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September–October, 2015 Vol. 105 No. 5 Dedication: Gerald L. Ford La peculiar función “ciudadela” de la marca renombrada en contratos con restricciones verticales. Estrategia competitiva, marca y distribución selectiva en redes físicas y virtuales. Luis Antonio Soler Pascual The Peculiar “Citadel” Function of the Well-Known Trademark in Contracts With Vertical Restrictions: Competitive Strategy, Trademarks, and Selective Distribution in Physical and Virtual Networks Luis Antonio Soler Pascual Delay in Filing Preliminary Injunction Motions: 2015 Edition Sandra Edelman and Fara S. Sunderji Famous and Well-Known Marks in Mexico: Past, Present, and Future John M. Murphy Parody as Brand Stacey L. Dogan and Mark A. Lemley Questões Controversas Envolvendo Franquias no Brasil Paula Mena Barreto Disputes Involving Franchising in Brazil Paula Mena Barreto Commentary: Divert All Trademark Appeals to the Federal Circuit? We Think Not J. Thomas McCarthy and Dina Roumiantseva Commentary: 在中国OEM生产如何定性 冯浩雨 李佳 Commentary: The Nature of OEM Production in China Haoyu Feng and Jia Li

QUESTÕES CONTROVERSAS ENVOLVENDO FRANQUIAS … 105/TMR_Vol105_No5... · A Lei de Franquia, ao regular os contratos de franquia, teve o cuidado em criar a referida circular, que deve

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September–October, 2015 Vol. 105 No. 5

Dedication: Gerald L. Ford

La peculiar función “ciudadela” de la marca renombrada en contratos con restricciones verticales. Estrategia competitiva, marca y distribución selectiva en redes físicas y virtuales. Luis Antonio Soler Pascual

The Peculiar “Citadel” Function of the Well-Known Trademark in Contracts With Vertical Restrictions: Competitive Strategy, Trademarks, and Selective Distribution in Physical and Virtual Networks Luis Antonio Soler Pascual

Delay in Filing Preliminary Injunction Motions: 2015 Edition Sandra Edelman and Fara S. Sunderji

Famous and Well-Known Marks in Mexico: Past, Present, and Future John M. Murphy

Parody as Brand Stacey L. Dogan and Mark A. Lemley

Questões Controversas Envolvendo Franquias no Brasil Paula Mena Barreto

Disputes Involving Franchising in Brazil Paula Mena Barreto

Commentary: Divert All Trademark Appeals to the Federal Circuit? We Think Not J. Thomas McCarthy and Dina Roumiantseva

Commentary: 在中国OEM生产如何定性 冯浩雨 李佳

Commentary: The Nature of OEM Production in China Haoyu Feng and Jia Li

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Vol. 105 TMR 951

EDITORS’ NOTE

With this issue of The Trademark Reporter (TMR), INTA is pleased to introduce articles and commentaries in multiple languages. In alignment with INTA’s 2014–2017 strategic goal to bolster international expansion, the TMR will now publish multi-language pieces throughout the year to expose a broader TMR audience to important non-English writing on trademark law issues. Each article and commentary will be offered with an accompanying English translation. Inclusion of these pieces in the TMR will, it is hoped, have the salutary effect of encouraging authors whose native language is not English to share their writing with INTA’s members. Given the TMR’s long history of excellence and rigorous peer review, its editorial board is committed to ensuring that non-English pieces undergo as exacting an editorial process as that for English submissions but is aware that each submission (and corollary translation) may need to be handled differently from the norm. We have elected to approach English translations in a manner that champions fidelity to the author’s voice and favors substance over consistency with TMR style. We believe this is more respectful to authors and more useful for TMR readers. That said, we emphasize that only the native-language version of a multi-language piece should be considered authentic. TMR submission guidelines will be updated soon to reflect this exciting new feature and will include details about our translation process. We include three multi-language pieces in this inaugural issue, all of which have helped INTA to establish a framework for this practice going forward. In 2016, we anticipate having four to five multi-language articles spread throughout the year and expect this number to increase as more authors from around the world submit articles in their native languages. We would like to thank everyone who has helped to achieve this milestone, and hope that TMR readers will learn from and enjoy this new aspect of TMR scholarship.

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QUESTÕES CONTROVERSAS ENVOLVENDO FRANQUIAS NO BRASIL

Autora: Paula Mena Barreto

I. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o Brasil demonstrou um constante, apesar

de nada espetacular, crescimento da economia em razão da sua estabilidade macroeconômica. O mercado de consumo também tem demonstrado um forte crescimento como resultado da rápida expansão da classe média. Esses fatores são favoráveis ao desenvolvimento do sistema de franquia no país. Em 20121, o setor faturou o valor de R$ 107 bilhões de reais2 no Brasil, reunindo cerca de 2.500 marcas. O setor que mais cresceu em faturamento foi o de hotelaria e turismo, seguido pelo setor de informática e eletrônicos.3 Em 2013 e 2014, o setor faturou R$ 118 bilhões e R$ 127 bilhões, respectivamente.4 Os setores que devem apresentar um bom crescimento nos próximos anos são os de alimentação, turismo e hotelaria.5 A maioria dos franqueadores globais mais relevantes já possui uma base no mercado brasileiro e, a cada ano, esse número cada vez aumenta mais.

O forte crescimento do sistema de franquia no Brasil tem sido acompanhado por litígios envolvendo diferentes questões, principalmente processos judiciais relacionados a obrigações contratuais entre franqueador e franqueado, além de disputas que se referem a obrigações ou responsabilidades do franqueador perante terceiros. O presente artigo busca examinar os assuntos principais que estão em discussão e como estão sendo tratados pelos tribunais brasileiros. Apesar de ser difícil uniformizar casos que apresentam inúmeras variáveis, tais como proteção de marca, cláusulas de não competição, territorialidade e responsabilidade de terceiros, verifica-se que muitas das decisões aparentemente estão em favor dos franqueadores, confirmando o potencial atraente do modelo de negócio para titulares de marcas que têm a intenção de atuar no mercado brasileiro. Os franqueados, por outro lado, 1. Segundo a Associação Brasileira de Franquia (http://www.portaldofranchising.com. br). 2. A moeda brasileira é o Real (R$). No period coberto por esse texto, a taxa de câmbio com a flutuação do dólar variou entre aproximadamente R$ 1.65 to R$ 3.10/US$, com uma média de R$ 2.20/US$. A taxa de câmbio em Euros é de aproximadamente R$3,41/EUR. 3. Jornal O Globo, de 28 de outubro de 2013. 4. Segundo a Associação Brasileira de Franquia (http://www.portaldofranchising.com. br). 5. Jornal O Globo, de 3 de fevereiro de 2014.

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também são protegidos no caso de contratos incompletos e vagos, ou no caso de infração dos seus direitos pelo franqueador.

II. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE FRANQUIA NO BRASIL

Para o professor Denis Borges Barbosa,6 um dos mais renomados autores em franquia, a franquia é definida como um sistema de multiplicação de uma mesma organização empresarial de produção, vendas ou serviços sob responsabilidade de vários empresários autônomos. É o uso inventivo da licença de signos distintivos (marcas, trade dress), complementada pela padronização administrativa, organizacional e, em certos casos, tecnológica, das unidades técnicas de produção de empresas independentes. Nessas estruturas, os franqueados arcarão com o risco de seu próprio negócio, mas prestarão serviços idênticos ao do titular da experiência adquirida inicialmente, de forma que, para o consumidor, pareça ser a mesma empresa; esta impressão é fortalecida pelo fato de todos os prestadores do mesmo serviço usarem a mesma marca.

O sistema de franquia no Brasil é precipuamente regido pela Lei nº 8.955 de 15 de dezembro de 1994 (“Lei de Franquia”), que define a franquia empresarial da forma abaixo:

“Art. 2: Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.”7 A Lei de Franquia se aplica a todos os sistemas de franquia

instalados e operados no território nacional, sejam estrangeiros ou nacionais. O sistema de franquia também é regulado pelo Código Civil (Lei 10.406/2002), que disciplina as obrigações contratuais em geral. A Lei de Franquia permite às partes plena liberdade para transacionar e regular sua relação de franquia e não delimita, em geral, os seus direitos e obrigações, com exceção das obrigações do franqueador quanto às informações que devem constar na circular de oferta de franquia, que estará descrita a seguir. A franquia é um contrato complexo e envolve uma série de deveres impostos a ambas as partes, como transferência de tecnologia, licença de

6. BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2ª Ed.: Ed. Lumen Juris. p. 1059. 7. Artigo 2 da Lei de Franquia.

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marca, assistência administrativa e de marketing, fornecimento de produtos e outros aspectos típicos aos contratos de franquia. Ambas as partes são usual e contratualmente obrigadas a realizar e satisfazer inúmeros compromissos e obrigações.

III. QUESTÕES CONTROVERSAS ENVOLVENDO AS RELAÇÕES DE FRANQUIA

As diversas questões englobadas por um contrato de franquia, além da complexa relação entre franqueador e franqueador, dão margem a inúmeros litígios entre as partes contratantes. Como em qualquer relação jurídica, uma ou ambas as partes podem ficar descontentes e interpor medidas judiciais ou arbitrais para a proteção dos seus direitos. As controvérsias variam, desde obrigações para registro de marcas a questões de assistência ao negócio e pagamentos de determinados tributos, dentre outros casos. As medidas típicas incluem um pleito para o término da relação contratual, combinado com pedidos de indenização ou outras obrigações de fazer ou não fazer.8

Muitos casos de franquia são resolvidos em arbitragem e, como a arbitragem é um procedimento privado, não há material publicado relevante nesse sentido. Há, contudo, jurisprudência farta e significativa dos nossos tribunais, que será objeto de discussão neste capítulo, e que pretende apresentar decisões relevantes com base nas mais variadas questões que podem surgir de uma relação de franquia.

A. Disputas Evolvendo a Circular de Oferta de Franquia

O documento primordial e introdutório que deve ser elaborado pelo franqueador e cuidadosamente analisado pelo franqueado em potencial é a circular de oferta de franquia. A Lei de Franquia, ao regular os contratos de franquia, teve o cuidado em criar a referida circular, que deve conter clara e precisa informação do negócio, a fim de possibilitar que a parte interessada tenha uma visão geral

8. É importante notar que, em muitos dos casos analisados, as decisões finais ainda não foram proferidas, uma vez que podem ser passíveis de recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é um dos órgãos máximo do Poder Judiciário para questões não-constitucionais, com a responsabilidade de harmonizar a interpretação das leis federais, e/ou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que é o órgão máximo do Poder Judiciário para as questões constitucionais. Além disso, o princípio geral adotado no Brasil (como característica do sistema de Civil Law) é o da jurisprudence constante, segundo o qual uma série de decisões anteriores que aplicam uma regra específica do direito é relevante e pode ser determinante em casos posteriores, mas não é vinculativo para outros tribunais, em contraste com o instituto do stare decisis, segundo o qual as decisões de um órgão judicial criam um precedente e vinculam as que vão ser emitidas no futuro, sendo essa uma característica do sistema de Common Law.

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do negócio e uma clara ideia dos direitos e obrigações de ambas as partes.

Nesse sentido, a Lei de Franquia enumera todos os requisitos necessários que devem constar na circular de oferta de franquia para fins de proteção do potencial franqueado com relação a riscos e armadilhas do negócio. Ao mesmo tempo, essas informações protegem o franqueador, uma vez que o franqueado não pode alegar, posteriormente, desconhecimento sobre as condições do negócio. A circular é similar, em sua natureza, a documentos requeridos em outros países, como o basic disclosure document exigido nos Estados Unidos.

Todos os requisitos para a circular de oferta de franquia encontram-se no artigo 3º da Lei de Franquia,9 devendo o

9 Artigo 3º: Sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistema de franquia empresarial, deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma circular de oferta de franquia, por escrito e em linguagem clara e acessível, contendo obrigatoriamente as seguintes informações:

I – histórico resumido, forma societária e nome completo ou razão social do franqueador e de todas as empresas a que esteja diretamente ligado, bem como os respectivos nomes de fantasia e endereços;

II – balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora relativos aos dois últimos exercícios;

III – indicação precisa de todas as pendências judiciais em que estejam envolvidos o franqueador, as empresas controladoras e titulares de marcas, patentes e direitos autorais relativos à operação, e seus subfranqueadores, questionando especificamente o sistema da franquia ou que possam diretamente vir a impossibilitar o funcionamento da franquia;

IV – descrição detalhada da franquia, descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado;

V – perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, nível de escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente;

VI – requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio;

VII – especificações quanto ao: a) total estimado do investimento inicial necessário à aquisição, implantação e

entrada em operação da franquia; b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia e de caução; e c) valor estimado das instalações, equipamentos e do estoque inicial e suas

condições de pagamento; VIII – informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos

pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte:

a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado (royalties);

b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial; c) taxa de publicidade ou semelhante; d) seguro mínimo; e e) outros valores devidos ao franqueador ou a terceiros que a ele sejam ligados;

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franqueador entregar a circular de oferta em, no mínimo, 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou, ainda, do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este, conforme disposto no artigo 4º da referida Lei.10

Na hipótese do não cumprimento do prazo acima, o parágrafo único do artigo 4º da Lei de Franquia dispõe que o franqueado poderá arguir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pagado ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties,

IX – relação completa de todos os franqueados, subfranqueados e subfranqueadores da

rede, bem como dos que se desligaram nos últimos doze meses, com nome, endereço e telefone;

X – em relação ao território, deve ser especificado o seguinte: a) se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado

território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz; e b) possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu

território ou realizar exportações; XI – informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de adquirir

quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia, apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, oferecendo ao franqueado relação completa desses fornecedores;

XII – indicação do que é efetivamente oferecido ao franqueado pelo franqueador, no que se refere a:

a) supervisão de rede; b) serviços de orientação e outros prestados ao franqueado; c) treinamento do franqueado, especificando duração, conteúdo e custos; d) treinamento dos funcionários do franqueado; e) manuais de franquia; f) auxílio na análise e escolha do ponto onde será instalada a franquia; e g) layout e padrões arquitetônicos nas instalações do franqueado;

XIII – situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - (INPI) das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado pelo franqueador;

XIV – situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a: a) know how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da

franquia; e b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador;

XV – modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também do pré-contrato-padrão de franquia adotado pelo franqueador, com texto completo, inclusive dos respectivos anexos e prazo de validade. 10. Artigo 4º: A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este.

Parágrafo único. Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá arguir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos.

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devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos. A sanção acima mencionda aplica-se, também, ao franqueador que veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Há diversas decisões dos tribunais com relação à possibilidade de anulação do contrato de franquia em razão do descumprimento dos artigos 3º e 4º da Lei de Franquia. Em caso envolvendo Farmacotécnica Seabra Nogueira Ltda (franqueadora) e Viva Life Farmacia de Manipulacao Ltda. Me (franqueada),11 o tribunal de segunda instância12 decidiu que as informações que devem constar na circular de franquia são de suma importância para o negócio e anulou o contrato em razão da não entrega da circular de oferta, pleiteando a devolução dos valores já pagos pela franqueada.

Em outro caso envolvendo Dryclean Usa do Brasil Lavanderias Ltda. e Next Challange Comércio, Serviços, Importação e Exportação de Equipamentos para Lavanderia e Cozinha Industrial Ltda. (franqueadoras) e Maurício Lindolfo (franqueado),13 o juízo de segunda instância entendeu que foi correta a sentença de primeira instância que decretou a anulabilidade da franquia, embasado na não entrega da circular de oferta de franquia. Sobre o assunto, o tribunal citou o seguinte trecho do autor Claudio Vieira da Silveira:

“É evidente que o contrato de franquia empresarial é o instrumento jurídico que vincula e disciplina de fato e de direito as relações entre franqueador/franqueado, estabelecendo os direitos, obrigações e encargos das partes contratantes, mas, na constituição do contrato de franquia empresarial, os elementos essenciais à formação das cláusulas principais e acessórias do instrumento contratual não podem, sob hipótese alguma, desvincularem-se da Circular de Oferta de Franquia, na qual estão previamente estabelecidos, de forma clara e objetiva, todos os direitos e as obrigações a serem assumidos pelo franqueador e pelo franqueado na operação da franquia.”14

11. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 4ª Câmara Cível, Apelação Civil nº 0010224-87.2003.8.19.0001 (2007.001.59741), Rel. Des. Reinaldo P. Alberto Filho. j. 13.11.2007. 12. No Brasil, os tribunais de apelação (estaduais e federais) são divididos em painéis ou câmaras de desembargadores, sendo um de seus membros atuando como relator, com a atribuição de examinar o caso em detalhes e resumi-lo para os outros desembargadores, bem como de escrever uma opinião sobre o caso, que pode ou não pode prevalecer na votação final. O relator, agindo sozinho, também pode emitir várias decisões e remédios provisórios, sujeitos a avaliação pela câmara/painel. 13. Tribunal de Justiça de São Paulo, 37ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível Nº 0209114-24.2010.8.26.0100. 14. SILVEIRA, Claudio Vieira da in Franchising Guia Prático, Ed. Juruá, 2ª edição, pág. 275.

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Os litígios envolvendo a circular de oferta de franquia não se referem tão somente à entrega da referida circular, mas também à entrega correta de todas as suas informações. É o que demonstra o caso envolvendo o Curso Mais Estudo Individualizado Ltda. Me (franqueadora) e Rosenilda Magnavita Lyro (franqueada),15 em que decidiu-se, em sede de apelação, pela nulidade do contrato em razão de demonstrar descumprimento da circular de oferta de franquia no que se refere ao prazo de entrega do material necessário às atividades da franquia (curso) e quanto à metodologia. O tribunal entendeu que a franqueada teve razão em sua pretensão de anulação do contrato e exigência da devolução das quantias pagas, eis que restou incontroverso que a informação contida na circular quanto à metodologia do curso não correspondeu à metodologia efetivamente descrita na circular.

No caso envolvendo a empresa De Plá e Agauphoto Ltd.(franqueadora) e Alvaro Dias Campelo Borges e outros (franqueado)16, o juízo de segunda instância entendeu que foi correta a sentença de primeira instância que decretou a rescisão do contrato de franquia por força da circular de oferta de franquia omissa, ferindo frontalmente a boa-fé e o dever de lealdade. Segundo acórdão, a circular estava omissa quanto aos gastos imprescindíveis à instalação e operação do estabelecimento. Verifica-se, contudo, que nem todas as decisões com relação à circular são favoráveis ao franqueado. Em alguns casos analisados, há o entendimento de que a ausência da apresentação de circular de oferta de franquia não seria motivo para anular o respectivo contrato, uma vez que outros fatos levaram ao entendimento de que o franqueado estava ciente dos riscos inerentes do negócio. Em apelação envolvendo Ivan Lascaleia Pinheiro e Suellen Borges Pinheiro (franqueados) e Emagrecentro Franchising Ltda. (franqueadora),17 os franqueados alegaram que a franqueadora não apresentou a circular de oferta de franquia, impedindo-os de mensurar os riscos do negócio, principalmente por serem leigos no ramo de estética, saúde e beleza. O juízo de segunda instância entendeu que a ausência da circular de oferta não foi um obstáculo para a implementação do negócio, que já estava em operação há oito meses, sem nunca ter solicitado a circular e por já ter acesso à informação relevante pelo manual de franquia.18 15. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 0022091-41.2008.8.19.0021, Rel. Des. Pedro Freire Raguenet, j. 08.02.2012. 16. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 18ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2008.001.48433, Rel. Des. Célia Meliga Pessoa, j. 30.09.2008. 17. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apelação Cível nº. 0037482-94.2008.8.26.0068, j. 09.12.2013. 18. Segundo o acórdão, “[n]ão resta dúvida que a circular de oferta é uma importante garantia ao franqueado e, sem sombra de dúvida, deve ser observada pelo franqueador. Todavia, a reclamação acerca da alegada falta de apresentação da ‘circular de oferta’ deveria ter sido apresentada antes do início das atividades, principalmente porque, em contratos

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Decisão similar foi proferida pela Câmara Reservada de Direito Empresarial de São Paulo. No caso envolvendo Unicelli Comércio e Locação de Espaços Destinados a Serviços de Beleza Ltda. (franqueado) e Fazane Espaço Destinado a Serviço de Beleza S/S Ltda.(franqueador)19, o juízo de segunda instância entendeu que a anulação da franquia com fundamento no artigo 4º, parágrafo único, da Lei de Franquia, depende do apontamento do nexo de causalidade entre a omissão do franqueador e o prejuízo alegado pelo franqueado. De acordo com o tribunal, a não entrega da circular de oferta, sem qualquer evidência de prejuízo ao franqueado, não pode autorizar a anulação do contrato, especialmente após a sua execução.20

B. Questões Marcárias nos Contratos de Franquia O contrato de franquia inclui, dentre outros, o direito de uso

da marca do franqueador. Neste sentido, a marca obviamente exerce um papel relevante no sistema de franquia, a partir do momento que identifica o negócio do franqueado e uniformiza os conceitos da marca, para assegurar harmonia da rede de franquias. Em razão da importância da marca, é muito comum litígios envolvendo direito marcário entre franqueador e franqueado. Em ações comuns desse tipo - como as atividades de (a) registro da marca; e (b) uso da marca após o término do contrato – as decisões tendem a favorecer o seu titular frente aos franqueados.

1. Depósito x Registro da Marca no INPI Diante da eventual demora que pode ocorrer no processo de

concessão de registro de uma marca perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, muitas vezes o franqueador

dessa natureza, há presunção de que as partes estão em igualdades de condições para celebrar o negócio, ainda considerando que os pactos sejam redigidos com cláusulas padronizadas.” E, ainda, complementa: “Mesmo diante da ausência da apresentação da ‘circular de oferta’, forçoso reconhecer que tal fato não foi obstáculo ao implemento do negócio, isto é, puderam os autores estabelecerem-se como franqueados e exercer integralmente seu comércio (negócio), e o insucesso na empreita dos autores não pode ser atribuído à omissão alegada. De outro lado, o contrato foi mantido por aproximadamente 08 meses, e em nenhum momento é possível verificar tenham os autores solicitado à ré ou reclamado a ausência da circular mencionada. Os autores também não negam que tenham tido acesso ao manual do franqueado, documento que traz as necessárias e devidas orientação sobre a franquia.” Foi negado provimento ao recurso apresentado pelos apelantes. 19. Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível nº 0207083-65.2009.8.26.0100, Rel. Des. Pereira Calças, j. 11.10.2011. 20. Vide caso envolvendo Luis Fernando Dos Reis (franqueado) e Vaz e Athena Gabriel Vaz - ME. (franqueadora) - Tribunal de Justiça de São Paulo, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial de Franca, Apelação Cível nº 0030252-34.2010.8.26.0196 Rel: Teixeira Leite,. j. 29.08.2013.

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licencia sua marca sem que esta esteja devidamente registrada perante o INPI, mas tão somente em processo de registro. Os franqueados, em alguns casos, alegam que o franqueador violou o contrato por não obter o registro da marca, cuja demanda é, na maioria das vezes, rejeitada pelos tribunais.

No julgado envolvendo Flavio Rezende Leite - Me, VRF Comércio de Software, Treinamento e Capacitação de Recursos Humanos (franqueado-apelante) e Compsul Brasil Livros e Consultoria Ltda. (franqueadora),21 por exemplo, o franqueado pleiteava o término do contrato alegando, dentre outras questões, que a franqueadora não detinha o registro da sua marca. O tribunal negou a apelação, alegando que o depósito da marca era suficiente para permitir o uso da marca pelo franqueado:

“(...) Assim é que, por exemplo, as inúmeras (e bem feitas) laudas produzidas para diferenciar depósito e registro de marca, bem como para procurar demonstrar a inviabilização da averbação de transferência, não infirmam que, com o mero depósito já é possível o uso da marca, que é o aspecto fundamental a ser salientado. Quanto ao seu uso, os artigos 13022 e 13923 da lei 9279/96 (Lei de Propriedade Industrial) tornam clara sua possibilidade legal.Assim, a alegada violação do contrato não encontra-se presente.” O registro de marca também foi discutido em acórdão

envolvendo Carinho do Pé Podólogos Ltda. (franqueada) e Spé o Spa do Pé Comercial Franchising Internacional Ltda. (franqueadora). A Franqueada pleiteava a nulidade do contrato de franquia pelo fato de a franqueadora não ser detentora do registro da marca. Na época da franquia, a marca encontrava-se depositada perante o INPI. O juízo de segunda instância entendeu que o artigo 130, II da Lei de Propriedade Industrial permite a franqueadora licenciar seu uso antes da concessão do registro de sua marca.24

Outro caso levado a juízo relacionado à marca tratou dos efeitos de uma subsequente decisão de indeferimento do pedido de registro da marca pelo INPI. Essa questão foi tratada em caso envolvendo G 40 Educação e Treinamento Ltda (franqueada) e

21. Tribunal de Justiça de São Paulo, 11ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 9053158-07.2006.8.26.0000, Rel. Des. Soares Levada, j. 26.09.2010, v.u. 22. Artigo 130: Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de: I - ceder seu registro ou pedido de registro; II - licenciar seu uso; III - zelar pela sua integridade material ou reputação. 23. Artigo 139: O titular de registro ou o depositante de pedido de registro poderá celebrar contrato de licença para uso da marca, sem prejuízo de seu direito de exercer controle efetivo sobre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos produtos ou serviços. 24. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 15ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2005.001.21114, Rel. Des. Ricardo Rodrigues Cardozo.

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Projeta Cursos e Franquias Ltda. (franqueadora),25 em que a franqueada solicitava antecipação de tutela para o término dos contratos de franquia firmados com a franqueadora alegando que a franqueadora teve indeferido o seu pedido de registro da marca PROJETA perante o INPI (fato não comunicado aos franqueados). O juízo de segunda instância, seguindo a decisão do juízo de primeira instância, entendeu que os fatos narrados e vícios indicados pela franqueada dependem de prova idônea, a ser produzida sob o crivo do contraditório. Segundo o acórdão, não basta o simples extrato de situação do registro marcário perante o INPI (ainda que indique o indeferimento do registro), para que o contrato de franquia se torne inexequível. A despeito do referido contrato ter regência de lei especial, a ele se aplicam no que for compatível às regras gerais previstas no Código Civil, assim como o princípio da continuidade dos contratos, podendo a vontade dos contratantes externada no consenso obtido quando da assinatura do contrato de franquia, se for o caso, encontrar caminho alternativo que propicie continuidade. Em suma, não houve a prova inequívoca que convença da verossimilhança das alegações da autora, requisito sem o qual não é possível a antecipação de tutela pretendida nesta demanda.

2. Abstenção do Uso de Marca Após o Fim do Contrato Outro recorrente assunto relacionado à marca diz respeito ao

direito do franqueador de obrigar que o antigo franqueado cesse o uso de sua marca. Mesmo com o término do contrato de franquia, alguns franqueados permanecem praticando atividade no mesmo ponto comercial com a marca do franqueador, mesmo sendo proibidos contratualmente de tal uso. De forma não surpreendente, os tribunais não são favoráveis ao uso da marca após o término do contrato e geralmente deferem medidas no sentido de proibir tal prática. A título exemplificativo, em caso envolvendo Mundo Verde Franquia Ltda. (franqueador) e C&G Produtos Naturais Ltda. (franqueado),26 o juízo de segunda instância concluiu que houve utilização indevida da marca, sendo requerida a paralisação das atividades da ex-franqueada. No caso envolvendo Maxcenter Distribuidora Comércio e Representações Ltda.(franqueadora) e Farmácia PH Ltda. (franqueada),27 o juízo de segunda instância manteve medida liminar do juízo a quo proibindo a franqueada de uso da marca PADRÃO até a decisão final de mérito, reconhecendo

25. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2ª Câmara de Direito Empresarial, Agravo de Instrumento nº 0016714-84.2013.8.26.0000, Rel. Des. José Reynaldo, j. 01.07.2013, v.u. 26. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2009.001.20666, Rel. Des. Cristina Tereza Gaulia, j. 16.06.2009. 27. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 0009439-48.2005.8.19.0004, Rel. Des. Zelia Maria Machado, j. 07.12.2010.

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que, além do uso indevido da marca, o antigo franqueado estava induzindo os consumidores a erro.

De forma análoga, em agravo de instrumento interposto por Original Brasil Comércio e Serviços de Telecomunicações Ltda. (franqueada) envolvendo Telemar Norte Leste S.A e outro (franqueadora),28 foi mantida decisão do juízo a quo a fim de que a franqueada se abstivesse do uso da marca comercial da franqueadora em razão do término do contrato. Em uma disputa envolvendo sistema de telefonia, TNL PCS S.A (franqueadora) processou Longitude Comércio e Serviços de Telecomunicações Ltda. (franqueada)29 para compelir esta a cessar imediatamente o uso das suas marcas e de outros sinais. Apesar da decisão de primeiro grau desfavorável, foi dado provimento ao recurso da franqueadora, pois se entendeu que, ainda que pairem controvérsias de ambas as partes pendentes de apreciação judicial, o contrato de franquia foi rescindido em razão de infração contratual da franqueada, tendo a franqueadora direito prima facie de impedir o uso de seu nome, marca e outros sinais.

Um último caso relevante sobre esse assunto envolve Mc Donald’s Comércio de Alimentos Ltda. e outros (agravante-franqueadora) e Food Land Comércio de Alimentos Ltda. (agravado-franqueada).30 A franqueadora argumentou que a infração da franqueada pelo não pagamento das taxas de serviço constituiria infração grave e, assim, o contrato deveria ser rescindido. O juízo de segunda instância manteve decisão visando a impedir que o franqueado continuasse usando a marca MC-DONALD'S.

C. Inexistência de Relação de Consumo entre Franqueador e Franqueado

Outro assunto de franquia recorrente nos tribunais se refere à aplicação do Código de Defesa do Consumidor (“CDC,” Lei nº 8.078 de 1990) nas transações entre franqueador e franqueado. O CDC é aplicável sempre que o indivíduo – pessoa física ou jurídica – for considerado um destinatário final dos serviços contratados ou produtos adquiridos.31 O CDC estabelece princípios legais e exigências aplicáveis às relações de consumo no Brasil a respeito da responsabilidade pelo produto ou serviço, as cláusulas

28. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 4ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 2009.002.30229, Rel. Des. Sidney Hartung, j. 09.03.2010. 29. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 18ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 2009.002.28363, Rel. Des. Leila Albuquerque, j. 19.01.2010, v.u. 30. Tribunal de Justiça de São Paulo, 23ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 0023454-39.2005.8.26.0000, Rel. Des. José Marcos Marrone, j. 09.11.2005. 31. Artigo 2°: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

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contratuais, práticas comerciais, publicidade enganosa, procedimentos civis para demandas individuais e coletivas, incluindo ações de classe, bem como sanções administrativas e penais. O principal objetivo do CDC é restabelecer o equilíbrio em uma relação com o consumidor, que se presume ser naturalmente desequilibrada. Assim, o código foi focado na proteção do consumidor e fornece uma proteção muito mais ampla para o destinatário dos serviços ou produtos do que o Código Civil.

A determinação se um contrato será regido ou não com base no CDC é muito controvertida no Brasil. No entanto, com relação aos contratos de franquia, há o entendimento jurisprudencial majoritário de que esses contratos não estão sujeitos ao CDC. Esse entendimento está refletido em decisão do STJ envolvendo Oebax Vestuário Ltda. e outros (recorrente) e Colcci Indústria e Comércio do Vestuário Ltda. (recorrida), tendo sido decidido que o “contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito no âmbito de incidência da Lei nº 8.078/1990, eis que o franqueado não é consumidor de produtos ou serviços da franqueadora, mas aquele que os comercializa junto a terceiros, estes sim, destinatários finais.”32 Na mesma linha, a decisão do STJ envolvendo Banco Alfa De Investimentos S/A (recorrente) e Cuiabá Produtos Automotivos Ltda. (recorrido)33 entendeu que é inaplicável o CDC ao contrato de franquia, não se acolhendo a alegação de abusividade da cláusula de eleição de foro ao só argumento de tratar-se de contrato de adesão.34

Outra decisão emblemática do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que discorre sobre contrato de franquia para a comercialização de produtos derivados de petróleo, entendeu que “não se caracteriza a autora como consumidora, por se utilizar dos produtos disponibilizados da ré como meio para sua atividade empresarial e lucrativa, e não como destinatária final.” O tribunal alegou que, apesar de o contrato de franquia ser um contrato de adesão por natureza, mitigando a autonomia da vontade, esse não conduz à sua nulidade, justamente porque a delimitação vertical das diretrizes contratuais tem como escopo único a garantia do sucesso do empreendimento franqueado.35

32. RESP 632958/AL, Rel Des. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 04.03.2010. 33. RESP 930.875, rel. Sidnei Beneti. J. 14.06.2011. 34. Os contratos que regem a relação entre consumidor e fornecedor são geralmente considerados como contratos de adesão. Segundo a lei, o contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem possibilidade de negociação (GOMES, Orlando, Contratos. Ed. Forense, 2002, pg. 109). 35. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul 18ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70031345077, Rel. Des. Pedro Celso Dal Pra, DJ 10.09.2009.

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D. Possibilidade ou Não de Responsabilidade Solidária em Processos de Direito do Consumidor

A possibilidade de responsabilidade solidária do franqueador perante o consumidor final por atos imputáveis aos franqueados também é um tema usual nas disputas envolvendo franquia. Em caso envolvendo a Wizard Brasil Livros e Consultoria Ltda. (franqueadora/agravante) e Vanessa Cristina Oliva (agravada),36 o tribunal de segunda instância entendeu pela manutenção da decisão do juízo de primeira instância que deferiu liminar determinando que a franqueadora não praticasse quaisquer atos que levassem o nome da agravada ao banco de dados dos órgãos de proteção ao crédito. A franqueadora alega que a pessoa jurídica que, aparentemente, protestou de maneira indevida os títulos de crédito foi a sua ex-franqueada, não estando a franqueada sujeita a tal liminar. A franqueadora alegou, ainda, que não possui poderes gerenciais sobre os seus franqueados e que, além de ter rescindido o contrato com a empresa, desconhece o seu paradeiro.

Segundo o julgado, as medidas de padronização do estabelecimento, típicas do franchinsing faz com que o consumidor não distinga, com clareza, a divisa entre as duas empresas, em que uma aparenta ser a outra. Portanto, a franqueadora tem a aparência de fornecedora do serviço, pois coloca a sua marca e sinais distintivos, bem como promove publicidade naquilo que é oferecido ao consumidor, aplicando-se, assim, a teoria da aparência.37 Nesse sentido, foi entendido que a agravante é a fornecedora aparente do serviço, de acordo com o disposto nos artigos 3°,38 1239 e 1440 do CDC. Acrescenta-se que essa interpretação é razoável dada a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo, conforme prescreve o princípio contido no

36. Tribunal de Justiça de São Paulo, 18ª CDPri, Agravo de Instrumento nº 0318830-92.2010.8.26.0000, Rel. Des. Rubens Cury, j. 13.10.2010, v.u. 37. Aplica-se a teoria da aparência e a doutrina do disregard na hipótese de duas empresas apresentarem-se ao público e à clientela como uma única empresa, ainda que do ponto de vista técnico-jurídico sejam pessoas jurídicas distintas, não se confundindo. 38. Artigo 3°: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. 39. Artigo 12: O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. 40. Artigo 14: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

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artigo 4°, I do referido Código.41 Dessa forma, o franqueador foi considerado solidariamente responsável em conjunto com a franqueada pela conduta da franqueada.

Em outro caso envolvendo Wizard Brasil Livros e Consultoria Ltda., Cwm Consultoria e Participações Ltda. (agravante) e Vanessa Cristina Oliva (agravada),42 também decidiu-se pela incidência da teoria da aparência e a doutrina do disregard,43 alegando que franqueador e franqueado aparentam ser uma única empresa, mesmo que, sob o aspecto técnico-jurídico, tratem-se de pessoas jurídicas distintas e que não se confundam entre si. Nesse sentido, entendeu-se pela responsabilidade solidária entre franqueador e franqueado quanto a danos por este causados ao consumidor.

Por outro lado, quando uma relação entre franqueador e franquia é divulgada à parte lesada, há decisão no sentido de rejeitar a responsabilidade solidária. Em ação de indenização por danos morais ajuizada por Vanildo Chuma (autor-apelante) contra Hoken International Company Ltda. (franqueadora) e Paulo César Rondon (vendedor vinculado à Hoken), em decorrência da inserção indevida de seu nome nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito, a sentença julgou improcedente o pedido com relação à Hoken e parcialmente procedente com relação ao co-réu Paulo César, condenando-o ao pagamento de indenização por danos morais. O juízo de segunda instância entendeu que a empresa Hoken não pode ser responsabilizada. Segundo o relator, a referida empresa é a fabricante do produto (filtro de água) adquirido pelo apelante e que no pedido de aquisição consta o número do seu Serviço de Atendimento ao Consumidor. Contudo, no mesmo documento, consta que a empresa vendedora (Água & Saúde, de propriedade do co-réu Paulo César), ostenta a qualidade de “franquia independente Hoken,” de forma que não há como imputar à franqueadora a responsabilidade pelos prejuízos sofridos pelo autor-apelante.44

41. Artigo 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I- reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. 42. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n° 2000.014832- 6, Rel. Des. Trindade dos Santos, j . 08.04.2009 43. Aplica-se a teoria da aparência e a doutrina do disregard na hipótese de duas empresas apresentarem-se ao público e à clientela como uma única empresa, ainda que do ponto de vista técnico-jurídico sejam pessoas jurídicas distintas, não se confundindo. 44. Tribunal de Justiça de São Paulo, 16ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n° 9152542-06.2007.8.26.0000, Rel. Des. Windor Santos, j. 03.08.2010, v.u.

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E. Exequibilidade das Cláusulas de Eleição de Foro Disputas em relação à eficácia da eleição de foro também

surgem com certa frequência em contratos de franquia, sendo que o foro selecionado pelo franqueador é usualmente considerado válido. Segundo artigo 111 do Código de Processo Civil e seus parágrafos, a competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das partes; mas essas podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações. A eleição de foro deve estar claramente expressa no contrato. A Lei de Franquia não traz qualquer regulamentação específica a respeito da eleição de foro, não havendo, a princípio, qualquer impeditivo para as partes convencionarem livremente o foro competente para resolver as controvérsias surgidas com relação aos seus direitos e obrigações. No entanto, é muito comum que os franqueados aleguem que o negócio jurídico celebrado é do tipo de um contrato de adesão e, diante da hipossuficiência dos franqueados, haveria um cerceamento na defesa dos mesmos e abusividade da outra parte em razão da eleição do foro.

É possível se deparar com vários julgados que discorrem sobre a questão da eleição de foro e, na maioria das decisões encontradas, prevalece o entendimento dos tribunais de que a cláusula de eleição de foro é válida, sendo necessário privilegiar o princípio pacta sunt servanda (incidência do artigo 111 do CPC),45 sendo imprescindível que haja a constatação do cerceamento de defesa e hipossuficiência do aderente para sua inaplicação.46

O vulto econômico em torno do valor contratual e o esclarecimento/conhecimento do franqueado também são fatores citados em determinadas decisões para fins de análise da aplicação ou não da cláusula de eleição de foro, como é o caso da decisão do tribunal de São Paulo envolvendo Private Business Fashion Hair Franchising S/c Ltda. (agravante) e Helio Ricardo Rodrigues (agravado)47, que constatou que a cláusula de eleição de foro não se afigura abusiva porque não se presta a inviabilizar ou criar especial dificuldade de acesso da parte ao Judiciário, inexistindo a hipossuficiência do franqueado em virtude do vulto econômico do negócio e do tamanho das partes. Em outro caso envolvendo Mister S. Comércio Empreendimentos e Administração Ltda. (agravante) e Cabana Comida Árabe Ltda. (agravado), também se entendeu pela validade da cláusula de eleição de foro em razão do negócio

45. RESP 765171/SE, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 11.10.2005. 46. RESP 545.575/RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 28.10.2013. 47. Tribunal de Justiça de São Paulo, 19ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 0005437-81.2007.8.26.0000, Rel. Des. João Camillo de Almeira Prado Costa, j. 27.03.2007.

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jurídico de vulto, não sendo demonstrada a hipossuficiência da cláusula contratual.48

A decisão do STJ envolvendo Lubrifiltros Representações Peças e Lubrificantes Ltda. e outros (recorrido) e Shell Brasil S/A e outro (recorrente)49 ilustra a necessidade de se verificar a capacidade dos litigantes. Nesse caso, as partes foram consideradas suficientemente capazes sob a ótica financeira, legal e técnica para pleitearem na justiça em qualquer foro voluntariamente acordado50. Por outro lado, em decisão do STJ envolvendo Carlos Henrique Lagemann e Kinder Informática Ltda. (recorrente) e Futurekids do Brasil - Serviço e Comércio Ltda. (recorrido), o STJ entendeu que, em contrato de adesão, unilateralmente elaborado pela franqueadora, que impõe todas as cláusulas que regem a relação com o franqueado, a cláusula de eleição de foro foi considerada abusiva por força disso, pois afirmada nos autos a impossibilidade do franqueado de efetuar regular defesa no juízo contratualmente eleito, ressaltado o alto poder econômico da franqueadora em comparação com a situação do franqueado.51

Diante da análise das decisões coletadas, pode-se dizer que a questão da eleição de foro deve ser analisada com base no caso concreto, prevalecendo o entendimento de que a cláusula de eleição de foro é válida, desde que não tenha sido reconhecida a hipossuficiência de uma das partes ou embaraço ao acesso da justiça.52

48. Tribunal de Justiça de São Paulo, 23ª Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento nº 0412359-68.2010.8.26.0000, Rel. Des. José Marcos Marrone, j. 01.12.2012. 49. RESP 813481/DF, Min. Massami Uyeda, j. 11.03.2008. 50. A decisão ressaltou o que se segue: “levando-se em conta os expressivos valores pactuados no contrato de franquia sub judice e a não demonstração de inviabilização do acesso ao Poder Judiciário, uma vez que o fato isolado da empresa-recorrida não se encontrar em atividade, em virtude da rescisão ora discutida, não é suficiente para considerar inviável a defesa de seus direitos no foro contratado, tem-se que as empresas ora litigantes, são suficientemente capazes, sob o enfoque financeiro, jurídico e técnico, para demanda em qualquer comarca que, voluntariamente, assim contrite.” 51. Conflito de Competência 32877/SP, REL. Min. Carlos Alberto Menezes direito, DJ 26.02.2003. 52. Com relação à eleição de foro em contratos celebrados com parte estrangeira e um franqueado local, a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 12, prevê que é competente a autoridade judiciária brasileira quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação. Nesse caso, não há um caso absoluto de competência como nos casos relativos a imóveis situados no Brasil, mas aqui é estabelecida uma concorrência relativa para os tribunais locais que decidirão, a seu critério, se são competentes para analisar o caso. O Código de Processo Civil ainda estabelece que:

Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

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F. Inexistência de Garantia Quanto à Lucratividade É comum pleito dos franqueados imputando aos franqueadores

a culpa pelo insucesso do negócio. Em muitos dos casos analisados, entendeu-se que o contrato de franquia é um negócio de risco e, em tese, não há caracterização da responsabilidade do franqueador pelos prejuízos do franqueado, desde que o franqueador não tenha afirmativamente contribuído para o insucesso do negócio. A decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ilustra o exposto ao afirmar que, “[o] contrato de franquia é negócio de risco, mediante o qual há um investimento pelo franqueado visando à expectativa de lucro, com base nas projeções de mercado, cabendo-lhe gerir de forma responsável o empreendimento, para que não resulte com prejuízo.” Neste caso, concluiu-se dos autos que a demandante não teve sucesso em seu empreendimento comercial, provavelmente por deficiência de sua administração, como sugere o relatório de visita da empresa franqueadora.53

Em outro caso envolvendo a franquia da loja com marca DOM SABOR, o franqueado pleiteou a rescisão do contrato após 3 meses de funcionamento, alegando que a franqueadora descumpriu as obrigações assumidas no contrato por não prestar assistência ao franqueado. O juízo de segunda instância entendeu que a devolução da taxa de franquia seria indevida, pois não houve prova nesse sentido e o período em que o estabelecimento permaneceu aberto (3 meses) foi exíguo para formação de clientela e retorno de investimento.54

O mesmo entendimento foi demonstrado na apelação envolvendo Marines Atolini de Oliveira (apelante) e Hai Franchising Ltda. (apelado), em que foi decidido pela inexistência de promessa de garantia quanto a resultados ou rentabilidades do negócio.55 Em caso envolvendo a franquia CURVES, foi entendido que a J Assessoria Consultoria e Comércio de Artigos Desportivos Ltda. (franqueadora) não prestou o assessoramento devido à franqueada (Carla Walzertudes de Liama e outros), sendo este um motivo relevante para o encerramento do empreendimento. No entanto, o juízo de segunda instância decidiu que o insucesso do empreendimento não pode ser imputado exclusivamente à

Alguns doutrinadores e jurisprudência entendem que, em razão das disposições do artigo 88 do Código de Processo Civil, a jurisdição brasileira não pode ser afastada pela vontade das partes. Assim, caso as partes não tenham interesse em resolver eventual disputa nos tribunais brasileiros, a arbitragem seria uma alternativa. 53. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 10ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70037569613, Rel. Des. Túlio de Oliveira Martins, j. 26.08.2010. 54. Tribunal de Justiça de São Paulo, 37ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 0051430-12.2005.8.26.0100, Rel. Irineu Fava, j. 14.06.2012. 55. Tribunal de Justiça de São Paulo, 13ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 9140805-69.2008.8.26.0000, Rel.: Heraldo de Oliveira, j. 11.02.2009.

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franqueadora, uma vez que ambos os contratantes não cumpriram algumas obrigações assumidas.56

G. Exequibilidade das Cláusulas de Não Concorrência Outra área de constante litígio entre franqueadores e

franqueados diz respeito à validade/exequibilidade das cláusulas de não concorrência após o término contratual. O princípio da livre concorrência é previsto na Constituição Federal, não podendo, contudo, ser considerado absoluto e devendo ser analisado sob a ótica dos demais princípios constitucionais, inclusive diante da concorrência desleal e abuso de poder. Segundo o renomado autor Fábio Ulhoa Coelho:57

“Ao direito constitucional de explorar atividade econômica, expresso no princípio da livre iniciativa como fundamento da organização da economia, corresponde o dever, imposto a todos, de o respeitar. Em relação ao estado, esse dever se traduz na inconstitucionalidade de exigências administrativas não fundadas na lei, para o estabelecimento e funcionamento de uma empresa (art. 170, parágrafo único da CF). Em relação aos particulares, se traduz pela ilicitude de determinadas práticas concorrenciais. Por ilícita conceituou todas as formas de concorrência sancionadas pela lei, independentemente da natureza civil, penal ou administrativa da sanção.” Sobre o assunto, o autor Sidnei Amendoeira Júnior, professor

especializado em franquias, ressalta que a questão muito importante na franquia diz respeito à necessidade da existência de cláusulas de não concorrência de proteção do próprio sistema de franquia e que preservem a marca e a clientela da franqueadora de eventuais casos de concorrência desleal por parte de algum franqueado que decida retirar-se de determinado sistema de franquia e passar a concorrer com a franqueadora e seus franqueados. E acrescenta que é muito comum a previsão, nesses contratos de cláusulas, de quarentena ou de não concorrência, ou seja, diante do fato de que a franqueadora cedeu todo seu know-how ao franqueado não seria justo que ele, franqueado, entendendo por bem sair daquele sistema de franquia, pudesse competir com a franqueadora e seus franqueados, valendo-se das técnicas e informações que a própria franqueada lhe forneceu.58

56. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 16ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 0002890-53.2009.8.19.0207 Des. Mauro Dickstein – j. 24.07.2012. 57. COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, Ed. Saraiva, 4ª ed., 2000, vol. 1, p. 183. 58. AMEDOEIRA JÚNIOR, Sidnei, Principais Características dos Contratos de Franchising, in Direito Processual Empresarial, Org. Gilberto Gomes Bruschi e outros. Ed. Campus Jurídico, 2012, pp. 948-949.

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Professor Denis Borges Barbosa, um dos autores mais renomados em assuntos de franquia, ao comentar sobre as condições de licitude de cláusulas de direito privado, cita Rubens Requião, especialista em direito comercial, o qual afirma que o critério para precisar a licitude de tais acordos é, em primeiro lugar, determinar em que proporção o exercício da concorrência pode causar dano ao outorgado. Em outras palavras, em que proporção tal disposição é necessária para proteger o interesse do beneficiário, sem ferir o da outra parte (e, no plano do direito antitruste, os interesses da defesa da concorrência como um todo). É o balanço de interesses que determina a licitude. Todas estas considerações possibilitam configurar os requisitos de validade e uma cláusula ou pacto em restrição à concorrência, na perspectiva do direito. As restrições devem ser limitadas no tempo, espaço e objeto, para subsistirem tão somente na proporção em que forem úteis, necessárias para proteger o interesse legítimo do beneficiário. Assim sendo, tais cláusulas e pontos teria uma função acessória, de garantir o ajuste principal, cujo propósito não é afetar diretamente a concorrência.59

A legitimidade de cláusulas de não concorrência normalmente é reconhecida em nossos tribunais. No que tange ao prazo da obrigação de não concorrência, não há qualquer limite definido em lei. No entanto, costuma-se utilizar o disposto no artigo 1.147 do Código Civil como parâmetro, o qual estabelece que, “na ausência de autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência.” Apesar disso, nas decisões encontradas, verifica-se que os contratos, objetos da lide, estipulam cláusulas de não concorrência pelo período de até aproximadamente 3 anos.

Em apelação envolvendo CWM Consultoria e Participações Ltda. (Wizard Brasil Livros e Consultoria Ltda.) e Omni Ensino de Idiomas e Representações Comerciais Ltda.(franqueado)60, alega o franqueado que a exigência de “quarentena” é abusiva, ofendendo o direito ao livre exercício da profissão ou da livre iniciativa. O juízo de segunda instância entendeu que a vedação contratual à atuação da franqueada na mesma área durante 24 meses subsequentes ao término do contrato não ofende o direito ao livre exercício da profissão ou da livre iniciativa, mas protege a franqueadora da concorrência desleal.61 59. Ob. Cit. p. 1083. 60. Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível nº 0021636-35.2004.8.26.0114, Des. Rel. Ricardo Negrão. j. 19.08.2013. 61. Segundo o acórdão, “(...) ao contratarem a franquia, os codemandantes passaram a ter conhecimento do ‘segredo do negócio’ da franqueadora, que fizeram investimento financeiro na obtenção do know how. Esse conhecimento foi transmitido aos franqueados, mediante treinamento e orientação disponibilizados para aplicação do método de ensino. O conhecimento naturalmente é agregado no ser humano. Assim, é evidente que ao continuar operando na área a franqueada não se desfará daquele conhecimento. Assim, o período de

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Em caso envolvendo a franqueada Databarao Edições Culturais Ltda. e o franqueador MC Edições Culturais,62 a franqueada foi condenada, em primeira instância, ao pagamento dos royalties pendentes e multa pela infração da cláusula contratual de não concorrência. O juízo de segunda instância reverteu a decisão, alegando que, apesar de a franqueada continuar a se dedicar ao ensino de informática após a rescisão do contrato, essa o fez sem a utilização da marca, produtos e métodos da franqueadora. Os desembargadores entenderam, ainda, que não foi comprovado o prejuízo da franqueadora, não tendo sido evidenciada hipótese de concorrência desleal.

Ainda sobre a questão da concorrência desleal, o referido acórdão menciona que a cláusula de não concorrência, em princípio, afigura-se válida, na medida em que visa a afastar a concorrência desleal por parte de franqueados com a indevida utilização do know-how que tenham adquirido do franqueador no cumprimento do contrato. Por isso e por ser limitada a certo período (três anos após a rescisão do contrato), não se poderia dizer que implicaria em ofensa ao artigo 170 da Constituição Federal. Entretanto, nesse caso específico, as provas constantes dos autos indicam violação por ambas as partes, notadamente pela falha da franqueada em controlar a invasão de território entre as demais franqueadas, bem como por impor-lhe exigências descabidas para adquirir licenças de uso de softwares e promover a cobrança de valores relativos à propaganda e marketing em desacordo com o previsto em contrato. Além disso, o simples fato de continuarem a promover esta atividade não implica por si só em concorrência desleal à demandante, mormente tendo-se em vista a proliferação dos cursos de informática, além de considerar que os equipamentos e conhecimentos necessários para o desempenho desta atividade também podem ser adquiridos livremente por quem esteja interessado em dedicar-se a este ramo de negócio, com ou sem franquia.Portanto, não houve concorrência desleal que justificasse a aplicação da multa.

Em caso envolvendo uma rede de fast food, o STJ manteve decisão do tribunal paulista que condenou a sociedade Jack Alimentos e Medicamentos Ltda. (franqueada) a indenizar, por danos morais, a Bob’s Indústria e Comércio Ltda. (franqueadora)63 pela infração ao contrato no que tange à obrigação de não atuar no negócio explorado pelo período de 18 meses após o término do

interdição exclusivamente para a área afeta ao objeto da franquia é legalmente permitido, tal como se dá no trespasse de estabelecimento empresarial. Trata-se de um período de desvinculação do empreendedor da atividade empresarial, visando proteger aquele que investiu na consolidação da marca e da franquia.” 62. Tribunal de Justiça de São Paulo, 14ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 9107862-38.2004.8.26.0000, Rel. Des. Thiago de Siqueira, j. 09.12.2009. 63. RESP nº 818.799 - SP (2006/0010714-6), Rel. Ministro Castro Filho.

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contrato. Neste caso, foi mantida a indenização por danos morais, mas negado o pedido de indenização por danos materiais, uma vez que a franqueada não continuou a operar 'como se Bob's fosse', ao contrário, extraiu as insígnias respectivas e substituiu os cardápio e outras indicações, sendo que os consumidores não seriam levados a erro em eventual relação com o Bob’s pelo simples fato de operar um restaurante vendendo produtos similares.

Em razão da demora na resolução dos litígios nos tribunais brasileiros, normalmente os autores que pleiteiam a exequibilidade da cláusula de não concorrência por meio de uma medida cautelar geralmente sem ouvir a outra parte. A decisão de deferir ou não essa medida também é objeto de agravo de instrumento por ambas as partes. Na maioria dos casos, as decisões dos recursos têm sido de rejeitar a medida cautelar pleiteada pelo franqueador com relação à cláusula de não concorrência. Esse entendimento se baseia na posição de que essa proibição requer o exame minucioso dos fatos e a garantia ao princípio do contraditório diante do prejuízo que pode ser causado ao franqueado por uma medida injusta e diante do abuso do direito pelo franqueador.

Em agravo de instrumento contra a decisão de primeira instância que ordenou que a agravante Incisivo Odontologia Ltda. EPP se abstivesse de exercer atividade no ramo odontológico pelo prazo de 2 anos em razão do término contratual, o juízo de segunda instância entendeu que, embora haja a constitucionalidade da cláusula contratual de não concorrência, há a necessidade de examinar as circunstâncias do caso concreto para decidir sobre sua eficácia e validade. O juízo de segunda instância preferiu aguardar a instauração do contraditório antes de tomar qualquer medida de urgência para cessar as atividades da franqueada, em vista do prejuízo que isso poderia causar à franqueada64.

Em agravo interno65 interposto por Tim Celular S.A (franqueadora) contra decisão favorável a Soares & Soares Comércio de Telefonia Móvel Ltda. Me. (franqueado),66 o juízo de segunda instância decidiu contra a franqueadora por entender que não há prova suficiente para justificar a necessidade da tutela antecipada com relação à obrigação de não concorrência interposta ao franqueado, sendo que eventual decisão neste sentido seria uma medida extrema para o ex-franqueado. Segundo o acórdão, “a rigor, o pacto da não concorrência é compatível com o ordenamento jurídico. A validade da cláusula, contudo, deve ser averiguada 64. Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento nº 0054513-64.2013.8.26.0000, Rel. Des. Alexandre Marcondes, j. 21.05.2013. 65. O agravo interno, também conhecido como agravo regimental, é uma um recurso judicial existente nos tribunais com o intuito de provocar a revisão de suas próprias decisões. 66. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Agravo de Instrumento nº 7005501383, Rel. Des. José Aquino Flores de Camargo. j. 18.07.2013.

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tanto sob a ótica temporal, quanto sob a ótica da privação do trabalho. Os efeitos da antecipação, no caso concreto, que poderiam ser deletérios ao franqueado.” Finalmente, outra decisão abordou questão interessante quanto à cláusula de não concorrência em função do território. Nesse caso, o sócio do franqueado Alfredo Capozzi Filho, em sede de recurso, sustenta nulidade da cláusula de não concorrência estipulada em contrato firmado com 5 À Sec do Brasil Franchising Ltda (franqueadora),67 por inexistir limitação territorial. O juízo de segunda instância não reconheceu qualquer abusividade desta cláusula, mesmo sem qualquer delimitação territorial.

H. Exclusividade e Territorialidade A indicação com relação ao território, exclusividade ou

preferência de atuação é obrigação relacionada no artigo 3º, inciso X(a) da Lei de Franquia, o qual estabelece que a Circular de Oferta de Franquia deve incluir se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz. Os contratos de franquia geralmente incluem um limite de atuação do franqueado, que fica obrigado a garantir exclusividade na venda de produtos e serviços apenas do franqueador. O franqueador, por sua vez, fica impedido de conceder a terceiros o direito de abertura de franquias no local combinado. Os litígios geralmente surgem com relação a esse limite territorial.

Em acórdão envolvendo a rede de franquias de locação de automóveis com a marca UNIDAS RENT A CAR, foi decidido que comete infração contratual a franqueadora que, por si ou por meio de terceiro, exerce atividade nas áreas de exclusividade da franqueada e naquelas em que esta não exerceu o seu direito de preferência.68 Em caso envolvendo ação de rescisão de contrato interposta por Maciel Braga Ltda. (franqueada), contra Sofcon Sociedade Franchising e Consultoria Ltda. (franqueadora), a franqueada alega possuir contratos de franquia com a franqueadora para comercializar os produtos com a marca L´ACQUA DI FIORI, tendo sido surpreendida com a instalação de uma nova franquia na cidade, dentro da área restrita. O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido, ao entendimento de que o local onde foi instalada a nova franquia situa-se fora do

67. Tribunal de Justiça de São Paulo, 14ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 9108453-92.2007.8.26.0000, rel. Des. José Tarciso Beraldo, j. 26.03.2008. 68. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 3ª CDCom, Apelação Cível nº 2005.018153-2, Rel. Des. Fernando Carioni, v.u., j. 15.09.2005.

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âmbito de atuação da autora, decisão esta corroborada em segunda instância.69

Em ação judicial interposta por Concessionária San Marino (franqueada) contra a San Marino (franqueadora), a franqueada alega, dentre outros argumentos, que a franqueadora violou cláusula de exclusividade e da lealdade na comercialização de veículos dentro da área de atuação da requerente (Gravatái).70 O juízo de segunda instância confirmou a decisão de primeiro grau ao entender que o ajuste celebrado entre as partes expressamente previa a possibilidade de a requerida continuar vendendo veículos para clientes residentes no território da franqueada, de sorte que a franqueadora, ao vender veículos no referido território não violou qualquer dever contratual, mas, tão somente, fez uso de prerrogativa ali prevista. Em caso envolvendo Sonia Carlotti - Comércio de Colchões Ltda. (autora / recorrente) e Centro de Produção Rio Grandense de Espumas Industriais Ltda. (réu / apelado)71, o tribunal de segunda instância reverteu a decisão de primeira instância, aceitando os argumentos da autora de que o réu (franqueador de produtos de colchão) agiu de má-fé autorizando outro franqueado a realizar a produção de feirão para vender os produtos em uma pequena cidade em que o franqueado possuía uma loja de franquia. Mesmo o contrato não estipulando a exclusividade territorial naquela cidade, foi decidido pela necessidade de proteger a expectativa legítima criada para a autora, de uma exclusividade na pequena cidade constituindo verdadeira afronta aos deveres de lealdade e boa fé.

Algumas decisões discorrem, ainda, sobre a própria definição de territorialidade, como é o caso envolvendo Multi Treinamento Ltda. (franqueadora) e Biel Treinamento Ltda. (franqueada). Nesta hipótese, em sede de recurso, a maioria entendeu que o contrato era vago quanto à cláusula de exclusividade, acolhendo os argumentos da franqueada e negando provimento aos pedidos iniciais da franqueadora. Para melhor entendimento do caso, a cláusula contratual previa o que se segue: “o franqueado está autorizado a estabelecer-se na cidade de Brasília em endereço que deverá ser aprovado por escrito pela ALPS [franqueador], não sendo permitido, em hipótese alguma, a mudança do referido endereço sem autorização prévia da ALPS [franqueador].” Segundo o acórdão, “não há, nessas disposições, expressa contratação quanto aos limites territoriais da exclusividade. A verdade é que, 69. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 11ª Câmara Cível, Apelação Cível nº. 1.0024.09.510797-5/001 (5107975-72.2009.8.13.0024 (1)), Rel. Des. Duarte de Paula, v.u., j. 05.05.2010. 70. Tribunal de Justiça do Rio Grande do sul, 20ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 70030664981, Rel. Des. José Aquino Flôres de Camargo, j. 14.10.2009. 71. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 9ª Câmara Cível, Apelação Cível nº. 70061266201. Rel. Des. Jurge Miguel Angelo da Silva, j. 24.09. 2014.

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nesse ponto, o contrato é obscuro e deve ser interpretado segundo a expressão da vontade das partes que estipularam a exclusividade na área de atuação, incluindo nessa, especialmente os estabelecimentos de ensino ali localizados.” Considerou-se o perímetro urbano contado a partir do endereço aprovado para o funcionamento da franquia.72

I. Obrigações do Franqueador em Prestar Assistência Ao Franqueado

A Lei de Franquia, em seu artigo 3º, determina as obrigações que devem constar na Circular de Oferta de Franquia. Além destas obrigações, o contrato pode livremente instituir diversas outras para que sejam cumpridas entre as partes. Eventuais questões envolvendo infração de obrigações contratuais do franqueador somente podem ser avaliadas diante dos fatos e das provas apresentadas por ambas as partes em cada situação. No entanto, as decisões abaixo, que tratam de determinadas falhas em obrigações em contratos de franquia, ilustram os tipos de questões que podem surgir.

Em caso envolvendo Roberto Leonel Dubet da Silva Mouga, Denise Monique Dubet da Silva Mouga e Quick Clean Lavanderia Ltda. (franqueados) e 5 À Sec do Brasil Franchising Ltda. (franqueadora),73 foi reformada a decisão de primeira instância no sentido de reconhecer o inadimplemento da franqueadora pela não entrega dos equipamentos necessários para a franquia. Os franqueados deveriam adquirir os equipamentos e demais produtos, necessários para a instalação da unidade franqueada da Dry Brasil Importação e Logística Ltda., uma sociedade pertencente ao grupo da franqueadora. Os apelantes efetuaram o pagamento antecipado. Assim, a falha na entrega dos equipamentos constitui infração da franqueadora.

No julgado envolvendo Flavio Rezende Leite - ME, Vrf Comércio de Software, Treinamento e Capacitação de Recursos Humanos (franqueado-apelante) e Compsul Brasil Livros e Consultoria Ltda (franqueadora),74 o franqueado interpõe recurso contra a sentença de primeiro grau que julgou improcedente a ação alegando, dentre outras questões, que não recebeu o suporte combinado para o desenvolvimento da atividade franqueada. Segundo o juízo de segunda instância, não foi vislumbrado o

72. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2ª CRDEmp, Apelação Cível nº 0069172-32.2010.8.26.0114, Rel. Des. Ricardo Negrão, j. 07.08.2012, v.u. 73. Tribunal de Justiça de São Paulo, 14ª Câmara de Dirito Privado, Apelação Cível nº 0016564-45.2009.8.26.0000, Rel. Des. Pedro Ablas, j. 15.09.2010, v.u. 74. Tribunal de Justiça de São Paulo, 11ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 9053158-07.2006.8.26.0000, Rel. Des. Soares Levada, j. 26.09.2010, v.u.

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descumprimento contratual alegado, sendo negado provimento ao recurso.75

Em um caso típico, o franqueador Sports Marketing Agency S/c Ltda Sma (autor-franqueador) solicita que o franqueado Rav & Valente s Agencia de Atividades Desportivas Ltda76 devolva os materiais entregues; deixe de fazer uso do sistema de franquia, das marcas; além da alteração da fachada e layout, bem como pagamento de multa contratual. O franqueado apelou da sentença favorável ao franqueador insistindo na tese da exceptio non adimpleti contractus, vez que o franqueador deixou de cumprir suas obrigações contratuais. O juízo de segunda instância manteve a decisão do juízo a quo por entender que há comprovação da entrega da circular de oferta e quanto aos demais argumentos, as alegadas obrigações descumpridas pelo franqueador (ex. ações de marketing e publicidade da marca) apresentam caráter meramente facultativo e não podem ser configuradas como condições resolutivas do contrato. Segundo o julgado, não há que se falar na aplicação da exceptio non adimpleti contractus,77 na medida em que o contrato objeto da lide não apresenta dependência recíproca de prestações a serem exigíveis de forma simultânea. Ademais, não se verificou a ocorrência de recusa por parte da autora no cumprimento de qualquer obrigação estabelecida em contrato. Em outro caso envolvendo Caipira Label Rouge Ltda. (franqueador - apelante) e Devones de Carvalho (apelado- franqueado), foi mantida a decisão de primeira instância condenando o franqueador à indenização em razão dos prejuízos suportados pelo franqueado, que deixou de prestar a devida fiscalização e assistência ao franqueado.78

Outra obrigação objeto de litígio diz respeito às atividades de marketing. É muito comum que os contratos de franquia estipulem um percentual da receita dos franqueados destinados a um fundo de marketing gerenciado pelo franqueador. Em caso analisado, houve questionamento do franqueado quanto à forma de uso dos valores recebidos pela franqueadora com relação a tais verbas. De acordo com o contrato celebrado, a franqueadora apresentava à 75. Segundo observado no julgado “o fato é que, e infelizmente, as circunstâncias todas remetem a um mau negócio realizado pela apelante, sem que se possa concluir que o prejuízo auferido por ela deva ser debitado à alegada má conduta da apelada - que mostra, sim, certo amadorismo em sua assistência; novamente, porém, isto se mostra incidental e não da essência da franquia contratada, insuficiente o fato para fixar o nexo causai entre esta e os prejuízos alegados.” 76. Tribunal de Justiça de São Paulo, 19ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 9089315-08.2008.8.26.0000, Rel. Des. Sebastião Junqueira, j. 03.11.2008, v.u. 77. Esse princípio está refletido no artigo 476 do Código Civil, que estabelece que “[n]os contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.” 78. Tribunal de Justiça de São Paulo, 11ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 9139971-81.1999.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Marson, j. 04.10.2001.

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franqueada, quando solicitado, demonstrativo anual dos valores por recolhidos. Segundo acórdão, “o contrato em testilha assegura à ré, ora apelada, livre administração dos recursos recebidos pelos pagamentos dos franqueados, bem como escolha livre dos programas a serem realizados, sem qualquer ingerência da franqueada, entretanto, há pedido expresso a respeito de prestação de contas quanto aos royalties, bem como para o esclarecimento, mediante prestação e contas, sobre possível favorecimento à loja própria em detrimento da franqueada.” A pretensão do franqueado foi aceita para fins de determinação da prestação de contas da franqueadora na administração de tais recursos.79

J. Obrigações do Franqueado de Pagamento de Royalties

Quanto à questão do pagamento de royalties, há diversas decisões judiciais a favor dos franqueadores no caso de inadimplemento do franqueado no pagamento nas verbas devidas, conforme a seguir. Em apelação interposta por Ademar Hiunes Junior (franqueado) contra Microlins Brasil Ltda. (franqueadora),80 foi confirmada a decisão da primeira instância no que tange à rescisão do contrato e cobrança de multa, tendo sido entendido que houve confissão de dívida firmada pelo franqueado no que tange ao não pagamento de royalties e fundo de propaganda. Alegação de falta de cumprimento da assessoria técnica de marketing pelo franqueador não comprovada.

Em contrato de franquia firmado entre Silvia Mendes Moreira (franqueado) e Kumon Instituto de Educação Ltda.81, o franqueado se insurgiu contra a decisão do juízo de primeiro grau com relação à rescisão do contrato pela franqueadora. Segundo o franqueado, a rescisão se deu de forma unilateral e desmotivada. Foi entendido, contudo, que a rescisão contratual se operou pela inadimplência reiterada da franqueada no pagamento de royalties, que faz parte da própria natureza do contrato e representam a remuneração do franqueador, autorizando o rompimento do contrato, sem qualquer direito a indenização, pois a despeito da inadimplência, a franqueada se beneficiou da marca e método de ensino difundidos pela franqueadora, com a captação de cliente e recursos necessários aos seus negócios. Por fim, em agravo de instrumento interposto por ALESER – Participações e Negócios Ltda. contra

79. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 13ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2007.001.42265, Rel. Des. Azevedo Pinto, j. 12.09.2007. 80. Tribunal de Justiça de São Paulo, 15ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 0020890-03.2008.8.26.0576, Rel. Des. Adherbal Acquati, j. 21.09.2010. 81. Tribunal de Justiça de São Paulo, 20ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 9199066-95.2006.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Giaquinto, j. 23.08.2010.

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Fast Caxias Comércio de Alimentos Ltda.,82 foi reformada a decisão de primeiro grau e decidido pelo deferimento da antecipação de tutela para que a ré (Fast Caxias Comércio de Alimentos Ltda.), cessasse a utilização de qualquer elemento identificado da marca em razão do não pagamento de royalties pela franqueada à franqueadora.

K. Questões Fiscais – ISS (Imposto sobre Serviços) nos Contratos de Franquia

O Brasil tem um sistema fiscal complexo, com uma vasta gama de impostos e contribuições83 em níveis federal, estadual e municipal. A competência tributária dos três níveis de governo é estabelecida principalmente pela Constituição Federal e também pela legislação federal. A tributação no Brasil está sujeita ao princípio da legalidade, segundo o qual nenhum imposto pode ser estabelecido ou taxa aumentada sem um devido processo legal. Devido à complexidade do sistema, as disputas podem surgir entre as empresas e a administração tributária, em todos os três níveis de governo. Disputas também pode ocorrer entre franqueadores e franqueados com relação a quais das partes deverá ser responsável pelo pagamento dos impostos.

A controvérsia sobre o pagamento do ISS sobre os contratos de franquia é uma questão ainda não resolvida. A Lei Complementar n.º 116/200384 contem uma lista dos serviços sujeitos ao ISS e menciona os contratos de franquia. No Recurso Extraordinário RE n.º 603.136/R, foi conferida repercussão geral do tema sinalizando a relevância do assunto.85

No entendimento do Ministro Gilmar Mendes, conforme disposto em seu voto favorável à repercussão geral neste caso específico, constata-se que “a lista anexa da Lei Complementar n.º 116, no item 10.04, prevê a incidência de ISS sobre contratos de franquia. Desse modo, o afastamento da incidência do ISS sobre

82. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 18ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 70024534737, Rel. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, j. 06.06.2008. 83. As contribuições, que só podem ser estabelecidas pelo Governo Federal, são os impostos cujas receitas são alocadas para propósitos específicos ao invés de serem desfinadas para o “fundo geral.” Isso porque a receita do fundo geral é constitucionalmente sujeita a certas destinações (por exemplo: educação, saúde, divisão de receitas com os governos estaduais e municipais), sendo que a criação de contribuições dá ao Governo Federal maior poder discricionário de compra. 84. A lei complementar é uma lei que dispõe sobre disposições constitucionais. 85. A Repercussão Geral é um instrumento processual cujo objetivo é viabilizar que o STF selecione os recursos extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. A utilização desse instrumento tem por objetivo precípuo a redução do número de processos submetidos a análise do STF. Assim, declarada a repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos.

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referidos contratos pressupõe a declaração de inconstitucionalidade dessa previsão.”86

O principal argumento do Recurso Extraordinário é de que a incidência do imposto sobre os contratos de franquia violam a matriz constitucional, na qual está prevista a incidência do imposto sobre contratos de prestação de serviço, envolvendo somente uma obrigação do prestador fazer algo (obrigação de fazer), em vez de envolver uma obrigação de dar.

De acordo com essa posição, os contratos de franquia são contratos híbridos e complexos, englobando as obrigações de dar e obrigações de fazer, sendo que o objetivo principal não é o de prestar um serviço, conforme disposto no artigo 2º da Lei de Franquia. O Ministro Marco Aurélio se manifesta no sentindo de que a referida matéria deve ser julgada sobre o crivo da repercussão geral, tendo em vista sua relevância econômica e social, a ser verificado “se a incidência do ISS nestes contratos atende, ou não, ao figurino constitucional do tributo, cabendo a palavra final ao STF.”87 Tendo em vista que esse é um assunto controverso, que foi submetido ao instituto da repercussão geral, apenas após a decisão do STF é que será possível confirmar a incidência ou não do ISS nos contratos de franquia.

L. Relações Trabalhistas Duas questões relevantes podem surgir com relação às

relações trabalhistas nos contratos de franquia: (i) existência de responsabilidade do franqueador (responsabilidade solidária ou residual) por não cumprimento das obrigações trabalhistas pelo franqueado; e (ii) existência de uma relação de trabalho entre franqueado e a o franqueador.

Segundo o artigo 2º da Lei de Franquia, a relação de franquia não caracteriza vínculo empregatício. No entanto, a Lei Consolidada do Trabalho (“CLT”) estabelece uma série de características das relações de trabalho, entre eles, a subordinação, que pode ser detectada quando um empregador tem o empregado sob o seu comando e controle e quando o empregado estiver sujeito às instruções do empregador. Em suma, a subordinação implica na submissão do empregado às normas e instruções do empregador, como o lugar, forma e tempo para realização de determinada atividade. Os tribunais do trabalho tipicamente aplicam o princípio de que a situação de fato prevalece sobre qualquer documento formal, permitindo encontrar a existência de uma relação de trabalho, mesmo se houver uma prestação de serviços ou outro

86. Voto favorável proferido pelo Ministro do STF, Gilmar Mendes, quando conferiu repercussão geral ao Recurso Extraordinário nº 603.136/RJ, j. 09/02/2010. 87. Voto Favorável do Ministro do STF Marco Aurélio quando conferiu repercussão geral ao Recurso Extraordinário 603.136/RJ j. 09.02.2010.

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acordo entre pessoa física e jurídica que renuncia esse vínculo. A relação entre o franqueador e o franqueado é, em regra, meramente contratual, sem qualquer subordinação. No entanto, é possível reconhecer o vínculo empregatício dependendo do caso específico e os elementos que denotam a relação de subordinação entre franqueador e franqueado. Outro princípio da jurisprudência do direito do trabalho é a responsabilidade solidária pelas obrigações trabalhistas de todas as empresas de um grupo empresarial, bem como a responsabilidade residual do contratante pelas obrigações trabalhistas de pessoal das empresas terceirizadas. Como se vê, a relação de franquia permite que o franqueado explore livremente a marca, a imagem e os produtos e/ou serviços do franqueador, desde que com uma padronização de procedimentos, para adaptar a identidade visual e outros aspectos do negócio, para que, perante o público em geral, o franqueador e o franqueado sejam basicamente a mesma pessoa. Embora o franqueado seja pessoa distinta do franqueador e possua total independência na gestão de seu negócio, ele explora a marca e os produtos deste como se fossem seus. E, por outro lado, há um controle rigoroso do franqueador na uniformização dos sistemas para que o negócio de franquia seja único.

Esta realidade é amplamente reconhecida em sede doutrinária, como se percebe da valiosa lição de Tiziane Machado, advogada tributarista especializada em franquia, que reconhece que “o franqueador exercerá um poder de gerência e controle externo sobre o franqueado,”88 sem que isto importe em subordinação jurídica. A autora elucida, ainda, que:

“Diferentemente do conceito de subordinação existente entre empresas de um mesmo grupo econômico, no contrato de franchising há uma mera coligação cooperativa e um controle externo para garantir a manutenção da qualidade da marca ou patente que o franqueado passou a ter direito a usar. Esse controle do franqueador é feito sem interferência no poder de gerência e administração interna do franqueado, que continua com amplo poder para tomar decisões sobre sua empresa, sendo, portanto, tal ingerência insuficiente para caracterização do grupo econômico.” Negritou-se. Nossos tribunais já se depararam com diversas questões

envolvendo o pleito de vínculo de emprego dos franqueados perante o franqueador e foram detectadas diversas decisões não reconhecendo tal vínculo, conforme extratos das decisões abaixo.

Em decisão do Tribunal Regional do Trabalho alegando a responsabilidade do franqueador pelos débitos do franqueado, 88. MACHADO, Tiziane (org.), Manual Jurídico para Franqueadores e Franqueados. São Paulo: Editora Aleph, 2006, p. 40.

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ratificou-se que “o fato de a empresa franqueadora estabelecer uma série de exigências e de padronizar os produtos e forma de comercialização são características naturais do franchising, pois não pode a franqueadora deixar seu nome, seu maior patrimônio, ser exposto de qualquer forma. Qualquer falha na comercialização ou na qualidade do produto importa em prejuízos para a marca, isto é, eventual insatisfação do cliente não será dirigida ao estabelecimento comercial específico, mas sim à marca objeto do contrato de franchising. Portanto, o rigoroso controle da franqueadora sobre a franqueada, única forma de manter valorizado seu nome (como já dito, seu maior patrimônio), não torna aquela tomadora de serviços e esta prestadora de serviços, de modo a reconhecer-se a responsabilidade subsidiária da primeira por possíveis débitos trabalhistas da segunda.” Foi declarada, assim, inexistente qualquer responsabilidade trabalhista da franqueadora para satisfação dos eventuais créditos trabalhistas dos empregados da franqueada.89

Em outro caso, foi decidido que “[o] contrato de franquia, regido pela Lei n. 8.955/94, não é figura jurídica capaz de atrair a responsabilidade solidária/subsidiária da franqueadora, que não tem qualquer responsabilidade pelos débitos trabalhistas da franqueada. O contrato de franquia não é modalidade de trabalho terceirizado, sendo inaplicável o critério de responsabilização apreendido da ordem jurídica pelo inciso IV do Enunciado90 n. 331 do TST.”91 Em decisão do Recurso ordinário, também se constatou que seja a relação comercial mantida entre as partes de representação, sujeita à Lei 4.885/95, de compra e venda mercantil com consignação, prevista no Código Civil brasileiro, ou de franquia, objeto da Lei 8.955/94, não contêm em si os elementos da relação de trabalho subordinado, objeto do art. 3º da CLT.92

No entanto, independente do exposto, há casos em que se verifica que a situação fática prevalece sobre os elementos formais. A título exemplificativo, em Recurso de Revista,93 do TST, foi entendido que “nos termos postos no acórdão regional, a reclamante não era, de fato, franqueada ou corretora de seguros autônoma, porquanto presentes os elementos da relação de

89. TRT-RO-5059/00 - 5ª T. - Rel. Juiz Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto - Publ. MG. 09.09.00. 90. Um enunciado é uma posição consolidada sobre determinado tema a partir um tribunal superior. 91. TRT-RO-4148/01 - 5ª T. - Rel. Juiz Ricardo Antônio Mohallem - Publ. MG. 26.05.01. 92. TRT, 5ª Região, 3ª Turma, RO 0017200-53.2006.5.05.0193, Relatora Yara Trindade, j. em 02.10.2007, DJ 15.10.2007. 93. Recurso de revista é um recurso apresentado ao Tribunal Superior de trabalho (TST).

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emprego, especialmente a subordinação.”94 Nesse caso, o vínculo empregatício entre franqueada e franqueador foi reconhecido. Em outro caso, envolvendo pagamento de quantias do franqueador ao franqueado95, foi decidido pela responsabilidade solidária do franqueador, em virtude de pagamentos efetuados diretamente pelo franqueador ao franqueado para auxiliá-los em suas obrigações.96

M. Validade dos Contratos de Franquia A Lei de franquia, em seu artigo 6º, prevê que o contrato de

franquia deve ser sempre escrito e assinado na presença de 2 (duas) testemunhas e terá validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público.97 No entanto, esta validade diz respeito aos efeitos entre as partes e não perante terceiros. Apesar de a lei reconhecer a validade do contrato de franquia na presença de duas testemunhas, em caso envolvendo VF do Brasil Ltda. (franqueador) e Ipanema Rio Boutique Ltda.,98 o tribunal de segunda instância reconheceu a validade de um contrato verbal de franquia e decidiu que a ausência de um contrato escrito não evitou a formalização da relação entre as partes.

IV. CONCLUSÃO Com o aumento das franquias no Brasil, pode-se notar que

também surgiram diversos litígios sobre variados assuntos relacionados ao tema. Algumas disputas não poderiam ser evitadas, sendo que a jurisprudência, nesses casos, é uma 94. TST, 3ª Turma, RR - 2663000-80.2007.5.09.0029, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, j. em 20.10.2010, DJ: 28.10.2010. 95. TRT/ 3ª região, 8ª Turma, RO 01499-2005-013-03-00-5, Relator Olívia Figueiredo Pinto Coelho, j. em 26.07.2006, DJ 05.08.2006. 96. Segundo acórdão, “o contrato de franquia reúne a utilização de toda a estrutura necessária aos aspectos comerciais da expansão da marca e dos nomes que individualizam e identificam uma empresa, um produto ou uma linha de produtos, inexistindo subordinação jurídica entre franqueador e franqueado, pagando este os royalties pelo uso das informações e conhecimentos, detidos por aquele. Com efeito, as obrigações trabalhistas assumidas pelo franqueado não são transferidas para o franqueador, no caso de, por qualquer motivo, ficar o primeiro impossibilitado de quitá-las. Contudo, pagando o franqueador à franqueada, mensalmente, uma receita destinada a cobrir as despesas do empreendimento desta, inclusive quanto ao pagamento de pessoal e ‘pró-labore’ dos sócios, fica descaracterizado o contato de franquia, já que o franqueador passa atuar como proprietário do negócio, arcando com os seus custos operacionais e assim, assumido os riscos da atividade empresarial da franqueada, sendo necessário reconhecer a existência de solidariedade entre as empresas para efeito da relação de emprego, com fundamento no parágrafo 2º., do artigo 2º, da CLT.” 97. Art. 6º: O contrato de franquia deve ser sempre escrito e assinado na presença de 2 (duas) testemunhas e terá validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público. 98. Tribunal de Justiça de Pernambuco, Apelação Cível 2196274 PE, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Adalberto de Oliveira Melo, julgado em 05/02/2013.

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ferramenta útil para os litigantes entenderem os pontos e fatos principais a serem levados em consideração quando da reivindicação e defesa de seus pleitos. Muitas outras disputas, no entanto, podem ser evitadas por meio de um cuidadoso entendimento das típicas discussões em debate envolvendo os contratos de franquia e parcerias no Brasil, bem como por meio da elaboração de uma circular de oferta de franquia e um contrato de franquia que contenham clara e completa definição dos mútuos direitos e obrigações das partes. Particularmente com relação aos diferentes tipos de disputas que franqueadores e franqueados se deparam no Brasil, os franqueadores, titulares de marcas e investidores, entre outros, poderiam ser beneficiados se pudessem se adiantar e já prever, dentro do possível, todos os pontos relevantes na circular de oferta e no contrato de franquia, no sentido de evitar desnecessários litígios futuros.