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geosistema tese
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1
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
CURSO DE DOUTORADO EM GEOGRAFIA
REGINA CLIA DE CASTRO PEREIRA
AS TRANSFORMAES HISTRICAS E A DINMICA ATUAL DA PAISAGEM
NA ALTA BACIA DO PERICUM/MA.
Presidente Prudente
2012
2
REGINA CLIA DE CASTRO PEREIRA
AS TRANSFORMAES HISTRICAS E A DINMICA ATUAL DA PAISAGEM
NA ALTA BACIA DO PERICUM/MA.
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Geografia da Faculdade de Cincias e
Tecnologia da Universidade Estadual Paulista Jlio de
Mesquita Filho para obteno do ttulo de Doutora em
Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Messias Modesto dos Passos
Presidente Prudente
2012
3
Pereira, Regina Clia de Castro.
P495t As transformaes histricas e a dinmica atual da paisagem na
alta bacia do rio Pericum / Regina Clia de Castro Pereira. - Presidente
Prudente: [s.n], 2012
215 f.
Orientador: Messias Modesto dos Passos
Tese (doutorado) Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Cincias e Tecnologia
Inclui bibliografia
1. Geossistema. 2. Territrio. 3. Paisagem. I. Passos, Messias
Modesto dos. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Cincia e
Tecnologia. III. Ttulo.
4
5
Dedico
s crianas e jovens do Pericum na expectativa
de um futuro melhor.
6
AGRADECIMENTOS
A realizao desta tese s foi possvel graas colaborao direta de muitas pessoas.
Manifesto minha gratido a todas elas e de forma particular:
A Deus, por at aqui ter me ajudado.
Ao meu marido Paulo e meu filho Paulo Vinicius pela fora, companheirismo e
compreenso em todas as fases desse doutorado.
Ao meu orientador, professor Messias Modesto, pela constante e segura orientao, pela
amizade que da se formou.
A toda minha famlia, em especial meu cunhado Jos Oscar e minha cunhada Tnia por
poder contar com eles todas as vezes que lhes solicitei.
Aos moradores da alta bacia do Pericum, em especial Sr. Reginaldo e D. Rosa, Sr.
Marcelino, Marlisson, Sra. Paula, Henoc, Lenora e Leidiana.
Ao casal Jorge Barreto e Edila Dutra pela ajuda com Paulo Vinicius durante minhas
ausncias de So Luis.
UEMA, atravs dos professores Walter Canales, Jos Sampaio, Claudio Jos, Claudio
Eduardo e das professoras Iris Porto, Elisabeth Abrantes, das secretrias D. Mary e Eliene,
estas pessoas foram importantes para que eu tivesse suporte material, financeiro e
intelectual para avanar na elaborao da tese.
A CAPES pelo financiamento do Programa DINTER (Doutorado Interinstitucional).
A todos os demais professores do departamento de Histria e Geografia que sempre
estiveram dando apoio na efetivao das atividades do Programa DINTER, compensando
nossas ausncias no curso de Geografia.
engenheira agrnoma Odenilde Santos por conceder gentilmente o banco de dados que
serviu de base para elaborao dos mapas desta tese.
Aos alunos Daniele, Sergio, Patrcia, Natlia, Rgis e Silvino pela ajuda durante os
trabalhos de campo e em outras atividades.
Aos gegrafos Srgio Serra e Joo Filho pelos trabalhos cartogrficos.
professora Qusia Duarte, especialmente pela amizade e por me ajudar na montagem das
pirmides fitossociolgicas.
Aos meus colegas do grupo DINTER Ana Rosa, Assis, Claudio Eduardo, Luiz, Marivania,
Qusia, Wasti e Washington, a unio desse grupo foi muito importante no enfrentamento
7
da distncia de casa, na superao de dvidas e pela aprendizagem, sobretudo do esprito
de coletividade.
A todos os professores e todas as professoras do programa de ps-graduao em Geografia
da FCT/UNESP.
Muito obrigado.
8
Ah, manh da ltima promessa, manh de
um novo mundo que comea, mais
acessvel, mais humano e bom.
Jos Chagas
9
RESUMO
A pesquisa sobre as transformaes histricas e da dinmica atual da paisagem na alta
bacia do rio Pericum (MA), considerou que a paisagem agrega aspectos fisiogrficos,
socioeconmicos e socioculturais de um territrio. Nesse sentido, se props analis-la a
partir das transformaes histricas decorridas nas condies fsico-ambientais e nas
dinmicas socioeconmicas do territrio, seguindo um modelo de anlise que considera o
geossistema como fonte (source); o territrio como recurso (resource) e a paisagem como
identidade (ressourcement), ou seja, o GTP (Geossistema-Territrio-Paisagem). Os
procedimentos metodolgicos da pesquisa seguiram as etapas da pesquisa bibliogrfica e
documental, da pesquisa emprica com anlise qualitativa e quantitativa dos dados obtidos
em jornada de campo, do processamento de imagens, do registro e comentrio fotogrfico.
Os instrumentos utilizados na pesquisa emprica foram entrevistas do tipo semi-
estruturadas e abertas ou no-estruturadas. O levantamento de dados no campo foi
realizado em dois povoados do municpio de Pedro do Rosrio (Santo Incio e rea
Comunitria) e um no municpio de Viana (Santa Aninha). Os resultados alcanados
permitiram uma anlise do modelo GTP e das dinmicas territoriais e paisagsticas da rea.
Concluiu-se que o GTP leva o pesquisador a percorrer por todas as correntes de
pensamento da Geografia, e por variados procedimentos metodolgicos; beneficiando-se
de diferentes temporalidades e da interdisciplinaridade. Na anlise sobre o geocomplexo
foi possvel adaptar as compartimentaes do geossistema proposta por Bertrand;
constatou-se que a vegetao o elemento mais suscetvel a presses ambientais, como
demonstraram as pirmides fitossociolgicas das formaes vegetais de terra firme e de
vrzea. O geofcie de terra firme o mais impactado por cortes e queimadas das matas.
Sobre as territorialidades concluiu-se que o processo de ocupao resultou da economia
agro-exportadora mundial, atividade sustentada pela mo-de-obra escrava, que povoou a
Baixada Maranhense. A territorialidade existente ali se faz atravs de um vnculo muito
forte a terra e ao lugar. A pertinncia do problema pelo direito terra causadora de
conflitos e de mobilizao popular. A estrutura fundiria impe condies sub-humanas de
vida e trabalho maioria dos camponeses, tornando urgente a demanda pela regularizao
das terras e melhorias condio trabalhista do lavrador. Na anlise sobre a paisagem
concluiu-se que a vegetao foi o elemento da natureza mais frequente na memria
coletiva; que os solos para usos antrpicos so mais extensos nos municpios de Viana, So
Bento e So Vicente Ferrer: que a antropizao produtora de geofcie. As polticas
federais de eletrificao rural, as construes de escolas de ensino fundamental, melhorias
de estradas, construo de postos de sade, e os programas de transferncia de renda, so
aspectos positivos na situao presente e na perspectiva futura das comunidades. Os
problemas ambientais como desmatamento, queimadas e assoreamento constituem
aspectos negativos do lugar no presente e no futuro. O modelo GTP, possibilitou indicar as
transformaes na paisagem, evidenciando as questes mais urgentes.
Palavras-chave: Geossistema.Territrio. Paisagem. Pericum.
10
RSUM
La recherche portant sur les transformations historiques et la dynamique actuelle du
paysage dans le haut bassin du fleuve Pericum (MA) a considr que ce paysage runit
des aspects physiographiques, socio-conomiques et socioculturels dun territoire. Il sest
donc propos de lanalyser partir des transformations historiques stant produites dans le
cadre physico-environnemental et dans les dynamiques socio-conomiques du territoire,
suivant un modle danalyse qui considre le gosystme comme source; le territoire
comme ressource et le paysage comme ressourcement, soit le GTP (Gosystme
Territoire Paysage). Les dmarches mthodologiques de la recherche ont suivi les tapes
de la recherche bibliographique et documentale, de la recherche empirique avec analyse
qualitative et quantitative des donnes obtenues sur place, du traitement dimages, du
registre et commentaire photographique. Les outils utiliss dans la recherche empirique
consistent en entretiens du type semi-structurs et ouverts ou non-structurs. Les donnes
ont t recueillies dans deux hameaux de la commune de Pedro do Rosrio (Santo Incio et
Zone Communautaire) et un de la commune de Viana (Santa Aninha). Les rsultats
obtenus ont permis de faire lanalyse du modle GTP et des dynamiques territoriales et du
paysage de la rgion. Le GTP amne le chercheur sur le chemin de tous les courants de la
pense de la Gographie par le biais de dmarches mthodologiques varies, bnficiant
des diffrentes temporalits et de linterdisciplinarit. Dans lanalyse portant r le
gocomplexe, il a t possible dadapter les divisions du gosystme proposes par
Bertrand. On a constat que la vgtation est llment le plus susceptible de pressions
environnementales, ainsi le dmontrent les pyramides phytosociologiques des formations
vgtales de terre ferme et de plaines fertiles et cultives dans les valles. La configuration
gographique de terre ferme est la plus atteinte en raison des dboisements des savanes et
de la pratique de brlis. Quant aux territorialits, il rsulte que le processus doccupation
est d lconomie dagro-exploitation mondiale, activit ralise grce la main-
doeuvre esclave qui a peupl la Baixada Maranhense. La territorialit qui y existe se fait
au moyen dun lien trs fort entre la terre et le lieu. La pertinence de la question du droit
la terre entrane des conflits et des manifestations populaires. La structure foncire impose
des conditions inhumaines de vie et de travail la majorit des paysans. Il est donc urgent
de rgler la situation des terres et damliorer les conditions de travail des laboureurs. Dans
lanalyse portant sur le paysage, il rsulte que la vgtation est llment de la nature le
plus prsent dans la mmoire collective; que les sols dusage anthropiques sont plus
tendus dans les communes de Viana, So Bento et So Vicente Ferrer et que cela produit
la configuration Gographique. Les politiques fdrales dinstallation lectrique en milieu
rural, de construction dcoles denseignement primaire et collge, damnagement des
routes, dtablissement de postes dassistance mdicale et de programmes de transfert de
rente sont des aspects positifs dans la situation actuelle et dans la perspective future des
communauts. Les problmes environnementaux tels que le dboisement, brlis et
obstruction des fleuves constituent les aspects ngatifs de la rgion aujourdhui et dans
lavenir. Le modle GTP a permis dindiquer les transformations dans le paysage et de
mettre en vidence les questions les plus urgentes.
Mots-cls: Gosystme. Territoire. Paysage. Pericum
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Compartimentos do Geossistema................................................... 50
Figura 2 Paraso - Roelandt Savery, 1626..................................................... 60
Figura 3 Pirmide de vegetao do stio rea Comunitria..................... 81
Figura 4 Pirmide de vegetao do stio Santa Aninha............................... 89
Figura 5 Pirmide de vegetao do stio Santo Incio................................. 93
Figura 6 Materiais utilizados na construo da casa de taipa............... 158
12
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 Rio Bamburral..................................................................................... 74
Fotografia 2 Viso parcial de mata de vrzea......................................................... 80
Fotografia 3 Aspecto dos estratos vegetais de um balsedo.................................... 85
Fotografia 4 Aspecto de um canal fluvial povoado por macrfitas aquticas..... 87
Fotografia 5 Capoeira no stio Santo Incio........................................................... 92
Fotografia 6 Geohorizontes conforme inundabilidade do solo............................. 97
Fotografia 7 Estrada na alta bacia do Pericum.................................................... 103
Fotografia 8 rea queimada, ainda com troncos de rvores, incio da
preparao para as roas...................................................................
104
Fotografia 9 Colheita de juara em um balsedo.................................................... 107
Fotografia 10 Povoado rea Comunitria ( esquerda) Povoado Santo Incio
( direita)
118
Fotografia 11 Modelos de casa: taipa ( esquerda), alvenaria ( direita) do
programa Minha casa minha vida
rural.................................................................................
119
Fotografia 12 Vista da avenida principal da sede municipal de Pedro do
Rosrio.................................................................................................
120
Fotografia 13 Fornada de farinha............................................................................. 130
Fotografia 14 Aude no povoado rea Comunitria............................................... 136
Fotografia 15 Aspecto de cobertura vegetal de capoeira, com corte recente da
vegetao..............................................................................................
143
Fotografia 16 Vista da escola de Ensino Fundamental no povoado rea
Comunitria.........................................................................................
152
Fotografia 17 Antena parablica ao lado de casa de taipa..................................... 157
Fotografia 18 Canteiro suspenso de coentro em quintal......................................... 159
Fotografia 19 Exemplar de rvore Sumama- rea Comunitria....................... 164
Fotografia 20 Casa estilo palafita margem do rio Mearim, rea inundvel em
Vitria do Mearim (MA)....................................................................
171
Fotografia 21 Bfalos nos campos do lago de Viana................................................ 171
Fotografia 22 Campo inundado................................................................................. 172
13
Fotografia 23 Campo dominado por plantas herbceas.......................................... 173
Fotografia 24 Processo erosivo do solo e assoreamento do canal fluvial.............. 174
Fotografia 25 Testemunhos de mata de vrzea........................................................ 174
Fotografia 26 Roa tpica da alta bacia com cultivo de milho............................. 175
Fotografia 27 Pasto ou solta.com destaque para as palmeiras de babau............. 175
Fotografia 28 Rua de povoado na alta bacia do Pericum..................................... 176
Fotografia 29 Lavradores confeccionando um landru.......................................... 177
Fotografia 30 Lavrador confeccionando um cofo.................................................... 178
Fotografia 31 Cofo como unidade de medida para venda de milho....................... 178
Fotografia 32 Cofo como utenslioo de armazenamento da produo agrcola
(farinha, milho, feijo ou arroz)....................................................
179
Fotografia 33 Cofo utilizado como canteiro suspenso............................................. 179
Fotografia 34 Farinhada na rea Comunitria....................................................... 180
Fotografia 35 Farinhada em casa de farinha comunitria.................................... 181
Fotografia 36 Rio Pericum em Pinheiro................................................................. 182
Fotografia 37 Pescador do Pericum........................................................................ 182
Fotografia 38 Bfalos pastando nos campos inundados do Pericum................. 183
Fotografia 39 Produo de pescados de um dia de trabalho................................... 183
Fotografia 40 Rio Pericum visto a partir da barragem......................................... 184
14
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Localizao da rea de estudo em relao Microrregio da Baixada
Maranhense................................................................................................
21
Mapa 2 rea de estudo em relao APA da Baixada Maranhense............... 23
Mapa 3 Bacia hidrogrfica do rio Pericum e rea de estudo.......................... 27
Mapa 4 Mapa geolgico da rea de estudo........................................................... 71
Mapa 5 Mapa geomorfolgico da rea de estudo............................................... 72
Mapa 6 Campos da alta bacia do rio Pericum.................................................. 75
Mapa 7 Solos na rea de estudo............................................................................ 78
Mapa 8 Localizao do municpio Pedro do Rosrio........................................ 120
Mapa 9 Unidade de paisagem em 1994................................................................ 145
Mapa 10 Unidade de paisagem em 2006................................................................ 146
15
LISTA DE TABELAS
TABELA 1
Populao da Baixada Maranhense por situao do domiclio
entre 1991 e 2010..................................................................
2010.............................................................................................
ano.............................................................................................
25
TABELA 2 Populao da alta bacia do Pericum, por situao do
domiclio entre 2000 e 2010....................................................
ano.............................................................................................
100
TABELA 3 Incidncia de pobreza no Maranho e nos municpios da alta
bacia do Pericum.......................................................................
161
16
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Ficha fitossociolgica do stio rea Comunitria.................... 83
Quadro 2 Ficha fitossociolgica do stio Santa Aninha........................... 90
Quadro 3 Ficha fitossociolgica do stio Santo Incio.............................. 94
Quadro 4 Plantas cuja abundncia est diminuindo................................ 133
Quadro 5 Apetrechos de pesca.................................................................... 135
Quadro 6 Conexes pobreza-meio ambiente............................................. 163
17
LISTA DE SIGLAS
APA
CEF
rea de Proteo Ambiental
Caixa Econmica Federal
DNOCS Departamento Nacional de Obras contra a Seca
DINTER
EMBRAPA
Doutorado Interinstitucional
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
GTP Geossistema-Territrio-Paisagem
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH-M ndice de Desenvolvimento Humano Municipal
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INTERMA
PNHR
Instituto de Colonizao e Terras do Maranho
Programa Nacional de Habitao Rural
PVN Projeto Vida de Negro
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
SISCOM Sistema Compartilhado de Informaes Ambientais
SUDAM Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia
SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste
UEMA Universidade Estadual do Maranho
UNESP Universidade Estadual Paulista
18
SUMRIO
1 INTRODUO............................................................................................... 20
1.1 O contexto geogrfico da rea de estudo....................................................... 20
1.2 As etapas da pesquisa...................................................................................... 32
1.2.1 O levantamento bibliogrfico............................................................................ 33
1.2.2 A pesquisa emprica.......................................................................................... 34
1.2.3 Apresentao cartogrfica................................................................................. 38
1.2.4 Tratamento e organizao dos dados................................................................ 39
2 ANLISE INTEGRADA DO MEIO AMBIENTE NO CONTEXTO DA
GEOGRAFIA..................................................................................................
41
2.1 O Geossistema.................................................................................................. 46
2.2 Modelo GTP (Geossistema-Territrio-Paisagem)........................................ 52
2.3 O territrio....................................................................................................... 54
2.4 A paisagem....................................................................................................... 58
2.5 O meio ambiente: complexidade e diversidade no conhecimento.............. 64
3 O GEOCOMPLEXO DA ALTA BACIA DO RIO
PERICUM...............................................................................................
69
3.1 Potencial ecolgico...................................................................................... 70
3.2 Explorao biolgica do espao.................................................................. 76
3.2.1 Solos argilosos saturados ou no....................................................................... 77
3.2.2 Campos inundveis e matas de vrzeas verdejantes da alta bacia.................... 79
3.2.3 As terras firmes pouco onduladas da rea......................................................... 87
19
3.3 A natureza antropizada da alta bacia do rio Pericum............................ 99
3.3.1 A natureza socializada.................................................................................... 103
4 TERRITORIALIDADES DA ALTA BACIA DO
PERICUM.....................................................................................................
109
4.1 As comunidades da alta bacia do Pericum................................................. 112
4.2 Territorialidades camponesas na alta bacia do Pericum.......................... 119
4.2.1 Sistemas produtivos: uso da terra...................................................................... 126
4.2.2 Sistemas produtivos: uso da gua..................................................................... 134
5 A GLOBALIDADE DA PAISAGEM............................................................ 138
5.1 Cenas e cenrios paisagsticos........................................................................ 141
5.2 A paisagem como espao vivido..................................................................... 153
6 UMA APREENSO GEOFOTOGRFICA DA BACIA DO RIO
PERICUM.....................................................................................................
169
7 CONSIDERAES FINAIS......................................................................... 185
REFERNCIAS............................................................................................. 192
APNDICES................................................................................................... 209
ANEXOS.......................................................................................................... 211
20
1 INTRODUO
Ao ingressar no curso de doutorado atravs do programa Dinter
(UNESP/UEMA), as ideias iniciais para elaborao desta tese se voltavam para um
aprofundamento do estudo da adaptabilidade humana s condies ambientais de vrzeas e
de campos inundveis, cuja inteno, era dar continuidade ao estudo que havia sido
realizado no Mestrado em Sustentabilidade de Ecossistemas, pela Universidade Federal do
Maranho entre os anos 2004 e 2006. Entretanto, com as primeiras discusses com o
orientador da pesquisa, obtiveram-se conhecimentos iniciais sobre o modelo de anlise
GTP (Geossistema-Territrio-Paisagem) e a perspectiva de realizar a pesquisa segundo o
mesmo, enfocando a alta bacia do rio Pericum, situada na regio da Baixada Maranhense.
Depois de aceita a proposta e concluda a pesquisa, apresenta-se nesta tese uma
anlise da paisagem na alta bacia do rio Pericum atravs da abordagem das trs categorias
que compem o referido modelo e, para iniciar o conhecimento desta rea, optou-se por
apresent-la no contexto geogrfico no Estado do Maranho.
1.1 O contexto geogrfico da rea de estudo
No conjunto de paisagens do territrio maranhense, se analisam as
transformaes paisagsticas na alta bacia do rio Pericum, localizada na Baixada
Maranhense e que constitui uma regio geogrfica da poro norte do Estado do
Maranho, sendo uma rea de transio entre a Amaznia e o Nordeste brasileiro (Mapa
1). As caractersticas dessa regio so conhecidas pela sazonalidade das guas sobre a
dinmica dos fenmenos ambientais, formando extensos campos inundveis cobertos por
gramneas e outras espcies aquticas. Alm das formaes campestres, encontram-se
tambm campos no inundveis, floresta secundria mista com babau, matas ciliares e
floresta ombrfila com palmceas nas reas permanentemente midas.
21
21
22
O mosaico vegetal da Baixada Maranhense favorece a ocorrncia de aves
migratrias, alm de abrigar rica fauna de mamferos, anfbios, rpteis, peixes, entre
outros. Por esses aspectos, tal regio foi transformada em rea de Proteo Ambiental
(APA) da Baixada Maranhense pelo decreto lei 11.900 de 11/06/1991 e reeditado em
05/10/1991.
Esta unidade de conservao, embora tenha o nome de Baixada Maranhense,
abrange 23 municpios situados nas mesorregies norte, oeste e centro maranhense,
compreendendo, segundo Maranho (2002), os seguintes municpios: Anajatuba, Arari,
Bequimo, Cajapi, Cajari, Lago Verde, Matinha, Mirinzal, Mono, Olho Dgua das
Cunhas, Palmeirndia, Penalva, Peri-Mirim, Pinheiro, Pindar-Mirim, Pio XII, So Bento,
Santa Helena, So Mateus do Maranho, So Joo Batista, So Vicente Frrer, Viana,
Vitria do Mearim e Ilha dos Caranguejos, pertencente ao municpio de Cajapi (Mapa 2).
Por outro lado, os municpios emancipados em 1994, desmembrados de outros
que j faziam parte da APA, no foram inseridos nessa unidade de conservao, como nos
casos de Presidente Sarney, Pedro do Rosrio, Central do Maranho, Olinda Nova do
Maranho, Igarap do Meio, Bela Vista do Maranho, Conceio do Lago-Au e
Bacurituba. Destaca-se que os municpios de Bacuri, Bequimo e Mirinzal esto inseridos
na APA da Baixada Maranhense e tambm na APA das Reentrncias Maranhenses.
Essas duas APAs fazem parte das reas midas do Brasil definidas pela
Conveno de Ransar em 1971. Segundo a ONG WWF, as reas midas so importantes
por,
Se situarem na interface entre gua e solo, so ecossistemas complexos, que
abrigam uma variedade de espcies endmicas e migratrias de guas profundas
e terrestres e, portanto, contribuem substancialmente para biodiversidade
ambiental. Alm de ter um papel importante no ciclo hidrolgico, ampliando a
capacidade de reteno da gua no local. Disponvel em< www.wwf.org.br>
Acesso em 15/05/2010.
O reconhecido estado de vulnerabilidade desses ecossistemas d-se pelas
presses exercidas pelas populaes locais dos mesmos e pelos impactos dos ecossistemas
terrestres e aquticos adjacentes. No caso da Baixada Maranhense, as presses ambientais
habituais resultam segundo Costa Neto et all. (2000) e Pereira (2010a) da bubalinocultura,
da pesca predatria, dos conflitos fundirios, do aumento de queimadas nos campos de
vrzea, do desmatamento e assoreamentos dos corpos hdricos, entre outros.
http://www.wwf.org.br/23
23
24
Nos sculos XVIII e XIX houve a expanso da atividade canavieira nas vrzeas
da Baixada, trabalho realizado por escravos que, aps a abolio, permaneceram na regio,
vivendo das facilidades da localizao prxima aos rios, ao mar e capital do Estado
(LOPES, 1970). Tais aspectos contriburam para que a regio da Baixada Maranhense
estivesse entre as mais povoadas do Estado.
Em relao s atividades produtivas da referida regio, elenca-se a produo
agrcola, pecuria e atividade extrativa vegetal. A pesca desenvolvida de forma artesanal
em lagos, audes e rios est ainda muito voltada para a alimentao familiar.
A produo agrcola realizada atravs dos cultivos de lavouras temporrias da
mandioca, milho, cana-de-acar, arroz e feijo, caracterizada pelo pouco uso de tcnicas
ou equipamentos modernos, em pequenas reas de terras, desenvolvida por trabalho
familiar, no modelo tpico da roa, que, em funo de tais condies, apresenta baixa
produtividade. Entre os principais cultivos, a mandioca ocupa a primeira posio em ordem
de produo, seguida, respectivamente, pela produo do arroz, milho, cana-de-acar e
feijo.
A pecuria representada pelas criaes de gado bovino, bubalino e suno,
alm de aves. Existe clara distino entre a produo pecuria comercial e a criao de
animais para complemento do abastecimento familiar. O maior rebanho o bovino, nos
municpios de Turilndia, Pinheiro, Santa Helena e Bequimo (MARANHO, 2006). O
gado bubalino foi inserido no ambiente maranhense por volta da dcada de 1930 e ganhou
importncia comercial a partir de 1960, mediante incentivos estaduais e federais para a
bubalinocultura. Nas duas ltimas dcadas houve reduo da produo, dado o maior rigor
das leis de fiscalizao da criao extensiva desse gado, considerando os riscos ambientais
da criao e os conflitos de uso entre os diferentes atores sociais da regio (op.cit.).
Ressalta-se ainda a atividade extrativa vegetal tpica em toda a regio onde
ocorre grande extrao de espcies vegetais das diferentes unidades de paisagem como a
terra firme, matas de igap, campos para fins de produo de lenha, madeira para
construo de casas, artefatos de artesanato ou utenslios domsticos, alm do aa e da
amndoa do babau que so produtos comercializados no mercado regional (PEREIRA,
2006).
A populao da Baixada Maranhense vem crescendo nos ltimos 20 anos como
demonstra o levantamento dos censos de 1991, 2000 e 2010. Note-se que a populao rural
25
embora seja maior, vem ocorrendo na regio, a passagem da populao rural para a urbana
(Tabela 1).
Tabela 1- Populao da Baixada Maranhense por situao do domiclio entre 1991 e 2010.
Ano Populao
total
Populao
urbana
% Populao rural %
1991 430.558 137.435 31,92 293.123 68,08
2000 484.543 196.370 40,53 288.173 59,47
2010 564.191 249.623 44,24 314.568 55,76
Fonte: IBGE, 2010.
Com significativa parcela da populao vivendo na zona rural e pelas
caractersticas das atividades desenvolvidas na regio, com maior predomnio das
agropecurias e extrativas, evidencia-se a necessidade de discutirem-se junto aos diferentes
agentes sociais, polticas de melhoria da qualidade de vida da populao, que considerem a
condio rural daquelas pessoas. Tais discusses devem ser fundamentadas na melhoria
social e no somente no crescimento do capital.
O desenvolvimento das atividades agrcolas realizado com uso de tcnicas
rudimentares e assistncia tcnica ineficiente ou ausente, geralmente praticadas segundo o
conhecimento tradicional do produtor em relao natureza. Tal caracterstica tem
mantido baixos os nveis atuais de produo alimentar da populao, embora o consumo da
mesma seja fundamentado basicamente em protenas e carboidratos. Esta situao, diante
do crescimento populacional que vem ocorrendo, como bem demonstra a tabela 1, ressalta
a necessidade de melhor conhecimento dessa dinmica produtiva, a fim de manter e
melhorar a produo local de alimentos.
Por isso, necessrio destacar que os indicadores socioeconmicos esto
aqum dos recomendados pelos rgos internacionais como o PNUD (Programa das
Naes Unidas para o Desenvolvimento). Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano
no Brasil (2000), o IDH dos municpios da Baixada Maranhense varia de 0,529 a 0,640.
Embora esses valores tenham se modificado para melhor entre os anos 1990 e 2000 em
todo o Brasil, a grande diversidade regional do pas no permite que as mdias estaduais e
regionais sejam generalizadas, sendo assim, na Baixada Maranhense, o menor IDH-M
corresponde ao do municpio de Conceio de Lago-au (0, 529) e o maior IDH-M,
encontra-se em Pinheiro (0, 640) (op. cit). Ressalta-se que no raking nacional do IDH, o
Maranho ocupou a ltima posio nos anos de 1991 e 2000, a qual foi respectivamente 0,
543 e 0, 636.
26
Dessa forma, entende-se que as polticas locais para essa rea devem estar
objetivadas na escolarizao e no crescimento da renda da populao e fundamentadas nas
particularidades e nas dinmicas da mesma, valorizando as riquezas culturais, o
conhecimento tradicional, de maneira a contribuir para a fixao das pessoas em seu local
de origem. Esse processo deve se diferenciar dos modelos atuais de investimento, baseados
em uso de tecnologias excludentes, geradoras de conflitos com as populaes locais.
Nesse contexto de melhor aprofundamento do conhecimento sobre a Baixada
Maranhense que este trabalho enfocou a bacia do rio Pericum, uma das principais bacias
que corta a referida regio, sendo de grande importncia para o abastecimento de gua, a
navegao e produo de pescado. Esta bacia tem rea de 3.888,55 Km, localiza-se na
poro nor-noroeste do Maranho, e est compreendida entre os paralelos de 202a 37
de latitude sul e 4430 a 4530 de longitude oeste (Mapa 3). Ocupa 1,17% do territrio
estadual, constituindo-se uma de suas bacias secundrias. (SANTOS, 2004).
Na bacia do Pericum encontram-se 13 municpios, os quais esto inseridos nas
microrregies estaduais da Baixada Maranhense (Matinha, Olinda Nova do Maranho,
Palmeirndia, Pedro do Rosrio, Peri Mirim, Pinheiro, Presidente Sarney, So Bento, So
Vicente Ferrer e Viana) e do Litoral Ocidental Maranhense (Bequimo, Central do
Maranho e Guimares); considerando que estas duas reas tambm so reas de proteo
ambiental, observa-se que 78% das terras da bacia encontra-se em unidades de
conservao (op.cit.). O trecho da alta bacia estende-se do lago do Puca, no municpio de
Pedro do Rosrio (ponto onde o rio deixa de ser navegvel, no perodo chuvoso) ao
povoado Bornel, no mesmo municpio. Neste trecho, o rio Pericum recebe afluentes como
os rios Grande, Santa Rosa, Bamburral, Pindova, Campinima, do Meio, Jandi, Poo,
entre outros, todos com caractersticas de rios intermitentes.
Na avaliao dos usos e ocupao das terras dessa bacia, Santos (2004),
levantou informaes geogrficas da mesma, definindo os cursos do rio, caracterizando os
sistemas ambientais e suas fragilidades mediante os usos desenvolvidos pela populao,
entre os quais se destacam a pesca artesanal, a agricultura, a pecuria extensiva e o
extrativismo vegetal. Tal avaliao apresentou como resultados o declnio das atividades
econmicas, a degradao dos sistemas ambientais e as dificuldades de manter a
sustentabilidade ambiental na rea.
27
27
28
Pereira (2006), ao fazer a caracterizao das alteraes ambientais do alto curso
do Pericum, identificou as presses aos sistemas ambientais de terra firme e inundveis a
partir da percepo da populao residente na rea. Nos resultados foram constatados que
o incremento populacional tem ocasionado maior desmatamento, reduzindo o tempo de
pousio dos terrenos reservados s roas. Por outro lado, o avano de criadores do gado
bubalino para esse trecho do rio tambm vem contribuindo para surgimento de conflitos
entre lavradores e fazendeiros.
Os treze municpios da bacia do Pericum acomodam um total de 337.099
habitantes (IBGE, 2011); entre estes se destaca Pinheiro, situado no mdio curso da bacia
com 78.162 habitantes (op. cit). Esta cidade abastecida com guas do Pericum e
tambm situa a nica barragem presente no rio.
A barragem do Pericum foi construda em 1981 pelo DNOCS com o objetivo
de conter o avano de gua salina no rio. Segundo veiculao na imprensa local, iniciou-se
em maro de 2010, um convnio com esse mesmo rgo federal, para recuperao das
barragens do Pericum e do rio Flores, esta, situada no municpio de Joselndia na regio
Centro Maranhense.
No baixo curso, trecho a jusante da barragem, encontram-se ainda trs
municpios: Central do Maranho, Bequimo e Guimares. Estes apresentam diferenas na
paisagem em relao aos municpios montante, pois ocorre a influencia da mar em seus
territrios, ocasionando a formao de manguezais, o que, de certa forma, favorece o
desenvolvimento de outras atividades relacionadas ao referido ecossistema.
No obstante, as caractersticas de todos os municpios da referida bacia so
muito similares, ou seja, as dinmicas geogrficas da regio do Pericum proporcionam
uma paisagem com predominncia rural em que a vegetao funciona como elemento
diferenciador de suas unidades. Tal caracterstica em parte explicada pela ocupao
ocorrida na poro norte do Estado.
Segundo Cabral (1992), a frente de expanso litornea iniciou no sculo XVII
com as misses dos franceses e portugueses em incurses na Ilha do Maranho, onde foi
fundada a cidade de So Luis em 1612 e tambm nas aldeias de Tapuitapera e Cum no
litoral ocidental do estado, reas ento povoadas pelos ndios Tupinambs. Em 1648 foi
criada a Capitania de Cum, com cede na atual cidade de Guimares, situada na foz do rio
Pericum (LOPES, 2002).
29
Para este ltimo autor, entre muitas significaes, o nome do rio Pericum veio
da juno de peri (junco) mais cum ou curim (curimat), ou seja, lugar alagado coberto
por junco onde se pescam curims. Segundo Abbeville (1874), citado por Lopes (2002, p.
37), localizou uma aldeia indgena de nome Curemat (Curimat), entrada do rio
Pericum.
Ao longo dos sculos XVIII e XIX, as vrzeas da Baixada e os vales dos rios
Mearim, Pindar e Itapecuru foram se pontilhando de engenhos. Segundo Carlos Lima
(1981) citado por Lima et al. (2000), a abolio da escravatura desorganizou o sistema de
produo canavieira, pois os usineiros no tiveram condies de obter outra forma de mo-
de-obra. Entretanto, as runas dos engenhos ainda presentes em alguns municpios, como
em Central do Maranho, registram esse perodo da histria econmica do estado.
Alm do cultivo da cana-de-acar, outras atividades paralelas eram
desenvolvidas, como o cultivo do arroz de vrzea e a criao de gado bovino. Esta esteve
associada indstria canavieira, pois constitua a fora motriz das moendas, dos carros de
boi, servindo tambm como alimento e matria-prima para confeco de muitos utenslios,
principalmente couro. Segundo Cabral (1992), o gado bovino foi introduzido na Baixada
Maranhense pelos aorianos e pelos criadores de gado vindos do serto maranhense que se
estenderam at as extremidades noroeste do estado.
As demais atividades econmicas desenvolvidas nessa bacia hidrogrfica
mantiveram as rsticas caractersticas dos processos de produo, sem investimentos de
grandes projetos econmicos; como exemplos destacam-se a extrao madeireira e a coleta
de babau para produo de azeite que foram muito praticadas na primeira metade do
sculo XX.
Na segunda metade do sculo XX, foi introduzido no Maranho o gado
bubalino procedente do Par, principalmente nos municpios de Pinheiro e Viana. Na
dcada de 1980, essa atividade cresceu de forma mais rpida que as demais. Muitos
fazendeiros tiveram crescimento de seus planteis muito acima da capacidade de suporte de
suas propriedades e passaram a criar o excedente de forma extensiva sobre os campos de
domnio pblico (LIMA et al, 2000).
Dessa forma, surgiram conflitos entre os criadores de bfalos e os pequenos
produtores, que tinham suas lavouras invadidas pelo animal e/ou seus instrumentos de
pesca destrudos, quando os animais se deslocavam, sobretudo noite. A reao da
populao foi provocar a matana de bfalos, o que causou significativa reduo do
30
rebanho nesses municpios. Segundo Lima e Tourinho (1995), a situao dos
bubalinocultores era desoladora, fazendeiros que possuam 1.500 cabeas de gado em 1988
estavam com rebanho reduzido em 1995 para 200 reses, pois, para reduzirem os prejuzos
com a atitude exterminadora da populao, se desfizeram do rebanho, vendendo-os.
Contraditoriamente, as perdas das populaes em termos de produo e contaminao de
pescados e invaso dos campos de uso comum, no foram contabilizadas pelos rgos
oficiais.
As limitaes estabelecidas pelos decretos 11.900 e 11.901, que criaram as
APAs da Baixada Maranhense e das Reentrncias, no incio da dcada de 1990,
constituram outro motivo para a reduo desse tipo de rebanho. Foram excludas dessas
unidades de conservao as atividades de caa e pesca predatrias, desmatamentos,
queimadas e a criao extensiva de bfalos. Tal determinao foi uma medida do governo
do Estado para reduzir os conflitos entre os criadores de gado e os trabalhadores rurais da
regio que, mobilizados atravs de movimentos sociais, lutaram por uma melhor repartio
dos usos das terras e garantia de seu modo de vida. Entretanto, a mesma foi tambm focos
de crticas por parte dos bubalinocultores, pois provocou a reduo da atividade pecuria.
Atualmente permanecem as crticas bubalinocultura, relacionadas aos
impactos ambientais vegetao, compactao dos solos, alterao da qualidade das
guas; pois os animais comem as plantas terrestres e aquticas reguladoras dos
ecossistemas e destroem ninhos e alevinos da fauna local, comprometendo a
biodiversidade (BERNARDI, 2005).
Em pesquisa realizada na alta bacia do Pericum, durante curso de mestrado em
Sustentabilidade de Ecossistemas, pela Universidade Federal do Maranho, foi constatado
por Pereira (2006) que houve um aumento da produo de pescados nas reas onde os
bfalos foram retirados e que, nas reas onde eles permaneceram, continuou havendo
reduo desses recursos. Os resultados desta pesquisa constituram fatores motivadores
para a continuao da pesquisa que ora se apresenta na mesma rea.
Com as informaes sobre a regio da Baixada Maranhense e bacia do
Pericum, pretendeu-se situar o leitor sobre a referida realidade na qual foi realizada a
pesquisa, na perspectiva de anlise das transformaes da paisagem, desenvolvida
seguindo procedimentos metodolgicos da pesquisa bibliogrfica e documental, da
pesquisa emprica, do processamento de imagens e fotografias, entre outros, os quais sero
posteriormente apresentados.
31
A partir da caracterizao da rea objeto de estudo, questionou-se sobre como
caracterizar o processo de interao da sociedade com o ambiente, de forma a identificar as
transformaes histricas e as dinmicas atuais da paisagem? A partir da apreenso dessa
primeira questo, ainda se reflete se a identificao das transformaes histricas e das
dinmicas da paisagem ser capaz de subsidiar, posteriormente, estratgias de
planejamento ambiental e de polticas territoriais que desenvolvam a conservao
ambiental e a justia social? Considerando os indicadores sociais da populao residente na
alta bacia, indaga-se at que ponto a falta de condies socioeconmicas satisfatrias de
vida est relacionada aos impactos ambientais identificados na rea em estudo?
Em consonncia com tais questionamentos, objetivou-se nesta pesquisa,
analisar a paisagem da alta bacia do rio Pericum a partir das transformaes histricas
decorridas nas condies fsico- ambientais e das dinmicas socioeconmicas do territrio,
seguindo a abordagem do GTP (Geossistema- Territrio- Paisagem).
Os objetivos especficos elencados na mesma constituram os seguintes:
Caracterizar a dinmica paisagstica da rea.
Identificar elementos do geossistema na rea de estudo.
Especificar as formas de uso e apropriao dos recursos naturais na construo de
territorialidades.
A proposta do GTP considera a abordagem feita por Bertrand na dcada de
1990, na qual a paisagem agrega aspectos fisiogrficos, socioeconmicos e socioculturais
de uma dada rea. Para esse mesmo autor, a pesquisa ambiental pode ser realizada a partir
de um modelo que considera o geossistema como fonte (source); o territrio como recurso
(resource) e a paisagem como identidade (ressourcement). Tal modelo, definido como GTP
(Geossistema-Territrio-Paisagem), apresenta bases multidimensionais no tempo e no
espao (BERTRAND e BERTRAND, 2007).
Partindo da noo de que o meio ambiente rene tudo aquilo que conhecemos
como espao geogrfico, Passos (2008) afirma que a pesquisa sobre esse objeto por
definio o domnio da interao e da mescla, logo deve ser traduzido por conceitos e
noes hbridas: paisagem, territrio, recurso, etc. Dessa forma, considera relevante que
tais pesquisas devam definir que peso atribuir natureza, antropizao, cultura, num
contexto em que a dinmica promovida por fenmenos de diferentes temporalidades.
Do exposto at o momento sobre a caracterizao da rea de estudo e sobre o
modelo GTP, o qual apresenta o esforo pela anlise integradora da realidade,
32
contemplando diferentes possibilidades de anlise de um mesmo fenmeno, considera-se
que na alta bacia do Pericum as transformaes da paisagem esto relacionadas ao
modelo de apropriao e uso do solo, concentrado fundamentalmente, em atividades
agropecurias e extrativas que, por fora das difceis condies socioeconmicas da
populao, tem relao direta com o uso predatrio da natureza, contribuindo para os
problemas ambientais j elencados.
Entre os trabalhos produzidos em nvel de ps-graduao nas universidades
pblicas do Estado do Maranho, foram poucas as pesquisas realizadas na bacia do
Pericum, sobretudo no alto curso do rio. Embora a regio da Baixada Maranhense
demande pesquisas em todas as abordagens, e muito tem sido feito, na bacia do Pericum
elas ainda so restritas e poucos expressivas, o que torna a realizao desta, uma porta que
se abre para as singularidades, as dinmicas e aos problemas da rea. Nesse contexto, e
considerando que o modelo GTP visa a uma anlise integrada da realidade, realizou-se esse
estudo com base na seguinte orientao:
Ao desenvolvermos uma proposta de investigao ou at mesmo no desenrolar
das etapas de uma pesquisa, vamos reconhecendo a convenincia e a utilidade
dos mtodos disponveis, face ao tipo de informaes necessrias para se
cumprir os objetivos do trabalho. (MYNAIO, 1993, p. 28)
Conforme ideia da referida autora, nesta pesquisa, valeu-se da pesquisa
exploratria, que tem como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos, com
vistas a proporcionar maior familiaridade com o problema, tornando-o mais explcito (GIL,
1996). Bem como dos instrumentos da pesquisa qualitativa, uma vez que se exploraram as
caractersticas dos cenrios e dos indivduos na rea de estudo (MOREIRA e CALEFFE,
2008).
1.2 As etapas da pesquisa
A escolha pela investigao das transformaes histricas da paisagem no alto
da bacia do Pericum decorre da necessidade de continuao de pesquisa realizada no
curso de mestrado cujo resultado foi um conhecimento amplo das dinmicas ambientais da
33
referida rea. Esse conhecimento, gerou novas curiosidades para a continuidade e o
aprofundamento do conhecimento das referidas dinmicas ambientais.
1.2.1 O levantamento bibliogrfico
Partindo da literatura sobre a anlise integrada da paisagem, no contexto
geogrfico, realizou-se um levantamento terico-metodolgico sobre a forma como
desenvolver investigaes com enfoque no meio ambiente. Nesse sentido, discutiu-se a
evoluo da cincia geogrfica na perspectiva de que, desde os seus primrdios, esse
conhecimento trasladou entre o fsico e o humano ou entre a sociedade e a natureza.
Observou-se que sempre houve uma busca pela superao dessas dicotomias, o que acabou
contribuindo com a caracterizao de escolas geogrficas, algumas com aspectos mais
naturalistas, outras mais humanistas e aquelas que buscaram a interao. Nessa
perspectiva, chegou-se ao modelo GTP (geossistema-territrio-paisagem), proposta de
anlise ambiental, em torno da qual se fundamentou e se estruturou toda a discusso que
ser aqui apresentada.
O momento de construo terico-metodolgica foi realizado com
levantamento de fontes bibliogrficas sobre a temtica do GTP e rea de estudo.
As leituras das referncias foram acompanhadas de elaborao de fichas de
trabalho que, segundo Soriano (2004, p.75), permitem ordenar e classificar o material
colhido em funo das variveis, dos indicadores ou dos temas alvo do estudo,
apresentando de forma clara toda informao interessante ao problema da pesquisa. Tal
procedimento foi seguido em todas as fases de desenvolvimento da pesquisa, pois se
identificou sua eficincia no momento de redao dos relatrios e estruturao dos
captulos de tese.
As fontes bibliogrficas levantadas, lidas e organizadas nas fichas,
fundamentaram as noes conceituais discutidas nesse relatrio, quais sejam o
geossistema, o territrio, a paisagem, o meio ambiente, entre outras. Como a proposta do
GTP sugere trs entradas no estudo do meio ambiente, as quais, constituem noes que
sustentam a cincia geogrfica, ou seja, o geossistema, o territrio e a paisagem, a cada
34
momento de discusso de uma das categorias, foi necessrio um recomeo diante da
necessidade de se melhor compreender os significados de cada uma.
No que diz respeito ao entendimento do geossistema, partiu-se para a
fundamentao dessa categoria, na qual se considerou que o estado do Maranho, dada a
sua localizao geogrfica no domnio equatorial, especificamente, em uma faixa de
transio de dois domnios climticos, o super-mido e o semi-rido, apresenta
diversidades paisagsticas que podem ser organizadas em mais de um geossistema. Isto
porque o territrio do Maranho, com mais de 300.000 Km de extenso, tem diferentes
ecossistemas que favoreceram a multiplicao de variadas unidades de paisagem e
dinmicas.
A categoria territrio foi discutida em suas amplas interpretaes, na
perspectiva do histrico de ocupao da rea de estudo e da dinmica das atividades
econmicas da populao e da estruturao de territorialidades. A paisagem foi abordada
seguindo a indicao de Bertrand e Bertrand (2007) em que contempla a dimenso cultural
do meio ambiente e nesta perspectiva partiu-se para a anlise de obras que tratassem da
percepo das pessoas sobre o mundo vivido.
De posse de tais informaes, iniciou-se a investigao da rea de estudo por
intermdio do levantamento bibliogrfico e de dados oficiais. Para aprofundamento dos
aspectos naturalistas, recorreu-se s obras que especificassem os elementos fsico-
ambientais da natureza, especificamente o ambiente da Baixada Maranhense, regio em
que se localiza a rea de estudo. Nesse sentido os trabalhos publicados por BRASIL
(1991), BRASIL (1973), IBGE (1997), MARANHO (2002), entre outros, constituram as
referncias bsicas para a caracterizao da referida rea.
1.2.2 A pesquisa emprica
Nessa etapa da pesquisa, consideraram-se os aspectos intrnsecos a essa
modalidade de investigao que, segundo o conceito de Demo (2000 p. 21), est dedicada
ao tratamento da face emprica e fatual da realidade, produzindo e analisando dados,
procedentes da via do controle emprico e fatual. A pesquisa emprica lida diretamente
35
com o real e o concreto. Assim est inserido em seu contexto, o trabalho de campo para
levantamento de dados junto aos sujeitos da pesquisa, sendo indispensvel um
acompanhamento da teoria metodolgica para fins de melhor elaborao e uso dos
instrumentos a serem utilizados na investigao de campo. Segundo Soriano (2004, p.31),
as diferentes noes de realidade entre o pesquisador e o fenmeno investigado, aliada a
uma preparao prvia dos instrumentos de campo (elaborao e aplicao), so
fundamentais para a fidedignidade dos dados que sero obtidos na etapa de pesquisa no
campo.
Para Mynaio (1993, p. 105), a pesquisa de campo na pesquisa qualitativa, tem
o recorte espacial que corresponde abrangncia, em termos empricos, do recorte terico
correspondente ao objeto de investigao. Alm desta possibilidade, ela coloca o
pesquisador em interao com a realidade, da resultando um produto novo e confrontante,
tanto com a realidade concreta, como com as hipteses e pressupostos tericos, num
processo maior de construo do conhecimento (loc.cit).
Assim, as jornadas de campo foram realizadas paralelamente ao avano da
proposta de produo da tese, tendo sido realizados seis trabalhos. Inicialmente pretendia-
se realizar os trabalhos de campo, ao longo dos diferentes perodos observados dos nveis
de gua, quais sejam: enchendo os campos, campo inundado, campo vazando e campo
seco. Entretanto, com as dificuldades que foram encontradas no que diz respeito infra-
estrutura para o deslocamento at o municpio de Pedro do Rosrio, como a
disponibilidade de carros e motorista na universidade, possibilidade de deslocamento pelas
estradas vicinais que levam ao municpio e o agendamento com a comunidade ou com os
representantes das instituies locais, as jornadas de campo terminaram sendo realizadas
ao longo dos meses de janeiro e junho de 2009; agosto e novembro de 2010, abril e julho
de 2011. Com essa distribuio, foi possvel visitar a rea nos estgios propostos, embora
no tenham sido realizadas ao longo de um mesmo ano. As percepes anuais apreendidas
ampliaram o entendimento das transformaes da paisagem na rea. Por intermdio destas,
foi possvel identificarem-se fenmenos que do concretude paisagem e a interao
sociedade-natureza.
O levantamento de dados no campo foi realizado em dois povoados do
municpio de Pedro do Rosrio e um no municpio de Viana. Todos situados em reas
relativamente prximas de campos, lagos e riachos formadores do rio Pericum e que,
embora tenham certa distncia entre si, apresentam similaridades na maneira como os
36
trabalhadores utilizam recursos da natureza para sobrevivncia. Tais comunidades
encontram-se prximas de corpos hdricos de grande importncia para a drenagem do
Pericum, sendo definidos os seguintes:
Povoado Santa Aninha (Viana) rio Bamburral.
Povoado Santo Incio (Pedro do Rosrio) rio Bamburral e da Telha.
rea Comunitria I (Pedro do Rosrio) Campo do Campinima.
Ressalta-se que a insero do povoado Santa Aninha se deu exclusivamente
pela necessidade de levantamento dos dados fitossociolgicos da pesquisa, pois no referido
local foi identificada uma propriedade com significativa reserva de mata secundria, onde
foi possvel fazer o levantamento. Entretanto, o mesmo no foi analisado sob os aspectos
da territorialidade e da dinmica da paisagem.
O acesso a tais comunidades feito por estradas carroveis que so cortadas
pelos rios, durante o perodo chuvoso, o que deixa grande nmero de povoados
relativamente isolados. Essa condio coloca os necessrios deslocamentos dirios da
populao para as sedes municipais e outras localidades como incertos e muito demorados.
Diante dessa situao, o apoio de moradores que atuassem como contato local
para posterior direcionamento aos povoados isolados foi imprescindvel etapa uma vez
que as dificuldades de acesso e de identificao das rotas acentuavam os obstculos de
acesso aos povoados.
A amostra para anlise emprica levou em conta critrios como o tempo de
moradia na rea. Consideraram-se inicialmente pessoas que residissem h mais de 10 anos
na rea, subentendendo-se que, ao longo desse perodo, possvel a percepo e o registro
das principais mudanas ocorridas no ambiente em funo das atividades desenvolvidas.
Porm, a amostra composta por 20 residentes, sendo 10 em cada povoado, acabou sendo
composta por pessoas que residiam na rea desde o nascimento, superando em muito o
planejado na pesquisa. Esta amostra no contexto da pesquisa qualitativa representa a
realidade local, uma vez que os povoados no apresentam diferenas ambientais e
populacionais significativas entre si.
O instrumento utilizado nessa etapa da pesquisa foi entrevista semiestruturada
segundo o modelo definido por Mynaio (1993, p. 108), como aquela que combina
questes fechadas (ou estruturadas) e questes abertas, onde o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer o tema proposto, sem respostas ou condies prefixadas pelo
pesquisador. Segundo Viertler (2002), tal modelo organizativo de entrevista favorece ao
37
informante um dilogo mais livre com o pesquisador, o que por sua vez, mantm um
equilbrio entre a viso mica (do pesquisado) e viso tica (do pesquisador) (Apndice A).
Identificou-se, entretanto, a necessidade de um entendimento mais aprofundado
do processo de ocupao e de caracterizao das territorialidades. Nesse sentido foram
realizadas entrevistas abertas ou no-estruturadas (Apndice B), que constituem aquelas
em que o informante discorre livremente sobre o tema que lhe proposto (Mynaio, 1993,
p. 108). Houve muito cuidado em deixar que esta tcnica tivesse um aspecto neutro, pois a
mesma constitui um meio de coleta de dados dos fatos relatados pelos informantes
enquanto sujeitos-objetos da pesquisa que vivenciam uma dada realidade. Esta etapa foi
realizada com o uso de aparelho mp4, com capacidade de gravao de at 8 horas. Depois
de gravadas no referido aparelho, os arquivos foram salvos em arquivos de mdia, a partir
do qual foi possvel serem transcritos e interpretados. A amostra dessa etapa resumiu-se a
quatro moradores da sede municipal de Pedro do Rosrio, que residem na rea desde o
surgimento do primeiro povoado.
De um modo geral, fizeram parte da amostra os trabalhadores rurais, os
representantes comunitrios como presidente da associao de moradores, agentes de
sade, o que possibilitou ampliar o leque de informaes sobre as caractersticas
ambientais, o cotidiano das comunidades e o conhecimento do meio ambiente, uma vez
que as questes elaboradas buscavam respostas aos questionamentos e estavam ao alcance
do objetivo dessa tese.
Alm do levantamento de dados junto populao, as jornadas de campo
serviram para registros fotogrficos, para identificao dos getopos e para as
investigaes sobre a dinmica vegetacional e dinmica da populao. Em consonncia
com as informaes obtidas na reviso de literatura, identificou-se getopos, integrados e
com dinmicas prprias, contribuidoras do funcionamento do geossistema na Baixada
Maranhense.
Nesse sentido realizou-se a tcnica da pirmide de vegetao proposta por
Passos (2003) cujo objetivo caracterizar a dinmica vegetal em dada rea. Essa tcnica
feita delimitando-se inicialmente o stio a ser investigado em um local que represente o
estado mdio da formao vegetal. Em seguida, delimita-se um crculo de 10 m de raio.
Com a rea j delimitada, efetuam-se as anotaes em uma ficha fitossociolgica
(Apndice C).
38
Essa ficha composta por duas partes. A primeira, denominada geogrfica,
necessita de informaes sobre o potencial ecolgico do ambiente, portanto uma etapa
que deve ser realizada antes da ida ao campo e baseada na etapa da fundamentao
terica que caracterizou a abordagem naturalista. Na segunda parte, a fitossociolgica,
procede-se ao levantamento fitossociolgico no campo, com a listagem de plantas por
estratos (rasteiro ou herbceo, subarbustivo, arbustivo, arborescente e o arbreo), a
avaliao da abundncia-dominncia, da sociabilidade e da dinmica de cada estrato.
Foram realizados trs levantamentos fitossociolgicos e, com as informaes
colhidas na ficha, partiu-se para a etapa de laboratrio, no qual, com uso dos programas
DOS BOX 0.72 e o acessrio do Windous 2007 Paint, foram elaboradas as pirmides, que
foram discutidas na segunda parte desta tese.
1.2.3 Apresentao cartogrfica
Os mapas apresentados nesta tese foram elaborados por dois tcnicos em
geoprocessamento, a partir do banco de dados bacia hidrogrfica do Pericum elaborado
e concedido por Santos (2004). O formato desse banco de dados foi elaborado no programa
SPRING 3.6.1. Por intermdio deste, foi feita a converso do arquivo no referido formato
SPRING para o formato DXF. Este, foi manipulado no aplicativo Microstation V8 XM
Edition, a partir do qual, definiu-se a rea de estudo. Essa etapa foi complementada pelas
cartas DSG (folha 547- SA.23-Y-B-VI e folha 608- SA-23-Y-D-III) produzidas pela
Diviso de Servio Geogrfico do Exrcito (DSG, 1981), na escala de 1:100.000,
apresentando curvas de nveis a intervalos de 50 metros.
Posteriormente este arquivo foi convertido do formato DXF para Shapefile
(SHP) para ento ser manuseado no software ArcGis 9.2, na extenso ArcMap. Os mapas
de localizao foram feitos na extenso ArcMap do software ArcGis 9.2 com a utilizao
da base de dados de Santos (2004) e malha municipal SISCOM. Assim foi possvel
elaborar os mapas geolgico, geomorfolgico e pedolgico. Em seguida, foi feito o recorte
da base de dados de relevo, geologia e geomorfologia nos limites da rea de estudo
utilizando a extenso do ArcGis 9.2, ArcToolbox, ferramenta Analysis Tools, Extract,
Clip. Os Layouts dos mapas foram elaborados tambm no ArcGis 9.2.
39
Para discusso das unidades de paisagem, foi necessrio um novo
procedimento de geoprocessamento, a partir das imagens de satlites 221/62 disponveis no
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE. Feito o registro das referidas imagens,
criou-se um banco de dados no software Spring 4.2. Fez-se a importao das mesmas e em
seguida deu-se incio a edio topolgica. Primeiro a imagem do ano de 1994 e em seguida
a de 2006. O acabamento final foi feito usando o software Corel Draw5.
A pouca disponibilidade de imagens de satlite de boa qualidade prejudicou a
anlise a que se props, inicialmente, a um perodo mais longo. Dessa maneira, terminou-
se por analisar o perodo entre 1994 e 2006, considerado relativamente curto em relao ao
que se props toda a tese. Entretanto, para no se perder esta ferramenta que possibilita
uma anlise das dinmicas da paisagem, optou-se por trabalhar mesmo com este curto
espao de tempo.
1.2.4. Tratamento e organizao dos dados
De posse das informaes obtidas nos instrumentos de pesquisa, os dados
foram organizados em planilhas do programa Excel, os quais, depois de analisados, foram
organizados em categorias e discutidos de forma descritiva, de modo a caracterizar a
percepo ambiental dos investigados. Os resultados de natureza descritiva, obtidos em
questes abertas, foram transferidos para programa de mdia, a partir do qual foi possvel
transcrev-los para posterior anlise. Aps tratamento e anlise dos mesmos, prosseguiu-se
com a redao do relatrio.
A organizao dos dados obtidos nas etapas anteriormente descritas foi
estruturado seguindo a mesma distribuio da proposta do modelo GTP. Aps o captulo
introdutrio e da discusso terica, apresenta-se no terceiro captulo da tese os dados sobre
o geossistema, caracterizados como o geocomplexo da rea de estudo. Neste captulo so
apresentadas as caractersticas da abordagem naturalista da alta bacia do Pericum, sem, no
entanto, perder-se de vista a antropizao do ambiente.
No quarto captulo apresentam-se os dados referentes aos territrios e
territorialidades, o qual constitui as especificaes de como se deu a ocupao da rea e de
40
suas dinmicas socioeconmicas. A possibilidade da discusso da ocupao histrica, e a
formao da populao, a partir de uma lgica campesina, evidenciou que grande parte
daqueles povoados, muitos transformados em assentamentos, atualmente passam pelo
processo de reconhecimento de territrios quilombolas, como as comunidades
investigadas, entre as quais uma j certificada, a comunidade Santo Incio e a outra luta
por esse reconhecimento. Essa condio evidenciou tambm a necessidade de
regularizao fundiria daquelas populaes.
No quinto captulo foi discutida a paisagem enquanto dimenso cultural do
meio ambiente e objeto que demonstra os resultados dos modos de vida da populao.
Nesse sentido, buscou-se nos tericos sobre a percepo das paisagens a base para
entendimento do modo de vida. Assim foi possvel demonstrar a riqueza das simples
atitudes daquela populao que vive na alta bacia.
Ainda para enriquecer a discusso, apresenta-se no captulo seis a geofotografia
da rea de estudo, seguindo uma recomendao de Passos (2004, p. 180), que considera
que as fotos so reveladoras de como a estrutura socioeconmica atuou e atua sobre a
estrutura geoecolgica para construir a paisagem atual. Nesse sentido, houve uma
complementao e aprofundamento das imagens presentes, ao longo do trabalho, na
medida em que a estratgia da geofotografia permite a discusso das mesmas. Embora as
fotografias apresentadas no referido captulo no tenham sido profissionais, acredita-se que
as mesmas tenham sido eficazes na demonstrao de todo o contedo que se encontra
presente nos captulos da tese. Com as consideraes finais, fez-se uma ampla avaliao do
modelo GTP e das categorias tericas enquanto porta de entrada para a anlise integrada da
realidade.
41
2 ANLISE INTEGRADA DO MEIO AMBIENTE NO CONTEXTO DA
GEOGRAFIA
O estudo do meio ambiente constitui um dos caminhos para o entendimento
dos processos que se do entre os elementos que o compe e suas relaes dinmicas,
buscando a interao desses elementos a partir da presena do ser humano ou da
antropizao.
Motivados pela relao sociedade-natureza, muitos estudiosos dedicaram-se ao
desvelamento da mesma e, sob diversas abordagens, contriburam para a estruturao das
cincias. Nesse contexto, o conhecimento cientfico dividiu-se em vrias especializaes,
sistematizando-se a partir da apreenso de objetos materiais da realidade e pela forma
como analis-los/abord-los, delineando diferentes mtodos de investigao (MARCONI
e LAKATOS, 2004). Segundo Bertalanffy (1973, p. 52), a cincia moderna
caracterizada por especializaes que muitas vezes tratam de problemas e concepes
semelhantes, em campos amplamente diferentes. Para o mesmo autor, a percepo de
princpios como o da totalidade, interao, dinmica e organizao estabeleceram noes
interpretativas da natureza que enfraqueceram a concepo mecanicista newtoniana.
Ao discutir a noo interpretativa de natureza, Vitte (2007a), analisa a
contribuio de Kant na proposio de uma metafsica da natureza, a qual teve influncia
sobre os princpios das cincias que tem essa categoria como objeto de anlise.
Nesse sentido, o conhecimento se compartimenta em vrias cincias assentadas
nas reas naturais, psicolgicas e sociais/humanas, contribuindo para a tendncia s
especializaes que sustentaram o pensamento ocidental, ao longo dos sculos. A partir
do sculo XIX, as cincias tomaram caminhos decididamente diferentes, constituindo-se
umas com o objeto focalizado na natureza e outras com objeto focalizado no homem,
ignorando-se mutuamente (GONALVES, 1995). Somente no sculo XX, retomada a
valorizao do conhecimento integralizado.
A Geografia, cincia sistematizada no sculo XIX, no momento da expanso
capitalista, aborda as diferentes formas de interao do ser humano com a natureza. Em sua
epistemologia, demonstra que as fases pelas quais passou caracterizam bem a busca pela
anlise de tal interao. De forma que, esse caminhar contribuiu para que se sobressassem
42
fragilidades metodolgicas, considerando a indefinio da Geografia enquanto cincia da
natureza ou do ser humano, ao mesmo tempo em que,
curiosamente, ocorreu que na prtica, o que os gegrafos fizeram foi reproduzir
internamente, no seu meio acadmico, a dicotomia do pensamento ocidental
dominante que separa o homem da natureza. Assim, erigimos no nosso mundo
particular a nossa cincia natural - as geografias fsicas e a nossa cincia
humana, as geografias humanas. (GONALVES, 1995, p.309)
A trajetria epistemolgica da Geografia em suas diferentes escolas: alem,
francesa, russa, norte-americana, apresenta marcas do paradigma homem-natureza, pois
suas variveis estiveram ocupando os plos da discusso. Os fundadores do pensamento
geogrfico como Humboldt, Ritter, Ratzel, Brunhes, Hartshorn, entre outros,
influenciados pelo positivismo, construram seus pressupostos sustentados por filsofos,
que foram basilares para as especializaes das cincias voltadas para a dicotomia
homem-natureza.
Para Santos (1978, p. 29), o fundamento filosfico da cincia geogrfica no
momento de sua construo, foi buscado em Descartes, Kant, Darwin, Comte, Hegel,
Marx, entre outros, cujos pressupostos foram marcantes ao determinismo e ao
possibilismo geogrfico, embora o mesmo autor, identifique certa confuso filosfica
nos trabalhos destes clssicos.
Alm da influncia filosfica das pioneiras obras geogrficas, faz-se necessrio
considerar as conjunturas do momento em que foram escritas, a fim de que no se
desconsidere as ideologias a quem/que, em muitas vezes, a Geografia serviu. Neste
contexto, destaca-se que a sistematizao da mesma, na Alemanha, deu-se em funo da
situao pelo qual passava esse pas, em busca de legitimao territorial.
Essa sistematizao coincide com a expanso do imperialismo e do capitalismo
industrial, fases em que as conquistas territoriais tinham significado estratgico poltico e
econmico. Dessa forma, conhecer os lugares, desvendar paisagens, identificar recursos
naturais e culturas constituam condies favorveis a tal expanso.
importante frisar que nessa conjuntura, a noo de natureza era entendida
como fonte de recursos inesgotveis e disponveis ao homem, centro do mundo. E assim,
as abordagens geogrficas enfocaram as relaes entre sociedade-natureza, ora com mais
nfase sociedade, ora com mais nfase natureza, realizadas a partir do estudo das
categorias paisagem, lugar, territrio, espao e regio.
43
No se pretende, neste momento, explorar tais categorias, mas, identificar
como os precursores desta cincia, a partir do uso de uma dessas noes, abordaram essa
interao de forma a realizar as anlises setorizadas dos elementos da natureza, resultando
em disciplinas isoladas como a Geomorfologia, a Climatologia, a Biogeografia ou ainda,
da natureza separada da sociedade como se estruturou a Geografia Humana.
Nesse contexto, destacam-se os trabalhos de Humboldt e Ritter, primeiros
estudiosos a sistematizar o conhecimento geogrfico no sculo XIX. Decididos pela
compreenso das singularidades do mundo, as abordagens desses dois clssicos so
definidas como universalistas e, embora se diferenciassem, pois, sendo o primeiro mais
naturalista, e o segundo, mais humanista, ambos tornaram-se referenciais para a produo
geogrfica geral (JIMNEZ e CANTEIRO, 1982). Posteriormente, as produes de
Ratzel e La Blache propuseram novas interpretaes da realidade, partindo das
influncias do conhecimento cientfico do fim do sculo XIX e incio do XX. Tais
proposies foram marcadas pelo determinismo geogrfico e pela teoria evolucionista,
respectivamente.
Com o conjunto dessas influncias cientficas, estruturou-se uma cincia em
busca de um objeto, trilhando caminhos que favoreciam diferentes interpretaes.
Entretanto, as transformaes pela qual passou a sociedade, sobretudo no mundo
ocidental, foram responsveis pelas constantes reformulaes na abordagem geogrfica,
sendo o desenvolvimento da economia capitalista o fator com maior influncia sobre a
determinao dos rumos da cincia. Tal influncia caracterizada, sobretudo, pelos
interesses econmicos e polticos dos pases com maiores recursos sobre os pases mais
pobres, refletidos claramente no processo de colonizao (SANTOS, 1978).
Christofoletti (1983), ao apresentar a definio e objeto da Geografia, resgatou
as contribuies de gegrafos tradicionais que elaboraram proposies no contexto da
diferenciao areal e da relao entre o homem e o meio. Desse modo, esse autor cita em
seu artigo Definio e objeto da geografia as obras de La Blache (1913), Hettner
(1905), Hartshorne (1939), De Martonne (1951) e Cholley (1951) como aquelas que se
voltaram para a anlise das combinaes entre os elementos naturais, biolgicos e
humanos como meio para diferenciar as reas e os lugares, dando impulso estruturao
da Geografia Regional. E, ao falar das obras que se voltaram para anlise das relaes
entre o homem e o meio, Christofoletti (1983) destaca Ratzel (1882 e 1891), Semple
(1911), Barrow (1923), L. Febvre (1925) e Sorre (1948) cujas produes exemplificaram
44
como ocorriam as influncias dos elementos fsicos da natureza sobre as sociedades e o
desenvolvimento de suas atividades.
Os autores citados por ltimo foram responsveis pela sustentao da ideologia
determinista, que em muito serviu para a expanso do imperialismo europeu nos sculos
XIX e XX.
Nos dois conjuntos de proposies, identificam-se a sntese e a observao
como procedimentos de anlise geogrfica. A sntese contribuiu para as especializaes
da geografia, sobretudo em sua abordagem fsica, bem como para a estruturao da
Geografia Regional (op.cit.). Enquanto a observao, voltada para a anlise do visvel,
enfocou a paisagem.
A partir do sculo XX despontam tericos cujas obras se direcionam para
anlise da paisagem como uma sntese de integrao dos fenmenos da realidade. A
noo de Landschaft proposta por Carl Troll em 1939 uma precursora dessa noo de
paisagem como cincia prtica.
A perspectiva integradora da paisagem resultou da aplicao da Teoria Geral
dos Sistemas Geografia, proposta inicialmente por Sotchava, em 1962, sob a
denominao de geossistema. Segundo Cruz (1985), para Sotchava a principal concepo
de geossistema a conexo da natureza com a sociedade humana. So os aspectos
antrpicos e as ligaes diretas de feed-back em conexes que criam uma rede de
organizao, cujas malhas se estendem at as esferas econmicas e sociais (CRUZ,
1985, p.57).
Foi nesse sentido que a Nova Geografia, fundamentada na filosofia
neopositivista, realizou pesquisas quantitativas e sistmicas de fenmenos ligados s
dinmicas das paisagens naturais e antropognicas e aos problemas ambientais presentes,
de forma a abordar todas as reas desse conhecimento.
Observa-se que, nessa fase de desenvolvimento, as obras so marcadas pela
necessidade de buscar caminhos que fossem capazes de estabelecer as conexes entre os
elementos da realidade. Tal necessidade, aliada expanso do conhecimento, estimulou
uma preocupao com a delimitao da Geografia e com a diviso da mesma em vrios
setores ou ramos, mas permanecendo ntida a diviso em Geografia Fsica e Geografia
Humana (ANDRADE, 1993, p.16).
Ao discorrer sobre o significado da Geografia Fsica, Cruz (1985), em seu
artigo Geografia fsica, geossistema, paisagem e os estudos dos processos geomrficos,
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aponta autores da referida rea que enfocaram as complexidades e importncia da
dinmica da natureza e sua relao com os elementos econmicos e humanos. Dentre
eles, a mesma autora cita as obras de Birot (1955), Strahler (1960), Demangeont (1969),
Harggert e Chorley (1975), Sotchava (1977), Bertrand (1968), Gerasimov (1976) e Carl
Troll (1971). Os aspectos considerados nessas obras relacionam-se ao entendimento da
natureza como base para toda a dinmica da terra, bem como para as atividades humanas
e sustentaram-se na Teoria Geral dos Sistemas, proposta inicialmente por L. Von
Bertalanffy em 1932.
A anlise de Bertalanffy sobre as similaridades isomrficas entre objetos de
diferentes cincias demonstrou que os principais aspectos a serem considerados entre elas
eram o da organizao e da totalidade, da apresentou propsitos da referida teoria, os
quais se encaminhariam para uma tentativa de integrao e unicidade entre as cincias
(BERTALANFFY, 1973).
Na Geografia Fsica, o geossistema tornou-se o objeto de anlise e modelo de
aplicao da Teoria Geral dos Sistemas e foi empregado em pesquisas com diferentes
objetos. SOTCHAVA (1977) apresentou os aspectos do Geossistema enquanto objeto da
referida cincia e suas possibilidades interpretativas para fins da pesquisa geogrfica.
Suas proposies foram amplamente aceitas e divulgadas no meio acadmico geogrfico
inclusive no Brasil.
Segundo Beroutchachvili e Bertrand (1978), a corrente da pesquisa naturalista
apresentava defasagens nas teorias e mtodos, sendo necessrio evitar a comparao da
cincia dos geossistemas com as disciplinas como botnica, geomorfologia ou
biogeografia que tm trmites cientficos diferentes.
Dessa forma, estes autores situaram a cincia da paisagem nos trs grandes
paradigmas que dominam o mtodo da pesquisa nas cincias naturais, ou seja, o
paradigma descritivo e classificatrio tpico do sculo XVIII e primeira metade do sculo
XIX, que permitiu lanarem-se as bases das cincias modernas: o paradigma gentico e
setorial, desenvolvido a partir da teoria de Darwin, institucionalizado dentro do quadro
positivista das grandes disciplinas, como o caso da Geomorfologia apoiada no modelo
de W. M. Davis; o paradigma sistmico, popularizado no perodo aps a segunda Guerra
Mundial, fundamentado na teoria dos conjuntos e anlise dos sistemas, que props outra
anlise com teoria e mtodos prprios, transformando a ecologia, a geomorfologia, a
biogeografia, entre outras disciplinas.
46
2.1 O Geossistema
O incio do sculo XX foi marcado por eventos de projeo sobre a ordem
econmica, poltica e social do mundo, como a Revoluo Russa, a I Guerra Mundial, a
expanso imperialista, a crise econmica de 1929, entre outros,que, embora pontuados em
partes distintas do planeta, contriburam para significativas mudanas nas relaes entre os
pases e re-orientao do conhecimento como um todo.
Diante de tais acontecimentos e da complexidade que ento se apresentava na
realidade, percebe-se que os pressupostos positivistas, baseados na observao de fatos e
na organizao setorizada dos mesmos, j no respondiam aos questionamentos vigentes
no mundo, sendo necessrias novas interpretaes que pudessem ultrapass-las naquele
momento. Os problemas presentes na conjuntura inicial do sculo XX demonstravam que
seria necessrio abord-los sobre um novo olhar. Tal observao promoveu a anlise
sistmica como uma alternativa s impossibilidades de respostas das leis fsicas e
matemticas aos problemas da realidade, por tratar suas partes e processos isoladamente.
Christofoletti (1971) ressaltou que a teoria dos sistemas foi inicialmente
desenvolvida nos Estados Unidos, sendo R. Defay o primeiro a prop-la em estudos na
termodinmica e Bertalanffy na Biologia.
Elaborada no inicio do sculo XX, essa teoria s teve promoo entre as
cincias na segunda metade desse mesmo sculo. Ela estabelece que os sistemas possam
ser definidos como conjunto de elementos com variveis e caractersticas diversas, que
mantem relaes entre si e entre o meio ambiente.
Bertalanffy (1973), em seu clebre artigo Teoria Geral dos Sistemas mostrou
que os estudos das partes, para alm das investigaes da fsica, quando considerado no
todo, podem apresentar resultados diferentes. Assim sugere que sejam
Estudadas no somente partes e processos isoladamente, mas tambm resolver os
decisivos problemas encontrados na organizao e na ordem que os unifica,
resultante da interao dinmica das partes, tornando o comportamento das
partes diferente de quando estudado isoladamente e de quando tratado no todo.
(BERTALANFFY, 1973,p. 53)
Esse mesmo autor demonstrou que tais tendncias, observadas inicialmente na
Biologia, tambm o eram na Psicologia e nas Cincias Sociais, e que uma teoria geral dos
sistemas seria um instrumento que forneceria modelos a serem utilizados nestes diferentes
campos. Dessa forma, inseriu noes como a de sistemas abertos e fechados, informao,
47
entropia e organizao, entre outros aspectos, que estavam relacionados s conexes e
diferenciaes entre os mesmos.
Por estes princpios, a Teoria Geral dos Sistemas teve grande aceitao entre as
cincias, dentre elas a Geografia e, notadamente, a Biogeografia, Geografia dos Solos,
Climatologia e Geomorfologia (GREGORY, 1992). Segundo Rodrigues (2001, p.72), na
Geografia, a abordagem positivista e a natureza preferencialmente indutiva deram maior
projeo Geografia Fsica, fundamentando a elaborao de modelos para a explicao de
fenmenos ligados aos variados compartimentos de anlise, como na Geomorfologia com
William Morris Davis, ao fim do sculo XIX; na climatologia com Strahler (1960),
Sotchava (1960), Chorley e Kennedy (1971), Haggertt e Chorley (1975), Christofoletti
(1971) entre outros. Entretanto, a porta de entrada foi o geossistema proposto por
Sotchava.
Por intermdio da anlise geossistmica, a Geografia Fsica v-se liberada da
necessidade de intromisso no campo privado de outras disciplinas geogrficas (Sotchava,
1977), devendo estudar no os componentes da natureza, mas, a estrutura funcional e as
conexes entre eles, sobretudo considerando as inter-relaes com fenmenos antrpicos.
Dessa forma, Sotchava estabeleceu as tarefas-chaves da Geografia Fsica
deixando claro o limite dessa cincia em relao s outras ligadas aos fenmenos naturais.
Ao analisarem-se as condies naturais dos geossistemas e perceberem-se nelas as
alteraes decorrentes de influncias antropognicas, cabe Geografia Fsica prognosticar
a situao futura, ou seja, criar uma abordagem cujo fim seria o planejamento (loc.cit.).
No contexto desse planejamento, identifica-se a necessidade de definio do
carter dinmico do geossistema, pois as influncias antropognicas esto relacionadas s
alteraes na escala temporal e espacial do ambiente que, por sua vez, relacionam-se
organizao geogrfica.
Ao abordar a Ecogeografia do Brasil, Ross (2006, p. 24) demonstrou que na
necessidade de entendimento da dinmica do geossistema est a organizao geogrfica,
pois a distribuio de todos os componentes de um geossistema se expressa no espao
fsico- territorial.
O espao fsico-territorial engloba geossistemas em diferentes processos, os
quais so representados pelas paisagens. Nas transformaes das paisagens, quer sejam
mais conservadas, ou no, identificam-se manifestaes dinmicas dos geossistemas
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passveis de serem analisadas segundo sua estrutura, longevidade e dinmicas de processos
internos ou externos aos mesmos.
Sotchava (1977) demonstrou que a evoluo dos geossistemas tem velocidades
diferentes, pois h componentes que passam por transformaes ininterruptas em processos
endgenos contribuindo, ao longo de um grande espao de tempo, para a diferenciao das
paisagens. Ao passo que as transformaes decorridas por processos externos ocorrem em
menor espao de tempo e tm efeito sobre a homogeneizao das paisagens.
Diante da complexidade dos processos dinmicos inseridos na noo de
geossistema, da dificuldade de delimitao espacial, das diferentes temporalidades de seus
fenmenos, as propostas metodolgicas de anlises buscaram, nos modelos sistmicos, a
possibilidade de interpret-los. Com o uso de mtodos matemtico-estatsticos, da
orientao, do mapeamento e da realizao de experimentos, o estudo dos geossistemas
configurou-se no modelo de anlise geogrfica
A modelagem em sistema1 foi apresentada por Sotchava (1977), como primeira
tarefa-chave da Geografia Fsica ao uso dessa abordagem metodolgica. Partindo das
noes de sistema abertos e fechados, de energia e informao, os autores que aplicaram
tal metodologia encontraram a necessidade de organizao de modelos sobre as conexes
entre os elementos dos problemas analisados, inclusive preocupando-se com as formas e os
processos de cada elemento.
Gregory (1992) demonstrou as caractersticas sistmicas dos trabalhos em
Biogeografia produzidos por Tansley (1935), Forsberg (1963) e Stoddart (1967),
ressaltando que o conceito de ecossistema evoluiu, partindo da simples noo de conexes
entre elementos biticos e abiticos, da insero do ser humano entre os elementos biticos
e posteriormente, da noo de organizao estruturada hier