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[dossiê] São Luiz do Paraitinga

São Luis do Paraitinga

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  • [dossi]

    So Luiz do Paraitinga

  • [dossi]

    So Luiz do Paraitinga

  • crditos ]InStItuto do PatrImnIo HIStrIco e artStIco nacIonaLSuPerIntendncIa em So PauLo - maro de 2010

    Presidente da Repblica Luiz Incio Lula da Silva

    Ministro da Cultura Juca Ferreira

    Presidente do IPHAN Luiz Fernando de Almeida

    Superintendente do IPHAN em So Paulo Anna Beatriz Ayroza Galvo

    Equipe tcnica e pesquisa de campoSuperintendncia do IPHAN em So Paulo

    Trabalho de campo Adriana LucenaOlvia Malfatti Buscariolli

    Pesquisa histricaJaelson Bitran Trindade

    Coordenao do dossi de tombamento, Pesquisa histrica e TextosJaelson Bitran Trindade

    ImagensAnita Miriam HirschbruchAntonio das Neves GameiroGustavo Rocha das NevesJaelson Bitran TrindadeOlvia Malfatti BuscariolliVictor Hugo Mori

    Cadastro urbano-arquitetnico e cartas temticasOlvia Malfatti Buscariolli

    Descrio da rea de preservao visual e da rea de preservao urbanaAntonio das Neves GameiroOlvia Malfatti Buscariolli

    Foto da capaAntonio das Neves Gameiro, 1972

    RevisoTexto et al. Rev. Edit. & Arte Ltda.

    DiagramaoOlvia Malfatti Buscariolli

  • 09 aPreSentao

    13 Introduo

    So Luiz do Paraitinga, uma cidade s aparentemente desimportanteum patrimnio da iustraoa proposta de proteoaspectos a destacar no tombamentoEm conclusopropostarea de preservao visualdescrio do permetro de preservao visualrea de preservao urbanadescrio do permetro de tombamento da rea urbanaa inundao de 01 de janeiro de 2010: a cidade submersa

    45 So LuIz do ParaItInga, uma cIdade do urbanISmo ILuStrado

    um homem da ilustrao e a capitania de So Paulono caminho para o maro desenvolvimento de um centro policultora cidade do urbanismo ilustradofases de expanso urbanaentre 1773-1800entre 1800-1850a fase de 1850 a 1890o Morro da Cidade (Morro do Cruzeiro)as praas, espaos de poderes

    [ sumrio

  • 81 a cIdade, SeuS eIxoS eStruturadoreS e SeuS marcoS arquItetnIcoS

    as edificaesos conjuntos remanescentes em So Luiz do Paraitingasobrados & casas trreas tradicionaissobradoscasas grandescasas trreasornamentao externa e interna nos sobrados e casas grandes de So Luizportas e janelas: sobrados, casas grandes, pequenas moradasobras pblicas ruas, caladas, muros de conteno e iluminaorua Baro de Paraitingaeixo Rua Cel. Domingues de Castro (antiga rua da ponte)rua Osvaldo Cruz, antiga da Boa Vista: continuao da Estrada de Ubatubarua Coronel Manuel Bento [Domingues de Castro] a antiga rua detrs da Rua da Ponteo conjunto da antiga Rua do Rosrio, atual Monsenhor Incio Giiaa Rua Monsenhor Incio Giia em suas relaes com a zona comercial/Mercado Municipalo conjunto da Rua do Carvalhoos edifcios de uso pblicoIgreja Matriz devotada a So Lus de TolosaCapela de Nossa Senhora das MercsIgreja de Nossa Senhora do Rosrioantiga Cadeia e FrumSanta Casa de MisericrdiaMercado Municipal

    171 referncIaS

    anexo I

    Fichas SICG - Cadastro Geral/Informaes Bsicas

    anexo II

    Fichas SICG - Cadastro Arquiteura

  • [figura 1] Vista de So Luiz do Paraitinga, 1a metade do sculo XX Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

  • 9[ ApresentAo ]

    O centro histrico de So Luiz do Paraitinga, ento objeto de estudos visando encaminhar a solicitao de tomba-mento ao Conselho do IPHAN, foi atingido em conse-quncia das fortes chuvas e da cheia do Rio Paraitinga desde o final de dezembro de 2009, culminando com o dia 1 de janeiro de 2010. Nessa data, ocorreu a inundao de parte considervel daquela rea histrica, danos fsicos em inmeros imveis, alguns dos quais his-tricos, e a interrupo da vida social da cidade.

    Desde ento, rgos de preservao do patrimnio cultural em nveis federal, estadual e municipal tm prestado acompanhamento quanto a aes e medidas de salvaguarda do patrimnio edificado remanescente, por meio das quais obras emergenciais como servi-os de limpeza e seleo de escombros, escoramentos, proteo de runas e consolidao.

    dezembro de 2009, janeiro de 2010: uma nova enchente

    ApresentAo

    [figura 2] Durante a enchente, quando o nvel da gua atingiu o andar superior dos sobrados da Praa.Fonte: Jornal Folha de S.Paulo, jan. 2010

  • 10 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    Diante desse fato, a cidade ficou submersa at aproximadamen-te a altura do pavimento superior dos sobrados que contornam a praa da matriz na rea central, tendo como consequncia mais tr-gica a runa total da Igreja Matriz, da Capela de N. S. das Mercs, do prdio que abrigava o Grupo Escolar e de um sobrado secular localizado numa das faces desse logradouro pblico.

    Nessa rea, segundo vistoria realizada pelo IPHAN de So Pau-lo, constatou-se que no permetro proposto para o tombamento fe-deral foram afetados aproximadamente 140 imveis. Desse total de imveis, definiu-se a seguinte classificao:

    Perda total: caracteriza-se pelo arruinamento de edificaes e abrange dezoito (18) imveis, ressaltando-se os edifcios pblicos mencionados acima;

    Perda parcial: trata-se de danos em paredes internas e externas, na fachada principal e cobertura, alcanando cerca de trinta e dois (32) imveis, dentre os quais se ressalta o prdio da Prefeitura Municipal.

    A Defesa Civil, por sua vez, emitiu laudo de interdio para cerca de quarenta e nove (49) imveis, alguns dos quais enquadra-dos como perda parcial na classificao anterior, enquanto outros sem acesso possvel, o que dificultou a elucidao quanto natu-reza do dano.

    O episdio de uma inundao como a ocorrida raro, embora alagamentos no centro histrico aconteam frequentemente todos os anos. Quanto s possveis causas que podem ser atestadas como causadoras do episdio tm-se:

    a intensidade acima da mdia de chuvas na regio neste pe-rodo do ano, ocasionando um aumento do ndice de precipitao pluviomtrica elevado;

    o aumento da velocidade do curso do rio e a implantao original da cidade numa cota baixa favoreceram para que o curso dgua, seguindo um caminho em direo reta, invadisse a rea cen-tral localizada nas proximidades das margens;

    a localizao do muncipio num vale favoreceu o acmulo das guas descidas pelos morros, especialmente do Cruzeiro, cuja ocupao mais intensa acontece na segunda metade do sculo XX e com baixa permeabilidade do solo devido s construes irregulares e pavimentao dos arruamentos.

    Nesse sentido, a catstrofe atual uma combinao entre a des-proporcionada precipitao pluviomtrica sobre a regio e a invaso abrupta da cidade pelas guas do rio e por aquelas descidas pelo Morro do Cruzeiro em direo ao centro histrico, contribuindo para um cenrio de destruio e comprometimento da vida cotidia-na em So Luiz. Quanto atual situao, tanto quanto o patrimnio material, a populao local tambm foi extremamente afetada por esse episdio, visto que na rea histrica da cidade se concentra-va a dinmica socioeconmica local, pois tanto o comrcio como inmeras moradias e atividades institucionais foram paralisados ou seriamente comprometidos pelos danos dos edifcios.

    At o presente momento, dentre os trabalhos desenvolvidos por instituies oficiais ou civis comprometidas com a salvaguarda

    [figura 3a] Escombros da Igreja MatrizFoto: Anita Miriam Hirschbruch, 2010Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

  • 11[ ApresentAo ]

    do patrimnio edificado atingido, tm-se: o resgate e a classifica-o de materiais restantes dos imveis; o escoramento de imveis danificados; a limpeza urbana; a recuperao de documentos civis e oficiais; apoio comunidade, discusses tcnicas sobre o enca-minhamento de solues que possam reativar a vida socioecon-mica da cidade e formas de investimentos pblicos na reconstru-o da cidade.

    Ainda sim, e sem explorar demasiadamente o episdio no sen-tido de transformar os efeitos da enchente no centro histrico num cenrio irreversvel onde dezenas de edificaes foram seriamente danificadas , permaneceu a legibilidade urbana do conjunto edi-ficado e do traado regular das ruas e praas, lindeiras s quais se erguem sobrados ou imveis de um pavimento que exigem uma urgente interveno conservativa por terem sido danificados ou devido a pequenos danos facilmente reversveis. Nesse sentido, o plano urbano e a condio de cidade ainda se fazem presentes e expressivos, permitindo subsdios de leitura espacial e morfolgica que favorecem a reestruturao fsica do lugar.

    Tais circunstncias esto presentes no dossi a seguir com o propsito de subsidiar a salvaguarda do Centro Histrico de So Luiz de Paraitinga, nestas condies expe-se um estudo que avalia o significado histrico do plano urbano, as transformaes e carter da sua morfologia, como tambm da configurao tipolgica das construes e dos espaos abertos, e a partir destes da pertinncia do tombamento e da regulamentao da sua rea de preservao.

    [figura 3b] Vista dos danos provocados pela enchen-te. Ao mesmo tempo, a legibilidade do traado ori-ginal da Rua Mons. Igncio Giia com a Igreja do Rosrio ao fundoFoto: Anita Miriam Hirschbruch, 2010Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

  • 13[ introDuo ]

    A cidade de So Luiz do Paraitinga foi fundada de raiz em 1769, por determinao governamental, a partir de um plano previamente desenhado e entregue aos povoadores, juntamente com desenho do tipo de casas a serem edificadas. Qua-tro anos depois j obtinha o estatuto de vila, constituindo assim a sede de um municpio. O local escolhido estava a pouco menos de 50 km do eixo virio que, acompanhando vale do Rio Paraba do Sul, saa da cidade de So Paulo em direo s capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro. A meio caminho entre este eixo, no planalto, e o litoral imediato.

    O interesse do IPHAN pela cidade de So Luiz do Paraitinga remonta a 1963, quando o dirigente regional, arquiteto Lus Saia (1971, p.8 e 44-5), publicou o ensaio Quadro Geral dos Monu-mentos Paulistas, visando explicitamente oferecer um quadro geral da evoluo regional, com nfase naqueles acontecimentos que originaram restos qualificados para receber a proteo do poder pblico. Nesse texto, Saia considerou So Luiz do Pa-raitinga como representativa de uma nova fase aberta na antiga Capitania de So Paulo, a partir de meados do sculo XVIII, assinalando a importncia que tiveram as fundaes de novos aglomerados, abrindo novas terras ao cultivo e ocupao; um novo e especialssimo perodo que se abria regio de So Paulo, com a fermentao de idias que ento revolucionavam a Europa, cuja repercusso em So Paulo, incutiu ritmo progressista populao da ento Capitania que quase dobra em nmero, entre 1777 e 1805 (ibidem).

    Mais tarde, em 1973, e com maior clareza, Saia reafirma essa importncia que representava Paraitinga na anlise da evoluo ur-bana local que elaborou para dar suporte ao de tombamento do conjunto urbano-arquitetnico, colaborando com o recm-criado criado Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico, Arqueolgico,

    [figura 4] Carta com o traado urbano de S. Luiz do Paraitinga. A malha regular que estrutura a cidade aparece de forma clara na paisagem. Devido s limi-taes fsicas que oferece o stio onde se desenvolveu a cidade at incios do sculo XX, a expanso maior que vem acontecendo desde a dcada de 1980 se deu de forma descontnua em relao malha urbana de origem bicentenria, ocorrendo para alm do rio e no espigo do morro lindeiro a elaFonte: Plano Cartogrfico do Estado de So Paulo (1978), cdigos SF-23-Y-D-III-1-SE-E e SF-23-Y-D-III-1-SE-F, a partir de base do Instituto Geogrfico e Cartogrfico (IGC)

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  • 14 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    Artstico e Turstico do Estado de So Paulo, como conselheiro que era representando o IPHAN.

    Os estudos e pesquisas realizados por Lus Saia e Jaelson Trin-dade em 1972/1974, no perodo indicado, assinalaram, portanto, a vinculao da malha urbana e do conjunto arquitetnico ali instala-do a fenmeno de amplitude, situado na segunda metade do sculo XVIII: o projeto pombalino, ilustrado, de fundar povoaes ordenadas, regulares, no Reino e nas Colnias e, mais diretamente, a um plano de estruturao territorial da Capitania de So Paulo, cuja testada se estendia dos limites com a do Rio de Janeiro e, noutro extremo, com os do Continente do Rio Grande do Sul.

    Em relao cidade de So Luiz do Paraitinga, tornou-se evi-dente que o desenho da cidade resultante no representa uma reproduo fiel daquele racionalismo hipodmico que povoaria a cabea do Morgado de Mateus (Saia & Trindade, 1977, p.26), o go-vernante ilustrado da Capitania de So Paulo: tudo foi acomoda-do, alguma modificao foi feita ali pelas condies particulares dos povoadores. Mas tambm ficou claro que s fora das proposies desse governo, com desdobramentos no mbito do poder local, que So Luiz chegou quela regularidade e uniformidade acabada, em meados de 1850, tanto em relao ao plano como em relao arquitetura que o preenchera. Deve ter contribudo tambm para a ordenao do espao urbano a demanda crescente por terrenos ocorrida na segunda dcada do sculo XIX diante do acanhado do sitio, constrangido por morros e pelo Rio Paraitinga.

    A partir das pesquisas realizadas, Saia pde notar a importn-cia da praa central como elemento gerador da malha urbana, no momento de ajustes do arruamento e distribuio de novos lotes, quando se consolidava a economia local por volta de 1820/1830.

    Os trabalhos de levantamentos de campo, as pesquisas docu-mentais e os estudos realizados entre 1973/1974, contratados pelo Condephaat, tiveram sempre o acompanhamento do arquiteto Lus Saia. Os levantamentos mtrico-arquitetnico e fotogrficos foram contratados com o arquiteto Massaioshi Kamimura; os registros fo-togrficos, sob a responsabilidade do arquiteto Antnio das Neves Gameiro; as pesquisas histricas correram por conta do historiador Jaelson Bitran Trindade que, juntamente com Lus Saia, elaborou os estudos publicados em 1977 pelo prprio Condephaat/Secretaria de Cultura do Estado de So Paulo, com o ttulo So Lus do Paraitinga.

    Depois do falecimento do arquiteto Lus Saia, no exerccio da chefia regional, em meados de 1975, cessaram por completo os estu-dos e aes do IPHAN em direo a So Luiz do Paraitinga, caso tra-tado no 1 Curso de Restauro e Conservao de Bens Culturais (SP, 1974) e orientados por Saia para resultar num pr-plano de preserva-o, sob coordenao do arquiteto Antnio das Neves Gameiro.

    At 1982, o nico bem preservado no municpio era de alada federal, a chamada casa natal de Oswaldo Cruz, inscrito em 1956 no Livro Histrico (n.315) do IPHAN. Trata-se de uma edificao da terceira dcada do sculo XIX, onde nasceu, em 1872, aquele mdi-co e cientista de renome nacional.

    [figura 5] Lus Saia (1911-1975). Ao lado, capa do livro So Lus do Paraitinga, publicado em 1977.Foto: Augusto Csar Ramasco, s.d.Fonte: Acervo particular do autor

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  • 15[ introDuo ]

    [figura 6] Casa natal de Oswaldo Cruz, Rua Oswal-do Cruz, n.4, antiga Rua da Boa Vista, a cavaleiro da cidade, num patamar por detrs da igreja MatrizFoto: Anita Miriam Hirschbruch, 2009Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

    Precedido do minucioso cadastro de todas as edificaes do pe-rmetro arbitrado como Centro Histrico realizado pelo arquiteto Gustavo Neves da Rocha, em 1981, no ano seguinte o Condephaat efetuou o tombamento da rea.

    O tombamento estadual estabeleceu um amplo permetro para a salvaguarda do conjunto histrico de So Lus, dividindo-o em zonas a partir de graus de importncia arquitetnica. Conforme consta em resumo informativo do Arquivo do Condephaat, a cidade foi dividida

    em dois setores: Centro Histrico I rea de grandes sobrados, predominantemente do sculo XIX, no alinhamento do lote e com influncias do ecletismo. O conjunto formado por 171 edificaes, em sua maior parte, de uso residencial. Centro histrico II Constitudo de 262 casas populares, de um ou dois pavimentos, de uso residencial e pequeno comrcio.

    Com relao experincia dos trabalhos realizados no incio

    da dcada de 1970, o historiador Jaelson Trindade, lotado junto a Regional do IPHAN, prosseguiu, em mbito pessoal, e de modo in-termitente, a coleta de material relativo ao fenmeno antes descrito, aos temas do urbanismo, da economia e do pensamento filosfico da poca das Luzes nas sociedades ibrica, atentando ainda para aes governamentais similares em Portugal e Espanha, entre 1758 e 1776. Por outro lado, coordenando a ao de recomposio e sal-vaguarda do acervo histrico-administrativo de So Luiz numa ope-rao conjunta IPHAN Setor de Documentao da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da USP , pde, ao longo do trabalho, coletar numerosas informaes adicionais sobre a cidade e seus processos de transformao.

    Esse conhecimento acrescido, inclusive da dimenso nacional e ibrica com que se apresentavam as fundaes paulistas de aglo-merados humanos no ltimo tero do sculo XVIII, em especial

  • 16 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    o testemunho urbano-arquitetnico de So Luiz do Paraitinga, deu base consistente ao entendimento e valorao desse patrimnio, na atualidade. No final de 2006, por estmulo da DEPAM-IPHAN, foi possvel retomar, no mbito da 9 SR/IPHAN-SP, aes no sentido da proteo daquele conjunto, de importncia no apenas regional, e no apenas histrico e arquitetnico, mas tambm urbanstico. Ini-ciaram-se, quando aprovado o Plano de Ao para 2007, trabalho que teve como objetivo final a constituio de uma proposio de tombamento, a mais completa e embasada possvel.

    SO LUIZ DO PARAITINGA, UMA CIDADE S APARENTEMENTE DESIMPORTANTE

    [figura 7] A antiga Praa da Matriz (Praa Osvaldo Cruz) de So Luiz do ParaitingaFoto: Antnio das Neves Gameiro, 1972Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

    Apesar de sua aparente desimportncia, So Lus do Paraitinga , no quadro da ocupao do Estado de So Paulo, uma preliminar decisiva, na medida que expressa uma orientao que vai se firmar em quinhentas cidades paulistas que vo ser fundadas em funo da economia do caf. (Lus Saia, 1977, p.28)

    Com essa citao, encerrava o arquiteto Lus Saia, em 1973, o seu estudo sobre a evoluo urbana de So Luiz do Paraitinga, tex-to decisivo para fundamentar o processo de tombamento do cen-tro histrico dessa cidade, em curso desde 1969, pelo Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico, Arqueolgico, Artstico e Turstico do Estado de So Paulo (Condephaat). A definio do permetro, quando do tombamento estadual definitivo em 1982, esteve bastante influenciada pelo desenho urbano, ortogonal, regular, expressando ideais de governabilidade presentes no prprio ato de fundao da cidade, no ltimo tero do sculo XVIII, mais de meio sculo antes que se instalasse em So Paulo, em razo das novas regies ocupa-dadas pela cafeicultura, a preferncia pela cidade em xadrez do tipo hipodmico: quando isso comeou a ocorrer, por volta de 1840, So Luiz j estava com a sua estrutura urbana plenamente moldada.

    Efetivamente, a conformao urbana de So Luiz do Paraitin-ga, bem como a peculiar arquitetura e a magnfica paisagem que

  • 17[ introDuo ]

    a emoldura, constituda pelo rio Paraitinga e o mar-de-morros em grande medida desocupados1 so registros do tipo de ocupa-o: a cidade regular, de traado ortogonal imposto s dezenas de fundaes promovidas de Norte a Sul da Amrica Portuguesa pela poltica do Marqus de Pombal (1750-1777). Nesse sentido, o da introduo do planejamento territorial por parte do poder pbli-co, dentro da modernidade do pensamento europeu da poca, ou seja, sob o signo das Luzes da Razo, So Luiz hoje no Brasil um dos exemplos urbanos mais representativos. Tais pressupostos orientaram a ordem governamental de fundao do povoado, bem como os desenhos e prescries efetuados pelo prprio governa-dor e capito-general de So Paulo, D. Lus Antnio Mouro, o Morgado de Mateus.

    O povoado de So Luiz foi criado em 1769 e institudo como Vila em 31 de maro de 1773. Depois da dcada de 1790 a eco-nomia municipal conheceu um largo perodo de crescimento len-to e seguro, calcado na produo policultora comercial que desde sempre marcou a localidade, geograficamente contingenciada a esse tipo de produo.

    De fato, o desenvolvimento de Paraitinga, ao longo de uma economia de carter colonial, escravista, esteve condicionado aos projetos de povoamento, de planejamento do territrio, caracters-tico das polticas ilustradas desenvolvidas no reinado de D. Jos I (1750-1777), sob o comando do seu poderoso ministro, o Marqus de Pombal: em princpio, veio exercer um papel subsidirio em rela-o rede de municpios e de circulao preexistente em So Paulo daquela poca. A perda de impulso da sua economia ocorre no li-miar da nossa Era Moderna a da ferrovia e da industrializao, do trabalho assalariado.

    A retrao econmica que sofreu depois de 1890 fez que a maior parte da cidade se conservasse at o incio da dcada de 1980, nos limites do stio escolhido para a sua implantao e praticamente dentro do programa regulador que incidiu sobre a malha urbana e a arquitetura local, desde a sua fundao. E que um considervel patrimnio da arquitetura tradicional ainda estivesse conservado, sem que muitas das construes realizadas at meados do sculo XX comprometessem a ambincia de tal legado e, pelo contrrio, vinham enriquecer a compreenso das caractersticas histricas, so-cioeconmicas e culturais, dessa antiga cidade.

    A conformao urbana de So Luiz do Paraitinga, bem como a peculiar arquitetura e a magnfica paisagem que a emoldura, cons-tituda pelo rio Paraitinga e o mar-de-morros em grande medida desocupados, so registros do tipo de ocupao: a cidade regular, de traado ortogonal imposto s dezenas de fundaes promovidas de Norte a Sul da Amrica Portuguesa pela poltica do Marqus de Pombal (1750-1777). Nesse sentido, o da introduo do planeja-

    1 A expresso mar-de-morros foi criada no final da dcada de 1930 pelo gegrafo francs Pierre Deffontaines, fundador da cadeira de Geografia na USP, em 1935; essa noo foi desenvolvida pelo gegrafo e professor da USP, Aziz AbSaber, que em 1966 publicou o estudo O domnio dos mares de morros. Geomorfologia, 2, IG-USP. So Paulo. AbSaber natural de So Luiz do Paraitinga.

    [figura 8] So Luiz do Paraitinga e a paisagem en-volventeFoto: Jaelson Bitran Trindade, 1981Fonte: Acervo particular do autor

  • 18 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    mento territorial por parte do poder pblico, dentro da modernida-de do pensamento europeu da poca, ou seja, sob o signo das Lu-zes da Razo, So Luiz hoje no Brasil um dos exemplos urbanos mais representativos.

    Esse o bem cultural a conservar e valorizar: a cidade de So Luiz do Paraitinga, dado o peso, a grandeza do stio urbano tradi-cional. O stio que deve ser includo entre os bens que compem o patrimnio cultural da Nao corresponde a toda a rea urbana tradicional, ou seja, a cidade regular contida entre o morro da cidade (Morro do Cruzeiro) e o Rio Paraitinga: o espao onde se deu a implantao do plano prvio para fundar o ncleo, e conse-quentes ajustes dele efetuados entre 1769 e 1850, assim como o legado arquitetnico espalhado por todo esse permetro, constitu-do ao longo do tempo base da incorporao das disposies edi-lcias que prescreviam a integrao da arquitetura, via uniformidade e simetria, em harmonia com o traado racional, visando obter a formosura da cidade.2

    * * *

    O municpio de So Luiz do Paraitinga est localizado no Alto Vale do Paraba do Sul, na regio Sudeste do Estado de So Paulo, distando cerca de 182 km da capital. A cidade est localizada no topo da Serra do Mar, a meio caminho entre Taubat (45 km) cida-de beira da Rodovia Presidente Dutra e Ubatuba (51 km), antigo porto de mar. As altitudes mdias so de 749 metros. A Rodovia Estadual Dr. Oswaldo Cruz, SP-125, que liga a cidade de Taubat a Ubatuba, apenas tangencia a cidade. A populao do municpio foi estimada em 11.908 habitantes pelo IBGE, cerca de seis mil deles concentrados na rea urbana. O Rio Paraitinga, que banha a cidade, e o Rio Paraibuna, que nasce no municpio, se encontram prximo vizinha cidade de Paraibuna, onde formam o Rio Paraba do Sul. O Paraba, ao fim de 1.150 km, depois de cortar os Estados de So Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, chega ao mar neste ltimo, na cidade de So Joo da Barra.

    A cidade pequena, ocupando a modesta plancie comprimida pelo Rio Paraitinga e pelos altos morros por onde serpenteia o rio. Pouco se desenvolveu: em 1872 viviam na cidade 1.156 pessoas; em 1945 o censo estimou a populao urbana e suburbana de 1.164 pes-soas. Cerca de dez anos depois, essa cidade, situada a apenas 45 km da moderna Rodovia Presidente Dutra, recm-construda, tivera a sua populao urbana aumentada em mais ou menos 20% (Petrone, 1959, p.84). A partir de ento, nos poucos anos que se estendem en-tre 1956 e 1970, a cidade conheceu um aumento populacional indi-to, com a duplicao do nmero de habitantes: de cerca de 1.400 em 1956 salta para 3.092! De l para c (2009), teve que esperar 40 anos

    2 De fato, boa parte da arquitetura que povoa a cidade corresponde s posturas ou regulamentos urbanos dados no sculo XVIII, com reajustes estabelecidos em 1834 e 1854, prescrevendo a uniformidade e harmonia das fachadas. Em 1829 foi montada uma Comisso encarregada de rever as Posturas e Provimentos antigos, conforme informao coletada h anos por Jaelson Bitran Trindade nas Atas da Cmara de So Lus do Paraitinga (Livro de 1829 a 1839, fl.20).

  • 19[ introDuo ]

    para que ocorresse um porcentual igual de crescimento, contando hoje com 6.145 habitantes, segundo a contagem da Confederao Nacional de Municpios (CNM).3 Aos aumentos com uma taxa m-dia de 26% a cada dcada, nesse ltimo perodo citado, correspon-deu um grande esvaziamento da populao rural do municpio.

    Encravada na regio paulista onde a cafeicultura teve seu incio e alcanou nmeros expressivos de produo o Vale do Paraba , So Luiz apresenta um conjunto significativo de sobrados e casas trreas de porte erguidos datados do perodo de 1850-1880. So edificaes que se destacam pela homogeneidade, pela regularidade e simetria, em consonncia com o plano da cidade estabelecido e normatizado desde a fundao.

    O conjunto que circunda a rea da praa central fato que no encontra paralelo nas velhas cidades paulistas da era pr-ferroviria e escravocrata. Apesar do porte destacado que tm na cidade e do embelezamento que trouxeram para o ambiente urbano, esses so-brades de So Luiz no tm a grandeza, o apuro de materiais e ri-queza ornamental dos congneres que foram erguidos nas chamadas cidades do caf do Vale do Paraba paulista ou, ainda, de cidades como Vassouras, no Vale do Paraba fluminense. Um ou outro re-quinte, certo, aparece nessas grandes construes luizenses, no que diz respeito a elementos decorativos de portas, janelas e forros.

    No panorama da histria paulista, So Luiz no foi propria-mente uma cidade do caf, tal como se tornaram quase todos os aglomerados do Vale do Paraba criados ainda no perodo do Brasil-Portugus (1500-1822), alm dos novos municpios criados desde meados do sculo XIX, no oeste do Estado de So Paulo. Sem d-vida, o cultivo do caf existiu no municpio, at com exclusividade, mas ocupando apenas meia dzia de fazendas. Em ponto pequeno,

    3 Confederao Nacional de Municpios (CNM), Demografia Populao Urbana. Disponvel em: .

    [figura 9] Mapa do Estado de So Paulo: Em desta-que o Vale do Rio Paraba paulista e o municpio de So Luiz do ParaitingaFonte: SR IPHAN-SP, a partir de base do Instituto Geogrfico e Cartogrfico (IGC)

    [fgura 10] Foto area do stio urbano de So Luiz do ParaitingaFonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

  • 20 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    foi plantado, porm, por todo o municpio e aportou certa riqueza, no apenas aos lavradores, como tambm ao comrcio local, pelo crescido afluxo de tropas cargueiras que passavam por ali rumo ao porto de Ubatuba. Tal situao gerou, sem dvida, um aumento da demanda de mantimentos, trazendo maiores rendas para os agricul-tores luizenses.

    Assim sendo, a economia cafeeira no tomou conta do munic-pio; apenas tangenciou a localidade, pois So Luiz foi, desde sempre e, sobretudo, uma produtora de gneros para o mercado interno milho, feijo e sunos - acrescentando-se, no ltimo tero do scu-lo XIX, a produo de tecidos de algodo, episdio de curta dura-o. Entretanto, foi nesse impulso dado localidade e regio pela cafeicultura, nas dcadas de 1840-1860, oferecendo lucros a quem plantava e promovendo alta demanda de gneros de abastecimento, que a cidade (ganhou o estatuto de cidade em 1853) teve a sua facies renovada pela construo de novos edifcios, como o grande con-junto de sobrados na praa central e outras residncias de porte nas ruas adjacentes.

    * * *

    Na atualidade, o conjunto tradicional, a malha antiga, domi-nante em So Luiz, mantm em boa parte, conforme foi verificado tambm no trabalho realizado em 1972, as suas funes de sempre: moradias, pequenas e mdias casas comerciais em todos os logra-douros, mas especialmente nas ruas 31 de Maro, a parte mais baixa da Monsenhor Giia e os dois primeiros quarteires das ruas Cel. Domingues de Castro e Cel. Manuel Bento, a do Mercado, tal como se via na Planta Funcional da cidade, elaborada em 1956 por Pas-quale Petrone, gegrafo e professor da Universidade de So Paulo. Os baixos dos sobrados da Praa Osvaldo ainda se caracterizam pelo comrcio de bar e reparties pblicas cartrio de registro de imveis (Cartrio de Notas mudou-se para a Rua Cel. Domingues de Castro), agncia bancria, a Cmara e Prefeitura municipais.

    Tendo em vista as atividades voltadas para o turismo, assim como em razo do crescimento da populao urbana, a utilizao de imveis para o comrcio tem se expandido, nas ruas Monsenhor Giia, Cel. Domingues de Castro e Rua Baro de Paraitinga.

    Do ponto de vista da conservao, o conjunto de edificaes tombadas pelo Condephaat acha-se aparentemente em bom estado. Cabe assinalar, entretanto, as alteraes feitas em vrios imveis, es-pecialmente nas esquadrias e vedaes dos vos das fachadas, o que se evidencia pela consulta da documentao fotogrfica realizada em 1981 por Gustavo Neves da Rocha para aquele rgo estadual, por sinal o nico e completo registro feito do permetro que seria logo em seguida alvo de proteo definitiva, por decreto de tombamento.

    Para ns, voltados proteo do patrimnio cultural, a cida-de em seu conjunto que importa, tanto luz do entendimento do desenho da cidade e sua arquitetura, seu desenvolvimento histrico, como em relao a definies, princpios e objetivos exarados em

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    cartas e recomendaes relativas ao patrimnio cultural, elaboradas em encontros patrocinados pela Unesco, pela OEA e pelo Inter-national Council on Monuments and Sites (Icomos). Vale lembrar a Carta de Washington Unesco (EUA, 1987), centrada na questo da preservao das reas urbanas histricas, grandes ou pequenas, incluindo cidades, vilas e centros ou bairros histricos, em conjunto com os seus ambientes naturais ou feitos pelo homem, sublinhan-do que, para alm do seu papel como documentos histricos, estas reas incorporam os valores das culturas urbanas tradicionais.4

    Evidentemente, tambm para a populao local, importa o acervo legado pelo passado que se acha circunscrito pela legislao estadual de proteo. Mas boa parte dessa populao se identifica com viver e valorar a sua cidade como o maior conjunto colonial do Estado, a cidade da tradio, via turismo cultural, imple-mentado por festas e eventos de apelo s massas, o que tende mui-tas vezes a uma considerao cenogrfica do ambiente urbano. De qualquer forma, ali tambm para a grande maioria dos habitantes o lugar de viver, na sucesso de geraes.

    Na cidade, a questo patrimonial est associada atualmente a dois movimentos de ordem econmica que incidem sobre o patri-mnio material, urbano e rural do municpio e, sem dvida, sobre o patrimnio imaterial: o plantio de eucaliptais em vertiginosa ex-panso na rea rural e o carnaval de massas que cresce ano a ano.

    O grande avano do plantio de eucaliptos se deu a partir da pri-meira dcada do sculo XXI, com as empresas Votorantim Celulose e Papel (VCP), Companhia Suzano de Papel e Celulose e a Nobrecel investindo pesado nessa monocultura: em 2007 j ocupava cerca de 20% da rea agricultvel de So Luiz do Paraitinga e j comeava a alcanar as encostas prximas cidade.

    Em 2006, nas discusses do Plano Diretor Participativo, um numeroso abaixo-assinado coletado entre a populao apresentou Projeto de Lei regulando e restringindo o plantio dessa espcie. En-tretanto, foi uma deciso, em maro de 2008, do Tribunal de Justia de So Paulo, que determinou a suspenso do corte, do replantio e o plantio de novos eucaliptos no municpio, at a realizao de um estudo de impacto ambiental e a elaborao de um relatrio dos danos ao ambiente da regio, aps ao civil pblica proposta em novembro de 2007 pela Defensoria Pblica do Estado em Taubat, contra a expanso da monocultura de eucaliptos no municpio. Uma liminar em setembro de 2009 suspendeu o corte e transporte de eucalipto em rea municipal.5

    Alm da migrao para a cidade, tem ocorrido uma migrao para os centros maiores situados junto Rodovia Presidente Dutra, como Taubat, por exemplo. O descenso populacional que vem so-

    4 Ver no Portal do IPHAN Coletnea Virtual Cartas Patrimoniais: Disponvel em: .5 ambientebrasil, Portal, acesso em maio de 2009: ; ONG Reprter Brasil, portal, acesso em julho de 2009: ; JusBrasil, Portal, Notcias Jurdicas .

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    frendo o municpio claro: em 1920, com quase 20 mil habitantes, era o quinto mais populoso do Vale. O censo de 1940, por sua vez, identificou uma populao da ordem de 11.127 habitantes, supe-rior, portanto, atual: aproximadamente 10.496 habitantes (Fonte: IBGE, censo de 2007).

    O turismo tem conhecido um avano surpreendente em Parai-tinga. A Festa do Divino, hoje bastante procurada pelos turistas, jun-tamente com os festejos do Carnaval, sempre foi um grande aconte-cimento em So Lus: essencialmente devocional, atraa a populao do municpio e da regio em 1969 ela foi registrada e incorporada ao filme O profeta da fome, como j mencionado.

    A formatao da cidade como espao turstico, antecipada de certa forma pelo tombamento estadual do seu conjunto central, em 1982, ficou espera da afluncia de turistas at meados da dcada de 1990, com o resgate do carnaval de rua.

    Era visvel, na dcada de 1970, o declnio da produo econmi-ca do municpio, eminentemente rural, e que envolvia uma populao significativa de pequenos e mdios sitiantes. Ao longo da dcada de 1980 trabalhou-se, localmente, para atrair turistas com a implemen-tao do carnaval de rua, abrindo-se o caminho para um carnaval turstico, de massa, maneira de velhos centros urbanos brasileiros, nos quais o cenrio urbano-arquitetnico preservado e a paisagem envolvente fazem a diferena para quem quer unir o lazer viagem.

    Benito (Benedito) Campos, luizense que criou por volta de 1982 o Bloco do Juca Teles do Serto, declara numa entrevista ao portal globo.com:

    Queramos levantar a estima da cidade e manter a identidade cultural daqui. So Luiz do Paraitinga sempre teve uma tradio musical e um conjunto arquitetnico muito rico. Nossa idia era formar novas geraes...6

    H um processo de turistificao cada vez mais intensificado, incidindo sobre a cidade, embora j se comece a explorar os atrati-vos da paisagem do municpio e a proximidade que tem do Parque Estadual da Serra do Mar o ecoturismo tem bastante espao para se desenvolver, tal como na vizinha cidade de Cunha. E os resul-tados do turismo na cidade esto a: na semana do Carnaval a populao flutuante muitas vezes maior do que a permanente, que conta com cerca de 5.500 habitantes. Pensa-se em outros eventos, num calendrio anual: j est na sua terceira verso anual (2009) o Festival Nacional da Cano Brasileira de So Luiz do Paraitinga.

    Sobre esse carnaval de massa de So Luiz e sobre a espetacula-rizao concomitante do patrimnio urbano-arquitetnico, h dois textos esclarecedores no Portal Vitruvius: Carnaval caipira em So

    6 Por Daniel Santini: Juca Teles faz incitao farra e folia em So Luiz do Paraitinga. Disponvel em: . Acesso em 17 de fev. 2007.

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    Luiz do Paraitinga. Chuva, suor, cerveja e chita,7 do editor, arquite-to Abilio Guerra, e A espetacularizao do patrimnio cultural de So Luiz do Paraitinga/SP, dos gegrafos Carlos Murilo Santos e Maria Tereza Luchiari.8

    Paraitinga tem hoje uma festa carnavalesca que se equipara, guardadas as devidas propores, aos carnavais de outras cidades histricas como Ouro Preto, Olinda e Salvador (infraestrutura urba-na, cenrio arquitetnico tradicional, paisagem natural envolvente). Alm de ser relativamente prxima capital, a nica cidade paulis-ta a oferecer os atrativos similares quelas acima citadas.

    A cidade ganhou em 2002 o estatuto de estncia turstica pela Lei Estadual n.11.197 de 5 de julho daquele ano. Esse estatuto ga-rante ao municpio uma verba maior por parte do Estado para a promoo do turismo local.

    O caso de Paraitinga, do ponto de vista da patrimonializao e do turismo, tem se tornado uma referncia, ocasionando, desde meados da dcada atual, a produo de dissertaes de mestrado, teses de doutoramento e artigos especializados em nmero signifi-cativo, cuja listagem acompanha esta proposta de tombamento.

    A cidade se tornou objeto de estudos especializados desde a dcada de 1940, justamente pelas atividades tradicionais voltadas para o cultivo de mantimentos e a pecuria, com dezenas de bairros rurais e pequenos e mdios sitiantes. Um mundo roceiro, vigoro-so, cerca de 50 km da Rodovia Presidente Dutra, obra iniciada no final da dcada de 1940, que marca o principal eixo econmico do pas, o eixo So PauloRio de Janeiro. Numa primeira fase, desta-cam-se os estudos do Folclore local realizados por Alceu Maynard de Arajo e Mrio Aguiar; os de Sociologia Rural, por Carlos Bor-ges Schmidt; e de Geografia Urbana, por Pasquale Petrone. opor-tuno assinalar que ali nasceu em 1924 o gegrafo Aziz AbSaber, renomado cientista (geomorfologista), empenhado h dcadas nas causas de defesa do Patrimnio Natural e Cultural do Brasil: Nas-ci no entremeio de um mar de morros, escreveu Aziz num poema da adolescncia.9

    Na dcada de 1970, alm dos levantamentos relativos ao patri-mnio material e estudos realizados por Lus Saia e Jaelson Trindade sobre a formao histrica e evoluo urbana do municpio, o muni-cpio foi analisado em sua contemporaneidade pelo socilogo Jos de Souza Martins (USP) e o antroplogo Carlos Rodrigues Brando (Unicamp). Martins (1975) estudou a bacia leiteira tradicional do Vale do Paraba, como eixo de compreenso das relaes entre ca-pitalismo e tradicionalismo, alis, ttulo do livro publicado em 1975 em que consta o estudo. Brando (2007), que por uma dcada pes-quisou a regio de So Luiz do Paraitinga, centrou os seus estudos

    7 Vitruvius, Portal, So Paulo, SP, Minha Cidade, ano 7, vl 7, p.178, fev. 2007. Disponvel em:

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    nos rituais devocionais populares e suas relaes com as formas tra-dicionais de vida e trabalho.

    A tese de doutorado de Jaime Almeida em Histria, defendida na Universidade de So Paulo em 1987, sobre Festas em So Lus do Paraitinga na passagem do sculo: 1885-1915, resgatando as folias carna-valescas que haviam declinado na cidade desde a segunda dcada do sculo XX, pode ter sido um mote para o ressurgimento das festas carnavalescas de rua a partir de finais da dcada de 80, hoje o ponto alto da turistificao da cidade.

    Desde ento, os estudos sobre a localidade tm se centrado na questo da cultura tradicional, do mundo caipira que permeava a cidade e o municpio diante dos processos de turistificao e pa-trimonializao que, por outro lado, se apoiam nos restos daquele mundo caipira.

    A ttulo de exemplo, o mestrado de Fabiana do Amaral e Silva em Cincias da Comunicao, na Universidade de So Paulo, Identi-dade cultural, culturas subalternas e patrimnio arquitetnico: a experincia de So Luis do Paraitinga (2006); o doutorado na Geografia da USP, de Maria Alice Oliva de Oliveira, Espao, tempo e memria: construo e transformao do espao em So Luiz do Paraitinga e natividade da Serra (2000); e o mestrado apresentado em 2006 ao Departamen-to de Geografia da Unicamp, intitulado O reencantamento das cidades: tempo e espao na memria do patrimnio cultural de So Luiz do Paraitinga/SP.

    UM PATRIMNIO DA ILUSTRAO

    O conjunto urbano-arquitetnico e paisagstico de So Luiz do Paraitinga paradigmtico do urbanismo planejado que pontuou a segunda metade do sculo XVIII no Brasil. Esse urbanismo ilus-trado, caracterstico da Era Pombalina (1750-1777), teve incio, no Brasil, com o governo de Francisco Xavier Furtado de Mendon-a no Gro-Par e Maranho, abrangendo a Amaznia brasileira, en-tre 1751 e 1759. Mendona era irmo do todo-poderoso Secretrio de Estado de D. Jos I, o Conde de Oeiras, depois titulado como Marqus de Pombal.

    As fundaes realizadas nesse perodo na Capitania de So Pau-lo, diferentemente do que seu deu noutras partes do Brasil, surgiram articuladas a um plano territorial (econmico, social e poltico) cujas orientaes tinham claro vis fisiocrtico, fato ainda desconhecido dos coautores do livro So Lus do Paraitinga (1977), Lus Saia e Jael-son Trindade, quando elaboraram seus estudos (1973/1974).

    No seu discurso poltico e nas suas iniciativas, o Morgado de Mateus expe com clareza a ao de povoamento por motivos que levam em conta a riqueza do Estado e dos particulares, caractersti-co do iderio fisiocrtico. Visava o controle da populao, domnio territorial e aumento dos impostos coletados; mas acoplado ao fo-mento agrcola e pecurio e das trocas comerciais, sob o signo da civilizao, riqueza, felicidade e progresso. Esse ideal de felicidade

    [figuras 12a e 12b] Um mutiro no Distrito de Ca-tuaba e o transporte de leiteFotos de So Luiz do Paraitinga tiradas por Carlos Rodrigues Brando no final da dcada de 1970/in-cio da dcada de 1980Fonte: Coleo Carlos Rodrigues Brando. Centro de Memria Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Acervo iconogrfico

    [figuras 13 e 14] A Festa do Divino: bandeiras e a Dana do MoambiqueFotos de So Luiz do Paraitinga tiradas por Carlos Rodrigues Brando no final da dcada de 1970/in-cio da dcada de 1980Fonte: Coleo Carlos Rodrigues Brando. Centro de Memria Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Acervo iconogrfico

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    e progresso est, no discurso do Morgado de Mateus, associado posse de bens, fundamentalmente, a propriedade rural (DI, 1943, p.72). O projeto poltico do Morgado nitidamente de reforma so-cial, passando ainda por outra ideia-chave da fisiocracia: a educao e instruo dos povos (ibidem, p.142-5).

    O governador de So Paulo, ao contrrio do que ocorreu com seus congneres noutras partes da Amrica Portuguesa (Oliveira, 2008; Carvalho, 2008), lidou com um territrio cujas rotas e esta-belecimentos de colonos eram antigos, datavam de 100, 80, 40 anos antes da sua misso administrativa e basicamente lidou com popula-es velhas: por exemplo, colonos que estiveram antes em Minas Gerais, gente sem possibilidades de propriedade rentvel nas velhas vilas como Guaratinguet, Taubat e Pindamonhangaba, no Vale do Paraba paulista, de onde procedeu a maioria da gente que foi povo-ar Paraitinga (Saia & Trindade, 1977, p.13).

    Como documento e como obra, o conjunto urbano-arquitet-nico tradicional de So Luiz do Paraitinga tem uma dimenso brasi-leira e ibrica. Os valores que o notabilizam remetem para um vasto programa de organizao territorial e de povoamento no mbito da poltica ilustrada, racional, que marcou a gesto do Marqus de Pombal nas trs primeiras dcadas da segunda metade do sculo XVIII, especialmente em sua vertente colonial ou luso-americana. No caso de So Paulo, cuja capitania tinha na poca como limites a do Rio de Janeiro num extremo, e a do Rio Grande do Sul noutro, o plano das povoaes foi oferecido aos novos colonos pelo j citado D. Lus Antnio Mouro, Morgado de Mateus (DI, 1943, p.138).

    Foi essa a dimenso que as pesquisas e estudos subsequentes realizados pelo historiador Jaelson Bitran Trindade reconheceram em So Luiz do Paraitinga: um exemplo paradigmtico do urbanismo da Ilustrao no Brasil-Meridonal; semelhanas, mas tambm as espe-cificidades do caso paulista em relao aos planos territoriais leva-dos a cabo na mesma poca noutras partes da Amrica Portuguesa.

    A cidade um exemplo paradigmtico, porque das vinte e pou-cas fundaes intentadas pelo Morgado de Mateus, dentre as que vingaram (a maioria), Paraitinga, por razes concernentes ao desen-volvimento regional e s condies do stio escolhido, preencheu e consolidou o plano regular a que foi sujeita j no decorrer da dca-da de 1830, antes que as outras criadas na mesma poca. Entre as dcadas de 1850-1870, e pouco mais, atingiu certa grandeza na sua arquitetura, estendeu um pouco mais o seu traado e pouco mais se desenvolveu da para a frente, fato esse que torna visvel ainda hoje, em sua inteireza, a histria da sua formao a malha urbana desenvolvida nos ltimos 25 anos representada por troos desco-nexos do traado antigo, ainda dominante no conjunto da cidade, e para alm das suas bordas. So Luiz do Paraitinga hoje, reitera-se aqui, a principal referncia, nas regies Sudeste e Sul do Brasil, da poltica territorial ilustrada da segunda metade do Setecentos.

    O desenho urbano preconcebido, regular, que orientou a for-mao do povoado em 1769, tornado vila em 1773, foi dominante at os dias de hoje. Os remanescentes da arquitetura tradicional

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  • 26 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    grupos e conjuntos so ainda numerosos, apesar do desapareci-mento, durante o sculo passado, de uma parte das edificaes que preencheram essa trama at o ltimo quarto do sculo XIX.

    A homogeneidade volumtrica e formal que se observa no conjunto de sobrados no mbito da praa central de So Lus, mas tambm visvel noutros logradouros como o caso do longo alinha-mento esquerdo da Rua do Carvalho, comparece ainda noutras ruas, em grupos de edificaes, construdos no decorrer do sculo XIX, desde as primeiras dcadas.

    Era regra bsica do urbanismo pombalino tratar a arquitetura como consequncia da planificao urbana. A arquitetura pensada no programa urbano, seja pelas normas e regulamentos, seja na con-cepo de uma cidade planejada desde a origem. o que se tem deno-minado arquitetura de programa: o programa e a malha tornam-se indissociveis, assinala Jos Horta Correia, historiador portugus da arte e da arquitetura no sculo XVIII (Carita, 1999). Regularidade, uni-formidade, simetria, harmonia so valores presentes em boa parte das edificaes da So Luiz tradicional. O espao-rua era determinante para se alcanar um lugar conveniente, formoso, bonito, para recre-ao da vista, como escrevia (e prescrevia) o Morgado de Mateus no edital que fez para se fundar o povoado de Piracicaba: formando-lhe muito bem as Ruas com largueza para comodidade dos habitadores e recreao da vista (DI, 1943, p.158, carta de 4.6.1767).

    Em Paraitinga, onde est o sobrado da esquina da Praa Osvaldo Cruz com a Rua Baro de Paraitinga antes era um terreno cuja casa antiga fora desmanchada e pertencia a um Domingues de Castro. vista disso, a Cmara Municipal, no incio da dcada de 1850, solicita aos proprietrios que edifiquem de novo ali porque, segundo declaram os vereadores, a falta de edifcio naquele canto fazia um total desformoseamento no Largo da Matriz.10

    A formosura da cidade j constava como quesito central na Carta Rgia de 1755 ao governador Mendona Furtado, ordenando a criao da Capitania do Rio Negro, atual Estado do Amazonas, e

    a fundao de uma vila para sua capital a futura Barcelos; uma das primeiras povoaes de uma sucesso de outras fundadas em todo

    10 Cf. Atas da Cmara, So Lus do Paraitinga, livro de 1853, sesso do dia 2 de junho.

    [figura 15] A fachada da Praa Osvaldo Cruz que, direita, faz esquina com a Rua Baro de ParaitingaFoto: Antnio das Neves Gameiro, 1972Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

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  • 27[ introDuo ]

    o Brasil nas duas dcadas e pouco mais que se seguiram. A Carta estabelecia que os moradores que se assentassem nos lugares deline-ados, com a seguinte obrigao:

    que as ditas casas sejam sempre fabricadas na mesma figura uniforme pela parte exterior, ainda na outra parte interior as faa cada um como lhes parecer; para que desta sorte se conserve sempre a mesma formosura na Vila e nas ruas dela a mesma largura, que se assinar na fundao...

    So Luiz do Paraitinga hoje uma referncia da cidade iluminis-ta as da Era Pombalina. E no s do ponto de vista da sua especi-ficidade paulista, melhor dizendo, como representativa do que ocorreu nesse mbito da poltica portuguesa, no Brasil Meridional. Pois, o fato que em mais nenhuma das numerosas fundaes do perodo, Brasil afora, o plano e o programa urbano-arquitetnico levados a cabo es-to hoje presentes, visveis como ocorre na velha cidade paulista.

    A homogeneidade e o realce dos conjuntos geminados edifi-cados na praa central de So Luiz do Paraitinga no encontram similar nas praas das velhas cidades paulistas, nem ontem nem hoje em dia. Um conjunto de sobrados em fachada corrida, correspon-dendo aos princpios iluministas, todavia, mais imponente, pode ser visto, por exemplo, na Praa Tiradentes (antiga Praa do Palcio dos Governadores, em Ouro Preto mais precisamente, o conjunto prximo ao antigo Palcio). Mas praas com tais caractersticas so fatos raros na paisagem urbana tradicional brasileira.

    So recentes os estudos do urbanismo do sculo XVIII em Por-tugal e seu Ultramar. na dcada de 1990 que esse veio comea a ser aberto pelos estudos realizados em Portugal por Manuel Teixeira e Margarida Valla, Walter Rossa e Renata Malcher Arajo (Teixeira & Valla, 1999; Arajo, 1998; Rossa, 1995), Mais recentemente, tm surgido estudos, no mbito acadmico portugus, sobre as Utopias territoriais do Iluminismo em Portugal esse o caso do mestrado defendido na Universidade de Coimbra, em 2006, por Ana Sofia Antunes Moreira. H outros estudos mais, mesmo monogrficos,

    11 Entre o incio de maro e o incio de agosto de 1774 estava politicamente edificada a nova vila, ainda que o no estivesse de facto e na totalidade (Correia, 1984, p.85-7). O conjunto inaugural estaria completado apenas em maio de 1776. A foto ilustra uma informao sobre Vila Real de Santo Antnio escrita por Jos Alberto Gonalves para a pgina-web da Associao de Solidariedade Social dos Professores - Delegao do Algarve. Acesso em: http://sites.google.com/site/asspalgarve/vila-real-de-santo-antonio.

    [figura 16] Vila Real de Santo Antnio, no Algar-ve. Vista parcial da praa central (Praa Marqus de Pombal). A vila foi instituda em 1771 e inteiramente construda em pouco mais de dois anos (1774/74)11

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  • 28 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    relativos Vila Real de Santo Antnio e Porto Covo no litoral do Algarve e do Alentejo, respectivamente, e sobre Manique do Inten-dente, no Distrito de Lisboa. Essas so as poucas fundaes ex-novo feitas no Reino durante a gesto de Pombal / D. Jos I.

    Essas utopias territoriais remetem ideia, no pensamento iluminista europeu, sobre a cidade de que a racionalidade no se reduzia geometrizao do espao social, mas abrangia tambm a vida social, econmica e poltica. Esse vis perpassa a poltica terri-torial pensada para So Paulo pelo seu governador ilustrado.

    A tratadstica sobre o urbanismo setecentista tambm tem cha-mado a ateno dos estudiosos, em especial o hoje bem conhecido Tratado de Ruao, de autoria de Jos de Figueiredo Seixas, discpulo de Nicolau Nasoni, artistas esses que privaram diretamente com a Casa de Mateus, em Vila Real (Trs-os-Montes), entre as dcadas 1740-1750. Os primeiros estudos sobre a urbanstica da poca de Pombal datam de meados da dcada de 1980, de Jos Eduardo Hor-ta Correia e Rafael Moreira, se debruam justamente sobre o caso de Vila Real de Santo Antnio e o Tratado de Ruao (Correia, 1985, 1997; Moreira, 1984, p.131-44), de Figueiredo Seixas, e foram pre-cedidos, anos antes (1966), pela publicao da tese de doutorado de Jos Eduardo Frana, Lisboa Pombalina e o Iluminismo (na 1 ed., Paris, 1965, tinha o ttulo de Une ville des lumires: la Lisbonne de Pombal).

    justamente o Tratado de Ruao, oferecido ao Marqus de Pombal, c. de 1758, aps o megassismo de Lisboa de 1755, que tem se prestado mais ao exame das Utopias territoriais do Iluminis-mo em Portugal, pelas proposies que faz da cidade ideal e no qual se vislumbra tambm um modelo social que reflete o iderio fisiocrtico. E reitera-se aqui a relao entre o Morgado de Mateus, governador setecentista de So Paulo, e Figueiredo Seixas, o autor do aludido Tratado.

    [figura 17] Planta de Porto Covo (1794), no litoral do Alentejo (Marques, 2004, p.54)

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  • 29[ introDuo ]

    Ideias similares transpiram nos projetos de recolonizao in-terna, executados no mesmo perodo na vizinha Espanha, as nue-vas poblaciones de Sierra Morena (1767-1768) (Hamer Flores, 2009).12 A atitude povoadora no corpo das Reformas Burbnicas da monarquia de Espanha se estendeu para seus domnios america-nos desde a dcada de 1770, como o caso das novas povoaes de Cartagena de ndias (1774-1794) (Lucena Giraldo, 1993). Mas a formulao de tal poltica no trato com populaes antigas e em reas de antigo domnio nasce com essas experimentaes ao Sul do Reino de Espanha. possvel traar paralelismos entre as formula-es desses projetos de recolonizao na Espanha e a poltica ter-ritorial vislumbrada para a Capitania de So Paulo, por aproximar-se dessa situao de recolonizao.

    Conhecidas j de h muito, tanto essas ocorrncias espanho-las como as linhas gerais do Tratado de Ruao portugus, fazia-se necessrio estabelecer a conexo desses fatos com as formulaes dos governadores ilustrados mandados ao Brasil, em especial com a ao do Morgado de Mateus na antiga Capitania de So Paulo, fato que agora se tornou possvel no mbito desta instituio.

    contempornea fundao de So Luiz do Paraitinga a fun-dao, sob a orientao do Intendente Pablo de Olavide, das povo-aes de La Carlota (Baroja, 1957, p.221), La Luisiana e La Carolina e suas aldeias ou freguesias rurais, na Andaluzia, Espanha, ao p da Autova del Sur, distante 30 km da cidade de Crdoba, logo a seguir ao plano de colonizao ou Fuero de Poblacin, promul-gado em 1767 pelo rei Carlos III. O municpio de La Carlota, por exemplo, possua em 2001 uma populao similar de So Luiz do Paraitinga, ou seja, um pouco superior a 10 mil habitantes, e a maior parte da populao se dedica agropecuria. Em 2009, sua populao atingiu o cmputo de13.374 habitantes.13 E Paraitinga, na estimativa do IBGE para esse ano, no superava ainda a casa dos 11 mil em relao populao urbana, esperava-se que atingisse a casa dos 7 mil.

    * * * No Brasil, a partir de 1753, foram fundadas dezenas de povoaes

    de Norte a Sul, em obedincia poltica de povoamento e fomento econmico do Reino de Portugal, aproveitando-se a populao pree-xistente, especialmente a indgena reduzida a aldeias de misso evan-gelizadora; tal fato foi facilitado, depois de 1759, com a expulso dos padres jesutas e a nova Lei de Diretrio das redues indgenas, suprimindo a direo temporal pelos religiosos (Flexor, 2002; Olivei-ra, 2008; Arajo, 2003; Silva, 2005). Essa foi a regra. Outra regra foi

    12 A bibliografia sobre o tema das cidades e, de modo geral, do reformismo burbnico relativamente extensa, desde meados da dcada de 1980. No tanto talvez quanto seja necessrio avanar nele. Antes disso, pairava solo, no que se refere ao aspecto dos aglomerados fundadas sob plano preconcebido e dentro dos parmetros da ideologia reformista em voga, o estudo de Julio Caro Baroja (1957), Razas, pueblos y linajes.

    13 Cf. Cordobapedia, verbete La Carlota. Disponvel em: . Acesso em: setembro de 2009.

    [figura 19] La Carlota (Espanha, 1767)Planta da vila de La CarlotaFonte: Baroja (1957, p.222)

    [figura 18] So Luiz do Paraitinga (1769)Planta esquemtica da cidade, que consta da folha cartogrfica do municpio de Taubat, com o qual faz limite, datada de 1928Fonte: Arquivo Pblico do Estado de So Paulo (APESP), Centro de Iconografia, MAP 01.03.03 Folha de Taubat, 1928, Topogrfico, Comisso Ge-ogrfica e Geolgica

  • 30 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    a aplicao de nomes de cidades e vilas portuguesas, substituindo os nomes nativos aos quais se acoplavam o nome santificado dos padroei-ros. Algumas receberam o nome de importantes ncleos portugueses, como Barcelos, caso da povoao que devia servir de capital da nova Capitania do Rio Negro; outras, de pequenas vilas, muito ao gosto dos capites-generais governadores numa lembrana da terra natal, como Leomil e Lamego, junto ao Real Forte Prncipe da Beira, em Rondnia, ou Redinha e Extremoz, no Rio Grande do Norte, prximas a Natal.

    As novas povoaes receberam planos, mais ou menos elabo-rados no seu desenho, fornecidos ou pelos gabinetes (Aula do Risco, Engenharia Militar) de Lisboa, ou pelos prprios governado-res das capitanias e/ou militares que os auxiliavam na governana e visitavam os stios.

    Alm disso, tal como ocorreu com So Luiz do Paraitinga e ou-tras novas povoaes paulistas, nas ordens de fundao, o plano era acompanhado de prescries quanto largura das ruas e praas, volumetria dos edifcios, s medidas das suas envasaduras (portas e janelas), simetria e uniformidade arquitetnica das casas.

    O arquiteto Nestor Goulart Reis, estudioso da cidade brasileira colonial, ao abordar os projetos iluministas de fundaes de vilas no Brasil, no decorrer da segunda metade do sculo XVIII, quando se estabelece tanto a regularidade do traado das ruas, tiradas a partir da praa central, como a preocupao com a uniformizao da lar-gura desses logradouros e a fixao de padres para as fachadas, as-sinala que essas tendncias de padronizao podem ser observadas ainda nos dias de hoje em determinadas ruas do centro de cidades como Belm, So Lus do Maranho, Ic e Aracati no Cear e So Luiz do Paraitinga, em So Paulo (Reis, 2001, p.179).

    Goulart, entretanto, esclarecia em trecho anterior a esse aqui citado, que as prescries com que foram fundadas as vilas de Ic (1736) e de Aracati (1748) no contemplavam ainda a uniformidade das ruas e da aparncia das fachadas. Entretanto, em So Luiz do Paraitinga, dentre as cidades citadas geradas pelo urbanismo ilus-trado, isso ocorreu com toda a clareza, j respondendo aos ditames do urbanismo pombalino, assim chamado por ser um dos traos que marcam a gesto, frente do Reino de Portugal, do todo-pode-roso Marqus de Pombal, Ministro de D. Jos I entre 1750-1777. a Era do Despotismo Ilustrado.

    Assim sendo, Paraitinga, fundada na mesma poca em que mais de uma centena de novos aglomerados foram criados no Brasil, de Norte a Sul, tal como ela a partir de planos previamente fornecidos pelas autoridades coloniais, em nome do rei, , talvez, a nica em que hoje podemos notar os elementos espaciais e naturais que de-cidiram a sua implantao: os parmetros racionalizantes, neoclssi-cos, que definiram e orientaram a escolha do stio, o traado urbano e a arquitetura.

    Esse destaque que Nestor Goulart d cidade de So Luiz do Pa-raitinga ainda que no v alm da referncia como uma obra visvel do urbanismo ilustrado j fora dado por Lus Saia em 1973, confor-me vimos, no seu estudo da evoluo urbana dessa mesma cidade.

    [figura 20] Bragana, no Par, Brasil, fundao de 1753, sob plano prvio, teve o plano alterado a juno entre a praa e a margem do rio foi mais for-te, mas a quadrcula de alguma forma se impsPlanta da vila Nova de Bragana. Detalhe do Ma-ppa dos rios Guaraj e Cayt... Original manuscrito de E. Galuzzi, do Arquivo Histrico do Exrcito, Rio de Janeiro, 1754Fonte: Reis (2000, p.280)

  • 31[ introDuo ]

    A PROPOSTA DE PROTEO

    Tendo a malha urbana e a maioria das edificaes de So Luiz do Paraitinga se constitudo em situao de economia tradicional, eminentemente rural, at a primeira dcada do sculo XX, o con-junto urbano formado est plenamente visvel, assim como o stio natural o rio e o cenrio representado pelo mar-de-morros que circunda a cidade. So Luiz do Paraitinga apresenta uma situao de carter unitrio e singular, em razo de:

    1. Apresentar um traado regular e um conjunto de edifica-es, orientados pelo plano estabelecido previamente, junta-mente com normas de uniformizao e harmonia das edifica-es, visando obter a formosura da cidade, disposies que remontam, portanto, ao urbanismo da Ilustrao e acom-panharam o seu desenvolvimento;

    2. Uma escala e um ndice de ocupao que mantm a cidade ainda fortemente envolvida pela paisagem natural que a con-tingenciou e deu suporte sua formao e desenvolvimento; a maior parte da rea urbana est contida pelo Rio Paraitinga e pelo morro que contorna a vrzea em forma de dente es-colhida para receber o plano regular, bem como pelo mar-de-morros base dos quais corre o rio: essa vrzea ribeirinha e o cenrio de morros que a envolvem, em sua maioria reco-bertos de vegetao e ainda no ocupados, mostram bem a situao estratgica e complexa da rota de transio do planal-to para o litoral numa rea de topografia elevada e bastante acidentada que motivou a criao da cidade, em meados do sculo XVIII.

    Assim sendo, no se trata de preservar um conjunto, uma rea ou setor da cidade, mas o stio urbano tradicional, com o seu traado, seus edifcios pblicos, seu casario e a paisagem envolvente. No se valora individualmente cada uma das construes que a compem, mas em relao globalidade da cidade.

    Essa conceituao do caso de So Luiz do Paraitinga aproxi-ma-se daquela que orientou a preservao e a elaborao do Plano de Pormenor de Salvaguarda do Ncleo Pombalino de Vila Real de Santo Antnio (2003), no Algarve, Portugal, junto foz do Rio Guadiana (Gonalves, s. d.). Criada a partir de um plano ordenado pelo Marqus de Pombal, envolvendo at a arquitetura dos edifcios, foi inteiramente construda em menos de dois anos. A aproximao que se faz com relao sua contempornea brasileira, Paraitinga, pelo fato de que esta recebeu tambm o plano e os desenhos indi-cativos das casas, com a diferena de que a sua construo no era uma tarefa do governo. Os princpios iluministas esto na raiz de ambas as povoaes.

  • 32 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    ASPECTOS A DESTACAR NO TOMBAMENTO

    A presente proposta de tombamento se atm aos seguin-tes fatos:

    1. O conjunto urbano-arquitetnico e paisagstico de So Luiz do Paraitinga um testemunho paradigmtico da cidade ilu-minista, uma concepo que norteou a fundao de dezenas e dezenas de novas vilas e povoados (freguesias), criados por deciso poltica no Brasil, de Norte a Sul, na segunda metade do sculo XVIII: a cidade como elemento civilizador, como smbolo do comrcio entre os homens (Bastos, s. d.). O go-vernador da Capitania de So Paulo, que ordenou o povoamen-to do lugar (entre outras fundaes que promoveu), forneceu tambm a planta da povoao e a figura das casas pelas quais deviam se guiar os povoadores. Suas intenes eram claras:

    E porque uma das coisas que as Naes mais cultas costumam ter grande cuidado no tempo presente a simetria, e harmonia dos edi-fcios que de novo se levantam nas Povoaes das Cidades e Vilas, para que de sua disposio no resulte [apenas] a comodidade pblica mas tambm o agrado com que ser fazem mais apetecveis, e hbeis, as Povoaes, conhecendo-se da sua boa ordem com que esto dispostas a polcia.14 (Saia & Trindade, 1977, p.19)

    2. A trama de ruas e largos existentes na cidade, que se desen-volve na modesta vrzea ou terrao contido entre um me-andro de rio e o mar-de-morros, atingindo ainda o primeiro patamar do morro adjacente (Morro do Cruzeiro) se embasou no plano regular, preconcebido, que devia orientar os povoado-res, ali reunidos por determinao governamental, em 1769. de notar a presena de duas praas, a da Matriz e a da Cadeia e Pao da Cmara, uma caracterstica dos planos de novas vilas executados a partir da dcada de 1760, no Brasil, caso de Lages, no atual Estado de Santa Catarina, cuja planta, de 1769, fornecida pelo Morgado de Mateus, conhecemos, ou possvel verificar na planta de outras cidades regulares tais como Vila Viosa (BA, 1769), Portalegre (BA, 1772), S. Jos de Macap (1761), entre outras.

    3. O volumoso conjunto remanescente da arquitetura tradi-cional, datado no que diz respeito ao casario entre c. 1820 e 1870, est em consonncia com os pressupostos com que foi criada a vila em 1773, pelos quais tanto o traado urba-no quanto as edificaes deviam ser feitos segundo a ideia de uniformidade e norma, para se obter a beleza e a harmonia, expressando assim uma regra bsica do urbanismo pombali-no: o predomnio do espao-rua sobre o espao-casa uma

    14 Leia-se policia, na dupla acepo de ordem e bem-estar (apud Vaz, 1998 e Schiera, 1984)

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  • 33[ introDuo ]

    arquitectura de programa, conforme a tem denominado a historiografia portuguesa.

    4. O valor dessa arquitetura, que, alm do fato de expressar um programa urbano, se notabiliza pelo ritmo e proporcionalida-de dos vos e o tratamento que recebem portas e janelas e suas esquadrias e sacadas.

    Tendo em conta o seu conjunto urbano-arquitetnico tradicio-nal, ainda dominante e de clara leitura no stio geogrfico eleito uma vargem-grande, conforme documentos antigos (na verdade, modesta para o gegrafo do mundo atual), num meandro dum rio entre um mar-de-morros a meio caminho entre a estrada So Pau-lo Rio de Janeiro e a orla martima, So Luiz do Paraitinga ganha importncia por que essa conjugao entre a malha urbana e a arqui-tetura tradicional que ali sobressai:

    1. Se refere ao contexto da poltica de povoamento, domnio territorial e fomento da economia, que resultou em dezenas de aglomerados vilas e freguesias no Brasil, de Norte a Sul, na segunda metade do sculo XVIII; fundaes novas, agregando ou ajuntando populao no local, que se sujeitam a um plano preconcebido e outorgado aos povoadores, com o desenho re-gular das ruas e praas bem como do casario trreo e de sobra-do. Sua implantao segue um plano racionado, no dizer do seu fautor, o capito-general e governador da recm-restaurada (1765) Capitania de So Paulo, D. Lus Antnio Botelho Mou-ro, o Morgado de Mateus, cujo conceito de cidade se apia na ideia de regra e uniformidade.

    2. Na sua ao poltica, o Morgado de Mateus, fidalgo de Trs-os-Montes, Portugal, estrategista militar ligado ao Comando da regio do Douro, veio ao Brasil atender o objetivo prioritrio da poltica Josefina, orientada pelo Conde de Oeiras, o futuro Marqus de Pombal, ministro de D. Jos I, de controlar, via po-voamento, as rotas conhecidas e exploradas pela colonizao portuguesa at meados do sculo XVIII em todas as regies fronteirias com os domnios hispano-americanos, traando os limites: o foco principal era, por um lado, o Brasil- Setentrional, a Amaznia e, por outro, o Brasil-Meridional, cujo ponto mais avanado e efetivamente controlado era as terras adstritas an-tiga Capitania de So Paulo. Na verdade, as definies polticas e prticas para os ajustes diplomticos se davam nos campos do Sul, no entremeio do Rio da Prata e o Rio Pelotas-Uruguai: ali, a iminncia de batalhas era algo previsvel, factvel, concreto, defi-nidor (Bellotto, 2007, p.156-7). Na orla martima correspondente a esse territrio de conflito, foi necessria a presena de um go-verno institudo (Santa Catarina) e dum sistema de fortificao. Em decorrncia da assinatura do Tratado de Madri, em 1750, toda a fronteira terrestre do Brasil teria que ser demarcada.

  • 34 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    EM CONCLUSO

    1. possvel visualizar na cartografia atual de vrias cida-des brasileiras, de Norte a Sul, a quadrcula caracterizando a rea antiga, central, expresso do plano prvio com que foram implantadas no sculo XVIII, seja, por exemplo, em Itapetininga, Atibaia e Piracicaba, em So Paulo, seja em Mazago AP ou Bragana PA. Mas raro, no pas, que o plano iluminista, racional, setecentista, seja dominante no conjunto urbano atual, como em So Luiz do Paraitin-ga. Nesse sentido, So Luiz do Paraitinga um legado ni-co, em termos do processo de povoamento pombalino como um todo.2. So raros no Brasil os conjuntos de casas nas praas cen-trais, geradoras, especialmente casas de sobrados, compondo fachadas corridas, mantendo a simetria da linha do telhado e da cumeeira como resultado de normas e princpios das Lu-zes, tal como ocorre em So Luiz do Paraitinga.3. Diferentemente da urbanizao realizada no resto do Bra-sil no tempo de Pombal, aquela representada por So Luiz do Paraitinga se deu basicamente em territrio com circula-o e ocupao j antiga. 4. Diferentemente do que ocorreu na urbanizao realiza-da no resto do Brasil no tempo de Pombal, as duas dezenas e pouco mais de fundaes na extensa Capitania de So Paulo no se estabeleceram com base em misses crists de indgenas e nem receberam denominao de cidades e vilas portuguesas.5. No h, no Brasil, nenhum tombamento federal que inci-da sobre uma cidade iluminista, sobre o urbanismo ilus-trado do sculo XVIII.

    PROPOSTA

    O permetro de proteo traado abrange todo stio esco-lhido para fundar a vila e acomodar como de fato aconteceu at a primeira dcada do sculo XX a expanso do ncleo: um modesto terrao ou patamar em forma de dente, para usar os termos da geografia, ocorrncia rara na paisagem de mar de morros que caracteriza a topografia da regio por onde serpen-teia o rio. Do ponto de vista da morfologia, segundo a anlise do gegrafo, os elementos que formam o stio urbano de So Luiz so apenas dois e bastante simples: um baixo terro, acanhado, e os morros, com flancos s vezes suavizados por ombros de ero-so (Petrone, 1959, p.73). Fazem parte do stio urbano, demar-cando o perodo de consolidao do ncleo, para alm do terrao que se estende at as faldas do morro, os ombros de eroso, nas partes mais baixas das encostas do morro que fronteia a pra-a central, onde se assentaram as atuais ruas do Carvalho, at a

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    Rua Benfica, Osvaldo Cruz e Mercs e a parte da Rua Monse-nhor Giia que se estende da lateral direita da igreja Matriz at o ptio da igreja do Rosrio.

    No que se refere aos elementos naturais do stio onde foi criada a cidade, a preservao dever incidir tambm sobre a parte do Rio Paraitinga que tangencia a cidade antiga, nas suas duas margens, desde os fundos do mercado municipal, a jusan-te, at a altura da Rua Benfica, a montante; da mesma forma, devem ser preservadas como reas de proteo ambiental as encostas do mar-de-morros recobertas de vegetao e ainda no ocupadas, que circundam a rea urbanizada. Trata-se, por-tanto, de um tombamento de carter histrico, arquitetnico, urbanstico e paisagstico.

    A atual proposta de tombamento dever ser acompanhada de uma poltica que implique na valorizao da cidade, atravs de uma ao conjunta com a municipalidade, o Estado e, especial-mente, com a populao local. Desse modo, ser elaborado um plano em conjunto com o poder executivo e legislativo local para estabelecer normas e regulamentaes sobre a rea tombada, e de proteo ambiental, bem como diretrizes de uso e ocupao do solo urbano. Todos esses estudos tm como objetivo princi-pal municiar a municipalidade de instrumentos reguladores que valorizem o conjunto arquitetnico urbanstico e propiciem o necessrio desenvolvimento socioeconmico. Tambm se deve levar em conta tanto o fato de que o municpio tem o estatuto de Estncia Turstica do Estado de So Paulo e de que um dos municpios integrantes do Consrcio de Desenvolvimento Inte-grado do Vale do Paraba (Codivap).15

    No h como enfrentar essa complexidade de salvaguardar e reabilitar reas urbanas antigas sem uma relao de planejamento e gesto urbana e regional. As prticas preservacionistas tendem a se reduzir a regulamentos administrativos e aproveitamento de oportunidades de promover ou requalificar espaos pblicos e renovar algumas infraestruturas. As questes que envolvem a preservao devem ser tratadas juntamente aos vetores de de-senvolvimento urbano.

    15 Consrcio de Desenvolvimento Integrado do Vale do Paraba (Codivap). Disponvel em: .

    [figura 21] O stio urbano do Municpio de So Luiz do Paraitinga, em 1928. Instituto Geogrfico e Geo-lgico de So Paulo (IGG)Planta esquemtica da cidade, que consta da folha cartogrfica do municpio de Taubat, com o qual faz limite, datada de 1928Foto: Arquivo da Superintendncia Regional do IPHAN So PauloFonte: APESP Arquivo Pblico do Estado de So Paulo, Centro de Iconografia, MAP 01.03.03, Fo-lha de Taubat, 1928, Topogrfico, Comisso Geo-grfica e Geolgica

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    [figura 22] Mapa de uso do solo, 2007-2008Fonte: SR IPHAN-SP, a partir de base cedida pela Prefeitura Municipal de So Luiz do Paraitinga

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    [figura 23] Mapa de estado de conservao, 2007-2008Fonte: SR IPHAN-SP, a partir de base cedida pela Prefeitura Municipal de So Luiz do Paraitinga

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    [figura 24] Mapa de gabarito, 2007-2008Fonte: SR IPHAN-SP, a partir de base cedida pela Prefeitura Municipal de So Luiz do Paraitinga

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    REA DE PRESERvAO vISUAL

    Considerando a importncia da paisagem natural que circunda a cidade de So Luiz do Paraitinga, a preservao visual da rea ur-bana proposta para tombamento pelo IPHAN compreende o mar de morros que envolve So Luiz, formando assim uma moldura verde que valoriza o conjunto arquitetnico. O permetro desse en-torno foi estabelecido pelas cotas mais altas destas elevaes.

    Descrio do permetro de preservao visual

    Inicia-se no ponto 01 (cota 962 - 231350S e 451759O) seguindo em direo norte at o ponto 02 (cota 841 - 231324S e 45183O), seguindo em direo noroeste at o ponto 03 (cota 824 - 231312S e 451814O), seguindo em direo noroeste, cruzando o rio Paraitinga, at o ponto 04 (cota 809 - 231234S e 451840O), seguindo em direo sudoeste at o ponto 05 (cota 864 - 23137S e 451857O), seguindo em direo noroeste at o ponto 06 (cota 862 - 231255S e 451911O), seguindo em dire-o sudoeste at o ponto 07 (cota 857 - 231315S e 451917O), seguindo em direo sudeste at o ponto 08 (cota 847 - 231336S e 45194O), seguindo em direo leste at o ponto 09 (cota 812 - 231338S e 451843O), cruzando o rio Paraitinga novamente em direo sudeste e fechando assim o permetro no encontro com o ponto 01.

    [figura 25] O permetro de preservao visual Fonte: SR IPHAN-SP, a partir de base do Instituto Geogrfico e Cartogrfico (IGC)

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    REA DE PRESERvAO URBANA

    Descrio do permetro de tombamento da rea urbana

    Inicia-se na margem direita do Rio Paraitinga, no ponto 01 (231310 S e 451834O), seguindo em direo sul pela men-cionada margem at o ponto 02 (231330S e 451840O); segue em direo nordeste, cruzando o rio e passando pela vie-la Hermenegildo Alves de Campos, at encontrar a rua Coro-nel Manoel Bento onde se localiza o ponto 03 (231327S e 451838O); segue em direo sudeste pela rua Coronel Manoel Bento, incluindo-se as edificaes de ambos os lados da rua, at a praa Coronel Teodoro Coelho onde se localiza o ponto 04 (231332S e 451827O); segue em direo norte pela pra-a Coronel Teodoro Coelho at a rua Coronel Domingues de Castro onde se localiza o ponto 05 (231330S e 451827O); segue sentido noroeste pela rua Coronel Domingues de Castro at o ponto 06 (231326S e 451832O), segue ainda sentido noroeste pela rua Coronel Domingues de Castro, incluindo-se as edificaes de ambos os lados da rua, at encontrar o largo da Igreja de Nossa Senhora das Mercs, onde se localiza o ponto 07 (231324S e 451836O); segue em direo norte at a rua Dr. Oswaldo Cruz, incluindo-se as edificaes de ambos os lados da rua, onde se localiza o ponto 08 (231324S e 451835O); segue em direo nordeste pela Rua Dr. Oswaldo Cruz, incluin-do-se as edificaes de ambos os lados da rua, at o cruzamento com a rua Manoel Paulino Csar, onde se localiza o ponto 09 (231322S e 451833O); segue em direo nordeste pela rua Luiz Antnio da Silva at a rua do cruzeiro onde se localiza o ponto 10 (231319S e 451832O); segue em direo noroeste pela rua do Cruzeiro at a rua Monsenhor Igncio Giia onde se localiza o ponto 11 (231318S e 451835O); segue em direo norte pela rua Monsenhor Igncio Giia, incluindo-se as edifica-es de ambos os lados da rua, at alcanar o largo da Igreja do Rosrio onde se localiza o ponto 12 (231317S e 451834O); segue em direo norte pelo largo da Igreja do Rosrio, incluin-do-se as edificaes de ambos os lados da rua, at encontrar a rua da Liberdade onde se localiza o ponto 13 (231314S e 451832O); segue em direo noroeste at a rua do Carvalho onde se localiza o ponto 14 (231314S e 451833O); segue em direo nordeste pela rua do Carvalho, incluindo-se as edi-ficaes de ambos os lados da rua, at encontrar a rua Benfica onde se localiza o ponto 15 (231312S e 451832O); segue em direo noroeste pelo beco da rua do Carvalho at encontrar o ponto 01, fechando assim o permetro.

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    [figura 26] Planta cadastral de 2007. A linha laranja indica o mbito proposto para proteo do stio urbano pelo IPHANFonte: SR IPHAN-SP, a partir de base cedida pela Prefeitura Municipal de So Luiz do Paraitinga

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    A INUNDAO DE jANEIRO DE 2010: A CIDA-DE SUBMERSA

    [figura 27] Nesta foto, a gua j atingiu o andar su-perior dos sobrados da Praa. Logo, subiu cerca de meio metro maisFonte: Jornal O Estado de So Paulo, janeiro de 2010

    [figura 28] Escombros da velha Capela de Nossa Se-nhora das MercsFoto: Anita Miriam Hirschbruch, 2009Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

    A documentao antiga da cidade de S. Lus do Paraitinga s acusa durante o sculo XVIII e XIX duas grandes enchentes na rea urbana: a de 1864 e a de 1882. importante notar desde logo que a maioria do casario antigo ainda existente em 01 de janeiro de 2010, edificado com as tcnicas tradicionais da taipa de pilo e pau-a-pique, j existia na poca daqueles desastres naturais. Um considervel patrimnio construdo havia vencido anteriormente, portanto, situaes altamente crticas relativas ao contato com as guas do rio Paraitinga e das chuvas: quando bem construdas, quanto tcnica e materiais, e bem conserva-das, essas edificaes tenderam a resistir aos transtornos natu-rais e se conservaram at o momento.

    O fato que a documentao antiga tambm mostra os vrios empreendimentos levados a cabo pela municipalidade, depois desses sinistros - conforme se l nesta Proposta de Tombamento, em lugar prprio, para atenuar e mesmo evi-tar o aumento das guas do rio e a fora das guas da chuva morro do Cruzeiro abaixo, que danificavam as ruas, as praas e as edificaes.

    No sculo XX ocorreram enchentes periodicamente, a maior delas em meados daquele sculo, atingindo os primeiros degraus da escadaria de acesso igreja Matriz. As velhas edifi-caes resistiram.

    Agora, no entanto, a cidade ficou submersa at a altura de um metro acima do pavimento superior dos sobrados da rea central, tendo como conseqncia mais trgica a runa total da igreja Matriz e da Capela de N. S. das Mercs, do sobrado do Grupo Escolar, e dum sobrado datado de 1858 que fa-

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    zia parte de um dos mais importantes frontispcios da Praa Osvaldo Cruz.

    No conjunto das casas trreas, a grande enchente do dia 1 de janeiro provocou, na parte baixa da cidade, a runa total de algumas delas e afetou parcialmente vrias outras.

    Na catstrofe atual, outras causas, outros motivos geraram, em combinao com a desproporcionada precipitao pluvio-mtrica, a invaso brutal da cidade pelas guas do rio e as que desciam morro do Cruzeiro.

    E, entretanto, numerosas casas trreas e sobrados antigos esto salvos ou podero ainda ser salvos, restaurados. Muitas das casas perdidas so de alvenaria de tijolo. Vrias das constru-das em terra tambm foram abaixo. Muitas das casas de pau-a-pique ou taipa de pilo, ou que utilizavam as duas tcnicas, resistiram. Outras tiveram danos parciais, que no indicam uma direta demolio, e sim uma ao prioritria de restauro, con-forme se v nas fotos abaixo.

    De agora em diante deve haver uma ateno redobrada para com a micro-regio da Bacia do Paraitinga-Paraibuna, bem como com a meso-regio representada pela Bacia do Paraba do Sul, onde se insere a primeira. Formas de ocupao agr-ria e industrial que possam desequilibrar o ecossistema regional tambm precisam ser averiguadas. Em termos urbansticos, a mesma coisa deve ser feita em relao densa ocupao e im-permeabilizao das margens do rio, assim como a das encostas do Morro do Cruzeiro.

    Alm das perdas pessoais, grande parte dos habitantes ain-da vive a comoo pela perda dos dois templos centenrios da cidade baixa, pela carga simblica de casa comum que re-presentam ao longo de vrias geraes.

    Os trabalhos pela reconstruo da cidade e o amparo em geral populao vm de toda a parte, de pessoas e instituies pblicas e privadas, j que o poder pblico local est pouco mu-niciado para enfrentar a grandeza das tarefas.

    O IPHAN se fez presente desde a primeira hora. J no dia 05, quando as guas deixaram a cidade, deslocaram-se para l grupos de trabalho provenientes das Superintendncias de SP e Gois para oferecer orientaes tcnicas e verificar a situao, visando o apoio contnuo obra de reconstruo da cidade, bem como para oferecer cidade a experincia da reconstruo da cidade de Gois, Pa-trimnio da Humanidade. Em seguida, foi instalado um escri-trio tcnico mvel do IPHAN na antiga residncia de Osvaldo Cruz, reiterando a urgente reconstruo da cidade e agindo, as-sim, mais enfaticamente em prol da preservao das caracters-ticas urbano-arquitetnicas e paisagsticas que a configuram.

    No dia 12, foi realizada uma grande reunio na cidade, pro-movida pela Secretaria de Estado da Cultura, para discutir os rumos e as responsabilidades pela reconstruo do patrimnio cultural da cidade de So Luiz do Paraitinga, tendo participa-

    [figuras 29a e 29b] Na foto superior, os escombros da igreja Matriz, diante da Praa Osvaldo Cruz, vendos-e esquerda da imagem, a lateral da praa na qual ruram os poucos edifcios antigos que se conservavam: uma grande casa trrea e os dois pr-dios de sobrado. Na foto de baixo, os escombros da fachada e escadaria de acesso da igrejaFotos: Anita Miriam Hirschbruch e Jaelson Bitran Trindade, janeiro de 2010Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

    [figura 30] Lateral da Praa Osvaldo Cruz que teve a perda total de um dos sobrados, o prdio de n.12, que compunham a sua frontariaFoto: Jaelson Bitran Trindade, 2007Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

    [figura 31] Escritrio Tcnico da SR-SP/IPHAN ins-talado em S. Lus do Paraitinga, em janeiro de 2010Foto: Jaelson Bitran Trindade, janeiro de 2010Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

  • 44 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    do deste encontro no tocante ao Governo Federal, o minis-tro interino da Cultura, o presidente do IPHAN e o gerente de patrimnio e acervo histrico do BNDES, alm de equipe de tcnicos do IPHAN-SP e IPHAN-GO. Nessa reunio, foi anunciado um substantivo apoio financeiro e tcnico por parte do MINC, IPHAN, BNDES, Caixa Econmica Federal, Go-verno do Estado de So Paulo e Prefeitura Municipal de So Luiz do Paraitinga.

    urgente a reconstruo da cidade, pelo que, torna-se ur-gente o Tombamento da de S. Lus do Paraitinga pelo IPHAN.

    [figuras 32a, 32b, 32c e 32d] As duas fotos superiores mostram os danos mais signifi-cativos na Rua Baro de Paraitinga: casas de n.34 e 26. Nas duaa imagens inferiores, os danos sofridos por algumas das residncias na Rua Cel. Domingues de Castro: a casa de n. 142 e as casas de n. 200, 208 e 216 (da direita para a esquerda da foto), que fa-ceavam a lateral da Capela das MercsFotos: Jaelson Bitran Trindade, 2007Fonte: Arquivo da Superintendncia do IPHAN em So Paulo

  • 45[ A CiDADe, seus eiXos estruturADores e seus MArCos ArQuitetniCos ]

    UM HOMEM DA ILUSTRAO E A CAPITANIA DE SO PAULO

    A fundao de So Luiz do Paraitinga, em 1769, promovida e orientada pelo governador e capito-General da Capitania de So Paulo, D. Lus Antnio Mouro1, o Morgado de Mateus, fez parte de uma ampla poltica de organizao territorial e dinamizao da economia, implementada por esse fidalgo portugus indicado para essa finalidade pelo Marqus de Pombal, em 1765.

    As prticas modernizadoras ou reformistas que caracterizaram a ao do Morgado de Mateus expressavam a poltica global, com ares de Despotismo Esclarecido, que marcou a gesto do Marqus de Pombal (1750-1777), Sebastio Jos de Carvalho e Melo, o todo-poderoso ministro de D. Jos I, traduzida na Amrica portuguesa por aes visando o controle cartogrfico, demogrfico, econmico e poltico/militar dos grandes domnios da Coroa e a sua expanso. Uma aritmtica poltica instrumentou os governos ilustrados. A Enciclopdia de Diderot e dAlembert definiam a Aritmtica poltica como aquela que tem por finalidade pesquisas teis arte de governar os povos (1751) (Martin, 2001).2

    O prprio Carvalho e Melo, no texto das suas observaes secretssimas do Marqus de Pombal, explicita que:

    1 D. Lus Antnio de Sousa Botelho Mouro era senhor do Morgadio de Mateus, um grande domnio rural situado prximo Vila Real, em Trs-os-Montes, da o seu ttulo; o Solar ou Casa de Mateus ainda existe e est bastante bem conservado; um dos mais significativos exemplares da arquitetura civil barroca em Portugal. Foi iniciado pelo pai de D. Lus e terminado por ele. A imagem que antecede o texto reproduo de um quadro a leo existente na casa de Mateus; conforme consta no Caderno de Imagens p.288 do livro de Helosa Liberalli Bellotto (2007), Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de Mateus em So Paulo (1765-1775).2 No que respeita ao longo ministrio do Marqus de Pombal, ver a comunicao de Santos (2006).

    so Luiz Do pArAitingA, uMA CiDADe Do urBAnisMo ILUSTRADO

    [figura 33] D. Lus Antnio de Sousa Botelho Mou-ro (1722-1798), Morgado de Mateus, fidalgo da Casa Real, governador e capito-general da Capita-nia de So Paulo no Brasil entre 1765 e 1775, exe-cutor da Restaurao econmica, social, e poltica da regio

  • 46 [ Dossi so Luiz Do pArAitingA ]

    os princpios que a Economia do Estado e a Aritmtica Poltica estabeleceram para que por eles se possa formar uma completa idia do Estado, da Civilidade, da Poltica, da Opulncia e das Foras de qualquer Nao culta, se viram aparecer em pblico com esta faustssima ocasio na Corte de Lisboa, causando assombro a todos os Nacionais e Estrangeiros. (Santos, 2006)

    Segundo o pedagogismo das Luzes, o poder dos monarcas

    devia estar sob o domnio da Razo, comprometido com a reflexo filosfica. Os reis comprometiam-se assim com o progresso, estando as suas medidas orientadas pelos ideais de bem comum e felicidade pblica, tais quais formulados pelo Direito Natural (Arajo, 2003, p.2).

    No se pode perder de vista, entretanto, que o peso dos princpios de centralidade monrquica e das convenes herdadas a mentalidade barroca com todo o seu arsenal de representaes reduziu o alcance das estratgias de modernizao ensaiadas no mbito da Monarquia portuguesa (Arajo, 2003, p.18; Silva, 2003, p.25-6).

    A Ilustrao diz-nos Calazans Falcon a forma concreta, histrica do pensamento iluminista. A Ilustrao diz respeito a dois princpios basilares o pragmatismo e o enciclopedismo, e a linguagem geral para conhecer e agir no mundo a matemtica, como apoio das cincias e da reflexo filosfica (Silva, 2003, p.2 e 21): a Razo deita luzes sobre o agente, a situao e a ao.

    As fundaes de povoados, de ncleos organizados, consolidando a presena do Estado e o aproveitamento econmico das regies com grandes vazios foram a tnica das polticas governamentais de poca de Pombal no Norte e no Nordeste do Brasil: muitos desses grandes vazios eram pontuados por Aldeias de Misso, com populaes indgenas, portanto, e sob o controle de religiosos, especialmente os padres da Companhia de Jesus, congregao religiosa cuja poltica territorial e de povoamento chocava frequentemente com os propsitos laicos (colonos e Estado), a ponto de Pombal radicalizar: em 1759 expulsou os jesutas de todas as terras portuguesas, confiscando seus bens.

    Para realizar seus desgnios de re-erguimento do Reino (Portugal e Domnios Ultramarinos), o marqus necessitava contar com administradores coloniais capazes de governar sob o prisma da razo poltica, de impor frrea autoridade em nome de um bem geral da Sociedade a ser alcanado pela instruo e civilizao (Arajo, 2003, p.23-5).

    Segundo Ribeiro Sanches (1699-1779), um dos porta-vozes da Ilustrao em Portugal, no seu livro Cartas sobre a educao da mocidade (1760), considerava que o verdadeiro guerreiro hoje um misto de homem de letras