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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES DEPARTAMENTO DE MÚSICA TEORIAS SOBRE O MOVIMENTO HARMÔNICO PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS

Teorias Movimento Harmonico

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE MÚSICA

TEORIAS SOBRE O MOVIMENTO HARMÔNICO

PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES

DEPARTAMENTO DE MÚSICA

TEORIAS SOBRE O MOVIMENTO HARMÔNICO

PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS

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SUMÁRIO

1. TEORIAS SOBRE O MOVIMENTO HARMÔNICO .................................................1 1.1. PROGRESSÕES E SUCESSÕES DE ACORDES ..................................................................... 1

1.1.1. Introdução............................................................................................................................. 1 1.1.2. Harmonia funcional: duas teorias......................................................................................... 2 2.1.3. Resumo .............................................................................................................................. 12

1.2. SOBRE OS MOVIMENTOS ENTRE FUNDAMENTAIS............................................................ 13 1.3. PROGRESSÃO HARMÔNICA .................................................................................................. 21

1.3.1. Diferentes tipos de progressão harmônica ........................................................................ 21 2.3.2. Exceções comuns .............................................................................................................. 29 2.3.3. Diferenças no modo menor ................................................................................................ 30 2.3.4. Conclusão........................................................................................................................... 31

1.4. PROGRESSÃO HARMÔNICA NO MODO MAIOR................................................................... 32 2.3.1. Tabela de progressões de fundamentais usuais ............................................................... 32

1.5. UTILIZAÇÃO DOS ACORDES DA ESCALA DIATÔNICA ........................................................ 36 1.6. TÉCNICAS DE ENCADEAMENTO DE ACORDES .................................................................. 43

2.6.1. Progressões por quintas e terças....................................................................................... 43 1.6.2. Seqüências diatônicas........................................................................................................ 47

2. BIBLIOGRAFIA GERAL SOBRE HARMONIA.......................................................53

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1. TEORIAS SOBRE O MOVIMENTO HARMÔNICO Org. e Trad. Prof. Fernando Lewis de Mattos

Porto Alegre, janeiro de 1999

1.1. PROGRESSÕES E SUCESSÕES DE ACORDES1

1.1.1. Introdução Termos como “tonalismo” ou “tonalidade” são difíceis de definir porque não se referem a nenhuma técnica ou procedimento específico, mas a um efeito criado quando a música é ouvida. O efeito é a identificação da tônica como sendo mais importante do que todos os outros graus da escala. Como está demonstrado no quadro abaixo, o estabelecimento de uma tônica (ou da finalis do modo, conforme a terminologia medieval) é o único aspecto consistente em aproximadamente 1400 anos da música ocidental. Na monofonia da música medieval, assim como na polifonia renascentista, a finalis de um determinado modo era definida como a nota central em torno da qual gravitavam os outros graus da escala. A despeito de conceitos radicalmente diferentes sobre a estrutura harmônica no Período Barroco, os cuidados com o centro tonal cresceram consideravelmente; raramente a tonalidade de uma composição dos séculos XVII ou XVIII será dúbia por mais do que alguns poucos compassos. Durante o século XIX desenvolveu-se, ainda, um novo vocabulário harmônico, assim como a utilização mais ampla das dissonâncias. Enquanto estes fatores elevavam o grau de ambigüidade tonal (em particular mais para o final do século), foi somente no início do século XX que apareceu a música sem centro tonal – música atonal. Orientação Tonal na Música Ocidental 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 Canto Gregoriano Polifonia Sistema Modal Sistema Tonal Organização da música em torno de um único som

Atonalidade

Enquanto a tonalidade pode ser definida como o estabelecimento de um tom de referência em torno do qual gravitam os outros elementos tonais, os fatores que criam este efeito são menos definidos. Os aspectos harmônicos e melódicos de uma composição tonal são geralmente inseparáveis e muitas vezes se sobrepõem. Linhas melódicas freqüentemente delineiam os acordes e são compostas com base em princípios harmônicos; a harmonia pode resultar da confluência de diversas linhas melódicas simultâneas. A discussão sobre tonalidade neste trabalho irá se centrar no parâmetro harmonia. 1Este texto é traduzido do capítulo Tonality: the theory in: HENRY, 1984 (N. do T.).

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Na harmonia do Período da Prática Comum (período tonal), a tríade sobre a tônica é um ponto de repouso e estabilidade, raramente apresenta dissonância harmônica. A tríade de tônica geralmente é a primeira sonoridade de uma composição tonal e quase invariavelmente a sonoridade final. Quando os acordes se movimentam em direção à tônica com um sentido claro de tonalidade, a seqüência de acordes é considerada como sendo uma progressão harmônica. Se a música não possui um movimento claramente definido, o movimento de acordes é chamado sucessão harmônica. Se a composição está baseada em progressões, cada tríade ou acorde tem um papel bem definido, ou uma função, no estabelecimento do centro tonal e na criação de uma força cinética que leva à tônica. Talvez seja este conceito de harmonia funcional, mais do que qualquer outro fator, o que distingue a música do Período da Prática Comum dos enfoques harmônicos de outras eras (tanto da Renascença quanto do século XX, por exemplo, nos quais a harmonia é amplamente não-funcional). 1.1.2. Harmonia funcional: duas teorias Há duas teorias principais quanto ao papel das tríades diatônicas no estabelecimento da tonalidade, sendo que ambas possuem pontos fortes e fracos. É de grande valor compreender estas teorias tanto na definição teórica do processo tonal, quanto na compreensão das várias exceções trazidas pelo processo criativo dos compositores. 1.1.2.1. Teoria das Funções Primárias Na mais geral das duas teorias, a Teoria das Funções Primárias, o estabelecimento de um centro tonal é visto como um movimento progressivo entre três diferentes funções harmônicas: tônica, subdominante e dominante. Os fatores que embasam esta teoria repousam tanto em princípios melódicos quanto harmônicos. Função na melodia Na escrita tonal, o primeiro grau da escala (cifrado como I) é um ponto de estabilidade em torno do qual outros graus da escala diatônica se movimentam com base em padrões fixos. Leonard Ratner (na obra Harmonia, Estrutura e Estilo) fala sobre o I, IV e VII graus melódicos como representantes das funções de tônica, subdominante e dominante, respectivamente. Outros graus irão pertencer a uma destas três categorias. Juntamente com o I grau melódico, o III grau também pode representar estabilidade - o objetivo final da linha melódica. O IV, o VI e, mais raramente, o II grau melódico agem com a função de subdominante. Esta função representa o ponto intermediário no movimento em direção à tônica. Os graus V e VII (assim como o II em muitos casos) representam a força cinética que leva ao retorno definitivo em direção à tônica (Exemplo 1-1).

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(Exemplo 1-1)

Embora às vezes encontradas entre notas adjacentes (Exemplo 1-2), as funções melódicas primárias (graus melódicos: I, IV e VII) são encontradas mais freqüentemente entre sons de menor importância estrutural, podendo estar separadas por várias unidades de tempo (Exemplo 1-3).

(Exemplo 1-2: F. Schubert, Erlkönig, Op. 1, D. 328)

(Exemplo 1-3: W. A. Mozart: Sonata em Sib Maior, K. 333 – I))

Os conceitos de estabilidade, digressão e força cinética (momentum) correspondem às funções harmônicas representadas, respectivamente, pela tônica, subdominante e dominante. Função na Harmonia Outro elemento importante na Teoria das Funções Primárias é o fato de que duas tríades, subdominante (IV grau harmônico) e dominante (V grau harmônico), têm a capacidade de definir um centro tonal independentemente da ordem em que são ouvidas. Utilizadas em seguida uma à outra, estas duas tríades eliminam todos os centros tonais possíveis, menos um (Exemplo 1-4).

(Exemplo 1-4)

Juntamente com a própria tônica (I grau harmônico), as tríades de subdominante e dominante perfazem as três funções primárias, sendo as tríades com as maior capacidade de definir claramente uma tonalidade. Embora a

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tonalidade possa ser estabelecida pela justaposição das três tríades em qualquer ordem, quando as tendências naturais das funções melódicas são respeitadas, o resultado é a progressão tonal mais forte de todas (Exemplo 1-5).

(Exemplo 1-5)

Acordes Substitutos Outras tríades – além da tônica, subdominante e dominante – são vistas como acordes substitutos, possuindo o mesmo papel funcional que cada uma das três tríades primárias: Função Tônica Subdominant

e Dominante

Tríades Primárias

I IV V

Tríades Secundárias (Acordes Substitutos)

vi (ou iii) ii (ou vi) viiº (ou iii)

A Tríade Sobre a Mediante Alguns autores vêem como uma deficiência da Teoria das Funções Primárias o fato de que enquanto as tríades formadas sobre o vi, ii e viiº graus possuem clara função de acordes substitutos, o iii é funcionalmente ambíguo. Por um lado, a tríade sobre a mediante contém o VII grau melódico da escala, de caráter instável. Por outro lado, esta sensível é equilibrada com o intervalo de 5ªJ em relação à fundamental do acorde (Exemplo 1-6).

(Exemplo 1-6)

Para a Teoria das Funções Primárias, prevalecem as progressões fortes, como IV-V-I e I-IV-V, na estrutura harmônica da música tonal, enquanto outras progressões que contém acordes substitutos podem aparecer freqüentemente. A seguinte progressão, por exemplo, tem o potencial de estabelecer a tonalidade sem que contenha nenhuma das tríades de função primária (Exemplo 1-7).

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(Exemplo 1-7)

No Exemplo 1-8 abaixo (do qual as notas estranhas aos acordes foram omitidas), nota-se o movimento de acordes construído consistentemente pela presença dos acordes de funções primárias justapondo-se aos substitutos. Pode-se observar, também, que as tríades de tônica, subdominante e dominante iniciam e finalizam a passagem.

(Exemplo 1-8: J. S. Bach, harmonização coral, An Wasserflüssen Babylon)

O Exemplo 1-9 mostra um trecho no qual os acordes de função primária e seus substitutos são arpejados. Note-se que nem este exemplo nem o anterior apresentam a ambígua tríade sobre a mediante.

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(Exemplo 1-9: F. Schubert, Valsa, notas ornamentais omitidas)

A Teoria das Funções Primárias é importante para entendermos que as tríades cumprem certos papéis gerais na progressão harmônica. Um ponto fraco deste enfoque, contudo, é que enquanto a função das tríades primárias está clara, a função das tríades substitutas – em particular, a tríade de iii grau – é bastante vaga. Uma segunda teoria da tonalidade, na qual as tríades são classificadas com maior precisão, necessita ser precedida por um estudo sobre a relação entre as fundamentais de acordes. 1.1.2.2. Movimentos entre fundamentais de acordes2 A principal diferença entre uma progressão e uma sucessão de acordes repousa naquilo que Jean Philippe Rameau chamou de basse-fondamentale (baixo fundamental). Além de ser um compositor muito importante na música francesa da primeira metade do século XVIII, Rameau (1863-1764) foi um grande teórico da música. Seu Tratado de Harmonia (1722) discute a importância de uma linha de baixo não escrita que consiste da fundamental de cada acorde utilizado na progressão. Rameau chamou este procedimento de baixo fundamental. Conforme pode ser visto no Exemplo 1-10, algumas vezes o baixo fundamental coincide e outras vezes não coincide com o baixo real escrito na música.

2 O ponto de vista de Schoenberg (1911) sobre o mesmo assunto pode ser encontrado a partir da p. 13; a visão de Piston (1941) encontra-se a partir da p. 32 desta apostila (N. do T.).

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(Exemplo 1-10: J. S. Bach, harmonização coral, Werde munter, meine Gemüte)

A força de uma progressão de acordes, sua capacidade de definir a tonalidade, depende amplamente do movimento de fundamentais de acordes. No Exemplo 1-11 abaixo, o acorde final é o objetivo da progressão – seu ponto de chegada. Mesmo se outro acorde, que não a tônica, finalizasse a progressão, a tonalidade de Dó Maior estaria claramente definida.

(Exemplo 1-11: progressão em Dó Maior)

A série de acordes do Exemplo 1-12 é uma sucessão harmônica. Embora inicie e finalize na tônica e contenha as tríades diatônicas da escala, não há um sentido de tonalidade muito definido. O acorde final é enfatizado devido à sua duração e posição. Contudo, o efeito de tonalidade, de ter-se alcançado uma meta definida, está ausente. Se um outro acorde que não a tônica finalizasse a passagem, a tonalidade seria ainda mais vaga.

(Exemplo 1-12)

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Mesmo que as tríades utilizadas do Exemplo 1-12 pertençam à escala diatônica de Dó Maior, o seu efeito tonal é completamente diferente do apresentado no Exemplo 1-11. A diferença quanto à força tonal não reside nas tríades em si mesmas, mas na ordem em que aparecem no contexto musical. Classificação dos movimentos entre fundamentais O movimento da fundamental de uma tríade para a fundamental da tríade seguinte é classificado em uma das seguintes categorias: conforme o intervalo (segunda, terça ou quinta) e conforme a direção do movimento (ascendente ou descendente), sendo que qualquer movimento entre fundamentais de acordes pode ser classificado em uma destas categorias. Um movimento de quarta ascendente entre fundamentais produz as mesmas tríades que um movimento de quinta descendente, assim ambos são classificado como movimento de quinta descendente. Da mesma forma, fundamentais que se distanciam por um intervalo de sétima descendente são classificadas como movimento de segunda ascendente. A classificação do movimento de fundamentais é apresentada no quadro abaixo:

No Exemplo 1-13 (que mostra as linhas do baixo fundamental dos exemplos 1-11 e 1-12, respectivamente), podem ser percebidas diferenças importantes nos movimentos de fundamentais.

(Exemplo 1-13)

No Exemplo 1-11, em que a tonalidade está bem estabelecida, o movimento de fundamentais ocorre principalmente por quintas descendentes3. 3A teoria de Rameau define três categorias de movimentos entre fundamentais: 1. movimentos fortes: enlace de quinta e terça descendente entre fundamentais de acordes; 2. movimentos fracos: enlace

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As quintas descendentes A música ocidental tem por base fenômenos naturais e psicológicos: a oitava, a série harmônica, a tríade e a escala. A esta lista deve ser adicionado o fato de que movimentos consistentes entre fundamentais de acordes por quintas descendentes produz um efeito tonal impossível de ser obtido em outros encadeamentos harmônicos. O fato de que uma progressão de quintas descendentes (juntamente com outros elementos) tem o poder de definir a tonalidade é a base para outra importante teoria da tonalidade: a Classificação de Acordes. 1.1.2.3.Teoria da Classificação de Acordes4 A Teoria da Classificação de Acordes originou-se do trabalho de Allen McHose, cujo texto A Técnica Contrapontístico-Harmônica do Século XVIII (1947) representa um estudo definitivo das harmonizações corais de J. S. Bach. Após extensivo estudo das obras de Bach e outros compositores do Período da Prática Comum, McHose concluiu que os acordes se movimentam em direção à tônica em progressões ordenadas com base no intervalo de quinta descendente.

(Exemplo 1-14)

A teoria de McHose sobre a tonalidade está baseada na classificação das tríades de acordo com a distância de cada tríade da escala com relação à tônica em uma série de progressões relacionadas por quintas. Quanto mais distante da tônica, mais alta a numeração na classificação do acorde. A tríade de dominante, distante da tônica por apenas uma quinta, é classificada como um acorde de classe primária. Os acordes de primeira classificação progridem naturalmente à tônica porque contém a sensível.

de terça ou quinta ascendente entre fundamentais; 3. movimentos super-fortes: enlace de fundamentais de acordes por grau conjunto, ascendente ou descendente. Estes movimentos classificados como sendo super-fortes dependem, na verdade, do contexto harmônico em que aparecem. Assim, no encadeamento I-IV-V-I, o movimento de segunda do IV para o V grau é um movimento forte (caracterizando uma progressão), visto que está respeitando a seqüência funcional tônica-subdominante-dominante-tônica (chamada por Rimsky-Korsakov de cadência composta); já nos encadeamentos ii-iii-IV ou IV-V-vi há um sentido de sucessão harmônica, ou seja, o movimento é fraco, pois no primeiro caso tem-se a seqüência subdominante-dominante-subdominante e no segundo caso a tônica relativa, que aparece após a dominante, frustra a forte expectativa de resolução no I grau. Por estas razões, é preferível chamarmos estes enlaces de segundas (ascendentes ou descendentes) entre fundamentais de movimentos neutros, visto que dependem do contexto em que ocorrem (N. do T.). 4 O ponto de vista de Kostka & Payne (1989) sobre este tópico pode ser encontrado a partir da p. 21 desta apostila (N. do T.).

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(Exemplo 1-15)

Distante por duas quintas a partir da tônica, a tríade do ii grau é classificada como um acorde de classe secundária5; este acorde geralmente progride em direção à dominante.

(Exemplo 1-16)

A tríade do vi grau (distante da tônica por três progressões) e a tríade sobre o iii grau (distante da tônica por quatro intervalos de quinta) formam a terceira e a quarta classificação, respectivamente6.

(Exemplo 1-17)

McHose não foi além da quarta classificação. Da mesma forma que ocorre na Teoria das Funções Primárias, seu ponto de vista inclui acordes que servem como substitutos na série de quintas. A tríade de subdominante Embora haja, na música da prática comum, o movimento que inicia na subdominante e progride em direção à tônica em um contexto dominado por tríades relacionadas por quintas, McHose considerou que a subdominante funciona principalmente como uma preparação para a dominante. Enquanto a tríade de ii grau é o verdadeiro acorde de segunda classificação, o IV grau funciona como seu

5No original, a terminologia é a seguinte: first class chord, second class chord, etc. Como em português, a denominação acorde de primeira classe, ou acorde de segunda classe, traria um sentido valorativo, optou-se pela terminologia: acorde de classe primária ou acorde de primeira classificação (esta última também utilizada em inglês: second classification chord) – (N. do T.). 6Note-se que as tríades de classificação primária levam à tônica; as tríades de classe secundária levam às de classe primária; as tríades de terceira classificação levam às de classificação secundária e as tríades de quarta classificação levam às de terceira.

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substituto7. Ambas as tríades estão incluídas na segunda classificação. Assim como na Teoria das Funções Primárias, a progressão IV-V-I e a progressão ii-V-I têm a mesma (ou quase a mesma) força tonal. A tríade sobre o viiº grau Mais do que seguir o iii grau como uma quinta classificação, a tríade sobre o viiº grau funciona freqüentemente como um acorde de primeira classe – uma preparação para a tônica (pois possui a sensível). Da mesma forma que na Teoria das Funções Primárias, as tríades sobre o V e sobre o viiº graus são consideradas como equivalentes em sua função: ambas estão incluídas como acordes de classe primária na Teoria da Classificação de Acordes. A classificação completa das tríades diatônicas de acordo com seus papéis funcionais está apresentada abaixo: Classificação das Tríades Diatônicas

4ª classe

3ª classe

2ª classe

1ª classe

tônica

iii vi ii, IV V, viiº I Um modo conveniente de interpretar a classificação de acordes é como um círculo de quintas. A tônica – a tríade que gera estabilidade – está colocada no alto do círculo, as outras tríades progridem no sentido horário ao redor da tônica. Uma vez que a tônica foi alcançada, qualquer outra tríade pode seguir em frente; quando houver um afastamento, o retorno à tônica deve ocorrer, geralmente, através de progressões harmônicas, ou seja, conforme a ordem das classificações. 7É interessante notar aqui o quanto a prática musical de cada cultura define a respectiva classificação das funções harmônicas: para Hugo Riemann (autor da teoria da harmonia funcional no meio musical germânico), o ii grau da escala é o substituto do IV grau – note-se que na música alemã o IV grau é mais importante do que o ii. Para o norte-americano Allen McHose, o IV grau não passa de um substituto do ii grau – na música norte-americana, em especial no jazz, o grau mais utilizado com função de subdominante é o ii7 (N. do T.).

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TÔNICA

V, viiº [1ª classe

ii, IV [2ª

classe]]

iii [4ª

classe]

vi [3ª

classe]

Visto que o sistema de classificação de acordes proposto por McHose permite uma classificação da função das tríades com grande precisão, pressupõe dois tipos de exceções – casos em que dois acordes não progridem em uma série de quintas. 1. Elisão – a elisão é uma progressão comum na qual uma ou mais classificações são omitidas na relação entre os acordes: Ex.: omissão da 2ª classe: vi - V - I; iii - vi - viiº - I 3ª 1ª 4ª 3ª 1ª 2. Retrogradação – ocorre quando os acordes se movem a partir de classificações mais baixas em direção a classes mais altas: Ex.: V - vi; ii - V - IV 1ª 3ª 2ª 1ª 2ª

2.1.3. Resumo O estabelecimento de uma tonalidade depende tanto de princípios melódicos quanto harmônicos. Certos graus das escalas possuem tendências ativas e cumprem um papel fundamental na definição da tônica como ponto de estabilidade. A partir de um ponto de vista harmônico, as tríades são consideradas como tendo funções básicas – em um sentido geral conforme a Teoria das Funções Primárias, ou de acordo com a hierarquia mais específica da Classificação de Acordes. Embora estas teorias difiram em alguns aspectos, elas não se originaram de meras especulações casuais, mas são o resultado de pesquisas com base tanto no fenômeno acústico quanto nos procedimentos habituais encontrados na prática dos compositores do período tonal, podendo, por isto mesmo, servir como princípios para o entendimento do sistema musical que buscam explicar.

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1.2. SOBRE OS MOVIMENTOS ENTRE FUNDAMENTAIS8

Vejamos como se dão as sucessões9 de fundamentais. Como se pode notar, o movimento mais enérgico entre fundamentais é o salto de quinta descendente (ou quarta ascendente), visto que parece corresponder a uma necessidade do próprio som. Neste salto ocorre a seguinte mudança harmônica (Exemplo 2-1):

(Exemplo 2-1)

O som que era mais forte no primeiro acorde (a fundamental) se converte em som mais fraco no segundo acorde (a quinta)10; o baixo do segundo acorde é uma categoria superior, uma força superior, visto que contém em si o som que era anteriormente a fundamental. Ao analisarmos a relação entre os dois acordes, percebemos que no acorde de sol maior predomina a nota sol, porém no acorde de dó maior predomina a nota dó, enquanto que a nota sol é um som subordinado. Uma passagem harmônica originada desta forma constitui-se em um movimento forte, visto que a nota dó não somente subordina a fundamental do acorde anterior como também exige que os componentes restantes daquele acorde se adaptem às novas condições e o novo acorde, livre da fundamental anterior, não contém nada que lembre sua soberania. Pode-se, então supor que todos os movimentos entre fundamentais que produzam resultados similares são tão fortes quanto este. O movimento mais semelhante ao descrito anteriormente é o movimento de terça descendente (ou sexta ascendente) entre fundamentais (Exemplo 2-2).

8Este texto é uma livre tradução do capítulo VII: Algunas Indicaciones para obtener buenas sucesiones, in: SCHOENBERG, 2004 (N. do T.). 9Schoenberg não utiliza os conceitos antagônicos de progressão harmônica e sucessão harmônica. Sendo assim, utiliza muitas vezes o termo sucessão para aquilo que atualmente chamaríamos de progressão (cf. Henry, p. 4 desta apostila): para o autor, sucessão é sinônimo de encadeamento, ou seja, não possui nenhuma conotação qualitativa do movimento harmônico (N. do T.). 10Note-se que na formação da tríade, existe uma hierarquia entre os sons: a fundamental é a nota mais forte da tríade porque é o ponto de partida para a sua formação; a terça da tríade é sua nota de valor intermediário (sendo menos importante que a fundamental e mais importante que a quinta), visto que caracteriza o modo do acorde (maior ou menor); a quinta é a nota mais fraca da tríade porque, em última análise, não é mais do que uma ressonância da fundamental. Na teoria de Schoenberg, porém, a quinta assume uma importância maior do que a terça, como será visto a seguir (N. do T.).

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(Exemplo 2-2)

Aqui ocorre o seguinte: a primeira fundamental é superada, convertendo-se na terça no novo acorde. Da mesma forma, a terça do primeiro acorde converte-se em quinta no segundo, crescendo em importância11. Por outro lado, o segundo acorde se diferencia do primeiro graças somente a um novo som. Este som é a fundamental do novo acorde, porém o movimento completo de um acorde a outro não pode ser considerado como sendo tão forte quanto o salto de quinta descendente, pois o novo acorde lembra demasiadamente a antiga soberania, possui duas das notas do acorde anterior. Desta forma, esta é uma das sucessões mais fortes entre acordes (sendo, porém, menos forte do que o movimento de quinta descendente), como se pode deduzir do fato de que duas sucessões iguais deste tipo dão o mesmo resultado que um salto de quinta descendente (Exemplo 2-3)

(Exemplo 2-3)

Um pouco mais complicada é a análise dos movimentos de segunda entre fundamentais, tanto ascendentes quanto descendentes. Há muitas razões pelas quais poderíamos considerar estes encadeamentos como sendo as sucessões mais fortes entre fundamentais, porém sua utilização na prática musical não corresponde a esta classificação. Ao estudarmos a estrutura desta sucessão e a composição dos dois acordes, coloca-se em relevo que todos os sons constituintes do primeiro acorde foram superados: todos os sons são diferentes no segundo acorde. Neste aspecto, esta sucessão vai além das que foram consideradas até o momento, pois produz o encadeamento entre acordes que não têm nada em comum, nem mesmo a mínima afinidade. Esta sucessão reforça o encadeamento harmônico, o que explica a forma curiosa como a teoria antiga a explicava12: como soma de duas sucessões, das quais uma, a principal, era um salto de quinta descendente entre as fundamentais. Isto significa que o encadeamento V-VI seria o mesmo que V-III-VI (Exemplo 2-4a) e V-IV seria o mesmo que V-I-IV (Exemplo 2-4b)13.

11Note-se aqui a importância maior dada à quinta do que à terça (N. do T.). 12 Schoenberg refere-se, aqui, à teoria do baixo fundamental de Rameau (N. do T.). 13Como vários teóricos de sua época, Schoenberg não diferencia o tipo dos acordes na cifrarem do grau, assim escreve I grau, II grau ou III grau tanto para tríades maiores como para menores (N. do T.).

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(Exemplo 2-4)

A sucessão do Exemplo 2-4a, do V grau para o VI grau seria, conforme a teoria antiga, a sucessão III-VI, na qual a fundamental do primeiro acorde estaria suprimida. Da mesma forma, na sucessão V-IV, o I grau (com a fundamental e a terça suprimidas) cumpriria o mesmo papel do III grau no primeiro caso. Esta concepção tem muitos elementos em seu favor e se adapta perfeitamente à teoria de um sistema expositivo da harmonia, a qual somente cumpre seu objetivo se conseguir justificar os fenômenos musicais com coerência lógica abrindo amplas perspectivas e eliminando toda a exceção, por ser supérflua. Porém, tal explicação, além de ser muito convincente, nos diz algo mais sobre o assunto. Quase poderíamos crer que os antigos, instalados junto à fonte que gerou a harmonia e que, por assim dizer, a viram crescer, sabiam que esta sucessão era realmente uma soma e utilizaram tal adição como abreviatura, como signo taquigráfico14, para objetivos bem conhecidos como, por exemplo, a cadência interrompida. Se for realmente assim, esta interpretação seria mais que uma teoria, seria um documento musicológico. O caso de encontrarmos somente dois acordes em lugar de três, perfeitamente explicável como abreviatura, ocorre freqüentemente. Por exemplo, na dominante da dominante, onde existem dois acordes entre esta e o acorde final (V/V[-I64 -V]-I; Exemplo 2-5a), os acordes intermediários podem ser omitidos, movimentando-se diretamente da dominante da dominante para a tônica (Exemplo 2-5b).

(Exemplo 2-5)

Este fato ocorre também em razão da padronização típica das cadências, porém em outro sentido: uma expressão idiomática fixa não necessita ser escrita por inteiro (como todos sabem que “p. ex.” significa “por exemplo” não há porque 14Note-se a quantidade de figuras metafóricas utilizadas pelo autor. O Tratado de Harmonia de Schoenberg tem sido bastante criticado por suas incursões literárias, sendo a mais conhecida aquela em que compara o acorde de sétima diminuta com um andarilho errante, cosmopolita e apátrida que se aburguesou no final da vida (N. do T.).

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escrever sempre a expressão por extenso). Todos os ouvintes sabem que o II grau como dominante da dominante, em determinadas passagens e com determinados meios, deve ser seguido pelo I grau após passar por I64 e V. Desta forma, podem ser eliminados os membros intermediários, fazendo com que o efeito siga imediatamente à sua causa. Assim deve suceder aqui: tendo-se presente o efeito padronizado, o costume eliminou o supérfluo. Além do mais, na música há muitos outros exemplos de tais abreviaturas. A concepção do encadeamento entre fundamentais por segundas como soma ou como abreviatura justifica a aversão que os compositores antigos tinham de comparar este encadeamento com outras sucessões de acordes, sendo que aparece em suas obras com este sentido. Se uma determinada sucessão fosse o movimento mais forte, deveria ter um papel distinto na determinação tonal, na cadência. Porém, o papel mais importante neste campo é cumprido pelo movimento de quintas descendentes entre as fundamentais (V-I). O encadeamento IV-V não é, em hipótese alguma, insignificante, mas pode ser substituído sem problemas pelo movimento II-V, afirmação que não pode ser feita para o movimento V-I (torna-se mais fraco o movimento ao substituí-lo por VII-I). A superação da região harmônica de subdominante pela região de dominante parece um encadeamento auxiliar se comparada com o movimento V-I, que significa uma conclusão definitiva. Da mesma forma, a cadência interrompida é uma meio enérgico de introduzir um fenômeno secundário: cria a conexão necessária para continuar com uma digressão. A cadência interrompida atua sempre em um ponto secundário, ou para introduzir um elemento secundário. De qualquer forma, o movimento de segundas entre fundamentais é uma sucessão forte, ou até muito forte, visto que soma duas sucessões fortes. Porém, resulta demasiadamente forte para o uso cotidiano. Poderíamos chamar de muito forte a esta sucessão ou, se chamamos de ascendentes as sucessões fortes, poderíamos chamar a esta sucessão de salto, com a qual expressaríamos seu caráter de abreviatura. Nos dá uma nova luz pensar que as sucessões fortes (ou ascendentes) juntamente com as sucessões fracas (ou descendentes) são sempre admiráveis como elementos de potência média, enquanto que para utilizar sucessões fortíssimas (ou de salto) é necessário que ocorra uma causa especial. Aqui, como em toda parte, não se pode identificar a força bruta como sendo a mais eficaz. Às sucessões que ainda restam estudar, aquelas de quinta ou terça ascendente, chamo de sucessões fracas (ou descendentes). Nelas as coisas ocorrem da seguinte forma: o movimento de quinta acima (Exemplo 2-6a) permite a um som de importância secundária converter-se em som fundamental: a quinta do acorde anterior prospera e se converte em fundamental do novo acorde. Poder-se-ia objetar que esta prosperidade é a testemunha da força do recém chegado e que a fundamental é aqui superada. Porém este é um fenômeno de decadência, visto que a força do recém chegado se converte aqui em perda de força da nova fundamental, em uma perda de poder por parte da fundamental, visto que ela já contém a quinta em uma espécie de benevolência, como se o leão oferecesse sua amizade à lebre. Isto torna-se ainda mais evidente no movimento de terças ascendentes entre fundamentais. Aqui a terça do primeiro acorde, seu som mais fraco, converte-se na fundamental, sendo que o novo acorde somente se diferencia do anterior por um único som, a quinta (Exemplo 2-6b). Esta parece ser a sucessão relativamente mais fraca, o que talvez também dependa do fato de que duas sucessões semelhantes deste tipo cheguem ao mesmo resultado que um movimento de quinta ascendente (Exemplo 2-6c).

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(Exemplo 2-6)

Já que foram classificadas diferenças tão marcantes entre sucessões fortes e sucessões fracas, convém notar que não se trata de empregar sempre sucessões fortes. Se as sucessões fracas fossem ruins, sua utilização deveria ser completamente excluída. Prefiro, para não originar equívocos com a terminologia, utilizar os termos movimento ascendente (para os enlaces de quinta e terça para baixo e de segunda em qualquer direção) em vez de forte, e movimento descendente (para os encadeamentos de terça ou quinta para cima) em vez de fraco15. Com isto se quer expressar o objetivo para onde se encaminha cada um destes dois grupos. Que existe tal objetivo na condução harmônica é evidente, pois a articulação de um período musical exige, assim como na língua falada, quedas e subidas de tom e mudanças de acentuação. A utilização de sucessões descendentes é, pois, um meio menos artístico que o uso de sucessões ascendentes16. Como aqui não estamos nos ocupando das articulações da forma musical, na disposição das fundamentais iremos preferir incondicionalmente as sucessões ascendentes, enquanto que as descendentes serão utilizadas especialmente naqueles enlaces nos quais o resultado geral é ascendente. Deste modo, se um movimento de quinta acima é seguido de outro movimento de segunda também acima, o resultado final é um movimento de sexta (terça abaixo), ou seja, ocorre um movimento ascendente (ou forte) na harmonia (Exemplo 2-7a). O mesmo ocorre se um encadeamento de terça acima é seguido por outro de quarta acima (Exemplo 2-7b) ou de segunda acima (Exemplo 2-7c).

15Esta nomenclatura escolhida por Schoenberg, apesar de ser esclarecedora do movimento harmônico, pode gerar confusões visto que os encadeamentos de fundamentais por intervalos descendentes (de terça e quinta) geram os movimentos harmônicos ascendentes (por serem os movimentos mais fortes, há um forte direcionamento harmônico que o autor prefere chamar de ascendente para não criar a diferenciação valorativa entre forte e fraco); já os encadeamentos entre fundamentais por intervalos ascendentes (de terça e quinta) geram os movimentos harmônicos descendentes (por serem movimentos harmônicos mais fracos, Schoenberg prefere chamá-los de descendentes) – (N. do T.). 16Esta afirmativa somente é verdadeira quando referente ao estudo da música tonal, onde um expoente do discurso musical é a forte direcionalidade do movimento harmônico. Na música de compositores do final do século XIX e início do século XX – como Satie, Debussy ou Stravinsky, ou na música de jazz norte-americana, há um retorno ao caráter modal e, com isto, a intenção de evitar a direcionalidade tonal. A obra do próprio Schoenberg evita a direcionalidade tonal (ou a uni-direcionalidade tonal) em função da multi-direcionalidade apresentada pelo atonalismo schoenberguiano (ou pantonalismo, como preferia o próprio compositor). Se estes aspectos forem levados em conta, perceber-se-á que o princípio do predomínio dos movimentos fortes somente é válido para a determinação de um tipo específico de movimento harmônico, não podendo ser utilizado como um critério de valoração estética (N. do T.).

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(Exemplo 2-7)

O resultado dará a impressão de que o acorde intermediário foi incluído somente por razões melódicas. Resumindo brevemente: os enlaces de fundamentais que devem ser utilizados para obter forte condução tonal no movimento harmônico, sem levar em conta a possibilidade de alcançar outros resultados por meios rítmicos ou melódicos, são: quinta abaixo, terça abaixo e segunda abaixo ou acima (estas em determinados contextos); As sucessões descendentes (quinta e terça acima) somente deverão ser utilizados em encadeamentos nos quais o resultado final for um movimento ascendente, conforme visto no Exemplo 2-7. Naturalmente, estas indicações não garantem necessariamente uma boa sucessão harmônica (veja-se o Exemplo 2-8a), nem, de forma alguma, esgotam as possibilidades das boas seqüências de acordes. Antes de mais nada, não implicam uma valoração, mas somente a caracterização da eficácia. Como já foi dito, são possíveis boas movimentações harmônicas com combinações de movimentos ascendentes e descendentes e, inclusive uma combinação de movimentos descendentes pode possuir eficácia musical (Exemplo 2-8b). De qualquer forma, o estudante, que tem em seu próprio ouvido um guia seguro que o possibilita julgar por si mesmo todo o novo efeito, estará seguro atendo-se a estas indicações, pois elas quase sempre garantem bons resultados e somente como exceção resultam em maus encadeamentos, enquanto que a escolha casual de movimentos harmônicos geralmente resulta em realizações ineficazes.

(Exemplo 2-8)

No Exemplo 2-8a ocorrem somente movimentos ascendentes e, sem dúvida, o resultado não é totalmente perfeito (do ponto de vista harmônico, visto que sempre poderia existir uma linha melódica muito bem realizada que invalidaria tudo o que foi prescrito aqui unicamente do ponto de vista da harmonia), pois a sucessão de tantos movimentos ascendentes resulta forçosamente monótona, fria. É necessário buscar alguma variedade, ou seja, evitar sucessões demasiadamente regulares, misturando freqüentemente o movimento conjunto e o movimento disjunto no encadeamento entre as fundamentais. Isto porque um encadeamento que contém somente

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movimentos disjuntos seria, do ponto de vista estritamente harmônico, defeituoso por ser demasiadamente mecânico (Exemplo 2-9a, b e c).

(Exemplo 2-9)

Neste ponto nos encontramos na segunda condição exigida para a obtenção de frases bem construídas: a variedade. É impossível falar da variedade sem tratar da sua condição oposta – a repetição, pois a primeira traz consigo a multiplicidade, enquanto a segunda oferece coerência, sentido, sistema. O sistema e a ordenação somente podem apoiar-se na repetição. Para fazer uso da repetição, encontram-se poucas ocasiões. Um dos poucos casos em que a teremos em conta para um objetivo de construção harmônica – que se relaciona com a construção temática, mas não exige necessariamente um tema – é o caso da progressão. Procuraremos evitar as demais repetições, ou pelo menos ocultá-las (especialmente aquelas que ocorrem nas vozes extremas – baixo e soprano). Privar-nos-emos, assim, de momento, de tirar as vantagens que traz a repetição consigo. A repetição de sons não resulta tão ruim quanto a repetição constante dos mesmos movimentos entre fundamentais. A repetição de notas no baixo pode, inclusive, não perturbar se sobre estas notas se constroem diferentes acordes. Se entre estes acordes se intercalam um número suficiente de outros acordes, a repetição de notas não prejudica a construção da frase, sendo que a pior forma de repetição ocorre quando o som mais agudo ou mais grave de uma linha melódica (seu ponto culminante superior ou inferior) se alcança mais de uma vez. É necessário dar especial atenção a estes dois pontos culminantes. Praticamente toda a melodia alcança estes pontos, sendo que o mais agudo é mais raramente repetido (o que não significa que a repetição de pontos culminantes seja ruim em todas as circunstâncias: no lied Mit dem grügen Lautenbande de Schubert, por exemplo, ocorrem repetições desta ordem por razões expressivas). É necessário insistir que estas diretrizes não podem ser tomadas como regras para julgar o valor artístico de uma obra. São somente critérios gerais a serem observados, que servirão para melhorar os resultados dos trabalhos de harmonia. O estudante fará bem se tiver paciência em seguir estas indicações até que o seu sentido da forma esteja suficientemente desenvolvido.

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Sugestões para a utilização dos movimentos entre fundamentais: 1. Os movimentos ascendentes (ou fortes) entre fundamentais – quinta ou terça abaixo – podem ser utilizados sempre, levando-se em conta a necessidade de evitar qualquer repetição mecânica; 2. Os movimentos descendentes (ou fracos) – quinta ou terça acima – serão empregados, como foi indicado no Exemplo 2-7, somente quando resultem em uma sucessão ascendente; 3. Os movimentos por salto (ou fortíssimos) serão utilizados com cuidado, mas não se excluem dos encadeamentos.

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1.3. PROGRESSÃO HARMÔNICA17

1.3.1. Diferentes tipos de progressão harmônica Antes de iniciar a compor música tonal com características convincentes, ou desenvolver qualquer conhecimento sobre análise harmônica, é necessário saber quais são as sucessões de acordes mais freqüentes na harmonia tonal e quais são as menos comuns. Porque certas sucessões de acordes parecem “progredir”, mover-se em direção a um objetivo, enquanto outras tendem a vagar, deixar nossas expectativas incompletas? Compare as duas progressões do Exemplo 3-1. A primeira foi composta seguindo os princípios que serão discutidos neste capítulo, mas os acordes da segunda foram selecionados ao acaso. Enquanto o exemplo escolhido casualmente possui certo frescor, não há dúvidas de que o primeiro soa mais característico da harmonia tonal. Este capítulo irá explorar este fenômeno, mas antes é necessário voltarmo-nos a um tópico que concerne tanto à melodia quanto à harmonia.

(Exemplo 3-1)

Um dos meios mais importantes utilizados para alcançar unidade na música tonal é através da utilização de seqüência, um padrão melódico que é repetido imediatamente na mesma voz iniciando cada repetição em um grau diferente da escala. Uma seqüência tonal irá manter o padrão melódico em uma única tonalidade, o que significa que irão ocorrer modificações quanto à qualidade dos intervalos (maior, menor, justo), como no Exemplo 3-2a. Em uma seqüência modulatória, como no Exemplo 3-2b, ocorrem transposições do padrão para novas tonalidades.

17Este texto é uma livre tradução do capítulo 6: Harmonic Progression, in: KOSTKA & PAYNE, 1989 (N. do T.).

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(Exemplo 3-2)

Há quatro seqüências em sete compassos e meio no Exemplo 3-3. As seqüências A, B e D são seqüências modificadas, porque o padrão melódico não permanece idêntico em cada membro da seqüência. A seqüência C é uma é uma seqüência real visto que mantém exatamente o padrão original.

(Exemplo 3-3: J. S. Bach, Partita n.º 2, Gigue)

Todas as seqüências do Exemplo 3-3 são descendentes, ou seja, o padrão melódico é abaixado em sua altura em cada ocorrência. Seqüências ascendentes também podem ocorrer, como no Exemplo 3-4.

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(Exemplo 3-4: G. F. Handel, Messias, For unto us a child is born)

A seqüência no excerto de Handel envolve não somente a melodia, mas também a harmonia. A seqüência harmônica é:

I – IV – ii – V – iii – vi – IV - V Uma seqüência pode ser melódica, harmônica ou ambas simultaneamente. Um padrão de seqüência harmônica bastante comum é: I - V - vi - iii - IV - I

Esta seqüência forma a base para o famoso Cânone de Pachelbel:

(Exemplo 3-5: J. Pachelbel, Cânone em Ré)

O padrão de seqüência harmônica mais importante para o estudo das progressões harmônicas é a progressão do círculo das quintas (também chamada de ciclo de quintas), a qual consiste de movimentos de fundamentais relacionados

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por quintas descendentes (ou quartas ascendentes). A maioria das quintas (ou quartas) serão justas, porém se a progressão permanece por algum tempo, uma quinta diminuta poderá aparecer (ex. 6)18.

(Exemplo 3-6)

Progressões deste tipo geralmente aparecem em conexão com seqüências melódicas, como no Exemplo 3-7.

(Exemplo 3-7: A. Vivaldi, Concerto Grosso Op. 3, n.º 11, I)

Enquanto os acordes no Exemplo 3-7 estão todos em estado fundamental, se alguns ou todos fossem invertidos, a progressão ainda estaria contendo uma seqüência harmônica com base no círculo de quintas. Visto que a progressão de fundamentais por quintas descendentes (ou quartas ascendentes) é tão básica na harmonia tonal, será utilizado o círculo de quintas para demonstrar como os acordes diatônicos são utilizados na música tonal. Iniciaremos com a mais forte de todas as progressões, a progressão V-I. OS ACORDES DE I E V GRAUS O objetivo último de qualquer peça tonal é concluir na tônica, sendo esta tríade geralmente o objetivo de muitas das subdivisões formais de uma composição. A tríade de tônica é mais freqüentemente precedida por um acorde de V (ou V7), sendo que seria seguro afirmar que V7 e I são, juntos, os elementos essenciais de uma obra tonal. Não é difícil encontrar exemplos nos quais a harmonia consiste somente de acordes de I e V graus por vários compassos, como no Exemplo 3-8, o qual foi composto por Mozart quanto tinha a idade de quinze anos.

18 O ponto de vista de Aldwell (1978) sobre o assunto encontra-se na p. 43 desta apostila (N. do T.)

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(Exemplo 3-8: W. A. Mozart, Sinfonia K. 114, III)

O ACORDE DE II GRAU Se estendermos nossa progressão do círculo de quintas do final para o início, em um passo atrás a partir do acorde de V, teremos a seguinte progressão:

Este diagrama ilustra a função mais comum do ii grau ao progredir em direção ao V e do V em direção ao I. A linha pontilhada após o I indica que se a peça continuasse, o acorde de I grau poderia ser seguido por qualquer outro acorde. Muitas frases contém somente uma progressão I-ii-V-I. O Exemplo 3-9 mostra uma estrutura típica de soprano e baixo para este tipo de progressão.

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(Exemplo 3-9)

Toque o Exemplo 3-9 e compare com a versão de Beethoven desta progressão no Exemplo 3-10. Aqui Beethoven utiliza um acorde ii65 em lugar de ii6.

(Exemplo 3-10: L. v. Beethoven, Minueto)

O ACORDE DE VI GRAU Mais um passo para trás no círculo de quintas traz o acorde de vi grau:

Se os acordes forem colocados em estado fundamental, esta progressão ilustra um padrão de baixo ostinato geralmente encontrado em canções populares. Toque o Exemplo 3-11 e perceba como soa familiar.

(Exemplo 3-11)

A mesma progressão, mas em modo menor, é encontrada no Exemplo 3-12. Como será demonstrado mais adiante, as funções dos acordes em modo menor são quase idênticas àquelas em maior.

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(Exemplo 3-12: G. Verdi, La forza del destino, Ato II – redução para piano e voz)

O ACORDE DE III GRAU Outra quinta para trás nos traz o acorde de iii grau, bastante distante da tríade de tônica.

Estudantes de harmonia geralmente acreditam que o acorde de iii grau é freqüentemente encontrado e que eles deveriam incluir pelo menos um acorde de iii grau em cada exercício. Este não é exatamente o caso, pelo menos no modo maior. Quando um III grau melódico é encontrado na linha do baixo, o acorde sobre este baixo é quase sempre um I6, e não um iii. O acorde de iii pode ocorrer ocasionalmente. Quando este acorde segue a progressão descendente de quintas naturais, pode dirigir-se ao vi, como no Exemplo 3-13. A utilização de III em modo menor será discutida mais adiante.

(Exemplo 3-13: J. S. Bach, O Ewigkeit, du Donnerwort)

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O ACORDE DE VII GRAU Continuando o círculo de quintas de trás para a frente, a partir do iii grau surge o acorde de viiº grau. Mesmo podendo ocorrer a progressão viiº-iii em passagens seqüenciais, o uso mais típico do acorde de viiº grau é geralmente como substituto do V. Desta forma, o objetivo mais comum do viiº quando ocorre fora de seqüências do círculo de quintas não é o iii, mas o I grau.

Se o acorde de viiº e V graus são utilizados próximos um ao outro, o acorde de V grau normalmente segue o de viiº, visto que o acorde de V grau possui uma sonoridade mais forte. A utilização mais comum do viiº grau ocorre em primeira inversão entre duas tríades de tônica em diferentes posições: I-viiº6-I6, ou I6-viiº6-I (Exemplo 3-14).

(Exemplo 3-14: G. F. Handel, Messias)

O ACORDE DE IV GRAU Está ainda faltando em nosso diagrama o acorde de IV grau, o qual se encontra à distância de 5ªJ abaixo da tônica. O acorde de IV grau é um acorde interessante porque possui três funções comuns. Em alguns casos, o acorde de IV grau encaminha-se ao acorde de I grau, na chamada progressão plagal19 (como em IV-I). Mais freqüentemente, o IV está ligado ao ii: pode substituir o ii (dirigindo-se diretamente para V ou viiº; como em IV-V-I, ou IV-viiº6-I), ou pode ser seguido pelo ii (como em IV-ii-V). Estas três utilizações do acorde de IV grau estão sintetizadas no diagrama de acordes apresentado abaixo.

19Note-se que o movimento IV-I não seria uma progressão no sentido de Earl Henry. Para este autor, conforme já foi visto, progressão harmônica e sucessão harmônica têm sentidos diferentes, sendo que a primeira implica em um movimento harmônico fortemente direcionado, com tendência tonal bem definida, o que lhe confere o caráter tonal; já a sucessão harmônica implica em um movimento harmônico flutuante, sem direcionalidade definida, que possui uma caráter modal. Como a própria expressão diz, uma sucessão plagal (no sentido recém exposto não seria uma progressão) tem um caráter modal (N. do T.).

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No Exemplo 3-15, o acorde de IV grau aparece em uma progressão plagal. O acorde de I64 no último compasso indica que as notas da tríade de tônica estão presentes neste ponto. Contudo, a chave ligando I64 e V significa que todas as notas que estão sob a chave funcionam como V. O acorde de I64 é, na verdade, uma espécie de ornamento harmônico (um acorde apojatura) geralmente chamado de acorde cadencial de quarta e sexta.

(Exemplo 3-15: J. Haydn, Sonata n.º 35, II)

Mais adiante, na mesma sonata, o acorde de IV grau é utilizado em sua função de preparar a dominante (Exemplo 3-16).

(Exemplo 3-16: J. Haydn, Sonata n.º 35, III)

2.3.2. Exceções comuns O diagrama de acordes mostrado anteriormente inclui todas as tríades diatônicas e apresenta um quadro razoavelmente preciso das progressões de acordes mais comuns encontradas na música tonal. Porém, para tornar este mapa de funções de acordes mais completo, precisamos incluir três exceções freqüentemente encontradas, com relação aos princípios discutidos acima. 1. V-vi (a progressão deceptiva) 2. vi-V (eliminando IV ou ii) 3. iii-IV (provavelmente tão comum quanto iii-vi)

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Estas adições estão incluídas no diagrama apresentado abaixo, o qual pode ser considerado completo em tonalidades maiores. Lembre-se de que a linha pontilhada após o acorde de I grau significa que qualquer acorde pode segui-lo.

2.3.3. Diferenças no modo menor

Muitos acordes funcionam da mesma maneira tanto em modo maior quanto em menor. Contudo, a tríade de mediante, tão raramente encontrada no modo maior, é um acorde comum no modo menor: esta tríade representa a tonalidade relativa maior, e a música em tonalidade menor possui a tendência marcada em se movimentar nesta direção. Adicionalmente, as variantes encontradas nos VI e VII graus melódicos produzirão, ocasionalmente, acordes com qualidades e funções diferentes daquelas encontradas mais freqüentemente. As mais importantes destas funções são as seguintes: 1. A tríade maior formada sobre o VII grau da escala natural, soa da mesma forma que a dominante na tonalidade relativa maior, ou seja, é a V/III (dominante da relativa). 2. A tríade menor formada sobre o V grau da escala natural geralmente aparece como v6, após a qual o VII grau melódico natural se dirige para o VI grau melódico natural, geralmente como parte do acorde de iv6 (este movimento ocorre normalmente no enlace: i6-v6-iv6). A primeira destas possibilidades está incluída no diagrama de acordes apresentado a seguir.

A segunda possibilidade, v6-iv6, está ilustrada no Exemplo 3-17.

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(Exemplo 3-17: J. S. Bach, Als vierzig Tag’ nach Ostern)

2.3.4. Conclusão Os dois últimos diagramas de acordes apresentados anteriormente são um tanto complexos, porém ambos têm por base a progressão do círculo de quintas. Procure manter estes princípios em mente e, ao mesmo tempo, esteja consciente de que Bach ou Beethoven não faziam uso de diagramas como estes. Eles viveram e respiraram a harmonia do estilo tonal e não necessitavam das informações contidas nestes diagramas. Ao contrário, os diagramas representam normas de práticas harmônicas observadas por teóricos nas obras de grande número de compositores tonais através dos anos. Não representam regras universais e imutáveis, são apenas diretrizes práticas que servem para analisar e compor música com características tonais.

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1.4. PROGRESSÃO HARMÔNICA NO MODO MAIOR20 A progressão harmônica é um dos principais recursos para alcançar coerência na música tonal. O termo não implica somente que um acorde é seguido por outro, mas que esta sucessão deve ser controlada e ordenada. No Período da Prática Comum alguns acordes foram mais utilizados do que outros, também as formas como os acordes são encadeados seguem certos princípios. Em qualquer progressão, é geralmente certo que a escolha das notas dos acordes individualmente é de menor importância do que as relações de duas fundamentais entre si e com a escala à qual pertencem. As relações entre os acordes e as escalas são geralmente classificadas de acordo com a posição do acorde na escala, identificado pelo grau da escala que funciona como sua fundamental. Em outras palavras, o grau da escala identifica a função do acorde. Assim, a progressão harmônica pode ser expressa como movimento de fundamentais, sendo representada pelos numerais romanos que indicam os graus da escala sobre os quais os acordes são construídos.

2.3.1. Tabela de progressões de fundamentais usuais21 As generalizações seguintes têm por base a observação de sua utilização por parte dos compositores do Período da Prática Comum (ou período tonal). Não são propostas como um conjunto de regras estritas para serem seguidas rigidamente. I é seguido por IV ou V, às vezes por VI, menos freqüentemente por II ou III; II é seguido por V, às vezes por IV ou VI, menos freqüentemente por I ou III; III é seguido por VI, às vezes por IV, menos freqüentemente por I, II, ou V; IV é seguido por V, às vezes por I ou II, menos freqüentemente por III ou VI; V é seguido por I, às vezes por IV ou VI, menos freqüentemente por II ou III; VI é seguido por II ou V, às vezes por III ou IV, menos freqüentemente por I; VII é seguido por I ou III, às vezes por VI, menos freqüentemente por II, IV ou V. É importante levar em conta as diferentes qualidades destas progressões, estas qualidades não podem ser facilmente descritas verbalmente. Em um primeiro passo na comparação destas progressões de fundamentais, pode-se dividi-las em três categorias: a. movimento de fundamentais por quarta ou quinta (quinta descendente ou quinta ascendente); b. movimento de fundamentais por terça ou sexta (terça descendente ou terça ascendente); c. movimento de fundamentais por graus conjuntos (ou por sétima). Tríades com fundamentais distantes de um intervalo de quarta ou quinta têm uma nota comum. De longe, a relação mais importante é a progressão V-I, geralmente considerada como sendo a relação harmônica mais forte na música tonal. Pode-se sentir facilmente a potência desta progressão tocando somente o baixo (Exemplo 4-1). 20Este texto é uma livre tradução do capítulo Harmonic progression in the major mode: principles of voice leading, in: PISTON, 1941 (N. do T.). 21 A visão de Rimsky-Korsakov (1886) sobre este tópico encontra-se a partir da p. 36 (N. do T.).

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(Exemplo 4-1)

Outras progressões em que as fundamentais se movem por quinta descendente (ou quarta ascendente) parecem ter um efeito similar, porém de menor efeito (Exemplo 4-2).

(Exemplo 4-2)

O movimento de fundamentais por quinta acima (ou quarta abaixo) provoca o efeito inverso ao das progressões anteriores. A comparação demonstra como seus efeitos são diferentes. A progressão IV-I é a mais importante destas, agindo como um contrapeso com relação ao enlace V-I (Exemplo 4-3).

(Exemplo 4-3)

Tríades que possuem as fundamentais distantes por terça têm duas notas comuns ou, em outras palavras, diferenciam-se somente por uma nota. Visto que estes movimentos envolvem pouca mudança, estas progressões são consideradas mais fracas do que aquelas que envolvem movimentos por quintas. Em modo maior, uma progressão de fundamentais por terça significa a mudança de uma tríade maior para uma tríade menor, ou vice-versa. Quando a fundamental move-se à distância de terça ascendente, a fundamental do segundo acorde acabou de ser ouvida como a terça do primeiro acorde – o que torna este movimento mais fraco; quando a fundamental desce uma terça, a fundamental do segundo acorde é uma nota que ainda não foi ouvida – perfazendo um movimento mais forte (Exemplo 4-4).

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(Exemplo 4-4)

Quando as fundamentais se movimentam por graus conjuntos, o segundo acorde irá constituir-se de um novo grupo de notas, assim irá produzir o efeito de introduzir uma nova cor harmônica. As progressões por graus conjuntos são consideradas como sendo fortes, embora nem sempre com a mesma potencialidade; as progressões fortes IV-V e VI-V, por exemplo, são freqüentemente encontradas no Período da Prática Comum, enquanto que movimentos de II-I, relativamente fracos em posição fundamental, são raramente utilizados22 (Exemplo 4-5). O movimento de fundamentais por sétima é normalmente considerado como sendo movimento com base em seu intervalo complementar, o grau conjunto, na direção oposta. Da mesma forma, o movimento de fundamentais por sexta compara-se ao movimento por terça23.

(Exemplo 4-5)

Em exercícios em posição fundamental, movimentos de fundamentais por intervalos mais amplos do que a quinta não são normalmente realizados, com exceção da oitava, que é geralmente utilizada para proporcionar um novo espaçamento das vozes. A descrição comparativa de movimentos de fundamentais não pode ser considerada nem prescritiva (uma regra a ser seguida) nem exaustiva. Desta forma, as progressões fracas não podem ser consideradas como sendo “indesejáveis”, porque formam um importante recurso para obter contraste. De qualquer forma, as progressões fortes são utilizadas mais freqüentemente do que as progressões fracas na música tonal. Por outro lado, a utilização de tipos diversos de movimentos entre fundamentais ocorre em passagens distintas e deve ser compreendida em cada contexto musical. Para obter um bom sentido de como estas progressões soam, assim como para perceber o quanto são similares ou diferentes, seria útil tocá-las repetidamente 22Este fato confirma a classificação, proposta anteriormente, dos movimentos entre fundamentais por graus conjuntos como sento movimentos neutros, ou seja, dependem do contexto em que aparecem (N. do T.). 23Conforme já foi mencionado anteriormente, tanto o movimento de terça descendente quanto o intervalo de sexta ascendente entre fundamentais gera o mesmo acorde. Por exemplo, os movimentos de sexta ascendente e de terça descendente a partir da fundamental do acorde de Dó Maior, irão produzir o mesmo acorde de lá menor.

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ao piano (ou em outro instrumento qualquer), em posições abertas e cerradas, em vários espaçamentos imagináveis e em várias tonalidades. Conforme se vai adquirindo maior domínio da sonoridade de cada progressão, vai-se tornando mais fácil incorporá-la satisfatoriamente nos trabalhos escritos.

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1.5. UTILIZAÇÃO DOS ACORDES DA ESCALA DIATÔNICA24

Acorde perfeito sobre o I grau (tônica) 1) sua função é de repouso e estabilidade, sendo geralmente utilizado em início e final de frases: I-vi-ii-IV-V7-I. 2) este acorde pode ser utilizado em qualquer posição (estado fundamental, primeira ou segunda inversão); sua utilização em estado fundamental ou em primeira inversão é completamente livre, já em segunda inversão pode ser de dois tipos: a) como acorde cadencial de quarta e sexta - funciona como um acorde apojatura que antecede a dominante na cadência perfeita: I64 -V-I; b) como acorde de passagem: geralmente ocorre na passagem de uma subdominante em estado fundamental para outra em primeira inversão, ou vice-versa: IV-I64 -IV6; IV6- I64 -IV; Obs.: o acorde de I grau em segunda inversão também pode ocorrer em contextos nos quais o baixo permanece estático: V-I64 -iii6; iii6-I64 -V; 3) o acorde perfeito sobre o I grau geralmente é seguido pelos acordes formados sobre o IV, II ou VI graus, sendo alcançado a partir dos acordes formados sobre o V ou o VII graus, sendo este último geralmente em primeira inversão: I-vi-V-I; I-IV-V-I; I-ii-V-I; I-vi-viiº6-I; I-IV- viiº6-I; I-ii- viiº6-I. Acorde perfeito sobre o IV grau (subdominante) 1) sua função é de movimento, de afastamento da tônica em direção à dominante, sendo um acorde intermediário entre estas duas funções; 2) pode ser utilizado em qualquer posição (estado fundamental, primeira ou segunda inversão), sendo que quando ocorre em segunda inversão, o baixo deve ser alcançado por grau conjunto ou permanecer estático: ii-IV6

4 ; I-IV64 -vi6;

3) o acorde perfeito sobre o IV grau geralmente é alcançado a partir do acorde de I grau em estado fundamental ou em primeira inversão, do acorde de VI grau em estado fundamental ou em primeira inversão, ou a partir do acorde de II grau, sendo normalmente seguido pelo acorde de V grau: I-IV-V; I6-IV-V; vi-IV-V; vi6-IV-V; ii-VI-V; Acorde perfeito sobre o V grau (dominante) 1) este acorde atua com função de tensão e suspensão harmônica, exigindo a resolução na tônica: V-I; 2) pode ser utilizado em qualquer posição, sendo que quando é apresentado como acorde de quarta e sexta (segunda inversão), o baixo deve movimentar-se por graus conjuntos ou permanecer estático: iii-V6

4 -I; vi6-V64 -I6; ii-V6

4 -viiº; 3) este acorde é freqüentemente utilizado com sétima (tétrade), sendo possível ser encontrado em qualquer posição; quando a sétima estiver no baixo (posição de segunda), é necessário resolvê-lo no acorde de tônica em primeira inversão: V2-I6;

24Este texto é uma tradução sintética do capítulo II Armonización con acordes encuadrados dentro de una misma tonalidad, in: RIMSKY-KORSAKOV, 1949 (N. do T.).

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4) quando a dominante apresenta a sétima, cria-se o fenômeno das notas atrativas, o trítono entre a terça e a sétima do acorde (na tonalidade de Dó Maior: si-fá); as notas atrativas exigem dupla resolução: a terça da dominante resolve ascendentemente na fundamental do acorde de tônica, a sétima da dominante resolve descendentemente na terça do acorde de tônica, em qualquer voz na qual apareçam – por isto o acorde de V2 deve resolver em I6 para, assim, resolver corretamente a sétima; 5) o acorde de V grau geralmente ocorre após as tríades formadas sobre o IV ou o II graus em estado fundamental ou em primeira inversão, após o VI grau em estado fundamental, ou pelo I grau em segunda inversão; é seguido pelo I grau em estado fundamental ou em primeira inversão ou pelo VI grau em estado fundamental (tanto o acorde de V grau quanto os acordes que lhe antecedem podem aparecer em qualquer posição, desde que haja uma boa condução de vozes); os movimentos mais comuns são: IV-V-I; IV6-V7-I; IV-V-vi; ii-V7-I; ii6-V-I; ii-V-vi; vi-V-I; I64 -V7-I; Acorde de quinta diminuta sobre o VII grau 1) este acorde é geralmente utilizado em primeira inversão (posição de sexta - viiº6); 2) utiliza-se com qualidade harmônica de dominante; 3) é normalmente colocado depois do acorde perfeito de IV grau em estado fundamental e resolve no acorde de tônica em primeira inversão: IV-viiº6-I6; 4) duplica-se normalmente a terça (ou, às vezes, a quinta) deste acorde; 5) no modo maior é utilizado para harmonizar o segundo tetracorde da escala em movimento ascendente ou nas cadências substituindo o V grau;

(Exemplo 5-1)

(Exemplo 5-2)

6) no modo menor se utiliza igualmente para harmonizar o segundo tetracorde em movimento ascendente, o que exige a alteração ascendente do sexto grau melódico da escala, fazendo com que o acorde de subdominante torne-se uma tríade maior: i-IV-viiº6-i.

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(Exemplo 5-3)

7) tanto no modo maior quanto no modo menor o segundo tetracorde ascendente pode ocorrer em uma única voz ou passar de uma voz para outra. 2. Acorde menor de II grau em estado fundamental ou em primeira inversão 1) o acorde de II grau se emprega com qualidade harmônica de subdominante; 2) seu emprego em estado fundamental ocorre somente no modo maior, colocando-se depois do acorde perfeito de I grau em primeira inversão, ou depois dos acordes perfeitos sobre o IV ou o VI graus; dirige-se para o acorde perfeito de dominante em estado fundamental ou em primeira inversão, ou para o acorde de quarta e sexta sobre o I grau. Assim, temos os seguintes encadeamentos possíveis: I6-ii-V6; IV-ii-V6; vi-ii-V6; I6-ii-V;IV-ii-V; vi-ii-V; I6-ii- I64 -V; IV-ii- I64 -V; vi-ii- I64 -V;

(Exemplo 5-4)

3) o acorde de sexta (primeira inversão) sobre o II grau se utiliza tanto no modo maior quanto no modo menor, com qualidade harmônica de subdominante, depois do acorde perfeito de I grau em estado fundamental ou sua primeira inversão, depois dos acordes formados sobre o IV ou sobre o VI graus; dirige-se para o acorde de V grau em estado fundamental ou para o acorde de quarta e sexta do I grau. Em modo menor: i-iiº6-V; iv- iiº6-V; VI-iiº6-V; i-iiº6-i64 -V; iv-iiº6-i64 -V; VI-iiº6-i64 -V;

(Exemplo 5-5)

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3) é comum a duplicação da fundamental ou da terça do acorde de sexta sobre o II grau, porém quando este ocorre antes do acorde cadencial de quarta e sexta é necessário duplicar a terça para evitar quintas ou oitavas paralelas.

(Exemplo 5-6)

Acorde perfeito sobre o VI grau em estado fundamental 1) o acorde perfeito em estado fundamental de VI grau se coloca normalmente depois do acorde perfeito de I grau em estado fundamental; pode ser seguido pelo acorde de V ou IV em estado fundamental, ou pelo acorde de II grau em estado fundamental ou em primeira inversão: I-vi-V; I-vi-IV; I-vi-ii; I-vi-ii6;

(Exemplo 5-7)

2) no modo menor, o encadeamento do acordes formados sobre o VI e sobre o V graus somente é possível se for duplicada a terça do acorde de VI grau para evitar o intervalo melódico de segunda aumentada em uma das vozes; movimentos comuns encontrados no modo menor: i-VI-V; III-VI-iv; i-VI6-iv; i-IV6-V6; i-IV6-viiº;

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(Exemplo 5-8)

Acorde perfeito sobre o III grau em estado fundamental no modo maior 1) é utilizado para harmonizar o segundo tetracorde em movimento descendente na melodia superior;

(Exemplo 5-9)

2) utiliza-se o acorde perfeito em estado fundamental sobre o III grau depois do acorde perfeito do I grau em estado fundamental ou em primeira inversão e depois do acorde perfeito formado sobre o VI grau em estado fundamental (com os quais se enlaça harmonicamente); 3) seguem-se ao acorde do III grau: a acorde perfeito em estado fundamental formado sobre o VI grau, ou o acorde perfeito em estado fundamental do IV grau (com o qual se enlaça melodicamente); 4) usos mais freqüentes: I-iii-vi; I6-iii-IV; vi-iii-IV;

(Exemplo 5-10)

Acorde perfeito sobre o III em estado fundamental da escala menor natural 1) utiliza-se o acorde perfeito sobre o III grau no modo menor para harmonizar o movimento descendente do segundo tetracorde na voz superior (o resultado é a chamada cadência frígia);

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(Exemplo 5-11)

2) coloca-se o acorde formado sobre o III grau da escala menor natural depois do acorde perfeito de I grau em estado fundamental ou em primeira inversão, como também depois do acorde perfeito em estado fundamental do VI grau; segue-se ao acorde do III grau da escala menor o acorde menor de subdominante: i-III-iv-V; i6-III-iv-V; VI-III-iv-V.

(Exemplo 5-12)

Acorde perfeito em estado fundamental sobre o VII grau da escala menor natural 1) utiliza-se para harmonizar o segundo tetracorde em movimento descendente da escala menor natural no baixo (chamado de cadência frígia de segunda espécie);

(Exemplo 5-13)

2) coloca-se após o acorde de I grau em estado fundamental e é seguido pelo acorde de sexta (primeira inversão) sobre o IV grau (nestes encadeamentos é necessário ter-se cuidado para evitar a falsa relação que pode ocorrer entre a nota melódica do VII grau, que ocorre natural e alterada ascendentemente – em lá menor: sol e sol#; para evitar problemas é necessário que uma das vozes realize um salto de quarta descendente): i-VII-iv6-V;

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(Exemplo 5-14)

3) quando este tipo de encadeamento de acordes não se dirige à cadência, mas ocorre no interior de uma frase, chama-se sucessão frígia (ou movimento frígio).

(Exemplo 5-15)

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1.6. TÉCNICAS DE ENCADEAMENTO DE ACORDES25

2.6.1. Progressões por quintas e terças

1. O Princípio de quintas descendentes A progressão harmônica básica dá-se por movimento de quintas, tanto que

podemos formar uma sucessão harmônica lógica organizando um grupo de tríades na ordem de quintas descendentes entre suas fundamentais. De fato, algumas vezes encontramos as sete tríades dispostas da seguinte forma: I-IV-VII-III-VI-II-V-I. Quando esta progressão completa ocorre em uma composição, algumas das quintas descendentes irão aparecer invertidas como quartas ascendentes para manter a linha de baixo em um registro cômodo. Quando ocorre o ciclo completo de quintas descendentes, ocorre uma quinta diminuta: em modo maior, entre IV e VII graus; em modo menor, entre VI e II graus. Quando se evita a quinta diminuta por meio de alterações, tonalidades distantes podem aparecer, fazendo com que a progressão não conduza de volta à tônica. Em uma cadeia de quintas descendentes, alguns acordes podem ser mais importantes do que outros. No exemplo de Handel abaixo, os acordes mais enfatizados são o I (início do movimento, mais cheio), III (registro mais grave, retorno à nota inicial da linha melódica) e o padrão cadencial II-V-I (final do movimento, registro grave, maior atividade rítmica). Os outros acordes não aparecem com o mesmo grau de importância: IV e VII formam apenas uma transição para I e III; VI leva, a partir do III, em direção à cadência final.

(Exemplo 6-1: G. F. Handel, Suite n.º 7, Passacaglia)

A técnica de progressões por quintas descendentes é uma das mais utilizadas

e mais importantes na música tonal. Variantes deste procedimento podem acomodar tríades invertidas e acordes de sétima (no caso de Handel, o II grau ocorre como um acorde de sétima).

25 Este texto é uma livre tradução dos capítulos Chord Techniques e Diatonic Sequences do livro Harmony and Voice Leading, in: ALDWELL, 1978 (N. do T.).

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2. O princípio de quintas ascendentes

Progressões por quintas ascendentes ocorrem muito menos freqüentemente

do que as descendentes, cumprindo um papel de menor importância na música tonal. A progressão ascendente completa – I-V-II-VI-III-VII-IV-I – é, virtualmente, sem valor tonal, pois os acordes próximos ao final não estabelecem a tônica como um objetivo a ser alcançado. Contudo, fragmentos desta progressão podem produzir encadeamentos convincentes entre outros acordes que não a tônica. As duas possibilidades mais importantes são I-V-II-VI-III em modo maior, e III-VII-IV-I-V em modo menor, como mostra o Exemplo 6-2 26. O exemplo de Bach mostra as duas primeiras frases do coral. O movimento de quinta ascendente conduz a partir do III grau (tonicizado na primeira frase) em direção ao V cadencial.

(Exemplo 6-2: J. S. Bach, Coral 265)

3. Movimentos de baixo por terças Dois exemplos importantes desta técnica são: I-VI-IV (ou: I-VI-II6) e I-III-V.

Progressões destes dois tipos conectam os acordes por meio de arpejos no baixo. Visto que no encadeamento I-III-V, a fundamental de cada novo acorde já havia sido apresentada no acorde anterior, o impacto de chegada no novo acorde é

26 Note-se que ambos os exemplos evitam as tríades diminutas sobre o VII grau em modo maior, e sobre o II grau em modo menor.

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enfraquecido. Por esta razão, esta sucessão harmônica raramente ocorre na música tonal, sendo mais comum aparecerem os acordes IV ou II6 entre os acordes III e V. Assim, a progressão torna-se: I-III-IV-V, ou I-III-II6-V. Em progressões por arpejo de terças ascendentes formadas sobre outros graus da escala, os acordes intermediários geralmente aparecem como dominantes secundárias, como no caso de II-IV-VI, que pode aparecer como: II-V7/IV-IV-V7/VI-VI.

Um exemplo interessante de movimento por terças descendentes ocorre no final da Mazurca Op. 24, n.º 4 de Chopin (Exemplo 6-3), onde o baixo realiza o movimento V-III-I. O processo como um todo gera um arpejo sobre o I grau. O III grau entre V e I (na passagem I-III-V) ocorre às vezes antes de seções de recapitulação ou nas reexposições de sonatas, porém sua utilização no final de peças é bastante incomum.

(Exemplo 6-3: F. Chopin, Mazurka, Op. 24/4)

Um movimento mais amplo de terças descendentes ocorre na seguinte frase do Coral 101 de Bach (Exemplo 6-4). Neste caso, o baixo movimenta-se à distância de nona descendente de I para V6. Notas de passagem geram uma linha de baixo que se movimenta completamente por graus conjuntos, porém a organização em terças pode ser claramente percebida. Conforme mostram as ligaduras conectando os numerais romanos, o movimento de nona descendente está dividido em dois estágios pelo acorde de Mib Maior (IV grau). Este acorde é enfatizado pela sua posição métrica e pela mudança de nota na melodia superior. No primeiro estágio, a tríade de VI grau conecta I e IV; no segundo estágio, o acorde sobre o II grau conecta IV e V6.

(Exemplo 6-4: J. S. Bach, Coral 101)

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4. Acordes construídos sobre a quinta superior O Exemplo 6-5 apresenta uma bela cadência composta por Chopin. Uma interpretação literal do primeiro compasso como V-II-V7 seria correta, porém não esclarece o sentido do II grau neste ponto. Este acorde não cumpre a sua função usual de conduzir à dominante, pois aparece depois de ter sido introduzido o V grau cadencial. De qualquer forma, este II grau não soa como uma entidade harmônica específica, mas como o resultado de um movimento de expansão do V grau. Deste modo, aquele acorde pode ser entendido como a quinta superior do acorde sobre o V grau, alcançada por meio de um arpejo no baixo – que se movimenta da fundamental para a quinta e volta à fundamental do acorde de V grau. Esta interpretação é reforçada pelo fato de que, enquanto o baixo se movimenta entre as notas do acorde de V grau, a melodia superior dirige-se à terça superior para introduzir a sétima da dominante.

(Exemplo 6-5: F. Chopin, Mazurca, Op. 17/3)

A cadência de Chopin apresenta um bom exemplo do princípio no qual nem todo o acorde pode ser tomado como uma entidade harmônica independente. A possibilidade de acordes funcionarem como parte de outros acordes expandidos, como neste caso, deve ser levada em conta na análise harmônica. Este princípio pode, naturalmente, ser aplicado a outros acordes. 5. Acordes construídos sobre a terça superior Uma frase de outra mazurca de Chopin (Exemplo 6-6) mostra a progressão

de um acorde de Si maior a um acorde de Ré# menor, retornando a Si maior no início da frase seguinte. Neste caso, uma análise literal (tomando os acordes como I-III-I, em Si maior) seria deficiente para a compreensão do sentido específico do encadeamento harmônico. Assim como o acorde sobre o II grau no exemplo anterior, o acorde de III grau, neste caso, será melhor compreendido como o resultado de um movimento interno no acorde de Si maior, desta vez entre a fundamental e a terça do acorde. Este fato leva à compreensão do acorde de III grau como uma versão estendida da harmonia de tônica, ou seja, como uma versão da tríade de tônica em primeira inversão: I6. A utilização do III grau como a terça superior da harmonia de I grau (ou do IV grau como a terça superior da harmonia de II grau) representa uma função importante dos acordes. Os compositores do século XIX algumas vezes escreviam tríades em estado fundamental que se moviam para frente e para trás com as fundamentais distantes entre si pelo intervalo de terça, tais

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como II-IV-II ou IV-VI-IV. Este tipo de oscilação entre dois acordes não foi usual na música do século XVIII.

(Exemplo 6-6: F. Chopin, Mazurka, Op. 41/2)

1.6.2. Seqüências diatônicas Funções Compositivas 1. Repetição Um dos elementos mais importantes, tanto no plano compositivo quanto na

forma, é a repetição de estruturas melódicas ou harmônicas. Se estas repetições ocorrem em diferentes graus da escala, o resultado é a seqüência. A permanência das mesmas idéias musicais (algumas vezes com pequenas variantes) estabelece uma conexão entre o início e o final de uma passagem em seqüência, criando a possibilidade de expansão das várias técnicas de estruturação harmônica.

2. Progressões diatônicas As seqüências harmônicas podem variar em muitos aspectos – algumas

utilizam somente tríades, outras utilizam acordes de sétima, dominantes secundárias, e assim por diante. Algumas seqüências são diatônicas, outras utilizam elementos cromáticos; algumas permanecem na mesma tonalidade, outras são modulantes – quando os padrões são repetidos dentro de uma mesma tonalidade, os acordes e intervalos mudam necessariamente de qualidade (maiores, menores, etc.).

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1.6.2.1. Classificação das seqüências A maior parte das seqüências diatônicas pertence a uma das seguintes categorias: a) Seqüências com quintas descendentes; b) Seqüências com quintas ascendentes; c) Seqüências utilizando a técnica de quinta e sexta ascendente; d) Seqüências por terças descendentes (técnica de quinta e sexta

descendente). O Exemplo 6-7 apresenta estes tipos básicos em textura a quatro vozes:

(Exemplo 6-7)

Cada um destes tipos básicos de seqüência pode cumprir várias funções na

estrutura musical, dependendo de como é utilizado pelo compositor. As progressões do exemplo anterior ilustram, de forma abstrata, três importantes funções da seqüência:

a) pode ser utilizada para formar uma transição entre o início e o final de um movimento harmônico; esta talvez seja a sua função mais freqüente. Nos exemplos 6-7b e 6-7d, as seqüências conduzem da tônica inicial para o III grau e para o IV grau, respectivamente;

b) pode conter em si tanto a transição quanto o objetivo final, como na progressão de quintas descendentes do Exemplo 6-7a, a qual se

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movimenta da tônica inicial, através de acordes intermediários, ao padrão cadencial II-V-I (enfatizado aqui por valores rítmicos mais amplos);

c) pode ser utilizada para expandir um acorde específico – geralmente a tônica; no Exemplo 6-7c a seqüência expande a tônica inicial (movimentando de I para I6), na progressão I-II-V-I.

As seqüências freqüentemente contém um movimento proeminente em graus

conjuntos no baixo ou no soprano – às vezes em ambos simultaneamente. Este componente por graus conjuntos possibilita à seqüência cumprir sua função básica: a transição entre dois pontos relativamente estáveis.

3. Condução de vozes Normalmente, todas as vozes sobre um baixo seqüencial estão compostas

em seqüência. Este fato apresenta um problema no tratamento de quintas e oitavas, pois devem ser evitadas as quintas e oitavas paralelas que enfraqueceriam a individualidade das vozes. Outro problema que pode surgir é o dobramento da sensível quando todas as vozes são compostas seqüencialmente – o que é perfeitamente aceitável quando não conduz a um acorde de tônica. 1.6.2.2. Seqüências em modo menor

1. Movimento descendente Nem toda a seqüência diatônica que funciona bem em modo maior, pode ser

utilizada com eficácia em modo menor. Dois fatores limitam as possibilidades de tratamento seqüencial em modo menor: a tríade diminuta sobre o II grau da escala e as dificuldades em alcançar a sensível a partir do VI grau. As seqüências formadas por quinta descendente e por tratamento de quinta e sexta descendente são as mais fáceis de serem utilizadas. Em seqüências completas de quintas descendentes, iniciando e terminando no I grau, o VII grau melódico não necessita ser alterado ascendentemente até o momento de chegada no acorde cadencial de dominante (Exemplo 6-8). Em uma seqüência de quintas descendentes, a tríade diminuta sobre o II grau ocorre de modo satisfatório, formando parte do padrão cadencial II-V-I, soando naturalmente ao ser alcançada a partir do VI grau.

(Exemplo 6-8: G. F. Handel, Royal Fireworks Music, Bourrée) Na progressão de quinta e sexta, a forma natural da escala menor é utilizada

no baixo (Exemplo 6-9). Esta progressão também apresenta poucos problemas quando conduzida descendentemente a partir da tônica. A chegada ao II grau, contudo, é menos convincente do que no movimento descendente por quintas.

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Geralmente, os acordes VII6 ou II7 são utilizados no lugar da tríade em estado fundamental sobre o II grau, quebrando, desta forma, o movimento seqüencial para resolver um problema maior – a progressão harmônica.

(Exemplo 6-9: G. F. Handel, Concerto Grosso Op. 6 N.º 12, Allegro)

2. Movimento ascendente a partir do I grau

Em modo menor, é muito mais difícil alcançar um resultado satisfatório no

movimento ascendente do que no movimento descendente, quando ocorre a partir da tônica. Isto acontece em razão da tríade diminuta sobre o II grau. Em uma seqüência ascendente por quintas, o par de acordes II-VI pode ser abandonado para evitar o II grau. O Exemplo 6-10 ilustra esta técnica: o baixo se dirige ascendentemente do I para o IV grau (saltando o II), enquanto o soprano se movimenta em décimas sobre o baixo. No compasso 4, uma mudança de vozes entre soprano e baixo transforma IV em IV6; este conduz ao V grau em uma cadência frigia. O acorde maior sobre o V grau na segunda metade do primeiro compasso é bastante comum neste ponto, pois o VII grau melódico elevado intensifica a conexão com a tônica.

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(Exemplo 6-10: A. Corelli, Trio Sonata op. 4/8, Allemanda)

3. Movimento ascendente a partir do III grau

Este é o ponto mais freqüente de origem para seqüências ascendentes em

modo menor, sendo o mais fácil de utilizar, visto que as dificuldades com o II grau diminuto e com a sensível são improváveis. Devido à tendência do modo menor em gravitar em torno do III grau, o acorde sobre este grau situa-se como um início lógico para a seqüência, conforme ocorre no Exemplo 6-11, onde a progressão do III para o V é realizada por meio de movimentos de quinta ascendente. Movimentos por quinta ascendente não podem continuar além do V grau, visto que o próximo acorde seria a tríade diminuta sobre o II grau.

(Exemplo 6-11: G. F. Handel, Suite n.º 2, Adagio)

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Contudo, as séries de quinta e sexta ascendentes podem se estender até o VI grau (Exemplo 6-12a) ou, ainda, até o VII grau natural (Exemplo 6-12b) Os acordes serão exatamente os mesmos contidos entre I e IV ou V no relativo maior. Conseqüentemente, a definição tonal da progressão (levando ao I ou tonicizando o III) deve seguir o VI ou o VII grau.

(Exemplo 6-12)

4. Movimento ascendente a partir do V grau

O movimento melódico ascendente do segundo tetracorde da escala menor natural – do V ou VI ao I – é quase impraticável em um movimento diatônico. O VII grau melódico necessita ser elevado para conduzir satisfatoriamente à tônica, porém o VI grau elevado, alterado para evitar o movimento de segunda aumentada, produz dois acordes diminutos em encadeamento direto, uma combinação bastante desajeitada do ponto de vista tonal. Por esta razão, evitam-se seqüências entre V e I em modo menor.

Page 58: Teorias Movimento Harmonico

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2. BIBLIOGRAFIA GERAL SOBRE HARMONIA

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