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Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Enzimologia Cristiana Gonçalves da Costa Santos 1 - ARTIGO DE REVISÃO - Understanding allosteric and cooperative interactions in enzymes Athel Cornish-Bowden © 2013 FEBS Journal A alosteria e cooperatividade são dois conceitos discutidos desde os primeiros estudos sobre enzimas. Desde as primeiras observações de Henri no invertase e posteriores desenvolvimentos por Michaelis e seus colaboradores, muitas ideias gerais sobre inibição enzimática têm sido discutidas ao longo dos anos. As observações mais primordiais assumiam que o inibidor era estruturalmente semelhante a, pelo menos, um dos reagentes, para que pudesse interagir directamente com o centro activo do enzima. No entanto, a descoberta da inibição por feedback por Umbarger, Yates e Pardee, em 1956, anulou este pré-requisito, uma vez que mostrou que os inibidores podiam desempenhar papéis fisiológicos independentemente de serem ou não estruturalmente idênticos às moléculas envolvidas na reacção. Outros conceitos foram surgindo com ao longo dos anos, nomeadamente o de activação alostérica, que mostra que um único efector pode actuar em reacções opostas em direcções opostas (como, por exemplo, o AMP na regulação coordenada da glicólise e da gluconeogénese). Observações como estas eram difíceis de explicar em termos das ideias clássicas de catálise enzimática. Surge, então, a primeira explicação “satisfatória” com o conceito de centro alostérico, como sendo um local distinto do centro activo do enzima onde uma molécula reguladora se pode ligar. Em 1935, para explicar a cooperatividade da ligação do oxigénio à hemoglobina, Pauling diz que os locais de ligação têm que estar próximos o suficiente para que possam interagir electronicamente. No entanto, com a publicação da estrutura tridimensional da Hb, afasta-se esta ideia da proximidade dos centros e começa a dar-se grande ênfase à mobilidade conformacional como explicação de várias propriedades dos enzimas. Surge, então, a teoria do encaixe induzido proposta por Koshland, que permitiu explicar alosteria e cooperatividade como efeitos à distância: uma proteína combina rigidez com flexibilidade de forma controlada e propositada, ou seja, uma mudança conformacional induzida pela ligação do substrato num local pode ser comunicada a outro que se encontre a vários nanómetros de distância. A regulação conformacional torna-se então um ponto central na investigação da regulação enzimática e, em 1965, Monod, Changeux e Wyman publicam o modelo simétrico ou concertado. No entanto, este modelo não é capaz de explicar em concreto cooperatividade negativa e o conceito de simetria conformacional é difícil de explicar em termos estruturais. Estas e outras críticas levaram à generalização do modelo do encaixe induzido, por Koshland, Némethy e Filmer.

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Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Enzimologia

Cristiana Gonçalves da Costa Santos 1

- ARTIGO DE REVISÃO -

Understanding allosteric and cooperative interactions in enzymes Athel Cornish-Bowden © 2013 FEBS Journal

A alosteria e cooperatividade são dois conceitos discutidos desde os primeiros estudos

sobre enzimas. Desde as primeiras observações de Henri no invertase e posteriores

desenvolvimentos por Michaelis e seus colaboradores, muitas ideias gerais sobre inibição

enzimática têm sido discutidas ao longo dos anos.

As observações mais primordiais assumiam que o inibidor era estruturalmente semelhante

a, pelo menos, um dos reagentes, para que pudesse interagir directamente com o centro activo do

enzima. No entanto, a descoberta da inibição por feedback por Umbarger, Yates e Pardee, em

1956, anulou este pré-requisito, uma vez que mostrou que os inibidores podiam desempenhar

papéis fisiológicos independentemente de serem ou não estruturalmente idênticos às moléculas

envolvidas na reacção. Outros conceitos foram surgindo com ao longo dos anos, nomeadamente o

de activação alostérica, que mostra que um único efector pode actuar em reacções opostas em

direcções opostas (como, por exemplo, o AMP na regulação coordenada da glicólise e da

gluconeogénese). Observações como estas eram difíceis de explicar em termos das ideias

clássicas de catálise enzimática. Surge, então, a primeira explicação “satisfatória” com o conceito

de centro alostérico, como sendo um local distinto do centro activo do enzima onde uma molécula

reguladora se pode ligar.

Em 1935, para explicar a cooperatividade da ligação do oxigénio à hemoglobina, Pauling diz

que os locais de ligação têm que estar próximos o suficiente para que possam interagir

electronicamente. No entanto, com a publicação da estrutura tridimensional da Hb, afasta-se esta

ideia da proximidade dos centros e começa a dar-se grande ênfase à mobilidade conformacional

como explicação de várias propriedades dos enzimas. Surge, então, a teoria do encaixe induzido

proposta por Koshland, que permitiu explicar alosteria e cooperatividade como efeitos à distância:

uma proteína combina rigidez com flexibilidade de forma controlada e propositada, ou seja, uma

mudança conformacional induzida pela ligação do substrato num local pode ser comunicada a

outro que se encontre a vários nanómetros de distância.

A regulação conformacional torna-se então um ponto central na investigação da regulação

enzimática e, em 1965, Monod, Changeux e Wyman publicam o modelo simétrico ou concertado.

No entanto, este modelo não é capaz de explicar em concreto cooperatividade negativa e o

conceito de simetria conformacional é difícil de explicar em termos estruturais. Estas e outras

críticas levaram à generalização do modelo do encaixe induzido, por Koshland, Némethy e Filmer.

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Surge o modelo sequencial, que permite postular a cooperatividade como uma propriedade de

cada subunidade, ou seja, como uma alteração conformacional induzida pela ligação de ligandos a

subunidades vizinhas.

Apesar destes modelos terem quase 50 anos, continuam a ser essenciais no compreender

da regulação enzimática, sendo que o modelo simétrico de MWC é, sem dúvida, o mais citado e

utilizado pelos bioquímicos. No entanto, não são capazes de explicar como é que a ligação de um

ligando ou a sua modificação levam aos consequentes efeitos alostéricos a nível atómico. Estudos

futuros irão envolver modelos nos quais o encaixe induzido ou a simetria conformacional não sejam

assumidos, mas sim derivem automaticamente do mecanismo.

Interessa ainda referir que existem paralelos entre os modelos “clássicos” de

cooperatividade e a natureza da evolução, quer por selecção natural, quer por processos

“Lamarckianos”. O modelo sequencial e, em particular, a teoria do encaixe induzido, assumem um

processo “Lamarckiano”, nos quais o ligando dá instruções à proteína sobre qual conformação esta

deverá adoptar, ao passo que, no modelo simétrico, é o ligando que escolhe uma das

conformações pré-existentes.