Psicologia_Evolução Possível ao Homem_PD Ouspensky

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  • 8/6/2019 Psicologia_Evoluo Possvel ao Homem_PD Ouspensky

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    P. D. OUSPENSKY

    PSICOLOGIA DA EVOLUOPOSSVEL AO HOMEM

    Sntese notvel, atualssima,da cincia do desenvolvimento espiritual

    atravs da conscincia.

    Editora Pensamento

    Ttulo do original francs:

    LHomme et Son volution Possible

    Ttulo do original ingls:The Psychology of Mans Possible Evolution

    TraduoEleonora Leito , com a colaborao de membrosda Sociedade para o Estudo e Pesquisa do Homem

    Instituto Gurdjieff. ( Caixa Postal 1571, Rio de Janeiro)

    Digitao

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    Roxanne Lucy

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    SUMRIO

    Introduo 2

    PRIMEIRA CONFERNCIA 4

    SEGUNDA CONFERNCIA 17

    TERCEIRA CONFERNCIA 29

    QUARTA CONFERNCIA 37

    QUINTA CONFERNCIA 46

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    INTRODUO

    Durante anos recebi numerosas cartas de meus leitores. Todosperguntavam-me o que t inha fe i to depois de escrever meus l ivros ,

    publ icados em ingls em 1920 e 1931, mas redigidos desde 1910 e1912.Nunca podia responder a essas cartas. S para tentar faz-lo,

    necessitaria de l ivros inteiros. Porm, quando meus correspondentesmoravam em Londres, onde me instalara em 1921, organizava, emsua inteno, ciclos de conferncias, nas quais tentava responder ssuas perguntas. Expl icava-lhes o que descobrira depois de haveresc ri to meus do is l iv ros e em que d ireo se engajara o meutrabalho.

    Em 1934 escrevi c inco conferncias prel iminares que davamuma idia geral do objeto de meus estudos, bem como das l inhas de

    trabalho que seguia comigo determinado nmero de pessoas. Reunirtudo isso numa nica confernc ia e mesmo em duas ou t rs eratotalmente impossvel; por isso, advertia sempre ser inti l assistir auma ou duas conferncias, mas serem necessrias no mnimo cinco,ou talvez dez, para se ter uma idia da orientao do meu trabalho.Essas conferncias cont inuaram desde ento e, durante todo esseperodo, corrigi-as e reescrevi-as vrias vezes.

    No conjunto, achei essa organizao geral satisfatria. Liam-secinco conferncias, estando eu presente, ou ento ausente.

    Os ouvintes podiam fazer perguntas e, se tentavam seguir osconselhos e indicaes que lhes eram dados e que diziam respeitosob re tudo observao de s i e a cer ta d iscipl ina inter io r ,adquiriam rapidamente, pela prtica, uma compreenso mais do quesuficiente do que eu fazia.

    claro que sempre reconheci no serem cinco conferncias obas tante e , nas conve rsaes seguintes , retomava os dadosprel iminares para desenvolv-los, tentando fazer ver aos ouvintessua prpria posio diante do novo conhecimento .

    Tornou-se evidente para mim que, para muitos dentre eles, aprincipal dificuldade era dar-se conta de que tinham realmente ouvidocoisas novas, quer dizer, coisas que nunca tinham ouvido antes.

    Sem confess- lo a s i mesmos, tentavam sempre negar empensamento a novidade do que t inham ouv ido e esforavam-se,qualquer que fosse o assunto, em retraduzir tudo em sua l inguagemhabitual. Naturalmente, no podia levar isso em conta.

    Sei que no fc i l reconhecer que estamos ouv indo coisasnovas . Estamos de tal maneira habituados s velhas cant igas, aosvelhos refres, que h muito deixamos de esperar, deixamos at decrer que possa existir alguma coisa nova.

    E, quando ouv imos formular id ias novas, tomamo-las porvelhas idias ou pensamos que podem ser explicadas ouinterpretadas com o auxl io de velhas idias. De fato, tarefa rdua

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    compreender a possibi l idade e a necessidade de idias realmentenovas; isso requer tempo e reviso de todos os valores correntes.

    No posso assegurar que, desde o in c io, encontraro aquiid ias novas, is to , id ias das quais nunca tenham ouv ido fa lar .Mas, se t iverem pacincia, no tardaro a not-las, e desejo-lhes,

    ento, que no as deixem escapar e cuidem para no interpret-lasda velha maneira.

    Nova Iorque, 1945.

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    PRIMEIRA CONFERNCIA

    Vou falar do estudo da psicologia, mas devo preveni-los de quea psico logia a que me ref iro mu ito d iferen te do que possamconhecer por esse nome.

    Antes de tudo, devo dizer que nunca, no curso da histr ia, apsicologia se encontrou em nvel to baixo . Perdeu todo contato comsua origem e todo o seu sentido , a tal ponto que hoje difci l definiro termo psicologia, isto , precisar o que a psicologia e o que elaestuda. E isto, apesar de, no curso da histr ia, jamais se ter v isto

    tantas teorias psicolgicas nem tantos livros sobre psicologia.A ps ico log ia , s vezes, chamada uma c inc ia nova. Nada

    mais falso. Ela , talvez, a cincia mais antiga ; infelizmente, em seusaspectos essenciais, uma cincia esquecida.

    Como def in ir a psicologia? Para compreender isso, precisodar-se conta de que, exceto nos tempos modernos, a ps icologia jamais existiu com seu prprio nome. Por vrios motivos, sempre foisuspeita de apresentar tendncias falsas e subversivas, de carterrel ig ioso , pol t ico ou moral , e sempre teve que se ocu ltar sobdiferentes disfarces.

    Durante milnios, a psicologia existiu com o nome de fi losofia.Na ndia, todas as formas de Ioga , que so essencialmentepsicologia, so descritas como um dos seis sistemas de fi losofia. Osensinamentos sufis, que so, antes de tudo, de ordem psicolgica,so cons iderados em parte re lig iosos, em parte metafsicos. NaEuropa, a t pouco tampo atrs, nos l t imos anos do sculo XIX,muitas obras de psicologia eram citadas como obras de f i losofia. Eembora quase todas as subdivises da filosofia, tais como a lgica, ateoria do conhecimento, a tica e a esttica, refiram-se ao trabalhodo pensamento humano ou ao dos sen tidos, considerava-se apsicologia inferior f i losofia e relacionada somente com os aspectos

    mais baixos ou mais triviais da natureza humana.Ao mesmo tempo que subs is t ia com o nome de f i loso f ia , apsicologia permaneceu por mais tempo ainda associada a uma ououtra re l ig io. Isso no s ign i f ica que re l ig io e ps ico log ia jamaistenham s ido uma nica e mesma coisa, nem que a re lao entrere l ig io e ps ico log ia tenha s ido sempre reconhec ida. Mas no hdvida de que quase todas as religies conhecidas evidentementeno falo das pseudo-rel ig ies modernas desenvolveram esta ouaquela espcie de ensinamento psicolgico, acompanhado, muitasvezes, de certa prt ica, de modo que freqentemente o estudo dareligio comportava, j por si mesmo, o da psicologia.

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    Na l i teratura re lig iosa mais or todoxa de d iferentes pases ediversas pocas encontram-se excelentes obras sobre psicologia. Porexemplo , esta compilao de autores que datam dos prime irostempos do c ri st ianismo e que se conhece pe lo t tulo geral dePhilokalia , l ivros que ainda hoje esto em uso na igreja oriental, onde

    so reservados principalmente para a instruo dos monges.No tempo em que a ps ico log ia estava l igada f i losof ia e rel ig io, ela exist ia tambm sob a forma de Arte. Poesia, Tragdia,Escultura, Dana, a prpria Arquitetura, eram meios de transmissodo conhecimento psicolgico. Certas catedrais gticas, por exemplo,eram essencialmente tratados de psicologia.

    Na ant iguidade , antes que a f il osof ia , a rel ig io e a a rteadotassem as formas independentes sob as quais as conhecemoshoje, a psicologia encontrava sua expresso nos Mistrios, tais comoos do Egito e da Grcia antiga.

    Mais tarde, desaparecidos os Mistrios, a psicologia sobreviveu

    a eles sob a forma de ensinamentos s imbl icos, que ora seencontravam l igados rel ig io da poca, o ra no, tais como aAst ro logia, a A lquimia, a Mag ia e , ent re os mais modernos, aMaonaria, o Ocultismo e a Teosofia.

    Aqui i nd ispensve l obse rvar que todos os s is temas edoutrinas psicolgicos, tanto os que existiram ou existemabe rta me nte, como aqueles qu e pe rma ne ceram ocul tos o udisfarados, podem dividir-se em duas categorias principais.

    Prime ira: as doutr inas que estudam o homem t al com o oencon tram ou tal como o supem ou imaginam. A ps ico logiacientf ica moderna, ou o que se conhece por esse nome, pertence aessa categoria.

    Segunda: as doutrinas que estudam o homem no do ponto devista do que ele ou parece ser, mas do ponto de vista do que elepode chegar a ser , ou se ja , do ponto de v is ta de sua evoluopossvel.

    Estas l t imas so, na realidade, as doutr inas originais ou, emtodo caso, as mais antigas e as nicas que podem fazer compreendera origem esquecida da psicologia e sua significao.

    Quanto t ivermos reconhecido como importante, no estudo do

    homem, o ponto de vista de sua evo luo possve l ,compreenderemos que a p rime ira resposta pergunta: o que psicologia? deveria ser: psicologia o estudo dos princpios, leis efatos relativos evoluo possvel do homem.

    Nestas confernc ias, co locar-me-ei exc lus ivamente em ta lpon to de v is ta . Nossa prime ira pergunta ser: o que s igni fi ca aevoluo do homem? E a segunda: ela exige condies especiais?

    Devo d izer , antes de tudo, que no poder amos ace itar asconcepes modernas sobre a or igem do homem e sua evoluopassada. Devemos dar-nos conta de que nada sabemos sobre essa

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    or igem e de que carecemos de qualquer prova de uma evoluofsica ou mental do homem.

    Muito ao contrrio, se tomarmos a humanidade histrica, isto ,a dos dez ou quinze mi l l t imos anos, podemos encontrar s ina isinconfundveis de um t ipo superior de humanidade, cuja presena

    pode ser demonstrada por mltiplos testemunhos e monumentos daantiguidade, os quais os homens atuais seriam incapazes de recriarou imitar.

    Quanto ao homem pr-h is t rico, ou a essas c riaturas deaspecto semelhante ao homem e, todavia, to diferentes dele, cujosossos se encontram, s vezes, em depsitos do perodo glacial oupr-glacial , podemos aceitar a idia muito plausvel de que essasossadas pertenciam a um ser bem distinto do homem, desaparecidoh muito tempo.

    Ao negar a evoluo passada do homem, devemos recusar-lhetoda possibil idade de uma evoluo mecnica futura , is to , de uma

    evoluo que se operaria por si s, segundo as leis dahereditariedade e da seleo, sem esforos conscientes por parte dohomem e sem que este tenha compreendido sequer a possibil idadede sua evoluo.

    Nossa id ia fundamen tal a de que o homem, tal qua l oconhecemos, no um ser acabado . A natureza o desenvolve atcer to ponto e logo o abandona. , deixando-o p rossegui r em seudesenvolvimento por seus prprios esforos e sua prpria iniciativa,ou viver e morrer ta l como nasceu, ou, ainda, degenerar e perder acapacidade de desenvolvimento.

    No primeiro caso, a evoluo do homem signif icar odesenvolvimento de certas qualidades e caractersticas interiores quehabitualmente permanecem embrionrias e que no podem sedesenvolver por si mesmas.

    A experincia e a observao mostram que essedesenvolvimento s possve l em condies bem def inidas, queexige esforos especiais por parte do prprio homem, e uma ajudasuficiente por parte daqueles que, antes de le, empreenderam umtrabalho da mesma ordem e chegaram a um certo grau dedesenvolvimento ou, pelo menos, a um certo conhec imento dosmtodos.

    Devemos part i r da id ia de que sem esforos a evoluo impossvel e de que, sem ajuda, igualmente impossvel.Depois d isso , devemos compreender que, no caminho do

    desenvo lv imento , o homem deve tornar-se um ser d i ferente edevemos estudar e conceber de que modo e em que direo deve ohomem converter-se num ser diferente, isto , o que signif ica um serdiferente.

    Depois , devemos compreender que nem todos os homenspodem desenvolver-se e tornar-se seres di ferentes. A evoluo questo de esforos pessoais e, em relao massa da humanidade,continua a ser exceo rara. Isso talvez possa parecer estranho, mas

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    devemos dar -nos con ta no s de que a evo luo rara, mastambm que se torna cada vez mais rara .

    Isso, naturalmente, provoca numerosas perguntas:Que signif ica esta frase: No caminho da evoluo o homem

    deve tornar-se um ser diferente?

    O que quer dizer um ser diferente?Quais so essas qualidades e caracterst icas inter iores quepodem ser desenvolvidas no homem e como chegar at elas?

    Por que nem todos os homens podem desenvolver-se e tornar-se seres diferentes? Por que semelhante injustia?

    Tentarei responder a essas perguntas, comeando pela ltima.Por que nem todos os homens podem desenvolver-se e tornar-

    se seres diferentes?A resposta mui to s imples. Porque no o desejam . Porque

    nada sabem a respeito e ainda que se lhes diga, no o

    compreendero antes de uma longa preparao.A id ia essenc ia l que, para tornar-se um ser d i ferente, o

    homem deve desej-lo intensamente e por muito tempo. Um desejopassageiro ou vago, nascido de uma insatisfao no que diz respeitos condies exteriores, no criar um impulso suficiente.

    A evoluo do homem depende de sua compreenso do quepode adquirir e do que deve dar para isso.

    Se o homem no o desejar , ou no o desejar com bastanteintensidade e no fizer os esforos necessrios, jamais sedesenvolver. No h, pois, injustia alguma nisso. Por que haveriade ter o homem o que no deseja? Se o homem fosse forado atornar-se um ser di ferente, quando est sat isfei to com o que , asim, haveria injustia.

    Perguntemo-nos, agora, o que s ignif ica um ser d i ferente. Seexamina rmos todos os dados que podemos reuni r sob re essaquesto, encontraremos sempre a afirmao de que, ao tornar-se umser di ferente, o homem adquire numerosas qual idades novas queantes no possua. Essa af irmao comum a todas as doutr inasque admitem a idia de um crescimento interior do homem.

    Isso, porm, no bas ta . As descr ies, a inda que as mais

    detalhadas, desses novos poderes no nos ajudaro de modo alguma compreender como aparecem nem de onde vm.Fal ta um e lo nas teo rias ge ra lmente admi ti das, mesmo

    naque las de que acabo de fa la r e que tm por base a id ia dapossibilidade de uma evoluo do homem.

    A verdade que antes de adquir i r novas faculdades ou novospoderes , que no conhece e a inda no possu i, o homem deveadquir i r faculdades e poderes que tampouco possui, m a s q u e s eatr ibui, is to , que cr conhecer e cr ser capaz de usar e de usarat com maestria.

    Esse o elo que falta, e a est o ponto de maior importncia .

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    No caminho da evoluo, def in ido como um caminho baseadono esforo e na ajuda, o homem deve adquirir qualidades que cr jpossuir, mas sobre as quais se ilude.

    Para compreender isso melhor, para saber que faculdadesnovas, que poderes insuspeitados pode o homem adquirir e quais so

    aqueles que imagina possuir, devemos part i r da idia geral que ohomem tem de si mesmo.E encontramo-nos, de imediato, ante um fato importante.O homem no se conhece.No conhece nem os prprios l imites, nem suas possibil idades.

    No conhece sequer at que ponto no se conhece.O homem inventou numerosas mquinas e sabe que, s vezes,

    so necessrios anos de srios estudos para poder servir-se de umamquina complicada ou para control-la. Mas, quando se trata de simesmo, e le esquece esse fato, a inda que e le p rpr io seja umamquina muito mais complicada do que todas aquelas que inventou.

    Est cheio de idias falsas sobre si mesmo.Antes de tudo, no se d conta de que ele realmente uma

    mquina .O que quer dizer: O homem uma mquina?Que r di zer que n o tem movimentos independentes, seja

    interior, seja exteriormente. uma mquina posta em movimento pori nf luncias exter io res e choques exter io res. Todos os seusmov imen to s, ae s, pa lavras, id ia s, e mo e s, humores epensamentos so provocados por inf luncias exter io res. Por s imes mo, to-so men te u m au t ma to co m cer ta provi so delembranas de experincias anteriores e certo potencial de energiaem reserva.

    Devemos compreender que o homem no pode fazer nada.O ho me m, porm n o s e aperce be di sso e se a tri bui a

    capacidade de fazer. o primeiro dos falsos poderes que se arroga.Isso deve ser compreendido com toda a clareza. O homem no

    pode fazer nada. Tudo o que cr fazer, na realidade, acontece . Issoacontece exatamente como chove, neva ou venta.

    Infel izmente, no h em nosso id ioma verbos impessoais quepossam ser aplicados aos atos humanos. Devemos, pois, continuar ad izer que o homem pensa, l , escreve, ama, detesta, empreende

    guerras, combate, etc. Na realidade, tudo isso acontece .O homem no pode pensar, fa lar nem mover-se como quer. uma mar ionete, puxada para c e para l por f ios inv is ve is . Secompreender isso, poder aprender mais coisas sobre s i mesmo etalvez, ento, tudo comece a mudar para ele.

    Mas , se no puder admit ir nem compreender sua profundamecanicidade , ou no quiser acei t- la como um fato, no poderaprender mais nada e as coisas no podero mudar para ele.

    O homem uma mquina , mas uma mquina muito s ingular.Pois, se as c ircunstncias se prestarem a isso, e se bem dir ig ida,

    essa mquina poder saber que uma mquina. E se der-se conta

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    disso plenamente, ela poder encontrar os meios para deixar de sermquina.

    Antes de tudo, o homem deve saber que e le no um, masmltiplo. No tem um Eu nico , permanente e imu tve l. Mudacontinuamente. Num momento uma pessoa, no momento seguinte

    outra, pouco depois uma terceira e sempre assim, quaseindefinidamente.O que cria no homem a i luso da prpria unidade ou da prpria

    integral idade , por um lado, a sensao que ele tem de seu corpofs ico; por outro, seu nome , que em gera l no muda e, por l t imo,certo nmero de hbitos mecnicos implantados nele pela educaoou adquir idos por imitao. Tendo sempre as mesmas sensaesf si cas, o uvi ndo sempre ser ch amado pelo mesmo nome e,encontrando em s i hbitos e inc l inaes que sempre conheceu,imagina permanecer o mesmo.

    Na rea l idade no ex is te un idade no homem, no ex is te um

    centro nico de comando, nem um Eu, ou ego, permanente.

    Eis aqui um esquema geral do homem:

    Cada pensamento, cada sent imento, cada sensao, cadadesejo, cada eu gosto ou eu no gosto, um eu. Esses eusno esto l igados entre si, nem coordenados de modo algum. Cadaum deles depende das mudanas de circunstncias exteriores e dasmudanas de impresses.

    Tal eu desencadeia mecanicamente toda uma srie de outroseus. Alguns andam sempre em companhia de outros. No existe a,porm, nem ordem nem sistema.

    Algun s grupos de eu s t m vnculos naturai s en tre si .Falaremos desses grupos mais adiante. Por enquanto, devemostratar de compreender que as l igaes de certos grupos de eusconst i tuem-se unicamente de associaes acidentais, recordaesfortuitas ou semelhanas complementares imaginrias.

    Cada um desses eus no representa, em dado momento, maisque uma nfima parte de nossas funes, porm cada um deles crrepresentaro todo. Quando o homem diz eu, tem-se a impresso deque fala de si em sua totalidade, mas, na realidade, mesmo quandocr que isso assim, s um pensamento passageiro, um humorpassageiro ou um desejo passageiro. Uma hora mais tarde, pode t-lo esquecido completamente e expressar, com a mesma convico,

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    opinio, ponto de vista ou interesses opostos. O pior que o homemno se lembra disso. Na maioria dos casos, d crdito ao lt imo euque falou, enquanto este permanece, ou seja, enquanto um novo eu s vezes sem conexo alguma com o precedente ainda no tenhaexpressado com mais fora sua opinio ou seu desejo.

    E agora, voltemos s outras perguntas.O que se deve entender por desenvolv imento? E o que quer

    d izer tornar-se um ser d iferen te? Em out ras palav ras, qua l aespcie de mudana possvel ao homem? Quando e como se iniciaessa mudana?

    J d issemos que a mudana deve comear pela aqu is iodesses poderes e capacidades que o homem se atribui, mas que, narealidade, no possui.

    Isso s ignif ica que, antes de adquir i r qualquer poder novo ouqua lquer capac idade nova, o homem deve desenvo lver nele as

    qualidades que cr possu i r e sobre as qua is e le c r ia para s i asmaiores iluses.

    O desenvolvimento no pode se basear na mentira a si mesmo,nem no enganar-se a si mesmo. O homem deve saber o que seu eo que no seu. Deve dar-se conta de que no possui as qualidadesque se atribui: a capacidade de fazer, a individualidade ou a unidade,o Ego permanente, bem como a conscincia e a vontade .

    E necess rio que o homem saiba d isso , pois enquantoimaginar possuir essas qualidades, no far os esforos necessriospara adquir i - las, da mesma maneira que um homem no comprarobjetos preciosos, nem estar disposto a pagar um preo elevado poreles, se acreditar que j os possui.

    A mais importante e a mais enganosa dessas qual idades aconscincia . E a mudana no homem comea por uma mudana emsua mane ira de compreender a s ign i ficao da consc inc ia econtinua com a aquisio gradual de um domnio da conscincia.

    O que a conscincia?Na l inguagem comum, a palavra conscincia quase sempre

    empregada como equivalente da palavra inteligncia, no sentido deatividade mental.

    Na real idade, a conscincia no homem uma espcie muitoparticular de tomada de conhecimento interior independente de suaat iv idade menta l antes de tudo, tomada de conscincia de s i mesmo, conhec imento de quem e le , de onde est e, a segu i r ,conhecimento do que sabe, do que no sabe, e assim por diante.

    S a prpria pessoa capaz de saber se est consciente ouno em dado momento. Certa corrente de pensamento da psicologiaeuropia provou, a l is , h mui to tempo, que s o prpr io homempode conhecer certas coisas sobre si mesmo.

    S o prprio homem, pois, capaz de saber se a suaconscincia existe ou no, em dado momento. Assim, a presena ou

    a ausnc ia de consc inc ia no homem no pode ser provada pela

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    observao de seus atos exteriores. Como acabo de dizer, esse fatofoi estabelecido h muito, mas nunca se compreendeu realmente suaimpor tnc ia , porque essa id ia sempre esteve l igada a umacompreenso da conscincia como atividade ou processo mental.

    O homem pode dar-se conta, por um instante, de que, antes

    desse mesmo instante, no estava consciente; depois, esqueceressa experincia e, ainda que a recorde, isso no ser a conscincia.Ser apenas a lembrana de uma forte experincia.

    Quero, agora, chamar-lhes a ateno para outro fato perdido devista por todas as escolas modernas de psicologia.

    o fato de que a conscincia no homem jamais permanente,se ja qual for o modo como encarada. E la est presente ou estausente . Os momentos de consc inc ia mais e levados c riam amemria . Os outros momentos, o homem simplesmente os esquece. justamente isso que lhe d, mais que qualquer outra coisa, a iluso

    de conscincia contnua ou de percepo de si contnua.Algumas modernas escolas de psicologia negam inteiramente a

    conscincia, negam at a ut i l idade de tal termo; isso, porm, nopassa de paroxismos de incompreenso.

    Out ras escolas , se possve l cham-las ass im, falam dees tados de consc inc ia , quando se referem a pensamentos ,sent imentos, impulsos motores e sensaes. Tudo isso tem comobase o erro fundamental de se confundir conscincia com funespsquicas. Falaremos disso mais adiante.

    Na real idade, o pensamento moderno, na maioria dos casos,cont inua a crer que a conscincia no possui graus . A acei taogera l , a inda que tc i ta , dessa id ia , embora em contrad io comnumerosas descobertas recen tes, tornou impossve l mui tasobservaes sobre as variaes da conscincia.

    O fato que a conscincia tem graus bem visveis eobservveis, em todo caso visveis e observveis por cada um em simesmo.

    Primeiro, h o critrio da durao: quanto tempo sepermaneceu consciente?

    Segundo, o da freqncia: quantas vezes se tornou consciente?Terceiro, o da ampli tude e da penetrao: do que se estava

    consciente? Pois isso pode variar muito com o crescimento inter iordo homem.Se considerarmos apenas os dois primeiros desses trs pontos,

    poderemos compreender a id ia de uma evo luo possve l daconscincia. Essa idia est l iga a um fato essencial, perfeitamenteconhecido pelas ant igas escolas psico lgicas, tais como a dosautores da Philokalia , porm completamente ignorado pela f i losofia epela psicologia europias dos dois ou trs ltimos sculos.

    o fato de que, por meio de esforos especiais e de um estudoespecial, a pessoa pode tornar a conscincia contnua e controlvel.

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    Tentarei explicar como a conscincia pode ser estudada. Tomeum relgio e olhe o ponteiro grande, tentando manter a percepo desi mesmo e concentrar-se no pensamento eu sou Peter Ouspensky,por exemplo, eu estou aqui neste momento. Tente pensar apenasni sso , si ga simplesme nte o mo vimento do po ntei ro gran de ,

    permanecendo consc iente de s i mesmo, de seu nome, de suaexistncia e do lugar em que voc est. A faste qua lquer out ropensamento.

    Se for perseverante, poder fazer isso durante dois minutos .Tal o l imite da sua conscincia. E se tentar repet ir a experincialogo a seguir, ir ach-la mais difcil que da primeira vez.

    Essa exper incia most ra que um homem, em seu estadonormal, pode, mediante grande esforo, ser consciente de uma coisa(ele mesmo) no mximo durante dois minutos.

    A deduo mais importante que se pode tirar dessaexperinc ia, se rea l izada corretamente, que o homem no consciente de si mesmo . Sua i luso de ser consciente de si mesmo criada pela memria e pelos processos do pensamento.

    Por exemplo, um homem vai ao teatro. Se tem esse hbito, notem conscincia especial de estar ali enquanto est. E, no obstante,pode ver e observar; o espetculo pode interess-lo ou aborrecer-lhe; pode lembrar-se do espetculo, lembrar-se das pessoas comquem se encontrou, e assim por diante.

    De vol ta casa, l embra -se de have r estado no tea tro e ,naturalme nte, pensa t er estad o consci ente en quanto l seencontrava.

    De forma que no tem dvida alguma quanto sua conscinciae no se d conta de que sua consc inc ia pode estar to ta lmenteausente, mesmo quando ele ainda age de modo razovel, pensa eobserva.

    De maneira geral, o homem pode conhecer quatro estados deconscincia, que so: o sono, o estado de viglia, a conscincia de sie a conscincia objetiva.

    Mesmo tendo a possibilidade de conhecer esses quatro estadosde conscincia, o homem s vive, de fato, em dois desses estados :uma parte de sua vida transcorre no sono e a outra, no que se chamaestado de vig l ia, embora, na real idade, esse l t imo di f i ra muito

    pouco do sono.Na vida comum o homem nada sabe da conscincia objetiva eno pode ter nenhuma experincia dessa ordem. O homem se atribuio terce iro estado de consc inc ia , ou conscincia de s i , e c rpossu-lo, embora, na realidade, s seja consciente de si mesmo porlampejos, al is, muito raros; e, mesmo nesses momentos, poucop rovve l que reconhea esse es tado , dado que ignora o queimplicaria o fato de realmente possu-lo.

    Esses v is lumbres de consc incia oco rrem em momen tosexcepcionais, em momentos de per igo, em estados de intensaemoo, em c i rcunstncias e s i tuaes novas e inesperadas; ou

    tambm, s vezes, em momentos bem s imples onde nada de

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    part icu lar ocorre. Em seu estado ord inr io ou normal , porm, ohomem no te m qua lqu er con trole so bre t ai s mo me nto s deconscincia.

    Quanto nossa memria ordinria ou aos nossos momentos dememria, na realidade, ns s nos recordamos de nossos momentos

    de conscincia, embora no saibamos que isso assim.O que significa a memria no sentido tcnico da palavra todasas di ferentes espcies de memria que possumos expl ic-lo-eimais adiante. Hoje, s desejo atrair sua ateno para as observaesque tenham podido fazer a respeito de sua memria. Notaro queno se recordam das coisas sempre da mesma maneira. Algumascoisas so recordadas de forma mui to v iva, outras permanecemvagas e existem aquelas de que no se recordam em absoluto.Sabem apenas que aconteceram .

    Ficaro muito surpresos quando constatarem como se recordamde pouca coisa. E assim, porque s se recordam dos momentos emque estiveram conscientes.

    Ass im , para vol ta r a esse te rcei ro estado de consc incia,podemos dizer que o homem tem momentos fortuitos de conscinciade s i , que deixam viva lembrana das c ircunstncias em que elesocorreram. O homem, entretanto, no tem nenhum poder sobre taismomentos. Aparecem e desaparecem por si mesmos, sob a ao decondies exteriores, de associaes acidentais ou de lembranas deemoes.

    Surge esta pergunta: possvel adquir i r o domnio dessesmomentos fugazes de conscincia, evoc-los mais freqentemente,mant-los por mais tempo ou, at, torn-los permanentes?

    Em outros termos, possvel tornar-se consciente? Esse oponto essencial e preciso compreender, desde o inc io do nossoestudo, que esse ponto escapou completamente, at em teoria, atodas as escolas modernas de psicologia, sem exceo.

    De fato, por meio de mtodos adequados e esforosapropriados, o homem pode adquirir o controle da conscincia, podeto rnar-se consciente de s i mesmo, com tudo o que isso imp l ica .Entretanto, o que isso impl ica no podemos sequer imagin-lo emnosso estado atual.

    S depo is de bem compreendido esse ponto, possve l

    empreender um estudo srio da psicologia.Esse estudo deve comear pelo exame dos obs tculos consc inc ia em ns mesmos, porquanto a consc inc ia s podecomear a crescer quando pelo menos a lguns desses obstculosforem afastados.

    Nas conferncias seguintes, falarei desses obstculos. O maiordeles nossa ignorncia de ns mesmos e nossa convico i lusriade nos conhecermos, pelo menos at certo ponto, e de podermoscontar conosco mesmos, quando, na realidade, no nos conhecemosem absoluto e de modo algum podemos contar conosco, nem sequernas menores coisas.

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    Devemos compreender ago ra que psico log ia signi fi caverdadeiramente o estudo de s i . Es ta a segunda de f in i o depsicologia.

    No se pode estudar a psicologia como se estuda a astronomia,quer dizer, fora de si prprio.

    Ao mesmo tempo, uma pessoa deve estudar-se como estudariaqualquer mquina nova e compl icada. necessr io conhecer aspeas dessa mquina, suas funes principais, as condies para umtrabalho correto, as causas de um trabalho defeituoso e uma porode outras coisas difceis de descrever sem uma l inguagem especialque, a l is, ind ispensvel conhecer para f icar em condies deestudar a mquina.

    A mquina humana tem sete funes diferentes:1) O pensamento (ou o intelecto).2) O sentimento (ou as emoes).3) A funo instintiva (todo o trabalho interno do organismo).

    4) A funo motora (todo o trabalho externo do organismo, omovimento no espao, etc.).

    5) O sexo (funo dos dois pr incpios, mascul ino e feminino,em todas as suas manifestaes).

    Alm dessas cinco funes, existem duas outras para as quaisa l inguagem corrente no tem nome e que aparecem somente nosestados super io res de consc inc ia : uma, a funo emocional superior, que aparece no estado de conscincia de s i , e ou t ra , afuno intelectual superior, que aparece no estado de conscinciaobjetiva . Como no estamos nesses estados de consc inc ia, nopodemos estudar essas funes nem experiment-las; sconhecemos sua existncia de modo indireto, por meio daqueles quepassaram por essa experincia.

    Na ant iga l i teratura rel ig iosa e f i losf ica de di ferentes povos,encont ram-se m lti pl as a lus es ao s e sta do s supe ri ore s deconscincia e s funes superiores de conscincia. tanto maisd i fci l compreender essas a luses porque no fazemos nenhumad is ti no ent re os estados super io res de conscincia. O quechamamos samadhi, estado de xtase, i luminao ou, em obras maisrecentes, consc incia csmica, pode referi r -se ora a um, ora aoutro s vezes a exper inc ias de consc inc ia de s i , s vezes a

    experinc ias de conscinc ia objetiva. E, por estranho que possaparecer, temos mais mater ia l para aval iar o mais e levado dessesestados, a conscincia objet iva, do que pa ra aqu ilatar o estadointermedirio, a conscincia de s i , embora o primeiro s possa seralcanado depois desse ltimo.

    Deve o estudo de si comear pelo estudo das quatro primeirasfunes: intelectual, emocional, instintiva e motora. A funo sexuals pode ser estudada mui to mais tarde, depois de essas quatrofunes terem sido suficientemente compreendidas.

    Ao contrrio do que afirmam certas teorias modernas, a funosexual vem realmente depois das outras, quer dizer, aparece mais

    tarde na v ida, quando as quatro pr imeiras funes j se t iverem

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    manifestado plenamente: est condicionada por elas. Por conseguinte, o estudo da funo sexual ser ti l , apenas quando asquatro p rime iras funes forem conhecidas em todas as suasmanifestaes. Ao mesmo tempo, preciso compreender bem quequalquer i rregularidade ou anomalia sria na funo sexual torna

    impossvel o desenvolvimento de si e, at, o estudo de si.

    Tratemos, agora, de compreender as quatro primeiras funes.O que entendo por funo intelectual ou funo do

    pensamento , suponho que seja c la ro para vocs. Nela estocompree ndido s t odo s os processo s me ntai s: percep o deimpresses, formao de representaes e conceitos, raciocnio,comparao, afirmao, negao, formao de palavras, l inguagem,imaginao, e assim por diante.

    A segunda funo o sen timento ou as emoes : a legr ia ,tr isteza, medo, surpresa, etc. Ainda que estejam seguros de bem

    compreender como e em que as emoes diferem dos pensamentos,aconselh-los -ia a rever todas as suas id ias a esse respe ito.Confund imos pensamentos e sen timentos em nossas manei rashabituais de ver e de falar. Entretanto, para comear a estudar-se asi mesmo, necessrio estabelecer c laramente a di ferena entreeles.

    As duas funes seguintes, instintiva e motora, reter-nos-o pormais tempo, pois nenhum sistema de psicologia comum dist inguenem descreve corretamente essas duas funes.

    As palavras instinto e instintivo so empregadas geralmentenum sent ido errneo e, f reqentemente, sem sent ido a lgum. Emparticular, atribui-se ao instinto manifestaes exteriores que so, narealidade, de ordem motora e, s vezes, emocional.

    A funo instintiva, no homem, compreende quatro espcies defunes:

    1) Todo o trabalho interno do organismo, toda a f is iologia porassim dizer: a digesto e a assimilao do alimento, a respirao e ac irculao do sangue, todo o t raba lho dos rgos internos, aconstruo de novas clulas, a eliminao de detritos, o trabalho dasglndulas endcrinas, e assim por diante.

    2 ) Os cinco sen tidos , como so chamados: a vi so, a

    audio, o o l fa to , o pa ladar e o ta to ; e todos os demais , como osentido de peso, de temperatura, de secura ou de umidade, etc., ouseja, todas as sensaes indiferentes, sensaes que no so, por simesmas, nem agradveis nem desagradveis.

    3) Todas as emoes fsicas, quer dizer, todas as sensaesfsicas que so agradveis ou desagradveis ; todas as espcies dedor ou de sensaes desagradveis, por exemplo, um sabor ou umodor desagradvel, e todas as espcies de prazer f s ico, como ossabores e os odores agradveis, e assim por diante.

    4) Todos os ref lexos, at os mais complicados, ta is como oriso e o bocejo; todas as espcies de memria f s ica, ta is como a

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    memria do gosto, do olfato, da dor, que so, na realidade, reflexosinternos.

    A funo motora compreende todos os movimentos exteriores,ta is como caminhar, escrever, fa lar , comer, e as lembranas quedisso restam. funo motora pertencem tambm movimentos que a

    l inguagem corrente qual i f ica de inst int ivos, como o de aparar umobjeto que cai, sem pensar nisso.A diferena entre a funo instintiva e a funo motora muito

    clara e fci l de compreender; basta recordar que todas as funesinstintivas, sem exceo, so inatas e no necessrio aprend-laspara uti l iz-las; ao passo que nenhuma das funes de movimento inata e necessrio aprend-las todas; assim, a criana aprende anadar, aprendemos a escrever ou a desenhar.

    Alm dessas funes motoras normais, existem ainda estranhasfunes de movimento, que representam o trabalho inti l da mquinahumana, t rabalho no prev is to pe la natureza, mas que ocupa um

    vasto lugar na vida do homem e consome grande quantidade de suaenergia. So: a formao dos sonhos, a imaginao, o devaneio, ofalar consigo mesmo, o falar por falar e , de manei ra geral , asmanifestaes incontroladas e incontrolveis.

    As quatro funes intelectual, emocional, instintiva e motora devem, an tes de tudo, ser compreend idas em todas as suasmanifestaes: depois, preciso observ-las em si mesmo. Essaobservao de si, que deve ser feita a partir de dados corretos, comprvia compreenso dos estados de conscincia e das di ferentesfunes , const itui a base do estudo de s i, i sto , o i n ci o dapsicologia.

    mui to importante recordar que, enquanto observamos asdiferentes funes, cumpre observar ao mesmo tempo sua relaocom os diferentes estados de conscincia.

    Tomemos os t rs estados de consc inc ia sono, estado dev ig l ia , l ampe jos de conscincia de si e as qua tro funes :pensamento, sentimento, instinto e movimento.

    Essas quatro funes podem manifestar-se no sono, mas suasmani festaes so ento desconexas e dest itu das de qualquerfundamento. No podem ser util izadas de maneira alguma; funcionam

    automaticamente.No estado de conscincia de vigl ia ou de conscincia relativa,e las podem, at cer to ponto, serv i r para nossa or ientao. Seusresultados podem ser comparados, verif icados, retif icados e, emborapossam criar numerosas i luses, s contamos no entanto com elasem nosso estado ord inr io e devemos us- las na medida em quepodemos. Se conhecssemos a quantidade de observaes falsas, defalsas teorias, de falsas dedues e concluses feitas nesse estado,cessaramos completamente de crer em ns mesmos. Entretanto, oshomens no se do conta de quanto as suas observaes e teoriaspodem ser enganadoras e cont inuam a crer ne las. E isso o que

    impede os homens de observarem os raros momentos em que suas

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    funes se manifestam sob o efeito dos lampejos do terceiro estadode conscincia, ou seja, da conscincia de si.

    Tudo isso s ign if ica que cada uma das quatro funes podemani festar-se em cada um dos t rs estados de conscinc ia. Osresultados, todavia, diferem inteiramente..

    Quando aprendermos a observar esses resultados e a diferenaentre eles, compreenderemos a relao correta entre as funes e osestados de conscincia.

    Mas, antes de considerar as d i ferenas que apresenta umafuno segundo o estado de conscincia, preciso compreender quea consc inc ia de um homem e as funes de um homem so doisfe nmen os de orde m co mpletame nte di ferente, d e n aturezatotalmente diferentes, dependentes de causas diferentes, e que umpode existir sem o outro.

    As funes podem exist i r sem a conscincia e a conscinciapode existir sem as funes.

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    SEGUNDA CONFERNCIA

    Continuamos nosso estudo do homem por um exame maisdetalhado dos diferentes estados de conscincia.

    Como j disse, existem quatro estados de conscincia possveispara o homem: o sono, a conscincia de vigl ia, a conscincia de

    si e a conscincia objet iva; mas o homem vive apenas em doisdesses estados, em parte no sono e em parte no que s vezes sedenomina conscincia de vigl ia; como se possusse uma casa dequatro andares, mas s vivesse nos dois andares inferiores.

    O primeiro dos estados de conscincia, o mais baixo, o sono . um estado puramente subjetivo e passivo. O homem est rodeadode sonhos. Todas as suas funes psquicas trabalham sem direoalguma. No h lgica, no h continuidade, no h causa nemresul tado nos sonhos. Imagens puramente sub je tivas, ecos deexperincias passadas ou ecos de vagas percepes do momento,rudos que chegam ao adormecido, sensaes corporais ta is comoligeiras dores, sensao de tenso muscular, atravessam o espritosem deixar mais que um tnue vestgio na memria e quase sempresem deixar sinal algum.

    O segundo grau de consc inc ia aparece quando o homemdesperta. Este segundo estado, o estado no qual nos encontramosneste momen to, quer d izer , no qua l tr aba lha mos, fa lamos,imagina mo s que somos seres c ons ci entes, de nomina mo -lof reqentemente conscinc ia lc ida ou consc incia desperta ,quando na rea lidade dever ia ser chamado sono desperto ouconscincia relativa. Este ltimo termo ser explicado mais adiante.

    Aq ui pre ci so co mp reende r qu e o pr imei ro e stado deconscinc ia, o sono, no se d iss ipa quando aparece o segundoestado, is to , quando o homem desperta. O sono permanece, comtodos os seus sonhos e impresses; s que, para a pessoa, ao sonose acrescenta uma atitude crtica para com suas prpriasimpresses, pensamentos mais bem coordenados e aes maisd isc ip l inadas. E, em decorrnc ia da v ivacidade das impressessensoriais, dos desejos e dos sen timentos em par ticu la r dosentimento de contradio ou de impossibilidade , cu ja ausnc ia total no sono , os sonhos tornam-se invisveis, tal como a lua e asestrelas tornam-se invisveis claridade do sol. Porm, todos esto

    presentes e freqentemente exercem sobre o conjunto de nossos

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    pensamentos, sentimentos e aes, uma influncia cuja fora supera,s vezes, a das percepes reais do momento.

    A esse respeito devo dizer que no me ref i ro aqui ao que, napsico log ia moderna, se chama subconsciente ou pensamentosubconsciente . So s implesmente expresses errneas, termos

    equivocados que no s ignif icam nada e no se referem a nenhumfato real. Em ns, nada subconsciente de maneira permanente, jque nada em ns consciente de modo permanente, e no existepensamento subconscien te pela s imples razo de que no hpensamento consc iente . Mais tarde vero como este e rro seproduziu, como esta falsa terminologia pde aparecer e ser admitidaquase em toda parte.

    Voltemos, todavia, aos estados de conscincia que existem defato. O p rime iro o sono. O segundo o sono despe rto ouconscincia relativa.

    O primeiro, como disse, um estado puramente subjet ivo. O

    segundo menos subjet ivo; o homem j dist ingue entre o eu e ono-eu, ou seja, entre seu corpo e os objetos que di ferem de seucorpo, e pode conhecer a posio e as qualidades deles. Mas no sepoderia dizer que, nesse estado, o homem esteja desperto, visto quepermanece poderosamente influenciado pelos sonhos e, de fato, vivemais nos sonhos que na real idade. Todos os absurdos e todas ascontradies dos homens e da vida humana em geral se explicam, secompreendermos que os homens vivem no sono , agem no sono e nosabem que esto dormindo.

    t i l lembrar que ta l rea lmente a s ign i f icao in ter ior denumerosos ensinamentos antigos. O mais bem conhecido de ns oCr is t ian ismo, ou o ensinamento dos Evangelhos, o nde to da s asexplicaes da vida humana se baseiam na idia de que os homensvivem no sono e devem, antes de tudo, despertar-se; no entanto,quase nunca essa idia compreendida como deveria ser, ou seja,no presente caso, ao p da letra.

    Entretanto, toda a questo saber como um homem podedespertar.

    O ensinamento dos Evangelhos exige o despertar, mas no dizcomo despertar.

    O estudo psicolgico da conscincia mostra que somente a

    partir do momento em que o homem v que est adormecido que sepode d izer de le que est a caminho do despertar . Jamais poderdespertar-se antes de ter visto que est adormecido.

    Esses dois estados, sono e sono desperto, so os dois nicosestados em que v ive o homem. A lm deles , o homem poderconhecer dois outros estados de conscincia, mas estes s lhe soacessveis depois de dura e prolongada luta.

    Esses dois estados superiores de conscincia so denominadosconscincia de si e conscincia objetiva.

    Admite-se geralmente que possumos a conscincia de si, quesomos conscientes de ns mesmos ou, pelo menos, que podemos ser

    conscientes de ns mesmos no instante em que desejarmos; mas, na

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    realidade, a conscincia de si um estado que ns nos atribumossem o menor direito . Quanto conscincia objetiva, um estado doqual nada sabemos.

    A consc inc ia de s i um estado no qual o homem se tornaobjetivo em relao a si mesmo e a conscincia objetiva um estado

    no qual ele entra em contato com o mundo real ou objetivo, do qualest atua lmente separado pelos sent idos, pe los sonhos e pelosestados subjetivos de conscincia.

    Outra def in io dos quatro estados de conscincia pode serestabelecida de acordo com as possibil idades que eles oferecem dese conhecera verdade.

    No pr imeiro estado de conscinc ia, o sono, nada podemossaber da verdade. A inda que cheguem a t ns percepes ousentimentos reais, estes se mesclam aos sonhos; e, neste estado desono, no podemos distinguir os sonhos da realidade.

    No segundo estado de conscincia, isto , no sono desperto, spodemos conhecer uma verdade relativa de onde o termoconscincia relativa.

    No terce iro estado de consc inc ia , ou seja, no estado deconscinc ia de s i, podemos conhecer toda a verdade sobre nsmesmos .

    No quarto estado, que o estado de conscincia objetiva , ohomem se encontra em condies de conhecer toda a verdade sobretodas as coisas, pode estudar as coisas em si mesmas, o mundotal como .

    Esse estado est to longe de ns, que no podemos sequerpensa r nele de manei ra jus ta , e temos que nos esfora r por compreender que s podemos ter lampejos de conscincia objet ivano estado plenamente realizado de conscincia de si.

    No estado de sono podemos ter lampe jos de consc inc iarelat iva. No estado de conscincia relat iva podemos ter v is lumbresde conscincia de si. Mas, se quisermos ter perodos mais longos deconscincia de si, e no apenas breves clares, devemoscompreender que eles no podem surgir por si s. Exigem um ato devontade . Isso quer dizer que a freqncia e a durao dos momentosde conscincia de si dependem do poder que se tem sobre si mesmo.

    Por conseguinte, isso signif ica que conscincia e vontade so quaseuma nica e mesma coisa ou, em todo caso, aspectos de uma mesmacoisa.

    Agora, devemos compreender que o primeiro obstculo nocaminho do desenvolv imento da conscincia de s i no homem suaconvico de que j a possui ou, pelo menos, de que pode t- la noinstante em que quiser. muito di f c i l persuadir um homem de queno est consciente e de que no pode tornar-se voluntariamenteconsciente. E part icularmente di f c i l , porque aqui a natureza lheprega uma pea.

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    Perguntem a um homem se est consciente ou digam-lhe queno est consc iente, e e le responder que est per fe itamenteconsciente e que absurdo dizer que no o est, dado que os ouve eos compreende. E ter toda a razo, mas ao mesmo tempoequivocar-se- completamente. Esta a pea que a na tu reza lhe

    prega. Ter razo, porque a pergunta ou a observao o ter tornadovagamente consciente por um instante. No instante seguinte, aconscincia ter desaparecido. Mas lembrar-se- do que vocs lhedi sse ram, do que resp on de u e cer tamente acredi tar estar consciente.

    Na rea lidade, a aqu is io da consc inc ia de s i supe umtrabalho rduo e prolongado. Como poderia um homem submeter-se atal trabalho, se pensa j possuir a prpria coisa que lhe prometemcomo resultado de um trabalho rduo e prolongado? Naturalmente, ohomem no empreender esse t rabalho e no o cons iderar umanecessidade, enquanto no t iver adquir ido a convico de que no

    possui nem a consc inc ia de s i, nem tudo o que com ela serelaciona, isto , a unidade ou individualidade, o Eu permanente e avontade.

    Isso nos leva questo das escolas. Com efeito, os mtodos dedesenvolv imento da consc incia de s i , da unidade , do Eupermanente e da vontade s podem ser dados por escolas especiais.Devemos compreend-lo c laramente. Os homens, no nvel daconscinc ia rela tiva, no podem descobri r esses mtodos por s i mesmos ; e ta is mtodos no podem ser descr i tos nos l iv ros, nemens inados nas escolas comuns , pela s imp les razo de que sodiferentes para cada indivduo e de que no existe mtodo universaligualmente aplicvel a todos.

    Em outras palavras, isso signif ica que os homens que queremmudar seu estado de conscincia necessitam de uma escola. Mas,antes de tudo, devem dar-se conta de que precisam dela. Enquantoacred itarem poder fazer a lgo por s i mesmos, no podero t irar nenhum proveito de uma escola, ainda que a encontrem. As escolasexis tem somente para aqueles que prec isam delas e sabem queprecisam delas.

    A noo de escola, o estudo das diferentes espcies de escolas

    que podem ex is ti r , o estudo dos princp ios e mtodos de escolaocupam um lugar muito importante no estudo da psicologia baseadana idia de evoluo; pois, sem escola, no pode haver evoluoalguma. at impossvel dar o primeiro passo, pois ignora-se comofaz-lo. Menos ainda se pode continuar ou alcanar seja o que for.

    Isso signif ica que depois de se ter desembaraado da primeirai lus o, a de j po ssui r t ud o o que se pod e p ossui r, cu mpredesembaraar-se da segunda i luso, a de poder obter algo por s imesmo, pois por si mesmo nada se pode obter.

    Estas conferncias no so uma escola, nem sequer o comeode uma escola. Uma escola ex ige uma presso de trabalho muito

    mais forte. Nestas conferncias, porm, posso dar a meus ouvintes

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    algumas idias sobre a maneira como as escolas trabalham e dizer-lhes de que modo se pode descobri-las.

    J dei duas definies de psicologia.Primeiro, disse que psicologia era o estudo das possibil idades

    de evoluo do homem e, depois, que psicologia era o estudo de si.Queria dizer que s a psicologia cujo objeto a evoluo dohomem digna de ser estudada e que a psicologia que se ocupa deuma nica fase do homem, sem nada conhecer das demais, ,evidentemente, incompleta e no pode ter valor algum, nem sequerde um ponto de vista puramente cientf ico, isto , do ponto de vistada experincia e da observao. Com efeito, a fase atual, tal como aestuda a psicologia comum, no existe separadamente como tal ecomporta numerosas subdivises que vo desde as fases inferioresat a s sup eri ore s. Al m do ma is, a prpri a expe ri n ci a e aobservao mostram que no se pode estudar a psicologia como se

    estuda qualquer outra c incia, sem relao direta alguma consigomesmo. Cumpre comear o estudo da psicologia partindo de si.

    Se confrontarmos, por um lado, o que podemos saber sobre afase seguinte da evoluo do homem no curso da qual adquirir aconscincia, a unidade interior, um Eu permanente e a vontade e,por out ro , cer tos dados da observao de s i que nos permi tamreconhecer que no possumos nenhum destes poderes e faculdadesque nos atr ibumos, tropearemos em nova di f iculdade em nossoesforo para compreender a signif icao da psicologia. E sentiremosa necessidade de nova definio.

    As duas def in ies dadas na con fernc ia anter io r no sosuficientes, porque o homem no sabe qual evoluo lhe permitida,no v em que ponto se encontra atualmente e se atribuicaracterst icas que pertencem a fases superiores da evoluo. Defato, e le no pode estudar-se, sendo incapaz de dist inguir entre oimaginrio e o real nele.

    O que mentir?Em l inguagem corrente, ment ir quer d izer deformar ou, em

    cer tos casos , d issimu lar a verdade ou o que se acred ita ser averdade. Tal espc ie de ment ira desempenha um papel mui to

    importante na vida. H, porm, formas muito piores de mentira, asque o homem diz sem saber que mente. J lhes disse que, em nossoestado atual, no podemos conhecer a verdade e que somente nos dado conhec-la no estado de conscincia objetiva. Como podemosento mentir? Parece haver a uma contradio, mas na real idadeno existe nenhuma. No podemos conhece r a ve rdade, maspodemos f ingir conhec-la. E men ti r i sso . A menti ra p reenchenossa vida toda. As pessoas aparentam saber tudo sobre Deus, av ida fu tura, o un iverso, as or igens do homem, a evoluo, sobretodas as coisas, mas, na realidade, nada sabem, nem sequer sobre simesmas. E, cada vez que falam de algo que no conhecem, como se

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    o conhecessem, elas mentem . Por conseguinte, o estudo da mentiratorna-se de importncia primordial em psicologia.

    I sso pod er ia a t co nd uzi r a esta te rc ei ra defi ni o d apsicologia: a psicologia o estudo da mentira .

    A psicologia d part icular ateno s mentiras que o homem

    conta sobre si mesmo. Essas mentiras tornam muito difci l o estudodo homem. Tal como , o homem no um art igo autnt ico. aimitao de algo e at mesmo uma pssima imita o.

    Imaginem que um sbio de um planeta distante receba da Terraamostras de f lores ar ti f ic iais , sem nada sabe r sob re as f lo resverdadeiras . Ser- lhe- extremamente di f c i l def in i- las, expl icar suaforma, suas cores, os materiais de que so feitas algodo, arame,papel colorido e classific-las de um modo qualquer.

    Com relao ao homem, a psicologia encontra-se em situaototalmente anloga. obrigada a estudar um homem art i f ic ia l , semconhecer o homem real.

    evidente que no fcil estudar um ser como o homem, queno sabe, ele prprio, o que real e o que imaginrio nele mesmo.De modo que, a psicologia deve comear por estabelecer dist inoentre o real e o imaginrio no homem.

    impossvel estudar o homem como um todo, porquanto eleest div id ido em duas partes: uma que, em certos casos, pode serquase inteiramente real e ou t ra que, em cer tos casos , pode ser quase inteiramente imaginria. Na maioria dos homens comuns,essas duas partes esto entremescladas e no fcil distingui-las,se bem que cada uma delas este ja presente e cada uma possuasignificao e efeitos particulares.

    No sistema que estudamos, essas duas partes so chamadasessncia e personalidade.

    A essncia o que inato no homem.A personalidade o que adquirido .A essncia seu bem prprio, o que dele. A personalidade

    o que no de le . A essnc ia no pode perder-se, no pode sermodificada nem degradada to rapidamente como a personalidade. Apersonalidade pode ser modi ficada quase por completo com umamudana de c ir cuns tnc ias; pode perde r-se ou deter io ra r-sefacilmente.

    Se tento descrever o que a essncia, devo dizer, antes detudo, que a base da estru tura f s ica e psqu ica do homem. Porexemplo, um homem p or natureza o que se chama de b ommarinheiro, outro no ; um tem ouvido musical, outro no tem; umtem o dom das lnguas, outro carece dele. Eis a a essncia.

    A personalidade tudo o que pde ser aprendido de um modoou de outro em linguagem corrente, consciente ouinconscientemente.

    Na maior ia dos casos , inconscien temente s igni fi ca por imi tao, desempenhando a imi tao, de fato, um papel mui toimportante na construo da personal idade. Mesmo nas funes

    instintivas que, por natureza, deveriam ser isentas de personalidade,

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    existem geralmente muitos gostos adquiridos, isto , toda espciede eu gos to e eu no gos to a rt if ic ia is , adqui ridos todos por imi tao ou imaginao. Esses gosto e no gos to a rt if ic ia isdesempenham um papel muito importante e desastroso na vida dohomem. Por natureza, o homem deveri a gostar do que bom para ele

    e detestar o que mau para e le . E ass im , enquanto a essnc iadomina a personalidade, como dever ia faz- lo ou, d i to de outromodo, enquanto o homem so e normal. Mas, quando apersonalidade comea a dominar a essncia e o homem j menosso, comea a gostar do que mau para ele e a detestar o que lhe bom.

    E aqui tocamos no que pode correr o risco de ser falseado, emprimeiro lugar, nas relaes entre a essncia e a personalidade.

    Normalmente, a essnc ia deve dominar a personal idade e apersonalidade pode ser ento muito ti l . Mas, quando apersonalidade domina a essncia, isso acarreta os piores resultados.

    Deve-se compreender que a personal idade tambmnecessria ao homem; no podemos v iver sem persona lidade,apenas com a essncia. Mas a essncia e a personal idade devemcrescer paralelamente e jamais uma deve prevalecer sobre a outra.

    Casos em que a essncia prevalece sobre a personal idadeencontram-se entre as pessoas incultas; esses homens s imples,como se d iz, podem ser bonss imos e at in te l igentes, mas soincapazes de desenvolver-se como aqueles cuja personalidade mais desenvolvida.

    Casos em que a personal idade prevalece sobre a essnciaencontram-se freqentemente entre as pessoas cultas, e a essnciapermanece ento num estado de semicrescimento ou dedesenvolvimento incompleto.

    Desse modo, quando h desenvolvimento rpido e prematuro dapersonalidade, o crescimento da essncia pode praticamente deter-se em idade mui to tenra , e o resu l tado que vemos homens emulheres de aparncia adulta, cuja essncia, porm, permaneceu naidade de dez ou doze anos.

    I nmeras con di es da vida mo de rna fa vorecem essesubdesenvolvimento da essncia. Por exemplo, o empolgamento peloesporte e, sobretudo, pela competio desport iva, pode muito bem

    deter o desenvolv imento da essncia e s vezes at em idade totenra, que a essncia nunca mais capaz de erguer-se novamente.Isso mostra que a essncia no pode ser encarada unicamente

    com relao constituio fsica, no sentido simples desta noo. Af im de exp li ca r mais c la ramente o que s igni fi ca a essncia, necessrio, uma vez mais, que eu volte ao estudo das funes.

    Disse, na primeira conferncia, que o estudo do homem comeapelo estudo de quatro funes: in te lectua l , emocional , motora einst int iva. Segundo a psicologia comum e o pensamento comum,sabemos que as funes intelectuais so assumidas e controladaspor determinado centro , que se chama mente ou in te lecto ou

    crebro. E isso muito justo; entretanto, outras funes tambm

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    so controladas por um crebro, ou centro, part icular a cada umadelas. Por conseguinte, do ponto de v is ta deste ens inamento, hquatro crebros ou centros que controlam nossas aes ordinrias: ocrebro ou centro intelectual, o centro emocional, o centro motor e ocentro instintivo. Quando os mencionarmos a seguir, cham-los-emos

    sempre centros. Cada centro completamente independente dosoutros, possui sua esfera de ao particular, seus prprios poderes esuas prprias modalidades de desenvolvimento.

    Os centros, isto , sua estrutura, suas capacidades, seus ladosfortes e seus pontos dbeis pertencem essncia. Seu contedo ,isto , tudo o que cada um deles adquire, pertence personalidade.O contedo dos centros ser explicado mais adiante.

    Como j disse, para o desenvolvimento do homem, apersonalidade to necessria quanto a essncia, mas deve manter-se em seu lugar. Isso quase impossve l de se efetuar porque apersonalidade est cheia de idias falsas sobre si mesma. No quer

    nunca permanecer em seu lugar, porque seu verdadeiro lugar secundr io e subord inado; no quer conhecer a verdade sobre s imesma, porque conhecer a verdade significaria abandonar a situaousurpada e ocupar a situao inferior que, na realidade, lhe compete.

    A falsa situao na qual se encontram a essncia e apersona lidade , uma em relao out ra , determina a fal ta deharmonia no estado atual do homem e o nico meio de sair desseestado de desarmonia o conhecimento de si.

    Conhece-te a t i mesmo es te e ra o p r ime i ro p r inc p io e aprime ira exignc ia de todas as ant igas escolas de psico logia.Lembramo-nos ainda dessas palavras, mas perdemos suasignif icao. Pensamos que conhecermo-nos a ns mesmos querdizer conhecermos nossas particularidades, nossos desejos, nossosgostos, nossas capacidades e nossas intenes, quando na realidadeisso significa conhecermo-nos como mquinas, isto , conhecermos aestrutura da nossa mquina, suas partes , as funes das diferentespartes, as condies que regem seu trabalho, e assim por diante.Compreendemos, em gera l, que no podemos conhecer mquinaalguma sem hav-la estudado. Devemos nos lembrar disso quando setrata de ns mesmos e devemos estudar nossa prpria mquina comomquina que . O meio de estud-la a observao de si. No existe

    outro meio e ningum pode fazer esse trabalho por ns, devemosfaz- lo ns mesmos. Antes , con tudo, devemos aprender comoobservar. Quero dizer que devemos compreender o lado tcnico daobservao, devemos saber que necessrio observar diferentesfunes e distingui-las entre si, recordando ao mesmo tempo o quesabemos dos diferentes estados de conscincia , do nosso sono e dosnumerosos eus que existem em ns .

    Tais observaes daro resultado prontamente. Em primeirolugar, o homem notar que no pode observar imparcialmente nadado que encontra em si mesmo. Certos traos lhe agradaro, outroslhe desagradaro, o i rr i taro ou mesmo lhe causaro horror. E no

    pode ser de outro modo. O homem no pode estudar-se como se

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    fosse uma estrela longnqua ou curiosa espcie de fssil.Naturalmente, gostar nele daquilo que favorece o seudesenvolvimento e detestar aquilo que torna esse desenvolvimentomais difci l ou at impossvel. Isso quer dizer que muito pouco tempodepois de haver comeado a observar-se, distinguir em si os traos

    teis e os traos prejudiciais. Isto , teis ou prejudiciais do ponto devista de um conhecimento possvel de s i mesmo, de um despertarpossve l, de um desenvolvimento possve l. Discern ir nele o quepode tornar-se consciente e o que no pode e deve ser eliminado . Aose observar, nunca dever esquecer que o estudo de si o primeiropasso no caminho de sua evoluo possvel.

    Devemos, agora, examinar quais so esses traos prejudiciaisque o homem encontra em si mesmo.

    De modo geral, so todas as manifestaes mecnicas. Como j d issemos, a pr imeira mentir. A ment i ra inev i tve l na v ida

    mecnica. Ningum pode escapar dela e, quanto mais cremos estarl ivres da mentira, mais ela nos tem em seu poder. A v ida ta l qual hoje no poderia continuar sem a mentira.

    Mas, do ponto de vista psicolgico, a mentira tem outro sentido.Sign i fica falar de co isas que no conhecemos e que nem sequer podem os co nhece r, como se as conhe cssemo s e co mo s epudssemos conhec- las.

    Devem compreender bem que no me co loco num ponto devista moral, seja qual for. No chegamos ainda questo do que bom e do que mau em s i . Coloco-me no s imples ponto de v is tapr t ico , fa lo s do que t i l ou p re jud ic ia l ao es tudo de s i e aodesenvolvimento de si.

    Comeando desse modo, o homem aprende muito depressa adescobr i r os s ina is pe los quais pode reconhecer em s i mesmo asmanifestaes prejudiciais. Descobre que quanto mais controla umamanifestao, menos prejudicial ela e que quanto menos a controla por conseguinte, quanto mais mecnica ela mais prejudic ialpode se tornar.

    Ao compreender isso, o homem tem medo de mentir , no porrazes morais, repito, mas porque no pode controlar sua mentira eporque a mentira o controla, isto , controla suas outras funes.

    O segundo t rao per igoso que encontra em s i mesmo aimaginao . Depois de ter comeado a observar-se , chega bemdepressa concluso de que o principal obstculo observao aimaginao. Quer observar a lguma coisa, mas em lugar d isso tomado pela imaginao e se esquece de observar. No tarda a dar-se conta de que palavra imaginao dado um sentido fictcio ede modo algum justif icado: o de faculdade criadora ou seletiva , queele nunca pode control-la e que ela sempre o arrasta para longe desuas decises mais consc ientes, numa d i reo aonde no t inhainteno de i r. A imaginao quase to perniciosa quanto amentira: de fato, imaginar mentir-se a si mesmo. O homem comea

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    a imaginar algo para dar prazer a si mesmo e rapidamente comea aacreditar no que imagina, pelo menos em parte.

    Descobre-se ainda, s vezes, at no incio, quantasconseqncias per igosas pode ter a exp resso das emoesnegativas . Por emoes negativas designam-se todas as emoes

    de violncia ou depresso, compaixo de si mesmo, clera, suspeita,medo, contrar iedade, aborrec imento, desconf iana, c ime, e tc.Comumente, aceita-se a expresso das emoes negativas comocoisa in te i ramente natura l e a t necessr ia . Freqentemente aspessoas chamam-na sinceridade. claro que isso nada tem a vercom sinceridade; simplesmente sinal de debilidade no homem, sinalde mau carter e de impotnc ia de guardar para s i seus prpr iosagravos. O homem compreende isso quando se esfora em opor-se asuas emoes negativas. E isso uma l io nova para ele. V queno basta observar as manifestaes mecnicas; preciso resistir aelas, porque sem resistir- lhes, no pode observ-las. Sua apario

    to rpida, to famil iar e to imperceptvel, que impossvel not-las, se no fizermos esforos suficientes para criar-lhes obstculos.

    Depois da expresso das emoes negativas, cada um podedescobrir em si mesmo e nos outros um trao mecnico curioso. ofato de falar. No h mal a lgum no prpr io fa to de fa lar . Mas, emcertas pessoas, e muito particularmente nas que menos se do contadisso, fa lar converte-se realmente num vc io. Falam o tempo todo,onde se encontrem, no trabalho, viajando, at dormindo. No paramnunca de falar, quando podem falar a algum e, se no h ningum,falam consigo mesmas.

    Tambm a necessrio no s observar, mas resist i r o maispossve l. Se a lgum se permi te falar sem res is ti r, nada podeobservar e os resul tados das observaes que faz evaporam-seimediatamente em tagarelice.

    As dif iculdades que o homem experimenta para observar essasquatro man ifes taes menti r, imaginar, expressar emoesnegativas e falar sem necessidade mostrar- lhe-o sua completamecanic idade e a prpr ia imposs ib i l idade em que se encontra delutar contra essa mecanic idade sem ajuda, ou seja, sem um novosaber e sem ass is tnc ia d i re ta. Pois , mesmo que tenha recebidocertas indicaes, o homem se esquece de uti l iz-las, se esquece de

    observar-se; em outras palavras, recai no sono e tem que ser sempredespertado.Essa queda perptua no sono apresenta certos aspectos bem

    determinados, de que a psicologia comum nada sabe ou, pelo menos,que e la no pode nem c lass if icar , nem def in ir . Esses aspec tosnecessitam de um estudo especial.

    So em nmero de dois: o primeiro denomina-se identificao .A identif icao um estado curioso, no qual o homem passa

    mais da metade de sua vida. O homem identif ica-se com tudo: como que diz, com o que sabe, com o que cr, com o que no cr, comoo que deseja, com o que no deseja, com o que o atrai ou com o que

    o repele. Tudo o absorve. E incapaz de separar-se da idia, do

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    sentimento ou do objeto que o absorve . Isso quer d izer que noestado de identif icao o homem incapaz de considerar imparcialmente o objeto de sua identificao.

    difcil encontrar uma coisa, por pequena que seja, com a qualo homem no possa ident i f icar-se. Ao mesmo tempo, no estado de

    identi f icao, o homem tem menos controle que nunca sobre suasreaes mec ni cas. Mani festae s t ai s co mo a men ti ra , aimaginao, a expresso das emoes negativas e a tagarel iceconstante exigem a ident if icao . No podem existir semidenti f icao. Se o homem pudesse l ibertar-se da ident i f icao,libertar-se-ia de muitas manifestaes inteis e tolas.

    A ident if icao , seu verdade iro sen tido , suas causas eresul tados so admiravelmente descr itos na Philokalia , da qualfalamos na primeira conferncia. Mas, no se poderia encontrar napsicologia moderna o menor sinal de compreenso a esse respeito. uma descoberta psicolgica completamente esquecida.

    O segundo fator de sono um estado mu ito p rximo daident if icao, chamado cons iderao. De fato, cons iderar ident i f icar-se com as pessoas. um estado no qual o homem sepreocupa constan temente com o que as pessoas pensam dele:tratam-no de acordo com seus mri tos? Admiram-no o bastante? Eassim at o inf in i to. A considerao desempenha um papel muitoimportante na vida de cada um, mas para certas pessoas converte-seem obsesso. Sua vida inteira est tecida de considerao, querd izer , de preocupao, de dv ida e de suspei ta , a ponto de nodeixar lugar para mais nada.

    O mito do complexo de inferioridade e dos outros complexosnasc eu de sses f en menos vagamen te percebido s, ma s n ocompreendidos, de identificao e de considerao.

    A ident if icao e a co nsi derao d eve m amba s ser observadas de maneira muito sria. S o pleno conhecimento quedelas se possa ter permite enfraquec-las. Se no se pode v-las emsi mesmo, pode-se facilmente observ-las nos outros. Mas precisoque nos lembremos de que ns p rpr ios no somos em nadadiferentes dos outros. A esse respeito, todos os homens so iguais.

    Voltando ao que dizamos h pouco, devemos esforar-nos em

    ter uma idia mais clara da maneira pela qual o desenvolvimento dohomem deve comear. E devemos compreender em que o estudo desi pode ajudar-nos nisso.

    Desde o incio, encon tramos uma d if iculdade em nossalinguagem. Por exemplo, queremos falar do homem do ponto de vistada evoluo. Mas a pa lavra homem na l inguagem comum, noadmite variao alguma, gradao alguma. O homem que nunca estconsc iente e nem sequer suspei ta d isso, o homem que lu ta paratornar-se consciente, o homem que plenamente consciente, tudo a mesma coisa para a nossa l inguagem. Num caso como no outro sempre o homem. Para ev i tar essa d i f icu ldade e para fac i l i tar a

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    c lassi f icao das novas id ias que apresenta, este ensinamentodivide o homem em sete categorias.

    As t rs primeiras categorias esto prat icamente no mesmonvel.

    O homem n 1 um homem no qual o centro ins t in t ivo ou o

    centro motor prevalece sobre os centros intelectual e emocional; ditode outro modo: o homem fsico.O ho me m n 2 um homem no q ua l o ce nt ro emociona l

    prevalece sobre os centros intelectual, motor e instintivo: o homememocional.

    O homem n 3 um homem no qua l o cen tro intelec tualprevalece sobre os centros emocional, motor e instintivo: o homemintelectual.

    Na v ida comum, s encontramos essas t rs categor ias dehomens. Cada um de ns, cada um daqueles que conhecemos umhomem n 1 , um homem n 2 ou um homem n 3 . H ca tegor ias

    super io res de homens, mas nenhum de ns per tence, desde onascimento, a essas categorias superiores. Os homens nascem todosnos 1, 2 ou 3, e s podem atingir as categorias superiores passandopor escolas.

    O homem n 4 no nasceu como tal. o produto de uma culturade escola. Difere dos homens n os 1, 2 ou 3, pelo conhecimento quetem de si mesmo, pela compreenso de sua prpria situao e pelofato de ter adquirido um centro de gravidade permanente . Esta lt imaexpresso signif ica que, para ele, a idia de adquir i r a unidade, aconscincia, o Eu permanente e a vontade, is to , a idia de seudesenvolvimento, tornou-se mais importante que todos os seusoutros interesses.

    A essas caracterst icas do homem n 4, preciso acrescentarque suas funes e seus centros esto mais bem equil ibrados, e istonum n ve l que e le j ama is ter ia pod ido a ting ir antes de haver trabalhado sobre si mesmo segundo os princpios e mritos de umaescola.

    O ho mem n 5 um home m qu e ad qu iri u a unidade e aconscincia de s i . d i ferente do homem comum, pois j t rabalhanele um dos cen tros super io res e possu i numerosas funes epoderes que o homem comum, os homens n 1, 2 ou 3, no possui .

    O homem n 6 um homem que adquiri u a conscincia objetiva.Outro centro superior trabalha nele. Possui um nmero muito maiorde faculdades e poderes novos, que esto muito alm doentendimento do homem comum.

    O homem n 7 um homem que alcanou tudo o que um homempode alcanar. Tem um Eu permanente e uma vontade l ivre . Podecontrolar, em si mesmo, todos os estados de conscincia e doravanteno poder perder absolutamente nada do que adquir iu. Segundooutra definio, imortal nos limites do sistema solar.

    muito importante compreender essa div iso do homem em

    sete categor ias , pois e la encontra apl icao em todas as formas

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    possve is de estudo da a tividade humana. Const itui , nas mosdaqueles que a compreendem, uma ferramenta das mais slidas, uminstrumento dos mais sutis, para definir manifestaes que, sem ela,so impossveis de definir.

    Tomem, por exemplo, os conceitos gerais de religio, de arte,

    de cincia e de fi losofia. Comeando pela religio, podemos ver deimediato que h, forosamente, uma re l ig io do homem n 1, queabarca todas as formas de fet ichismo, seja qual for o nome que selhes d; uma religio do homem n 2, isto , uma religio de emoo,de sentimento, que s vezes chega at ao fanatismo, at s formasmais brutais da intolerncia, at perseguio dos hereges, e assimpor diante; uma religio do homem n 3, rel igio terica, escolstica,che ia de a rgc ias sobre as palav ras, as formas, os r itua is , queassumem mais importncia que qualquer outra coisa; uma religio dohomem n 4, isto , do homem que trabalha no desenvolvimento desi; uma religio do homem n 5, ou seja, a religio de um homem que

    alcanou a un idade e pode ver e conhecer mui tas co isas que oshomens nos 1, 2 ou 3 no podem ver nem conhecer; por f im, umareligio do homem n 6 e uma religio do homem n 7, sobre as quaisno podemos conhecer absolutamente nada.

    A mesma diviso aplica-se arte, cincia e f i losofia. Devehaver uma arte do homem n 1 , uma arte do homem n 2, uma arte dohomem n 3; uma cincia do homem n 1, uma cincia do homem n2, uma cincia do homem n 3, uma cincia do homem n 4, e assimpor diante. Tentem encontrar exemplos por si mesmos.

    Essa expanso dos conceitos aumenta muito nossaspossibi l idades de encontrar solues justas para muitos de nossosproblemas.

    E isso significa que este ensinamento nos d a possibilidade deestudar uma nova l inguagem quero dizer, nova para ns que nosvai permi ti r concatenar id ias de categor ias d iferen tes que, nareal idade, esto l igadas, e separar idias que parecem pertencer mesma categoria, mas que, na realidade, so diferentes. A diviso dapalavra homem em sete denominaes: homem n 1, 2, 3, 4, 5, 6 e7, com tudo o que da decorre, um exemplo dessa nova linguagem.

    Temos assim uma quarta definio de psicologia: a psicologia o estudo de uma nova l inguagem . E essa n ova l inguag em a

    l inguagem universal que os homens se esforam, s vezes , por descobrir ou inventar.A expresso l inguagem universal ou f i losfica no deve ser

    tomada como metfora. Essa l inguagem universal no mesmosentido em que os smbolos matemticos so universais. Ademais,ela contm em si mesma todas as interpretaes que dela os homenspodero dar. Vocs s conhecem ainda a lgumas palavras dessal inguagem, mas elas j lhes do a possibi l idade de pensar e fa larcom mais preciso do que lhes permite a l inguagem comum, aindaque usem terminologias e nomenclaturas cientficas ou filosficas.

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    TERCEIRA CONFERNCIA

    A i di a de qu e o ho me m uma mq uina n o nova . realmente o nico ponto de vista cientf ico possvel, pois baseadona exper inc ia e na observao. Duran te a segunda metade do

    sculo XIX, o que se chamava psicof is io logia dava uma def in iomuito boa da mecanic idade do homem. O homem era consideradoincapaz de fazer qualquer movimento se no recebesse impressesexter io res. Os sb ios dessa poca sus tentavam que, se fossepossvel privar o homem, desde o nascimento, de qualquer impressoexterior ou interior, mas mantendo-o vivo, ele seria incapaz de fazero menor movimento .

    Tal experincia, evidentemente, impossvel, mesmo com umanimal, pois o prprio processo de manuteno da vida respirao,a limentao , e tc . p roduzi ri a toda sor te de impresses, quedesencadeariam diferentes movimentos reflexos, despertando depoiso centro motor.

    Essa idia, entretanto, interessante, pois mostra claramenteque a at iv idade da mquina depende de impresses externas ecomea com reaes a essas impresses.

    Na mquina, cada centro est perfe itamente adaptado parareceber a espcie de impresses que lhe prpria e para respondera elas da manei ra desejada. E , quando os cen tros t raba lhamcorretamente, possvel calcular o trabalho da mquina. Pode-seprever e predizer muitos incidentes e reaes que se produziro namquina. Pode-se estud-los e at dirigi-los.

    Infel izmente, os cen tros rar issimamente t raba lham comodeveriam, mesmo num homem considerado so e normal.

    Isso porque os centros esto feitos de tal modo que podem, atcerto ponto, substituir-se mutuamente. No plano original da natureza,a f inal idade era , sem dv ida a lguma, assegurar desse modo acontinuidade do funcionamento dos centros e criar uma salvaguardacontra possveis interrupes do trabalho da mquina, porquanto emcertos casos uma interrupo poderia ser fatal.

    Mas, nessas mquinas indiscipl inadas que somos todos ns, acapacidade que tm os centros de trabalhar um pelo outro torna-se

    to excessiva, que cada um deles raramente faz seu prprio trabalho .

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    Quase a cada minuto, um ou outro centro abandona seu prpr iot rabalho e procura fazer o do outro, o qual , por sua vez, procurafazer o de um terceiro.

    Os centros, como j disse, podem substituir-se um ao outro atcerto ponto, mas no completamente; e , nesse caso, t rabalham,

    evidentemente, de maneira mui to menos eficaz. Por exemplo, ocentro motor pode, dentro de certos l imi tes, imi tar o t rabalho docentro intelectual, mas s produzir pensamentos muito desconexos,como nos sonhos e devaneios. Por sua vez, o centro intelectual podetrabalhar em lugar do centro motor. Tente, por exemplo, escreverpensando em cada uma das le t ras e como form- las. Voc podete ntar e xpe ri n ci as semelhantes, t rat an do de servi r- se dopensamento para fazer qualquer coisa que as mos ou as pernaspodem real izar sem a ajuda dele. Tente, por exemplo, descer umaescada observando cada movimento, ou executar um trabalho manualque lhe seja famil iar, calculando e preparando em pensamento cada

    pequeno gesto; ver logo quo mais difci l se torna o trabalho e atque ponto o centro intelectual mais lento e mais desajeitado que ocentro motor.

    Pode a inda constat- lo quando aprende um novo t ipo demovimento. Suponha que voc aprenda a escrever mquina ouempreenda qualquer t ipo de trabalho fsico que seja novo ou, ento,tome o exemplo do so ldado que se exerc i ta no mane jo do fuz i l .Durante a lgum tempo, todos os seus movimentos dependero docentro intelectual e s mais tarde passaro ao centro motor.

    Todos conhecemos o a l v io que se exper imenta quando osmovimentos j se tornaram automticos, quando os ajustes foramfeitos e quando no h mais necessidade de pensar nem calcularincessantemente cada movimento. Isso signif ica que os movimentospassaram para o centro motor, ao qual normalmente pertencem.

    O centro instintivo pode trabalhar pelo centro emocional e estepode, ocas ionalmente, t rabalhar por todos os outros centros. Emcertos casos, o centro intelectual pode trabalhar em lugar do centroinst int ivo, embora s possa fazer uma parte muito reduzida desset raba lho, a que se relaciona com os movimen tos v is veis, osmovimentos do trax durante a respi rao, por exemplo. mui toperigoso intervir nas funes normais do centro instintivo; o caso

    da respi rao ar ti f ic ial , descri ta s vezes como respi rao dosiogues e que s deve ser empreendida sob a v ig ilncia de ummestre competente e experimentado.

    Voltando ao t rabalho incorreto dos centros, devo d izer quepreenche pra ticamente toda a nossa v ida. Nossas impressesesmaecidas, nossas vagas impresses, nossa fal ta de impresses,nossa lentido em compreender muitas coisas, freqentemente anossa identif icao e a considerao, mesmo a nossa mentira , tudoisso depende do trabalho incorreto dos centros.

    A idia do trabalho incorreto dos centros no entra em nossa

    maneira de pensar, nem em nossa compreenso comum; no vemos

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    todo o mal que nos faz este trabalho incorreto, toda a energia queconsome sem necessidade, todas as dificuldades que nos cria.

    Esse desconhecimento do trabalho incorreto de nossa mquinaest habi tualmente l igado noo i lusria que temos de nossaunidade. Quando compreendemos at que ponto estamos div id idos

    dentro de ns mesmos, comeamos a dar-nos conta do perigo querepresenta este fato de uma parte de ns mesmos trabalhar em lugarde outra, sem que o saibamos.

    O homem que deseja estudar-se e observar-se dever, pois,estudar e observar no s o trabalho correto de seus centros, mastambm o trabalho incorreto deles. necessrio conhecer todos ost ipos de t raba lho incor re to e seus t raos carac te r st icos emdeterminados indivduos. Sem conhecer as prprias imperfeies edefei tos, impossvel conhecer-se. E, alm dos defei tos comuns atodos, cada um de ns tem seus defeitos particulares, prprios s desi mesmos, que devem ser estudados no momento oportuno.

    Como j f i z no ta r no in c io , a id ia de que o homem umamquina pos ta em ao por inf luncias exter io res uma id iarealmente cientfica.

    O que a cincia no sabe que:Primeiro: a mquina humana no at inge seu nve l normal de

    atividade e trabalha muito abaixo desse nvel, isto , no d toda asua capacidade e no funciona com todas as suas partes.

    Segundo: apesar de numerosos obstculos, a mquina humana capaz de desenvo lver -se e c riar para s i mesma n veis mui todiferentes de receptividade e de ao.

    Cu mp re-nos f al ar ag ora d as condi es necess ri as aodesenvolvimento, pois deve-se recordar que, se o desenvolvimento possvel, tambm muito raro e requer muitas condies exteriores einteriores.

    Quais so essas condies?A pr imeira que o homem deve compreender sua s i tuao,

    suas di f iculdades e suas possibi l idades; deve ter um desejo muitoforte de sair de seu estado presente ou um interesse muito grandepelo novo estado desconhecido que a mudana deve t razer . Emsuma, deve experimentar uma violenta repugnncia por seu estadopresente ou uma v iva atrao pelo estado fu turo que e le poder

    alcanar.Depois, preciso ter uma certa preparao. O homem deve sercapaz de compreender o que se lhe di z.

    Deve, alm disso, encontrar-se em boas condies exteriores,deve ter tempo bastante para estudar e deve viver num ambiente quetorne tal estudo possvel.

    No podemos enumerar todas as condies necessrias. Mas,antes de tudo, elas comportam uma escola. E uma escola implica, nopas onde existe, certas condies sociais e pol t icas, porque umaescola no pode exist i r em condies quaisquer; uma vida mais oumenos ordenada, um certo grau de cultura e de l iberdade individual

    lhe so necessrios. A esse respeito, nossa poca no

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  • 8/6/2019 Psicologia_Evoluo Possvel ao Homem_PD Ouspensky

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    particularmente favorvel. No oriente, as escolas estodesaparecendo rapidamente. E parece que, em muitos pases, suaexistncia se torna impossvel.

    Ci te i a esse respei to , no Novo Modelo do Universo, a lgunsversculos das Leis de Manu.

    Regras para um Snataka (Dono de casa):

    CAPTULO IV

    61. Que no resida em pas governado por sudras, nem em pashabitado por homens mpios, nem em pas conquistado peloshereges, nem em pas onde abundem os homens das castasmais baixas.

    79. Que no permanea, sequer sombra de uma rvore, em

    companhia de pessoas degradadas, nem de Tchndalas , osmais baixos dos homens, nem de Pukkasas , nem de id io tas,nem de homens arrogantes, nem de homens de baixa c lasse,nem de Antyvasyis (coveiros).

    CAPTULO VIII

    22. Um reino povoado sobretudo por sudras, cheio de homensmpios e privado de habitantes duas vezes nascidos,rapidamente perecer por completo, atacado pela fome e peladoena.

    Essas idias das Leis de Manu so muito interessantes, porquedo ao homem uma base que lhe permi ti ri a compreender asdiferentes condies polticas e sociais do ponto de vista do trabalhode escola, distinguir as condies de um progresso real daquelas ques trazem a destruio de todos os verdadeiros valores, mesmo queseus partidrios pretendam que estas condies sejam progressistase, deste modo, cheguem a enganar um grande nmero de pobres de

    esprito.No entanto, as condies exter iores no dependem de ns.Dentro de um certo l imi te e, s vezes com grandes d i f icu ldades,podemos escolher o pas onde preferimos viver, mas no podemosescolher nossa poca. no sculo onde o destino nos colocou quedevemos nos esforar para encontrar o que queremos.

    Assim, devemos compreender que a prpria preparao para odesenvolvimento de si exige um conjunto de condies exteriores einteriores raramente reunidas.

    Ao mesmo tempo, porm, devemos compreender que, ao menosno que concerne s condies inter io res, o homem no es t

    in te iramente entregue lei do acidente. Numerosas luzes foram

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