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Sendas e Veredas da Semiótica Narrativa e Discursiva (Towards a Semiotics Theory) José Luiz FIORIN (Universidade de São Paulo) ABSTRACT: This work analyses the development of a recent discourse theory, namely French Semiotics. It refers to the principles that form the basis of that theory, its progress regarding the establishment of a meaning generative process, the course it has followed towards the complexification of the narrative level through a study of the modalizations of doing and being, ranging from the building up of theory concerned with the pragmatic dimension of the narrative to a theory focused on the cognitive and pathematic dimensions of the narrative. Furthermore, this work examines current paths of investigation which seek to analyse not only what underlies but also what goes on beyond discourse. In the first case, by means of the concepts of aesthesis, aspectualization and modulation, the recovering of the signification pre-conditions continuum in discourse is investigated; in the second case the problem of the relationship between the level of content and level of expression is examined. RESUMO: Este trabalho analisa o desenvolvimento de uma das teorias recentes do discurso: a Semiótica francesa. Mostra os princípios sobre os quais se constituiu, sua marcha no estabelecimento do percurso gerativo de sentido, os caminhos de complexificação do nível narrativo, com o estudo das modalizações do fazer e do ser, passando da constituição de uma teoria da dimensão pragmática da narrativa para a de suas dimensões cognitiva e patêmica. Em seguida, examina os caminhos atuais da investigação, em que se busca estudar um aquém e um além do percurso. Naquele, com os conceitos de estesia, aspectualização e modulação, investiga-se a recuperação no discurso do contínuo das pré-condições de significação; neste, examina-se o problema da relação entre plano do conteúdo e plano da expressão.

Sendas e Veredas Da Semiótica Narrativa e Discursiva

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Semiotica narrativa

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Sendas e Veredas da Semitica Narrativa e Discursiva

Sendas e Veredas da Semitica Narrativa e Discursiva (Towards a Semiotics Theory)

Jos Luiz FIORIN (Universidade de So Paulo)

ABSTRACT: This work analyses the development of a recent discourse theory, namely French Semiotics. It refers to the principles that form the basis of that theory, its progress regarding the establishment of a meaning generative process, the course it has followed towards the complexification of the narrative level through a study of the modalizations of doing and being, ranging from the building up of theory concerned with the pragmatic dimension of the narrative to a theory focused on the cognitive and pathematic dimensions of the narrative. Furthermore, this work examines current paths of investigation which seek to analyse not only what underlies but also what goes on beyond discourse. In the first case, by means of the concepts of aesthesis, aspectualization and modulation, the recovering of the signification pre-conditions continuum in discourse is investigated; in the second case the problem of the relationship between the level of content and level of expression is examined.

RESUMO: Este trabalho analisa o desenvolvimento de uma das teorias recentes do discurso: a Semitica francesa. Mostra os princpios sobre os quais se constituiu, sua marcha no estabelecimento do percurso gerativo de sentido, os caminhos de complexificao do nvel narrativo, com o estudo das modalizaes do fazer e do ser, passando da constituio de uma teoria da dimenso pragmtica da narrativa para a de suas dimenses cognitiva e patmica. Em seguida, examina os caminhos atuais da investigao, em que se busca estudar um aqum e um alm do percurso. Naquele, com os conceitos de estesia, aspectualizao e modulao, investiga-se a recuperao no discurso do contnuo das pr-condies de significao; neste, examina-se o problema da relao entre plano do contedo e plano da expresso.

KEY WORDS: Semiotics; Generative process; Passions; Semi-symbolism; Aspectualization; Modalization.

PALAVRAS-CHAVE: Semitica; Percurso gerativo; Paixes; Semi-simbolismo; Aspectualizao; Modalizao.

O caminhante faz seu caminho ao caminhar.

(Antnio Machado)

A Lingstica criou, a partir do sculo XIX, diferentes objetos tericos: a langue, a competncia, a variao, a mudana e o uso. Deste ltimo ocupam-se as diferentes teorias pragmticas, textuais e discursivas. Pode-se, com razo, perguntar se se trata de um objeto terico ou de mais de um, dado que essas diferentes teorias, aparecidas na segunda metade do sculo XX, investigam esse objeto com fundamentos tericos muito diversos, dialogam com quadros tericos muito diferentes (a lgica, a antropologia estrutural, as cincias cognitivas, a psicanlise lacaniana, o marxismo, etc.) e apresentam graus distintos de formalizao. Todos esses estudos, porm, tm algo em comum: ocupam o "vo entre pontos estveis", embaralham diferenas bem estabelecidas pelos estudos lingsticos anteriores (Barros, 1996: 184).

Abandonemos a pragmtica, para nos determos nas teorias do discurso e do texto. Cinco tm sido as orientaes tericas mais praticadas no Brasil: a Anlise do Discurso de linha francesa, a Anlise do Discurso de extrao anglo-sax, a Anlise da Conversao, a Lingstica Textual e a Semitica Narrativa e Discursiva, tambm de origem francesa. No objetivo deste texto estabelecer as diferenas entre as distintas teorias discursivas e textuais, mas buscar estabelecer, de maneira crtica, o percurso de uma delas: a Semitica Narrativa e Discursiva.

preciso alertar que o fazer terico da semitica aspectualizado imperfectivamente, o que significa que no constitui ela uma teoria pronta e acabada, mas um projeto, um percurso. No est facta, mas in fieri. Por isso, a todo momento, est repensando-se, modificando-se, refazendo-se, corrigindo-se. essa trajetria que vamos buscar.

Greimas comea sua obra fundadora, Semntica estrutural, mostrando que sendo a significao onipresente e multiforme (1973:15), a ponto de o mundo humano definir-se "essencialmente como um mundo de significao", de s poder "ser chamado `humano' na medida em que significa alguma coisa" (1973:11), o denominador comum das cincias humanas a pesquisa acerca da significao (1973:11). Diz ele que "se as cincias da natureza se indagam para saber como so o homem e o mundo, as cincias do homem, de maneira mais ou menos explcita, se interrogam sobre o que significam um e outro" (1973:11). Assim, o problema da significao central para as cincias humanas. Apesar disso, no se tinha, segundo ele, na poca, uma disciplina cientfica adequada para tratar dessa questo, dado que "a semntica foi sempre a parente pobre da lingstica" (1973:12). A lingstica, que "teve a possibilidade de aparecer como a disciplina mais bem situada" para estudar a significao (1973:11), mostrou-se "de maneira geral, mais que reticente, at mesmo hostil a toda pesquisa semntica" (1973:12). A semntica, cuja denominao s se forjou em fins do sculo XIX, diz Greimas, "foi precedida, no quadro do desenvolvimento da lingstica histrica, inicialmente pela fontica, mais aprimorada, e depois pela gramtica. Embora denominada e instaurada, a semntica procurou tomar emprestados seus mtodos quer da retrica clssica, quer da psicologia da introspeco" (1973:12). "A lingstica estrutural seguiu, no seu desenvolvimento, a mesma ordem de prioridade. A Escola de Praga fundamentou solidamente a fonologia; a Escola de Copenhagen, que a seguiu imediatamente, preocupou-se com a elaborao da teoria lingstica, que procurava aplicar renovao dos estudos gramaticais. O esquecimento da semntica patente e voluntrio" (1973:12-13), porque se discutiam as seguintes questes: se a semntica tem um objeto homogneo, se a significao se deixa analisar estruturalmente, enfim, se se pode considerar a semntica uma disciplina lingstica (1973:13).

Segundo Greimas, so trs os motivos que "explicam as reticncias dos lingistas em relao s pesquisas sobre a significao": "o retardamento histrico dos estudos semnticos, as dificuldades prprias definio do seu objeto e a onda de formalismo" (1973:13). preciso lembrar que o formalismo contra o qual se coloca Greimas o formalismo behaviorista, que distinguia forma de contedo. Como se vai verificar, Greimas acolher e operacionalizar a distino forma e substncia proposta por Hjelmslev (1968), bem como considerar formalismo diferente de formalizao, sendo esta uma atitude cientfica que visa a construir modelos formais para explicar os dados da experincia e, principalmente, que utiliza sistemas formais baseados numa axiomtica. Diz ele que a formalizao uma necessidade na elaborao de uma teoria cientfica.

Diante do fato de que o problema da significao central para as cincias humanas e de que no havia uma disciplina cientfica adequada para tratar da significao, Greimas props "refletir acerca das condies pelas quais seja possvel um estudo cientfico da significao" (1973:14). Em outras palavras, construir uma semntica. Essa semntica no seria uma semntica lgica, que se ocupasse do estudo das condies de verdade de uma frase, tendo em mira o exame dos aspectos vericondicionais de interpretao dos enunciados, ou seja, das condies requeridas para que os enunciados sejam verdadeiros. Ao contrrio, seria uma semntica lingstica, que se ocuparia da anlise da significao tal como fornecida pelo cdigo da lngua. A Semitica no se interessa pela verdade dos enunciados, mas por sua veridico, isto , pelos efeitos de sentido de verdade com os quais um discurso se apresenta como verdadeiro, falso, mentiroso, etc.

Essa semntica deveria ser gerativa, sintagmtica e geral. uma teoria sintagmtica, porque seu escopo estudar a produo e a interpretao dos textos. Aqui se produz o primeiro deslocamento produzido pela Semitica. Sua totalidade no o plano de contedo das lnguas naturais, mas o texto. Assim, no se interessa em detectar o conjunto de categorias responsveis pela criao dos sentidos das palavras de uma dada lngua, como postulava Hjelmslev (1991:111-127), mas as diferenas produtoras do sentido do texto.

geral, porque se interessa por qualquer tipo de texto, independentemente de sua manifestao. Postula que o contedo pode ser analisado separadamente da expresso, uma vez que o mesmo contedo pode ser veiculado por diferentes planos de expresso (por exemplo, uma negativa pode ser manifestada pela palavra no ou por um gesto da cabea ou do indicador). , por conseguinte, uma teoria geral dos textos, quer se manifestem verbalmente, visualmente, por uma combinao de planos de expresso visual e verbal, etc. Num primeiro momento da anlise, faz abstrao da manifestao, para examinar o plano do contedo, e s depois vai estudar as especificidades da expresso e sua relao com o significado.

uma teoria gerativa, porque concebe o processo de produo do texto como um percurso gerativo, que vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto, num processo de enriquecimento semntico. Isso significa que v o texto como um conjunto de nveis de invarincia crescente, cada um dos quais suscetvel de uma representao metalingstica adequada. O percurso gerativo de sentido no tem um estatuto ontolgico, ou seja, no se afirma que o falante na produo do texto passe de um patamar ao outro num processo de complexificao semntica. Constitui ele um simulacro metodolgico, para explicar o processo de entendimento, em que o leitor precisa fazer abstraes, a partir da superfcie do texto, para poder entend-lo.

A noo do percurso gerativo de sentido radica-se no trabalho de Propp sobre a narrativa. Este busca as invariantes narrativas, os elementos que fazem que uma narrativa seja uma narrativa. Num procedimento semelhante ao do fonlogo, que se indagava, diante da imensa variedade da realizao dos sons, como os falantes compreendiam sempre a mesma unidade fnica da lngua, Propp desejava revelar as regularidades subjacentes imensa variedade das narrativas; procurava apreender, em meio diversidade imensa de modos de manifestao da narrativa (oral, escrita, gestual, pictrica, etc.), de tipos de narrativa (mitos, contos, romances, epopias, tragdias, comdias, fbulas, etc.) e de realizaes concretas, as invariantes narrativas. Separa dessa forma uma langue narrativa de uma parole narrativa. Como os fonlogos que distinguiram os fonemas, unidades da lngua, dos sons, unidades da parole, diferencia as estruturas abstratas e invariantes dos seus revestimentos concretos, responsveis pela "singularidade" de cada narrao tomada individualmente (ver Barthes, 1971:18-19). Para Propp, por exemplo, o doador do objeto mgico uma unidade dessa langue narrativa, enquanto o peixe que d uma escama ao heri uma unidade de sua parole. Para Greimas, a mesma coisa se passa em relao aquisio do poder fazer e ao juntar dinheiro para comprar um apartamento. Em sntese, ambos buscam identificar um nmero finito de unidades diferenciais e de regras combinatrias responsveis pelo engendramento das relaes internas. Seu objetivo era, pois, definir a estrutura da narrativa: o conjunto fechado de relaes internas que se estabelecem entre um nmero finito de unidades. Esse procedimento procurou transpor para alm dos limites da frase, que era at ento a unidade ltima para os lingistas, os mtodos da lingstica estrutural (Barthes, 1971:21-22).

Por outro lado, a idia do percurso gerativo de sentido parte da constatao de que preciso explicar o fato de que o discurso da ordem da estrutura e do acontecimento. Assim, necessrio detectar invariantes, mas tambm descrever a variabilidade histrica que reveste essas invariantes. O modelo no gentico, mas gerativo, ou seja, busca ser preditivo e explicativo.

O projeto semitico filia-se tradio saussuriana. De um lado, tem por objeto no o significado, mas a significao, isto , um conjunto de relaes responsveis pelo sentido do texto. Postula que o sentido no algo isolado, mas surge da relao. S h sentido na e pela diferena. Assim, os efeitos de sentido percebidos pelo falante pressupem um sistema estruturado de relaes. Por conseguinte, a Semitica no visa propriamente ao sentido, mas a sua arquitetura, no tem por objetivo estudar o contedo, mas a forma do contedo. Em termos mais simples, poder-se-ia dizer que a Semitica deseja menos estudar o que o texto diz ou por que diz o que diz e mais como o texto diz o que diz. De outro lado, procura realizar o projeto saussuriano, que preconiza que a Lingstica seria parte de uma cincia mais geral, a Semiologia, que, segundo o lingista genebrino, estudaria os diferentes sistemas de signos e as leis que os regem (1969: 24). A Semitica demarca-se da Semiologia e, por isso, assume outro nome, porque, ao incorporar o conceito saussuriano de valor, torna-se uma teoria da significao, que tem por escopo descrever a produo e a compreenso do sentido, e no uma teoria do signo. Enquanto a Semiologia buscava descrever sistemas de signo, como, por exemplo, o sistema de signos da herldica (Mounin, 1970:103-115), a Semitica visa a compreender o sistema de diferenas responsveis pela produo de sentido de um texto.

Na Semntica estrutural, estava a idia de que o discurso comporta nveis de invarincia, mas no estava ainda constitudo o percurso gerativo, tal como o concebe a Semitica hoje. Analisemo-lo rapidamente.

O percurso gerativo constitudo de trs patamares: as estruturas fundamentais, as estruturas narrativas e as estruturas discursivas. Vale relembrar que estamos no domnio do contedo. As estruturas discursivas sero manifestadas como texto, quando se unirem a um plano de expresso no nvel da manifestao. Cada um dos nveis do percurso tem uma sintaxe e uma semntica.

Na Gramtica, a sintaxe ope-se morfologia. Esta ocupa-se da formao das palavras e da expresso das categorias gramaticais por morfemas; aquela, da combinao de palavras, para formar oraes, e de oraes, para constituir perodos. Na Semitica, a sintaxe contrape-se semntica. Aquela o conjunto de mecanismos que ordena os contedos; esta, os contedos investidos nos arranjos sintticos. Observe-se, no entanto, que no se trata de uma sintaxe puramente formal, ou seja, no se opem sintaxe e semntica como o que no dotado de significado e o que tem significado. Um arranjo sinttico dotado de sentido. Por conseguinte, a distino entre esses dois componentes reside no fato de que a semntica tem uma autonomia maior do que a sintaxe, o que significa que se podem investir diferentes contedos semnticos na mesma estrutura sinttica.

Analisemos agora cada um dos patamares do percurso gerativo de sentido. O nvel fundamental compreende a(s) categoria(s) semntica(s) que ordena(m), de maneira mais geral, os diferentes contedos do texto. Uma categoria semntica uma oposio tal que a vs b. Podem-se investir nessa relao oposies como vida vs morte, natureza vs cultura, etc. Negando-se cada um dos termos da oposio, teremos no a vs no b. Os termos a vs b mantm entre si uma relao de contrariedade. A mesma coisa ocorre com os termos no a vs no b. Entre a e no a e b e no b h uma relao de contraditoriedade. Ademais, no a mantm com b, assim como no b com a, uma relao de implicao. Os termos que mantm entre si uma relao de contrariedade podem manifestar-se unidos. Teremos um termo complexo, quando houver uma unidade a + b; e um termo neutro, quando se estabelecer a unio de no a com no b. Esse conjunto de relaes muito importante, para analisar a especificidade de alguns textos, cuja sintaxe fundamental se caracteriza pela presena de termos complexos ou neutros. o caso, por exemplo, do mito. Mircea Eliade (270: 242) dizia que ele a coincidentia oppositorum. Ora, se analisarmos seus mecanismos de estruturao do sentido, veremos que ele se define por operar com termos que unem opostos, ou seja, com termos que englobam elementos semnticos contrrios. O mito grego do andrgino, por exemplo, conta que esse ser reunia a masculinidade e a feminilidade. No mbito da mitologia crist, Cristo junta a divindade e a humanidade; os anjos englobam a no humanidade e a no divindade; a Virgem Maria articula a maternidade e a virgindade.

Essa categoria semntica do nvel fundamental , ento, o elemento mais simples e abstrato de ordenamento dos mltiplos contedos do texto. O discurso ecologista articula-se em torno da oposio semntica /civilizao/ vs /natureza/. Estabelecer a categoria semntica de base no , porm, o objetivo ltimo da anlise. apenas apreender a articulao mais geral do texto. Para compreender, no entanto, toda a sua complexidade preciso ir remontando aos nveis mais concretos e complexos do percurso.

Ainda no nvel fundamental, os elementos em oposio transformam-se em valores. Isso feito sobremodalizando-os com um trao de positividade ou negatividade, ou em termos mais precisos, com os traos /euforia/ e /disforia/. Dois textos podem, por exemplo, trabalhar com a mesma categoria semntica, mas axiologiz-la diferentemente e isso vai produzir discursos completamente distintos. Poderamos, por exemplo, dizer que o discurso dos ecologistas sobre a Amaznia e o dos madeireiros sobre a mesma questo operam com a mesma categoria semntica /civilizao/ vs /natureza/. Entretanto, enquanto aqueles consideram o primeiro termo da oposio negativo e o segundo positivo, estes fazem exatamente o contrrio. O romance A cidade e as serras, de Ea de Queirs, constri-se sobre a categoria /civilizao/ vs /natureza/, contrapondo uma outra. Na primeira parte, a civilizao tem valor positivo e a natureza, valor negativo. Na segunda parte, a axiologia se inverte.

a) Toda a intelectualidade nos campos se esteriliza, e s resta a bestialidade. Nesses reinos crassos do vegetal e do animal duas nicas funes se mantm vivas, a nutritiva e a procriadora. Isolada, sem ocupao, entre focinhos e razes que no cessam de sugar e de pastar, sufocando no clido bafo da universal fecundao, a sua pobre alma toda se engelhava, se reduzia a uma migalha de alma, a uma fagulhazinha espiritual a tremeluzir, como morta, sobre um naco de matria; e nessa matria dois instintos surdiam, imperiosos e pungentes, o de devorar e o de gerar. Ao cabo de uma semana rural, de todo o seu ser to nobremente composto s restava um estmago e por baixo um falo! A alma? Sumida sob a besta. E necessitava correr, reentrar na cidade, mergulhar nas guas lustrais da civilizao, para nelas largar a crosta vegetativa, e ressurgir reumanizado, de novo espiritual e jacntico! (p. 379-380)

b) Mas eu, vido pela histria daquela ressurreio:

- Ento no estiveste em Lisboa?... Eu telegrafei...

Qual telgrafo! Qual Lisboa! Estive l em cima, ao p da fonte da Lira, sombra duma grande rvore, sub tegmine no sei qu, a ler esse adorvel Virglio... E tambm a arranjar o meu palcio! Que te parece, Z Fernandes? Em trs semanas, tudo soalhado, envidraado, caiado, encadeirado!... (p. 474)

Passemos agora ao segundo patamar: as estruturas narrativas. Uma narrativa mnima define-se como uma transformao de estado. Este organiza-se da seguinte forma: um sujeito est em relao de conjuno ou de disjuno com um objeto. Temos, pois, dois tipos de estado: um disjunto e um conjunto. Quando dizemos Pedro rico, temos um sujeito Pedro em relao de conjuno com um objeto riqueza. Quando afirmamos Pedro no rico, temos um sujeito Pedro em relao de disjuno com um objeto riqueza. A transformao , por conseguinte, a mudana da relao entre sujeito e objeto. Se h dois tipos de objetos, as transformaes possveis sero tambm duas: de um estado inicial conjunto para um estado final disjunto e de um estado inicial disjunto para um estado final conjunto. Assim, o pequeno texto Um faxineiro de So Paulo ganhou um milho de dlares na Sena uma narrativa, porque contm uma transformao de um estado inicial disjunto, em que o sujeito faxineiro estava em disjuno com a riqueza, para um estado final em que o mesmo sujeito est em conjuno com o objeto.

As transformaes narrativas articulam-se numa seqncia cannica, assim chamada, porque, de um lado, revela a dimenso sintagmtica da narrativa e, de outro, mostra as fases obrigatoriamente presentes no simulacro da ao do homem no mundo, que a narrativa. A primeira fase a manipulao. Nela, um sujeito transmite a outro um querer e/ou um dever. Essa fase pode ser concretizada como um pedido, uma splica, uma ordem, etc. Temos, por exemplo, uma manipulao por provocao, quando o manipulador diz ao manipulado que ele incapaz de realizar uma ao, esperando que, como reao, ele a execute com vistas a provar que perfeitamente capaz de faz-la. A segunda fase a da competncia. Nela, um sujeito atribui a outro um saber e um poder fazer. Quando, num conto maravilhoso, uma fada d a um prncipe um objeto mgico, que lhe permitir realizar uma ao extraordinria, est dando-lhe um poder fazer, figurativizado pelo referido objeto mgico. A terceira fase a perfrmance. Nela, ocorre a transformao principal da narrativa. Num conto de fadas em que a princesa foi raptada pelo drago, a perfrmance ser a libertao da princesa. A ltima fase a da sano. Temos dois tipos de sanes, a cognitiva e a pragmtica. Aquela o reconhecimento por um sujeito de que a perfrmance de fato ocorreu. Em muitos textos, essa fase muito importante, porque nela que as mentiras so desmascaradas, os segredos so desvelados, etc. A sano pragmtica pode ou no ocorrer. Pode ser um prmio ou um castigo. Na chamada narrativa conservadora, porque tem a finalidade de reiterar os valores colocados na fase da manipulao, os bons so premiados e os maus castigados. J numa novela como Justine, de Sade, cada vez que a personagem age segundo os ditames da moral crist, recebe um castigo.

Essas fases mantm entre si uma relao de implicao recproca. Com efeito, se se reconhece que algo foi realizado, porque efetivamente o foi ou, ao menos, parece ter sido. Para que um sujeito possa executar uma ao, preciso que ele saiba e possa faz-lo, isto , seja competente para isso, e, ao mesmo tempo, queira e/ou deva faz-lo.

A seqncia cannica no uma frma onde se faz caber a narrativa. Ao contrrio, inmeras possibilidades devem ser levadas em conta, para permitir desvelar a forma especfica que a narratividade assume num texto particular. Em primeiro lugar, preciso notar que certas fases podem ser pressupostas. Se tomarmos o pequeno texto mencionado acima que relata que um faxineiro ganhou um milho de dlares na Sena, veremos que estamos apenas narrando a perfrmance. No entanto, h uma fase de competncia pressuposta: s pode ganhar quem tem um bilhete, que , por conseguinte, um poder ganhar. Em segundo lugar, necessrio destacar que certos textos do mais nfase a uma fase que a outras. Por exemplo, o programa Aqui e agora e uma novela policial do tipo ingls narram crimes. No entanto, a diferena da abordagem dos dois textos reside no fato de que aquele acentua a perfrmance (como agiu o assassino, qual foi seu procedimento para matar a vtima, etc.), enquanto este evidencia a sano (a descoberta da identidade do assassino pelo detetive). Em terceiro, cabe lembrar que uma narrativa complexa constituda de inmeras seqncias que se articulam por parataxe ou por hipotaxe, ou seja, uma pode-se colocar ao lado de outra ou estar subordinada a outra. H uma relao hipottica entre as seqncias, por exemplo, na histria da menina da bilha de leite. H uma relao parattica, por exemplo, em contos maravilhosos em que o heri deve realizar inmeras provas iniciticas. Dizer que a narratologia formulada pela Semitica uma "camisa de fora" ou que no se aplica a textos mais complexos desconhecer os princpios dessa teoria narrativa.

No possvel no espao deste texto explicar toda a teoria narratolgica que foi desenvolvida, a partir das formulaes de Propp e de Lvi-Strauss, pela Semitica francesa. O que importa que se entendam os diferentes nveis de invarincia do percurso gerativo de sentido. H, porm, alguns elementos da semntica narrativa que devem ser destacados, depois de termos percorrido, de maneira muito sucinta, alguns aspectos da sintaxe narrativa.

H dois tipos de objetos buscados pelos sujeitos: os objetos modais (o querer, o dever, o poder e o saber) e os objetos de valor. Os primeiros so os objetos necessrios para a obteno dos segundos, que so o objetivo ltimo da ao narrativa. Assim, so objetos de valor a riqueza nas histrias do Tio Patinhas, a notoriedade nas aes de Llian Ramos1, o prazer nos 120 dias de Sodoma, de Sade. exatamente nos contedos investidos nos objetos que se d a articulao entre o nvel fundamental e o nvel narrativo. Os contedos do nvel fundamental so concretizados nos objetos do nvel narrativo. Quando se narra a histria da compra de um apartamento, o dinheiro que se juntou no constitui um objeto valor, mas um objeto modal, porque ele o poder comprar.

preciso responder agora a uma dvida, que deve estar presente na cabea do leitor desde o momento em que leu que o percurso gerativo de sentido comporta um nvel narrativo. Mas ento todos os textos tm um nvel narrativo? Para a Semitica, sim. claro que preciso entender a narratividade como qualquer transformao de estado. Implcita ou explicitamente, todos os textos trabalham com transformaes. Tomemos um que a teoria tradicional dos gneros no poderia considerar, de maneira nenhuma, narrativo: um teorema. Esse texto articula-se em trs partes: o enunciado do teorema, a demonstrao e a afirmao de que a demonstrao se fez (q.e.d., quod erat demonstrandum). Quando se faz a afirmao final, o que se est dizendo que, no texto, se passou de um estado de no demonstrado para um de demonstrado. Teremos uma descrio, quando a transformao narrativa ficar implcita, ou seja, quando se trabalhar apenas com o estado inicial ou o estado final. Por isso, que se diz que, na maioria dos casos, no temos descries puras: em geral, elas servem para iniciar um texto, que, em seguida, ser mudado em narrao. Teremos a narrao, quando se enfocar a transformao propriamente dita. Assim, uma descrio passa a narrao, quando se explicita a transformao que est implcita na descrio.

Passemos agora para o terceiro nvel, o discursivo. Esse patamar aquele em que se revestem as estruturas narrativas abstratas. Suponhamos que tivssemos a seguinte estrutura narrativa Um sujeito A, que estava em conjuno com o objeto vida, entra em disjuno com ele. Essa estrutura poderia ser concretizada como assassinato, se o sujeito operador da disjuno for concretizado como um ser humano diferente de A; como suicdio, se o sujeito operador da disjuno e A forem concretizados como a mesma personagem; como morte por acidente, se o sujeito operador for concretizado como um desastre ou uma catstrofe natural, etc. Esse um primeiro nvel de concretizao. Depois, essa concretizao primeira suscetvel de uma nova concretizao. O assassinato pode ser concretizado como um tiro dado por ladres durante um roubo ou como espancamento realizado por policiais numa Delegacia. Temos, ento, dois nveis de concretizao das estruturas narrativas: a tematizao e a figurativizao. Se a concretizao parar no primeiro nvel, teremos textos temticos; se vier at o segundo, teremos textos figurativos. Os primeiros so compostos predominantemente de temas, isto , de termos abstratos2; os segundos, preponderantemente de figuras, ou seja, de termos concretos. Cada um desses tipos de texto tem uma funo diferente: os temticos explicam o mundo; os figurativos criam simulacros do mundo. Por exemplo, uma tese que discutisse a situao de penria e as pssimas condies de trabalho dos operrios franceses nas minas de carvo no sculo XIX, a questo da produo da mais valia e as lutas para melhorar essas condies de vida seria um texto temtico; j o Germinal, de Zola, que trata desses mesmos assuntos, um texto figurativo, pois faz uma representao de tudo isso. A dissertao temtica, enquanto a descrio e a narrao so figurativas. Compreender um texto figurativo , antes de mais nada, entender o componente temtico que subjaz s figuras.

O percurso gerativo composto de nveis de invarincia crescente, porque um patamar pode ser concretizado pelo patamar imediatamente superior de diferentes maneiras, isto , o patamar superior uma varivel em relao ao imediatamente inferior, que uma invariante. A mesma estrutura narrativa, Um sujeito que entra em disjuno com o objeto vida, pode ser tematizada como assassinato, suicdio, morte por acidente, etc. O mesmo tema pode ser figurativizado de diferentes maneiras. Assim, o tema da evaso pode ser figuratizado pela ida para um mundo imaginrio, como a Pasrgada de Manuel Bandeira, ou por uma viagem pelos mares do sul. As fotonovelas e as telenovelas trabalham quase sempre com a mesma estrutura narrativa e geralmente com os mesmos temas (ascenso social, realizao afetiva, etc.) figurativizados de maneira diferente.

Entra aqui a questo das diferentes leituras de um texto. A Semitica denomina isotopia a recorrncia de traos semnticos que determinam um dado plano de leitura. Um texto pode ter vrias isotopias e, por conseguinte, vrios planos de leitura. Um texto como O ferrageiro de Carmona, de J. Cabral, pode ter uma leitura relativa ao trabalho com o ferro e uma concernente ao trabalho com a linguagem. Essa segunda leitura transforma o poema num metapoema. Isso significa que, para a Semitica, um texto pode ter vrias leituras, mas elas j esto inscritas nele. No resultam da subjetividade do leitor, mas de organizaes semnticas que se entrecruzam e se superpem no texto.

A sintaxe do discurso compreende as projees da enunciao no enunciado e os procedimentos que o enunciador utiliza para persuadir o enunciatrio a aceitar o seu discurso. Aquelas abarcam a temporalizao, a espacializao e a actorializao. Sendo a enunciao, como mostrava Benveniste, a instncia do ego-hic-nunc, o processo de discursivizao no existe sem a instaurao de pessoas, espaos e tempos. Todas as pessoas, espaos e tempos instalados no enunciado esto de alguma forma relacionados ao eu-aqui-agora da enunciao. Alm disso, h um componente aspectual, que projeta no discurso pontos de vista de um observador sobre as categorias enunciativas.3 O que importa determinar os efeitos de sentido gerados pelas diferentes projees da enunciao no enunciado. Por exemplo, preciso analisar qual o efeito de sentido criado pela ausncia do eu no discurso narrativo, quando, ento, como acontecia no naturalismo, os fatos parece narrarem-se por si mesmos. Por outro lado, ao recusar o ponto de vista da Teoria da Informao de que a comunicao uma transmisso de "novidades" entre dois plos neutros, a Semitica considera que um componente determinante do processo comunicacional o fazer crer. Por isso, o componente argumentativo adquire um relevo muito grande na teoria. Argumentao qualquer mecanismo pelo qual o enunciador busca persuadir o enunciatrio a aceitar seu discurso, a acolher o simulacro de si mesmo que cria no ato de comunicao.

Como foi dito acima, desde a obra inaugural da Semitica francesa, estava presente a idia de que o discurso tem invariantes, que se realizam de maneira varivel. Assim, a mesma estrutura fundamental pode ser narrativizada de vrias maneiras; as mesmas estruturas narrativas podem ser discursivizadas de modos variveis; o mesmo tema pode ser figurativizado diferentemente. Portanto, a idia do percurso gerativo de sentido j se achava embrionariamente esboada na Semntica estrutural. No entanto, esse arcabouo hoje conhecido por percurso narrativo foi se esboando ao longo do tempo, para dar conta, como j se disse, do aspecto variante e invariante do discurso. Ele no uma camisa de fora, em que se devem enfiar todos os textos, mas um modelo de anlise e de previsibilidade, que, ao mesmo tempo, expe generalizaes scio-histricas (invariantes) e especificidades de cada texto (variantes).

Mantida a concepo do percurso gerativo, preciso dizer que, por razes histricas, o nvel narrativo foi o mais bem explorado at hoje, o que no significa, porm, que os outros nveis no tenham tido desenvolvimento. Na primeira fase, a da constituio do percurso gerativo, a Semitica aplica-se a estudar os simulacros da ao do homem no mundo presentes nas narrativas. Elabora assim uma teoria da perfrmance. A narratividade entendida como "uma transformao de estado, operada pelo fazer transformador de um sujeito que age sobre o mundo em busca de determinados valores investidos no objeto" (Barros, 1995:85). Analisa os conflitos entre sujeitos que buscam o mesmo objeto. Para desenvolver essa teoria da ao, transformou a noo proppiana de funo na noo de enunciado narrativo (Barros, 1995:82-85). O conceito de funo em Propp diz respeito a unidades sintagmticas constantes sob a multiforme superfcie das narrativas. A sucesso dessas invariantes constitui o relato. Essa noo foi precisada com o conceito de enunciado narrativo. Para a Semitica, como j se mostrou, h dois tipos de enunciados elementares, o de estado e o de fazer, que derivam da existncia de duas relaes-funo: a juno (conjuno e disjuno) entre um sujeito e um objeto e a transformao, que a mudana de uma relao de juno. Dessa noo de enunciado narrativo decorre o fato de que possvel prever organizaes hierarquizadas de enunciados. Estes organizam-se em programas narrativos (um enunciado de fazer regendo um enunciado de estado), em percursos narrativos (encadeamentos lgicos de programas narrativos em que um programa pressupe outro) e em seqncias narrativas (em que se organizam os percursos narrativos). Com isso, constri-se uma sintaxe narrativa hierarquicamente organizada e no uma simples sucesso de unidades sintagmticas, como previa o modelo proppiano. Nessa sintaxe, vai-se do programa ao percurso e deste seqncia, estabelecendo um modelo de previsibilidade da narrativa, que pode dar conta da especificidade de cada relato singular, dado que esses nveis so empregados recursivamente e que tm um desdobramento polmico. De um lado, programas, percursos e seqncias podem ser repetidos indefinidamente, encaixando-se, sucedendo-se, etc.; de outro, toda narrativa tem uma dimenso polmica (cf. Barros, 1995:83): a um sujeito corresponde um anti-sujeito; a uma apropriao, um desapossamento. Isso quer dizer que um relato pode ser feito de dois pontos de vista: um roubo pode ser contado do ponto de vista do ladro ou da vtima; a histria da Gata Borralheira pode ser relatada do ponto de vista da rf submetida a duros trabalhos e da madrasta e suas filhas, do prncipe que procurava uma esposa e da moa que perdeu o sapatinho. Essa sintaxe vai do mais simples ao mais complexo.

Apesar do salto dado pela teoria narrativa proposta pela Semitica, esse modelo apresenta uma limitao muito grande. Seu mbito de aplicao so as narrativas da chamada pequena literatura (Barros, 1995:85). Com efeito, um modelo que considera a narrativa como a busca de valores, como ao do homem no mundo, s pode aplicar-se queles textos que apresentem um componente pragmtico muito forte: por exemplo, as narrativas folclricas.

Ao compreender a limitao dada pelo alcance das aplicaes, a Semitica vai passar para uma segunda fase, em que vai interessar-se pela competncia modal do sujeito que realiza a transformao. Nessa fase, as investigaes incidem menos sobre a ao e mais sobre a manipulao (Barros, 1995:85-88).

Parte-se da constatao de que s pode executar uma ao quem possuir pr-requisitos para isso, ou seja, de que o fazer exige condies prvias. S pode realizar uma ao o sujeito que quer e/ou deve, sabe e pode fazer. isso que se chama competncia modal do sujeito. A modalizao do fazer a sobredeterminao de um predicado do fazer por outro predicado (querer/dever/saber/poder). Ao reconhecer isso, a Semitica comea a realizar uma tipologia muito mais fina dos sujeitos. Pode haver sujeitos coagidos, que devem, mas no querem realizar uma ao; sujeitos que afrontam o sistema (heris que agem sozinhos), que querem, mas no devem; sujeitos impotentes, que querem e/ou devem, mas no podem e assim por diante. Com a modalizao do sujeito, a Semitica passa a analisar tambm seu modo de existncia: sujeitos virtuais, os que querem e/ou devem fazer, sujeitos atualizados, os que sabem e podem fazer; sujeitos realizados, os que fazem. Uma gama muito grande de textos passa agora a ser explicada pela teoria: aqueles em que h personagens sonhadoras, mas que so incapazes de passar ao; aqueles em que h personagens realizadoras, etc.

Nessa fase, o estudo das modalizaes est ainda muito ligado ao, pois o que se investiga so as condies necessrias para sua realizao. No entanto, isso representou um salto muito grande, pois, se se pensar no apenas no sujeito que tem sua competncia modal alterada, mas naquele que realiza essa alterao, passa-se do estudo da ao ao da manipulao, ou seja, do fazer ao do fazer fazer. Agora, no se procura mais apenas explicar as relaes entre sujeito e objeto, mas entre sujeitos, o que leva a uma concepo de narrativa como uma sucesso de estabelecimentos e rupturas de contratos (Barros, 1995:86). Aqui comea todo um exame dos procedimentos de manipulao. Estudam-se a provocao, o desafio, a tentao, a seduo, a intimidao, etc. Por outro lado, comea-se a aprofundar o estudo dos mecanismos da sano, seja ela cognitiva ou pragmtica. O percursos da manipulao e da sano constituem a dimenso cognitiva da narrativa e enquadram sua dimenso pragmtica.

Com o estudo da dimenso cognitiva, a Semitica mostra que a organizao da intersubjetividade articulada por meio de estruturas polmicas e contratuais. Por exemplo, enquanto a teoria marxista v a Histria como uma estrutura polmica (lembremo-nos de que o Manifesto comunista se inicia afirmando que a histria da humanidade a histria da luta de classes), a concepo liberal enfatiza os aspectos contratuais da constituio do Estado. Alm do exame dessas estruturas, o estudo da manipulao abre caminho para o estudo de sujeitos manipulados por sistemas de valores diferentes. Por exemplo, na tragdia clssica, o heri trgico sofre uma manipulao por valores contraditrios. Antgona deve optar entre a lei divina, que determinava que os mortos fossem sepultados, e a lei do Estado, que institua que quem morresse, lutando contra a cidade, deveria permanecer insepulto.

Apesar de o campo de textos abrangido por essa teoria narrativa ter aumentado, possua ela ainda um problema em relao ao domnio de aplicao. A teoria narrativa explicava o que se poderiam chamar estados de coisas, mas no o que se denominariam estados de alma. At este ponto de seu desenvolvimento, a teoria trabalha com textos em que h transferncia de objetos tesaurizveis ou com textos em que h estruturas diversas de manipulao e de sano. No entanto, h narrativas que operam com outros tipos de objetos. Dom Casmurro, de Machado de Assis, no um romance sobre a traio, mas sobre o estatuto veridictrio dos fatos, sobre certezas e incertezas, sobre a criao do objeto e a atribuio subjetiva a ele de um valor de verdade; Gobseck, de Balzac, trata da avareza e dos prazeres proporcionados pela posse da riqueza; Otelo, de Shakespeare, aborda o cime e a manipulao dos estados de alma de outrem; Il Gattopardo, de Tommaso di Lampedusa, discute a recusa e a aceitao da mudana; o episdio do ferimento do prncipe Andrei, em Guerra e Paz, de Tolstoi, delineia o sutil problema da vergonha do medo e do medo da vergonha; o filme Sal, os 120 dias de Sodoma, de Pasolini, mostra como a exacerbao do medo faz rurem as normas da vergonha. Poder-se-ia continuar a citar textos em que se trata de estados de alma, em que se discute o valor veridictrio do objeto. Como operar com as "paixes de papel", os estados de alma narrados?

Para tratar dessa questo, a Semitica passa por mais duas fases. A primeira examina as modalizaes do ser (Barros, 1995:88-91). Foi mostrado acima que, para a Semitica, existem dois tipos de enunciados elementares: o de estado e o de fazer. O exame das modalidades do fazer levou ao estudo das condies modais necessrias para a realizao da ao. No entanto, preciso verificar que o sujeito de estado (um enunciado de estado estabelece uma relao de conjuno ou de disjuno com um objeto) pode ser tambm modalizado. No se tem, nesse caso, modalizaes do fazer (querer fazer, dever fazer, saber fazer, poder fazer), mas modalizaes do ser (querer ser, dever ser, saber ser e poder ser). O sujeito de estado, por exemplo, quer entrar em conjuno com um dado objeto. Nesse caso, o objeto desejvel para o sujeito, enquanto ele um sujeito desejante. Por isso, poder-se-ia afirmar, com mais propriedade, que a modalizao do estado incide sobre o objeto, ou mais particularmente, sobre o valor nele investido e que isso repercute sobre a existncia modal do sujeito. o objeto desejvel que faz o sujeito desejante; o objeto impossvel que faz o sujeito impotente e assim por diante.

A categoria euforia/disforia do nvel fundamental converte-se em traos modais que modificam as relaes entre sujeito e objeto. Assim, um valor marcado euforicamente no nvel fundamental converte-se, por exemplo, em objeto desejvel no nvel narrativo, enquanto um valor disfrico torna-se, por exemplo, um objeto temido no nvel narrativo.

Por outro lado, h um outro tipo de modalizao do ser, que se diferencia, pelo lugar em que incide, daquela at agora exposta. Enquanto, no caso acima, a modalizao recai sobre o objeto, neste caso, que passamos a expor, a modalizao incide sobre a relao de conjuno ou de disjuno que liga sujeito e objeto. Trata-se de modalidades veridictrias e epistmicas. As veridictrias articulam-se como estrutura modal em ser vs parecer e aplicam-se funo-juno. Mostra-se que um enunciado ou parece ser. No entanto, essa modalizao no diz respeito a nenhuma relao referencial, mas a algo criado pelo texto. Ser o estatuto veridictrio exposto pela prpria narrativa ou, em outros termos, pelo narrador; parecer o estatuto veridictrio atribudo a um estado por uma personagem. Seixas, personagem de Senhora, de Alencar, visto como um homem rico (parece ser rico), mas o narrador mostra ao leitor que ele o filho de uma modesta costureira (ser). Temos, ento, uma mentira: ele no rico, mas parece s-lo. As modalidades veridictrias permitem estabelecer o estatuto veridictrio dos estados: verdade, falsidade, mentira, segredo. Os enunciados modalizados veridictoriamente podem ser sobredeterminados pelas modalidades epistmicas do crer: um sujeito cr que um estado parece verdadeiro ou verdadeiro, etc. A modalizao epistmica resulta de uma interpretao, em que um sujeito atribui um estatuto veridictrio a um dado enunciado. Nela, o sujeito compara o que lhe foi apresentado pelo manipulador com aquilo que sabe ou aquilo em que cr. O estatuto veridictrio de um enunciado dado por um julgamento epistmico, em que o crer precede o saber, o que implica reconhecer o carter ideolgico da operao de interpretao. Para a Semitica, crer e saber pertencem ao mesmo universo cognitivo e a distino entre a adeso fiduciria, regida pelo crer, e a adeso lgica, comandada pelo saber, o estabelecimento de uma separao entre dois tipos de racionalidade, que, na interpretao, quando aparecem situaes, como em Dom Casmurro, de Machado de Assis, de verdade ou falsidade das certezas, de dvida da verdade, etc., confundem-se, misturam-se, entrecruzam-se (Greimas, 1983:115-133).

O estudo da modalizao do ser permite estabelecer tipologias de culturas (por exemplo, h culturas que valorizam mais o querer do que o dever e outras que fazem o contrrio), dar representaes mais adequadas da aplicao dos cdigos sociais de carter normativo, como regras gramaticais, regras de polidez, etc. (nelas, combinam-se dever e saber: o excesso de zelo no cdigo de polidez aproxima-se da hipercorreo em gramtica, quando a um dever fazer no corresponde um saber fazer, mas um no saber fazer) (Greimas, 1983:88-90).

Todo esse estudo das modalizaes do ser passa ainda pelo exame das compatibilidades e incompatibilidades entre as modalidades. Por exemplo, o dever ser compatvel com o poder-ser, ao passo que incompatvel com o no poder ser. Com efeito, o que necessrio deve ser compatvel com o que possvel, mas no com o impossvel. No entanto, cabe lembrar que as compatibilidades e as incompatibilidades nada tm a ver com o aparecimento de certas combinatrias modais nos textos. Os sujeitos de estado podem ser modalizados por modalidades compatveis ou incompatveis entre si. Um sujeito pode querer o que pode ser, mas pode querer o que no pode ser. A percepo dessas compatibilidades e incompatibilidades abre caminho para o estudo das paixes.

Chega-se, ento, quarta fase da Semitica. A paixo entendida, inicialmente, pela Semitica como efeitos de sentido de qualificaes modais que alteram o sujeito de estado, o que significa que vista como um arranjo das modalidades do ser, sejam elas compatveis ou incompatveis. Por exemplo, a obstinao define-se como um querer ser aliado a um no poder ser, enquanto a docilidade rene um querer ser a um poder ser. O obstinado aquele que quer, apesar da impossibilidade evidente, enquanto o dcil limita-se a desejar o que possvel.

A histria modal do sujeito de estado (transformaes modais que vai sofrendo) permite estudar outros tipos de textos narrativos, aqueles fundados sobre um processo de construo ou de transformao do ser do sujeito e no apenas do seu fazer. Os efeitos de sentido passionais derivam de arranjos provisrios de modalidades, de interseces e combinaes entre modalidades diferentes. Por exemplo, a vergonha define-se pela combinao do querer ser, no poder no ser e saber no ser. Os arranjos modais que tm um efeito de sentido passional so determinados pela cultura.

A noo de paixo como arranjo de modalidades permite estabelecer uma diferena entre o atualizado (apreenso de um predicado do ponto de vista das condies de realizao) e o realizado. A distino entre querer morrer e morrer reside no fato de que, no primeiro, uma srie de roteiros possvel, enquanto no segundo, no. A diferena entre o atualizado e o realizado permite, pois, estabelecer potencializaes, o que possibilita analisar fatos que parece contrariarem a lgica narrativa (cf. Fontanille, 1995:175-190). So exemplos disso o apego que perdura aps a morte do ser amado, objeto de fina anlise em Memorial de Aires, de Machado de Assis; o cime, sentimento indiferente ao fato de o outro ser fiel ou no.

A ttulo de exemplo das possibilidades a que chegou a Semitica com o estudo das paixes, vamos analisar, de maneira ainda pouco formalizada, para que o entendimento seja maior, alguns percursos patmicos do conto Noite de almirante, de Machado de Assis (1979:v. II:446-451). O conto bastante complexo do ponto de vista dos estados de alma nele desenvolvidos, porque entrelaa modalidades que incidem sobre o objeto com modalidades veridictrias e mostra que os sujeitos tm existncia modal diferente.

O marinheiro Deolindo, ao voltar de uma longa viagem de instruo, "levava um grande ar de felicidade aos olhos", porque uma grande "noite de almirante" o esperava em terra. Trs meses antes de comear a viagem, conhecera Genoveva, ambos apaixonaram-se perdidamente e ele partira em viagem, depois de um "juramento de fidelidade" recproca. H aqui uma situao de espera fiduciria. Deolindo quer estar em conjuno com a fidelidade e cr que Genoveva deve, por fora do contrato, realizar a conjuno desejada. A espera no tensa, pois o sujeito no apresenta o efeito patmico da aflio. Ao contrrio relaxada, pois Deolindo est feliz. A felicidade um efeito de satisfao produzido pelo saber poder ser (possvel) a conjuno desejada. Ao mesmo tempo, essa paixo indica que Deolindo tinha confiana (crer ser) em que Genoveva cumpriria o contrato.

O narrador modaliza o ato de celebrao do contrato como verdadeiro. "No havia descrer da sinceridade de ambos: ela chorava doidamente, ele mordia o beio para dissimular".

Quando Deolindo, depois de descer a terra, chega casa em que morava Genoveva, "a velha Incia" diz-lhe que ela estava com outro, residindo na Praia Formosa. Altera-se, ento, a existncia modal de Deolindo. Agora, sabe que Genoveva no cumpriu o contrato, mantendo a fidelidade. O sujeito crdulo e confiante passa a ser um sujeito insatisfeito e decepcionado. Aparece o sentimento de falta. Adquire, ento, uma outra competncia modal: querer fazer o mal. Assim, comea o percurso da reparao da falta: o da vingana. "As idias marinhavam-lhe no crebro, como em hora de temporal, no meio da confuso de ventos e apitos. Entre elas, rutilou a faca de bordo, ensangentada e vingadora".

Quando Deolindo chega Praia Formosa, Genoveva recebe-o com maneiras francas. Novamente, entram em cena as modalidades veridictrias. Genoveva no tem o que esconder, est no domnio da verdade (ser + parecer). Deolindo volta a ter esperana, reassume a confiana. A velha poderia ter mentido ou ter-se enganado, relatando um parecer que no corresponde a um ser, fazendo uma interpretao no verdadeira dos fatos. Altera-se sua existncia modal. Cr poder realizar a conjuno desejvel. Mas Genoveva no manifesta "nenhuma comoo nem intimidade", ou seja, mantm-se indiferente e distante.

Diante desse estado passional, altera-se novamente a existncia modal de Deolindo. Passa do crer ao no crer poder realizar a conjuno desejada. Com isso, ressurge o querer vingar-se. "Em falta de faca, bastavam-lhe as mos para estrangular Genoveva, que era um pedacinho de gente, e durante os primeiros minutos no pensou em outra coisa". Contm seu desejo e diz-lhe que sabia tudo. Ela no mente. Deolindo tem um mpeto, o querer vingar-se retorna novamente; ela f-lo parar com a ao dos olhos; diz-lhe que, "se lhe abrira a porta, porque contava que era homem de juzo", isto , que no se deixava levar por estados patmicos intensos. Em seguida, conta-lhe o amor que sentira por ele, mas diz que seu corao mudara. Mudara o objeto de seu querer. O narrador modaliza veridictoriamente suas palavras dizendo: "No sorria de escrnio. A expresso das palavras que era uma mescla de candura e cinismo, de insolncia e simplicidade, que desisto de definir melhor. Creio at que insolncia e cinismo so mal aplicados. Genoveva no se defendia de um erro ou de um perjrio; no se defendia de nada; faltava-lhe o padro moral das aes." O que ela diz verdadeiro, pois ela cr no ser culpada de nada. Por isso, no quer criar um parecer que oculte o ser.

A questo da culpa distingue as duas personagens. Elas vem o contrato firmado entre elas de maneira diferente. Para Deolindo, o juramento aspectualizado durativamente ("O pobre marujo citava o juramento de despedida, como uma obrigao eterna"). Ao romp-lo, Genoveva fora perjura e ingrata, pois passara a querer no fazer o bem a quem devia obrigao. A gratido uma paixo de benevolncia que se articula numa reciprocidade. Para Genoveva, o juramento aspectualizado com a pontualidade. No poderia ser perjura, porque "quando jurou era verdade". No era ingrata, pois a gratido implica que se esteja obrigado a algum e ele, durante a viagem, no devia ter-se lembrado dela ("E ele que tanto enchia a boca de fidelidade, tinha-se lembrado dela por onde andou?"). Ela cr que ele pode no ter mantido o contrato, o que tambm a desobrigaria de cumpri-lo. A resposta dele foi dar-lhe um pacote de presentes onde estavam uns brincos. Ela ficou confusa, por "receber um mimo a troco de um esquecimento". Est, ento, modalizada por um saber que Deolindo no pode no ter mantido o juramento e por saber que ela no o manteve. Ao mesmo tempo, tem as paixes da satisfao (contentamento e deslumbramento) por saber que est em conjuno com a fidelidade de Deolindo, figurativizada pelos brincos.

Renasce a esperana em Deolindo. De novo, tranforma-se sua existncia modal. Passa do no crer ao crer poder realizar a conjuno desejada. As razes para esse ressurgir da esperana esto no fato de pensar que o juramento pode ser aspectualizado com a pontualidade e, nesse caso, se ele fora violado quando estava ausente, pode ser rompido, estando o outro ausente, ou com a duratividade e, ento, no seria negado, dado que talvez ela no tivesse jurado nada ao outro.

Ela pede que Deolindo lhe conte as aventuras que vivera em terras longnquas. Demonstra um enorme interesse por elas. Est modalizada por um querer saber. Quando Deolindo percebe que o objeto de sua solicitude eram seus relatos e no ele, passa novamente a um estado de crer no poder ser ("A esperana (...) comeava a desampar-lo").

Ela mostra a uma amiga os brincos que ele lhe dera. Esta elogia muito o presente. Deolindo tem um momento de satisfao, sabe ter podido realizar uma conjuno desejada ("durante alguns segundos, saboreou o prazer exclusivo e superfino de haver dado um bom presente; mas foram s alguns segundos").

Sai cabisbaixo e lento, sem o mpeto com que chegara. Estava tomado pelo estado patmico da infelicidade, por um saber no poder ser. Mas que que ele no podia ser? A resposta vir em seguida. Genoveva entrou em casa alegre e barulhenta, estava modalizada por um saber poder ser. Conta amiga que ele dissera que iria suicidar-se. De certa forma, suicidar-se era realizar a vingana desejada, pois infligiria a Genoveva a dor do remorso, reequilibrando, assim, a situao patmica. Diante do espanto da amiga, Genoveva mostra que sabe que ele no pode fazer o que prometera, pois no dotado das paixes fortes e durativas que levam o sujeito a tornar-se competente para a vingana, aquelas que o modalizam com o poder fazer. Ao contrrio, apenas dotado das paixes fracas da malevolncia, que instauram um sujeito operador com a modalidade do querer vingar-se, mas no o atualizam com o poder vingar-se ("Qual o qu! No se mata, no. Deolindo assim mesmo, diz as cousas, mas no faz. Voc ver que no se mata. Coitado, so cimes."). No cime, h um no querer no ser, isto, no querer no estar em conjuno com um objeto amado. Deolindo modalizado pelo querer, mas no pelo poder, aspectualizado pela pontualidade (mpeto), mas no pelo duratividade (persistncia), modulado pela baixa intensidade.

No dia seguinte, diante de seus colegas, Deolindo manifesta o estado patmico da satisfao, derivado do saber estar em conjuno com o objeto desejado. Nota, no entanto, o narrador que se trata de uma mentira. Deolindo parece satisfeito, mas no est. Por que mentiu? Porque parece que tivera vergonha da realidade. Vergonha "um sentimento penoso de sua inferioridade, de sua indignidade ou de sua humilhao diante de outrem, de seu rebaixamento na opinio dos outros". Deriva de uma sano cognitiva negativa, a reprovao prpria ou alheia. Essa reprovao gera a vergonha. A vergonha , assim, um estado de alma da ordem do saber: o sujeito sabe que no possui a competncia para um fazer exigido pelo simulacro de membro de um determinado grupo social ou que fez algo em desacordo com a deontologia grupal. Por outro lado, preciso tambm que esse sujeito aceite esse simulacro ou essa deontologia como um ideal a ser seguido, pois, se no d nenhuma importncia a eles, no ser atingido pelo sentimento de vergonha. Assim, necessrio, para que esse estado de alma ocorra, que o dever fazer e o dever ser se tornem tambm um querer fazer e um querer ser. Se o sujeito modalizado por um no querer, age diferentemente do simulacro sem ser atingido pela vergonha. Aparecem, ento, os comportamentos atrevidos e insolentes. O sintagma modal do efeito patmico da vergonha dever ser/fazer; querer ser/fazer; saber no poder ser/fazer ou saber (outro) saber que a competncia requerida pelo simulacro no existe ou que a perfrmance no corresponde ao dever.

Voltemos a Deolindo. Diz o narrador: "A verdade que o marinheiro no se matou. No dia seguinte, alguns dos companheiros bateram-lhe no ombro, cumprimentando-o pela noite de almirante, e pediram-lhe notcias de Genoveva, se estava mais bonita, se chorara muito na ausncia, etc. Ele respondia a tudo com um sorriso satisfeito e discreto, um sorriso de pessoa que viveu uma grande noite. Parece que teve vergonha da realidade e preferiu mentir." A vergonha de Deolindo opera sob o signo do segredo. Ele faz uma sano negativa de sua perfrmance de no se vingar. No realiza a vingana, porque no possui a modalidade atualizante do poder-fazer, que seu grupo social atribui ao homem. A traio da mulher deve implicar necessariamente a vingana realizada pelo homem. Deolindo, porm, dotado apenas das paixes fracas do querer. Para no permitir que sua vergonha seja exposta, opta pela mentira. No nvel do parecer, mostra satisfao; no do ser, insatisfao e decepo. A decepo, entretanto, no com Genoveva, mas consigo mesmo.

A anlise de textos de diferentes pocas e culturas que pintam paixes de papel (o cime, a avareza, a clera, a indiferena, etc.) mostrou que as paixes variam de uma cultura para outra, de uma poca para outra. Por exemplo, a configurao da avareza distinta em Molire e Balzac. Enquanto no primeiro, o avaro caracteriza-se pelo entesouramento, no segundo, aparece algo que prprio da formao social capitalista, a idia de que o dinheiro produz dinheiro. Isso significa que, embora as paixes se caracterizem fundamentalmente pelo arranjo das modalidades, a modalizao no suficiente para produzir efeitos passionais, pois as mesmas organizaes modais podem gerar ou no sentidos patmicos. Ora, isso obriga a introduzir novos elementos tericos.

Poderamos dizer que o que caracteriza hoje a pesquisa semitica so duas direes: a) a anlise do que est alm do percurso gerativo de sentido em sua formulao clssica; b) o estudo do que est aqum dele e, por conseguinte, propicia sua constituio. Esse exame do alm e do aqum do percurso determina seu reexame, a reviso de seus nveis.

Faamos uma resumo das novas direes, cujos princpios foram esboados h mais ou menos tempo e que tm apresentado cada vez mais resultados.

No estudo do alm do percurso, analisa-se o problema dos sistemas semi-simblicos. A semitica estabeleceu, a partir da distino hjelmsleviana entre semiticas monoplanas e biplanas, a diferena entre sistemas simblicos e sistemas semiticos. Para entender essa distino, preciso observar uma caracterstica dos smbolos: so grandezas isomorfas interpretao, isto , elementos dotados de contedo, mas no passveis de uma anlise em unidades menores constitutivas de uma forma da expresso correlacionada a uma forma do contedo. H, nos sistemas simblicos, uma correspondncia termo a termo entre o plano da expresso e o plano do contedo, o que significa que existe uma conformidade total entre esses dois planos. Assim, por exemplo, a cruz gamada o smbolo do nazismo. Este seu contedo. No entanto, sua expresso no constituda de unidades menores, cuja relao estabeleceria uma forma da expresso. Seu contedo, do mesmo modo, no se constitui de unidades menores. Da mesma forma, a foice o martelo so o smbolo do comunismo. Esse smbolo no se deixa analisar em unidades menores, mesmo que, historicamente, a foice simbolize o campesinato; o martelo, o proletariado e o cruzamento dos dois, a unio dessas duas classes. Na verdade, constitudo o smbolo, adquire ele um valor global e deixa de ser analisado em unidades menores.

J nos sistemas semiticos no h uma conformidade entre o plano da expresso e o do contedo. Com efeito, o contedo deixa-se analisar em semas (por exemplo, touro analisa-se em /bovino/, /macho/, /reprodutor/) e a mesma coisa ocorre com o plano da expresso, que se decompe em femas. No h, entretanto, correspondncia entre as unidades menores da expresso e as do contedo.

Os sistemas semi-simblicos so aqueles em que a conformidade entre os planos da expresso e do contedo no se estabelece a partir de unidades, como nos sistemas simblicos, mas pela correlao entre categorias (oposio que se fundamenta numa identidade) dos dois planos. Assim, na gestualidade, a categoria da expresso /verticalidade/ vs /horizontalidade/ correlaciona-se categoria do contedo /afirmao/ vs /negao/. Os sistemas semi-simblicos constituem a base dos textos poticos. So eles que explicam os efeitos de sentido gerados pelas aliteraes, pelo ritmo, pelas rimas, etc. Observemos um exemplo. Nos versos de Tibulo que seguem, nota-se uma oposio entre a concentrao de oclusivas no segundo verso e sua pequena proporo no primeiro. Essa oposio da expresso est correlacionada a uma contraditoriedade do contedo: ausncia do tropel dos netos diante dos avs vs presena do barulho que fazem.

Hic ueniat Natalis auis prolemque ministret, ludat et ante tuos turba nouella pedes (II, 2, 21-22)

Que venha o Gnio e aos avs conceda netos, e a jovem turba brinque diante de ti.

O estudo dos sistemas semi-simblicos estabelece as relaes entre o sensvel e o inteligvel, pois, ao examinar as correlaes entre categorias da expresso e do contedo, est desvelando "os mecanismos reveladores da transfigurao das sensaes em manifestaes sgnicas" (Teixeira, 1998:3). O estudo do semi-simbolismo tem um alcance terico e um, analtico. De um lado, permite discutir, com profundidade, o papel da percepo sensorial na produo do sentido; de outro, possibilita o exame acurado das relaes entre expresso e contedo (Teixeira, 1998:5-6), o que permite compreender melhor os textos poticos (no s das poticas verbais, mas tambm das poticas visuais), que se caracterizam pela presena do semi-simbolismo; as semiticas sincrticas (aquelas, como o cinema, cujo plano de contedo manifestado por diferentes planos da expresso); o processo tradutrio, seja a traduo intra-semitica dos textos poticos, seja a traduo intersemitica. Em todos esses casos, preciso no perder de vista a importncia das correlaes entre contedo e expresso.

No exame do aqum do percurso, preciso examinar as pr-condies do aparecimento do sentido. Se a significao se apresenta sob a forma de unidades discretas, preciso considerar que essa discretizao opera sobre um contnuo, que constitui uma potencialidade de sentido. Portanto, necessrio introduzir a instabilidade e o deslizamento sob a estabilidade do discurso. A linguagem uma tenso permanente entre estabilidade e instabilidade, indiferenciao e diferenciao; uma relao de equilbrio precrio derivado de foras estabilizadoras e desestabilizadoras. Como diz Jacques Fontanille, em elegante frmula, depois da fonologizao da semntica, chegou o momento de sua prosodizao. A formulao terica das pr-condies de significao permite, de um lado, compreender melhor a dimenso esttica e, de outro, a dimenso patmica da linguagem. Comecemos por discutir rapidamente a questo da experincia esttica.

Em seu livro De l'imperfection, Greimas analisa a questo da experincia esttica. Na primeira parte, intitulada La fracture, examina cinco textos, de diferentes escritores (Tournier, Calvino, Rilke, Tanizaki e Cortzar), que relatam experincias estticas, para mostrar o que a estesia. A experincia esttica um evento extraordinrio enquadrado pela cotidianeidade (1987:19), uma surrealidade englobada pela realidade (1987:32). Nela o tempo pra, o espao fixa-se (1987:15-16) e ocorre um sincretismo entre sujeito e objeto (1987:31), que esto disjuntos na temporalidade de todos os dias. Rasga-se o parecer imperfeito e aparece a "nostalgia da perfeio", "oculta pela tela da imperfeio", que constitui a realidade cotidiana (1987:17). A estesia o vislumbre do contnuo, da fuso anterior discretizao, perdida pela constituio da significao.

A leitura dessas cinco anlises, no entanto, chama a ateno para o fato de que o objeto esttico no tem nelas o mesmo estatuto. O prprio Greimas, ao iniciar a anlise do texto de Cortzar, Continuidade dos parques (1972, 11-13), chama ateno para isso, dizendo que, com o autor argentino, h uma mudana de problemtica, pois, nos outros textos, "a experincia esttica aparecia como a apreenso e a reassuno diversa de algum fragmento do mundo natural", enquanto o objeto que se d a perceber, neste caso, um "artefato, um objeto literrio construdo" - no o texto de Cortzar, mas o texto no texto - "que, progressivamente, consegue ocupar o lugar da `realidade' contextual descrita" (1987:55). Nas quatro primeiras anlises, o objeto esttico "natural", enquanto, na quinta, pertence ao domnio dos objetos culturais. Por exemplo, no de Italo Calvino, o seio nu de uma moa deitada na praia; em Rilke, o perfume do jasmim que vem do parque; em Tanizaki, a cor das sombras. Em Cortzar, ao contrrio, o objeto esttico o texto literrio.

O conto narra que um fazendeiro comeou a ler, de maneira intermitente, um livro. Um dia, depois de se ocupar dos negcios, ps-se a ler os ltimos captulos. Tomou todos os cuidados para tornar sua leitura o mais confortvel possvel. Aos poucos, comeou a afastar-se, "linha a linha, daquilo que o rodeava" e "a fantasia novelesca absorveu-o" (1972, 11),. Essa personagem do plano da enunciao enunciada penetra no enunciado, na ao romanesca, participando como testemunha do encontro das personagens do livro que estava lendo. O homem vai matar algum. Chega a uma casa, entra e encontra a personagem a ser morta. "A porta do salo, e ento o punhal na mo, a luz dos janeles, o alto respaldo de uma poltrona de veludo verde, a cabea do homem na poltrona lendo um romance" (1972, 13),. A personagem do enunciado penetra no plano da enunciao enunciada e vai matar o leitor. O conto uma narrativa da leitura de um romance, ou mais extensamente, o relato da leitura da literatura, ou mais amplamente ainda, o raconto da leitura do objeto artstico. Essa narrativa contm um esboo de uma teoria da experincia esttica. A iluso romanesca uma fora que se apodera do sujeito prestes a acolh-la (1987:57). O sujeito afasta-se da realidade enfraquecida e evanescente e absorvido pelo mundo da iluso (1987:59). H, pois, uma fuso do sujeito com o objeto. A fico uma surrealidade que acolhe em seu interior, quando da apreenso esttica, o sujeito (1987:64). Esse ato de matar suspenso "a representao simblica do impacto produzido pela obra trgica sobre o espectador, isto , da catarse aristotlica" (1987:67). A "eficcia suprema do objeto literrio - ou mais amplamente, esttico - sua conjuno assumida pelo sujeito, no est na sua dissoluo, na passagem obrigatria pela morte do leitor-espectador - pergunta Greimas (1987:67)?

Essa fuso , na verdade, uma mudana de plano enunciativo. O sujeito passa do plano da enunciao enunciada para o do enunciado enunciado. Em A rosa prpura do Cairo, de Woody Allen, a mulher, maltratada pelo marido brutal, refugia-se no cinema para esquecer as agruras de sua vida triste. Sua fuso com o objeto flmico figurativizada pela entrada na ao do filme, para viver uma histria de amor, uma vida cheia de aventuras, com o gal do cinema. Nessa outra dimenso enunciativa, o sujeito deixa a realidade da existncia, para viver, durante o tempo da experincia esttica, uma surrealidade, uma segunda vida. Esses exemplos mostram a fecundidade da questo terica das pr-condies da significao, para a compreenso de certos tipos de textos.

Por outro lado, a dimenso passional permite analisar, por meio dos procedimentos da convocao enunciativa, a retomada do contnuo no discurso. As configuraes modais esto sobredeterminadas por uma modulao, que gera efeitos de sentido patmicos. Passa-se, no estudo do componente patmico, da modalizao aspectualizao e intensidade. O conceito de aspectualizao, entendida no apenas como processo lingstico, mas como processo discursivo, no somente uma sobredeterminao do tempo, mas uma sobredeterminao de todas as categorias de enunciao, o tempo, o espao e a pessoa. Aparece tambm o conceito de foria, que, conjugando a intensidade e a extenso, produz, ao projetar-se no espao e no tempo, efeitos de andamento e de ritmo discursivos. O estudo das paixes passa a convocar, simultaneamente, grandezas discretas e categoriais (modalizaes), mas tambm grandezas contnuas e articuladas (aspectualizao e intensidade).

A aspectualizao caracteriza tipos passionais: por exemplo, temos as paixes da duratividade, como o ressentimento; paixes da pontualidade, como a ira; paixes da perfectividade, como o remorso. Ao mesmo tempo, as paixes apresentam uma intensidade. A depresso exibe um andamento lento, enquanto a agitao tem um andamento acelerado. O avaro modalizado por um querer ser, mas um querer ser que ultrapassa o simples querer no gastar. Distingue-se do econmico, porque a economia do avaro vai alm do necessrio. uma economia excessiva, desnecessria, incoerente. A impulsividade define-se por um querer fazer, ao mesmo tempo que pela incoatividade e pela intensidade.

Estudada dessa maneira, a paixo no se ope razo, mas constitui uma forma de racionalidade discursiva, permitindo analisar, de maneira bastante fina, a aspectualizao, a intensificao e a quantificao, consideradas no como categorias da lngua, mas como procedimentos de discursivizao. Na medida em que o contnuo e suas modulaes passam a fazer parte da teoria ultrapassa-se o estruturalismo, fundado no discreto e no categorial.

O caminho da Semitica comea pela proposio de uma semntica gerativa, geral e discursiva; passa pela constituio do percurso gerativo de sentido; em seguida, pela sua complexificao, com o estudo, no nvel narrativo, das modalidades do fazer e do ser e o estudo das paixes e, no nvel discursivo, com a pesquisa dos procedimentos de figurativizao e das projees da enunciao no enunciado (temporalizao, espacializao e actorializao); chega ao exame do alm do percurso, com a anlise dos sistemas semi-simblicos, e do aqum do percurso, com a investigao sobre as pr-condies de significao. A constatao de que, nessas pr-condies, esto presentes o contnuo, o indiferenciado, obriga ao estudo das categorias discursivas da aspectualizao, da quantificao e da intensificao. um projeto que busca analisar, primacialmente, os mecanismos intradiscursivos de constituio do sentido, embora no desconsidere a interdiscursividade.

O discurso cientfico no atua como o discurso religioso, que apresenta uma explicao total e definitiva para o mundo, mas, ao contrrio, faz aproximaes sucessivas do objeto. Diferentemente do discurso religioso, que no precisa da comprovao dos fatos, o discurso cientfico precisa do teste da realidade e, por isso, da sua natureza a publicidade dos resultados, o debate, a crtica e a contradio, para que esse conhecimento v aproximando-se da verdade. Por confrontar-se com os fatos da realidade (no nosso caso, da realidade discursiva) da natureza do discurso cientfico, dos projetos tericos da cincia, a mudana. necessrio sempre alterar os modelos, para que possam abranger novos fenmenos, descrevendo-os e explicando-os. Por isso, a histria inerente ao fazer cientfico. Mesmo diante de dogmatismos que se criam onde no deveriam ser produzidos, por exemplo, na Universidade, preciso acreditar, como Galileu, que eppur si muove. Como mostra Cames:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Muda-se o ser, muda-se a confiana; Todo o mundo composto de mudana, Tomando sempre novas qualidades.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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(Recebido em maio de 1998; Aceito em julho de 1998)

1 Lembramos ainda uma vez que as narrativas so simulacros das aes do homem no mundo.

2 A tradio escolar ensina que concreto/abstrato uma categoria classificatria que se aplica aos substantivos. Na verdade, ela refere-se a todos os lexemas, pois abstrato o termo que no remete a algo considerado existente no mundo natural, mas a uma categoria explicativa dos existentes, enquanto concreto o termo que se refere a elementos existentes no mundo natural. preciso entender bem o que significa mundo natural neste contexto, no aquele mundo que os sentidos do por natural, mas so os mundos que o discurso d como existentes. Ento, fada concreto, porque considerado um ser existente no mundo natural criado pelo universo discursivo do conto maravilhoso. J orgulho uma categoria explicativa de uma srie de atitudes concretas tomadas por seres efetivamente existentes em mundos naturais criados por universos de discurso. Da mesma forma, branco um adjetivo concreto, enquanto terno abstrato.

3 Observe-se que a Semitica trabalha com uma concepo ampliada de aspecto. Tradicionalmente, o aspecto era considerado um ponto de vista que sobredeterminava o tempo, indicando se o processo que se desenrolava no tempo era pontual ou durativo; em sendo durativo, se era contnuo ou descontnuo (iterativo), etc. Ora, numa perspectiva enunciativa, o aspecto um ponto de vista que incide sobre cada uma das categorias da enunciao, a saber, o tempo, o espao e a pessoa.