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Proposição de Guia Alimentar Funcional para Crianças com ... · uso excessivo de antibióticos e verificado em testes de ácidos orgânicos na urina ... alterada em 42,8% das 21

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AbstractAutism spectrum disorders typically present before the age of 3 years with impairment of communication and

social interaction, as well as restricted and repetitive patterns of behavior. The autistic child usually presents sensory disintegration, which may manifest in feeding. In recent years, the incidence of autism spectrum disorders has grown remarkably, and it is believed that autism is a genetic disease, worsened or triggered by environmental factors such as intoxication, vaccines, food allergens, as well as changes in the intestinal microflora and immunity. Autistic children have altered gut permeability, with translocation of food allergens (gluten and casein), triggering systemic inflammatory and immune reactions. Gluten and casein, poorly digested, seem to form opioids that affect the temporal lobes and cause difficulties in speech and hearing integration, reduction of nerve cells and inhibition of neurotransmitters. The aim of this paper is to propose a food guide with functional nutritional guidelines for children with autism spectrum, aimed to prevent vitamin and mineral deficiencies, optimization of intestinal microbiota, formation of neurotransmitters and immunity.

Keywords: childhood autism; dysbiosis; food allergy; functional nutrition; functional food guide.

ResumoO espectro autista costuma apresentar-se antes dos 3 anos, pelo comprometimento da comunicação e da interação

social e por padrões restritos e repetitivos de comportamento. A criança costuma apresentar desintegração sensorial, que pode se manifestar na alimentação. Nos últimos anos, a incidência do espectro autista tem crescido notavelmente, e a tese é de que seja uma doença genética, agravada ou desencadeada por fatores ambientais, como intoxicações, vacinas, alimentos alergênicos, alterações da microbiota intestinal e da imunidade. Crianças autistas apresentam alteração na permeabilidade intestinal, com translocação de alérgenos alimentares (glúten e caseína), gerando reações inflamatórias e imunológicas sistêmicas. Glúten e caseína, mal digeridos, parecem formar opioides que afetam os lobos temporais e causam dificuldades na fala e na integração da audição, redução de células nervosas e inibição de neurotransmissores. O objetivo deste trabalho é propor um guia alimentar com diretrizes nutricionais funcionais, destinadas a crianças com espectro autista, com vistas a prevenção de deficiências de vitaminas e minerais, otimização da microbiota intestinal, formação de neurotransmissores e imunidade.

Palavras-chave: autismo infantil; disbiose; alergia alimentar; nutrição funcional; guia alimentar funcional.

Proposal for a Functional Food Guide for Children with Autism Spectrum Disorders

Proposição de Guia Alimentar Funcional para Crianças com Espectro Autista

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Proposição de guia alimentar funcional para crianças com espectro autista

IntroduçãoO espectro autista costuma apresentar-se antes dos 3

anos, pelo comprometimento da comunicação, da interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento1. Por tratar-se de um espectro, compreende desde quadros graves com prejuízo cognitivo até quadros mais leves, com ilhas de conhecimento avançadas, variando entre autistas de baixo e alto funcionamento – estes últimos, com Síndrome de Asperger, grau em que não há nenhum atraso significativo na aquisição da linguagem2.

Os padrões repetitivos podem estender-se aos hábitos alimentares da criança autista, que apresenta desintegração sensorial e pode limitar seu consumo a poucos tipos de alimentos, limitar a consistência alimentar ou, ainda, associar seu consumo a determinadas rotinas3.

Nos últimos anos, a incidência do espectro autista tem crescido notavelmente em menores de 3 anos, gerando discussões acerca de uma maior acurácia dos médicos e maior informação dos pais, antecipando o diagnóstico. Nesse sentido, se o autismo fosse causado por fatores exclusivamente genéticos, sua incidência deveria ser constante4.

A tese em voga é a de que o autismo seja uma doença genética, agravada ou desencadeada por fatores ambientais, como intoxicações ambientais, vacinas, alimentos alergênicos, alterações da microbiota intestinal, infecções e alterações da imunidade5.

A existência de um componente genético tem sido explorada, haja vista o risco 60 vezes maior de nascer uma criança autista em uma família em que exista um caso anterior. Além disso, 7% dos autistas têm irmãos com autismo. No genoma, foi identificada uma região instável (Iq21.1), que concentra inúmeras cópias do gene DUF1220, ligado ao desenvolvimento cerebral, o que vem sendo investigado em autistas6. Há, também, uma variante no gene HOXA1, onde a incidência de autismo parece ser maior7.

Parece haver alta correlação entre a prevalência de otites e a incidência de autismo. Acredita-se que o desenvolvimento anormal se dê pelo acúmulo de subprodutos de leveduras e bactérias resistentes absorvidos pelo intestino – causado pelo uso excessivo de antibióticos e verificado em testes de ácidos orgânicos na urina de autistas4.

Vários pais relatam regressão do desenvolvimento normal da criança dias após a vacinação com tríplice viral, tríplice bacteriana ou contra hepatite B. Doenças inflamatórias intestinais parecem estar relacionadas à vacina de sarampo, rubéola e caxumba (tríplice viral)4.

Alterações na permeabilidade intestinal de crianças com espectro autista

Goodwin et al.8 vêm analisando relatos de pais de autistas nos últimos 30 anos, evidenciando que as crianças sofrem disfunção gastrointestinal e hipersensibilidade a determinados alimentos.

D’Eufemia et al.9 detectaram permeabilidade intestinal alterada em 42,8% das 21 crianças autistas analisadas, entre 4 e 16 anos de idade. Horvarth et al.10 realizaram biópsia em 36 crianças autistas com queixas gastrointestinais e encontraram refluxo gastroesofágico em 69,4%, gastrite crônica em 41,7%, duodenite crônica em 66,7% e baixa atividade de enzimas digestivas em 58,3%. Wakefield11

estudou 50 crianças autistas com queixas gastrointestinais e encontrou hiperplasia de linfonodos no íleo de 93% e cólon de 30% das crianças, bem como colite em 88% delas.

Horvarth e Perman12 descreveram alterações patológicas na permeabilidade intestinal, aumento da resposta secretória à injeção intravenosa de secretina, alteração na acidez gástrica e diminuição da atividade enzimática digestiva em crianças com espectro autista.

Parracho et al.13 identificaram diferenças na microbiota intestinal de crianças com e sem autismo, prevalecendo a enterobactéria patogênica Clostridium hystolyticum no primeiro grupo.

A síndrome fúngica é oculta, mas pode exercer efeitos sistêmicos. Medicamentos, estresse e alterações metabólicas podem estimular a proliferação de fungos como Candida albicans, levando a infecção, inflamação e doenças crônicas. Açúcar, lactose, carboidratos refinados, embutidos, cafeína e alimentos contendo bolor favorecem fungos14.

O desequilíbrio na microbiota intestinal, em que micro-organismos de baixa virulência tornam-se patogênicos e criam condições de maior permeabilidade, denomina-se disbiose. Os sintomas são: distensão abdominal, eructação e flatulência; constipação ou diarreia; presença de restos alimentares mal digeridos nas fezes, língua branca e mau hálito15.

Segundo Nichols et al.16, fatores dietéticos que propiciam a disbiose incluem carência de fibras e zinco; excesso de carboidratos simples, proteínas e lipídios; mastigação insuficiente e presença de líquidos junto às refeições. Tais fatores prejudicam a nutrição das bactérias intestinais e dos enterócitos; favorecem o crescimento de leveduras e bactérias patogênicas; inibem a atividade fagocitária; promovem redução de sucos digestivos e enzimas pancreáticas.

Com a disbiose, surge a perda da permeabilidade seletiva, com translocação de produtos bacterianos, alérgenos alimentares e metais tóxicos, gerando reações inflamatórias e imunológicas sistêmicas, além da absorção reduzida de minerais e vitaminas15.

Ações dos peptídeos derivados de caseína e glúten no cérebro

Devido à alteração na permeabilidade intestinal, a digestão ineficiente das proteínas do leite e do trigo gera peptídeos de cadeia curta, estruturalmente semelhantes a opioides, capazes de adentrar o sangue e a barreira hematoencefálica, trazendo repercussões negativas17.

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No cérebro, os opioides gerados pela caseína (caseomorfinas) e pelo glúten (gluteomorfinas) promovem ações semelhantes às que ocorrem em usuários de morfina, afetando os lobos temporais e causando dificuldades na fala e na integração da audição, redução das células nervosas do sistema nervoso central e inibição de alguns neurotransmissores18. Bloqueiam receptores dopaminérgicos, causando derramamento de dopamina no líquido cefalorraquidiano ou na urina4. Afetam a percepção, a emoção, o humor e o comportamento do autista19.

Lucarelli et al.20 e Knivsberg21 perceberam melhora na interação social, cognição e comunicação de crianças autistas das quais foi restrita a ingestão de trigo e leite de vaca.

Israngkun et al.22 e Shattock et al.23 encontraram modelos patológicos na urina de autistas, com altos níveis de peptídeos derivados de glúten e caseína. Após um ano de dieta de exclusão, houve melhora no comportamento das crianças e normalização dos peptídeos urinários.

Ao acompanharem a dieta de exclusão de leite e glúten em 15 indivíduos autistas de 3 a 17 anos, durante o período de um ano, Reichelt et al.24 encontraram melhora comportamental em 13 (87%) das crianças estudadas, como otimização do comportamento motor, do contato social, visual e da linguagem, diminuição do comportamento ritualístico e normalização do sono.

A baixa absorção intestinal de vitamina B12 pode prejudicar o desenvolvimento neural, por interferir na formação de mielina, necessária para ação das fibras nervosas25.

Gilberg e Wing26 perceberam que 6 das 20 crianças autistas que estudaram tinham aumento nas encefalinas em uma porção do líquor e redução na sensibilidade à dor. O triptofano é precursor da serotonina, neurotransmissor que modula o sono, a temperatura corporal, a senso-percepção, estados afetivos, convulsões e o movimento. Autistas tendem a ter elevados níveis de serotonina no sangue.

A arabinose, metabólito produzido por leveduras, é encontrada em quantidades elevadas na urina de autistas. Ela se liga à lisina e à arginina, comprometendo a função das proteínas compostas por estes aminoácidos, inclusive aquelas responsáveis pelas interconexões de neurônios18.

O acetaldeído, formado pela fermentação do açúcar por fungos, tem poder neurotóxico. Reage com neurotransmissores como dopamina e serotonina, reduzindo impulsos sensoriais em nível simpático15.

Hipersensibilidades alimentares em crian-ças com espectro autista

O sistema imune é destinado a manter a integridade orgânica por meio do reconhecimento do que se é próprio e estranho ao indivíduo, defendendo-o de agentes infecciosos ambientais ou antígenos – vírus, bactérias, fungos, protozoários, parasitas27.

Seus componentes são fatores de crescimento (sistema complemento, anticorpos e citocinas) e leucócitos, que se dividem em fagócitos (neutrófilos, basófilos, eosinófilos, monócitos e macrófagos) e linfócitos27. Existem linfócitos T (contra vírus, bactérias e fungos), linfócitos B (contra parasitas e componentes alergênicos) e células natural killers. As células T consistem em TH1, TH2 e TH17

28. A diminuição das células TH1 pode explicar a maior

suscetibilidade às infecções por vírus, bactérias e fungos no autismo. O desequilíbrio nas células TH1 e TH2 pode explicar o aumento da autoimunidade, assim como a presença de anticorpos contra a proteína básica da mielina e contra filamentos de axônios no cérebro de crianças autistas28. O aumento da resposta TH17 também favorece um processo de autoimunidade29,30. Além disso, há um aumento no fator de necrose tumoral alfa no autismo, que pode levar à diminuição do fluxo sanguíneo no cérebro28.

As reações aos alimentos podem ocorrer por hipersensibilidade imediata ou tardia. Na primeira, a relação consumo-sintoma é imediata, o que facilita o diagnóstico; já as alergias alimentares tardias exigem um diagnóstico clinico ou bioquímico. Verifica-se que os alimentos ingeridos com maior frequência – por serem os de preferência do paladar, causarem saciedade e bem-estar momentâneos – são os que geram mais reações tardias, dias depois, dificultando sua correlação com os sintomas do indivíduo27.

As alergias alimentares fragilizam o sistema imunológico; suscetibilizam a deficiências nutricionais; causam alteração na permeabilidade intestinal por desencadearem inflamação local, promovendo absorção de macromoléculas proteicas de difícil digestão. Essas moléculas podem gerar reações alérgicas e podem ser fermentadas por fungos15.

O trigo e o leite são considerados os principais alérgenos alimentares associados com o autismo, seja por um processo de formação de substâncias opioides neurotóxicas, seja por desencadearem um processo autoimune e anticorpos anti-cérebro18.

As respostas antigênicas induzidas pelos peptídeos mal digeridos causam agregação de linfonodos no íleo, mobilizando linfócitos B em resposta à presença de antígenos da dieta, secretando anticorpos20,31.

Crianças autistas mostraram maiores níveis de IgA secretória para caseína, lactoalbumina, beta-lactoglobulina e glúten. A IgG teve maiores níveis para caseína e glúten. A IgM teve maiores níveis para caseína. A remoção das proteínas da dieta minimizou a resposta imune32.

Mostrou-se reatividade cruzada dos anticorpos produzidos contra os antígenos dos fungos com o glúten, em virtude de diversas sequências de aminoácidos desses antígenos homólogos à gliadina, peptídeo do glúten15. Conforme Wilke18, muitas crianças autistas apresentam elevação de anticorpos antigliadina e contra antígenos do cerebelo.

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Abordagem nutricional funcional sobre o espectro autista

Apesar dos estudos mencionados, ainda há ceticismo no meio científico sobre a influência de peptídeos opioides liberados pela alimentação na expressão do espectro autista, em virtude da heterogeneidade de causas viáveis. Além disso, estudos científicos com essa abordagem ainda não apresentam consenso, pois utilizaram amostras pequenas ou se trataram de estudos individualizados.

Das dificuldades percebidas por Wilke18 para realização desses estudos científicos, destacam-se: encontrar um grupo grande de pais que aceitem submeter os filhos a dieta por 6 meses; constituir grupos de crianças que eliminem opioides na urina; encontrar crianças que não sigam tratamentos médicos ou intervenções terapêuticas que possam interferir nos resultados.

As observações do nutricionista se fazem necessárias com objetivo de prevenir possíveis deficiências de vitaminas e minerais que possam ser iniciadas com a retirada dos componentes alimentares glúten e caseína, assim como o aparecimento da síndrome de abstinência, ocasionada pelo bloqueio e interferência da ação opioide dos peptídeos no sistema nervoso central.

A nutrição clínica funcional surge como uma ciência integrativa, que compreende aspectos bioquimicamente únicos de cada indivíduo, a fim de identificar todos os sinais e sintomas relacionados a déficits ou toxicidades de nutrientes, dentro de uma teia de fatores fisiológicos e simbólicos que podem representar gatilhos para sua saúde27.

A presença de anormalidades bioquímicas e o comprometimento cognitivo e sensorial no autista podem resultar em deficiências nutricionais33.

As intervenções nutricionais primárias sobre a criança com espectro autista requerem a abordagem da disbiose, por meio do Programa de Restauração Gastrointestinal 5 R´s descrito por Paschoal, Naves e Fonseca27 e por Dean e Swift33:

1. Remover: Reduzir a colonização intestinal por bactérias patogênicas, fungos e parasitas; reduzir xenobióticos; remover alimentos alergênicos para a criança.

A ACELBRA-RJ34 preconiza a restrição dos alérgenos leite e glúten em três fases:

- Fase 1 (1º mês): Começar a introduzir alimentos isentos de caseína e de glúten ao cotidiano da criança com espectro autista, considerando essa fase como um período de transição dietética.

- Fase 2 (2º mês): Eliminar toda a caseína da dieta da criança.

- Fase 3 (3º mês em diante): Eliminar todo o glúten da dieta da criança.

O rol de alimentos que contêm caseína inclui o leite de vaca, queijos, margarinas, iogurte, sorvete, creme de leite com soro, leite acidificado, leitelho, leite condensado, leite

de cabra e leite maltado. Alguns alimentos enlatados podem ser conservados com caseinatos34.

O glúten está em alimentos que contêm trigo, aveia, centeio, cevada, malte; como: triguilho, farinha de rosca, Durum, Graham, gérmen e farelo de trigo, sêmola, semolina, massas, alguns vinagres, dextrina, goma vegetal, molho de soja, temperos e caldos prontos34.

A adesão à dieta ecológica, priorizando alimentos livres de agrotóxicos, pesticidas e aditivos melhora a microbiota intestinal. Para eliminar patógenos, é importante adicionar ao consumo regular sementes de abóbora ou de frutas cítricas, óleo de coco, alho, cebola, orégano, cúrcuma, tomilho e ervas antiparasitárias, antifúngicas e antibacterianas27.

Para maximizar a frequência evacuatória, diminuindo o contato de toxinas produzidas por patógenos na mucosa intestinal, deve-se oferecer uma ótima hidratação e um adequado consumo de fibras, em especial as solúveis, que auxiliam no crescimento da microbiota. Semente de linhaça e biomassa de banana verde são boas fontes27.

Cabe ressaltar que o açúcar favorece a disbiose e nas crianças autistas com sintomas desse desequilíbrio, recomenda-se a retirada gradual, por 3 semanas, para evitar o desaparecimento total dos sintomas e, em seguida, reintroduzir o açúcar por 5 dias, verificando os sintomas apresentados. Se a criança apresentar reação adversa a essa reintrodução, será necessária a restrição por tempo prolongado18, substituindo-o por edulcorantes naturais à base de esteviosídio.

Crianças com espectro autista podem mostrar sensibilidade a aditivos, corantes, conservantes e salicilatos18. Segundo Feingold35, diversas dessas substâncias podem desencadear sintomas autísticos, dificuldades cognitivas, distúrbios do sono e agressividade; como corantes tartrazina e vermelho carmoisine e conservantes a base de benzoato. Já os salicilatos estão na maçã, cereja, uva, café, cravo e páprica. Recomenda-se que esses alimentos sejam retirados de uma vez e depois, reintroduzidos e testados um a um para determinar reações adversas específicas.

2. Recolocar: Re-equilibrar as concentrações do ácido clorídrico do estômago e das enzimas digestivas essenciais, por meio da inclusão de chás digestivos (180ml após as refeições) contendo alecrim, sálvia, cidreira, canela, erva-doce ou hortelã; abacaxi, mamão e limão, que melhoram a digestão das proteínas27; ou a suplementação de cloridrato de betaína, proteases, lipases e sacaridases33. É preciso ainda evitar volumes de líquidos junto às refeições, pois atrapalham o processo digestivo pela diluição do suco gástrico.

3. Reinocular: Probióticos são micro-organismos vivos que conferem alívio a sintomas intestinais e melhoram a imunidade. Crianças com constipação intestinal podem ter modificações na microbiota do intestino grosso, como declínio de bactérias probióticas e aumento de patógenos. Cepas variadas de lactobacilos ou o Kefir são fontes de

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probióticos, que podem reduzir toxinas, principalmente em crianças que usam antibióticos ou têm colite36. Prebióticos nutrem exclusivamente as bactérias probióticas do trato gastrintestinal, antagonizando o desenvolvimento de patógenos. As doses eficazes variam de 4 a 20g/dia. Estão nas brássicas (brócolis, couve, couve-flor, repolho, rúcula, chicória), batata yacón e biomassa de banana verde27.

4. Reparar: Ênfase a elementos dietéticos não irritativos, ricos em nutrientes de crescimento e reparadores da mucosa intestinal, com isenção de frituras, café, chá preto e alimentos industrializados. Para reparo da mucosa, antioxidantes e anti-inflamatórios, como zinco, ferro, glutamina, ácido fólico, vitaminas E, A, B12 e C são essenciais. Gorduras monoinsaturadas e ômega 3 melhoram a fluidez das membranas dos enterócitos27. A glutamina otimiza a integridade física e imunológica da mucosa gastrointestinal33.

A modulação nutricional do sistema imune intervém sobre a funcionalidade da barreira de mucosas, defesa celular e inflamação local ou sistêmica. Os ácidos graxos ômega 3 são exemplos de nutrientes que participam dessas ações. Outros nutrientes com papel essencial na função imune compreendem o zinco, cobre, magnésio, cálcio, ácido fólico e outras vitaminas do complexo B, vitaminas A, E, C, e em especial, a vitamina D27.

Kuriyama et al.37 perceberam aprimoramento no QI verbal de crianças autistas que receberam suplementação de vitamina B6,comparadas às que receberam placebo. A piridoxina está envolvida na síntese de neurotransmissores como serotonina, GABA, dopamina, adrenalina e noradrenalina. Agregada ao magnésio pode trazer benefícios neuronais aos autistas. Cabe salientar que o excesso de vitamina B6 pode provocar neuropatia periférica em longo prazo38.

A vitamina C participa de diversas vias metabólicas e é cofator da síntese de neurotransmissores, propiciando a conversão de tirosina em dopamina e triptofano em serotonina. Está envolvida em vias antioxidantes e na regulação da função imune. Dolske et al.39 realizaram estudo longitudinal duplo-cego, com 18 crianças autistas, tendo identificado minimização dos comportamentos estereotipados naquelas que receberam suplementação de vitamina C.

O ácido fólico também é essencial para a síntese de alguns neurotransmissores, constituição do tubo neural e parece trazer, segundo Kidd38, benefícios às crianças autistas, especialmente aquelas com quadro associado à Síndrome do X Frágil.

O adequado turnover de metionina depende de vitamina B12 para a metilação. Sua suplementação, combinada com ácido fólico e betaína, pode aumentar os níveis de metionina e a relação glutationa oxidada-reduzida em autistas, combatendo o estresse oxidativo40.

Ácidos graxos essenciais, particularmente os ômega

3, estão deficientes em transtornos neurológicos do desenvolvimento, como o autismo, a hiperatividade, a dislexia e a dispraxia. Crianças autistas podem se beneficiar de seu potencial anti-inflamatório e neuroprotetor (Kidd38).

Metalotioneínas são proteínas reguladoras dos níveis de cobre e zinco, que atuam no sistema nervoso central. Autistas possuem defeito nessas proteínas por deficiência de zinco, sendo sensíveis a metais tóxicos41. Yorbik et al.42 detectaram baixos níveis de zinco em 45 crianças autistas. O zinco contribui na resposta imune e produção de neurotransmissores e combate ao estresse oxidativo38.

5. Aliviar: Do inglês Relieve, visa a reduzir o desconforto agudo por meio de fitoterápicos com ações antiespasmódicas, como lavanda, hortelã pimenta, camomila e ginseng33.

O objetivo deste artigo consiste em propor um Guia Alimentar com diretrizes nutricionais funcionais qualitativas, destinadas a crianças com espectro autista.

ResultadoO Guia Alimentar Funcional apresenta diretrizes

nutricionais gerais visando à coletividade de crianças com espectro autista, cujo diagnóstico costuma ser realizado a partir dos 3 anos.

Ao fim do guia são disponibilizadas receitas funcionais selecionadas para crianças com espectro autista. Suas fontes consistem em Savioli e Caleffi43 e Marcelino44, ou originam-se de experimentações do autor. As receitas referem-se às pequenas refeições das crianças, uma vez que no almoço e jantar, socialmente, costumam prevalecer outras opções isentas de glúten e caseína.

Uma vez que as necessidades nutricionais variam conforme faixa etária e situação clínica, o guia proposto traz recomendações estritamente qualitativas. A individualidade bioquímica da criança deve ser considerada para a adoção de um plano alimentar elaborado com base na avaliação clínico-funcional e construção conjunta do nutricionista com seus pais ou responsáveis.

ConclusõesA crescente especulação sobre interferências ambientais

na etiologia do autismo, as evidências sobre alterações na permeabilidade intestinal e as ações deletérias de alérgenos alimentares como caseína e glúten no sistema nervoso central justificam um olhar diferenciado para esse grupo populacional pela nutrição clínica funcional.

Por meio do Guia Alimentar Funcional, espera-se promover hábitos alimentares saudáveis às crianças com espectro autista, com vistas à otimização em sua microbiota intestinal, a uma maior oferta de nutrientes que promovam a formação de neurotransmissores e restaurem sua imunidade.

Sabe-se que essas modificações dietéticas não são fáceis para as famílias com crianças autistas, pois, embora ávidas por informações para melhorar a qualidade de vida de seus

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filhos, constroem socialmente seus hábitos alimentares, que, como na maioria das famílias brasileiras, estão arraigados com a presença diária dos principais alérgenos alimentares.

Apesar dos benefícios clínicos da dieta isenta de glúten e caseína, deve-se reconhecer que a interação social das crianças autistas acaba não sendo favorecida por essas intervenções nutricionais, que são excepcionais ao padrão alimentar predominante da sociedade contemporânea.

Devem ser considerados a desintegração sensorial e o comportamento alimentar restrito e repetitivo de muitos autistas, que podem ser barreiras para a adoção das intervenções dietéticas, muito embora tal comportamento possa ter sido gerado pela ação neurotóxica de antígenos alimentares.

Faz-se necessária maior divulgação à população sobre a nutrição clínica funcional, a fim de que políticas públicas sejam criadas no sentido de um maior consumo de alimentos naturais (frutas, hortaliças, leguminosas), rotação entre cereais com e sem glúten, rotação entre laticínios e outras fontes nutricionalmente equivalentes, em detrimento dos alimentos industrializados.

Destaca-se a essencialidade de outras reabilitações terapêuticas destinadas às crianças com espectro autista, como psicoterapia, fonoaudiologia, integração sensorial e estímulo às atividades de vida diária por terapeuta ocupacional, além da intervenção neuropsiquiátrica.

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