Ron DiLallo

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  • 8/19/2019 Ron DiLallo

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      Sabe quando se está sozinho em casa, e sentimos uma sensação de estar sendo vigiado? Era exatamenteisso o que eu estava sentindo. Mas, eu não estava em casa. Pelo contrário, estava extremamente longe. Do outro

    lado da cidade, numa ruazinha escura e mal pavimentada. Por que eu estava ali? Porque eu tinha o costume desair à noite para fotografar a cidade. Eu sei, não é um hobby muito saudável, mas tiro fotos bem interessantes.

    Desde mendigos dormindo nas calçadas do centro comercial até um casal jovem abraçado à brisa marítima,admirando o negro mar selvagem.

     Na verdade eu sou um freelancer. Tiro fotos de pessoas e coisas interessantes e vendo para revistas e jornais. Por isso desenvolvi esse hobby talvez um pouco incomum.

     Na minha direção vinha um bêbado balançando debilmente uma garrafa de bebida na mão, mas não eraele que me provocava medo. Não saberia dizer o que era, mas algo naquele assoprar mórbido do vento fazia os

    cabelos da minha nuca se eriçarem e eu não sou de sentir medo por pouca coisa.O bêbado passou por mim cambaleando e entoando algo indiscernível, algo que somente outro bêbado

    entenderia. Minha câmera pendia do cordão no meu pescoço. Eu mantinha uma mão sempre a segurando pronto

    a capturar qualquer cena que eu achasse conveniente capturar. Naquela noite eu não tirara muitas fotos. A memória da máquina estava preenchida apenas por umas

    quatro imagens e algumas da noite anterior que eu ainda não havia passado para o meu computador.Um casal passava de mãos dadas de uma esquina a outra na rua perpendicular. Mirei a cena com a

    câmera. Quando fui olhar através dela, porém, a lente estava embaçada. Limpei com a beirada da camisa, mas ocasal já havia sumido.

    Olhei em volta ainda à procura deles. Não fazia sentido. A rua era larga demais para que tivesse dadotempo para eles chegarem ao outro lado.

    Aquilo estava errado.

    Avancei com a máquina ainda na mão. Para falar a verdade, nem sem por que estava tão obstinado aencontrar aquele casal. Acho que algo naquela noite era incomum e eu queria provar que estava tudo bem, mas

    era claro que não estava. O ar parecia mais denso. Eu poderia ouvi-lo assoviar uma melodia sinistra se parasseum instante para escutar. Minhas mãos suavam e aquela sensação de estar sendo observado ainda me

     perturbava.Eu estava a poucos metros da esquina. Risadinhas sonoras vibravam em meus tímpanos vindas da rua

    além. Era um homem e uma mulher. Sim e a mulher ria mais alto. Uma risada histérica, meio animada, quaseébria.

    Meu coração martelava em meu peito querendo escapar. Chegava quase a doer. Minha mandíbulacerrara-se por vontade própria e eu mesmo não entendia o porquê daquela reação.

    Só mais alguns passos.

    Meus passos não eram sonoros. Eram leves e silenciosos. Eu não queria afugentar o casal. Queria apenasfotografá-los.

    As risadas se tornavam mais audíveis à medida que os metros entre mim e eles iam se esgotando. Eu podia imaginar eles se agarrando num muro de loja ou num portão de rolar. Assim que eu virasse a esquina.

    Dois passos.Mais um e...

     Não havia nada.As risadas cessaram como a chama de uma vela que se apaga. Total e repentinamente.

    Uma gota de suor frio desceu pela minha espinha. Meu coração batia duas vezes mais rápido e maisforte. Acredito que eu poderia vê-lo batendo através da minha roupa. Eu respirava rápido e sem entender.

    A sensação de estar sendo observado era tamanha que todas as partículas do meu corpo estavam prontas

     para responder ao mínimo estímulo.A câmera se soltou de minha mão e pendeu como um corpo enforcado do cordão preso ao meu pescoço.

    Eu tinha que andar, mas minhas pernas não respondiam.Eu tinha certeza que havia gente ali. Onde estava aquele casal?

    Olhei em volta. Eles tinham que estar em algum lugar.Tudo parecia muito escuro. As ruas pareciam longos e infinitos túneis, e eu não via por que caminho

    sairia daquela encruzilhada. O ar comprimia meu peito. Ou seria a escuridão da noite?Uma voz soou em meu ouvido. Virei imediatamente para ver o que era e dei de cara com o vazio do

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     poste de luz na esquina.- Ron...

    Chamou a voz e dessa vez era meu nome. Sonoro e claro. A voz era quase um assovio. Um fôlego.Podia mesmo ser apenas o vento, mas no meu íntimo eu sentia que não era.

    Alguma coisa fria lambeu-me o pescoço e todos os pelos do meu corpo se eriçaram imediatamente. Eunão conseguia virar para ver o que era. Meus membros não me respondiam e o ar denso daquela noite parecia

    garantir que eu não me mexeria de qualquer forma.- Ron...

    A voz soou no meu ouvido. Eu podia sentir o hálito gelado envolvendo minha orelha. Um toque frioescorregou pelo meu rosto, e mesmo assim eu não podia ver o que era.

    Lentamente eu fui virando o rosto na direção da voz que me chamava. Não sabia o que esperar. Agoraeu respirava como se houvesse corrido uma maratona. A boca seca, não emitiria som algum se fosse necessário.A mão suada adormecera parcialmente. O sangue teria parado de correr em minhas veias? Meu coração

     pulsando descontrolado não era suficiente para me manter vivo?Eu podia sentir a imagem do dono daquela voz se aproximando.

    Quando virei totalmente o pescoço, novamente não havia nada. Somente a noite escura por todos oslados.

     Não sabia se isso era bom ou ruim. Tinha certeza que havia ouvido uma voz chamando meu nome.Tinha certeza que havia algo do meu lado. Mas, não havia. Tentei caminhar para voltar para meu carro e para

    minha surpresa, minha perna podia se mexer normalmente.Dei uma meia dúzia de passos de volta para a rua de onde eu viera, mas algo dentro de mim não queria

    voltar ainda. Queria entender o que era aquilo. Quem eram aquelas duas pessoas? Minha cabeça funcionava a

    mil por hora. Eu tinha que saber o que era. Precisava fotografar.Andei até meu carro. A casa onde eu morava como já disse ficava do outro lado da cidade. Avancei

    noite adentro com até em casa. Era um longo caminho. Todas as ruas adquiriam um ar sombrio à noite. O roncodo motor era o único som. Talvez incomodasse algumas pessoas que possuíam sono leve.

    O carro avançava lentamente pelas ruas desertas. Mais a frente havia um bar de strip-tease. A música lásoava alta e a movimentação era maior que em qualquer ponto daquele bairro. Dobrei a esquina antes de chegar

    demasiado perto dele. As pessoas que costumavam frequentar aquele lugar não pareciam o tipo de gente quegosta de conversar.

    Liguei o som do carro. Tocava um rock que eu não conhecia. Apenas um instrumental. A música pareciame hipnotizar e me envolver. Em um minuto eu me sentia muito mais calmo que estivera antes.

    Eu seguia por uma estrada longa que contornava a baía a qual a cidade fora construída em volta. As

    árvores de uma floresta cresciam de um lado e da estrada, do outro havia apenas uma espécie de desfiladeiroque ia dar na água do mar.

    As ondas quebravam nas rochas. O mar negro parecia um grande ser vivo descansando e sua respiraçãogélida e salina invadia meu carro pela janela aberta.

    O carro ia rápido agora. Eu queria logo sair daquela parte da estrada que sempre me deu certo medo. As pessoas da cidade evitavam aquele lugar. Os mais antigos diziam que a floresta era mal assombrada. Que algo

    estranho vivia ali. Por isso as margens da estrada não eram habitadas. Havia apenas a floresta de um lado e odesfiladeiro do outro.

    O som do rádio tremeu e vibrou. Eu levaria menos de cinco minutos para chegar à outra parte da cidade.Uma luz piscou dentro da floresta. Amarela, ou seria branca? Não foi mais que um flash. Eu virei

    instintivamente e fixei o olhar entre duas árvores. A música no rádio tremeu e vibrou mais uma vez, mas já não

    era o rock que eu estava ouvindo antes, era um som de banjo. Alto e acelerado. O rádio vibrou e tremeu umaúltima vez e desligou.

    Virei-me para entender o motivo para o rádio fazer aquilo. Fiz menção de chegar ao botão de ligarquando uma espécie de choque fez minha mão recuar.

    Um grito estridente vibrou de todas as partes do carro e quando olhei para frente uma forma humana branca ofuscada pelos faróis avançou veloz sobre mim. Eu pisei no freio e girei um pouco o volante na direção

    da floresta.Quando o carro parou, não existia mais forma humana nenhuma em qualquer lugar que eu olhasse. O

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    grito não durara mais que um ou dois segundos e a música voltava a tocar agora um solo de piano.Saí do carro ignorando meu instinto que me mandava não sair da segurança das ferragens do veículo.

    Olhei em volta outra vez. Havia apenas o som das ondas do mar se chocando contra os rochedos, o farfalhar dasfolhas das árvores da floresta, o som de uma coruja que piava alto e as notas de piano.

    Entrei no carro novamente decidido a chegar a minha casa. Definitivamente aquela não era uma noitenormal. O som do carro mais me perturbava do que me distraía agora.