Teorema 10,existe T ∈ A(X ⊗ X) tal que Tr(TS) < 0 mas Tr(TS ′) ≥ 0 para todoS ′ ∈ S(X ⊗ X). Pelo Teorema 7, deve existir mapa Λ ∈ L2(X) tal queΛ ⊗ IL(X)(φφ

∗) = T , sendo φ =∑n

i=1 ui, enquanto uini=1 e base ortonor-mal. Por outro lado, a Proposicao 10 garante que este mapa e positivo, pois〈x⊗ y, Tx⊗ y〉 =Tr(Txx∗ ⊗ yy∗) ≥ 0 para todos x, y ∈ X. Mas,

Tr(TS) = Tr[Λ⊗ IL(X)(φφ∗)S] (3.2)

= Tr[φφ∗(Λ⊗ IL(X))∗(S)] (3.3)

= Tr[φφ∗(Λ∗ ⊗ IL(X))(S)] (3.4)

= 〈φ, (Λ∗ ⊗ IL(X))(S)φ〉 ≥ 0, (3.5)

uma contradicao (a ultima desigualdade decorre de Λ∗ ser tambem um mapapositivo, pela Proposicao 10).

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 43

3.6 A equacao de Schrodinger

Se f e uma funcao de uma variavel real t tomando valores em um espacode Hilbert X, visto que temos em X uma norma, podemos tambem falar dacontinuidade desta funcao, assim como de usa derivabilidade.

Definicao 11. Se X e espaco de Hilbert, dizemos que f : R→ X e derivavelem t ∈ R se existe h ∈ X tal que para toda sequencia de numeros reais∆tn → 0, ∆tn 6= 0, vale ||h− [f(t+ ∆tn)− f(t)]/∆tn|| → 0 quando n→∞.Neste caso, dizemos que h e a derivada de f em t e escrevemos h = f ′(t).Dizemos que f e derivavel se a sua derivada existir em todos os pontos, dondepodemos definir a aplicacao derivada f ′ : R→ X, t 7→ f ′(t).

Exercıcio 75. Mostre, usando a definicao, que se x0 ∈ X e um vetor fixado eg : R→ R e uma funcao real derivavel, a aplicacao f : R→ X definida porf(t) = g(t)x0 e derivavel e f ′(t) = g′(t)x0 para todo t ∈ R. Reciprocamente,se x0 6= 0 e f(t) = g(t)x0 para alguma funcao real g(t), e derivavel, entaog(t) e derivavel.

Fixada uma base ortonormal uini=1 para X, uma funcao f : R → Xpode ser equivalentemente descrita por n funcoes complexas fj : R → C,fazendo fj(t) = 〈uj, f(t)〉 para todo t ∈ R e j = 1, ..., n. Assim, f(t) =∑n

j=1 fj(t)uj. Denominamos tais funcoes as funcoes coordenada de f nabase uini=1.

Mais ainda, como cada fj pode ser descrita por um par de funcoes reais,fj,I : R → R e fj,R : R → R, onde fj,I =Im(fj) e fj,R =Re(fj), a funcaotomando valores em X pode ser descrita por 2n funcoes reais, as partesreal e imaginaria das funcoes coordenada.

Exercıcio 76. Mostre que uma funcao f : R → X, onde X e espaco deHilbert, e derivavel em t ∈ R se, e somente se, as partes real e imaginariadas n funcoes coordendas de f em uma base ortonormal uini=1 sao derivaveisem t.

Ora, se podemos derivar funcoes f com valores em espacos de Hilbert,podemos considerar equacoes diferenciais para elas:

Definicao 12. Se X e espaco de Hilbert e H ∈ L(X) e auto adjunto, aequacao de Schrodinger associada a H e:

f ′(t) = −iHf(t).

Uma solucao para a equacao e uma funcao f : R → X derivavel, cujaaplicacao derivada satisfaz a igualdade acima para todo t ∈ R. O operadorH e denominado Hamiltoniano da equacao.

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 44

Exercıcio 77. Tomando uma base ortonormal uini=1 para X, e facil verque as funcoes coordenada de f nesta base irao satisfazer o sistema de nequacoes diferenciais f ′i =

∑nj=1 Hijfj, onde Hij = 〈ui, Huj〉 e i = 1, ..., n.

Ademais, f ′i,R =∑n

j=1[Re(Hij)fi,R − Im(Hij)fi,I] e f ′i,I =∑n

j=1[Re(Hij)fi,I +Im(Hij)fi,R]. Quer dizer, as partes real e imaginaria de f satisfazem umsistema com 2n equacoes diferenciais.

Podemos usar a exponencial de um operador, definida no Capıtulo 1, paraconstruir solucoes de uma equacao de Schrodinger:

Proposicao 13. Se X e espaco de Hilbert, x0 ∈ X, e H ∈ L(X) e auto-adjunto, a funcao f : R→ X, t 7→ e−itHx0 e solucao da equacao de Schrodin-ger associada a H.

Demonstracao. Devemos mostrar que a derivada de f existe em qual-quer t ∈ R e f ′(t) = −iHe−itHx0. Para tanto, tome t ∈ R e sequencia(∆tn)∞n=1 de numeros reais nao-nulos tal que ∆tn → 0 quando n → ∞.Entao

|| − iHe−iHtx0 −(e−iH(t+∆tn)x0 − e−iHtx0)

∆tn||

= ||e−iHt(−iH − e−iH∆tn − I∆tn

)x0||

≤ ||e−iHt|| · ||(−iH − e−iH∆tn − I∆tn

)|| · ||x0||

= || − iH − e−iH∆tn − I∆tn

|| · ||x0||

= ||∞∑j=2

(−i∆tn)j−1Hj

j!|| · ||x0|| = |∆tn| · ||

∞∑j=2

(−i∆tn)j−2Hj

j!|| · ||x0||

≤ |∆tn|(∞∑j=2

||H||j

j!)||x0|| → 0,

quando n→∞. Na primeira igualdade usamos o Exercıcio 17 para concluirque e−iH(t+t′) = e−iHte−iHt

′= e−iHt

′e−iHt para quaisquer t, t′ ∈ R. Na ultima

desigualdade assumimos, sem perda de generalidade, que |∆tn| ≤ 1.Se adicionarmos a equacao de Schrodinger uma condicao inicial, teremos

em maos um problema com solucao unica, que podemos construir usando aexponencial de operadores:

Teorema 12. Dados espaco de Hilbert X, operador auto-adjunto H ∈ L(X)e x0 ∈ X, a funcao t 7→ e−itHx0 e a unica que satisfaz a equacao de Schrodin-ger associada a H,

f ′(t) = −iHf(t)

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 45

e a condicao inicial f(0) = x0.

Demonstracao. Tome base ortonormal uini=1 para X e considere,para i = 1, ..., n e j = 1, 2, as coordenadas reais fi,j de f nesta base, ondefi,1 =Re(〈ui, f〉) e fi,2 =Im(〈ui, f〉). Note que f satisfazer a equacao deSchrodinger implica que e infinitamente diferenciavel e sua derivada de ordemN satisfaz

f (N)(t) = (−iH)Nf(t). (3.6)

Em particular, as 2n funcoes coordenada sao infinitamente diferenciaveis etomando t > 0 fixo, mas arbitrario, podemos aplicar a formula de Taylor

fi,j(t) = Pi,j,N(t) +Ri,j,N(t),

onde Pi,j,N(t) = fi,j(0) + f(1)i,j (0)/1! + ...+ f

(N)i,j (0)/N ! e o polinomio de Taylor

de ordem N em torno do zero e Ri,j,N(t) o seu resto. Pelo Teorema de Taylor,podemos dar a estimativa

Ri,j,N(t) ≤Mi,j,NtN+1

(N + 1)!,

onde Mi,j,N = sup0<t′<t|f(N+1)i,j (t′)|. Assim, podemos escrever para a f como

um todo:

f(t) = x0 + (−iH)x0/1! + ...+ (−iHt)Nx0/N ! +RN(t), (3.7)

pois, por (3.6), vale f (m)(0) = (−iH)mf(0) = (−iH)mx0 para m = 0, 1, 2, ....Mas

|f (N+1)i,j (t′)| ≤ ||f (N+1)(t′)|| = ||(−iH)N+1f(t′)|| ≤ ||H||N+1||f(t′)||,

logoMi,j,N ≤ ||H||N+1M,

onde M = sup0<t′<t||f(t′)||. Vale entao

||RN(t)|| ≤√

2nM ||H||N+1 tN+1

(N + 1)!,

pois as 2n coordenadas reais de RN(t) sao cotadas por M ||H||N+1tN+1/(N +1)!. Enfim, quando N → ∞, RN(t) → 0 e o lado direito da igualdade (3.7)converge para e−iHtx0.

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 46

Observacao 7. E certamente util usar o fato de H ser auto-adjunto paraexpressar a solucao da equacao de Schrodinger de forma mais conveniente emtermos dos autovetores de H. De fato, se wiNi=1 e uma base ortonormal deautovetores de H, com autovalores Ei, vale que e−itHwi = e−iEitwi, para i =1, ..., n. Se x0 =

∑ni=1 αiwi, a solucao da equacao de Schrodinger associada

a H, com condicao inicial x0, sera simplesmente:

f(t) = e−iHtx0 =n∑i=1

αie−iHtwi =

n∑i=1

αie−iEitwi.

Exercıcio 78. Mostre que se f : R → X e solucao de uma equacao deSchrodinger, ||f(t)|| = ||f(0)|| para todo t ∈ R.

Exercıcio 79. Se X e espaco de Hilbert bidimensional com base u0, u1,calcule a solucao das equacoes de Schrodinger

f ′(t) = −iσzf(t)

ef ′(t) = −iσxf(t),

onde σz e σx sao os operadores de Pauli definidos em (1.1)-(1.3), para quatrocondicoes iniciais: u0, u1, u0 ± u1.

Equacao de Schrodinger para operadores

Toda a discussao da secao anterior pode ser adaptada para generalizar aequacao de Schrodinger para operadores atuando em X. De fato, temosque L(X) e tambem um espaco normado, ou mesmo um espaco de Hilbertse usarmos o produto interno de Hilbert-Schmidt, de forma que tambempodemos derivar aplicacoes f : R→ L(X). Antes de ir adiante, considere o

Exercıcio 80. Seja X espaco de Hilbert, operador H ∈ L(X), e defina omapa H : L2(X), fazendo H(A) = [H,A] para todo A ∈ L(X). Se He autoadjunto, uini=1 e base ortonormal formada por autovalores de H,com autovalores Ei, mostre que os operadores uiu

∗j ∈ L(X) sao autovetores

de H, com autovalores (Ei − Ej), para i, j = 1, ..., n. Conclua que se emL(X) e tomado o produto interno de Hilbert-Schmidt, o operador H seraautoadjunto.

Definicao 13. Se X e espaco de Hilbert e H ∈ L(X) e auto adjunto, aequacao de Schrodinger para operadores associada a H e:

f ′(t) = −iHf(t),

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 47

onde f : R → L(X) e H : L(X) → L(X) e como definido no Exercıcio 80.Uma solucao para a equacao e uma funcao f : R → X derivavel, cujaaplicacao derivada satisfaz a igualdade acima para todo t ∈ R.

A solucao desta equacao, fixada uma condicao inicial, tambem sera unicae pode ser construıda usando a exponencial de operadores:

Teorema 13. Dados espaco de Hilbert X, operador auto-adjunto H ∈ L(X)e A0 ∈ L(X), a funcao t 7→ e−itHA0, onde H e como definido no Exercıcio 80,e a unica que satisfaz a equacao de Schrodinger para a operadores asso-ciada a H,

f ′(t) = −i[H, f(t)],

e a condicao inicial f(0) = A0.

Demonstracao. Esta demonstracao e inteiramente similar a do Teo-rema 12 e deixamos como exercıcio.

Exercıcio 81. Mostre que se H e autoadjunto, uini=1 e base ortonormalformada por autovalores de H, com autovalores Ei, e A0 ∈ L(X), entaopodemos escrever A0 =

∑ni,j=1 αi,juiu

∗j para coeficientes complexos αij e a

solucao de Schrodinger associada a H e t 7→∑n

i,j=1 αije−i(Ei−Ej)tuiu

∗j .

Exercıcio 82. Mostre que se A0 ∈ L(X) e semi-definido positivo, a solucaof(t) de uma equacao de Schrodinger para operadores tendo A0 como condicaoinicial sera tal que f(t) e semi-definido positivo para todo t ∈ R. Ademais,Tr[f(t)] =Tr(A0) para todo t ∈ R.

Exercıcio 83. Mostre que se x0 ∈ X e A0 = x0x∗0, a solucao da equacao de

Schrodinger para operadores associada ao operador autoadjunto H ∈ L(X),com condicao inicial A0, e f(t) = x(t)[x(t)]∗, onde x(t) e a solucao da equacaode Schrodinger usual, com condicao inicial x0.

Exercıcio 84. Mostre que e−itHA = e−iHtAeiHt para todo A ∈ L(X).

3.7 Operacoes quanticas

Nos dois capıtulos anteriores vimos como se da a descricao “cinematica” desistemas quanticos, isto e, o que podemos dizer sobre os mesmos em uminstante fixo de tempo. Mais especificamente, expomos a nocao de esta-dos quanticos e como deles extrair previsoes sobre medicoes feitas no sis-tema. Com o conteudo deste Capıtulo podemos fechar a formulacao geral damecanica quantica, ao definir como os estados quanticos se comportam notempo, quer dizer, vamos descrever como se da a sua dinamica.

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 48

E necessario distinguir duas situacoes qualitativamente distintas para adinamica de estados de sistemas quanticos: 1) aquela em que o sistema seencontra isolado e 2) aquela decorrente de um ato de medicao. No primeirocaso, podemos dizer o seguinte:

Postulado 3. Se um sistema quantico tem espaco de Hilbert associ-ado X, a medicao de sua energia e descrita por um operador autoadjuntoH ∈ L(X), e ele e isolado de seu ambiente, entao a dinamica de seu estadoquantico e descrita pela equacao de Schrodinger para operadores associada a~H, onde ~ e a constante de Planck (no sistema internacional de unidades,~ ≈ 6.62× 10−34m2kg/s).

Assim, se sabemos o estado quantico D ∈ D(X) do sistema em um ins-tante t = 0, e conhecemos o operador autoadjunto que descreve medicoesda sua energia, tambem denominado Hamiltoniano, podemos dizer que seuestado em um instante t > 0 sera e−itHD, desde que esteja isolado. Observeque os Exercıcios 83 e 84 garantem que as solucoes da equacao fazem sentidofisicamente: se inicialmente o operador A0 ∈ D(X) a solucao tera imagem emD(X) para todo t. O Hamiltoniano tem entao papel especial em mecanicaquantica, visto ser ele o regente da dinamica dos (estados dos) sistemas.

Postulado 4. Se em um sistema quantico com espaco de Hilbert asso-ciado X, que se encontra em um estado D ∈ D(X), e feita uma medicaorepresentada por um operador autoadjunto A ∈ L(X), com decomposicaoespectral A =

∑ni=1 λiuiu

∗i e espectro nao-degenerado, sendo observado a par-

ticular valor λi0 , ao fazer a mesma medicao imediatamente apos a obtencaodo resultado, o mesmo valor λi0 deve ser novamente observado.

O postulado e, em certo sentido, razoavel: se efetuamos uma mesmamedicao duas vezes, com um intervalo de tempo entre elas suficientementepequeno, temos que obter o mesmo resultado. Isto tem a seguinte con-sequencia sobre o estado do sistema. Suponha que a primeira medicao seda no instante de tempo t0. A probabilidade de se observar o autovalor λi0 ,logo apos esse instante, e 1. Sendo o espectro de A nao-degenerado, neces-sariamente o estado do sistema imediatamente apos t0 e D′ = ui0u

∗i0

. Defato,

Exercıcio 85. Se X e espaco de Hilbert, D ∈ D(X) e operador densidade eu ∈ X e um vetor unitario tal que Tr(Duu∗) = 1, entao D = uu∗.

Este exercıcio mostra que o unico estado quantico que preve probabili-dade 1 para o resultado da medicao de A dar como resultado λi0 e o projetorortogonal na direcao de ui0 .

Resumindo, dado que o estado do sistema e D, apos a medicao de A,e sendo observado um particular autovalor λi0 , o estado do sistema passaa ser D′ = ui0u

∗i0

. Como a probabilidade de se obter um autovalor λi de

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 49

A e pi =Tr(Duiu∗i ), caso nao saibamos o resultado obtido pela medicao, ou

ignoremos qual foi ele, o estado do sistema deve ser entao D′′ =∑n

i=1 piuiu∗i .

Note entao que a transformacao D 7→ D′ = ui0u∗i0

, aquela condicionadaa observacao do particular resultado λi0 , e nao-linear e nao-invertıvel. Ja atransformacao D 7→ D′′ =

∑ni=1 piuiu

∗i , obtida ao se realizar a medicao de A

sem levar em conta o resultado obtido, e ainda nao-invertıvel, mas e linear.O postulado 4 pode ser generalizado para medicao descritas por POVM’s,

mas de uma forma um pouco diferente:Postulado 4’. Se em um sistema quantico com espaco de Hilbert as-

sociado X, que se encontra em um estado D ∈ D(X), e feita uma medicaorepresentada por um POVM (Ω,Π, X), sendo observado o evento E ⊆ Ω, oestado do sistema passa a ser

√Π(E)D

√Π(E)/Tr[

√Π(E)D

√Π(E)].

Este formulacao do postulado ja nao tem o mesmo apelo intuitivo daanterior e, na verdade, nem sempre a repetibilidade do resultado da medicao,expressa anteriormente, se aplica agora. De fato, duas medidas consecutivasde um mesmo POVM podem dar resultados distintos.

Exercıcio 86. Seja S um sistema quantico com espaco de Hilbert X de di-mensao 2 e u0, u1 base ortonormal. Seja M uma medicao representada peloPOVM (Ω,Π, X), onde Ω = ω1, ω2 e Π(ωi) = Πi, onde Π1 = (1/2)u1u

∗1

e Π2 = IX − Π1. Se inicialmente temos o sistema no estado D = u1u∗1, e e

feita a medicao M com resultado ω1, o sistema ainda continuara no estadou1u

∗1. Nao obstante, mostre que probabilidade de se observar ω2 caso seja

feita uma segunda medicao de M e nao-nula.

Na verdade essa nao-repetibilidade de um resultado de uma medicao naotem nada de extraordinario e nao e exclusivo da mecanica quantica. Qualquerfısico experimental ha de confirmar que duas medicoes consecutivas darem amesma resposta e a excecao e nao a regra, um vez que em um experimentoreal sempre ha erros e flutuacoes devido a perturbacoes externas ao sistemaobservado, ou mesmo do proprio aparato de medicao. O postulado 4 se referena verdade a medicoes extremamente precisas e controladas.

Vale comentar ainda que os postulados 4 ou 4′ nem sempre sao aplicaveis,devido ao fato de certos processos de medicao levarem a perda de controledo sistema, ou mesmo do proprio sistema. Portanto, nestes casos, apos amedicao nao e possıvel atribuir qualquer estado que seja ao sistema. Ademais,o postulado 4′ pode ser generalizado ainda mais um pouco:

Postulado 4”. Se em um sistema quantico com espaco de Hilbert as-sociado X, que se encontra em um estado D ∈ D(X), e feita uma medicaorepresentada por um POVM (Ω,Π, X), sendo observado o evento E ⊆ Ω, oestado do sistema passa a ser K(E)DK†(E)/Tr[K†(E)K(E)D], onde K(E)

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 50

sao operadores lineares, frequentemente chamados instrumentos4, tais queK†(E)K(E) = Π(E).

O postulado 4 e suas generalizacoes se referem a uma transformacao doestado de um sistema quantico devido a sua interacao com um segundo sis-tema fısico: o aparato de medicao. Caso essa interacao nao se de, e impossıvelextrair qualquer informacao do sistema quantico de interesse. Logo, de fatonao se encaixa na situacao prevista pelo Postulado 3, que supoe o sistemaquantico isolado.

Tendo em vista o que foi dito no paragrafo anterior, podemos conside-rar ainda um situacao, de certa forma, intermediaria entre aquelas previstaspelos postulados 3 e 4. De fato, pode ser que o sistema quantico S, comespaco de Hilbert X, cuja evolucao e de nosso interesse determinar, nao es-teja isolado, mas sim em interacao com um segundo sistema quantico R, comespaco de Hilbert Y . Diz-se neste caso que o sistema e aberto. Se, no en-tanto, o par de sistemas S+R e sim um sistema fechado, tendo HamiltonianoHSR ∈ A(X ⊗ Y ), enquanto inicialmente (t = 0) o par de sistemas se encon-tra em um estado DS ⊗DR, o estado de S em um instante posterior t sera,pelo Postulado 3, DS(t) =TrY [UDS ⊗DRU

∗], onde U = e−iHSRt. Quer dizer,o mapa D 7→ DS(t) e a restricao ao conjunto dos operadores densidade deum mapa completamente positivo A 7→ TrY [UA⊗DRU

∗]. Como vimos ante-riormente, no Teorema 8, todo mapa completamente positivo e desta forma.Encerramos a formulacao da mecanica quantica ao postular que, a menosde pos-selecoes (condicionamento do estado de um sistema ao resultado deuma medicao), a operacao mais geral que podemos executar em um sistemaquantico e faze-lo interagir com um segundo sistema por um certo intervalode tempo e ignorar o estado desse segundo sistema. Dito de outra forma,temos o:

Postulado 5. Qualquer transformacao temporal de um sistema quanticoS com espaco de Hilbert X, em um intervalo de tempo fixado ∆t, quandonao condicionada ao resultado de nenhuma medicao, deve ser descrita poruma mapa completamente positivo Λ ∈ L2(X), restrito, claro, ao conjuntodos operadores densidade D(X) ⊂ L(X).

Observe que este postulado tem um carater distinto do Postulado 3. Esseultimo nos dita a dinamica completa do sistema, para todo instante de tempo,desde que seja isolado e conhecamos seu Hamiltoniano. Ademais, se fixarmosum instante de tempo t, a transformacao dos estados entre o instante inicialt = 0 e t sera ditada por um operador unitario U = e−iHt.

Ja o Postulado 5 nao nos permite inferir toda a dinamica do sistema caso

4 Apesar da longınqua relacao que tem com os instrumentos laboratoriais que imple-mentam a mediacao fısica.

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 51

nao seja isolado, mas nos garante que, se fixarmos um instante de tempo t,a transformacao dos estados entre o instante inicial e t deve necessariamenteser dada por um mapa completamente positivo, o que nao e trivial. De fato,a princıpio nao e obvio sequer que essa transformacao tenha que ser linear.

Distinguibilidade de estados

Na secao 3.4, mostramos que os mapas completamente positivos sao um con-tracao segundo a norma do traco em L(X). Esse fato tem uma implicacaoforte em fısica. Suponha que um sistema quantico possa estar em um de doisestados D ou D′, elementos de D(X), mas nao saibamos qual dos dois e oestado correto. Para nao cair na armadilha de atribuir um status ontologicoao estado de sistemas quanticos, podemos imaginar o seguinte jogo: um fısicoexperimental prepara um sistema em um desses dois estados, com probabi-lidade 1/2 para cada um, passa o sistema para um seu rival, e o desafia adescobrir qual dos dois estados foi preparado (com a promessa de que nuncasera preparado um terceiro estado).

Por exemplo, suponha que os dois estados em questao sao xx∗ e yy∗,onde x, y ∈ X sao ortogonais. Ora, sabendo disso, o rival pode fazer umamedicao descrita por operador autoadjunto atuando em X que tenha x e ycomo autovetores associados a autovalores distintos, digamos λx e λy. Aoobservar o valor λx, ele tera certeza que o sistema em suas maos estava noestado xx∗. Caso observe o autovalor λy, ele tera certeza que o estado erayy∗. Assim, o rival sempre ganha o jogo.

Mas, de maneira geral, a melhor estrategia que ele possa adotar o levaraa descobrir o estado correto apenas com uma certa probabilidade. No casoextremo em que D = D′ essa probabilidade sera 1/2. Ele simplesmente teraque “chutar” qual foi a escolha do desafiante, pois nenhuma medicao que elepossa fazer no sistema ira oferecer alguma informacao sobre essa escolha.

Bom, de maneira geral, e possıvel mostrar que a melhor estrategia queele possa adotar fara com que ele adivinhe o estado corretamente com pro-babilidade p = 1

2+ 1

4||D − D′||1. Quer dizer, a norma do traco nos da

uma informacao do quao distinguıveis dois estados de um mesmo sistemasao. Por outro lado, o resultado obtido na secao 3.4 nos garante que naoha nenhuma operacao fısica que possamos fazer no sistema que possa au-mentar as chances de distinguirmos dois estados, pois elas sao descritaspor mapas completamente positivos Λ. Isso implica que a probabilidadep′ = 1

2+ 1

4||Λ(D) − Λ(D′)||1 de se distinguir os estados apos a operacao e

menor que p, pois ||Λ(D)− Λ(D′)||1 ≤ ||D −D′||1.

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APENDICE

Neste apendice vamos demonstrar dois ingredientes necessarios para a de-monstracao do Teorema 10: o fato de S(X ⊗ Y ) ser fechado e a existenciade um hiperplano separando um conjunto convexo fechado de um ponto emseu complementar.

Teorema 14. Se X, Y sao espacos de Hilbert, S(X ⊗ Y ) e fechado.

Demonstracao. Para m,N ∈ N, seja Km,N = S ∈ L(X ⊗ Y )|S =∑Nj=1 Aj ⊗ Bj, Aj ∈ DP(X), Bj ∈ DP(X), Tr(S) ≤ m. Vamos primeira-

mente mostrar que Km,N e compacto.

De fato, se S ∈ Km,N , S =∑N

j=1Aj⊗Bj, devemos ter Tr(Aj) = ||Aj||1 ≤m e ||Bj||1 ≤ m para j = 1, ..., N . Portanto, os conjuntos DPm(X) = A ∈L(X)|A ≥ 0, ||A||1 ≤ m e DPm(Y ) = B ∈ L(Y )|B ≥ 0, ||B||1 ≤ m, saocompactos. Tome (Si)

∞i=1, Si =

∑Nj=1Aj,i ⊗ Bj,i sequencia de Km,N . Para

cada j, a sequencia (Aj,i)∞i=1 pertence ao compacto DPm(X) e possui sub-

sequencia convergente. Da mesma forma, as sequencias (Bj,i)∞i=1 pertencem

a compactos e possuem subsequencias convergentes. Podemos entao tomarsubsequencia ik tal que Aj,ik → Aj ∈ DPm(X) e Bj,ik → Bj ∈ DPm(Y )

quando k → ∞, para j = 1, ..., N . Assim, Sik →∑N

j=1 Aj ⊗ Bj ∈ Km,N

quando k →∞.Agora, se Km = ∪∞N=1Km,N , segue que Km e fechado, pois e a uniao de

compactos encaixantes (Km,N ⊆ Km,N+1). Como Km tambem e limitado(S ∈ Km satisfaz Tr(S) = ||S||1 ≤ m), segue que e na verdade compacto.Finalmente, sendo S(X⊗Y ) = ∪∞m=1Km, onde Km ⊆ Km+1, quer dizer, umauniao de compactos encaixantes, segue a conclusao do teorema.

Teorema 15. Seja C ⊂ Rn subconjunto convexo, fechado e nao-vazio, ey ∈ Rn ponto de seu complementar. Existe funcional linear f ∈ (Rn)∗ ex0 ∈ Rn tal que f(y − x0) < 0 e f(x− x0) ≥ 0 para todo x ∈ C.

Demonstracao. Seja x0 ∈ C tal que ||x0− y|| =inf||x− y|| : x ∈ C5 efuncional linear f(x) = 〈x0 − y, x〉. Vale entao f(y−x0) = 〈x0 − y, y − x0〉 =−||y − x0||2 < 0.

5 Quer dizer, estamos usando que existem vetores que realizam a distancia entre umconjunto compacto, y, e um fechado, C.

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3. Mapas Completamente Positivos - Operacoes Quanticas 53

Tome x ∈ C qualquer. Note que f(x − x0) = 〈x0 − y, x− x0〉. Se 0 <λ < 1, entao x0λ + x(1− λ) ∈ C e ||[x0λ + x(1− λ)]− y|| ≥ ||x0 − y||, poisx0 realiza a distancia entre C e y. Mas

||[x0λ+ x(1− λ)]− y||2

= 〈[x0λ+ x(1− λ)]− y, [x0λ+ x(1− λ)]− y〉= 〈(x0 − y)λ+ (x− y)(1− λ), (x0 − y)λ+ (x− y)(1− λ)〉= λ2||x0 − y||2 + (1− λ)2||x− y||2 + 2λ(1− λ) 〈x0 − y, x− y〉= λ2||x0 − y||2 + (1− λ)2||x− y||2 + 2λ(1− λ) 〈x0 − y, x− x0〉+ 2λ(1− λ) 〈x0 − y, x0 − y〉= (−λ2 + 2λ)||x0 − y||2 + (1− λ)2||x− y||2+

2λ(1− λ) 〈x0 − y, x− x0〉≥ ||x0 − y||2.

Logo,

2λ(1− λ) 〈x0 − y, x− x0〉 ≥ (1− λ)2(||x0 − y||2 − ||x− y||2)

e, desde que λ 6= 1,

2λ 〈x0 − y, x− x0〉 ≥ (1− λ)(||x0 − y||2 − ||x− y||2).

Tomando o limite λ → 1 nos dois lados da desigualdade acima, segue quef(x− x0) = 〈x0 − y, x− x0〉 ≥ 0.

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BIBLIOGRAFIA

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