Semiótica de Pierce

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    WANNER, MCA. Paisagens sgnicas: uma reflexo sobre as artes visuais contemporneas [online]. Salvador: EDUFBA, 2010. 302 p. ISBN 978-85-232-0672-7. Available from SciELO Books .

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    Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce

    Maria Celeste de Almeida Wanner

  • 2UMA REFLEXO SOBRE A FILOSOFIA DE C. S. PEIRCE

    O real aquilo que no o que eventualmente dele pen-samos, mas que permanece no afetado pelo que dele possamos pensar.Charles S. Pierce, Collected Papers1 (8.12)2

    Charles Sanders Peirce (1839-1914), cientista, matemtico, historiador, fi-lsofo e lgico, graduou-se com louvor pela Universidade de Harvard em

    1Collected Papers so manuscritos de estudos peircianos, ao todo somam 90 mil, que se encontram sob os cuidados do Departamento de Filosofia da Universidade de Harvard. Esta universidade publicou, em 1931-35 e 1958, os seguintes volumes: I Princpios da Filosofia; II Elementos de Lgica; III Lgica Exata; IV A mais simples Matemtica; V Pragmatismo e Pragmaticismo; VI Cincia Metafsica; VII Cincia e Filosofia; e VIII Comentrios, Correspondncia e Bibliografia. Disponvel em: . Acesso em: 2007. 2 Usaremos a referncia CP para indicar Collected Papers de Charles Sanders Peirce, por exemplo CP 3.362, o primeiro nmero corresponde ao volume e os demais ao pargrafo.

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    qumica, alm de ter dado contribuies influentes nos campos da geodsia, biologia, psicologia, matemtica, filosofia etc. Peirce fazia parte do grupo de intelectuais e filsofos de relevncia desse perodo, dentre eles: William James, Henry James, John Dewey, Gottlob Frege, Bertrand Russell etc.

    Santaella ressalta em vrios dos seus livros a grandiosa obra de Peirce. Primeiramente, em O que semitica, essa autora o considera um Leonardo das cincias modernas (SANTAELLA, 1983, p. 19); em Matrizes da linguagem e do pensamento, sonora, visual, verbal, observa que Peirce deixou nada menos do que 12 mil pginas publicadas e 90 mil pginas de manuscritos inditos. Os manuscritos foram depositados na Universidade de Harvard [...]. (SANTAELLA, 2001, p. 6) Apenas vinte anos mais tarde, na dcada de 1930, surgiria a primeira publicao de textos coligidos nos seis volumes dos Collected Papers, editados por Hartshorne e Weiss. Infelizmente, grande parte dos textos a reunidos restringiu-se a escritos que Peirce j publicara em vida. Santaella (2000a, p. 111) reafirma que: A obra de Peirce ocenica, de uma imensido tamanha que seus limites se perdem de vista [...]. Do mesmo modo, Ivo Ibri (1992, p. xiii), compara a obra de Peirce [...] em volume de Leibniz [...].

    Desse modo, a anlise que ora apresentamos visa introduzir sucinta-mente alguns dos principais conceitos da filosofia peirciana, os quais devem ser entendidos como um apndice complementar ao assunto desenvolvido neste livro. E como Peirce no teve a oportunidade de documentar sua valiosa obra, as informaes a que tivemos acesso devem-se, portanto, ao grupo de schollars que vm se dedicando organizao, pesquisa e traduo dos manuscritos deixados por esse grande pensador, mais especificamente por Lucia Santaella, Ivo Ibri e Winfried Nth.

    A partir da diversidade existente, podemos, portanto, dizer que Peirce construiu um trabalho labirntico, no qual o pesquisador tem que se deixar levar pelos meandros do material para decifrar onde comea e termina cada parte. Por conseguinte, qualquer afirmao ou interpretao que fuja devida concepo dos seus conceitos pode se tornar um enorme equvoco. Desse modo, vamos buscar oferecer apenas concisas e precisas

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  • Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce27

    informaes, sem perder de vista o nosso foco principal, com o cuidado e o devido respeito que sua obra requer.

    Em Esttica: de Plato a Peirce, Santaella (2000a, p. 113) apresenta o quadro desenhado por Peirce que, de acordo com sua concepo pragmatista das cincias, o significado de cada cincia s aparece na rede de inter-relaes que ela entretm com as demais.

    FILOSOFIA1. Fenomenologia2. Cincias Normativas 2.1. Esttica 2.2. tica 2.3. Lgica ou Semitica2.3.1. Gramtica Pura2.3.2. Lgica Crtica2.3.3. Metodutica3. Metafsica.

    A partir desse diagrama, podemos verificar que a primeira cincia que aparece na sua filosofia a fenomenologia, seguida das cincias normativas. Assim sendo, a esttica, a tica e a lgica ou semitica so concebidas como cincias no campo da filosofia. De acordo com Santaella (2000a, p. 113-114):

    Para Peirce, a filosofia em geral tem por tarefa descobrir o que verdadeiro, limitando-se, porm, verdade que pode ser inferida da experincia comum que est aberta a todo ser humano a qualquer tempo e hora. A primeira e talvez mais difcil tarefa que a filosofia tem de enfrentar a de dar luz s categorias mais universais da experincia. Essa tarefa da alada da fenomenologia, uma quase cincia que tem por funo fornecer o fundamento observacional para o restante das disciplinas filosficas. As cincias normativas so assim chamadas porque esto voltadas para a compreenso

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    dos fins, das normas e ideais que regem o sentimento, a conduta e o pensamento humanos. Elas no estudam os fenmenos tal como aparecem, quer dizer, na sua aparncia, pois essa a funo da fenomenologia, mas os estudam na medida em que podemos agir sobre eles e eles sobre ns. Elas esto voltadas, assim, para o modo geral para o qual o ser humano, se for agir deliberadamente e sob autocontrole, deve responder aos apelos da experincia. Usando os princpios da lgica, a metafsica investiga o que real, na medida em que esse real pode ser averiguado na experincia comum. dela a tarefa de fazer a mediao entre a fenomenologia e as cincias normativas, desenvolvendo uma teoria da realidade.

    Fenomenologia

    Como podemos observar, na citao acima, a fenomenologia est em pri-meiro lugar, dada a importncia que essa cincia desempenha. A esttica, Peirce associa s cincias normativas, que descobrem leis que relacionam os fins aos sentimentos [...] ao, no caso da tica, e ao pensamento, na lgica. (SANTAELLA, 2000a, p. 141-142) J o papel da fenomenologia proporcionar o fundamento de observao lgica e metafsica, posto que elas esto relacionadas experincia com o que se exterioriza, ou seja, como o ser humano vai reagir diante do real, o que, por sua vez, se d por meio da mediao de signos. percepo interessa tudo aquilo que est no aqui e agora, nos diz Peirce, mas s percebemos aquilo que estamos equipados para interpretar. (SANTAELLA, 2000a, p. 52) A definio do termo perceber e todos os demais conceitos da obra de Peirce possuem uma ordem lgica e no podem ser tratados independentemente de outros conceitos. Perceber algo no requer apenas ver, mas estar diante de algo que se apresenta como um todo, que deve ser apreendido atravs de todos os sentidos, tanto do sensorial como do cognitivo. Assim que a filosofia peirciana entende a realidade fenomenologicamente, ou seja, o real tudo aquilo que se exterioriza, que aparece e se coloca

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    experincia, por meio de trs categorias denominadas de primeiridade, segundidade e terceiridade.

    No artigo Sobre uma nova lista de categorias (1867), Peirce apresenta suas trs categorias universais, incluindo tudo que nos afeta, seja fisicamen-te, seja emocionalmente e intelectualmente, ou o que vemos, percebemos e apreendemos. Ao dividir todas essas propriedades em gradaes, elas obedecem a um sistema composto de trs elementos formais de toda e qualquer experincia, categorias denominadas de qualidade, relao e representao. Mais tarde, Peirce substituiu o termo relao por rea-o, e o termo representao por mediao, o que veio a se tornar cientificamente em primeiridade, segundidade e terceiridade. Santaella (1983), descreve as categorias de Peirce com uma srie de exemplos que ilustram os conceitos desse filsofo. Vejamos ento, nas consideraes que se seguem, os principais conceitos luz dessa autora.

    Primeiridade a qualidade da conscincia imediata; uma impresso (sentimento) in totum, invisvel, no analisvel, frgil. Tudo que est ime-diatamente presente conscincia de algum tudo aquilo que est na sua mente no instante presente. O sentimento como qualidade , portanto, aquilo que d sabor, tom, matiz nossa conscincia imediata, aquilo que se oculta ao nosso pensamento. A qualidade da conscincia, na sua imediati-cidade, to tenra que mal podemos toc-la sem estrag-la. A secundidade a arena da existncia cotidiana, estamos continuamente esbarrando em fatos que nos so externos, tropeando em obstculos, coisas reais, factivas, que no cedem ao sabor de nossas fantasias. O simples fato de estarmos vivos, existindo, significa, a todo momento, que estamos reagindo em relao ao mundo. Existir sentir a ao de fatos externos resistindo nossa vontade, estar numa relao, tomar um lugar na infinita mirade das determinaes do universo, resistir e reagir, ocupar um tempo e espaos particulares. Onde quer que haja um fenmeno, h uma qualidade, isto , sua primeiridade. Mas a qualidade apenas uma parte do fenmeno, visto que, para existir, a qualidade tem que estar encarnada numa matria. O fato de existir est nessa corporificao material. A terceiridade, a ltima das categorias, a camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos,

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    atravs da qual representamos e interpretamos o mundo. Por exemplo: O azul, simples e positivo azul, o primeiro. O cu, como lugar e tempo, aqui e agora, onde se encarna o azul um segundo. A sntese intelectual e laborao cognitiva o azul no cu, ou o azul do cu um terceiro. (SANTAELLA, 1983, p. 51)

    Por sua vez, Ivo Ibri (1992, p. 5), com o intuito de reforar o pensamento de Peirce para inserir as trs categorias que servem de apoio fenome-nologia, nos informa que:

    As faculdades que devemos nos esforar por reunir para este tra-balho so trs. A primeira e a principal aquela rara faculdade, a faculdade de ver o que est diante dos nossos olhos, tal como se apresenta sem qualquer interpretao.[...] Esta a faculdade do artista que v, por exemplo, as cores aparentes da natureza como elas se apresentam.

    A concepo epistemolgica peirciana das trs categorias tem um des-taque especial na primeiridade, na contemplao, onde o ato de perceber requer um tipo de integrao com o que est sendo visto de tal forma que, conforme Peirce:

    Ao contemplar uma pintura, h um momento em que perdemos a conscincia do fato de que ela no uma coisa. A distino do real e da cpia desaparece e por alguns momentos puro sonho; no qualquer existncia particular e ainda no existncia geral. Nesse momento, estamos contemplando um cone. (CP 3.362)

    Considerando essas trs categorias, Ibri (1992, p. 6) as resume como ver, atentar para e generalizar, despindo a observao de recursos es-senciais de cunho mediativo. A fenomenologia, muito embora aparea como a primeira cincia no diagrama de Peirce, corresponde categoria da segundidade, visto que:

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    No fenmeno, surge a idia de outro, de alter, de alteridade; com ela aparece a idia de negao, a partir da idia elementar de que as coisas no so o que queremos que sejam, tampouco so estatudas pelas nossas concepes. [...] Esta experincia de reao envolvendo negao adjetivada de bruta por Peirce, pois traz de modo direto a fora de um segundo, caracterizado por ser esta coisa e no aquela. A experincia direta com isto que no aquilo se d num recorte do espao e do tempo, traando os contornos deste objeto, que forado e reage contra a conscincia como algo individual. (IBRI, 1992, p. 7)

    Durante o processo de experincia que inclui as categorias, Santaella (2000a, p. 116) explica que a fenomenologia peirciana realiza a proeza de integrar o geral no particular, o concreto no abstrato, dentro de uma lgica ternria que no busca se livrar do fato bruto, de um lado, alm de incluir o acaso, do outro. J a categoria da terceiridade foi concebida por Peirce para colocar a experincia fenomenolgica em processo de continuidade, ad infinitum, do continuum. nessa categoria que, conforme nos informa Peirce (apud IBRI, 1992, p. 14), existe a conscincia sinttica, ligao com o tempo, sentido de aprendizagem. [...] Da natureza do conceito e do pensamento, o elemento cognitivo deve ser geral e ter o estatuto de representao. A partir desse raciocnio onde quer que a Mediao seja predominante e que encontre sua plenitude na Representao, Terceiridade, como eu uso o termo, apenas um sinnimo para Representao (IBRI, 1992, p.15), sendo, portanto, todos esses conceitos (mediao, pensamento, cognio etc.) fenomnicos.

    Santaella (2000b, p. 50-51) discorre sobre a trade perceptiva, da seguinte maneira:

    Peirce chega a uma posio dialtica ou esquema tridico (como no poderia deixar de ser), que determina trs e no apenas dois ingredientes de toda e qualquer percepo: o percepto, o percipuum e o julgamento perceptivo. [...] Perceber perceber algo externo a ns. Mas no podemos dizer nada sobre aquilo que externo, a

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    no ser pela mediao de um julgamento perceptivo. Aquilo que est fora, Peirce denomina percepto, aquilo que nos diz o que ns percebemos o julgamento perceptivo.

    Por percepto, Santaella (2000b, p. 53) define tudo aquilo que se apresenta, e que percebemos, e isso nos chega apreendido num ato de percepo, algo que est fora de ns e de nosso controle; o percepto tem realidade prpria no mundo que est fora de nossa conscincia, e que apreendido pela conscincia no ato perceptivo. O percipuum (objeto imediato da percepo) faz o percepto (objeto dinmico da percepo) se conformar a uma determinada configurao. Por ltimo, o juzo perceptivo o julgamento de percepo ou juzo perceptivo que vai nos dizer o que estamos interpretando; este ltimo que nos diz algo sobre o que percebido.

    Esttica

    Como nos diz Santaella (2000a, p. 188-189), [...] Peirce foi buscar no kals grego, algo que toda alma vagamente deseja e muito mais vagamente percebe um ideal admirvel, tendo a nica forma de excelncia que uma idia desse tipo pode ter: a excelncia esttica.

    A noo de esttica vem da Grcia, quando esse termo estava associa-do relao do homem com a natureza. Somente a partir de meados do sculo XVIII, aproximadamente nos anos de 1750, a esttica aparece como cincia atravs de Alexander Gottlieb Baumgarten. Diante do exposto, no deve causar nenhum estranhamento o significado atribudo por Peirce a esse termo admirabilidade , ideal, como vamos verificar em Santaella (2000a, p. 13):

    Peirce no deixou nenhum tratado sobre esttica. Mas, no obs-tante tenha, quando jovem, estudado, com muito cuidado e paixo, as cartas Sobre a Educao Esttica da Humanidade de Johann

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    Christoph Friedrich von Schiller (1759 1805), e fosse um grande conhecedor da obra de Kant, no obstante tivesse um grande in-teresse pelas artes. [...] Mas, sobretudo a partir de 1900, a Esttica passou a ocupar um lugar proeminente na arquitetura filosfica de Peirce a um tal ponto que, sem a compreenso aprofundada do papel fundamental por ela desempenhado como alicerce da tica e, por extenso, da lgica ou semitica, no possvel entender o seu segundo pragmatismo.

    Sendo a primeira das cincias normativas, Santaella (2000a, p. 114) sublinha que na esttica peirciana o ideal esttico nutrido pelo cultivo de hbitos de sentimentos. Sendo as obras de arte aquelas coisas que encarnam qualidades de sentimento, os hbitos de sentimento s podem ser cultivados atravs da exposio de nossa sensibilidade s obras de arte.

    Quando Peirce afirma ser a esttica, juntamente com a tica e a lgica, responsveis pela busca de um ideal admirvel o que ele queria dizer com isso? Vejamos o que Santaella (2000a, p. 127) nos descreve:

    O admirvel por si s pode ser uma natureza esttica. S qualidades, reino da Esttica, so admirveis sem exigir explicaes. O estado de coisas admirveis no pode, assim, ser determinado aporiticamente; uma meta ou ideal que descobrimos porque nos sentimos atrados por ele como tal, e nele ficamos emanados, empenhando-nos na sua realizao concreta.

    Tais consideraes nos levam a entender que a esttica uma cincia voltada para o conhecimento e o crescimento; portanto, as artes devem ser compreendidas na filosofia peirciana dessa maneira. Tanto assim, que

    as obras de arte no so apenas ambguas encarnaes de qualidades e sentimentos, mas formas de sabedoria, de um tipo em que convida a razo a se integrar ludicamente ao sentir. (SANTAELLA, 2000a, p. 150) So elas que enchem de prazer esttico tanto o artista, poetas e escritores, como aos que as apreendem com todos os seus sentidos.

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    Todavia, de acordo com Santaella (2000a, p. 182), nada pode haver de mais vago, incerto, indeterminado e impreciso do que qualidades de sen-timento. A obra de arte seria aquela instncia semitica muito rara, capaz de realizar a proeza de dar corpo e forma ao incerto e indeterminado.

    De acordo com esta autora, para Peirce, nenhum cone representa nada alm de forma, nenhuma forma pura representada por nada a no ser um cone [...] pois, em preciso de discurso, cones nada podem representar alm de formas e sentimentos, mas, ao mesmo tempo [...], o cone [...] , no entanto, o mais revelador, porque na sua ambigidade capaz de flagrar o cerne da realidade, l onde o ambguo e o indeterminado fazem sua morada. (SANTAELLA, 2000a, p. 184-185)

    Santaella (2000a, p. 180-181) nos informa que Jorge Luis Borges apre-sentou passagens admirveis, observando que:

    A msica, os estados de felicidade, a mitologia, as cores trabalhadas pelo tempo, certos crepsculos e certos lugares querem nos dizer algo, ou disseram algo que no deveramos ter perdido, ou ento para dizer algo, esta iminncia de revelao, que no se produz, , talvez, o fato esttico. Foi isso o que sempre ensinei, limitando-me ao fato esttico, que no pode ser coisa de definio. O fato esttico algo to evidente, imediato e indefinvel quanto o amor, o gosto da fruta, a gua.

    O prazer esttico luz desses estudiosos tem um significado especial; um sentimento que possui um continuum e visa atingir um ideal: gerar hbitos, comunho de pensamento, aprendizado e conhecimento, algo que no pode ser aplicado indeterminadamente a qualquer tipo de arte. Santaella (2000a, p. 34) mais uma vez nos diz que em um lindo ensaio sobre Beleza e Imitao, Jacques Maritain comps o belo de Santo Toms numa orquestrao potica que merece ser ouvida[...], pois:

    O belo que d alegria, no qualquer alegria, mas alegria no conhe-cimento; no na alegria peculiar do ato de conhecimento, mas uma

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  • Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce35

    alegria super abundante, extrapolada. Se algo exalta e delicia a alma pelo simples fato de ser achado na intuio da alma, bom de ser apreendido, belo. A beleza essencialmente o objeto de inteligncia, pois o que conhece, no pleno sentido da palavra, a mente. Apenas ela aberta para a infinitude do ser. [...] O belo se relaciona viso e audio entre todos os sentidos porque esses dois so mxima cognoscitiva. [...] O belo conatural ao homem aquele que vem dedicar alma atravs dos sentidos e suas intuies. Esse tambm o belo particular de nossa arte que trabalha sobre uma matria sensvel para o paraso terrestre, porque restaura, por um breve momento, a paz simultnea e a delcia da mente e dos sentidos.

    tica

    A tica determina a lgica atravs da anlise dos fins aos quais esses meios se dirigem; a esttica determina a tica ao definir qual a natureza de um fim que seja em si mesmo admirvel e desejvel em quaisquer circuns-tncias, independentemente de qualquer outra espcie de considerao. Em Peirce (2005), a tica e a lgica so subsidirias da esttica, visto que a tica recebe seus princpios bsicos da esttica. Assim, a ao deve ser baseada em atos admirveis (e, portanto, controlados por esse princpio), remetendo mais uma vez ao summum bonum.

    Nas palavras de Peirce (CP 2.199), possvel ter uma noo mais adequada dessa associao entre a tica, a esttica e a lgica. Vejamos:

    [...] para apresentar a questo da esttica em sua pureza, devemos eliminar dela no apenas todas as consideraes acerca de esforo, mas todas as consideraes sobre ao e reao, incluindo toda considerao acerca da nossa recepo do prazer, tudo, em sn-tese, que pertena oposio entre ego e no-ego. No temos em nossa lngua uma palavra com a generalidade requisitada. O grego kals, o francs beau apenas se aproximam, sem atingi-la

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    exatamente na cabea. Fine seria uma pobre substituta. Belo mau, porque um modo de ser kals depende essencialmente da qualidade ser no-bela. Talvez, contudo, a frase o belo do no belo no fosse ofensiva. Mas beleza muito superficial ainda. Usando-se kals, a questo da esttica : Qual aquela qualidade que, na sua presena imediata, kals? Desta questo, a tica deve depender, assim como a lgica deve depender da tica. A esttica, portanto, embora eu a tenha negligenciado terrivelmente, aparece possivelmente como a primeira propedutica indispensvel para a lgica, e a lgica da esttica constitui uma parte distinta da cincia lgica que no deve ser omitida.

    Lgica ou Semitica

    A semitica concebida por Peirce, que tem sua origem durante o perodo correspondente ao final do sculo XIX e incio do sculo XX, conside-rada uma cincia dentro de uma obra filosfica arquitetnica, conforme ilustrado atravs do quadro elaborado por esse filsofo, j apresentado. Santaella (1983, p. 7) assinala que o termo semitica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Devido sua constituio e sendo por definio a cincia que estuda todos os tipos de signo , a semitica pode ser aplicada amplamente em estudos de vrias reas. Conforme a referida autora, semitica a cincia que tem por objeto de investigao todas as linguagens possveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituio de todo e qualquer fenmeno de produo de significao e de sentido. (SANTAELLA, 1983, p. 13)

    Vamos encontrar outras definies em Nth (1995a, p. 19), que assegura que a semitica a cincia dos signos e dos processos significativos (semio-se) na natureza e na cultura, o que vem reforar o nosso entendimento de que dentro dessa ampla possibilidade de abrangncia, encontram-se as artes visuais, que, por serem uma linguagem no-verbal e tambm signo, podem ser analisadas atravs dessa cincia e dos seus meios de representao.

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    Contudo, esse termo mais recente do que suas primeiras aplicaes, as quais estavam implicadas nos conceitos da filosofia da Grcia antiga. Ainda de acordo com Nth (1995a, p. 19-20), o mdico grego Galeno de Prgamo (139-199), por exemplo, referiu-se diagnstica como sendo a parte semitica (semeiotikn mros) da medicina [, e, assim como John Locke,] postulou uma doutrina dos signos com o nome de Semeiotik, [e, no sculo XVII, em 1764, Johann H. Lambert escreveu] um tratado especfico intitulado Semiotik. No sculo XX, logo aps os meados da dcada de 1960, o estudo desta cincia foi retomado por Thomas Sebeok. Portanto, de Saussure a Peirce, o signo entendido por meio de diferentes definies.

    Segundo Santaella e Nth (1997, p. 24), tanto Saussure quanto Hejelmslev fundaram a tradio do signo concebido a partir de um paradigma lingstico e suas concepes se caracterizavam como uma semitica didica, do mesmo modo como se caracterizam os semioticistas da Escola de Moscou e Tartu. Somente mais tarde, na dcada de 1970, em decorrncia da traduo para o ingls das obras da escola de Moscou, Tartu e do Crculo de Bakhtin, foi que os estudos da semitica direcionaram-se para a cultura em geral. (SANTAELLA e NTH, 1997, p. 79)

    No obstante a obra de Charles Peirce ter sido criada anteriormente a esses semioticistas j mencionados, s na dcada de 1970 que a se-mitica peirciana foi divulgada graas a Roman Jakobson, que mostrou a importncia da rica herana e do amplo domnio de pesquisa semitica deixada por Charles Sanders Peirce [...] para o estudo dos mais diversos processos de signos. (SANTAELLA e NTH, 1997, p. 79) Continuando suas observaes e concluindo com as informaes sobre a parte histrica, esses autores ainda esclarecem que:

    Assim como a comunicao, tambm os signos, isto , a produo de trocas simblicas sempre existiu e so fatores de constituio da prpria condio humana. Por isso mesmo, a semitica, mesmo que nem sempre com esse nome, enquanto reflexo sobre a linguagem e seus sentidos, teve suas origens j no mundo grego e atravessou, com caractersticas prprias de sua poca, toda a histria humana desde ento. (SANTAELLA e NTH, 1997, p. 24)

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    Ressaltamos que a trade semitica envolve dois tipos de relaes: determinao e representao. As relaes de representao dependem das relaes de determinao, pelo fato de a representao somente poder ocorrer atravs de uma determinao provocada pela mediao. Assim, a semitica ocupa-se do estudo do processo de significao, ou seja, pelos meios da representao, de uma forma ampla e geral, no obstante, neste livro, nosso eixo ser a representao nas artes visuais.

    Signo

    Muito embora diversos sejam os significados do signo, preciso alguns esclarecimentos bsicos sobre sua definio. Para Peirce (2005, p. 46), um

    signo aquilo que sob determinado aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para algum. Desse ponto de vista, todo pensamento signo, incluindo a natureza, todos os seres naturais, as ideias, os sentimentos, assim como o prprio homem. Para Santaella (2000b, p. 12):

    Signo ou representamen aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para algum. Dirige-se a algum, isto , cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto no em todos os seus aspectos, mas com referncia a um tipo de idia que eu, por vezes, denominei funda-mento do representamen.

    Na teoria dos signos, signo ou representamen o primeiro que est em relao de representao para um segundo o objeto , para fins de sua significao em um terceiro, seu interpretante. A noo peirciana de signo consiste, portanto, nessa relao tridica: signo-objeto-interpretante, uma relao tambm denominada de semiose que, pode ser conside-

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    rada como sinnimo de inteligncia, continuidade, crescimento e vida. (SANTAELLA e NTH, 2004, p. 157) Ora, se um signo tem a inteno de representar um objeto (ou partes dele) atravs da mediao de um signo entre um objeto dinmico e um interpretante final, nas artes visuais podemos ilustrar essas definies a partir de qualidades, prprias da categoria da primeiridade, isto , sensao provocada pelas cores, pelas formas, textura etc. Nesse caso, o signo da pintura, em princpio, so essas qualidades. Outro exemplo nos dado, por Santaella e Nth (2004, p. 198), sobre o conceito de representao:

    A semitica peirciana uma teoria complexa e multifacetada da re-presentao. Esta apresenta variantes como apresentao, a quase-representao at o limite da presentificao. [...] Os conceitos de representao de mediao esto carregados de implicaes filosficas, [...] por representar o objeto que o signo pode cumprir a funo mediadora.

    Desde o incio de suas pesquisas sobre o signo, onde se debruou intensamente por toda a sua vida, Peirce concebeu trs tricotomias, a saber: a primeira, relacionada natureza material do signo, ou seja, uma relao de pura qualidade, de sensaes, de singularidade, de liberdade, na qual se encontra a arte, um signo que encerra qualidades. Nessa relao no h um segundo, uma alteridade como efeito bruto. Porm, h de se considerar que existe um diferente tipo de objeto, que pode ser qualquer coisa, como sentimentos, emoes, ideias do artista etc. Ento, devemos entender que esse objeto est representado no quali-signo, ou seja, o representamen, como quali-signo o ponto principal da semiose artstica. Nesse aspecto, um signo pode ser um quali-signo, um sin-signo ou um legi-signo. Na segunda, existe uma relao do signo com seu objeto, podendo o signo ser cone, ndice ou smbolo, e por ltimo, a terceira, que relaciona o signo ao seu interpretante, em cuja relao o signo pode ser um rema, um dicente ou um argumento.

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  • 40PaisagensSgnicas

    Face s consideraes enunciadas, as divises do signo, portanto, se estabelecem como as mais conhecidas das trades formuladas por Peirce e descritas por Santaella (2000b, p. 92), a saber:

    Ao signo em si mesmo (quali-signo, sin-signo, legi-signo), relao do signo com o objeto dinmico (cone, ndice, smbolo), e relao do signo com seu interpretante (rema, dicente, argumento). [...] Cada uma dessas divises foi ento re-subdividida de acordo com as variaes prprias das categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade. Os signos em si mesmos podem ser: 1.1 qualidades; 1.2 fatos; e 1.3 ter a natureza de leis ou hbitos. Os signos podem estar conectados com seus objetos em virtude de: 2.1 uma similaridade; 2.2 de uma conexo de fato, no cognitiva; e 2.3 em virtude de hbitos (de uso). Finalmente, para seus interpretantes, os signos podem representar seus objetos como: 3.1 sendo qualidades, apresentando-se ao interpretante como mera hiptese ou rema; 3.2 sendo fatos, apresentando-se ao interpretante como dicentes; e 3.3 sendo leis, apresentando-se ao interpretante como argumentos. Dessas nove modalidades, Peirce extraiu as combinatrias possveis.

    Segundo Peirce, um cone estritamente uma possibilidade envolvendo uma possibilidade, e assim, a possibilidade de ele ser representado como uma possibilidade a possibilidade da possibilidade envolvida (CP 2.31), e por ser um signo cuja qualidade significante provm meramente da sua qualidade (CP 2.92), ele inscreve-se na primeiridade. Em artes visuais, os exemplos mais comuns de hipocones so pinturas e fotografias. Nth (1995a, p. 80), explica que um cone puro um signo que serve como signo pelo fato de ter uma qualidade que o faz significar. Em vista disso, o cone puro pode apenas constituir um fragmento de um signo mais completo. Por no alcanar a segunda categoria, o cone no tem existncia em relao ao seu objeto. O seu objeto tudo aquilo que a ele semelhante.

    Embora a complexidade da obra de Peirce seja notria para seus pes-quisadores, como j informamos anteriormente, Santaella (2000b, p. 5) sugere que devemos:

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  • Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce41

    Aprender a olhar os signos de frente, tanto na finssima pelcula de sua superfcie, quanto na viso em raio X, despidos dos subterfgios ardilosos que o racionalismo exclusivista no cessa de procriar, poderemos imediatamente enxergar com nossos olhos renovados as eternas questes do real, da referncia, do sujeito, do papel da representao e da interpretao. A obra de Peirce tem muito a nos ajudar.

    Isto porque vivemos num mundo povoado cada vez mais por signos, a tal ponto que, ainda segundo essa autora, se Peirce tivesse vivido neste sculo, teria se surpreendido com os avanos semiticos, provocados pela prpria caracterstica de nossa era, do milnio digital das mquinas inteligentes.

    Objeto

    Santaella (2000b, p. 34-35) evidencia a imensa complexidade da noo do objeto, ou melhor, a enorme gama de variaes que essa noo pode recobrir, complementando:

    Para abrirmos caminho no labirinto dessas variaes, creio que cumpre reter, para comear, que o objeto algo diverso do signo e que este algo diverso determina o signo, ou melhor: o signo representa o objeto, porque, de algum modo, o prprio objeto que determina essa representao; porm aquilo que est representado no signo no corresponde ao todo do objeto, mas apenas a uma parte ou aspecto dele. Sempre sobram outras partes ou aspectos que o signo no pode preencher completamente.

    Desse modo, podemos dizer que o objeto tudo que pode ser expresso por um signo, todavia, em virtude da diversidade irredutvel entre signo e objeto que Peirce introduz a noo de experincia colateral com aquilo que o signo denota, ou representa, ou se aplica, isto , seu

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  • 42PaisagensSgnicas

    objeto. (SANTAELLA, 2000b, p. 35) Mas o que podemos entender por experincia colateral?

    Experincia colateral algo que est fora do signo, portanto fora do interpretante que o prprio signo determina. Na medida em que o interpretante uma criatura gerada pelo prprio signo, essa criatura recebe do signo apenas o aspecto que ele carrega na sua correspon-dncia com o objeto e no com todos os outros aspectos do objeto que o signo no pode recobrir. (SANTAELLA, 2000b, p. 36)

    A experincia colateral, de acordo com Peirce (CP 8.181), significa que, para conhecer o objeto, preciso uma experincia prvia desse objeto individual, pois enquanto o signo denota o Objeto no precisa de especial inteligncia ou Razo da parte de seu Intrprete. [...] para conhecer o Objeto, o que preciso a experincia prvia desse Objeto Individual. Com a diviso do objeto, em imediato e dinmico, podemos dizer, segundo Santaella (2002, p. 34), que o objeto imediato denota um objeto dinmico e, portanto,

    [...] o melhor caminho para comear a anlise da relao objetal o do objeto imediato. Afinal, parece no haver outro modo de come-ar, visto que o objeto dinmico s se faz presente, mediatamente, via objeto imediato, este interno ao signo.

    A diviso dos objetos do signo em dinmico e imediato mostra que, com o objeto dinmico, Peirce (5.212) identificou aquilo que est fora da cadeia sgnica, aquilo que algumas vezes ele chamou de real ou

    realidade, mas que pode ser tambm fictcio. E diante da pergunta em que medida esse objeto que est fora participa do processo sgnico?, Santaella (2000b, p. 46) lembra que, de acordo com Peirce, o fato de o objeto dinmico ser mediado pelo objeto imediato no o leva a perder o poder de exercer uma influncia sobre o signo, uma vez que o signo s funciona como tal porque determinado pelo objeto dinmico.

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  • Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce43

    cone, ndice e Smbolo

    O cone um signo cujas condies de significao prescindem da existn-cia de seu objeto, isto , o cone pode significar quer seu objeto seja uma existncia ou realidade. O cone prescinde do objeto para significar. Toda hiptese icnica. O ndice o signo que significa to somente atravs de seu vnculo existencial com o seu objeto. Desta forma, a existncia do objeto que determina a possibilidade interpretante do ndice. O ndice no prescinde do objeto para significar. O smbolo representa atravs de uma lei geral (regras), convencional ou semiconvencional. O smbolo refere-se ao que possa concretizar a ideia ligada palavra. Quanto sua diviso vejamos, nos dois trechos a seguir, a definio de Peirce:

    Os signos so divisveis conforme trs tricotomias; a primeira, con-forme o signo em si mesmo for uma mera qualidade, um existente concreto ou uma lei geral; a segunda, conforme a relao do signo para com seu objeto consistir no fato de o signo ter algum carter em si mesmo, ou manter alguma relao existencial com esse objeto ou em relao com um interpretante; a terceira, conforme seu inter-pretante, represent-lo como um signo de possibilidade ou como um signo de fato ou como um signo de razo. (PEIRCE, 2005, p. 51)

    Uma progresso regular de um, dois, trs pode ser observada nas trs ordens de signos, cone, ndice e Smbolo. O cone no tem conexo dinmica alguma com o objeto que representa; simples-mente acontece que suas qualidades se assemelham s do objeto e excitam sensaes anlogas na mente para a qual uma semelhana. Mas, na verdade, no mantm conexo com elas. O ndice est fisicamente conectado com seu objeto; formam, ambos, um par orgnico, porm a mente interpretante nada tem a ver com essa conexo, exceto o fato de registr-la, depois de ser estabelecida. O Smbolo est conectado ao seu objeto por fora da idia da mente-que-usa-o-smbolo, sem a qual essa conexo no existiria. (PEIRCE, 2005, p. 73)

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  • 44PaisagensSgnicas

    Metafsica

    Na filosofia de Charles S. Peirce, a metafsica procura explicar como o mundo deve ser e como ele se apresenta compatvel com as determinaes da feno-menologia, sendo, portanto, a metafsica a cincia que estuda a natureza, suas leis, comportamento, regularidades, repeties, hbitos etc. De acordo com Ibri (1992, p. 123), as trs categorias da metafsica correspondem tambm ao acaso (primeiridade), existncia (segundidade) e lei (terceiridade):

    A Metafsica iluminar a compreenso semitica, e um dos pontos focais de luz emana do fato de que a forma do objeto se impe forma com um carter explicitamente ontolgico de morph, cabe registrar, tambm, que tal carter se perdeu ao longo da histria.

    Na filosofia peirciana, o acaso manifesta-se na forma de variedade, diversidade, mera possibilidade. Sua principal caracterstica a liberdade, a espontaneidade. A primeiridade metafsica , portanto, o acaso entendido como princpio de liberdade presente na natureza, como uma propriedade que se manifesta no mundo na forma de assimetria. Uma vez que a primeira categoria ontolgica diz respeito ao mero poder-ser, quele estgio em que ainda no se manifestou a existncia, mas apenas em potencialidade para vir-a-ser, ento no podemos afirmar a existncia de informao no mbito da primeiridade. Se o problema da representao se encontra enfatizado por Peirce na sua teoria formal dos signos, os problemas da realidade e da verda-de so abordados, respectivamente, no mbito da sua fenomenologia, isto , na teoria das categorias, e no mbito da teoria pragmtica dos signos.

    Pragmatismo e Semiose

    Segundo Santaella (2004a, p. 240), a primeira proposta do pragmatismo foi feita em 1878, particularmente nos ensaios Como tornar nossas idias claras e A fixao das crenas, mas, apenas em 1898, as ideias de Peirce referentes a esse tema foram expostas, atravs de William James, durante palestra

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  • Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce45

    proferida na Universidade da Califrnia. Tal foi a repercusso, que Peirce retomou sua anlise anterior de crena em cujo ncleo estava inserida sua original concepo de hbito. A partir de ento, Peirce tambm retoma

    a teoria dos signos, especialmente dos interpretantes. (SANTAELLA, 2004a, p. 241) Santaella (2004a, p. 242) conclui, assim, que, para Peirce, uma crena no nos coloca em ao prontamente, mas sim numa condio tal que deveremos agir de um certo modo quando a ocasio surgir.

    Santaella (2000b, p. 75) observa que, segundo Savan (1976),

    O efeito semitico pleno de um signo, se o seu propsito ou inten-o viesse a ser atingido, o interpretante final daquele signo. Uma vez que esse propsito fornece a norma que influencia a sucesso dos interpretantes dinmicos, ele tambm pode ser chamado de interpretante normal. E uma vez que a evoluo de interpretantes dinmicos sucessivos tende para o padro estabelecido pelo inter-pretante final, seja este padro, de fato, plena e exatamente satisfeito ou no, ele tambm pode ser chamado de interpretante destinado. A ao desse padro, na medida em que ele afeta e influencia cada interpretante dinmico real, o que lhe d vida e poder para se transformar em um hbito e numa crena.

    Assim posto, por pragmatismo, entende-se a ao do homem frente a uma experincia fenomenolgica, ou seja, a ao perante o alter, um segundo, o objeto, o real, e a maneira como ele reage, que necessita tanto a anlise dos signos como dos interpretantes. Atravs desses estudos, Peirce, ento, poderia investigar a conduta, e a partir de sua regularida-de, a aquisio de hbito. Diferentemente de outras mentes, algumas j cristalizadas, a mente humana aquela que est mais propensa a adquirir hbitos, romper com eles atravs da ao, estabelecendo novas crenas e novos hbitos. Trata-se, por conseguinte, de um processo evolutivo de conhecimento, de devir, pois o universo no esttico. Para ilustrar essas reflexes, escolhemos um trecho do artigo de Ivo Ibri, O paciente objeto da semitica, no qual esse autor poeticamente descreve o conceito do objeto, real e semitica. Assim, vejamos:

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  • 46PaisagensSgnicas

    Qual divindade entediada de sua onipotncia, o poeta descobre encanto em sua impotncia em anoitecer a noite. A noite diz no e o desafia a encontrar uma poesia possvel escrita em uma espcie de face oculta da alteridade. Dotado pelos deuses do poder mgico de sempre dizer de modo oblquo toda a verdade, o poeta depara agora com o efetivamente verdadeiro. No mais poder dizer que o universo idia sua, no mais poder trair a noite: num fechar de olhos suprimir-lhe a existncia. Algo exterior desafiadoramente permanece. Algo objeta. Algo Objeto. , fundamentalmente, a este ser real que Peirce se refere em sua famosa trade semitica: Signo, Objeto, Interpretante. Esta exterioridade sempre desafiadora que denominamos Mundo, Natureza, sedutoramente convidativa decifrao pela cincia, produo infinita de arte no dizer de Schelling. [...] Uma imediata admirabilidade suprime conscincia o tempo, e a insere novamente, desperta para a temporalidade da observao intencionalmente cognitiva. Contudo, conhecer como um transcender da mera aparncia, como busca de um modo de ser, necessita da permanncia e daquela independncia do objeto que far com que este negue representaes falsas, ou seja, aquelas que predizem um curso dos fatos distinto do observvel curso dos fatos. (IBRI, 1996, p. 115-117)

    Santaella e Nth (2004, p. 160-161), observam:

    Que a semitica tambm uma teoria da comunicao, est im-plcito, em primeiro lugar, no fato de que no h comunicao sem signos. Em segundo lugar, est implcito no fato de que a semiose , antes de tudo, um processo de interpretao, pois a ao do signo a ao de ser interpretado em um outro signo. Por isso mesmo, o significado de um signo um outro signo e assim por diante, processo atravs do qual a semiose est em permanente devir.

    A esse processo de transitao sgnica, Peirce denomina de semiose, ou seja, o procedimento que transforma um signo em outro infinitamente.

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  • Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce47

    Na semiose, o objeto dinmico equivale realidade e o interpretante final verdade. Se fosse possvel o signo se desenvolver at o ponto de chegar realizao do limite do seu potencial, teramos a revelao perfeita do objeto dinmico, quando haveria uma superposio entre o real e a verdade. Da o real ser sinnimo de verdade.

    Charles Sanders Peirce: uma possvel Filosofia da Natureza

    Entra em teu barco do devaneio, desatraca no lago de pen-samento, e deixa o sopro do firmamento encher tua vela. Com teus olhos abertos, acorda para o que est volta ou dentro de ti, e abre conversa contigo mesmo; pois assim toda meditao. Charles Sanders Peirce (CP 6.461)

    De acordo com Ivo Ibri,3 a filosofia da natureza teve seu maior expoente no filsofo alemo Friedrich Wilhelm Joseph Von Schelling, que reconstri uma filosofia na Alemanha de exploso do Romantismo, na passagem do sculo XVIII ao sculo XIX. Schelling recorria ideia de vida, de paixo, de inspirao e de beleza, contrariando o conceito de uma viso de mundo mecanicista; um mundo que desde o sculo XVI fora concebido como um mundo mecnico. Nesse momento, Schelling vai presentear os seus amigos poetas com a experincia maravilhosa de contemplar, atribuir vida onde h vida, inspirado nos gregos que povoaram a natureza de deuses porque eles a enxergaram como destino de vida, de inteligncia e de aperfeioa-mento. Geneticamente, para Schelling, a natureza rica em diversidade, em qualidade, em assimetria, diferentemente de um mundo estritamente com leis mecnicas. Porm, em termos de qualidade, no h repetio, visto que todos os dias o sol se pe, a cada dia o pr do sol diferente e essa qualidade no se repete, a natureza uma celebrao. O sentido da palavra natureza, no entanto, j mostra a particularidade do pensamento de

    3Anotaes das aulas do professor Dr. Ivo Assad Ibri, na disciplina Filosofia: um dilogo entre Schelling e Peirce, ministrada na PUC/So Paulo, no segundo semestre de 2007.

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  • 48PaisagensSgnicas

    Schelling, pois se trata de uma natureza concebida de modo extremamente autntico, instaurada na verdade, como um momento de interpenetrao entre necessidade e liberdade, entre real e ideal, e de encantamento pela unidade de contemplao: o espao e o tempo em que o eu se perde numa coisa maior que ela prpria (natureza); lugar onde a razo e a memria se desmobilizam; lugar onde o eu e o no eu desaparecem; uma experincia de unidade aglutinante, de unidade agpica.

    Ibri fala da natureza como o lugar onde a unidade agpica reside em plenitude, concepo semelhante ao conceito de belo que, para Schelling (2001b, p. 193), do mesmo modo, retorna sempre natureza, pois esse conceito , antes de qualquer coisa, a obra de arte: Na arte, o mistrio da criao se torna objetivo, e a arte , justamente por isso, pura e simplesmen-te criadora. Por ser sensvel, o belo encanta, mas no tem permanncia; um jogo constante entre o particular e o geral; onde a verdade corres-ponde necessidade, ao bem, liberdade, a qualidades que so prprias da arte. Ainda, segundo Schelling (2001b, p. 193), chamamos de bela uma figura em cujo delineamento a natureza parece ter jogado com amor, liberdade e com a mais sublime clareza de conscincia, mas sempre nas formas, nos limites, da mais rigorosa necessidade e legalidade. Para esse filsofo, a arte , por conseguinte, uma sntese ou interpretao recproca absoluta de liberdade e necessidade. Sua filosofia nos diz que a natureza um sistema que nunca est em repouso. Independente de nossa obser-vao sobre seu desenvolvimento, todos os seres naturais crescem, cada um cria hbitos a depender de seu prprio tempo. A ns ela no aparece como um todo, so sempre recortes, e o nico conhecimento imediato que possumos do nosso prprio ser. [...] Fora de ns nunca poderemos compreender, mas pod-lo-emos se ela se realiza em ns, porque nesse caso somo-la, ela que constitui a nossa prpria natureza. (SCHELLING, 2001b, p. 193) Na apreciao de Santaella (2000a, p. 72), Schelling queria construir uma sntese da arte e da filosofia, na medida em que, para ele, ambas so representativas [...] e relacionadas com o corpo disponvel de representaes compartilhveis. Contudo, havia uma questo presente na filosofia da natureza que era chegar inteligncia, partindo da natureza,

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  • Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce49

    e para esse filsofo a natureza, como um sistema evolutivo, se desenvolve a partir de suas prprias leis.

    Segundo Ibri (1992, p. 57), para Peirce, a natureza somente parece inteligvel na medida em que parece racional, ou seja, na medida em que seus processos so considerados similares a processos de pensamento. Tal entendimento de Peirce tambm reconhecido por Santaella (2000b, p. 148-149), na passagem que se segue:

    A natureza um repertrio de fatos muito mais vasto e muito menos claramente ordenado do que um relatrio do censo; e se a humanidade no tivesse vindo a ela com aptides especiais para adivinhar corretamente, teramos tudo para duvidar se, nos dez ou vinte mil anos de sua existncia, suas grandes mentes teriam sido capazes de chegar quantidade de conhecimento. [...] Todo conhecimento humano, at os mais altos pncaros da cincia, no seno o desenvolvimento de nossos instintos animais inatos. sempre a hiptese mais simples, no sentido de mais dcil e natural, aquela que o instinto sugere, aquela que deve ser proferida.

    Consequentemente, a relao do homem com a natureza no apenas uma relao de escolha, ou seja, o homem no se volta natureza por vontade prpria e nela tenta descobrir um mundo diferente do seu, mas, pelo contrrio, homem e natureza esto ligados por elos que so inerentes sua constituio. Ainda segundo Santaella (2004a, p. 104-106), de acordo com Peirce:

    No pode haver nenhuma dvida razovel de que a mente humana, tendo se desenvolvido sob as influncias das leis naturais, pensa naturalmente por essa razo, de um modo similar aos padres da natureza. [...] A espcie humana desenvolveu essa faculdade provavelmente no curso do crescimento evolutivo de sua consti-tuio fsica e mental. Certas uniformidades, certas idias gerais de ao. Certas leis de movimento operam por todo o universo, e a mente humana, a mente raciocinante um produto dessas leis

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  • 50PaisagensSgnicas

    altamente onipresentes. [...] O homem tem o insight natural das leis da natureza.

    luz desse entendimento, Richard Rorty assim se expressa:

    Sendo parte da natureza, a mente emergiu do mesmo processo evolutivo que perpassa a biosfera. H, consequentemente, uma conaturalidade entre a mente e o cosmos, o que significa que o homem tem uma afinidade com a natureza, est em sintonia com ela, e possui uma adaptao natural para imaginar teorias e idias que traduzem essa sintonia. Mente e natureza desenvolvem-se juntas, esta ltima implantando, na primeira, sementes de idias que iro amadurecer em comum concordncia. (RORTY, 1988 apud SANTAELLA, 2004a, p. 106)

    Essa teoria vai desmistificar algumas ideias presentes no pensamento humano, sobretudo na cultura ocidental, de que o homem um ser supe-rior que cria e domina a natureza sua vontade. Do mesmo modo que Schelling (2001b) entende o belo como um conceito de vida, de beleza natural, beleza orgnica, beleza no sentido do sistema inteligente e dotada de telos (palavra grega que significa fim, realizao, objetivo, misso), a esttica conhecida como a filosofia do belo tambm para Peirce a filosofia da admirabilidade, do que admirvel, o modo pelo qual algum age para atingir, alcanar o ideal, a natureza da experincia puramente sensvel. O sentido da palavra admirvel de Peirce est contido, segundo Santaella (2004a, p. 147), nas palavras de Schelling:

    O mundo ideal move-se poderosamente para a luz, mas ainda refreado pelo fato de a Natureza se ter retirado como mistrio. Os prprios segredos que residem no mundo ideal no se podem tornar verdadeiramente objetivos seno no referido mistrio da Natureza. As divindades ainda desconhecidas, que o mundo ideal prepara, no podem surgir enquanto tais antes de poderem tomar

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  • Uma reflexo sobre a filosofia de C. S. Peirce51

    posse da Natureza. Depois de todas as formas finitas serem des-troadas e de no vasto mundo nada existir para alm daquilo que uniu os homens como intuio comum, somente a intuio da identidade absoluta na totalidade objetiva mais perfeita.

    Em Schelling (2001b), tambm possvel encontrar a semente do pragmatismo de Peirce: ao e conhecimento; exteriorizar o conhecimento atravs da ao, de um agir. essa a noo do pragmatismo que ser estudado por Peirce, que se configura por ser uma permanente construo de interpretantes, de aprendizagem, ou seja, pensar, agir e refletir sobre a ao. nessa ao, denominada por Ivo Ibri (1992) de impulso semitico, impulso csmico, que o significado vai se construir, pois todos os seres naturais agem conforme a alma do mundo. Dessa forma, alm do conceito de pragmatismo, Ibri (1992) ainda esclarece que, desde Scrates a Peirce, somente Schelling vai falar sobre a liberdade dos fenmenos. E no foi outro o interesse de Peirce (2005), ao criar a esttica e a categoria de primeiridade, conceito que j se encontrava na Grcia antiga, conhecido como acaso, ou seja, a associao de obteno de um objetivo perfeio, que na esttica peirciana corresponde ao signo icnico, de pura liberdade. O belo, para Peirce (2005), um dos predicados do summum bonum, e a arte um dos canais, um dos caminhos para se chegar a uma experincia de totalidade. Contudo os conceitos de beleza e de arte no devem estar confinados ao ser humano, pois esse conceito abrange tudo aquilo que est em torno de ns, incluindo a natureza.4

    Santaella (1992, p. 107-108) oferece informaes adicionais que ampliam nosso conhecimento sobre a maneira pela qual Peirce entendia a arte e a cincia: com uma noo prpria, uma viso sui generis, ao estabelecer trs espcies de homens:

    A primeira consiste naqueles para quem a coisa est nas qualidades dos sentimentos. Esses homens criam a arte. A segunda consiste

    4Anotaes das aulas do professor Dr. Ivo Assad Ibri, na disciplina Filosofia: um dilogo entre Schelling e Peirce, ministrada na PUC/So Paulo, no segundo semestre de 2007.

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  • 52PaisagensSgnicas

    nesses homens prticos, que levam frente os negcios do mundo. Estes no respeitam outra coisa seno o poder, e o respeitam na medida em que ele pode ser exercido. A terceira espcie consiste nos homens para quem nada parece ser grande a no ser a razo. Se a fora lhes interessa, no sob o aspecto do seu exerccio, mas porque ela tem uma razo e uma lei. Para o homem da primeira espcie, a natureza uma pintura; para os homens da segunda, ela uma oportunidade; para os homens da terceira, ela um cosmos, to admirvel que penetrar nos seus caminhos lhe parece a nica coisa que a vida valeu a pena. Esses so os homens que vemos estarem possudos pela paixo por aprender, do mesmo modo que outros tm paixo por ensinar e disseminar sua influncia. Se no se entregam totalmente paixo por aprender porque exercitam o autocontrole. Estes so os homens cientficos, e eles so os nicos homens que tm qualquer sucesso real na pesquisa cientfica.

    Em muitas passagens dos manuscritos deixados por Peirce (apud SANTAELLA, 2004a, p. 105), vamos encontrar uma maneira poeticamente particular de ver e entender a relao entre a mente humana e a natureza, ainda que segundo um raciocnio cientificamente lgico, quando diz, por exemplo, que: nossa faculdade de adivinhao corresponde aos poderes voadores e musicais dos pssaros, isto , ela para ns o que estes so para eles: o mais atirado dos nossos poderes meramente intuitivos. Assim,

    a habilidade para fazer conjecturas para o homem aquilo que o vo e o canto so para os pssaros, [pois, na filosofia de Peirce,] o instinto funciona como um fio comum unindo todos os seres vivos da natureza, desde os vegetais, passando pelos animais inferiores at o homem.

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