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SEMINÁRIO SÃO JOSÉINSTITUTO DIOCESANO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA – IDFT
CURSO DE TEOLOGIA
ROGÉRIO TADEU MESQUITA MARQUES
IAM SED NONDUM:O Conceito de História na Teologia Cristã Contemporânea
Crato (CE)2015.2
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SEMINÁRIO SÃO JOSÉINSTITUTO DIOCESANO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA – IDFT
CURSO DE TEOLOGIA
ROGÉRIO TADEU MESQUITA MARQUES
IAM SED NONDUM:O Conceito de História na Teologia Cristã Contemporânea
Trabalho Individual de Pesquisa (TIP),apresentado ao Seminário São José, InstitutoDiocesano de Filosofia e Teologia - IDFT, comorequisito parcial para conclusão do IV semestredo Curso de Teologia.
Avaliador: Pe. Prof. Ms. Acúrcio Barros
Crato (CE)2015.2
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SEMINÁRIO SÃO JOSÉINSTITUTO DIOCESANO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA – IDFT
CURSO DE TEOLOGIA
ROGÉRIO TADEU MESQUITA MARQUES
IAM SED NONDUM:
O Conceito de História na Teologia Cristã Contemporânea
Trabalho Individual de Pesquisa (TIP),apresentado ao Seminário São José, InstitutoDiocesano de Filosofia e Teologia - IDFT, comorequisito parcial para conclusão do IV semestredo Curso de Teologia.
Aprovado em____/____/______.
Nota:_____ (___________________________).
_____________________________Pe. Prof. Ms. Acúrcio Barros
Crato (CE)2015
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 5
1 A REVELAÇÃO NO PASSADO: AS CARACTERÍSTICAS HISTÓRICAS DOEVENTO CATEGORIAL.............................................................................................. 7
2 A REVELAÇÃO AO HOMEM: A REVELAÇÃO TRANSCENDENTAL .................10
1.1 A história universal e a revelação transcendental.......................................10
1.2 Revelação Transcendental em Rahner ......................................................... 12
3 HISTÓRIA UNIVERSAL E HISTÓRIA DA SALVAÇÃO........................................ 16
1.1 Conceito de tempo e de história na revelação............................................. 16
1.2 Teologia da História Universal (Pannenberg).............................................. 19
1.3 História da Salvação (Cullmann)................................................................... 21
CONCLUSÃO............................................................................................................ 23
REFERÊNCIAS..........................................................................................................28
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IAM SED NONDUM:O Conceito de História na Teologia Cristã Contemporânea
Rogério Tadeu Mesquita Marques
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo oferecer uma visão geral sobre a teologia dahistória em suas diversas vertentes, desde a diferença entre história da salvação (Cullmann)e teologia da história universal (Pannenberg), até o conceito de historicidade da revelação,seja considerada como revelação categorial (Kasper) ou transcendental (Rahner). Asconsequências pastorais de tais visões também são tomadas em consideração. A relaçãoentre dogma e pastoral, revelação objetiva e aceitação subjetiva da mesma por parte do fiel,o hoje da salvação e o advento da Parusia são conceitos que se entrelaçam no estudo
abrangente e pouco sistemático da teologia da história, apresentado nos três capítulos destetrabalho. A conclusão, tal como uma coda numa sinfonia, explicita o problema da evoluçãoda doutrina que emerge intrinsecamente do problema histórico na teologia.
Palavras-chave: História da Salvação. Teologia da História Universal. RevelaçãoCategorial. Revelação Transcendental. Evolução da Doutrina.
Acadêmico de Teologia do Seminário São José, Instituto Diocesano de Filosofia e Teologia-IDFT.
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INTRODUÇÃO
A teologia contemporânea parte da historicidade da revelação em dois
sentidos: a revelação categorial de Deus, isto é, os eventos históricos objetivosem que Deus se manifesta. Jesus Cristo é o evento em que Deus se revela a si
mesmo por excelência para o cristão e para o mundo inteiro. Um evento que
não pode ser isolado, pois traz consigo toda a preparação da revelação de
Deus a Israel. Então se Jesus Cristo é a revelação de Deus, a própria
revelação se faz temporal e histórica. Em sua interpretação original, Barth
exprimiu isto com a fórmula: a revelação exige predicados históricos. Deus
exprime-se a si mesmo no tempo, o eterno se torna temporal.
O outro sentido em que a teologia contemporânea fala da historicidade
da revelação é a referência ao ser humano enquanto tal. Fala-se de revelação
transcendental, isto é, que acontece na subjetividade humana como tal. O
ponto de partida é o desejo de Deus de autocomunicar-se com todo homem e
seu desejo de que todos sejam salvos. Sendo o desejo de Deus universal e
todo homem só pode ser salvo mediante a graça, segue-se que a graça é
oferecida a cada pessoa. Então se a essência do homem é histórica e a oferta
que Deus faz de si mesmo é universal, então temos que conceber uma história
universal da autocomunicação de Deus. Isto implica que Deus se revela a si
mesmo a cada homem implicitamente na profundidade de seu ser. Por isto,
não somente a nível categorial a revelação que Deus faz de si mesmo é
histórica, mas também a nível transcendental.
A possível relação entre estes dois aspectos da revelação é onde é
posta a lupa. Todos admitem a oferta transcendental e universal de Deus que
atinge seu cumprimento no evento categorial de Jesus Cristo. Porém deste
surgem diferenças sobre como se deve entender a relação entre revelação
transcendental e categorial. Há duas linhas significativas de interpretação da
teologia católica.
K. Rahner coloca uma grande ênfase na revelação transcendental e
entende a revelação categorial como expressão a nível objetivo da oferta que
Deus faz de si mesmo a nível transcendental. Na interpretação de Rahner a
revelação categorial interpreta a transcendental.
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W. Kasper mostra que a liberdade transcendental do homem permanece
fundamentalmente ambígua, sem a ajuda da revelação categorial, que Deus
faz de si mesmo na história. A abertura do homem ao futuro é abertura a um
horizonte infinito, que pode ser interpretado num sentido panteísta, teísta ouateu. Só a revelação que Deus faz de si mesmo categorialmente na história
resolve o dilema da liberdade humana e da historicidade. Para Kasper é a
história que interpreta a transcendentalidade do homem e não o contrário.
Seria considerar de maneira meramente superficial o papel da história
na teologia contemporânea se não se levasse em conta a aparente contradição
entre “história da salvação” de Cullmann e “história universal” de Pannenberg.
Tal como a historicidade da revelação é considerada na dicotomia objeto-
sujeito, Kasper e Rahner, a história em si é vista de maneira similar. Talvez
algo como classificá-los entre dogma e pastoral seria visto como esticar demais
tais noções, porém não tão violentamente, considerando que as teologias da
história que seguem o presente, em contradição ao futuro da Parusia, seguem
o tema de história universal, de Pannenberg, numa teologia muito
existencialista, comprometida com o social, tal como a fazem J. B. Metz e
Moltmann (com toda a harmonia intendida entre os extremos por este)
parecendo muito a fim da revelação transcendental de Rahner. O contrário não
é diferentemente relativo, Cullmann com sua história da salvação claramente
se relaciona à ideia de revelação categorial de Kasper, muito a fim do termo da
história, dogmaticamente orientado.
A presente pesquisa busca iluminar os diversos aspectos teológicos
destas dicotomias, ao mesmo tempo mostrando as consequências da
historicidade na dogmática a partir do entendimento tanto da noção de história
quanto nos aspectos subjetivo e objetivo em que a revelação se faz histórica.
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1 A REVELAÇÃO NO PASSADO: AS CARACTERÍSTICAS HISTÓRICAS DO
EVENTO CATEGORIAL
Walter Kasper é o autor que considera a revelação especialmente doaspecto de evento categórico, mais do que uma mera resposta à natureza
transcendental do homem. Sua justificativa para tal escolha, é que a liberdade
transcendental do homem permaneceria na ambiguidade sem a ajuda da
revelação categorial que Deus faz de si mesmo na história.
De fato, a revelação bíblica tem uma estrutura histórica, ocorreu na
história e se manifesta por meio da palavra. Ainda que pretende ser universal e
está destinada aos homens de todos os tempos, a Bíblia registra um discurso
de Deus situado: ocorrido num tempo e em um ambiente encarnado em uma
determinada linguagem e em uma determinada cultura. Sua origem divina e
sua vocação à universalidade não eximem a revelação das leis da história.
Origem divina e universalidade não eliminam a presença de elementos falhos e
particulares, contingentes, pelo qual não eximem a palavra de Deus de
contínuas exigências de mediação e interpretação. Nesta profunda
historicidade da revelação encontram sua justificação as estruturas de
mediação tais como a Escritura, a Igreja e o Magistério. Protagonista invisível e
principal da interpretação e da transmissão da revelação é o Espírito Santo.
O discurso de Deus é progressivo, além de situado na história é
disseminado no tempo. A revelação não apareceu de uma vez, já concluída,
mas seguiu a progressão de um caminho, com um princípio, um
desenvolvimento e um fim, solicitado cada vez pela mesma mudança de
situações históricas. O caminho da revelação é progressivo e coerente, e
encontra seu cumprimento em Cristo. O progresso se deu também por tensões
e progressos, aceitando assim as leis da história. O caminho foi se fazendo
tanto em virtude de revelações sempre novas, acrescentadas exteriormente,
como também em virtude de um desenvolvimento interior, através de um
núcleo básico, rico em virtualidades e orientado já à sua plenitude. A revelação
teve um lugar, situada na história e encaminhada ao seu cumprimento, através
da história e da palavra estreitamente unidas. Deus atua e comenta a sua
ação. A revelação não é uma simples série de palavras, mas também não ésimplesmente uma série de ações. Não existe antagonismo entre história e
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palavra. Os fatos são mais ricos sempre que as palavras que os interpretam.
Em certo sentido a palavra está no centro. Pois a palavra de Deus faz a
história, a dirige e a interpreta.
O processo revelador então se dá: o acontecimento histórico, ailuminação interior que dá ao profeta ou à comunidade a inteligência do
acontecimento, a palavra oral ou escrita que relata e transmite o acontecimento
interpretado. Portanto não está dirigida direta e imediatamente a cada homem,
ainda que não falte uma dimensão interior e pessoal (a atração do Pai e a
presença do Espírito). É mediada não só porque chega a nós pelos profetas e
apóstolos, não só por ser histórica e particular e, portanto, necessitada de
mediações para ser transmitida e atualizada, mas também porque, na sua
mesma formação está mediada pela experiência do homem que a acolhe. Não
há contraposição entre a iniciativa de Deus e a experiência do homem, é um
entrelaçado da iniciativa livre e gratuita de Deus e da reflexão do homem.
Um encontro de diálogo entre duas pessoas que falam e se comunicam
entre si, uma como autoapresentação e outra como escuta obediencial. É um
diálogo profundo e vital, não só um intercâmbio de conhecimentos. Deus fala
com o homem para salvar ao homem e fazê-lo partícipe de sua própria vida.
Por isso a revelação é ao mesmo tempo teológica e antropológica: revela o
pensamento de Deus sobre o homem, ou melhor, o mistério de Deus e a
vocação do homem. Os dois aspectos se identificam: o homem é chamado
justamente a conhecer e participar do mistério de Deus. Deus revela seu
desígnio sobre o homem e sobre a história, dita as normas de conduta e
explica os acontecimentos nos quais lhe é dado ao homem viver; mas não
somente isso. Em Cristo, Deus se revela como uma comunhão de pessoas, um
diálogo de conhecimento e de amor; e o homem na fé, é inserido nesse
diálogo.
A revelação como diálogo de Deus com o homem é a tradução externa
de um diálogo de Deus no interior. As três pessoas estão na origem com
modalidades próprias da revelação: a iniciativa do Pai, a manifestação em
Cristo, a interpretação e a atualização do Espírito, e são o objeto último da
revelação, o ponto ao qual tendia todo o caminho.
Cristo é o revelador e o revelado. É perfeita manifestação de Deus e porisso nele a revelação encontra seu cumprimento. O longo caminho do antigo
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testamento encontra nele seu ponto de chegada. Os esquemas que tentam
expressar esta relação são múltiplos e sinais de sua complexidade são os
binômios continuidade e novidade, preparação e cumprimento, figura e
realidade, promessa e realização. Todos estes esquemas põem à vista duascoisas: o antigo testamento é uma espera de Cristo e que, no entanto, o antigo
testamento não é só espera, mas já é realidade, ainda que seja aberta e
incompleta. Ainda que a revelação definitiva, escatológica e última, a de Cristo,
é sempre uma revelação na fé. Por isso subsiste a tensão à plenitude da visão.
“Desde agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que seremos.
Sabemos que quando se manifeste seremos semelhantes a ele, pois o
veremos tal como ele é. (1Jo 3, 2).
Assim resume Kasper (1978, p. 27) a relação entre o fato histórico Jesus
Cristo e a fenomenologia da fé nele, base de investigação da revelação
categorial:
Ponto de arranque da cristologia é a fenomenologia da fé em Cristo,tal e como em concreto se crê, se vive, se anuncia e se pratica nasigrejas cristãs. À fé em Jesus Cristo só se chega pelo encontro comcrentes cristãos. Mas o conteúdo propriamente dito e o critériodefinitivo da cristologia é Jesus Cristo mesmo, sua vida, seu destino,
sua palavra e sua obra. Neste sentido se pode dizer também: JesusCristo é o critério primário da cristologia, enquanto que a fé da Igrejaé o secundário. Ambos os critérios não podem ser contrapostos.
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2 A REVELAÇÃO AO HOMEM: A REVELAÇÃO TRANSCENDENTAL
1.1 A história universal e a revelação transcendental
Se W. Kasper considera o aspecto categorial da revelação, K. Rahner o
faz dando grande ênfase na revelação transcendental, concebendo a revelação
categorial como expressão, objetivamente, do oferecimento que Deus faz de si
mesmo transcendentalmente. Conceitos como o existencialismo surgido da
consideração da teologia da história, assim como da revelação categorial
histórica, tal como é entendida de maneira transcendental é essencial para o
desenvolvimento da teologia da revelação transcendental de Rahner.
Assim, a teologia da história constroi a chamada teologia da existência:
se esforça em apresentar a vida concreta de Jesus de Nazaré como o centro
real e histórico de toda a existência. As mediações que a Igreja descobre no
tempo como surgidas deste único centro e referidas de novo a ele são um sinal
da significação deste acontecimento para a universalidade da existência
histórica, pessoal e coletiva.
Deus ter-se unido pessoalmente ao homem Jesus deu um sentido à
história, permitindo ao não-divino a mais íntima união com Deus. A história era
entendida então a partir da vida, morte e ressurreição de Jesus como entrando
na vida trinitária do amor de Deus. Deus então não só fixou a distinção entre
vida e morte, ser e não-ser, mas também entrou nesta luta em favor da vida.
Em Deus o passado permanece sempre presente e, de fato, Deus permanece
o sujeito de sua própria história, mas a ela somos encaminhados pelo relato da
história de Jesus Cristo. O cristocentrismo de todos estes pontos de vista
aparentemente priva toda a história subsequente, também a história da Igreja,
de seu significado.
Se com Barth os homens devem sobrepor na fé todo tempo
subsequente para serem unidos a Cristo ou se com Jüngel Deus assumiu toda
a história em si mesmo com Jesus, a história desvinculada de Cristo não tem
mais significado por si mesma. Destituída de seu significado próprio a história
universal não pode compreensivelmente ser distinguida da história da
salvação. Fora de Cristo tudo é treva.
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A distinção entre natural e sobrenatural era historicamente fundada na
nova iniciativa de Deus de uma revelação especial que culminou na
encarnação, na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, como redenção
divina da humanidade do pecado. Tudo aquilo que os homens eram incapazespor si mesmos de realizar na história era livremente outorgado por Deus: a
salvação e o pleno compartilhar de sua vida divina por meio do Cristo. Esta
distinção salvava a liberdade de Deus ao dar início à salvação como uma
segunda gratuidade, depois da criação. Ela garantia também a liberdade do
homem na resposta à iniciativa sobrenatural de Deus; com efeito, até o homem
ter podido descobrir um sentido na realidade e chegar a um conhecimento de
Deus com sua inteligência natural, sua vontade teria tido motivos para uma
livre escolha. Por este motivo, apresentando-se a revelação, o homem teria tido
alguma compreensão prévia de seu significado e teria sido capaz de aceitá-la
livremente. Com efeito, era justamente no negar a cooperação da liberdade
humana na resposta à revelação que os protestantes tinham negado toda
possibilidade de um conhecimento natural de Deus, isto é, de um
conhecimento separado da revelação, considerando a postura católica de
alguma maneira assim pelagiana, como se desprezando a ação da graça.
Uma vez que Jesus confiou a revelação a seus discípulos, à Igreja, com
autoridade para anunciar e interpretar sua mensagem era essencial a função
de autoridade para uma fé pregada de fora. De tal esquema interpretativo
derivou uma clara distinção entre história universal e história salvífica. Os
acontecimentos históricos, conhecidos pela inteligência humana, pertenciam à
primeira; ao passo que aquilo que pertencia ao conhecimento da fé e ao amor
sobrenatural constituía a história da salvação.
O primado dos conceitos produzidos pela inteligência passiva, sob a
constante iluminação da inteligência ativa, garantia a objetividade do
conhecimento universal e abstrato. Os “fatos” históricos podiam ser
reconhecidos através da passividade do conhecimento sensitivo e mal
interpretados, enquanto necessário, pelas abstrações objetivas, resultantes da
evidência sensível. Por isto, a fé podia basear-se nos acontecimentos da vida
de Jesus.
As verdades sobrenaturais incluíam tanto fatos como proposiçõesconceptuais (gestis verbisque). Os “fatos” são o que são, uma vez por todas,
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no tempo e no espaço. Os conceitos, que abstraem de uma individualidade
material no tempo e no espaço fornecem um “absoluto” essencial e sem tempo.
Na medida em que a evidência sobre a formação dos dogmas da Igreja ficava
mais clara, graças à pesquisa histórica, tornava-se cada vez mais difícilexplicar a evolução dos dogmas como sendo a interpretação subsequente e
clara de um tesouro de verdades propostas e concluídas com a morte do último
apóstolo.
1.2 A Revelação Transcendental em Rahner
O tomismo transcendental, representado por pensadores como
Rousselot, K. Rahner e B. Lonergan, parece oferecer uma solução a estes
problemas, uma vez que o juízo afirma a verdade e atinge a realidade, o
conceito, que mesmo no melhor dos casos é apenas uma parte de um juízo,
não apreende de modo adequado a realidade. Como a conversio ad
phantasmata o juízo refere este phantasma a um horizonte transcendente de
inteligibilidade, já que o juízo compreende uma atividade de síntese, que diz
respeito à inteligência, ele é entendido primariamente como uma faculdade
dinâmica e a objetividade é conhecida somente através da subjetividade.
Rahner (2009, p. 211) chega a desenvolver o que a doutrina transcendental do
conhecimento de Santo Tomás afirma como alma se fazendo de alguma
maneira todas as coisas:
Dizemos, pois, que todo ente pode fazer-se presente no horizonte dofenômeno humano mediante a palavra. Esta proposição, que por suavez é a mais importante para as ulteriores reflexões sobre a filosofia
da religião, reclama uma exposição mais prolixa e circunstanciada.
Já que o dinamismo da inteligência está orientado para o verdadeiro,
enquanto seu bem, a distinção tradicional entre inteligência e vontade, em
termos de seus objetos formais, o verdadeiro e o bem, é levada ao movimento
fundamental do conhecer e do amar. O fundamento definitivo do desejo
espiritual, revelado no dinamismo, não pode ser finito, uma vez que toda
percepção de limitação compreende sua transcendência. A partir do momento
em que Deus, o único que pode satisfazer o dinamismo espiritual do homem,
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fosse conhecido de um modo que supera os conceitos, pode-se falar, com
Tomás, de um “desejo natural” da visão beatífica. Admitida a vontade salvífica
universal, Deus daria sua graça a todos os homens, como sequência ao próprio
ato criador. A fé não diz mais respeito ao consentimento a proposições à base de
uma autoridade externa, mas à resposta de conhecimento de amor à
autorrevelação de Deus, a qual, como graça, influi em sua própria aceitação na
alma. Não se trata de simples interioridade, pois a estrutura fundamental do
pensamento e do amor, revelada na conversio ad phantasmata, diz respeito a
uma referência à realidade histórica concreta. Não existe transcendência para
o infinito senão através do finito. Não existindo oposição entre infinito e finito, o
infinito pode usar o finito como símbolo de sua autorrevelação no tempo. Por
isto os homens devem manter-se abertos à possível autorrevelação de Deus
na história. De fato esta revelação realizou-se e atingiu seu ápice em Jesus
Cristo, que é ao mesmo tempo a perfeita manifestação de Deus e a perfeita
resposta humana a Deus. Já que o grau mais elevado num gênero é a causa
de todos os outros que pertencem ao mesmo gênero, pode-se dizer que, na
ordem da graça, Cristo é a causa da fé em todos os outros, até nos “cristãos
anônimos”, que nunca ouviram falar expressamente dele.
De maneira Kantiana, Rahner (2009, p. 97-98) em seu tomismo
transcendental justifica a realidade da revelação no mundo ao homem que por
ser aberto à transcendência é aberto ao absoluto e, portanto, é apto à
revelação divina:
Agora uma revelação de Deus só é possível, se o sujeito ao que temde se dirigir oferece já de por si a essa possível revelação umhorizonte apriorístico, dentro do qual possa ao menos dar-se isso quedamos o nome de revelação. E este horizonte tem de possuirnecessariamente uma absoluta limitação, se não se quer impor deantemão à possível revelação uma norma e uma barreira que limite oque eventualmente possa e deva revelar-se. Uma revelação que temde se descobrir o mais profundo da divindade e que no fundo é aobjetivação reflete o chamado do homem a participar na vida domesmo Deus supramundano só poderá conceber-se como possívelse se concebe ao homem como espírito, isto é, como o lugar datranscendência ao ser em geral, e se o homem mesmo tematizanecessariamente esta transcendência que em todo o caso é atuada.
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Ao abordar a problemática da história da revelação e salvação, parte-se
de uma afirmação da antropologia metafísica segundo a qual o homem como
sujeito e pessoa de tal maneira é um ser histórico como sujeito da
transcendência, que está mediada historicamente sua condição de sujeito,investido de uma transcendentalidade ilimitada, frente ao seu próprio
conhecimento por parte dele mesmo, frente a sua livre realização. Portanto o
homem nem realiza sua subjetividade transcendental de maneira ahistórica em
uma experiência meramente interna de uma subjetividade que permanece
igual, nem aprende esta subjetividade transcendental por uma reflexão e
introspecção ahistóricas possíveis por igual em cada ponto do tempo. Se, de
fato, a realização da transcendentalidade acontece historicamente e se, por
outra parte, a verdadeira historicidade, que não pode confundir-se com o
espaço e tempo físicos e com o curso temporal de um fenômeno físico ou
biológico, ou com uma série de ações da liberdade, que permanecem
particulares, tem seu fundamento e a condição de sua possibilidade na
transcendentalidade do homem mesmo; então a única reconciliação destes
dois fatos é que a história finalmente constitui precisamente a história da
transcendentalidade mesma; e, ao invés, esta transcendentalidade do homem
não pode entender-se como uma faculdade que seja dada, se experimente e
se submeta à reflexão com independência da história.
Analisar o homem em sua natureza espiritual é abrir um caminho
necessário a Deus, que é espírito, e ao qual a própria espiritualidade do
homem tende por natureza. Rahner (Idem, p. 96-97) de tanto exaltar a natureza
humana transcendental quase dá a impressão de obrigar a Deus a se revelar
pelo simples fato de fazer sua criatura racional capaz de Deus:
A esta constituição fundamental do homem que afirma implicitamenteem cada um de seus conhecimentos e ações, nós, em uma palavra, achamamos espiritualidade, sua natureza espiritual. O homem éespírito, ou seja, vive sua vida em uma contínua tensão para oabsoluto, em uma abertura a Deus. Isto não é um mero fato quepossa, por assim dizer, verificar-se mais ou menos, aqui e ali, nohomem a seu bel-prazer. É a condição da possibilidade do que é etem de ser o homem e o é efetivamente sempre, também na maisescura vida de todos os dias. Só é homem enquanto está sempre acaminho para Deus, o saiba expressamente ou não, o queira ou não, já que sempre será a infinita abertura do finito a Deus.
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Nestas circunstâncias e analisando a revelação e sua historicidade
simplesmente desde a perspectiva do sujeito, ou melhor, do destinatário,
humano o existencialismo do hoje se torna mais facilmente eminente que a
escatologia do devir, da promessa pela história da salvação. A história seconstroi hoje, e a revelação de Deus ao homem se plenifica no hoje de sua
vida subjetiva. Santo Agostinho, como mestre do subjetivismo, especialmente
em sua autobiografia, faz-se um precursor deste posicionamento existencialista
que Rahner posteriormente desenvolve.
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3 HISTÓRIA UNIVERSAL E HISTÓRIA DA SALVAÇÃO
1.1 Conceito de tempo e de história na revelação
O conceito de tempo cristão, contrário à mentalidade grega, é
eminentemente positivo. Se o homem pagão tem experiência do mundo como
natureza, o homem da Bíblia, o profeta, tem a experiência do mundo como
história. Isso acontece pelo fato único e radical da intervenção de Deus na
história. Deus entra em diálogo com o homem; faz a história com ele, ele
mesmo se torna história, isto é, compromete-se sem arrependimentos com o
homem. O profeta encontra Deus na história, nela sente-se interpelado por
Deus; a história é para ele palavra de Deus. Assim a revelação é história e a
história é revelação. No tempo e na história se desenvolve a vocação do
homem, na dialética entre tempo e eternidade.
O tempo não se opõe à eternidade, mas é um tempo cheio de
eternidade; um presente tenso a um futuro, do qual já possui a realidade.
Abraão abandona para sempre Ur na Caldeia e se põe a caminho em direção à
terra prometida por Deus, ao contrário de Ulisses, que retorna à sua terra na
Odisseia de Homero. O paraíso não se encontra no ponto de partida, neste
sentido, mas na chegada. Ruiz de la Peña (1996, p. 46-47) sublinha este
aspecto do tempo cristão, ressaltando a primazia do tudo, numa religião da
escatologia:
À margem de que seja ou não certo denominá-la escatológica, o certoé que estamos diante de uma concepção linear e teleológica dotempo. Os textos resenhados contêm uma teologia da história, forma
embrionária da escatologia. Ao círculo dominante nas representaçõestemporais extrabíblicas sucede a reta, com ela surge a possibilidadede aguardar o novo e não o antigo repetido; se impõe também oprimado do futuro e não do presente ou do passado. A salvação jánão consiste em evadir-se do círculo, isto é, do tempo, nem em detê-lo ou remonta-lo para trás, mas em deixar-se conduzir por ele parafrente. Tão radical metamorfose da compreensão do tempo vemimposta- como se antecipou mais acima- por dois fatores: a fé nacriação e a esperança na promessa. Fora da fé na criação, atemporalidade, que não tem começo, não tem fim e sua eternacontinuidade só se garante em uma trajetória cíclica. Pelo contrário, aasserção de um princípio absoluto do fluxo temporal, ao implicar umponto de partida, está implicando um ponto de chegada (está
recordando que o tempo é uma magnitude limitada, não definida).Dentro deste continuum limitado, com começo (e, portanto, com fim),a promessa se encarrega de manter a tensão, de obviar que a reta se
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curve sob o peso do passado e do presente. O tempo, ao serhabitado por ela, é seguido pela história; a história, por sua vez,entendida como espaço de seu cumprimento, aloja em seu seio aesperança.
O tema da história emerge como objeto explícito e insistente de atençãoda parte da teologia, sobretudo em tempos relativamente recentes.
Propriamente, em dois casos pelo menos isso assume relevo central: “história
da salvação” (O. Cullmann) e “história universal” (W. Pannenberg). Trata-se,
nos dois casos, de uma concepção da história muito diferente: mas comum é o
desprezo da tentativa polêmica nos confrontos da “desestorização” do
cristianismo operada frente à teologia existencialista de R. Bultmann (mas
também Brunner, Gogarten, e talvez Barth). Schillebeeckx (1971, p. 50-51)discorrendo sobre a história e historicidade na teologia contemporânea,
ressalta como a origem de todo este problema se deu com Bultmann e sua
demitização e sua relação com a pseudoescatologia do presente:
Desde Bultmann o lugar predominante na “nova hermenêutica” não otem o futuro, mas o presente, este pequeno ponto. História einterpretação parecem correr incansáveis para nosso presente, que éconsiderado como o eschaton de todo sentido e como o princípio
hermenêutico verdadeiro, determinante. Esta hermenêuticadesescatologiza a história ao elevar o presente à categoria deeschaton. Desta forma se destrói toda a tensão ao futuro, no queainda é possível uma autêntica história salvífica e no que se sigarealizando a promessa ou a história se converte na companheiraparadóxica da vida cristã: a existência cristã é então “acabamento dahistória humana”, uma forma escatológica de existência na históriahumana, que continua certamente, mas não redimida como história. Assim a existência autêntica é separada tanto da natureza como dahistória. Parece-me que este é um dos erros fundamentais da“interpretação ‘ex-istencial’ da Bíblia”; se uniu demais unilateralmenteà hermenêutica das ciências do espírito: erro fundamental quetambém se dá em Gadamer. E, no entanto, quem tem a palavra
definitiva não é a interpretação, mas a ortopraxis, que tudo sejarenovado a impulsos da promessa divina. Trata-se de estaremorientados, a partir da anamnese e em uma ação crente, para a graçado futuro, e assim fazer verdadeiro o dogma. Porque a confissão e odogma anunciam a mensagem de um futuro que deve realizar-se naesperança e que, portanto, não é só objeto de contemplação, mastarefa que se deve realizar. Só nesta realização histórica éinterpretado o dogma autenticamente e graças à promessa divina, segarante a identidade da fé ao longo da história. Porque o objeto da féé Deus, e ele é em Cristo o futuro do homem.
Aquela desestorização deve ser entendida como negação de toda
relevância do processo dos eventos- passados, testemunhos da literatura
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bíblica, e presentes, atualmente vividos sobre a humanidade na sua
experiência social- em ordem à salvação (J.B Metz e Moltmann). À negação da
história corresponde a afirmação enfática da historicidade, pensada como
qualidade transcendental da existência. A desestorização do Kerygma porparte de Bultmann é por um lado estreitamente relacionada ao programa geral
de desmitização, ou seja, de emancipação do Kerygma daquelas
representações (bíblicas e tradicionais) que tendem a designar consistência
intramundana à salvação.
Por outro lado é relacionada muito a um conjunto de dificuldades que
angustiavam a teologia há muito tempo: surgiam pesquisas histórico-críticas,
que eram aplicadas também aos textos bíblicos e pareciam ameaçar as bases
históricas do cristianismo. Ou seja, colocava-se em cheque a história de Jesus
Cristo como apresentada pelos relatos evangélicos e da leitura que fazia a
ortodoxia tradicional. Marietti, no verbete de historicidade do seu Dicionário
Teológico Interdisciplinar, sublinha os pontos de partida de Cullmann e
Pannenberg ao considerar a história em seus pensamentos teológicos, um pela
história da salvação outro pela história universal:
Os nomes de Cullmann e Pannenberg representamemblematicamente duas direções alternativas que assumiu a reflexãoteológica ao redor do tema da história, isto é: 1. A direção queprivilegia desde o começo a história bíblica e busca nesta umesquema de compreensão universal que integra na mesma toda outrahistória, e mais em geral, um esquema que se transforma emprincípio da inteligência cristã de toda a realidade (teologia como“história da salvação”); 2. A direção que ao invés de proceder de umareflexão geral sobre a história o faz à luz da experiência moderna demudança social, para mostrar diante deste contexto o significado e averdade do que pretende o cristianismo que Cristo seja o sentido dahistória.
Por outro lado, correspondem às duas tendências ou escolas teológicas
alternativas dois problemas objetivos, pelo menos inicialmente distintos, ainda
que a resposta deva plausivelmente ser formulada profundamente interligada.
Pode-se formular nestes termos o problema: se o sentido da revelação de
Deus pode ou eventualmente deve ser qualificada como uma história; e se é
possível descobrir um sentido na história universal, ainda como história
empírica e pública, e mais precisamente- sob o aspecto teológico- o que faz
afirmar a revelação cristã desta história universal.
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Tomando a história como horizonte hermenêutico onde se explica e
compreende a revelação, é necessário avançar as duas em conjunto. A
revelação não pode prevalecer sobre a história, modificando seu conteúdo
multissecular, a história não pode prescindir da revelação, se não quiser perderseu significado.
1.2 Teologia da História Universal (Pannenberg)
O problema central que move a reflexão de Pannenberg sobre as
questões fundamentais da teologia é mais uma vez o problema nascido com o
nascimento de uma ciência histórica, emancipada do interesse dogmático e só
preocupada da certeza crítica dos acontecimentos passados. A aplicação da
pesquisa histórico-crítica dos acontecimentos que estão na origem da fé cristã
ameaçava (ou ao menos isso parecia aos teólogos) o fundamento daquela fé.
Os teólogos protestantes desistiram da possibilidade de defender os
fundamentos da fé cristã neste assunto. Na reconstrução de Pannenberg, a
história da teologia recente aparece toda preocupada em substituir o
fundamento histórico da fé por algo que se subtraísse de todos os modos da
competência da pesquisa histórica e, portanto das incertezas de seus
resultados.
Tal preocupação toma duas direções: aquela da substituição
existencialista da historicidade da história e a direção consistente na
individuação de uma noção suprahistórica da história bíblica na salvação. A
esta segunda direção, cuja unidade aparece na realidade pouco perspicaz,
Pannenberg atribui a teólogos diversos: Hermann, que reconduz a revelação à
imediatez da experiência ética interpretada como discurso de Deus a nós
mesmos; Kahler, que contrapõe o Cristo bíblico ao dito Cristo histórico; Barth,
que interpreta a encarnação em termos de o começo da história (urgeschichte).
Todas estas tentativas são contrapostas por Pannenberg com o próprio
projeto de reconciliação da fé com o conhecimento histórico-crítico, projeto que
vem sendo realizado através da descoberta simultânea numa uma reflexão
crítica sobre as duas áreas: da natureza do conhecimento histórico por um
lado, e da ideia bíblica de revelação por outro. A reflexão conduz a uma síntesedos dois termos: o conhecimento histórico supõe, tal como seu próprio
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1.3 História da Salvação (Cullmann)
É característica de certo ramo da tradição protestante o ter o programade teologia que- segundo o critério sistemático ou metafísico, da conexão
lógica das diversas doutrinas cristãs- fosse construída segundo um esquema
histórico-salvífico. Diversos teólogos do século XIX, movendo-se juntos no
sulco da tradição pietista e no contexto da cultura romântica, propuseram o
modelo histórico-salvífico de estruturação de toda a teologia (especialmente
von Hofmann); ainda no ambiente católico- é ilustre o caso da escola de
Tubinga- na metade do século XIX diversos teólogos alemães propuseram a
substituição de um tom sistemático e filosófico da teologia escolástica por um
histórico-salvífico. Sobre a área não católica pode-se relevar como, ainda que
além destas tentativas sistemáticas de uma teologia histórico-salvífica, fizesse
parte da mais autêntica noção do protesto contrapor a sola Scriptura às
especulações curiosas da teologia escolástica.
Mas a discussão sobre a história da salvação se acendeu no âmbito
protestante no século XX, sobretudo a respeito ao problema exegético (ou de
hermenêutica neotestamentárias): como interpretar a inegável orientação
escatológica da pregação de Jesus e, em conexão com esta, como entender e
valorizar a representação protocristã da história.
A escatologia em questão estava de acordo com aqueles autores como
espera iminente da parte de Jesus pelo Reino de Deus, por sua vez concebido
como realidade absolutamente ultraterrena que se encontra em um contraste
de mútua exclusão com este mundo. A escatologia de Jesus assim qualificada
como iminência cronológica de um mundo alternativo àquele presente faz
introduzir a ideia de uma história da salvação, ou seja, um tempo
indeterminado entre a primeira e a segunda vinda de Jesus.
A afirmação de Jesus sobre o Reino, segundo Cullmann, se configura às
vezes como presente outras vezes como futuro; por sua vez não se
contradizem, nem podem ser interpretados como mudança na prospectiva de
Jesus; mas se referem aos aspectos diversos e simultaneamente vários. Mas
para compreender esta duplicidade de aspectos é necessário conhecer oconceito fundamental da “história da salvação”, que já no Antigo Testamento se
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Rahner admitiu que Jesus tenha errado no tocante ao iminente advento
do reino de Deus, mas explicou este “erro” como uma expressão temática
inadequada da proximidade de Deus experimentada em sua consciência
humana. Se tais expressões inadequadas foram possíveis para Jesus, quantomais a Igreja pode pretender uma segurança maior em seus dogmas. Se toda
fórmula dogmática é fundamentalmente inadequada para o mistério infinito de
Deus, a pergunta é qual seria o valor permanente que mantêm as fórmulas
dogmáticas. Embora tenha insistido na possibilidade de um magistério
infalível, para garantir a presença continuada da revelação definitiva de deus
em Cristo, questiona-se com que base o magistério prefere uma fórmula a
outra e com que autoridade exige a adesão fiel a ela, já que o axioma em
Rahner é que Deus se comunica a todos, o ser é autoconsciente e goza de
uma imediatez com Deus que supera as imperfeições do dogma; correndo o
risco de cair no protestantismo liberal.
Por Rahner fazer uma distinção incerta entre o natural e o sobrenatural e
pela sua ênfase na unidade do plano salvífico de Deus, culminando em Cristo,
poderia parecer que pende a um cristocentrismo excessivo. Além disto,
sustenta que o evento de Cristo e sua ressurreição não são simples fatos, mas
devem ser interpretados à luz do horizonte mais amplo da expectativa e da
inteligibilidade fornecida pelo desejo que o homem tem do infinito horizonte do
ser. Esta oscilação mostra a dificuldade de como um absoluto pode ser
encontrado na relatividade da história, o Infinito no finito.
O atual problema hermenêutico consiste em como encontrar um
significado quando todas as declarações finitas podem ser relativizadas por um
outro ponto de vista quando o ser se esconde a si mesmo até enquanto se
revela. A relativização das pretensões de verdade e dos valores referentes a
elas, sustentada por Nietzsche, Heidegger e Sartre desmbocou no atual
relativismo e no descompromisso que dominam grande parte do pensamento
moderno. Até a ciência moderna, depois da relatividade e da mecânica
quântica tornou-se bem consciente do caráter discutível e parcial de suas
hipóteses.
A Igreja continua através dos tempos conservando na palavra e no
sacramento a vida de amor que anima os homens e lhes oferece o centrocrucial e concreto para a conversão e o crescimento no amor. A menos que a
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revelação definitiva de Deus, isto é, sua entrada pessoal no tempo, seja
frustrada em seu escopo salvífico, à Igreja foi assegurada vida contínua até o
juízo universal. Cada um de seus dogmas pode ser mostrado como reflexo da
mesma estrutura sacramental realizada na encarnação, anunciada por Cristo epelos apóstolos, defendida por Agostinho e que atingiu sua expressão mais
adequada em Calcedônia, como foi interpretada por Máximo, o Confessor.
Parte do fato histórico da revelação de Deus e recorre as partes
destacadas da história da salvação para mostrar como foi progredindo a
comunicação de Deus aos homens até seu cumprimento em Cristo. Portanto o
interesse da Dei Verbum é estritamente histórico, a revelação recebe a
mediação da história em seu progresso e em suas diferentes manifestações,
vendo a história na revelação e a revelação na história como um acontecimento
harmonioso do que surge a história de Cristo revelador do Pai. Fisichella, sob o
verbete de historicidade da revelação, em seu Dicionário de Teologia
Fundamental desenvolve alguns elementos que iluminam a revelação em seu
aspecto histórico e que se seguem de forma resumida com o intuito de nortear
a reflexão sobre o tema:
Elementos do horizonte histórico:
1. O progresso da revelação: apresenta-se em um momento
particular da história, seguindo um projeto misterioso que permaneceu
escondido por muito tempo e só se revelou agora por completo.
2. O progresso na compreensão da revelação: que se leva a cabo
em conformidade com as leis da natureza humana e sob a ação do Espírito
Santo, que conduz à verdade inteira.
3. A finalização da revelação: a autocomunicação de Deus ao
homem tem como finalidade a salvação do homem, não como mera utopia,
mas como um acontecimento que se cumpriu já historicamente, ainda que
projetado na realização escatológica.
4. A relação do homem com a decisão de vida. A revelação é um
encontro que interpela o homem para a decisão da fé, que tem que ter as
características de opção histórica para que se manifeste conforme ao homem
que a leva a cabo, sinal da opção fundamental por Cristo nos diversos
momentos históricos.
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O objeto da exigência é o que Gadamer chama de diálogo com a
tradição. A tradição mais do que algo objetivo fora de mim é onde eu “habito”.
Existe uma conaturalidade com o sujeito que busca compreender a sua
tradição, há um círculo hermenêutico em que o sujeito interroga a tradição e atradição o interroga. Sem perspectiva de interrogação não há como pedir ou
perguntar nada à tradição. Não se conheceria o que se está procurando. Mas
colocando a interrogação no horizonte de compreensão, se está em condições
de compreender de novo. O ato da compreensão acontece. Têm-se condições
de escutar o significado do evento passado da história da salvação no próprio
presente. Alternativamente este ato de compreensão abre o horizonte de
compreensão e permite colocar novas perguntas. Este é o círculo
hermenêutico da teologia. Entrando em diálogo com o passado, o teólogo entra
em contato com a insuperável origem da sua fé e torna esta origem atual para
uma fé inteligível hoje. Newman em seu livro sobre o desenvolvimento da
doutrina, como um mestre sobre a matéria, faz as necessárias distinções para
sublinhar as relações essenciais e intrínsecas entre fatos e doutrinas.
Tanto a historicidade do homem quanto a historicidade da revelação
implicam que tais tentativas de tradução e tais diálogos com o passado não
acabarão nunca. A teologia é uma ciência histórica que lutará continuamente
com o passado e tentará traduzir a única definitiva verdade de Cristo sempre
de novo, até que ele venha novamente em estado glorioso. Uma missão de
harmonizar o ontem e hoje com o amanhã, vivendo o “já mas ainda não” ( iam
sed nondum) do Cristo que é ontem, hoje e eternamente, faz com que o
conceito de história seja um de importância central na teologia cristã, que
começa na encarnação no tempo e passando pelo hoje sacramental tende ao
amanhã da Parusia.
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