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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 53 – Morfologia histórica do Português.
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REFLEXÕES SOBRE A HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA NOS ESTUDOS
DA GRAMATICOGRAFIA PORTUGUESA
Sônia Maria NOGUEIRA1
Nosso interesse está centrado em fazer uma reflexão acerca da Historiografia
Linguística da Língua Portuguesa, a fim de evidenciar as diferentes concepções de
gramática e sua estrutura e, a partir delas, identificar as diversas formas de se entender o
ensino de Língua Portuguesa. Apontando, assim, de que maneira as contribuições desses
renomados gramáticos perduraram até os dias atuais.
Nosso corpus é constituído pelas fontes documentais primárias, escritas e
produzidas no século XIX, a Grammatica Elementar da Lingua Portugueza, de Filippe
Benicio de Oliveira Condurú, 1850 e a Grammatica Portugueza, accomodada aos
principios geraes da palavra seguidos de immediata applicação pratica, de Francisco
Sotero dos Reis, 1866, publicadas em São Luís, no Maranhão. Esse trabalho insere-se
na Linha de Pesquisa História e Descrição da Língua Portuguesa, mais especificamente
centrado nas investigações levadas a efeito no Grupo de Pesquisa em Historiografia da
Língua Portuguesa (GPeHLP) do Instituto de Pesquisas Lingüísticas Sedes Sapientiae
para estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (IP-
PUC/SP).
Desse modo, fixamo-nos nos procedimentos metodológicos da Historiografia
Linguística, de acordo com Koener (1996), para o desenvolvimento das formas de
expressão e normatizaçao da Língua Portuguesa, sobre prismas históricos sucessivos e
descontínuos.
Sobre Historiografia Linguística
1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Instituto de Pesquisas Lingüísticas Sedes Sapientiae para estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – IP-PUC/SP Universidade Estadual do Maranhão – UEMA/MA Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Maranhão – FAPEMA/MA Rua Capitão José Verde, nº 343, Vila Curti, CEP- 15025-530 São José do Rio Preto/SP/Brasil [email protected]
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No final do século XIX, na França, os historiadores são solicitados, em primeiro
lugar, para manifestar suas escolhas nacionalistas em meio a um contexto de relações
internacionais, ao mesmo tempo em que se acentua a hostilidade com a Alemanha.
Assim, alguns acontecimentos da política interna contribuem para a evolução da história
e, além disso, as crises manifestadas nos primeiros momentos da República provocam o
engajamento dos intelectuais em um outro partido. As influências que marcam essa
geração de historiadores são: a politização das mentes, os começos da Sociologia de
Auguste Comte, Émile Durkheim e os primeiros sociólogos alemães, os debates
socialistas, mesmo sendo ainda o meio francês indiferente ao marxismo. (Cf. CAIRE-
JABINET, 2003:101-102).
Logo após, nasce uma verdadeira multidisciplinaridade na universidade de
Estrasburgo, pois abriga sociologia, geografia, história, direito e teologia. Surge daí o
propósito de escrever uma outra história que, a partir de 1929, se reorganiza em torno da
revista Annales d’histoire économique et sociale; cujos diretores são Lucien Febvre e
Marc Bloch e a equipe de redação reúne historiadores como o modernista Henri Hauser,
o medievalista Georges Espinas, o especialista em história antiga André Piganiol, o
historiador belga Henri Pirene, o sociólogo Maurice Halbwachs, o economista Charles
Rist, o analista político André Siegfrie. (Cf. CAIRE-JABINET, op.cit.: 118). Esses
autores criticam a Escola historicizante e lançam os princípios da história comparada,
ainda em 1923 com Henri Pirenne, afirmando a vontade de inscrever a história na vasta
perspectiva de uma reflexão econômica e social.
A revista Annales traz uma renovação da historiografia em diversos campos. A
primeira novidade é o interesse pela atualidade e o presente, a segunda novidade aborda
a colaboração sistemática entre as diferentes ciências sociais e a História, assim como as
estreitas relações estabelecidas entre Geografia e História. Assm sendo, o ponto básico
trata da história vista ao mesmo tempo como ciência do passado e ciência do presente,
tendo em vista que o conhecimento do presente é condição sine qua non da
cognoscibilidade de outros períodos históricos e que a história-problema permite não só
ao historiador, mas também aos seus contemporâneos a que se dirige, uma compreensão
melhor das lutas de hoje. (Cf. CARDOSO, 1997: 07-08).
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 53 – Morfologia histórica do Português.
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Em 1978, Jacques Le Goff, com a assistência de Roger Chartier e Jacques Revel,
publica o Dictionnaire de la nouvelle histoire, inserindo a expressão “nova história”. O
historiador faz uso dos mesmos documentos analisados pelas gerações anteriores, porém
com um olhar diferente, determinado primeiramente pela sua personalidade. Tal atitude
resulta num vasto campo à escolha de cada um e, por isso, recebe a crítica de constituir-
se em uma história em migalhas. (Cf. DOSSE, 2003)
A questão da identidade cultural e linguística do povo brasileiro tem sido alvo de
reflexões de muitos pesquisadores nos últimos anos, uma vez que, na pluralidade de
raça, de cores e de línguas, permanecem traços da cultura do colonizador. Do processo
de colonização, então, faz parte a fé e a educação, o que se reflete na instauração de
colégios que além do ensino tradicional – primeiro em Tupi e, depois, em Português,
visa à conversão dos gentios.
Nosso interesse está centrado em compreender a Historiografia Linguística
(HL), para tanto identificamos as acepções do termo em sua totalidade a fim de nortear
nossa investigação científica, uma vez que os estudos de HL perpassam os de
Historiografia. Koerner (op.cit.:45) diz que há necessidade de compreendermos a HL
como modo de escrever a história do estudo da linguagem baseado em princípios
científicos e não mais como mero registro da história da pesquisa linguística.
A Historiografia nasce na França, instituída como método interdisciplinar e, com
isso, tem demonstrado a intenção de registrar os feitos humanos em sua totalidade. A
HL, fora do Brasil, tem seu campo definido como ciência há mais de duas décadas. No
Brasil, no entanto, a sua institucionalização surge em reunião da Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística – ANPOLL e seu credenciamento
como disciplina – HL. A Formação da Linguística Brasileira, data de 1994, no
Programa de pós-graduação em Linguística da Universidade de São Paulo (Cf.
ALTMAN, 1998). O objetivo da disciplina é o de descrever e explicar como foi
produzido e desenvolvido o conhecimento linguístico em um determinado contexto
social e cultural, através do tempo. (Cf. SWIGGERS, 1990).
Nessa perspectiva, a disciplina HL surge como alternativa de trabalho sobre a
história do conhecimento linguístico, uma vez que pode complementar o modelo
tradicional de História da Linguística. A atividade historiográfica em Linguística não se
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resume a uma simples compilação de datas, fatos, títulos e nomes relacionados com os
estudos das línguas e da linguagem e, por isso, difere da história, uma vez que
apresentam estatutos e dimensões diferentes. (Cf. ALTMAN, op.cit.:23). A busca pelo
estabelecimento da HL como disciplina inicia-se na década de 70, uma vez influenciada
por Kuhn (op.cit.:25) que, na década anterior, aborda a questão da mudança de
paradigma na ciência denominando de revoluções cientificas os episódios
extraordinários nos quais ocorre essa alteração de compromissos profissionais.
É imprescindível ressaltar os três princípios traçados por Koener (op.cit.), o
princípio de contextualização, o princípio de imanência e o princípio de adequação. A
adoção de tais princípios, pelo historiógrafo da linguística, pode ser a solução para o
problema dos abusos na linguagem técnica cometidos por ele, assim como dá
credibilidade à sua pesquisa.
O primeiro princípio trata do clima intelectual da época e do contexto de
produção dos documentos, que traça o clima de opinião, uma vez que aborda as
correntes intelectuais do recorte em estudo, além da situação sócio-econômica, política
e cultural. Bastos (2004:11) esclarece que no princípio de contextualização as mais
variadas correntes – filosóficas, políticas, econômicas, cientificas e artísticas – ao se
interinfluenciarem, marcam indelevelmente todo um determinado período histórico, e
dentro dele, portanto, o pensamento lingüístico e a sociedade em geral.
O princípio de imanência tenta estabelecer um entendimento global tanto
histórico quanto crítico do texto linguístico em análise. Koener (op.cit.:60) enfatiza ser
desnecessário dizer que o historiógrafo deve afastar-se tanto quanto possível de sua
formação linguística individual e dos comprometimentos da Lingüística que lhe são
contemporâneos.
O resultado obtido após seguir os dois primeiros princípios é a localização e
compreensão de um pronunciamento linguístico no seu contexto histórico original.
Assim, o último passo consiste no princípio de adequação, que se relaciona com a
obediência aos dois primeiros. Koener (op.cit.:60) afirma que pode o historiógrafo
aventurar-se a introduzir, ainda que muito cuidadosamente e colocando seu
procedimento de forma explícita, aproximações modernas do vocabulário técnico assim
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como um quadro conceptual de trabalho que permita uma melhor apreciação de um
determinado trabalho, conceito, ou teoria.
Cabe, pois, ao historiógrafo reconstruir as práticas linguísticas de um
determinado momento histórico, e rastrear sua continuidade e sua ruptura ao longo do
tempo. Nesse sentido, convém mencionar que esse trabalho é fruto de um projeto mais
amplo, desenvolvido por professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Nossa participação no Grupo de
Pesquisa em Historiografia da Língua Portuguesa (GPeHLP), cadastrado no Diretório de
Pesquisa do CNPq, ligado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa
da PUC/SP e ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UPM/SP, que atua na
ANPOLL, possibilitou o embasamento teórico necessário à concretização desse estudo.
O GPeHLP, num primeiro momento, expõe cinco pontos fundamentais vistos
como procedimentos metodológicos: o primeiro ponto trata dos três princípios básicos
traçados por Koerner, a saber, contextualização, imanência e adequação. O segundo
ponto aborda os passos investigativos, que abrangem quatro momentos: seleção,
ordenação, reconstrução e interpretação. (Cf. BASTOS, op.cit.:11-12)
Além desses, o terceiro ponto refere-se à questão das fontes, que podem ser
primárias e secundárias. O quarto ponto considera as dimensões cognitiva e social,
vistas como “interna” e “externa”. O último ponto trata dos critérios de análise, nos
quais são detectadas as “categorias” que imprimem cientificidade a um trabalho, a
saber: a) apresentação/organização das obras e b) intenção teórico-metodológica dos
autores que, explicitamente ou não, levando em conta o item a), desenvolveram
políticas de Língua Portuguesa matizadas pelo “discurso da lei”e do “ensino”. (Cf.
BASTOS, op.cit.:12).
Num segundo momento, o GPeHLP avança nas discussões teórico-
metodológicas com relação a vários aspectos que abordaremos a seguir. Inicialmente,
tece considerações a respeito da identidade teórica, uma vez que, por um lado, em se
tratando da Linguística, adota a corrente que for mais adequada ao corpus de estudo
selecionado, dependendo do objeto linguístico. Por outro lado, em se tratando da
História, adota elementos das vertentes: Intelectual, da Cultural e da Micro-história.
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Quanto ao objeto de investigação, que é considerado como o linguístico com diversas
características, o GPeHLP aceita a possibilidade dele ser ou não ser metalinguístico.
Assim, considerando-se um objeto “metalinguístico”, o princípio de imanência é
realizado por meio das categorias tiradas do próprio objeto e o princípio de adequação,
por sua vez, apresenta pontos convergentes aos da teoria atual selecionada à qual se
pretende aproximá-lo. Em um objeto “não-metalinguístico” (lei, cartas, documentos
oficiais etc), entretanto, tiram-se as categorias de análise, para o princípio da imanência,
de uma teoria linguística que seja contemporânea ao objeto de estudo e para o princípio
da adequação estabelece-se uma teoria análoga que será observada paralelamente.
Dessa forma, enfoca os posicionamentos linguístico-pedagógicos constantes das
obras assim como as implicaçoões socioculturais concernentes aos diversos momentos
históricos ocorridos desde os anos 50 até os anos 90 do século XX, estabelecendo
reflexões sobre gramáticas portuguesas dos autores selecionados, sobre os próprios
autores, a visão que esses gramáticos apresentavam em suas produções gramaticais no
período mencionado, além da influência que eles exerceram nos estudos acerca da
Língua Portuguesa em momentos posteriores. (Cf. BASTOS, 2008:13).
Sobre o século XIX: clima de opinião
Considerando a natureza essencialmente social da língua materna e de sua
aprendizagem, para uma análise do ensino da Língua Portuguesa, a partir da segunda
metade do século XIX, é particularmente relevante uma série de fatores históricos,
sociais, econômicos, políticos e culturais que influenciaram a educação e o ensino de
Língua Portuguesa no Brasil e, particularmente, no Maranhão.
A Revolução Francesa, a Expansão Napoleônica e a segunda Revolução
Industrial causaram mudanças fundamentais, nesse período, no comportamento do
homem europeu que passa a expressar suas idéias políticas engajado em tentativas de
revolução e lutas sociais.
O Marxismo, por exemplo, provocou grandes transformações sociais, pois Marx
e Engels, autores do Manifesto Comunista, de 1848, defendiam a idéia de que poderia
existir uma sociedade igualitária isenta da exploração do homem pelo homem e que
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somente poderia ser alcançada pela luta de classes, tendo o sistema capitalista e a
burguesia como alvos. Outro movimento socialista predominou na Europa, depois de
Marx, e dividiu-se em duas correntes principais – a democracia social e o leninismo. A
primeira corrente percorreu um caminho sem revolução e prevaleceu na Europa
ocidental. A segunda, que prevaleceu na Europa oriental, na Ásia e na África era
favorável a uma profunda revolução, a fim de obter mudanças na antiga sociedade de
classes.
A corrente denominada Naturalismo, representada por Marx, Darwin e Freud,
defendia a concepção de uma única realidade – a própria natureza. Assim, as palavras-
chave tanto da filosofia, quanto da ciência, incluíam natureza, evolução, meio ambiente,
história e crescimento, dentre outras. O Positivismo, o determinismo e o darwinismo
contribuíram para mudanças profundas no comportamento do homem. Assim, a
pesquisas no campo da Medicina, Física, Química e Biologia propiciaram uma mudança
comportamental do europeu e mais tarde do brasileiro. As influências, nesse contexto,
são da ordem das idéias políticas, cientificas e filosóficas, uma vez que se passou a
valorizar o observável e o analisável.
No Brasil, com a chegada de D.João VI e sua corte à Bahia, em 1808, e, logo
após, sua transferência para o Rio de Janeiro, inicia-se um processo de transformação
que a Colônia jamais tinha visto. A educação dos brasileiros não era preocupação do rei,
a não ser no que diz respeito à preparação de especialistas a serviço da corte. Era
necessário criar a escolas militares, os cursos de Anatomia e Cirurgia e o de Medicina,
os de Agricultura, Economia, Química e Desenho Técnico. Logo após, inauguraram o
Jardim Botânico e a Biblioteca Nacional. O ensino primário, responsável pelas
primeiras letras em língua nacional, além do curso secundário, continuavam fora da
preocupação do governo.
No período decorrido entre a saída de D.João VI do Brasil e a aclamação de D.
Pedro como Imperador do Brasil, houve momentos de desentendimentos políticos,
acompanhados de insegurança quanto ao futuro da nação. Assim, mais uma vez, a
educação foi esquecida e entrou em um grande marasmo. D. Pedro, por sua vez, apoiou
as idéias de José Bonifácio de Andrada e Silva sobre educação, as quais eram
conservadoras – educação restrita a uma camada dominante e ilustrada. Uma Escola de
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Ensino Mútuo, ou método de Lancaster, foi criada e instalada no Rio de Janeiro, para
onde um soldado de cada província se dirigia a fim de receber as lições desse método e
propagá-lo em sua província.
A única lei geral relativa ao ensino elementar até os anos 40 foi de 1827,
resultado do projeto de Januário da Cunha Barbosa, que contemplava a criação de
escolas de primeiras letras em todo o Império. Uma das exigências dessa lei é a inclusão
da leitura e escrita nos programas. A justificativa para a leitura se faz pela necessidade
de contar histórias, habitualmente de cunho moral e religioso, às crianças. A escrita se
justifica pela necessidade de dar, aos mais interessados, embasamentos para assimilar a
língua padrão. Com isso, visava-se a dar condições aos alunos de terem sucesso no
exame para o curso secundário. Por questões econômicas, técnicas e políticas ,o
resultado do programa não obteve êxito esperado pelo legislador.
A primeira Escola Normal do Brasil é fundada em 1835. Sua organização de
ensino médio serviu de parâmetro em todo o país. O Seminário de S.Joaquim foi
transformado em colégio de instrução secundária, em 1837, com o nome de Colégio D.
Pedro II, cujo objetivo principal era passar a direção para o governo. Por mais de cento
e cinqüenta anos, o Colégio D. Pedro II foi símbolo de excelência em ensino
secundário.
Oito anos depois, o governo começou a se preocupar com a instrução primária,
que vinha tendo resultados insatisfatórios advindos de medidas inadequadas tomadas
anteriormente. O Estado nomeou uma comissão de cidadãos para inspecionar os
estabelecimentos de ensino, tanto público quanto particular, tal atitude causou revolta,
pois eram frequentes as severas punições e a falta de regras para a abertura e
funcionamento de escolas particulares. Assim, somente as intervenções governamentais
conseguiram amenizar a situação e manter a disciplina, a fim de recuperar a força moral
escolar.
A instrução pública primária foi regularizada por Decreto Imperial, em 1854,
numa constatação de que a educação consistia-se um dos temas centrais da Constituinte.
Assim sendo, a história da escola no Brasil revela que, nesse período, de acordo com
Bastos (1998:54-55), o ensino destinava-se, fundamentalmente, às camadas
privilegiadas da população, as únicas que tinham acesso assegurado à escolarização.
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Em vista disso, as camadas privilegiadas detinham um razoável domínio da chamada
‘norma padrão culta’ ao chegarem às aulas de Português, exigido pela escola.
Verificou-se, com efeito, ser a função do ensino da Língua Portuguesa,
basicamente, levar ao conhecimento, ou ao reconhecimento, a ‘norma padrão culta’.
Dessa maneira, o ensino da gramática, enfatizado como respeito à língua, era utilizado
para o desenvolvimento das habilidades de falar, ler e escrever corretamente.
Após o acesso a uma escolarização mais prolongada, os alunos passavam
diretamente à aprendizagem da gramática da Língua Latina, da retórica e da poética.
Acrescente-se, ainda, que a denominação de disciplina escolar “Português” ou “Língua
Portuguesa” só passou a existir nas últimas décadas do século XIX, em virtude de a
língua ter sido estudada na escola sob a forma das disciplinas Gramática, Retórica e
Poética. Mesmo assim, a disciplina “Português” continuou sendo, basicamente, o estudo
da gramática da língua e leitura, para compreensão e imitação de autores portugueses e
brasileiros.
Ao considerarmos, portanto, a legislação escolar como sendo um precioso
documento para estudo da evolução de uma sociedade e do caráter de uma civilização,
convém lembrar que nos deparamos, no final do século XIX, exatamente com a
continuidade de estrutura social e econômica e do desenvolvimento do “tipo de cultura”
colonial, produto de uma civilização fundada na escravidão.
Nesse período, há o predomínio de um intenso sentimento nacionalista causado
pela abolição da escravidão, a Independência e a República. Entre outros, tais fatos
políticos e sociais influenciaram um movimento de valorização da cultura e um
nacionalismo linguístico.
No que se refere à questao educacional no Maranhão, no início do século XIX,
quase todos os rapazes maranhenses iam estudar nos melhores colégios da França ou da
Inglaterra. Tais estudantes pertenciam à minoria branca, basicamente de origem
portuguesa, e suas famílias enriqueceram no comércio. A sociedade maranhense era
relativamente fechada, a burguesia de São Luís adotava a moda e os produtos franceses.
Do ponto de vista da educação, alguns fatores devem ser ressaltados. O Liceu
Maranhense foi criado com a Lei nº 77, de 24/7/1838, seu primeiro diretor foi o famoso
gramático Francisco Sotero dos Reis. Esse estabelecimento de ensino substituiu os
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preceptores dos filhos da burguesia comercial e da oligarquia rural, uma vez que o
ensino primário estava se desenvolvendo desde a Independência, tanto na capital quanto
nas principais aglomerações da província.(Cf. MÉRIAN, 1988:15).
Filippe Benicio de Oliveira Condurú era considerado, pelo Presidente da
Província do Maranhão, um sujeito de reconhecida e indisputável habilidade para
aprender praticamente o ensino pelo Método de Lancaster, na França, a fim de reger
uma Escola Normal. O sistema de ensino mútuo, do célebre Joseph Lancaster, foi
introduzido pelo governo brasileiro pela Lei Geral de 15 de outubro de 1827.
No Maranhão, era defendido o Método de Lancaster como um dos principais
recursos para solucionar o problema da falta de difusão do ensino elementar a uma
maior clientela de homens livres possível. Esse sistema de instrução primária, do ponto
de vista do conteúdo, propunha que o ensino primário fosse divido em dois graus. O
primeiro compreendia a leitura e escrita, noções de aritmética e doutrina cristã. O
segundo, além dos conhecimentos anteriores, deveria compreender os de gramática
nacional, geografia, história e princípios mais simples de geometria. Deveriam ainda ser
adotados os mesmos compêndios em todas as escolas públicas. (Cf.
CABRAL,1984:37).
Apenas em 1841 oficializou-se a aula de Primeiras letras, com o artigo 2º da lei
provincial nº 105, porém só teve início em janeiro do ano seguinte. (Cf. MARQUES,
1870:188). Nesse período, de acordo com os estatutos do Liceu, a congregação
determinava a forma pela qual deveria ser conferido o grau de bacharel em Letras. Uma
lei regulando a instrução, em 1849, incentivava financeiramente os professores públicos
de primeiras letras a ensinarem pelo método lancasteriano. Nesse mesmo Liceu, foi
criada uma cadeira de gramática filosófica da língua nacional.
No final dos anos 50, tanto o ensino de latim quanto o ensino secundário eram
desprestigiados pelos presidentes da Província, um deles mostrava-se contrário à criação
e manutenção dessas aulas no interior, e declarava: O tempo dos gramáticos já passou;
hoje há cousas mais uteis a que se possa dedicar a atividade humana e mais favor
merece a educação industrial. (Cf. MOACYR, 1942:10).
Uma interferência exterior que reanimou a economia do Maranhão, nos anos 60,
foi a guerra de secessão nos Estados Unidos, pois provocou a elevação dos preços do
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algodão exportado por essa província. Tais lucros, porém, não foram destinados à
modernização da agricultura, do porto ou mesmo dos transportes fluviais. Na cidade de
São Luís, foi renovado o teatro, na época, considerado o melhor do Brasil. Além disso,
o Gabinete Português de Leitura foi suprido com novas obras. Soma-se a isso o fato de a
cidade possuir quatro gráficas e, por essa razão, poder iniciar as publicações do jornal O
País.
No Maranhão, a partir do final da década de 60, se fez do estudo da língua
materna, não um mero degrau para as outras disciplinas, mas um estudo aturado e
profundo d’essa primeira base de uma boa e esmerada educação literária, no colégio
Instituto de Humanidades, em 1864. (Cf. LEAL, 1873:159).
Nessa segunda metade do século XIX, aumenta o número de gramáticas da
língua portuguesa comprometidas em manter a tradição clássica latina, por isso não
refletiam a língua escrita e falada no período, em virtude de serem considerados os
modelos clássicos o ideal absoluto. Uma análise dos manuais didáticos utilizados para o
ensino da língua nas primeiras décadas do século XX, até os anos 60, comprova essa
tendência de continuidade.
Sobre os gramáticos: Condurú e Sotero dos Reis
A biografia dos autores das obras analisadas nesse trabalho é fundamental, uma
vez que revela o que poderá ser o mais próximo do espírito de época. Num primeiro
momento, tratamos da biografia do maranhense Filippe Benicio de Oliveira Condurú
(1818-1878). Ele aprendeu o Latim com as eruditas lições do professor maranhense
Francisco Sotero dos Reis e avançou no conhecimento da língua materna sob a tutela do
nosso primeiro conhecido filólogo maranhense, padre Antônio da Costa Duarte, ambos
herdeiros da tradição filosófica tão bem representada pela Gammaire de Port-Royal.
Subsidiado pela Província e não sustentado pela família, no início de 1839,
Condurú foi estudar Pedagogia em Paris, com previsão de permanecer dois anos. Ele
teve sua volta antecipada em virtude da célebre Revolução da Balaiada, iniciada no final
de 1838 e estendendo-se até início de 1841.
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No final de 1839, o Palácio do Governo do Maranhão determinou que Condurú
passasse a reger, em observância da Lei Provincial nº 76, de 24 e julho de 1838, a
Escola Normal, a fim de que se desempenhassem as instruções dos legisladores
provinciais, a bem da Instrução Pública. A Escola Normal – Curso de Aperfeiçoamento
para professores de primeiras letras – foi instalada no Liceu Maranhense no início da
década de 40. Condurú ministrava o ensino de Didática, proporcionando aos discentes
conhecimentos relativos aos mais modernos métodos pedagógicos da época, uma vez
que a classe era formada pelos mestres das escolas primárias da Província.
Manifestação evidente de quanto o Governo da Província preferia a Grammatica
de Condurú, publicada em 1850, como livro de aula, foi a distribuição gratuita dos seus
exemplares aos escolares da década de 60. Essa obra foi aprovada pelo Inspetor da
instrução pública para uso das Escolas de primeiras letras da província do Maranhão,
assim como pelo Conselho de instrução pública para uso do Liceu, colégios e aulas de
instrução primária na província do Pará. Foi o segundo compêndio da língua materna,
escrito no Maranhão.
Num segundo momento, tratamos da biografia de Francisco Sotero do Reis
(1800-1871), também maranhense. Autodidata, não freqüentou colégio, a não ser o de
primeiras letras. A partir dos 18 anos iniciou seus estudos de latim, retórica e filosofia.
O gramático ministrava aulas particulares de latim e francês em sua própria residência.
Com 21 anos, Sotero dos Reis já lecionava gramática latina, no Collegio D’instrucção, e
dois anos depois foi aprovado em concurso público, assumindo a cadeira de Latim,
tornando-se o primeiro professor público do Maranhão após a Independência.
O autor, além de exercer o cargo de professor da língua latina no Liceu e de
literatura do Instituto de Humanidades, exerceu diversos cargos públicos de eleição
popular, tais como o de vereador, membro dos conselhos gerais da província, inclusive
deputado da Assembléia provincial legislativa. Também foi sócio fundador e presidente
da Associação Instituto Literário Maranhense, que tinha por finalidades o estudo da
história pátria e a propagação da instrução e conhecimentos úteis.
Desde o início do seu magistério, Sotero dos Reis exerceu as tarefas de jornalista
em periódicos políticos. Ele escreveu para A Revista, um jornal de idéias conservadoras,
considerado por Leal (op.cit: 143) um dos jornaes mais bem escriptos que temos tido.
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Logo após, Sotero dos Reis publicava seus artigos no Correio dos Annuncios, que teve
o nome trocado pelo de Constitucional, no Observador ele era o redator. Depois desses,
passou a redigir o Publicador maranhense, diário oficial.
Nas aulas de latim, Sotero dos Reis juntava à explicação das regras da gramática
latina aquilo em que as da gramática portuguesa divergiam dele. O mestre percebeu que
faltava uma gramática, principalmente na parte da sintaxe, no que dizia respeito à
análise e construção. A elaboração da obra de Sotero dos Reis adveio do exercício do
magistério, com o propósito de uma concepção de ensino de língua simples, apenas com
regras necessárias e definições de fácil entendimento. O autor entrelaçava suas obras
para obter um melhor resultado ao seu trabalho, a exemplo da parte da Grammatica
Portugueza que trata da sintaxe.
A gramática de Sotero dos Reis apontou caminhos que ainda são válidos hoje,
uma vez que a renovação do ensino da língua materna, o português, está intimamente
ligado a um leque de fatores políticos, econômicos, sociais, psicológicos, lingüísticos,
metodológicos e pedagógicos, todos de relevância e interação, pois o fator lingüístico
deve ter de se aliar às variáveis sociais e pedagógicas. As obras de Sotero dos Reis são
destinadas especificamente ao público discente, escritas como se fosse um diálogo com
os seus alunos.
O autor é considerado um dos célebres gramáticos maranhenses que, na redação
de periódicos e gramáticas, solidificou o conceito de filólogo profundo, gramático
abalizado, exímio conhecedor da língua e familiar dos clássicos. Os filhos de Francisco
Sotero Reis revelam que a gramática foi considerada por todos como perfeição do estilo,
na perspiciudade e precisão das definições e regras doutrinais, por isso, acha-se ela com
justiça adotada nas aulas públicas das principais províncias do Império. (p.I).
José de Alencar, por sua vez, faz referência a Sotero dos Reis como erudito
filólogo brasileiro, reconhecendo a importância do seu trabalho no que se refere à
divergência entre a prosódia das línguas modernas e da prosódia dos gregos e romanos,
a respeito da quantidade das sílabas.
Os autores das gramáticas pesquisadas nesse trabalho obtiveram grande
repercussão, não só na província do Maranhão. Ao tentarmos reconstruir o clima de
opinião, pudemos perceber que essas obras possuem evidente relação com o espírito de
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época, no sentido de continuidade da tradição greco-latina. Buscamos, pois, estabelecer
a relação desses autores maranhenses com a gramática tradicional, por meio das
características das obras. Os objetivos da gramática revelam tanto o reflexo e resultado
de uma organização social, quanto a ferramenta de uma classe dominante agindo em sua
ideologia, a fim de manter esta dominação. (Cf. LYONS apud SILVA, R., 2002:12).
O espírito de época, portanto, mostra uma concepção da gramática da palavra,
advinda da tradição greco-latina na teoria gramatical. A gramática de Port Royal dedica
apenas quatro páginas de sintaxe, admitindo a sintaxe de concordância, porém não a de
regência. A Grammatica Elementar de Condurú apresenta apenas 18 páginas de sintaxe,
sendo que cinco delas são de figuras de sintaxe e a Grammatica Portugueza de Sotero
dos Reis mostra cento e cinco páginas de sintaxe, em virtude de inserir modelos
detalhados de análises, ainda assim prioriza a parte da etimologia.
Na gramática de Port-Royal, também, verbo e adjetivo fazem parte da mesma
categoria de base, tal qual na gramática de Condurú. Assim, podemos notar mais uma
influência que esse autor recebe: a da gramática geral e razoada.
Sobre a gramaticografia portuguesa do século XIX: Condurú e Sotero dos Reis
O processo de gramatização das línguas do Brasil inicia-se no século XVI e
ainda está em curso. Os estudos sobre linguagem no Brasil, particularmente do
português, no entanto, tomam monta numa discussão geral das idéias a partir da
segunda metade do século XIX. O ano de 1850 no Brasil constitui-se um marco de
profundas transformações, a exemplo de questões sociais, políticas, econômicas,
educacionais, filosóficas, literárias.
Ao traçarmos o percurso historiográfico da Língua Portuguesa no Maranhão, do
período em questão, pelo princípio de imanência, discutimos as categorias selecionadas,
tal como são tratadas pelos autores. Esses aspectos serão realizados simultaneamente
nesse capítulo, a fim de conferir maior fluência ao texto.
A primeira obra a ser analisada é a de Condurú e trata-se do segundo compêndio
da língua materna escrito no Maranhão. O autor expressa preocupação com o ensino da
língua na Introdução ao afirmar que seu fim é dar preceitos e regras para fallar,
escrever e ler com acerto. (p.3). A Grammatica Elementar faz parte de uma tradição
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que valoriza a lógica e, portanto, a razão sobre o uso ao considerar a gramática uma
maneira de ensinar a falar e a escrever corretamente.
Na Introdução, foram privilegiados, de forma sucinta, apenas os conceitos a
serem trabalhados no corpo da obra, a saber: fallar, escrever, ler, letra, syllabas,
palavra, nome, monossyllabo, palavra primitiva, palavra simples, palavras na
accepção natural, palavras na accepção figurada, oração ou frase e periodo. Os sons
articulados são os elementos que representam as idéias, na gramática de Condurú falar é
exprimir nossas idéas por meio de sons articulados, chamados palavras. (p.3)
Além desses sons, foram inventados os caracteres da escrita a fim de os sons se
tornassem duráveis, logo, escrever é representar nossas idéas por meio de caracteres
chamados letras. (p.3) Condurú trata da leitura ao fazer a correspondência entre letra e o
som que ela representa, deixando transparecer a existência de uma única maneira de
escrever e falar em Português: Ler é exprimir por palavras ou sons articulados o que se
acha representado por caracteres ou letras. Letra é um caracter com que se representa
um som simples ou elementar. De uma ou mais letras se compõem as syllabas. (p.3)
Condurú ressalta a classificação das palavras quanto a sua formação: As palavras
consideradas em sua formação podem ser primitivas ou derivadas, simples ou
compostas. O autor considera também as palavras em sua significação, uma vez que
podem ser tomadas no sentido natural ou figurado. (p.4).
Os conceitos apresentados no final da Introdução da Grammatica de Condurú
referem-se à sintaxe: Chama-se oração ou frase a reunião de palavras formando um
sentido perfeito. Chama-se período a reunião de varias orações subordinadas a uma
dellas, que é a principal, e da qual dependem todas as outras. (p.4)
Assim sendo, após a análise da Introdução da Grammatica Elementar da Língua
Portuguesa, de Condurú, focalizaremos os Prolegômenos da Grammatica Portugueza,
accomodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicação
pratica, de Sotero dos Reis.
A segunda edição da Grammatica Portugueza foi publicada após a morte de
Sotero dos Reis, por seus filhos. Os revisores inserem no início da obra uma carta ao
público com as devidas justificativas para a publicação, uma delas é a grande procura
pela gramática em virtude de ser adotada em várias escolas públicas, pois a primeira
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edição já tinha se esgotado. Em razão da procura pela Grammatica Portugueza, os
filhos de Sotero dos Reis julgaram conveniente oferecer mais uma edição ao público e,
também uma terceira edição se fez necessária. Assim, ao editarem a obra, eles sentem
que estão cumprindo um dever para com o autor. (p.II).
Outro ponto a ser ressaltado ao público diz respeito aos erros tipográficos, em
razão da primeira edição ter sido editada sem as devidas revisões, nessa segunda edição
há uma grande preocupação em corrigir tais erros, conforme informam. (p.VI).
Na segunda edição da Grammatica Portugueza, além da carta ao público, foram
inseridos os Prolegomenos do autor que iniciavam a primeira edição. Neles, Sotero dos
Reis expõe sua preocupação com o magistério, visto que expõe o método utilizado:
Procurei simplifical-a o mais possivel na theoria, subordinando os usos especiaes da
lingua só aos principios geraes da eterna verdade, porque o methodo e aclareza nao teem
maior inimigo do que a multiplicidade das regras, que só serve de embaraçar o alumno sem
explicar-lhe cousa alguma. (p.VII).
O autor explica a importância do entrelaçamento teoria e prática para a qualidade do
ensino: Acompanhei a theoria da pratica, dando logo immediata applicação aos principios
invocados com exemplos que os comprovassem, porque assim se arraigão elles melhor no
espirito, que não pode duvidar de sua solidez.. (p.VII).
Sotero dos Reis trata da classificação das palavras ao afirmar: As palavras são de
duas especies, palavras variaveis, e palavras invariaveis. São palavras variaveis – o nome, o
pronome,o adjetivo, o verbo. São palavras invariaveis – a conjuncção, a preposição, o
adverbio, a interjeição. (p.IX).
Condurú e Sotero dos Reis reforçam uma prática estabelecida desde a época do Renascimento. Sobre a gramaticografia portuguesa no século XIX versus a gramaticografia
portuguesa no século XXI: continuidades ou descontinuidades de ideias
Iniciamos a adequação, retomando alguns termos técnicos e teóricos presentes
em Condurú e Sotero dos Reis e trazendo-os para os tempos modernos, tomando como
parâmetro a Moderna Gramática Portuguesa, publicada em 1961, de Evanildo Bechara.
Para tanto, focalizamos as quatro categorias elencadas nesse trabalho, a saber, a
introdução, os conceitos basilares, a organização da obra e a ortografia.
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Como vimos, desde a época do Renascimento, a proliferação de gramáticas de
línguas vernáculas fazia com que elas assumissem um aspecto de simplicidade e clareza
tanto para o mestre quanto para o estudante. Essa preocupação fica claramente exposta
na Grammatica Elementar, de Condurú, assim como Grammatica Portugueza, de
Sotero dos Reis. Bechara, gramático fluminense, também apresenta esse propósito na
Introdução de sua obra, tanto na primeira edição – ao ressaltar que seu intuito era levar
ao magistério brasileiro, num compêndio escolar escrito em estilo simples, o resultado
dos progressos que os modernos estudos de linguagem alcançaram no estrangeiro e em
nosso país – quanto na 37ª edição, ao reiterá-lo. (p.21)
Bechara esclarece, todavia, que a 37ª edição configura-se como um novo livro
elaborado a partir de pesquisa a teóricos da linguagem, da produção acadêmica
universitária, além das críticas e sugestões de companheiros da mesma área. O autor
justifica que a orientação teórica adotada resulta da convicção de que ela possa oferecer
elementos de efetiva operacionalização para uma proposta de reformulação da teoria
gramatical entre nós. Assim, a preocupação de uma científica descrição sincrônica se
alia a uma visão equilibrada da gramática normativa, libertada do ranço do antigo
magister dixit e sem baralhar os objetivos das duas disciplinas. (p.19-20)
De fato a 37ª edição da Moderna Gramática Portuguesa é notadamente banhada
de farta teoria lingüística que dá suporte aos principais conceitos tratados e que permite
a profundidade na sua abordagem. A linguagem é definida como um sistema de signos
simbólicos empregados na intercomunicação social para expressar e comunicar idéias
e sentimentos, isto é, conteúdos da consciência. (p.28).
Se se pode aproximar Condurú, Sotero dos Reis e Bechara no que toca à função
da linguagem como uma forma de expressar o pensamento – ou conteúdos da
consciência –, pode-se afastá-los no que tange à noção de sistema e à de
intercomunicação social. É evidente que, para os gramáticos maranhenses, a noção de
sistema ainda não era solidificada – o que só veio a ser no início do século XX, a partir
do paradigma estruturalista.
Para o gramático fluminense, a língua é definida como a parte da historicidade
da linguagem, como um sistema de isoglossas comprovado numa comunidade
lingüística (p. 31). Suas concepções seguem não só aquilo que propugna o pós-
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estruturalista Eugênio Coseriu, mas também correntes modernas da Análise do
Discurso, da Lingüística Textual e da Sociolingüística, quando admite, por exemplo, a
distinção texto/discurso, a questão das competências lingüísticas e a das variações
lingüísticas diatópicas, diastráticas e diacrônicas.
Ainda que de maneira abreviada, é possível perceber em Condurú e Sotero dos
Reis a admissão da idéia de uma gramática geral e de gramática particular. Já em
Bechara, essas noções vêm esmiuçadas. Em vez de generalizar, como fazem os autores
maranhenses, Bechara toma a língua tanto em relação ao indivíduo como em relação à
comunidade lingüística, ao estado, ao país, à internacionalidade. Por considerar a língua
relacionada ao indivíduo, é que o autor fluminense vai tratar da noção de competência,
que se apóia na de saberes: saber elocutivo → competência lingüística geral; saber
idiomático → competência lingüística particular; saber expressivo → competência
lingüística textual. Não há como negar que essa visão ampla da língua em relação ao
falante, e vice-versa, representa um grande avanço no que diz respeito à concepção que
havia no século XIX.
Um ponto importante a ser considerado, também no âmbito individual, é o fato
de a língua ser tomada como discurso (ato linguístico irrepetível, tomado em relação à
sua situação de produção) ou como texto (enunciado, produto do discurso). Nessa
perspectiva, diferentemente de Condurú e Sotero dos Reis, Bechara vê a língua
diretamente associada à circunstância de uso, determinada por quatro fatores: falante,
destinatário, tema e situação. Essa determinação implica juízos de valor relativos à
conformidade dos atos lingüísticos em relação à situação de sua ocorrência. Tais atos
devem estar de acordo com o que Bechara chama de Normas de Congruência (relativas
aos princípios gerais do pensamento, independente das características de qualquer
língua particular), Normas de Correção (relativas ao funcionamento específico de cada
língua) e Normas de Adequação (relativas às exigências de cada situação).
Com essa reflexão, avança-se muito em relação ao conceito de correção que se
sustentou durante muito e que ainda encontra resquícios em práticas escolares atuais. A
correção deixa de ser apenas relativa a um modelo de uso lingüístico imposto e passa a
considerar outros aspectos tanto cognitivos quanto sociais. Assim, extrapolando os
conceitos de certo/errado, Bechara afirma que o uso linguístico, do ponto de vista do
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tema, pode ser adequado ou inadequado; do ponto de vista do destinatário, pode ser
apropriado ou inapropriado; e, do ponto de vista da situação, pode ser oportuno ou
inoportuno.
A essa postura subjaz a admissão da variação linguística como algo inerente à
própria língua. Não raramente, Condurú e Sotero dos Reis chamam a atenção de seus
leitores para o fato de que, no uso efetivo do português, há nuances que o tornam
diferente do que a norma gramatical preceitua. O aprofundamento dos estudos nesse
campo da linguagem leva Bechara considerar a língua em dois planos: o histórico –
produto cultural historicamente determinado, reconhecido e utilizado – e o funcional –
modalidade que imediata e efetivamente funciona nos discursos e textos.
A despeito do fato de que a variação lingüística é fortemente presente na língua
funcional, Bechara afirma: Como por exigência metodológica e de coerência interna só
se pode descrever uma realidade homogênea e unitária, é a língua funcional o objeto
próprio da descrição estrutural e funcional. (p. 38-39).
Para Bechara a gramática é apenas a descrição de uma das línguas funcionais.
Daí sua célebre afirmação, quanto à educação lingüística, de que o falante deve ser
poliglota em sua própria língua, isto é, tem de ser competente nos diversos modos de
funcionamento da língua, determinados por fatores sociais diferentes.
Como Condurú e Sotero dos Reis, cujas gramáticas parecem pretender defender
uma língua exemplar, Bechara também posiciona sua gramática como normativa, isto é,
que tem finalidade pedagógica e que elenca os fatos recomendados como modelares da
exemplaridade idiomática para serem utilizados em circunstâncias especiais do
convívio social. (p.52). É importante ressaltar, no entanto, a lucidez dessa última
ressalva (... em circunstâncias especiais do convívio social) resume consciência límpida
de que o uso exemplar da língua é um dentre outros á disposição do falante, que deverá
ter a competência de se valer dele quando uma determinada situação social o exigir.
Dessa forma, apresentamos as categorias de análise, dos prefácios
Sobre considerações finais
As questões referentes ao processo de implementação do ensino da Língua
Portuguesa no Maranhão, especificamente no século XIX, merecem especial destaque,
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pois é nessa época que inicia a produção de gramáticas maranhenses da Língua
Portuguesa. A gramaticografia, nesse período, é marcada por obras que optam pela
continuidade do modelo latino, algumas ensaiando algumas inovações junto com a
tradição, além de outras que iniciam um movimento de descontinuidade. Refletir, pois,
acerca do percurso historiográfico-linguístico do Maranhão nos direcionou-nos a definir
o problema desta pesquisa: Como se deu o processo de implementação do ensino da
Língua Portuguesa no Maranhão do século XIX?
Diante do exposto, justificamos o fato de termos escolhido como corpus desta
pesquisa duas obras escritas e produzidas no século XIX, a Grammatica Elementar da
Lingua Portugueza e a Grammatica Portugueza, accomodada aos principios geraes da
palavra seguidos de immediata applicação pratica, em virtude de ambas terem sido
aplicadas, didaticamente falando, no Maranhão, e de serem consideradas apropriadas
para fornecer uma visão do ensino de Língua Portuguesa no período. O objetivo desse
estudo foi analisar como se constituíam as gramáticas maranhenses de Língua
Portuguesa, a fim de descrever e explicar como se deu esse processo de implementação
do ensino da Língua Portuguesa.
A Grammatica Elementar da Lingua Portugueza, de Condurú, assim como a
Grammatica Portugueza. Accomodada aos principios geraes da palavra seguidos de
immediata applicação pratica, de Sotero dos Reis, são excelentes materiais para o
estudo e para o ensino da língua no Maranhão, não apenas no tempo em que foram
publicadas, mas ao longo de todo o século XIX e início do XX. Isso se deve às
qualidades intrínsecas das obras, bem como à postura dos autores, que procuraram
caminhar entre a tradição e a inovação.
O método é, de certa forma, uma continuidade da tradição greco-latina,
sobretudo na divisão que Condurú e Sotero dos Reis fazem da gramática e em algumas
posições tomadas. A exposição, como procuramos ressaltar, em muitos casos,
assemelha-se a João de Barros, a dos gramáticos de Port-Royal e a Reis Lobato.
Convém esclarecer que optamos por relacionar essas obras numa volta às origens
gramaticais, uma vez que é identificado, por meio das categorias de análise selecionadas
– os prefácios, os conceitos basilares, a organização da obra e a ortografia –, o clima de
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opinião que influenciou a elaboração das obras. Assim, pudemos constar a vigência da
gramática da palavra, em detrimento da sintaxe.
Como resultado de nossas pesquisas, constatamos que, no século XIX, os fatores
externos à língua – fatos histórico-sociais – podem interferir no processo de ensino da
língua materna, em especial, na elaboração de gramáticas. Verificamos, ainda, que as
obras analisadas contribuíram sobremaneira para a implementação do ensino da Língua
Portuguesa no Brasil.
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