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8/19/2019 Tomísmo por Chesterton http://slidepdf.com/reader/full/tomismo-por-chesterton 1/15 Santo Tomás de Aquino  –  por Chesterton Tomás de Aquino (1225-1274), de uma maneira estranha e  bastante simbólica, brotou do próprio centro do mundo civilizado de sua época, do nó ou espiral central dos poderes que controlavam a cristandade. Era primo do Sacro Imperador Romano. Ele estava intimamente ligado a todos, até mesmo a alguns dos que poderiam ser descritos como destruidores da cristandade. As disputas religiosas e políticas da época eram,  para ele, disputas de família. Um de seus irmãos perdeu a vida  para apoiar a causa do papa, enquanto outros de seus irmãos não aprovavam sua simpatia para com os novos movimentos sociais da religião.

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Santo Tomás de Aquino  –  por Chesterton

Tomás de Aquino (1225-1274), de uma maneira estranha e bastante simbólica, brotou do próprio centro do mundocivilizado de sua época, do nó ou espiral central dos poderesque controlavam a cristandade. Era primo do Sacro Imperador 

Romano. Ele estava intimamente ligado a todos, até mesmo aalguns dos que poderiam ser descritos como destruidores dacristandade. As disputas religiosas e políticas da época eram,

 para ele, disputas de família. Um de seus irmãos perdeu a vida

 para apoiar a causa do papa, enquanto outros de seus irmãosnão aprovavam sua simpatia para com os novos movimentossociais da religião.

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 No século XIII emergiam as ordens mendicantes (afranciscana e a dominicana) que refletiam a passagem deuma cultura rural e feudal para uma cultura urbana. Amendicância afastava-se da tradição monástica das grandes

 propriedades das abadias   –   e dos trabalhos manuais   – inserindo-se na vida turbulenta das universidades. Porém, o

 pai de Tomás, devido ao interesse religioso do filho, pensava que ele teria de se tornar um abade. Tudo foi

facilmente arranjado para que Tomás se tornasse um monge,o que ele próprio parecia querer.

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Porém, quando o jovem Tomás revelou para o seu pai quequeria se tornar um frade mendicante da nova ordemfundada por Domingos, foi um choque, como se elerevelasse que iria se casar com uma moça de família pobre.

É como se Napoleão insistisse em permanecer como soldadoraso por toda a sua vida. O ministro-geral dos dominicanostratou logo de tirar o jovem Tomás da Itália, despachando-ocom alguns outros frades para Paris. Porém, a jornada foi

interrompida. Os frades foram surpreendidos no caminho por um bando de sequestradores, que eram os própriosirmãos de Tomás que, em seguida, prenderam-no numatorre, como se ele fosse lunático.

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Do mesmo castelo italiano vieram dois irmãos bandidos e um sábio. Esse é o aspecto duplo quegera uma série de controvérsias. Isso é o que produz

o enigma da Era Medieval: que ela não foi uma era,mas duas. Examinamos as disposições de algunshomens, e ela poderia ser a Idade da Pedra;examinamos as mentes de outros homens, e eles

 poderiam estar vivendo na Era de Ouro, na maismoderna espécie de utopia.

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Tomás aceitou o aprisionamento com sua composturacostumeira e provavelmente não se importou muitoem ser deixado a filosofar em uma masmorra ou em

uma cela. Apenas uma vez, ele enfrentou umatempestade fora daquela torre de intelecto econtemplação que ele costumava viver. Seus irmãostrouxeram ao seu quarto uma deslumbrante cortesã

 para que ele caísse numa tentação súbita, ou aindafosse pego num escândalo.

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Tomás saltou de seu assento, apanhou um ferroincandescente da lareira e brandiu-o como umaespada flamejante. A mulher naturalmente gritou e

fugiu e em seguida Tomás trancou a porta,cravando-lhe o ferro em chamas, riscando a portacom um grande sinal da cruz. Depois, retornou,deixou cair o ferro de volta no fogo, e sentou-se

naquele assento de erudição, aquela cadeira defilosofia, aquele trono secreto de contemplação, doqual nunca mais se levantou.

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Conta-se que Tomás fugiu da torre com a ajuda dasirmãs. Durante seus estudos, devido à sua quietuderecebeu dos colegas o apelido de   “Boi Mudo”.

Porém, seu professor Alberto Magno dizia que o BoiMudo iria mugir tão alto que seus mugidos ecoariam pelo mundo.

De uma maneira diferente, Tomás, assim como São

Francisco, sentia que o domínio de seu povo sobre asólida doutrina e a disciplina católica, polidas por mais de mil anos de rotina, se estava perdendo e quea fé precisava ser mostrada sob uma nova luz.

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 Nos primórdios, a Igreja era bastante “platônica”. ParaCrisóstomo ou Basílio, era comum e normal pensar em termos do Logos, ou da Sabedoria, que é o

objetivo dos filósofos, assim como é normal paraqualquer homem de qualquer religião hoje falar de problemas sociais, do progresso ou da criseeconômica no mundo. Admitindo-se toda a grandeza

da contribuição de Agostinho para o cristianismo,houve, em certo sentido, um perigo sutil no platonismo de Agostinho.

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Até então, pensava-se bastante em Deus como Espíritoque purifica ou como um Salvador que redime, masainda pouco como um Criador. Assim comoAristóteles considerava as coisas como ele asencontrava, Tomás propunha que as coisas deviamser aceitadas como Deus as cria. Em toda a obra deTomás, o mundo da criação positiva está

 perpetuamente presente. Em termos humanos, foi elequem salvou o elemento humano na teologia cristã,mesmo usando por conveniência certos elementos dafilosofia pagã, porque o fato é que o elemento

humano também é o elemento cristão.

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A filosofia tomista, ou melhor ainda, a filosofiacatólica é fundamentada inteiramente no louvor àvida, no louvor ao ser, e no louvor a Deus como

criador do mundo. A glorificação do Criador e daalegria criativa d'Ele é mais ortodoxa do quequalquer pessimismo que poderia emanar dasconcepções filosóficas e religiosas que atribuem

maldade  às coisas do mundo. Não existem coisasmás, mas apenas mau uso das coisas.

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A filosofia tomista começava com as raízes mais inferiores do pensamento, os sentidos e os truísmos da razão; e um sábio pagão poderia ter desprezado tais coisas. Mas omaterialismo pode ser a humildade cristã em um cristão.

Tomás estava disposto a começar registrando os fatos e assensações do mundo material, assim como estaria disposto acomeçar lavando pratos e louças no monastério. Oargumento de seu aristotelismo era que, mesmo se o senso

comum acerca das coisas concretas fosse realmente umaespécie de trabalho servil, ele não deveria envergonhar deser  servus servorum Dei.

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Havia realmente uma nova razão para considerar assensações do corpo e as experiências do homemcomum. Deus não despreza a carne. Depois da

encarnação se tornar ideia central em nossacivilização, era inevitável que houvesse um retornoao materialismo, no sentido do valor sério da matériae da constituição do corpo. Cristo tendo

ressuscitado, era inevitável que Aristóteles sereerguesse.

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A diferença entre o pensamento de Tomás e asvariações do pensamento agostiniano queinfluenciaram a Igreja durante séculos foi, como

toda diferença entre católicos, apenas de ênfase. Osagostinianos enfatizavam a ideia da impotência dohomem diante de Deus, a onisciência de Deus sobreo destino do homem, a necessidade do temor 

sagrado e da humilhação do orgulho intelectual,mais do que as verdades opostas e correspondentesdo livre-arbítrio, da dignidade humana e das boasobras.

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Pois houve um certo monge, naquele monastério agostinianonas florestas da Alemanha, do qual se pode dizer que

 possuía um talento singular e especial para a ênfase; para aênfase com a qualidade de um terremoto. Seu nome era

Martinho Lutero. Tinha esse monge um peculiar horror eaversão às grandes filosofias gregas e ao escolasticismo quese baseara nessas filosofias. O homem não podia dizer nadaa Deus, nada a partir de Deus e nada sobre Deus, exceto um

grito quase inarticulado por misericórdia e pela ajudasobrenatural de Cristo, em um mundo onde todas as coisasnaturais são inúteis.

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Para Lutero, a razão era inútil. A vontade era inútil.Aquele protestantismo era um pessimismo, não eranada além da pura insistência na falta de esperança

de toda virtude humana como tentativa de escapar do inferno. Lutero foi um daqueles grandes bárbaroselementares, a quem é confiada a tarefa de mudar omundo. Diz-se que ele queimou publicamente a

Suma Teológica. Por um tempo, pareceu que adestruição fora definitiva. Mas a maré mudou maisuma vez. A Igreja e o mundo ocidental, desde o fimdo século XIX, tem redescoberto aos poucos o

tesouro produzido por Santo Tomás de Aquino.