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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTASINSTITUTO DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA
Mestrado em Ciência PolíticaDisciplina de Teoria do Discurso
Prof. Dr. Daniel de Mendonça
Aplicando a teoria do discurso de Ernesto Laclau na análise dos eventos
políticos ocorridos em 2011 no Egito.
Aluno: Roberto Vieira Júnior .
“Nunca alcançamos o nível zero de violência pura, a violência sempre é mediada pela relação de poder eminentemente simbólica. Toda a violência é política e se funda em uma decisão política. O político é o princípio estruturante abarcador da própria sociedade humana, e todo poder sempre deve apoiar-se em uma obscena mancha de violência pré-política, seja na família, na
escola, na igreja, no amor ou no governo.” (Zizek, Slavoj, 2011)
Pelo menos desde a obra Hegemonia e estratégia socialista (1985), Ernesto Laclau vem
desenvolvendo uma análise inovadora do discurso político que contribuiu para uma reorientação da
teoria política ligada a uma dita tradição de “esquerda”1. Esta análise do social, que inclui em seu
arcabouço um lógica de formação das identidades coletivas, tem seu ponto de partida na
constatação da presença de uma lógica de diferenças e equivalências, que pressupõe articulações de
demandas que acabam por se organizar no campo discursivo sempre de maneira precária e
contingente. Nesta tarefa de construir uma teoria do discurso2 capaz de servir de ferramenta de
analise do social, e por consequência do político, Laclau tem lançado mão do aporte teórico de
elementos oriundos da teoria psicanalítica desenvolvida por Jacques Lacan. Esta contribuição vem
se tornando cada vez mais nítida no transcorrer do desenvolvimento da teoria de análise do discurso
de Laclau. Gradativamente, as obras de Laclau vão deixando mais explícita a influência lacaniana.
Desde sua primeira obra de repercussão, Hegemonia e estratégia socialista, passando por Novas
reflexões sobre a revolução em nosso tempo (Laclau, 1990) e Emancipação e diferença (Laclau,
1996), chegando a A razão populista (Laclau, 2005) o autor tem dedicado cada vez mais espaço
não somente à apropriação terminológica (de termos como sutura, identificação e sujeito da falta),
mas também para a aproximação e afinidade conceitual com Lacan, mesmo sem utilizar os nomes
dos conceitos (tais como ponto nodal e significante vazio) que também são identificáveis na obra do
psicanalista. A aproximação entre os autores também ocorre quando lançamos mão de suas teorias
1 No sentido de possuir determinadas ligações com o pensamento marxista tradicional.2 “O discurso implica as palavras e as ações a que estas palavras se vinculam, como nos jogos de linguagem de
Wittgenstein. Obviamente seria absurdo criticar o dualismo palavras/ações e excluir os afetos destes complexos relacionais.” (Laclau, 2003 p. 283)
de análise para aplicá-las no empírico, no caso prático. Assim como a teoria lacaniana é utilizada no
campo clínico3, a teoria do discurso de Laclau pode, e deve, ser utilizada para analisar casos
concretos. Um exemplo desta aplicabilidade prática da teoria do discurso pode ser constatada na
obra Ambientalistas e desenvolvimentistas: aplicando a teoria do discurso (Vieira Júnior, 2010),
onde a teoria do discurso de Laclau foi utilizada como ferramenta de análise das implicações da
proposta de implementação do ciclo produtivo de celulose em determinadas cidades do Estado do
Rio Grande do Sul. O anúncio de que a empresa Votorantim (hoje Fibria) iria efetuar o cultivo de
espécies de eucalipto naquelas cidades iniciou uma disputa entre grupos favoráveis e contrários ao
estabelecimento de tal cultura em grandes extensões de terras, o que foi objeto de análise a partir do
uso da teoria do discurso como ferramenta exitosa para tal intento.
Assim como a utilização da teoria do discurso foi comprovadamente capaz de servir de
ferramenta na tentativa de analisar as relações entre os grupos envolvidos na disputa concernente ao
ciclo produtivo do eucalipto em uma específica região do Estado do Rio Grande do Sul, pretende-se
também lançar mão desta mesma teoria para analisar uma outra situação bem mais significativa em
termos políticos, a chamada “primavera árabe” que chegou ao Egito4 em janeiro de 2011.
Muitos fatores contribuíram para a revolta popular, ocorrida no primeiro ano da segunda
década do século XXI no Egito. Alguns deles são o reacendimento das tensões religiosas do país5, a
reivindicação do fim da ditadura que já somava mais de 30 anos e o desejo de uma transição do
governo ditatorial para uma espécie de democracia, ou melhor, algo próximo da ideia ocidental de
abertura política. Até aquele momento – janeiro de 2011 - a sociedade egípcia vivia sob a
imposição política do presidente Hosni Mubarak6. Dentre os principais motivos das manifestações
populares estavam os altos índices de desemprego, o autoritarismo do governo ditatorial, os altos
índices de corrupção, a violência policial, a falta de moradia, a censura à liberdade de expressão, as
péssimas condições de vida e a solicitação do aumento do salário mínimo. O chamado “levante
popular” tinha como principal objetivo derrubar o ditador Mubarak, um dos principais aliados dos
Estados Unidos da América do Norte (EUA) na região, e de países ocidentais, como a Inglaterra e a
França. Mubarak havia então anunciado que deixaria o poder somente a partir das eleições para
sucessão presidencial. Com a afirmação de que o presidente continuaria no poder, a população se
3 Embora seja de destacar que a teoria psicanalítica de Lacan não restrinja sua aplicabilidade à clínica, como é demonstrado em seus seminários.
4 Influenciados pela queda do presidente da Tunísia, Zine El-Abidine Ben Ali (que se deu no dia 14 de janeiro, por intensas manifestações populares e protestos contra o governo ditatorial que durava 23 anos), os egípcios iniciaram, no mês de janeiro de 2011, um intenso movimento de manifestações e protestos populares contra o presidente ditador Mohammed Hosni Mubarak, que se encontrava há 30 anos no poder do Egito.5 após a morte de 21 cristãos na explosão de uma igreja na cidade de Alexandria
6 Em 6 de outubro de 1981, Anuar Sadat, então presidente do Egito, foi assassinado por um comando da jihad islâmica durante uma parada militar no Cairo. Os extremistas se opunham às negociações entre Egito e Israel, iniciadas por Sadat. Com a morte de Sadat, eleições foram organizadas às pressas e o general Hosni Mubarak, vice-presidente da república no momento do atentado, saiu vitorioso das urnas.
rebelou e levou à renúncia de Mubarak, que , até aquele momento, pretendia concorrer às eleições
presidenciais previstas para setembro de 2011 ou colocar seu filho como sucessor.
No dia 25 de janeiro de 2011, foi organizada uma grande manifestação no Egito, o chamado
“Dia da revolta”, em que milhares de pessoas foram às ruas reivindicar pelo que foi noticiado na
mídia do ocidente como “seus direitos fundamentais de cidadão”. Em cidades como Cairo e
Alexandria, entre outras, os manifestantes tiveram a preocupação de articular e organizar as
manifestações pela internet, utilizando as redes sociais como meio de rápida e grande difusão de
informações. Após quatro dias de conflitos, por retaliação do governo, os serviços de internet e
celular do país foram cortados como principal estratégia para evitar que os manifestantes se
comunicassem e para censurar notícias e imagens de pessoas sendo mortas pelos soldados egípcios.
Estas mortes teriam ocorrido logo após o anúncio do toque de recolher, realizado por Mubarak no
dia 29 de janeiro, quando os soldados invadiram as ruas das cidades. Prevendo o impacto de tais
acontecimentos no mundo árabe, e suas consequências para as suas economias, algumas nações
ocidentais tentaram intervir no conflito: os EUA solicitaram ao Egito uma “transição democrática”,
já a Inglaterra e a França queriam que o governo egípcio atendesse as reivindicações. Foi então que,
após duas semanas de conflito, o presidente Hosni Mubarak renunciou ao governo, deixando um
saldo de mais de 42 pessoas mortas e cerca de 3000 feridos segundo informações vinculadas pela
mídia ocidental. Os militares assumiram o poder7, anunciando a instalação de uma junta militar
provisória no governo egípcio até as eleições para presidente do país, que ocorreriam em setembro
de 20118. Porém, após os meses de setembro e outubro deste ano, nenhum indício de processo
eleitoral estava sendo observado. Os militares justificavam a situação afirmando que esperavam
uma maior estabilidade social pois temiam as consequências de um sufrágio na situação que então
vivenciava o Egito, o que acabou por atrasar cada vez mais as eleições. No dia 28 de novembro foi
realizada a 1ª etapa das eleições parlamentares (composição do parlamento). Milhões de pessoas
foram às urnas, a grande maioria votando pela primeira vez. Os resultados finais se efetivarão
somente no mês de janeiro de 2012, depois de realizadas outras etapas do processo eleitoral9.
Enquanto isso, a junta militar que assumiu o governo provisório, após a renúncia de Mubarak,
continuava no poder já no início de dezembro de 2011. Esta é a visão dos acontecimentos que nos
chega pelos meios de comunicação de massa ocidentais, e que tomaremos como corpus discursivo
7 Os militares estão de fato no poder desde a década de 60. Anuar Sadat e Osni Mubarak sempre tiveram seus governos sustentados pelas forças armadas. Colaboram com esta interpretação o fato de que ao longo das últimas três décadas, a presidência de Mubarak foi marcada pela falta de democracia, pela corrupção, pela brutalidade policial e, sobretudo, por um estado de exceção instaurado por Sadat em 1967, nunca suspenso e apoiado pelas forças armadas.
8 Em que pese o fato de que Mubarak tenha sido reeleito quatro vezes, em 1987, 1993, 1999 e 2005. A transparência de cada um desses pleitos, nos quais mais de 80% dos egípcios votaram, foi muito questionada pela comunidade internacional. 9 Segundo os dados oficiais da comissão eleitoral egípcia o Partido da Justiça e Liberdade, braço político da
Irmandade Muçulmana, teria levado 40% dos votos e o movimento salafista, 20%, seguido pelo liberal Bloco Egípcio, com 15%, e pelo Wasat, com 6%. O índice de comparecimento às urnas girou entorno de 60% .
para a realização da análise conjuntural, utilizando para tal intento a teoria do discurso de Ernesto
Laclau como ferramenta teórica.
O campo discursivo apresentava-se, no cenário político egípcio, dividido em duas cadeias de
equivalência constituídas a partir do corte antagônico representado pelo clamor popular por
democracia, motivado pelos eventos que ocorriam nos países vizinhos. Formaram-se duas cadeias
equivalenciais antagônicas, articulando diferentes setores da sociedade egípcia, tendo como pontos
de atração dois pontos nodais distintos (entendidos como significantes privilegiados que fixam
sentidos – como o sentido de “democracia” e “governo” por exemplo - nestas cadeias de
equivalência). Em torno do ponto nodal que pode ser denominado como “governo Mubarak”,
articularam-se elementos-momento com demandas cuja possibilidade de satisfação era
simbolicamente representada pela continuidade do regime e do governo ditatorial decadente. No
campo antagônico oposto, capitaneado pelo ponto nodal aqui denominado como “democracia”,
articularam-se elementos-momento que, por não verem a possibilidade de suas demandas serem
atendidas pelo governo de então, passaram a compor a cadeia de equivalência que buscava uma
alternativa ao regime que vigia.
Esta disposição de elementos-momento no campo discursivo deu-se, como em regra, em
torno de dois significantes vazios que, neste caso, são nominados por “governo Mubarak” e
“democracia”. Na teoria de análise do discurso de Laclau, entende-se por significante vazio aquele
que não possui significado. Trata-se da significação de uma ausência, conforme o próprio Laclau:
Em uma situação de desordem radical, a “ordem” está presente como aquilo que está ausente; passa a ser um significante vazio, o significante dessa ausência. Em tal sentido, várias forças políticas podem competir no esforço por representar seus objetivos particulares como os que preenchem este vazio. Hegemonizar algo significa, exatamente, preencher este vazio. ( Laclau, 1996, p. 44).
Como qualquer termo que acabe por se tornar algo capaz de significar uma falta em determinado
contexto político, “democracia” e “governo Mubarak” aqui desempenham o mesmo papel ainda
que em cadeias discursivas antagônicas. É justamente pela produção destes significantes vazios que
a política se torna possível, através da representação que nestes significantes se tem da
impossibilidade da sociedade. No caso do uso do significante “democracia”, este poderia ser
substituído por “liberdade”, “justiça”, “verdade” ou “irmandade muçulmana” sem com isso alterar
o seu conteúdo, ou melhor, a ausência de um conteúdo determinado. O que ocorre no caso egípcio
em estudo é que as forças descontentes com o governo Mubarak (em razão da incapacidade deste
em atender suas demandas) representam seus objetivos particulares como “recheio” deste vazio
nomeado como “democracia”. Evidentemente que, no lado oposto do limite dicotômico, o mesmo
ocorre com as forças que veem no governo ditatorial a continuidade do status quo, a manutenção da
ordem, o respeito às tradições religiosas e a esperança da satisfação de suas demandas particulares
no vazio do significante “governo Mubarak”.
Com a renúncia de Osni Mubarak os significantes que representam os objetivos particulares
– ou a demanda dos grupos - passam a ser outros, quase que automaticamente. Os grupos que
tinham no significante “democracia” seu ponto nodal10, passam a identificá-lo agora como “eleições
justas”, e os grupos identificados com o significante “governo Mubarak” têm como ponto nodal o
governo da “junta militar”. Isso não afasta a lógica discursiva em razão de que, na formação
discursiva, a sistematicidade está ausente ainda que como ideia reguladora. Esta formação
discursiva deve incluir em si antagonismos e rearticulações hegemônicas que submetem e torcem as
regras. Neste contexto, a única coerência é a coerência hegemônica. É esta característica que
explica o fato de as forças armadas egípcias poderem ter tomado a posição pró-população contra o
governante renunciante, ainda que estas próprias forças tenham sido, até então, a sustentação do
governo que finda. Neste ponto temos uma oportunidade propícia para utilizar a categoria de
“deslocamento”11 e sua aplicabilidade no caso concreto.
Para Ernesto Laclau, “deslocamento” é o resultado da impossibilidade da expansão contínua
de um processo de significação. Um sistema significante tem como limites de sua significação algo
que não pode ser ele mesmo significado, tendo que manifestar-se como uma interrupção ou quebra
deste processo. Essa interrupção, que bloqueia a expansão do sistema de significação e seu
processo, é o resultado da incapacidade de uma estrutura em significar algo que por ela não pode
ser simbolizado. É a indicação da impossibilidade de uma plenitude de uma totalidade. Em outras
palavras, “deslocamento” é o momento da interrupção do desenvolvimento de uma formação
discursiva e a formulação de outras formações, também discursivas, que permitem explicar esta
interrupção. Esse é o momento da mudança, da visibilidade de que toda ordem simbólica é
construída, é o momento no qual a estrutura demonstra e manifesta sua impossibilidade de
universalidade e totalidade.
Deste modo, teria sido o momento da “primavera árabe” um “deslocamento” na estrutura do
poder no Egito? Possivelmente não, por várias razões. Dentre estas destaca-se a capacidade de
algumas estruturas de se reorganizarem enquanto sistema de significação, possibilitando a não
ocorrência da ruptura que caracteriza um processo de “deslocamento”. O que parece ter ocorrido foi
uma readaptação da estrutura (sistema e governo) a fim de poder absorver em sua cadeia de
significação as demandas que não vinham sendo abarcadas anteriormente, sem a ocorrência do
10 Em Laclau, ponto nodal também pode ser entendido como o significante que funciona como um ponto de referência para a articulação de redes de sentido, assim como o point de capiton de Lacan.
11 É de se destacar que enquanto na obra Hegemonia e estratégia socialista a categoria “deslocamento” é descrita como um deslocamento antagônico, em Novas Reflexões sobre a revolução em nosso tempo a noção é alterada. Neste último temos a construção teórica de um “deslocamento” que prescinde de um antagonismo necessário. Todo antagonismo pressupõe um deslocamento, mas nem todo deslocamento se constrói de forma antagônica.
trauma que, enquanto experiência da negatividade, caracteriza a condição de possibilidade da
criação e rearticulação política e social daquela estrutura. Na construção laclauniana de
“deslocamento” estão presentes o trauma e a disrupção simultaneamente12 produtivas e
características. Temos como exemplo desta afirmação o fato de que, após as primeiras etapas do
processo eleitoral, a junta militar que governava o país nos primeiros dias de dezembro de 2011
voltou a agir com truculência . A repressão a manifestações, com prisões e espancamento de
manifestantes, voltou às ruas do Cairo. A cadeia equivalencial que defendia o governo de Osni
Mubarak agora constituía a “União dos Movimentos da Maioria Silenciosa”, seus elementos-
momento continuavam favoráveis às Forças Armadas no poder e pediram para que os egípcios se
manifestem em apoio à legitimidade da “junta militar” na Praça Abbasiyah, vizinha da Tahrir, que
passou a ser conhecida em razão dos acontecimentos de janeiro de 2011. Já as parcelas da
sociedade egípcia contrárias ao governo da “junta militar” continuam suas manifestações pela
“democracia”, ainda que reprimidos de forma violenta pelas forças militares. É claro que aqui
poder-se-ia argumentar, em contraponto, que na sua multitude a manifestação do deslocamento não
se dá necessariamente através de um sujeito antagônico, que tal dominação discursiva pode ocorrer
por uma força hegemônica não antagônica. O argumento estaria correto, mas não traz em si os
elementos necessários para determinar que o ocorrido no Egito trata-se de um evento de
“deslocamento”. Enquanto momento de interrupção dos discursos e de formulação de outras
formações discursivas que propiciem uma explicação para tal quebra na continuidade hegemônica,
o “deslocamento” é também momento no qual a estrutura manifesta sua impossibilidade em
significar. Não foi isto que se viu no caso da “primavera árabe” no Egito. Os militares continuaram
no poder, em princípio apoiados pelos manifestantes, pois conseguiram significar a ideia de
“democracia” em seu favor, como único grupo capaz de efetivamente realizar o processo eleitoral
demandado pelos insurgentes. Cabe lembrar que estes mesmos militares já garantiam a
permanência de Mubarak no governo, como já o haviam feito com o anterior presidente
assassinado, Anuar Sadat.
Um outro argumento que colabora com a afirmação de que o ocorrido no Egito não se trata
de um momento de “deslocamento” pode ser sustentado com base nas três dimensões da relação de
“deslocamento” no capítulo intitulado Deslocamento e capitalismo do livro Novas reflexões (...)
(Laclau, 1990) onde deslocamento é caracterizado por ser a forma da temporalidade, da
possibilidade e da liberdade. Deixando, propositalmente, de lado as considerações sobre as duas
primeiras dimensões do “deslocamento” e analisando o terceiro, a liberdade temos a construção
teórica de Laclau afirmando que é o grau de indeterminação estrutural coincide com o grau de
liberdade de uma sociedade. Considerando aqui liberdade como a ausência de determinação
12 Por ameaçarem identidades são traumáticas mas, ao mesmo tempo, são produtivas por estarem na base da construção de novas identidades.
externa, ou seja, como autodeterminação permitida pela estrutura, e aplicando ao caso egípcio,
temos que o grau de autodeterminação dos sujeitos naquele país não sofreu alterações perceptíveis.
Em outras palavras, não se observa na realidade sócio-política egípcia contemporânea a
demonstração da impossibilidade da estrutura (sistema/governo) como totalidade. Possuindo o
“deslocamento”, segundo Laclau, a capacidade de demonstrar esta impossibilidade de plenitude da
estrutura, e não se tendo a possibilidade de constatar esta característica como consequência das
revoltas (já que o próprio sistema e o governo, com exceção de seu representante, mantiveram-se
no comando através da “junta militar”) resta sustentável a visão de que não ocorreu o momento de
“deslocamento” no Egito.
O objetivo do presente trabalho é o de demonstrar a possibilidade, e propriedade, da teoria
do discurso desenvolvida por Ernesto Laclau como ferramenta para análise dos fatos e
acontecimentos sociais e políticos. Esta aplicabilidade de tal teoria como ferramenta para análise do
empírico, mais uma vez, se demonstra validada. Por óbvio que as interpretações dos fatos em si
sofrem necessariamente a intervenção do observador, o que não deixa de ocorrer aqui neste artigo.
Mas não é esta interpretação, mas sim a utilidade da ferramenta de análise o ponto central a ser
considerado. A aplicabilidade dos conceitos e elementos teóricos da teoria laclauniana, tais como
ponto nodal, discurso, equivalência, deslocamento, elemento-momento e significante vazio são
aplicados no caso empírico e testados, demonstrando sua adequação e utilidade teórico-prática.
Assim como a teoria psicanalítica de Lacan, de onde Laclau busca elementos para a construção de
sua própria teoria, a teoria de análise do discurso configura-se hoje como uma das teorias mais
importantes para a análise crítica do social e do político, como também influente construção na
reorientação da teoria política. A centralidade na compreensão do social e do político a partir da
organização das disputas hegemônicas, das construções identitárias e das lógicas da diferença e da
equivalência, aliadas à utilização de elementos oriundos da psicanálise, fazem da teoria do discurso
uma das ferramentas teóricas mais completas dentre as possíveis de serem utilizadas para tal fim no
estágio contemporâneo da teoria política.
Referências:
LACLAU, Ernesto e MOUFFE, Chantal. Hegemony and socialist strategy: towards a radical democratic politics. London, Verso, 2001.______. Emancipacion y diferencia. Buenos Aires, FCE, 1996.______. La razón populista. Buenos Aires, FCE, 2005.______. Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo. Buenos Aires: Nueva Visión, 1990
VIEIRA JÚNIOR, Roberto. Ambientalistas e desenvolvimentistas: aplicando a teoria do discurso. Pelotas: Gráfica Universitária, 2010.ZIZEK, Slavoj. A visão em paralaxe. São Paulo: Boitempo, 2011.