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7/25/2019 PraticasCorporaisVolume2.pdf http://slidepdf.com/reader/full/praticascorporaisvolume2pdf 1/182 Ana Márcia Silva e Iara Regina Damiani Organizadoras Práticas Corporais Trilhando e Compar(trilhando) as Ações em Educação Física  Volume 2

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Ana Márcia Silva e Iara Regina Damiani

Organizadoras

Práticas Corporais

Trilhando e Compar(trilhando) as Ações

em Educação Física

 Volume 2

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Práticas CorporaisTrilhando e compar(trilhando) as ações em Educação Física

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Copyright @ dos autores, 2005.

Edição e revisãoDENNIS RADÜNZ

Projeto gráficoVANESSA SCHULTZ

IlustraçõesFERNANDO LINDOTE

Fotografia (registro das ações)

e revisão final dos textosOS AUTORES

ImpressãoFLORIPRINT

NAUEMBLU CIÊNCIA & ARTEwww.nauemblu.com.br

(48) 333-1976 / 232-9701

Florianópolis/SC/Brasil

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NAUEMBLU CIÊNCIA & ARTE2005

Práticas CorporaisTrilhando e compar(trilhando) as ações em Educação Física

 Ana Márcia SilvaIara Regina Damiani

Organizadoras

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P912 Práticas corporais / Ana Márcia Silva, Iara Regina Damiani,organizadoras. – Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte,2005.3v. : il.

Inclui bibliografia

Conteúdo: v.1. Gênese de um movimento investigativo emEducação Física. – v.2. Trilhando e compar(trilhando) as açõesem Educação Física. – v.3. Experiências em educação físicapara outra formação humana.

1. Práticas corporais. 2. Educação Física – Finalidades eobjetivos. 3. Corpo. 4. Imagem corporal. 5. Qualidade de vida.I. Silva, Ana Márcia. II. Damiani, Iara Regina.

CDU:796

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

ISBN 8587648756

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O grupo de trabalho agradece aos/às colegas do Núcleo

de Estudos Pedagógicos em Educação Física – NEPEF, da

Universidade Federal de Santa Catarina, geradores de muitos

saberes, e ao Ministério do Esporte e à Secretaria Nacional deDesenvolvimento do Esporte e do Lazer pelo apoio financeiro

integral da pesquisa.

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Outros olhares:colhendo flores no jardim quase devastado...MAURÍCIO R OBERTO DA SILVA

As práticas corporais e os elementos do processo metodológicosda Pesquisa Integrada

IARA R EGINA DAMIANI

ANA MÁRCIA SILVA

A construção narrativa como instrumento metodológico de formação VICENTE MOLINA NETO

R OSANE MARIA KREUSBURG MOLINA

Ensinar e aprender em dança: evocando as “relações”em uma experiência contemporânea

MARIA DO CARMO SARAIVA

LUCIANA FIAMONCINI

ELISA ABRÃO

ANA ALONSO KRISCHKE

Travessuras e artes na natureza:movimentos de uma sinfoniaHUMBERTO LUÍS DE DEUS INÁCIO

ANA PAULA SALLES DA SILVA

ÉDEN SILVA PERETI

PATRÍCIA ATHAYDES LIESENFELD

Desenferrujando as dobradiças: as práticas corporais na maturidadeCRISTIANE KER DE MELO

PRISCILLA DE CESARO ANTUNESMARIA DÊNIS SCHNEIDER 

Formação de educadores do movimento hip hop: impasses e possibilidadesASTRID BAECKER Á VILA

PATRÍCIA DANIELE LIMA DE OLIVEIRA

LANA GOMES PEREIRA

A pesquisa-ação e as práticas culturais populares: a experiência

do projeto “capoeira e os passos da vida” JOSÉ LUIZ CIRQUEIRA FALCÃO

BRUNO EMMANUEL SANTANA DA SILVA

LEANDRO DE OLIVEIRA ACORDI

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Outros olhares:colhendo floresno jardim quase devastado...

Façam completo silêncio,paralisem os negócios,Garanto que nasceu uma flor...

Carlos Drummond de Andrade

Este título contém metáforas que visam não somente emprestar umadimensão poética ao livro em questão, mas, substancialmente, provocar umareflexão sobre os desafios da produção do conhecimento no campo de jogoprofícuo e árido da Educação Física, ainda com seus ranços epistêmicos das

Ciências Biomédicas e suas dimensões tradicionais de ciência, a partir da co-lheita de dados, achados e evidências empíricas do real-social à luz dasCiências Humanas e Sociais, Arte, Filosofia e saberes populares. Isto signifi-ca dizer que, ao enveredar pelos caminhos da pesquisa de âmbito social e,portanto, interdisciplinar, os pesquisadores são desafiados a ter no bolso novassenhas para construir um método que problematize a realidade e aponte si-nais de superação, emancipação e, acima de tudo, as chaves para a análise

crítica do real. E é claro, os constructos epistemológicos emergidos das medi-ações e relações sujeito-objeto no processo de construção do conhecimento,com vistas a respaldar as políticas públicas.

É importante destacar que o movimento de construção do projeto in-tegrado de investigação traz em suas entrelinhas a idéia imbricada entre

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pesquisa e epistemologia1, a partir do pressuposto segundo o qual ciência seconstrói com teoria e método. Nesse sentido, o método aqui se constitui numcaminho seguro, rigoroso e criativo em direção e a partir do real-social; as teo-rias se apresentam como correntes do pensamento, as quais foram trazidas àbaila de acordo com as diferenças epistemológicas do grupo e as demandasteórico-metodológicas de cada um dos Subprojetos.

Quando se tem em mãos um livro como este, poderia cognominá-lode retratos da realidade, em razão dos pesquisadores terem optado por fazerinvestigação, isto é, investigação aqui compreendida a partir do verbo latino

vestígio, que significa buscar “algo” a partir dos vestígios que significam seguirlas huellas2. No entanto, dizer isso é muito pouco. Pesquisar  é a busca sis-

 temática de soluções, com o fim de descobrir ou estabelecer fatos ou princípios rela- tivos a qualquer área do conhecimento humano3. Nessa linha de reflexão, parainvestigar, não basta seguir as huellas (pegadas), nem tampouco satisfazer anossa curiosidade e dúvidas ou ainda encarar o problema de pesquisa comouma dificuldade ou obstáculo a serem transpostos. Mais do que isso, o proble-

ma de pesquisa deve ser considerado na sua dimensão filosófica, uma vez quea relação entre filosofia e pesquisa deve ser compreendida como uma reflexãosobre os problemas que a realidade apresenta. Nesta perspectiva, para queuma reflexão seja considerada filosófica, é preciso que se satisfaça uma sériede exigências e requisitos, a saber: radicalidade, rigor e globalidade.

Isto posto, é essencial, quando se trata da relevância social e teórica doconhecimento produzido neste livro, levar em conta que o que caracteriza um

problema é, justamente, a carga de “problematicidade” e realidade que elecarrega, isto é, reconhecer que “o conceito de necessidade é fundamental pa-ra se entender o significado essencial da palavra ‘problema’”4. Considerandoo exposto e reafirmando que esta obra foi construída a partir de um projetointegrado de natureza interdisciplinar, que considera as possíveis aproxi-mações com a multidimensionalidade das práticas corporais, penso que há

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1MINAYO, Maria Cecília de S. Caminhos do Pensamento: Epistemologia e Método. Rio de Janeir: EditoraFiocruz, 2002.2GAMBOA, Silvio. Fundamentos para la investigatión. Santa Fe de Bogotá: Cooperativa Editorial Magisterio,1998.3MINAYO, 2002.4SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso-comum á consciência filosófica. São Paulo: Cortez Editora:Autores Associados, 1986.

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um intento deste grupo integrado de pesquisadores de pôr em voga a “imagi-nação sociológica”, a qual materializa-se na pesquisa como uma aproxima-ção ou intervenção com os problemas de relevância pública. Dizendo a partirdo próprio Wright Mills: “a imaginação sociológica é a sensibilidade para cap-tar a necessidade da fusão da nossa vida individual, com os problemas cole-tivos do tempo conturbado em que vivemos. Assim, a tarefa individual epolítica do cientista social é deixar claro os elementos de inquietação e indife-rença, frente aos problemas sociais que assolam a humanidade no mundocontemporâneo”5.

Em suma, o que percebo é que há no âmago da problematicidade daspráticas corporais, apresentadas nos sete Subprojetos de pesquisa (Artes Cor-porais e Aventuras na Natureza; Artes Marciais no Caminho do Guerreiro;Práticas Corporais na Maturidade; Vivências do Coração; Dançando com seuTempo; Capoeira e os Passos da vida; e Hip Hop, Movimento e Cidadania),uma relevância social, política e epistemológica, de tal modo que há, ao mes-mo tempo, a presença da imaginação sociológica e, fundamentalmente, uma

reflexão filosófica de cunho investigativo, segundo nos lembra Saviani:O que leva o educador a filosofar são os problemas (entendido esse

termo com o significado que lhe foi consignado) que ele encontra ao realizara tarefa educativa. Como a educação visa o homem, é conveniente começarpor uma reflexão sobre a realidade humana, procurando descobrir quais osaspectos que ele comporta, quais as suas exigências – referindo-as sempre àsituação existencial concreta do homem brasileiro –, pois é aí (ou pelo menos

a partir daí) que se desenvolverá o nosso trabalho. 6

Essas primeiras palavras me conduzem a pensar o que significa colherdados, enfim, e investigar/pesquisar no âmbito dos saberes tecnizados do es-porte convencional, de rendimento e performance, em suma, de espetáculo.

 Assim, me parece que são incomensuráveis os desafios da construção de ou-tras pistas, caminhos e trilhas teórico-metodológicas, considerando as políti-cas científicas, hoje colocadas para a Universidade pública e cujo lógica pri-

vilegia o quantitativismo, o produtivismo e o número, prevalecendo no lugardo humano e da cultura popular.

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5MILLS, Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.6SAVIANI, 1986

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Penso que a tarefa ética de qualquer pesquisador na sociedade capita-lista, seja iniciante ou experiente, é reconhecer e enfrentar criticamente as“huellas”, as vozes, as escrituras, os sons (ver, ouvir e escrever) e as chaves pa-ra interpretação impressas na real, emitidas pelos sujeitos nos  campos e cida-des da América Latina. Isto significa dizer que investigar, a partir desses pres-supostos políticos, econômicos neoliberais e sociais, implica ter clareza de quenão estamos produzindo conhecimento tendo a Bélgica como referência, massim um campo, cujo pano de fundo político e econômico é regido pelas políti-cas excludentes do Banco Mundial e do FMI. Assim, é nesse campo de pes-

quisa, no qual os dados foram “colhidos”, onde os sujeitos morrem à minguade desnutrição, desemprego e subemprego, prostituição, e as crianças sãoexploradas pelo trabalho infantil e os jovens das classes populares entreguesao tráfico de drogas.

Convém ainda destacar que “metodologicamente” há na elaboraçãoteórico-metodológica deste trabalho uma concepção de “metodologia dapesquisa” que busca escapar das armadilhas positivistas de grande parte das

pesquisas em nossa área e em outras, nas quais metodologia é compreendidameramente como técnicas ou instrumentos de coleta de dados. Nesta perspec-tiva, os autores e autoras, para fugir desses riscos, tentaram superar a frag-mentação entre “questões epistemológicas” e “instrumentos operacionais”.Desse modo, pode-se vislumbrar aqui que o conceito de metodologia da pes-quisa é apresentado de forma mais ampla e articulada, a saber:

• “como a discussão epistemológica sobre o caminho do pensamento

que o tema ou o objeto requer;• como a apresentação adequada e justificada dos métodos, das técni-cas e dos instrumentos operativos que devam ser utilizados para asbuscas relativas s indagações da investigação;• e como o que denominei ‘criatividade do pesquisador’, ou seja, a suamarca pessoal e específica na forma de articular teoria, métodos, acha-dos experimentais, observacionais, ou qualquer outro tipo específico

de indagação científica”7.Por fim, colocadas as questões e reflexões teórico-metodológicas supra-

mencionadas, penso que o livro traduz, de maneira clara e contundente, os

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7 MINAYO, 2002

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diversos desafios vividos por esses pesquisadores e pesquisadoras nastrincheiras do campo de pesquisa, tais como:

• a ousadia em realizar um projeto integrado de pesquisa, buscandocom isso recuperar a necessidade de superar o modelo individual naprodução do conhecimento, contribuindo, assim, para ratificar o papelpolítico-pedagógico do “coletivo” e deixar a marca da aventura da ori-entação e produção do conhecimento de forma interdisciplinar e com-partilhada;• a ousadia em investigar diferentes “problemas sociais”, transforman-

do-os em “problemas de pesquisa” num mesmo projeto de pesquisa. Além do mais, se situando na dimensão da pesquisa enquanto relaçãosocial de alteridade, à medida em que se senta à mesa com diferentesparadigmas filosóficos e de pesquisa (Fenomenologia, Dialética e Teo-ria Crítica), correndo o risco de não finalizar os projetos ou de cair nasarmadilhas do chamado “pluralismo epistemológico”, muito emboracubra-se de argumentos para justificar a pertinência deste encontro

epistemológico, quando estão em jogo diferentes visões de mundo, ho-mem e sociedade e a multidimensionalidade dos objetos investigados;• pela ousadia e coragem incomum de lançar mão, num mesmo pro-jeto e de forma diferenciada e aplicada aos objetos, de abordagens me-todológicas tão complexas como: investigação-ação, pesquisa partici-pante e etnografia, fato este que culminou com uma concepção de“campo” mais ampliada, no qual o caminho trilhado leva em conta, de

forma crítica, a idéia de campo articulado com a perspectiva epistemo-lógica que abrangem as relações método-teoria, sujeito-objeto noprocesso do conhecimento, além da superação, citada pelos própriosautores, de que “campo não é provido, apenas, de um significado espa-cial e temporal, constituindo-se também, de uma compreensão depressupostos, de conhecimento, de relações humanas e, especialmente,de clareza de objetivos”;

• de colocar “em prática” a idéia de que a melhor forma de fazer pes-quisa é “aprendendo a fazê-la melhor através da ação” (Paulo Freire)e, mais ainda, nesta mesma direção e citando as palavras de GabrielCohn, proferidas em suas aulas no IFICH/UNICAMP, de que “pes-quisa se faz fazendo e sabendo o que se faz”;

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• por ter tratado o processo do conhecimento de forma interventiva ede ação, utilizando modos de abordar a realidade (observação, entre-vistas e outros) não apenas como meras técnicas laboratoriais, mas simcomo tarefas imprescindíveis para que a fria “coleta de dados” pudessese transformar numa “colheita de dados” a partir da articulação entre“ver/observar, ouvir, e escrever” e, por fim;• na dimensão ontológica/gnosiológica de tratar os sujeitos, nas análi-ses e durante a construção do campo, não mais como meros “senso-comum”, mas de seres humanos dotados de comunicação, cultura,

história e política, pilares sobre os quais devem se pautar as pesquisasde caráter emancipatório, portanto, no âmbito das Ciências Sociais eHumanas.Para finalizar, quero recuperar as metáforas do poema e do título deste

pequeno texto, destacando que há ainda muito que se plantar no campo so-cial da pesquisa; há ainda muitas flores e frutos a serem colhidos no âmbitoárido da vida cotidiana tão reificada e ao mesmo tempo repletos de utopias,

como nos lembra Lefèbvre8, ao dizer que na “sociologia da vida cotidiana”,esta é dotada de “miséria”, mas também de “riqueza” do cotidiano.

 Assim, despeço-me com uma frase de um poema de Ferreira Gullar, jácitado nos nossos editoriais da REVISTA MOTRIVIVÊNCIA: “caminhosnão há mais / os pés na grama os inventarão”.

Floripa, julho de 2005.

MAURÍCIO R OBERTO DA SILVA

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8LEFÈBVRE, Henri. A vida cotidiana e o mundo moderno. São Paulo: Editora Ática, 1991

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As práticas corporais e os elementosdo processo metodológicoda Pesquisa IntegradaIARA R EGINA DAMIANI

ANA MÁRCIA SILVA

PARA UMA INTRODUÇÃO

 As pesquisas em Educação Física e as indicações teórico-metodológicasdecorrentes vêm sendo estruturadas, basicamente, a partir das ciências biomé-dicas e dos parâmetros tradicionais de ciência. As pesquisas prioritariamentedesenvolvidas nesse campo partem prioritariamente de um olhar biomédico,

incluindo-se os conhecimentos da anatomia, da fisiologia e da biologia. Outrosolhares também transparecem, inclusive por sua condição de convergênciacom o primeiro, tais como os saberes da biomecânica, organizados a partir dasleis da física tradicional, ou, ainda, aquele olhar proveniente dos saberes tec-nicizados do esporte convencional, pautados pelos objetivos do rendimento eda performance. Estas perspectivas teórico-metodológicas predominantes –um olhar biomédico, um olhar instrumental-lógico, um olhar esportivizado –

compreendem as práticas corporais apenas em sua condição de mera ativi-dade física, desconsiderando o investimento subjetivo ali envolvido e sua con-dição de produto e processo cultural.

É na década de oitenta que podemos localizar o início da interlocuçãotambém com os conhecimentos oriundos das Ciências Humanas e Sociais, da

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 Arte, da Filosofia e dos saberes populares. É nesse período que se inicia nopaís, de forma mais consistente e sistemática e através de uma perspectiva maiscrítica, a trajetória de investigação no âmbito da Educação Física e das Ciên-cias do Esporte. A Pesquisa Social, com uma orientação teórico-metodológicadiferenciada da perspectiva tradicional indicada acima, vai subsidiar as ativi-dades neste nosso campo de conhecimento, possibilitando instrumentos paraa problematização de grandes temas que lhe conferem especificidade.

É no interior dessa última orientação teórico-metodológica que com-preendemos este Projeto Integrado de pesquisa. Fizemos esta opção, buscan-

do não subestimar a importância dos dados objetivos que nos permitem com-preender uma importante faceta da materialidade humana. Compreendemos,porém, que estes dados precisam ser recolocados no contexto social que lhesdá origem, porque informam um importante aspecto deste contexto, auxilian-do na compreensão da realidade que, inclusive, lhes dá origem e sentido.Com esta intenção, procuramos nos colocar numa perspectiva interdisciplinarno desenvolvimento da pesquisa, inclusive buscando nos aproximarmos da

complexidade do universo das práticas corporais.Para desenvolver uma pesquisa que inclui uma intervenção de campo,

o olhar, o ouvir e o escrever – que aparentemente são tão simples – possuemuma mediação. Neusa Gusmão (1998, p.4) diz que todas as relações humanassão sempre mediadas, intermediadas, uma vez que a “polaridade é muito visí-vel e, na pesquisa, nosso desafio é invisível e o invisível trabalha com as estru-turas de mediação entre o olhar e o escrever”. Segue ela dizendo que na esfera

da construção do conhecimento é necessário problematizar esses três elementos.

Se você não problematiza, não tem condições de fazer pesquisa. Por isso se falaque é um modo ilusório e falso dizer que, ao construir o conhecimento, temosum sujeito e um objeto, ou seja, uma relação polar novamente. Na realidade, oque temos são problemas que queremos responder, são problematizações quefazemos a respeito de certas coisas e que vamos ver no interior desse ou daque-le grupo que serão nossos sujeitos. Quando falamos que a relação sujeito-obje-

to de uma maneira tão polarizada, sem compreender o significado dessas coi-sas, nós corremos o risco de pensar que o objeto existe por si, existe desvincula-do da realidade. Vi (e continuamos vendo) vários projetos na seguinte direção:“eu estou à procura do meu objeto”. Isto quer dizer que ele está perdido na rua.

 Você nunca irá encontrá-lo, (pois) ele não existe. Ele é uma construção, tantoquanto é uma construção o olhar, o ouvir e o escrever (Ibidem).

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Problematizar esses três elementos é dar-lhes um estatuto epistêmico,organizando conhecimentos que englobam princípios, pressupostos, hipó-teses; formular uma teoria para explicar, para compreender e intervir sobredeterminadas situações. Contudo, conhecimentos ou teorias já existentes nãosignificam ponto de chegada, mas sim de partida, uma vez que o processode produção do conhecimento, o processo de pesquisar, é um processo criati-vo, caracterizado pela construção permanente. O conhecimento, nessa pers-pectiva, está sempre em movimento; é o que chamamos de dialeticidade doconhecimento. Torna-se imprescindível em uma pesquisa, porém, que os

aparatos teóricos que a sustentam estejam justificados a partir de uma orien-tação teórica.

Nesse sentido, torna-se importante haver o entendimento de que nãoé somente uma única teoria que orienta uma pesquisa, pois existem várias emuitas delas estão presentes - impregnadas até - em nossas vidas e as influ-enciam. Com isso, não afirmarmos que optar por uma teoria é usá-la como“camisa de força” ou que, ao usar várias, tornamos a pesquisa uma “colcha de

retalhos”. Nossa compreensão aproxima-se do pensamento de Maria CecíliaMinayo (1994, p.18), para quem “nenhuma teoria, por mais bem elaboradaque seja, dá conta de explicitar todos os fenômenos e processos. O investiga-dor separa, recorta determinados aspectos significativos da realidade para tra-balhá-los, buscando interconexão sistemática entre eles”. Convém esclarecerque é determinante a coerência teórica justificada nas suas premissas, nosseus princípios, nos seus pressupostos. Reconhecer a que concepção de ciên-

cia e a que visão de mundo esta ou estas teorias atendem propicia o trânsitoentre estas e entre os recursos que oferecem para o entendimento, a explicaçãoe a intervenção na realidade.

Mediante estudos e encaminhamentos concretos, essa Pesquisa Inte-grada objetivou, primordialmente, investigar os limites e as possibilidades dere-significação de diferentes práticas corporais contemporâneas, a partir deprincípios que possibilitassem a construção da cidadania coletiva e da eman-

cipação humana. As práticas corporais constitutivas dessa Pesquisa foram di-vididas e desenvolvidas em sete Subprojetos, os quais intitulamos: Artes Cor-porais e Aventuras na Natureza; Artes Marciais no Caminho Guerreiro; Prá-ticas Corporais na Maturidade; Vivências do Coração; Dançando com seuTempo; Capoeira e os Passos da Vida; e Hip Hop, Movimento e Cidadania.

As práticas corporais e os elementos do processo metodológico da Pesquisa Integrada 21

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Ressaltamos no texto de apresentação do Projeto Integrado que as basesteórico-metodológicas do Marxismo e da Fenomenologia, assim como da TeoriaCrítica, constituíram o contexto dos enfoques do grupo de pesquisa. Reconhe-cemos as profundas diferenças entre essas concepções teóricas, porém, buscamospartir daquilo que têm em comum: suas profundas e radicais análises críticas daModernidade, a energia utópica de suas perspectivas ontológicas e epistemoló-gicas que constituem outra visão de mundo. Elementos esses que, também, nosaproximam em nosso cotidiano de trabalho já há longos anos, no interior doNúcleo de Estudos Pedagógicos da Universidade Federal de Santa Catarina.

Essa migração teórica, reconhecida no projeto como um risco, ao longodo processo constituiu um rico embate nas argumentações teóricas; nas pro-postas de ações e resoluções das situações ocorridas nas experiências de cam-po; nas reflexões dos conceitos e na estruturação das categorias; nas análisesdas contradições e ambigüidades da realidade social, entre outros aspectos.Este embate, em nossa avaliação, potencializou o processo de formação dospesquisadores e a avaliação das possibilidades de intervenção na realidade.

Entender que estes aportes teórico-metodológicos apresentam diferen-ças não significa dizer que são excludentes ou contrários – seja na sua percep-ção crítica de realidade social, seja na compreensão de corporeidade ou noentendimento de práticas corporais. A aproximação destes aportes se dá, tam-bém, porque esta pesquisa buscou superar as concepções fundadas nas lógi-cas instrumental, anátomo-funcional e esportivizada provenientes de outrasmatrizes teórico-metodológicas e de seu modelo de inspiração positivista. Este

modelo que se coloca como sinônimo do fazer cientifico é originário das ciên-cias da natureza e busca se impor como método único para as demais ciên-cias. Indica uma neutralidade do pesquisador e uma compreensão do objetoisolado do sujeito, identificados por trás de seu exclusivismo quantitativo e desua análise de dados eminentemente estatística.

 A Pesquisa Social inspirou o processo de construção metodológica desteProjeto Integrado, especialmente a partir de procedimentos que se aproximam,

em alguma medida, da investigação-ação, da pesquisa-participante e da etno-grafia. Alguns procedimentos foram unificados em todos os sete Subprojetos,ainda que haja diferenças de detalhamento entre eles, inclusive em função dasespecificidades dos grupos e das práticas desenvolvidas e que podem ser me-lhor compreendidas nos textos que compõem este volume da coletânea.

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O PROCESSO METODOLÓGICO

Esses três tipos de metodologias de aplicação das ciências humanas esociais constituem aquilo que designamos de pesquisa social ou pesquisaqualitativa. Muitos são os estudiosos de metodologia da pesquisa que desta-cam as características de uma pesquisa social e que em nosso projeto se fize-ram presentes. Assim, MINAYO (1994, p.21) diz que esta “trabalha com umuniverso de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o quecorresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fe-

nômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.Queremos registrar, também, que a pesquisa qualitativa de tipo feno-

menológico foi outra que auxiliou nosso projeto, em especial, por suas suges-tões de encaminhamento metodológico centradas no âmbito descritivo e com-preensivo. Bogdan, estudado por Augusto Triviños (1986, p.128-130), indicaque esse tipo de pesquisa apresenta cinco características que nos forneceramindicações para um certo momento da pesquisa: • tem o ambiente como

fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento-chave; • é descriti-va; • os pesquisadores têm preocupação com o processo e não, simplesmente,com os resultados e produtos; • a análise dos seus dados tende a ser indutiva;• o significado é a sua preocupação essencial.

Nossa perspectiva metodológica – de pesquisadores e pesquisados irema “campo” e experienciar situações de intervenção social com as práticascorporais – oportunizou uma condição especial para o processo de pesquisa.

Nossa intenção era não só descrever e compreender as situações e seus sig-nificados para os participantes dos grupos, mas produzir e avaliar novas pers-pectivas teórico-metodológicas capazes de sustentar novas intervenções so-ciais, na direção da construção da autonomia e cidadania coletiva dos sujeitosenvolvidos, além de outras possibilidades no desenvolvimento humano. A op-ção por esta perspectiva metodológica pode abrir espaços para a construçãode alternativas de caráter inovador para projetos educacionais, conforme

indicam Alceu Ferraro e Nádie Machado (2001), no sentido de organizarexperiências que sejam, concomitantemente, investigativas, cooperativas epropositivas.

Tratou-se, então, de fazer pesquisa, “aprendendo a fazê-la melhor atra-vés da ação”, como nos diz Paulo Freire (1985, p.35). Esse importante funda-

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mento, mais um do velho mestre, nos apontou a possibilidade de ir constru-indo instrumentos e métodos mais adequados às temáticas em questão. Alémdisso, permitiu estarmos mais atentos às especificidades que caracterizavamcada grupo e cada sujeito envolvido no trabalho de campo. Enfim, nos deu oimpulso para ousar nesta tarefa investigativa e propositiva, nos permitindoreavaliar e re-nortear o trabalho quando necessário, sem descuidar do rigorque deve caracterizar um processo de pesquisa.

Importante reiterarmos que os pesquisadores envolvidos foram coorde-nando um processo de intervenção pedagógica que foi alterando o contexto e

os sujeitos envolvidos na pesquisa. A construção de princípios norteadores dotrabalho, organizados a partir dos eixos centrais da pesquisa – experiência,conhecimento, linguagem – inspiraram uma abordagem metodológica dife-renciada do ensino tradicional ou meramente “bancário”, como nos dizFREIRE (1992). Houve, portanto, em curso nessa pesquisa, uma dimensãoque se aproximou da investigação-ação, dado que um processo de experimen-tação esteve ocorrendo, paralelamente, ao levantamento dos dados.

Michel Thiollent (1986, p.14) diz haver uma diversidade de definiçõespara a pesquisa-ação, algumas delas também presentes em alguns Subprojetos:

é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizadaem estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problemacoletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situ-ação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Nesse sentido, os pesquisadores e pesquisados, sujeitos construtores eprodutores de conhecimentos e ações, estiveram envolvidos ativamente tantonas decisões de situações problemáticas encontradas, quanto no acompanha-mento, na participação e na avaliação das ações desenvolvidas. O grupo depesquisadores buscou colocar-se aberto às manifestações e disposto ao diálo-go, uma vez que nem sempre as práticas de intervenção foram consensuais,

exigindo, de todos, habilidades de negociação.Por sua vez, abordagens a partir da pesquisa participante estiveram,

também, presentes nos Subprojetos, muito mais em função da relação pes-quisadores-pesquisados. Essa perspectiva metodológica está muito mais aserviço de um processo de interação comunitária, em torno de alguma mobi-

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lização de um programa ou movimento social. Na relação acima citada, apesquisa participante estabelece relações comunicativas com os sujeitos ougrupos da situação em questão com a finalidade de conseguir uma melhorinteração e avanços contextuais. Os pesquisadores, portanto, buscam partici-par do contexto investigado, identificando-se com valores e comportamentos,em busca de aceitação. Assim, esta interação pode ser considerada como umelemento constitutivo da dinâmica metodológica da pesquisa-ação, uma vezque pressupõe a intervenção numa dada comunidade ou grupo a ser pesqui-sado, necessitando desta relação pesquisador-pesquisado.

Por último, tivemos Subprojetos que utilizaram alguns procedimentosmetodológicos da etnografia. Esta perspectiva, desenvolvida em nosso campopor Vicente Molina Neto (1999, p.116) origina-se na antropologia interpreta-tiva de Clifford Geertz, ou seja, uma descrição densa das observações e inter-pretação das experiências. Sustentar-se nestes procedimentos etnográficos enas referências teóricas de tradição crítica é, para o autor, propiciar “umainteração entre o sujeito e o objeto de estudo”. Na argumentação de sua pro-

posta, segue descrevendo que a pesquisa etnográfica

Promove o exercício do pensamento dialético entre a teoria e a prática, entre ofato e a reflexão, entre a objetividade e a subjetividade, já que tanto o investi-gador quanto o investigado estão impregnados do contexto mais amplo. Nainteração desenvolvida pela comunidade investigativa, investigador-investiga-do ensinam, um ao outro, por meio dos signos apreendidos da realidade quelhes circunda e nas expectativas de como gostariam que ela fosse. [...] Em um

estudo dessa natureza, o investigador não isola o problema estabelecido docontexto social, nem faz prescrições, pois, conforme assinala Erickson (1989),a investigação qualitativa trata de dar vez, voz e poder aos que historicamenteestiveram privados deles (MOLINA NETO, 1999, p. 116-117).

Como vimos, estas três abordagens metodológicas têm como pressu-posto básico a relação dinâmica entre pesquisador e pesquisado, o que é fun-

damental para elucidar e encaminhar as problemáticas da pesquisa.

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 AS TÉCNICAS E OS INSTRUMENTOSDE COLHEITA DOS DADOS

O trabalho de campo dos Subprojetos teve uma duração investigativade seis a oito meses, sendo um trabalho bastante intenso, com pesquisadoresenvolvidos com vários instrumentos metodológicos nas intervenções com aspráticas corporais. A observação participante, os registros em diário de campo,as entrevistas semi-estruturadas, os questionários organizados para obter in-formações biográficas e socioeconômicas mais objetivas e as fotografias foram

utilizados os instrumentos utilizados pelos Subprojetos. Outros instrumen-tos, como as filmagens, os desenhos, a redação livre, os testes antropométri-cos, foram utilizados em alguns trabalhos de campo, a partir das especifici-dades dos objetivos, do grupo ou da prática corporal desenvolvida.

Importante ressaltar que o envolvimento com o “campo”, ou seja, alocalização geográfica, o espaço de realização, os sujeitos pesquisados, otempo de pesquisa, entre outros elementos que “formam” aquilo que cha-

mamos de campo, inicia-se antes mesmo da intervenção. A participação dopesquisador no locus de pesquisa inicia antes de sua intervenção propria-mente dita, assim como continua após seu término. Nesta direção, incluímos,também, a publicação da presente coletânea, em três volumes, e diversascomunicações orais e pôsteres em eventos acadêmico-científicos, outros resul-tados concretos desta pesquisa e através dos quais procuramos socializar oconhecimento que produzimos e contribuir para uma mudança de rumo no

trabalho deste nosso campo acadêmico-profissional.Há muita complexidade em torno da investigação e da experiência e

não basta-nos estar em campo, ver e ouvir, se estivermos desprovidos de umprocesso de questionamentos, se não tivermos clareza de princípios e de pres-supostos teóricos que nos apontem uma orientação para estas capacidadesperceptivas e para a interação. O campo não é provido, apenas, de um sig-nificado espacial e temporal; constitui-se, também, de uma compreensão de

pressupostos, de conhecimento, de relações humanas e, especialmente, declareza de objetivos.

O envolvimento com uma pesquisa em campo é anterior ao estar lá:são as idéias, os desejos iniciais; é a sistematização do projeto com seus obje-tivos, suas estratégias e, por fim, a transformação do projeto em pesquisa, em

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ação, em execução. O campo pressupõe uma ação. É esse o processo de cons-trução, de produção de um conhecimento que é demarcado quando se desen-volve uma pesquisa em campo.

O campo passa a ser compreendido tanto quanto uma aproximaçãocom aquilo que desejamos conhecer e estudar, quanto a pensar na relação so-cial de alteridade que se estabelece, isto é, de pensar o outro. O campo torna-se, então, “um palco de manifestações de intersubjetividades e interaçõesentre pesquisador e pesquisados, oportunizando a criação de novos conheci-mentos”, como nos diz Otávio Cruz Neto (1994, p.54). Este é um caminho

na direção do outro, de si e de ambos, mediados por um problema a ser estu-dado. Na saída deste caminho estão possíveis transformações da realidade,resultam transformações daquilo que somos. Uma investigação-ação implicatanto em produção do conhecimento como uma totalidade que envolvepesquisador-pesquisado, quanto em transformações da realidade, dado quetodos se constituem como sujeitos da ação.

Cruz Neto (1994) nos chama a atenção, também, que a entrada no

campo exige cuidados dos pesquisadores, no sentido de não dificultar essadinâmica relacional: saber aproximar-se, respeitosamente, das pessoas; saberapresentar, argüir a proposta de trabalho; saber ouvir, dialogar, colocar-se aolado das pessoas para ver possibilidades de novas revelações frente à proble-mática de estudo; ter um zelo teórico-metodológico com as propostas a seremexploradas no campo. Cuidados, estes, que procuramos tomar na estrutu-ração dos sete grupos com os quais trabalhamos.

 Alguns instrumentos foram fundamentais para o trabalho de campo e,dentre estes, destacamos a observação participante que exigiu olhares e ouvi-dos atentos, bem como o registro em diário de campo. Tivemos na observaçãoparticipante uma técnica privilegiada para a coleta de dados, durante a qualse deu uma relação mais próxima com os pesquisados, possibilitando umavariedade de situações que foram registradas em diário de campo para poste-rior análise. Este registro era feito não só pelo professor-pesquisador respon-

sável pela coordenação daquela aula-encontro, como por pelo menos maisum e, por vezes, por até quatro outros pesquisadores observadores da ativi-dade desenvolvida. Vários registros do mesmo momento permitiram cruzardados, complementar informações e checar interpretações e análises parasituações ocorridas, permitindo o rigor na análise dos dados. Além disto, esta

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multiplicidade de registros permitiu um acompanhamento mais detalhado aolongo de todo o período, confrontando elementos do início e do fim do tra-balho de campo, assim como do aprimoramento do olhar de cada pesquisadorenvolvido.

 A entrevista de tipo semi-estruturada constituiu-se em um importanteinstrumento utilizado nos Subprojetos e oportunizou detalhar observações,atitudes e interpretações dos participantes e dos pesquisadores. Esta se cons-tituiu como um diálogo, organizado a partir de uma estrutura temática, e via-bilizou a troca de idéias acerca das proposições do estudo investigado. Nesta

pesquisa, por seus objetivos e perspectiva metodológica, todas as intervençõesacabavam requerendo momentos de informação e, por isso, o diálogo man-teve-se como fundamental ao longo do processo de desenvolvimento.

Outros instrumentos, como o desenho, a fotografia e a filmagem, tive-ram um papel mais voltado ao registro das intervenções do que propriamentecomo recurso de informações e análise. Mesmo assim, eles oportunizaram umpapel pedagógico aos professores-pesquisadores e alunos-pesquisados, que se

“viam” enquanto construtores de diversas ações.

 AS ANÁLISES PERSPECTIVADAS

 A análise dos dados teve como referência central o método hermenêu-tico-dialético (MINAYO, 1992), apoiando-se, também, numa perspectiva de

análise de conteúdo. Esta última orientada pelas etapas propostas porLeonard Bardin (1979): pré-análise, descrição analítica e interpretação refe-rencial. Essa técnica foi especialmente útil para a análise das entrevistas edepoimentos espontâneos com sua proposta de estruturação de “unidades deregistro” e “unidades de contexto”. O método proposto por MINAYO (1992)possibilitou a organização mais ampliada do processo de ordenação, classifi-cação, interpretação e análise dos dados.

Essa relação com os dados, entre os dados e destes com suas interpre-tações e análises, possibilitou um trânsito entre o geral e o particular, entre ateoria e a prática, entre o concreto e o abstrato, com uma maior aproximaçãoentre a realidade, os objetivos propostos e o mundo da vida dos pesquisados.Tais relações foram fundamentais, considerando-se que a pesquisa tinha uma

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forte proposta de intervenção social, a partir da perspectiva de re-significaçãodas práticas corporais. Esta intencionalidade tem uma repercussão sobre osdados utilizados para as análises, assim como para a aferição e concretizaçãodos objetivos.

Em todos os Subprojetos, as análises foram efetuadas através de cate-gorias e eixos articuladores. Por categorias, fomos trabalhando a partir dadefinição da Academia de Ciências da URSS, apresentada por TRIVIÑOS(1987, p.55) como sendo “formas de conscientização nos conceitos dos modosuniversais da relação do homem com o mundo”. O autor ressalta na seqüên-

cia que, nessa concepção,

as categorias se formaram no desenvolvimento histórico do conhecimento e naprática social. Esta última afirmação é fundamental. Ela significa que o siste-ma de categoria surgiu como resultado da unidade do histórico e do lógico, emovimento do abstrato ao concreto, do exterior ao interior, do fenômeno àessência.

No processo de pesquisa, o trabalho constituiu-se, inicialmente, a par-tir de eixos propositivos e conceituais, provenientes dos objetivos do ProjetoIntegrado e de seus pressupostos teórico-metodológicos. Num segundo mo-mento, constituíram-se as categorias resultantes da dinâmica social das expe-riências desenvolvidas com as práticas corporais. Tratamos, então, de identi-ficar as fronteiras entre os eixos provenientes do universo dos pesquisadores eaquelas categorias provenientes dos dados da investigação-ação, na intençãode construir o processo de análise.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa social, agrupandoenfoques de perspectivas de pesquisa diferentes, porém, não opostos. A pes-quisa-ação, a pesquisa participante, a etnografia, apesar de apresentarem as-pectos diferenciadores, aproximam-se em sua crítica ao modelo de inspiraçãopositivista. Por sua vez, a Pesquisa Social pauta-se por uma relação dialéticaentre a realidade e a pesquisa, entre os pesquisadores e pesquisados, entreobjetividade e subjetividade no processo de construção do conhecimento, reu-

nindo, por isso, instrumentos quantitativos e qualitativos nesse processo. Avaliamos que muitos foram os saltos no âmbito metodológico desta

pesquisa. Um destes foi resultado do processo de formação do grupo depesquisa: os seminários temáticos, a capacitação com os pesquisadores convi-dados, as reuniões de estudo e organizativas do Projeto Integrado, os encon-tros de estudo e discussão das produções dos Subprojetos etc.

Outro salto qualitativo importante no processo metodológico foi perce-

ber que pesquisa e experiência de campo não são a mesma coisa, mesmoquando ocorram concomitantemente. Pesquisa e intervenção não são sinôni-mos, porém estas podem se integrar; uma pesquisa pode ter uma experiênciade campo, porém, uma experiência de campo não se torna, necessariamente,uma pesquisa. Esta experiência pode constituir-se como uma estratégia meto-dológica ou como legítimo fim em si mesmo.

Desenvolver esta pesquisa exigiu de todos os pesquisadores, além de

uma imensa coragem teórica – a analise dos dados é uma tarefa complexa,requerendo profundidade de conhecimentos, de interpretação, de reflexão, deanálise –, um grande vigor prático, pois foram intervenções semanais, durantemais de seis meses; foram transcrições de entrevistas, foram os registros naforma de diário de campo; foram estabelecimento de convivências novas tantona esfera do grupo de pesquisa, quanto do grupo pesquisado; novas expres-sões, linguagens, olhares, comunicações, diálogos. Enfim, exigiu muita con-

centração teórico-metodológica, em face da elaboração paralela do trabalhoem campo.

 A pesquisa social é uma prática constante de problematização da reali-dade, de contextos, de situações, de fenômenos, de práticas sociais. Sua pos-tura crítica, criativa e instigante torna-se um imenso exercício na formação de

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pesquisadores. Nesse sentido, o desenvolvimento desta pesquisa, a partir dacaracterização teórico-metodológica adotada, parece-nos ter atingido, espe-cialmente, um de seus objetivos. Avaliamos estar contribuindo tanto para aformulação de um referencial epistemológico crítico e complexo, quanto paraa compreensão das relações que se estabelecem, a partir da dimensão corpo-ral, em diferentes ambientes e em diferentes fenômenos da cultura corporal.De modo particular, possibilitou, também, a estruturação de metodologias deinvestigação das técnicas e práticas corporais em diferentes contextos, con-tribuindo para o incremento de pesquisas desta natureza.

O Projeto Integrado, organizado a partir da investigação-ação, procu-rou desenvolver uma intervenção social, juntamente com uma reflexão teóri-ca, uma autocrítica e uma avaliação dos resultados. Nosso impulso meto-dológico encaminhou-se na direção de uma experiência participativa e nabusca por mudanças tanto de ordem psicossocial com os grupos de trabalho,quanto na realidade social, por meio também da produção do conhecimento.Nossa esperança no processo de re-significação das práticas corporais como

uma investigação temática buscava ser coerente, no âmbito metodológico,com os objetivos que nos mobilizam.

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TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em

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A construção narrativacomo instrumento metodológicode formação9

 VICENTE MOLINA NETO

R OSANE MARIA KREUSBURG MOLINA

1. INTRODUÇÃO

Elaboramos este texto com o objetivo de, por uma parte, compreendero processo que vivenciamos como investigadores no contexto da cultura aca-dêmica em que estamos imersos. Por outra, semelhante a outros pesquisado-res, também nos interessa compartilhar nossa experiência porque acredita-mos, no momento, que a produção de narrativa serve, ao mesmo tempo, deprocedimento de pesquisa e de alternativa de formação.

Esse cuidado, o da formação, na maioria das vezes não consta em ne-nhuma das inúmeras pautas e rotinas do cotidiano dos pesquisadores. Produ-zir narrativas de nossas experiências nos faz viver um processo profundamen-te pedagógico, no qual a nossa condição existencial é o ponto de partida paraa construção do nosso desempenho presente e futuro. É através do exercício

9 Este texto reproduz parte de um texto intitulado HOW HAVE WE BECOME RESEARCHERS? THE NAR-RATIVE CONSTRUCTION OF A PROFESSIONAL CAREER, submetido ao Narrative Inquiry Journal, emdezembro de 2004. Agradecemos ao Dr. Fernando Hernández, Professor da Universidade de Barcelona,pelas inúmeras sugestões, pelo interesse e pelas constantes reflexões provocadas ao longo da construçãodesta narrativa.

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da narrativa que podemos identificar, organizar e nomear os significados queatribuímos a inúmeros fatos que vivemos, mediante os quais podemos recons-truir as diversas compreensões que temos sobre nós mesmos. Ou seja, a nar-rativa é um valioso instrumento para qualificar nossas reflexões de modo con-textualizado e, como resultado, temos a possibilidade de re-significar o vivido.

Compartilhar tudo isso quando há muita dificuldade de falar ou escre-ver sobre o vivido, em que o individualismo social é a postura estimulada(dentro e fora do contexto acadêmico), foi uma decisão pautada pela necessi-dade de exercitarmos mais a reflexão do que a ação, através de um singelo

diálogo entre nossas vivências e as construções teóricas que, neste momento,pautam nossas vidas profissionais.

 Ao longo deste texto nos situamos no centro da cena. Há momentos emque, talvez mais para alguns do que para outros leitores, nossas individuali-dades se confundam no cenário e se confundam também com as vidas e asexperiências dos próprios leitores. Além dessa possibilidade, também poderáhaver momentos nos quais nós, autores, pareceremos figuras animadas e não

um casal de seres vivos revelando e revelados nessa trama.Nossa experiência docente já passa dos trinta anos. Entretanto, a nar-

rativa feita neste texto enfoca nossas biografias correspondentes à parte desteperíodo, sobretudo dos tempos e dos fatos que melhor desvelam nossa identi-dade docente. Traços peculiares construídos no exercício da docência e dapesquisa e que, na nossa avaliação, foram significativos para a nossa alteri-dade em relação a outros professores e investigadores.

Nossa narrativa contempla o período entre os anos 1996/1997 e 2004.Em fins de 1996 e início de 1997, finalizamos nossas teses de doutorado naUniversidade de Barcelona e no primeiro semestre de 2004 finalizamos umaestada de um ano, como professores convidados, nessa mesma Universidade.O texto tomou forma a partir de um seminário sobre Investigação Educativae Formação de Professores que ministramos para estudantes de distintas nacio-nalidades e professores do Programa de Doutorado do Departamento de Di-

dática e Organização Educativa da Universidade de Barcelona, no final de 2003.Segundo Paul Ricoeur (1999), um texto é um discurso escrito que tem

por intenção dizer algo sobre algo a alguém. Nessa tríplice mediação, segun-do o autor, ao escrever explicamos e entendemos nossas relações no mundo davida, tanto com os objetos quanto com as outras pessoas e conosco mesmo.

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Neste sentido, nossa intenção, ao construir esta narrativa, pode estar localiza-da no ato de compreender nossa inserção e permanência, até o momento, nomundo da academia, da investigação, da docência e das relações entre for-madores e estudantes. Incluímos, nessa narrativa, alguns fatos desagradáveisda vida acadêmica, sem desejar dar ao texto um tom revanchista, nem que anarrativa promova um reconhecimento público àquilo que conseguimos co-mo pesquisadores. O que queremos é tornar público uma trajetória comum,semelhante a tantas outras trajetórias que, muitas vezes, passam “olimpica-mente” despercebidas, tanto por parte das instituições que financiam e aco-

lhem nossos projetos quanto por pesquisadores principiantes que, às vezes,pensam que a conclusão do doutorado é suficiente para ocupar um lugar nocompetitivo mundo acadêmico brasileiro.

Considerando, como pressuposto de entrada ao tema, que ensinar epesquisar exige do professor, em palavras de Edgar Morin (1994) e PauloFreire (1996), a crença na “unidualidade” e na “dialógica” em mediação como campo de trabalho, pretendemos, através desta narrativa, responder a se-

guinte pergunta: Como nos construímos, depois de uma longa experiênciadocente, pesquisadores da prática pedagógica e seus nexos com as atividadesde formação inicial e continuada?

 Ao contar parte da nossa história queremos fazer uma leitura da nossaexperiência que, como muitas outras experiências docentes, não está isenta dedescontinuidades, contradições e configurações singulares relacionadas a fa-tos que vivemos. Entendemos experiência no sentido hermenêutico qualitati-

vo do termo, ou seja, um conjunto de ações no mundo da vida que, ao ganharsentido, passa a fazer parte da nossa consciência e, daí, a integrar nossas pau-tas cotidianas de ação, incorporando-se como conhecimento. Desta forma,esperamos que esteja claro, nosso grande objetivo é tentar apreender desde ecom a experiência narrativa (HUBERMANN, THOMPSON e WEILAND,2000; CLANDININ e CONNELLY, 2000), considerando que ao narrarrecriamos a experiência vivida, sem esquecer que a experiência em si e a nar-

ração da experiência são elementos distintos.

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2. O SIGNIFICADO DO MOMENTO ATUAL

Faz dez anos que um de nós fez sua primeira investigação com carac-terísticas predominantemente etnográficas10. Essa investigação teve como ob-jetivo compreender o significado que um grupo de professores de educaçãofísica de ensino médio conferia a um curso de formação permanente. Estecurso objetivava “capacitá-los” para pôr em execução o então chamado tercei-ro nível de concreção da reforma educativa espanhola11. Essa experiência foium importante exercício para a elaboração de nossas teses de doutoramento

(MOLINA NETO, 1996; MOLINA, 1997), sobretudo pela oportunidade deaprender a escutar, construir e interpretar significados a partir da construçãode perguntas.

Nossos cursos de doutorado constituíram-se em experiências positivasem nossas histórias pessoais e profissionais, entre outros motivos, pelo fato denos permitir construir um conhecimento próprio acerca dos processos deensinar e aprender em distintos ambientes educativos e em diferentes contex-

tos socioeconômicos. O doutoramento também foi decisivo para ampliar nos-sos níveis de autonomia nos contextos das instituições nas quais trabalhamos.

 Aprendemos a ser investigadores de nossas próprias práticas (FREIRE, 1996)e nos inserimos intensamente no ensino universitário, muitas vezes dizendonão a outros projetos e a outros discursos sedutores que nos ofereciam outrase novas oportunidades de trabalho.

Nosso contexto profissional, hoje, está circunscrito às atividades de

ministrar aulas, de investigar processos de formação e práticas pedagógicas deprofessores em exercício e em formação inicial no âmbito da Rede Municipalde Ensino de Porto Alegre (RMEPA), na ESEF/UFRGS e na UNISINOS.Estrategicamente, temos adotado como método de trabalho o compartilha-mento, com os membros do grupo de pesquisa, do universo e da diversidadede problemas inerentes ao ato de pesquisar e compreender a própria prática,

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10 Investigação apresentada no I Congreso Mundial de Ciencias de la Actividad Física y del Deporte realizadoem la Universidad de Granada, em 1993. Foi um trabalho conjunto com Dolores Graciela Cordero Arroyo(investigadora mexicana) e sua publicação foi em 1996 na Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.18,p.16-26 sob o título: Um estudo interpretativo de uma atividade de formação permanente dirigida a professoresde educação física de 2º grau de Barcelona.11 LOGSE –Lei Orgânica General Del Sistema Educativo, datada de 03 de Octubre de 1990, publicada em elB.O E. de 04/10/1990.

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em contextos complexos. A prática de comunicarmos nosso processo e resul-tados de pesquisas em âmbitos externos ao nosso grupo de trabalho tem servi-do para oxigenar nossa forma de pensar e de fazer pesquisa. Nesse sentido,nosso estágio Pós-Doutoral, por um período de um ano, no grupo FormaçãoInovação e Novas Tecnologias (FINT), e nossa participação na vida acadêmi-ca da Universidade de Barcelona, ao longo deste período, foi uma oportu-nidade exemplar.

Foi nossa estada no FINT que, entre outras oportunidades, nos provo-cou e impulsionou a escrita desta narrativa. Experiência, como já comenta-

mos anteriormente, que se constituiu em importante possibilidade de comu-nicação intersubjetiva e, para nós, teve significado de caráter vital. Como afir-ma Jurgen Habermas: “No hay necesidad, ni tampoco posibilidad, de limpiarel conocimiento humano de ingredientes subjetivos y mediaciones intersub-jetivas, es decir, de intereses prácticos y del color del lenguaje” (2003, p.77).

Concretamente, construir esta narrativa é uma possibilidade de avaliaras investigações que temos feito desde 1996, a partir de nossas intervenções

nos programas de pós-graduação nos quais temos participado. Significa, tam-bém, a possibilidade de revisar nossos posicionamentos ou nossas estratégiasmetodológicas e os pressupostos teóricos que têm orientado nossas aproxi-mações aos fenômenos, experiências e problemas de conhecimento que temosinvestigado. Ou seja, ao mostrar o que fizemos, ou parte do que fizemos, que-remos identificar nossos limites, aprender com nossos erros e arquitetar novaspossibilidades para nossas atuais e novas investigações. Sintetizando, temos

em conta a sentença de Hans-Georg Gadamer (2000, p.11): “Afirmo que laeducación es educarse, que la formación es formarse.”

 A partir da experiência dos nossos cursos de doutorado consolidamosuma forma de investigar o âmbito educativo e utilizamos, com rigor e cuida-do, as estratégias e os instrumentos de coleta de informação. Entretanto, istonão foi suficiente para obter, de imediato, o reconhecimento acadêmico, noslimites da área da Educação Física. Ao voltarmos ao nosso país, depois da

conclusão do curso de doutorado, corremos uma série de riscos, como os quenos impõem as burocracias institucionais. Além destes, fomos absorvidos pelaprópria comunidade acadêmica que queria saber o quê trazíamos de “novi-dade” em termos de leituras, experiências, vivências, posicionamentos, etc.,além de querer saber, o quanto antes possível, a que espaços e tempos insti-

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tucionais nos vincularíamos, na condição de recém-doutores. Outro processoque vivenciamos foi o do tensionamento ante a qualidade e, sobretudo, aquantidade das produções acadêmicas, muitas vezes velada, através de atos dealgumas instâncias institucionais e pelas ações geradas nos processos das mi-cropolíticas12 de poder que já estão organizadas e que controlam os espaçosacadêmicos (ensino, extensão e pesquisa). Tensões que, cada vez com maisintensidade, povoam as universidades, as quais, por sua vez, vêm se consti-tuindo em ambientes altamente competitivos, nos quais a figura do professorempreendedor é altamente valorizada. Conforme assinala criticamente

Richard Sennett (2003), mais valor tem o que mais recursos externos captarpara o financiamento de suas atividades na universidade.

O fato de havermos trabalhado fora da lógica da política institucionalda Universidade em geral, muito nos custou. O preço que pagamos foi o dasinúmeras desqualificações de nossas produções acadêmicas, materializadaspelo fechamento de portas para publicações e para circulação de resultados deinvestigações em congressos ou outros eventos científicos regionais e na-

cionais.

3. CENÁRIOS DA RE-INSERÇÃO DE UM(A)RECÉM-DOUTOR(A) NO AMBIENTE UNIVERSITÁRIO

Não há regras nem procedimentos fixos ou homogêneos para a re-

inserção de um(a) recém-doutor(a) em sua comunidade acadêmica. Oretorno de um(a) professor(a) a seu posto de trabalho, após seu doutoramen-to, não acontece de igual maneira em todos os lugares. Os contextos aos quaisestá vinculado têm suas próprias características que necessariamente têm queser consideradas. Também há procedimentos típicos que induzem esses pro-fessores(as) a enfrentar certas regularidades de características ambivalentes.

 As expectativas das instituições universitárias em relação aos professo-

res (as) recém-doutores (as) formados no exterior, de regresso ao país, são asde se envolverem com o ensino universitário, que se integrem aos programas

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12 A noção de micropolítica que aqui utilizamos é a que desenvolve Stephen Ball na obra denominada La

micropolítica de la escuela: hacia uma teoria de la organización escolar . Barcelona, Paidós, 1989.

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de pós-graduação (mestrado e doutorado) existentes ou participem da criaçãode novos programas, que desenvolvam projetos de pesquisa e investigações,que participem dos editais das agências de fomento à pesquisa e, sobretudo,que socializem, o mais rápido possível, o conhecimento construído durante odoutorado em atividades acadêmicas, seja em congressos e eventos de for-mação permanente da área de conhecimento, seminários internos da institui-ção ou, ainda, com jovens estudantes que queiram saber das novidades de seuobjeto de interesse.

Com freqüência, essas expectativas vêm acompanhadas de uma lógica

perversa, raramente explicitada, que cobra responsabilidades em demasiadesse(a) professor(a) por haver estado fora da instituição, ampliando sua for-mação. No discurso implícito institucional, esse(a) professor(a) tem que com-pensar o investimento feito pelos que ficaram realizando o “sacrifício” paraque essa formação acontecesse. Em outras palavras, o recém-chegado temque, o quanto antes, dar “algo” em troca. Além disso, considerando que hácarência de professores(as) doutores(as) no país, o recém-chegado é chamado

para falar e ensinar de tudo, sobre os mais variados temas, e também é con-vocado para assumir responsabilidades – sejam institucionais na gestão uni-versitária ou não, tarefas típicas de seu trabalho ou não –, tudo isso “parareparar sua culpa”.

 As conseqüências desse fato são imediatas e, pelo menos, duas delasmerecem destaque: Primeira – sem dar-se o suficiente tempo para se readap-tar, além de uma certa ansiedade acumulada, o(a) recém-chegado(a) “fala

sobre tudo” e, com muita freqüência, sem o rigor e a profundidade que a dis-cussão requer. Ao transitar por um leque mais ampliado de temas do queaquele no qual se doutorou, corre o risco de ser absorvido pelo “mundo dasgeneralidades”, pelo quase “senso comum” reinante na comunidade acadê-mica. Segunda – a atividade de pesquisa, para a qual o(a) recém-doutor(a) foipreparado(a), nesse primeiro momento, dissolve-se. As investigações feitas nodoutoramento não têm, de imediato, a continuidade esperada ou desejada

durante os anos do doutoramento. Conseqüentemente, não consegue publi-car e escreve pouco sobre o tema que tanto estudou.

Essas expectativas e atitudes incidiam, de modo constante e de formaprofunda, em nossas consciências e, em alguns momentos, produziram efei-tos imobilizadores. Muitas vezes nos perguntávamos: o que podemos ou

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devemos responder às nossas responsabilidades sociais na condição de recém-doutores, em um país com carência de recursos humanos dessa natureza ecom tantas desigualdades sociais? Por um lado, estabelecemos dar atenção atodas as demandas, assumindo uma responsabilidade pessoal e compulsóriade “solucionar” problemas de ordem institucional e, à vezes, com impactosnegativos em nossas vidas pessoais e profissionais. Por outro, tínhamos umaatitude serena de fazer o possível, sem sacrificar os projetos profissionais epessoais, mas, sobre essa posição, sobrevinha o temor de cair em uma atitudecínica em relação a esse conjunto de demandas.

Tanto para o(a) recém-doutor(a) quanto para os investigadores experi-mentados, ministrar aulas para estudantes de formação inicial (licenciaturaou graduação) é uma obrigação institucional, mas o trabalho no âmbito dapós-graduação é um projeto acadêmico pessoal que demanda vontade políti-ca de fazê-lo, oportunidades institucionais e organização por parte do(a) pro-fessor(a) pesquisador(a). Por questões epistemológicas que se traduzem emquestões de poder político, participar do Sistema Nacional de Pós-Graduação

através do campo de conhecimento Educação Física não é uma tarefa simplese tranqüila. Efetiva-se em um contexto carregado de conflitos, vaidades e umagrande competição por pretensões sobre os critérios de verdade empregadosna hora de avaliar os trabalhos de pesquisa realizados pelos pares e a quali-dade da formação oferecida aos estudantes13.

No caso da Educação Física, este fato é especialmente grave por se tra-tar de uma comunidade investigadora composta por um círculo que ainda

pode ser considerado pequeno em número de participantes. Nesse sentido,trabalhar sozinho(a) em projetos de pesquisa implica poucas oportunidadesde êxito para o(a) investigador(a) em seu projeto acadêmico. Trabalhar sozi-nho significa correr o risco de tornar-se, logo, uma vítima ou um predador dosistema ao qual estamos nos referindo. A saída pela qual optamos foi a de tra-balharmos articulados em um grupo de pesquisa. Outra saída interessante,que, em nosso caso, ainda não conseguimos consolidar, é a de trabalhar em

uma rede composta por distintas comunidades investigadoras. Deste assuntotrataremos na próxima seção.

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13 Ver artigos de Tani (2000); Kokubum (2003); e Betti, Carvalho, Daolio e Pires (2004).

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4. O GRUPO DE PESQUISA COMO PROJETO ACADÊMICO

Nossa reflexão sobre o grupo de pesquisa como projeto acadêmicoparte de um principio óbvio: em um grupo de pesquisa todos os seus inte-grantes pesquisam. Por isso, há a necessidade de administrar e articular osprojetos de investigação que circulam e se realizam dentro do grupo. É assimque, de agora em diante, nossa narrativa aborda a seguinte questão: Como seformam os pesquisadores no grupo de investigação?

Para o(a) professor(a)-investigador(a), integrado em uma linha de

pesquisa de um programa de pós-graduação certificado pela CAPES, é rela-tivamente normal e corrente organizar um grupo de investigação. Desde omomento em que o sujeito se integra ao Programa de Pós-Graduação já épossível construí-lo a partir da seleção de estudantes de mestrado e/oudoutorado. As dificuldades consistem em manter o grupo constituído deforma atuante e produtiva. A produção do grupo de pesquisa é vital para sus-tentar a continuidade dos próprios processos de investigação. Por outro lado,

um grupo de pesquisa não sobrevive somente de pesquisa. Precisa divulgar oque produz e também competir, na sua área e com outras áreas de conheci-mento, por escassos recursos financeiros e bolsas de pesquisa no interior dasagências de fomento.

O trabalho em grupo de pesquisa é uma necessidade, porque umainvestigação conseqüente de largo espectro conceitual e realizado com umdinâmico e sofisticado desenho metodológico não se faz sozinho. O grupo

nutre o pesquisador através da presença dos pares nos quais deposita confian-ça política, sejam experientes ou não, especialistas ou não. É vital, para a vidado grupo, a prática de compartilhar reflexões, debater idéias, intercambiarinformações e dividir tarefas como processo de formação permanente dos pes-quisadores. Além disso, tanto os investigadores quanto o grupo de pesquisanão sobrevive somente da pesquisa. A cultura e o ambiente investigativo seconstrói também na experiência de estabelecer relações com outros grupos de

pesquisa e com outras instituições, porque é necessário socializar e legitimaros resultados das investigações junto à comunidade acadêmica e no contextodo universo investigado. Esta prática demanda inúmeras tarefas e extensasagendas de gestão de recursos humanos, materiais e financeiros. Em síntese,o grupo de pesquisa também precisa compartilhar problemas de investigação,

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socializar os avanços científicos e revisar seus planos estratégicos, para alémdos muros de seu círculo cálido, em termos de Zygmunt Bauman (2003).

Manter um grupo de pesquisa atuante e produtivo apresenta dificul-dades de vários aspectos. Os estudantes têm interesses por estudos muito di-vergentes entre eles quando começam a participar do grupo, e, com certa fre-qüência, os interesses em trabalhar com pesquisa não estão relacionados àprodução do conhecimento, e sim com sua rápida capacitação pessoal para oensino universitário. Seus conhecimentos prévios também os induzem a pen-sar em problemas de investigação que não coincidem com a linha de pesquisa

sobre a qual o grupo está constituído e pretende se consolidar. Há casos emque jovens estudantes, com boa vontade, chegam ao grupo atraídos pelo dis-curso da ciência, mas sem ter claro o que fazer de sua vida universitária. Ouseja, ao mesmo tempo em que selecionar e orientar estudantes para a inicia-ção científica ou selecionar e orientar estudantes nos Programas de Pós-Gra-duação é importante, tanto para o aporte de novas idéias no desenvolvimentodo trabalho do grupo quanto para a formação de novos investigadores, cons-

titui-se em uma atividade de grande demanda na agenda de trabalho de umgrupo de pesquisa.

Toda a vez que um(a) estudante manifesta o desejo de começar seu tra-balho de iniciação científica, de mestrado ou de doutorado, conosco, nos apre-senta sua idéia de investigação. Já nessa primeira conversa, nos colocamosdiante do dilema gramschiano sobre a educação de seus filhos. Deixar as flo-res crescerem conforme sua natureza ou colocar-lhes guias para que sigam

determinada trajetória? O dilema posto é o seguinte: devemos favorecer ao es-tudante o desenvolvimento de um projeto próprio de investigação ou induzi-lo a tomar parte de um projeto já em andamento para que aprenda o modode investigar que predicamos para que, na nossa avaliação, depois de inicia-do, possa realizar seus próprios projetos? Por um lado, integrar o estudante aum projeto em andamento dá rentabilidade ao trabalho do grupo de pesquisae a formação do recém-chegado. Integrar o grupo, na maioria das vezes, signi-

fica aprender com o investigador experiente, de modo mais rápido, os proce-dimentos e atitudes de investigação mais adequados para a linha de pesqui-sa na qual o grupo já está inserido. Por outro lado, impor a um estudante quedesenvolva um projeto com o qual não tem implicação afetiva pode podar suacriatividade, burocratizar a pesquisa científica e, em última instância, limitar

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o inesperado e limitar sua formação como investigador. Longe de um proce-dimento definitivo, nestes momentos dilemáticos, sempre há vários fatores aserem considerados. Temos optado, antes da decisão de acolher o estudante,por atribuir-lhe a tarefa de ler as investigações e, ao menos algumas, produ-ções já realizadas por nosso grupo de pesquisa.

 A universidade pública brasileira, como se sabe, se caracteriza for enfa-tizar a pesquisa na formação de recursos humanos, portanto, não é sem razãoque, através de estratégias e financiamentos governamentais, há uma políticapública articulada a fim de estimular a iniciação científica na universidade de

modo geral. Assim sendo, podemos dizer, sem exagero, com base em nossaexperiência, que a iniciação científica é um dos princípios fundamentais deum grupo de pesquisa, porque o que se faz em grupo de pesquisa é, a modode síntese, iniciação e formação científica.

É importante dizer que nosso processo de formação como grupo foium processo dialético, ou seja, o grupo foi se constituindo na experiência daatividade investigadora. Inicialmente, escrevemos um projeto que deu continui-

dade às nossas teses de doutorado e que serviu de estratégia e instrumentopara selecionar e acolher os primeiros estudantes de iniciação científica e demestrado. À medida que fomos aprofundando nossos conhecimentos sobre osproblemas que investigávamos, fomos organizando as atividades de pesquisado grupo compartilhando decisões e responsabilidades com o conjunto dosparticipantes. Este processo ou esta estratégia de trabalho foi conferindo umaimportante relação de confiança entre nós, ao mesmo tempo em que se cons-

tituiu no principal elemento de motivação e entusiasmo que moviam cadaum, cada vez mais, para a continuidade do trabalho nesse grupo. As avalia-ções e as autocríticas, instituídas na rotina dos encontros, por um lado cola-borou com o fortalecimento do grupo e do processo de trabalho, mas, poroutro, fez com que alguns companheiros também fossem abandonando aaventura da travessia planejada.

Para manter a intensidade e a produtividade do grupo de investigação

articulamos a diversidade dos projetos de pesquisa em torno de determinadosparâmetros metodológicos, por exemplo, descritores ou palavras-chave quepudessem conferir certa unidade e coerência dentro de um campo proble-mático mais amplo. Primeiro, optamos por descritores da tese de doutoradode um dos pesquisadores: escola pública, cultura docente, educação física, Porto

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 Alegre. À medida que nossos estudos foram avançando, nos demos conta deque o conjunto de descritores escolhido não dava conta de contemplar ou nãotraduzia nosso real interesse de investigação. Assim que, o descritor escola pú-blica mudou para  escola pública municipal, e o descritor  cultura docente par-ticularizou-se em  formação de professores e prática pedagógica. Mais adiantecontaremos, também, como fomos aprimorando nossas estratégias metodo-lógicas. Assim, o interesse central da nossa atividade de pesquisa passou a sera formação e a prática pedagógica dos professores de Educação Física da RedeMunicipal de Ensino de Porto Alegre.

5. PERSPECTIVA DA INVESTIGAÇÃO EDUCATIVA: A REDEMUNICIPAL DE ENSINO DE PORTO ALEGRE (RMEPA)COMO CAMPO E CONTEÚDO DA INVESTIGAÇÃO.

 A RMEPA constituiu-se como nosso centro de interesse de investi-

gação em um momento em que as atividades de pesquisa, de formação e deextensão se entrecruzaram de forma intensa, nas relações entre o grupo depesquisa, a ESEF/UFRGS e Secretaria Municipal de Educação. No ano2000, concluiu-se, no grupo, a primeira dissertação de mestrado. Este estudotraduziu um trabalho de mais de um ano de inserção da mestranda (investi-gadora em formação) no universo da RMEPA. A autora fez uma análise daformação permanente experimentada pelos professores de Educação Física,

nesta rede de ensino. Sua análise remonta ao período (10 anos) no qual os dis-cursos políticos oficiais do Município atribuem à formação permanente pro-tagonismo e responsabilidade sobre as mudanças que pretendia realizar,naquele período, na qualidade do ensino oferecida à comunidade de Porto

 Alegre (GUNHTHER, 2000).Nesse mesmo período, convidados pela Secretaria Municipal de Edu-

cação de Porto Alegre (SMEDPA), organizamos e executamos um curso de

formação permanente, de 40 horas, para 40 professores de Educação Física daRMEPA. Avaliando esta atividade de formação, percebemos o forte interessedesse coletivo docente em discutir, analisar e ser ouvido sobre sua formação,sua prática pedagógica e, também, sobre as inovações curriculares propostas pe-los gestores públicos do Governo Municipal de Porto Alegre. No transcurso

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dessa atividade de formação permanente, também constatamos nosso limi-tado conhecimento sobre os problemas que estavam vivenciando aqueles pro-fessores e professoras no cotidiano das aulas, devido aos efeitos das inovaçõescurriculares do projeto político-pedagógico que lhes foi proposto pela Admi-nistração Municipal14. Projetos Políticos Pedagógicos inovadores, dentre eles oensino por ciclos de formação, que chegavam de forma tímida ao nosso co-nhecimento e no âmbito dos institutos de formação de professores.

 A conjugação desses fatos foi decisiva, pois, essas experiências foram,para nós e para os demais participantes, uma rica experiência de aprendiza-

gem. Seu significado foi de tal ordem que decidimos sistematizá-la e dar pu-blicidade às nossas reflexões e questionamentos. Uma dessas reflexões foi nosperguntarmos por quê razões formávamos professores para exercer a docên-cia através de um currículo seriado e manter as relações assimétricas com ascomunidades escolares sob o discurso do profissionalismo docente, enquanto,na realidade municipal, as escolas de ensino fundamental necessitavam deprofessores para atuar em um currículo escolar organizado por ciclos de for-

mação e manter relações pedagógicas mais abertas, integradas e respeitosascom os diferentes segmentos da comunidade educativa (MOLINA E MOLI-NA NETO, 2001; MOLINA NETO E MOLINA, 2002). Nos perguntáva-mos: por quê a cultura docente dos professores de Educação Física existentenos centros de formação inicial não fazia uma abordagem conseqüente dessasinovações curriculares? Por quê o debate e a investigação educativa não toma-vam para si, como atribuição principal, as tarefas de compreender essas ino-

vações educativas e ajudar os professores a refletirem sobre elas em sua práti-ca pedagógica? Nossa intuição preliminar, a partir de escutas das falas dosprofessores de Educação Física do município, foi a de que era muito difícil,na perspectiva deles, assumir o comprometimento com algo em que eles nãose consideravam contemplados na concepção.

Desde então, assumimos a decisão de convidar e facilitar a participaçãode professores de Educação Física das escolas de ensino fundamental da

RMEPA em nosso grupo de investigação e oferecer-lhes suporte logístico efundamentação teórica metodológica para que construíssem e executassem

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14 Neste texto não estamos discutindo o caráter democrático das estratégias de implantação do projeto políti-co-pedagógico e das inovações curriculares propostas aos professores.

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pesquisas próprias, além de orientar o olhar dos demais participantes dogrupo para essas escolas. Nossa intenção, ao longo do tempo, foi não somentea de aprender mais sobre e com as inovações que ocorriam com freqüêncianas escolas municipais, mas, também, ajustar a atenção do grupo para cons-truir novos problemas de investigação significativos ao coletivo docente coma qual dialogávamos. Nos propomos, sobretudo, a entender como esse coleti-vo docente e sua “disciplina” se integram e participam das inovações curricu-lares. Essa decisão teve efeitos ambivalentes, pois, ao mesmo tempo, tantodemandou a ampliação das possibilidades de pesquisa quanto estabeleceu

restrições analíticas. Assim, foram se sucedendo diferentes projetos de investigação que se

caracterizaram por definições problemáticas mais específicas e detalhadas. Aprofundamos as pesquisas sobre elementos específicos da cultura docentedos professores de Educação Física – experiência e práticas docentes, conhe-cimento, formação e crenças dos professores (MOLINA NETO, 1996) – edesenhos metodológicos que superassem em rigor e profundidade os estudos

iniciais que se estruturaram sobre modelos qualitativos descritivo-explicativose etnográficos de larga visão sobre o campo investigado. Priorizamos, então,os estudos de caso e as micro-etnografias, mantendo os longos períodos depermanência no trabalho de campo, fato que está nos permitindo aprofundara compreensão sobre determinadas estruturas, processo e contexto em que seenvolve o professorado de Educação Física da RMEPA.

Entre os projetos concluídos está o de Elizandro Wittizoreck (2001)

que buscou compreender a complexidade do trabalho docente dos professoresde Educação Física em uma região especifica da cidade, marcada por eleva-dos indicadores de pobreza, violência e de vulnerabilidade social, e o estudode Fabiano Bossle (2003), que também, em um longo trabalho de campo,buscou compreender o significado que os professores de Educação Física dãoao planejamento de ensino, contrapondo o discurso da Administração Muni-cipal e a prática dos docentes em contextos de grande complexidade socioe-

conômica e cultural. Recentemente, finalizamos dois estudos: o primeiro(PEREIRA, 2004) estudou a interdisciplinaridade (um dos ícones do projetopolítico-pedagógico proposto para a RMEPA), e o segundo (SANTINI, 2004)trata de uma análise da incidência da Síndrome de Esgotamento Profissionalno professorado de Educação Física da RMEPA. Se tivéssemos que desenhar

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um esquema do nosso processo de aprendizagem através da pesquisa, cremosque tomaria a forma da figura abaixo.

Figura 1. Processo de aprendizagem através da pesquisa.

O itinerário que seguimos nos fez diminuir a amplitude do olhar sobreo campo em favor da profundidade da análise e da interação no campo-con-texto dos estudos. Radicalizamos o rigor no processo metodológico e a dimen-

são ética no tratamento da informação recolhida no trabalho de campo. O fatode realizar investigações singulares sobre fenômenos educativos dinâmicosque não são possíveis de replicar, a especialização de trabalhar com pesquisasqualitativas, hermenêuticas, etnográficas e interpretativas e, conforme o quedizem Juana Maria Sancho e Fernando Hernández Hernández (1997)15, noslevou a crer que esse modo de produzir conhecimento nos situa no conjuntodo paradigma da investigação educativa. Esse fato dá um signo de identidade

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1966 a 2000:Olhar amplo sobre o campo

2002 a 2004: Interação no campo

 Aperfeiçoamento dosinstrumentosmetodológicos

Olhar profundo sobre

o campo

15 Juana Maria Sancho Gil e Fernando Hernández Hernández coordenaram um número temático e escreveramsobre diferentes aspectos da investigação educativa como paradigma de pesquisa para a Revista de Educaçãoeditada pela Ministério de Educação e Cultura da Espanha. Contribuíram nesse número temático pes-quisadores como James Calderhead, Mirtha A. Nazif, Alfredo Rojas, David C. Berliner, Ursula Casanova e AndyHeargreaves. Nessa edição os autores abordaram os dilemas e contradições da investigação educativa, o esta-do da questão na América Latina, Estados Unidos e Europa nos últimos dez anos. O assunto que finaliza essenúmero temático trata da investigação educativa na era pós-moderna.

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ao nosso grupo de pesquisa.Longe de caracterizar nossa experiência com tintas de um sentimento

ufano, nossa participação nos projetos de investigação do Grupo FINT, entreoutros aprendizados, nos evidenciou que o trabalho de um grupo de investi-gação apresenta limites a superar. Do ponto de vista epistemológico, falta-noscompreender melhor como os sujeitos docentes enfrentam o impacto das trans-formações econômicas, sociais, políticas, culturais e educativas, em suas vidaspessoais e profissionais, além de aprofundar nosso conhecimento de comoessas transformações interferem na construção das subjetividades dos sujeitos

que “formam” e que se “formam” na escola. Do ponto de vista metodológico,necessitamos saber muito mais sobre a experiência narrativa e como articularas experiências vividas pelos sujeitos docentes com a experiência narrada e poreles representada. Além disso, pensamos que um trabalho a ser feito em nos-sas pesquisas é incorporar nos procedimentos de coleta de informação, textosescritos pelo professorado sobre os problemas investigados. Um bom projetode investigação pode ser “escutar e ler” as histórias de vida dos sujeitos do-

centes sobre determinado eixo de análise.Entre os limites de nossas investigações na RMEPA encontra-se, sem

dúvida, nossa implicação com o contexto investigado. Somos professores co-nhecidos entre os sujeitos que participam de nossas investigações, tanto pelasrelações pessoais com os articuladores dos projetos político-pedagógicos quese desenvolvem nas escolas municipais da cidade de Porto Alegre, quanto portermos tido algumas implicações diretas, em alguns momentos específicos de

sua evolução e implantação. Também porque um grande número de profes-sores que atuam nessas escolas ou foram nossos colegas de bancos univer-sitários ou estudantes na licenciatura ou em cursos de pós-graduação dasUniversidades nas quais trabalhamos.

6. O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO, MAS NÃO É FÁCIL!

Nesta seção, vamos acrescentar informação sobre nosso percurso tem-poral de oito anos, o tempo que levamos para consolidar um pequeno lugarna comunidade investigadora que se ocupa de pesquisar parte do campo deconhecimento da Educação Física.

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O percurso temporal está dividido, para melhor compreensão do leitor,em duas partes. Denominamos a primeira parte de Fase de Aprendizagem. A denominação faz referência ao período dos primeiros quatro anos, que co-meça no primeiro trimestre de 1997. Foi o tempo que levamos aprendendo daforma mais dura (ensaio e erro) a linguagem explícita e não-explícita (fron-teira entre o evidente e o invisível) da comunidade investigadora, seus marcosde representação, as diferentes orientações epistemológicas, as formas deorganização, formais e não-formais, de seus grupos de poder e, sobretudo, oscritérios de cientificidade utilizados no campo para manter o controle políti-

co e o controle da qualidade das investigações.Não há um marco fixo nem uma data que constitua uma linha divisó-

ria. Entretanto, podemos dizer que a segunda parte da cronologia é mais suavee pode ser denominada, utilizando as palavras de MORIN (1994), como a faseda auto-eco-organização ou de subjetivação. Essa fase registra, na nossa traje-tória, os primeiros reconhecimentos, ainda que contidos e moderados. Esse pe-ríodo começa no segundo trimestre de 2000, quando o grupo de investigação

concorreu a um Edital de Apoio à Pesquisa do Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico e recebeu recursos financeiros para finan-ciar um projeto de pesquisa que se estendeu até o final de 2002. Foi um apoiofinanceiro importante para equipar nosso laboratório e também se constituiunum momento no qual nossa produção, resultado de nossas investigações,começou a circular com mais freqüência nos periódicos científicos nacionais.

Nesse período que estamos narrando, as dificuldades que mais senti-

mos e deixaram marcas significativas em nossa subjetividade foram os pare-ceres negativos com argumentação desestimulante que recebemos sobre osprojetos de pesquisa que apresentamos às agências de fomento. Acreditamosque sem crítica e avaliação a ciência não avança, mas críticas de caráter defen-sivo, por desconhecimento e sem consistência de pesquisadores predicadoresde concepções epistemológicas e de modos de investigar distintos dos nossosforam de difícil elaboração.

De 1997 até 2000, ano após ano, o grupo de investigação, de formacoletiva, ou seus pesquisadores individualmente, concorreu a editais das prin-cipais agências de fomento à pesquisa: Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação de Apoio à

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Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e outras. Enviamosprojetos a essas agências de fomento para concorrer a bolsas de iniciação cien-tífica, para solicitar auxílios a projetos individuais e integrados de pesquisa eparticipação de eventos científicos. Fazendo um balanço, entre projetos apro-vados e negados, na primeira fase dessa cronologia, podemos dizer que amaioria dos pareceres dos avaliadores foi no sentido de recomendar areprovação de nossos projetos, evocando, algumas vezes, argumentos e cri-térios “de difícil compreensão”.

Fato interessante aconteceu com a solicitação de uma bolsa de pesquisa

que concorremos entre 1997 e 1998. Havia uma orientação de uma agência defomento para incentivar a continuidade das investigações realizadas porrecém-doutores em seus programas de doutorado. Nessa perspectiva, fizemosas atualizações necessárias em um de nossos projetos de doutorado e envi-amos à agência, dentro dos prazos previstos. Nosso projeto retornou com oseguinte parecer do avaliador: “Negado. O projeto repete a tese de doutorado”.Solicitamos revisão do parecer evocando a orientação da agência, mas a

decisão se manteve. Na seguinte oportunidade, enviamos outro projeto comas características do anterior, que recebeu o seguinte parecer: “O projeto temméritos, mas não é competitivo na demanda qualificada”, em outras palavras,havia investigadores que tinham mais méritos (produção bibliográfica) quenós, autores do projeto em questão. Verificamos os números da produção bi-bliográfica dos investigadores contemplados no mesmo edital e constatamosque o argumento era, no mínimo, inadequado.

Como podemos ver, buscar um lugar na comunidade acadêmica de umcampo de conhecimento periférico, como é o caso da Educação Física, no con-texto da organização científica brasileira, ou mudar o modo como os investi-gadores já consolidados observam os jovens pesquisadores leva tempo e re-quer perseverança e paciência. Temos que, sobretudo, ter habilidade, disposi-ção, tempo e atrevimento para enfrentar forças que, além de serem de difícilcompreensão, são invisíveis. Como as avaliações dos projetos de investigação

são feitas por pares não-identificados, muitas vezes, e sem nos darmos conta,temos o nosso avaliador ao nosso lado. Por vezes, complacentemente “sor-rindo de nosso infortúnio”. Hoje, com a experiência que temos, intuímos queo mundo competitivo da investigação e da academia, onde há disputas porparcos recursos financeiros, como é o caso da Educação Física, e por preten-

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sões de verdade cientifica, como é o caso da ciência em geral, os avaliadoresrecorrem ao rigor dos critérios e normas para dizer não aos projetos “dos ou-tros”. Para dizer sim, não há a necessidade de rigor na observância nos cri-térios. Fato que demanda uma discussão ética no seio da comunidade investi-gadora, de modo especial, no que se refere a avaliação por pares. Essa não éuma proposição sem sentido, pois distintas vozes que circulam na SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ao analisar a distribuição dosrecursos financeiros para os projetos de investigação, já alertaram sobre osproblemas da avaliação por pares, principalmente em conseqüência do ex-

pressivo conflito de interesses entre os pesquisadores.De qualquer modo, ainda hoje não entendemos por que um(a) inves-

tigador(a) recebe uma carta com umas palavras secas dizendo que suas pre-tensões foram negadas. Seria muito mais interessante que os pareceres fossemconstrutivos, apontando sugestões para que os projetos pudessem ser qualifi-cados, isto é, que o parecer negativo chegasse às mãos do proponente comargumentos consistentes e sugestões para melhorar o projeto negado. Assim

como está não é possível continuar, pois, os procedimentos utilizados pelasagências de fomento e pela comunidade investigadora da qual estamos falan-do, além de fomentar a desconfiança, põem no ralo muito esforço intelectuale boas idéias.

Considerando a tradição da investigação no campo de conhecimentoda Educação Física, produto de sua construção histórica, pode-se dizer que asinvestigações educativas de caráter qualitativo são recentes e ainda pouco en-

tendidas por grande parte dessa comunidade investigadora. Entre outros mo-tivos, porque são pesquisas cujo tipo de conhecimento produzido é transdis-ciplinar, caracterizado pela heterogeneidade de suas estratégias de produção.Especificidade que confere flexibilidade na sua planificação e responsabili-dade social durante seu desenvolvimento. Como bem lembra SANCHO EHERNÁNDEZ (1997, p.90), porque “sua qualidade se determina por umconjunto de critérios mais amplos que reflete a variada composição social de

seu sistema de revisão e no controle [de qualidade] acrescentam-se critériosadicionais no contexto de aplicação, incorporando uma gama diversa de inte-resses intelectuais, sociais, econômicos e políticos”.

Conforme íamos apresentando nossas considerações epistemológicas eos resultados de nossas pesquisas em sala de aula ou em encontros acadêmi-

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cos e científicos da área de conhecimento Educação Física, ouvimos, muitasvezes, nos corredores da universidade, comentários desqualificando nossa ati-vidade como docentes e investigadores. Como não havia argumentos consis-tentes nesses comentários e as críticas não eram públicas, nem escritas, as en-tendemos como meras manifestações emocionais, fruto do desconhecimento.

 Ainda que tenhamos, muitas vezes, a sensação de estar escrevendo parao vazio e uma certa indiferença por parte da comunidade investigadora, atual-mente vivemos um tempo em que esses mesmos sujeitos já não nos classifi-cam como “não-científicos” e mantêm uma indiferença respeitosa. É um pe-

ríodo em que os que pensam diferente da nossa forma de ver o mundo e apesquisa científica já não se distanciam como se portássemos um vírus letal e,nas conversas acadêmicas, mesmo que não concordem com nossas posiçõesepistemológicas, mantêm-se nas cadeiras. Valter Bracht (1999) já se referiu aessa situação como um “diálogo de surdos”. Aos nossos pedidos de bolsas eauxílios à pesquisa já não nos dizem tantos nãos, isto é, há um tratamentomais igualitário. De todos os modos, percebemos, ainda, setores da comu-

nidade investigadora que agem de modo refratário aos nossos estudos.O que fizemos ou estamos fazendo para mudar a situação? O que

aprendemos com tudo isso?Do ponto de vista profissional, a fase de auto-organização se caracteri-

zou por discutir sempre as críticas, inclusive as que pareciam, no âmbito dogrupo, sem fundamento. Entretanto, sempre exercitamos a capacidade de tra-tar como estímulos positivos e como desafios possíveis de superação e de apren-

dizagens significativas as manifestações de desqualificação de nossos projetose os pareceres negativos que receberam. Aprendemos que a prática da ciência,como as demais construções sociais, também está repleta de interesses políti-cos de toda ordem. Do ponto de vista pessoal, perdemos a inocência. Nos de-mos conta que os cientistas e especialistas, a quem conhecemos e admiramos,eram apenas homens e mulheres como todos da espécie. Para usar uma ex-pressão psicanalítica, “elaboramos as mortes e cumprimos o luto”. Isso nos fez

mais tolerantes, mais maduros e, conseqüentemente, mais fortes.Cremos, também, que, de um lado, o campo de conhecimento está

convivendo com a diversidade epistemológica com mais serenidade, fato quenão é obra do acaso. Circulam, no campo de conhecimento, novos pressupos-tos teóricos. A complexidade (MORIN, 1996) e o caos (PRIGOGINE, 1996)

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são alguns exemplos de autores e obras que estão fazendo com que a comu-nidade investigadora da Educação Física tome contato com novas formas deracionalidade e abandone a certeza simplificadora. Por outro lado, fizemos astarefas típicas que um(a) investigador(a) normal e coerente tem que fazer:organizar e desenvolver projetos de pesquisa; realizar orientação científica;publicar os resultados das investigações e, sobretudo, uma vez que fazemosinvestigação educativa, dar aulas, pois as aulas ainda são os melhores labo-ratórios para as investigações educativas. O trabalho em grupo de pesquisa foicomo um acelerador, pois nos possibilitou especializar logo nosso modo de

investigar, além de dar circulação à nossa produção científica e às nossasexperiências, projetos e idéias.

7. CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS

 A sensação que fica ao finalizar este texto é que faltou dizer algo, que

o texto ficou incompleto. Quem sabe nos esquecemos de aspectos que paranós não são significativos. A experiência narrativa tem essa característica, pos-sibilita que os sujeitos reconstruam sua experiência dando uma seqüência afatos que, no contexto social, estão desconectados ou circulam em desordemou em seqüência não-linear. Nesse sentido, a história oral tem revelado os fa-tos com detalhes diferentes dos fatos da história oficial. Certamente, fossemoutros os narradores, outros fatos teriam mais relevância na história que

explicitamos. Algumas vezes, pensamos em deixar de lado esse trabalho de investi-

gar, formar novos investigadores, sistematizar e publicar em um campo deconhecimento onde há muitas disputas irrelevantes e nos dedicar a outrosambientes de interesse pessoal. Por que permanecemos? Porque para nós in-vestigar não é uma prática burocrática. Para nós, a atividade de pesquisa temsentido porque queremos melhorar a escola, porque acreditamos nos profes-

sores e no ensino como possibilidade de fazer e organizar outras formas deproduzir e reproduzir a vida em comum. Algo que está nos levando a conti-nuar é a idéia de que compartilhar significados independe do conhecimento,formação ou contexto de trabalho: depende mais da sensibilidade ética, estéti-ca e de justiça (qualidades que as pessoas podem aprender da e na experiên-

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cia vivida). Essa aprendizagem, também, está nas ruas e nas escolas; além dis-so, se pode compreender desde diferentes modos de investigar.

Com essa preocupação, decidimos narrar essa história, com a expecta-tiva de que outros nos contem a sua (sejam acadêmicos ou não-acadêmicos,estudantes ou professores) e possamos compartilhá-las desenvolvendo novasintersubjetividades. Em outras palavras, modos de nos transformar, pois, se háalgo que é invariante em nossa natureza, com certeza são as nossas constantestransformações.

De modo concreto, constituir-se investigador(a) tal e como os controles

de qualidade do campo de conhecimento Educação Física e o Sistema Nacio-nal de Pós-Graduação estabelecem atualmente não é tarefa de fácil concreti-zação. Entretanto, cremos que hoje está mais difícil do que durante o perío-do aqui narrado, porque enquanto as exigências acadêmicas aumentam hámenos recursos para atendê-las. Examinando os relatórios das agências defomento nos sentimos como “o cão que persegue o próprio rabo”. A comuni-dade investigadora e o campo de conhecimento ao invés de constituir uma

agenda própria seguem a pauta de outras comunidades investigadoras. Assim,assumimos seus critérios e controles como nossos. De forma análoga, repro-duzimos o modelo dinâmico de dependência econômica e política que carac-teriza as relações econômicas entre países socialmente desenvolvidos e não-desenvolvidos, isto é, os critérios mudam e aumentam em dificuldade paramanter as relações de dependência.

Observando e conversando com os professores nas escolas de ensino

fundamental do Município de Porto Alegre, aprendemos que outra forma deproduzir conhecimento é possível. Como ensinou PRIGOGINE (1996), aflecha do tempo é irreversível e assim, com essa noção, os princípios da físicaclássica também terão efeitos em todos os campos do conhecimento. O certoé que o vínculo que construímos e que mantemos com o Grupo de Formação,Inovação e Novas Tecnologias (FINT), no Parque Científico e Tecnológicoda Universidade de Barcelona, e as investigações que estamos realizando no

nosso grupo de investigação Formação de Professores e Prática Pedagógicaem Educação Física e Ciências do Esporte (F3PEFICE) terá efeitos na nossavida acadêmica nos próximos anos. Nada será como antes, pois, o futuro nãoestá determinado, posto que a instabilidade e a incerteza são as regras e não aexceção, como um dia se acreditava.

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Ensinar e aprender em dança:evocando as “relações” em umaexperiência contemporânea

MARIA DO CARMO SARAIVA

LUCIANA FIAMONCINI

ELISA ABRÃO

ANA ALONSO KRISCHKE

 A dança pode se constituir, tal como outras práticas corporais, numaexperiência estética que promove a ampliação da sensibilidade – como acapacidade de percepção do mundo, tornando capaz de vivenciá-lo, refleti-loe recriá-lo. Ao “mergulharmos” numa dada realidade, com a intenção de

investigar conhecimentos, conteúdos e formas da dança numa prática comu-nitária16 e de desenvolver fundamentos teórico-metodológicos para a aprendi-zagem da dança, o projeto empírico desenvolvido destacou a importância dasrelações no ensinar e aprender sobre dança.

Tal perspectiva implicou, entre seus procedimentos, a problematiza-

16 Esse termo refere-se à comunidade acadêmica da UFSC, da qual a maior parte dos integrantes foi oriunda.Um aspecto surpreendente foi o fato de que, apesar de ser um projeto gratuito e de haver sido feita divulgação junto às comunidades que cercam a universidade, não houve a participação das mesmas. Surgiram algumaspossibilidades que se anularam pela falta de horários compatíveis entre os grupos das comunidades e o grupodas pesquisadoras. No entanto, esperávamos um número maior de participantes das comunidades. Esse fatosuscita a necessidade de refletirmos sobre a representatividade da universidade no âmbito comunitário e sobrea necessidade de integração entre as ações que aí se implementam.

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ção, a crítica e a avaliação conjuntas entre as pesquisadoras e os participantesdo projeto, caracterizando a construção coletiva do conhecimento,  durante oprocesso investigativo. Nisso, caracterizou-se uma pesquisa-ação, “orientada

 em função da resolução de problemas ou de objetivos de transformação”, con-forme Michel Thiollent (1986, p.7). A investigação foi dimensionada comouma intervenção planejada  técnica e  educativa, na medida em que procu-ramos responder com eficiência e sob a forma de ação transformadora osproblemas da situação envolvente (idem).

O trabalho desenvolveu-se na perspectiva fenomenológica, que enten-

de o ser humano como síntese única do mundo em que vive; o mundo, comoum campo de relações sociais historicamente construídas (REZENDE,1990); e a dança como cultura corporal que nasce de um contexto e que comele dialoga, contrapondo-se, concordando e “apresentando” idéias.

Essa perspectiva procura a compreensão de fenômenos que são subje-tivos, porque se mostram na experiência vivida das pessoas, e pode contem-plar a compreensão da realidade, porque “na facticidade humana, que é situ-

ação de percepção do sujeito, encontra-se tanto a estrutura do sujeito quantoa estrutura do mundo” (SARAIVA-KUNZ, 2003, p.224). A dimensão estru-tural da vida é abarcada pela perspectiva fenomenológica de busca do conhe-cimento, pelo procedimento hermenêutico que vai do constituído (realidadeconcreta) ao constituinte (essência), podendo no mesmo movimento contes-tar e explicar as aparências empíricas observadas. Constrói explicações da rea-lidade acionando o conhecimento “a priori” (as teorias) a partir da descrição

efetiva da experiência do fenômeno (BRUYNE et all., s/d). A investigação contou com instrumentos de coleta de dados, tais como

observação, entrevista, questionário e registro em vídeo, instrumentos essesque compõem os processos de investigação etnográficos largamente difundi-dos nas Ciências Sociais. O principal instrumento de coleta de dados foi aobservação sistemática, com conseqüente registro das falas de todas as pessoasnas tarefas e nos momentos de avaliação de cada aula. O grupo pesquisado

era formado predominantemente por acadêmico(a)s da Universidade Federalde Santa Catarina, de graduação e pós-graduação, e as aulas de dança inves-tigadas transcorreram durante cinco meses e meio.

 Ao pensar-se na dança vinculada à organização social e à transfor-mação cultural, acreditamos que a participação ativa do grupo na construção

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do processo de trabalho permitiu o aprofundamento do porquê das vivênciase da sua significação. Isso se apresentou nas considerações de integrantes dogrupo, ao ser abordado, por exemplo, o conhecimento das técnicas e dos esti-los de dança para o usufruto da própria dança ou para a elaboração criativa.

Do eixo metodológico da nossa intervenção, destacamos duas unidadessignificativas e suas subunidades que, por seu lado, se entrelaçam ao longodas descrições e compreensões que foram elaboradas a partir desse recorte darealidade. São elas:

a) a relação com o “outro” na conformação da dança, na ação e na

apreciação.• a observação e a interação como meio de compreensão e apropriaçãoda dança.b) a relação professor(a)-aluno(a).• o papel de quem ensina dança.• o papel da metodologia de ensino da dança.Sendo assim, a metodologia de ensino da dança (pautada na improvi-

sação) que fundamentou a pesquisa tornou-se uma categoria de análise poroferecer subsídios para a compreensão e para a experiência da dança na atua-lidade.

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 A RELAÇÃO COM O “OUTRO” NA CONFORMAÇÃODA DANÇA, NA AÇÃO E NA APRECIAÇÃO

 A observação e a interação como meio de compreensãoe apropriação da dança

Um elemento importante no decorrer da pesquisa foi o estímulo àsobservações durante as aulas. Inicialmente, essas observações foram incorpo-radas às propostas, ou seja, ocorriam em momentos determinados das pro-

postas de improvisação. O estímulo a esses momentos ocorria freqüentementenas aulas, pois muitas das propostas estimulavam os participantes17 a observare a perceber “o outro” na construção de sua movimentação.

Em algumas aulas, os integrantes do projeto chegavam extenuados ou,durante as aulas, por variados motivos, deixavam de realizar as atividades esentavam-se. Como em quase todo final de aula ocorria uma conversa, ques-tionávamos os observadores sobre como havia sido a experiência, engendran-

do a compreensão de que a participação na aula podia estabelecer-se de outrasformas e o aprendizado de dança inclui a apreciação desta prática corporal.

Objetivamos durante as aulas sensibilizar as pessoas ao ato de apreciardança, pois compreendíamos que

na arte, a imagem é choque, um choque que desperta a consciência de cadaum, lhe exige uma atenção intensa para ser penetrada, apreciada e julgada. O

seu conteúdo só é partilhado pelo espectador, quando este consegue elevar asensibilidade a um nível indispensável de exaltação de si próprio (HUYGHE,1986, p.11).

Sabemos que é difícil esse caminho ante a supremacia da racionalidadeinstrumental vigente em nossa sociedade, porém procuramos estimular nosintegrantes aquela dimensão sensível. Muitos foram os caminhos encontradospara proporcionar a apreciação em dança. Freqüentemente comentávamos

com o grupo acerca das apresentações que ocorreriam na cidade e, reciproca-mente, o grupo nos trazia também informações.

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17 Por economia de linguagem e leveza da forma textual optamos por manter apenas a declinação de gêneromasculino na maioria das formas utilizadas no plural. Procuramos, também, enunciar o maior número de vezesambas as declinações nos termos masculino e feminino, quando no singular.

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Marcante na busca de sensibilizar a apreciação foi a aula realizada comvídeo18. Nessa aula foram assistidos três trabalhos de criadores-intérpretes doBrasil na atualidade. Optamos por esse vídeo por apresentar os pontos de vistae de partida de cada um dos três criadores, marcando a diversidade da dançacontemporânea e das técnicas que ela pode abrigar, já que vínhamos perce-bendo a necessidade do grupo entender e ampliar as suas referências de dançacontemporânea. Colocamos-nos à disposição para encontros de exibição devídeo, para além das aulas que ministrávamos. Conforme planejado, inicia-mos com uma pincelada sobre o panorama da dança no Brasil e em Santa Ca-

tarina, abordando ainda as produções internacionais e concluindo com ahistória da dança a partir da modernidade.

Devido a algumas dificuldades técnicas, foi curto o tempo para dis-cussão do vídeo, mas, ainda assim, algumas pessoas demonstraram com-preender melhor as explanações de aulas anteriores, ressaltando algumas falasdos criadores-intérpretes e “detectando” que o importante da dança contem-

 porânea é o processo. Após essa aula, percebemos um maior envolvimento de

parte do grupo na apreciação da dança em espetáculos, mostras e festivais.Como indicativo desse fato temos os comentários de Deise (28): quandoquestionada, no início da pesquisa, se costumava assistir apresentações dedança, respondeu: “Fui uma vez ver o Cena 11. É que não tem muito, né, teve

 a Débora Colker, mas é caro, então é difícil. Às vezes vejo na universidade mas é  difícil”. Na entrevista final do projeto respondeu: “Depois de fazer as aulas comecei a ficar mais atenta às programações e vi que até não tinha tão pouca coisa

 assim. Fui, inclusive, em um dia na Mostra de Dança no TAC e o preço também estava acessível”.

No processo de observação, consideramos muito importantes osmomentos dedicados em aula para tal ação. No decorrer das aulas, foi visivel-mente crescente a interação das pessoas, ocorrendo tanto no momento darealização das tarefas, em que todos estão em movimentação (ação), quantonos momentos em que uma ou outra pessoa se afastava para observar o movi-

mento alheio, ou seja, instante em que uns tornavam-se apreciadores das mo-vimentações/experimentações dos outros. Sobre isto, Zico (33), um dos par-ticipantes, disse que às vezes saía da atividade para observar e depois voltava;

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18 O vídeo utilizado tratava-se do “Itaú Cultural Rumos Dança” de 2001.

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disse ainda que melhor do que ser espectador é poder entrar no “palco”. Emvários momentos, esse movimento entre ação e apreciação pareceu umaimportante forma de interação entre as pessoas do grupo e entre o movimen-to próprio e o movimento realizado pelo ou pela colega. No decorrer dasaulas, as experimentações tornaram-se mais ousadas e intensas, os diálogos demovimento mais freqüentes, mostrando a maturidade dos participantes tantoem relação ao processo quanto ao movimento realizado/experimentado narelação com a outra pessoa.

Permeando a observação está o reconhecimento dos processos experi-

mentados nas aulas, nos quais alunos e alunas se reconhecem nos movimen-tos individuais e coletivos. Notava-se que a dificuldade de interação entrealgumas pessoas com o grupo começava a diminuir, como mostra o registrode uma observação de campo: “…uns permanecem sozinhos, outros se incorpo-ram na seqüência dos demais. Patrícia (26) inicia a movimentação em torno de

 Lara (24), de modo a caricaturar os movimentos realizados por ela, depois parte para outro grupo. As seqüências individuais misturam-se às interações feitas

 durante as experiências com diferentes músicas. Foi riquíssimo. Observei a fluidez de uma passagem para outra, da formação de um grupo e outro”.

 As construções das movimentações realizadas nas aulas eram processosindividuais e ao mesmo tempo coletivos, possibilitando um reconhecimentodo “outro” que dança, no momento que observavam os colegas. Reconhe-cemos, nisso, que:

por seu lado, o espectador sofre este efeito benéfico, porque, na medida emque uma obra de arte o faz vibrar e, por conseguinte, na medida em que sereconhece nela e aprende até a reconhecer-se nela. Vê finalmente conjuradaaquela solidão em que o mínimo peso se tornava sufocante. Passa a partilharcom os outros as suas emoções, por vezes obscuras, que se manifestam agoracomo sinal de um outro; onde julga desvendar o segredo do artista, descobreao mesmo tempo o seu. (idem, p.14).

Permeando as apreciações, houveram vários sentimentos comentadospelos integrantes. Ao mesmo tempo em que existia esse reconhecimento namovimentação “do outro”, comentava-se o sentimento de vergonha ao ser ob-servado. Todavia, percebiam tal sentimento como um momento importantena construção coletiva e individual. A compreensão da técnica corporal espe-

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cífica, não a institucionalizada, ao aceitar a “forma” de fazer do e da colegacomo caminho encontrado para a resolução da tarefa de movimento foi umaentre muitas observações realizadas pelos alunos e alunas durante as aulas.

Deise, uma das alunas mais retraídas, comentou na entrevista final:“Acho legal quando os alunos têm um certo entrosamento, não ficam com ver-

 gonha, com medo de errar, se sentem à vontade, né! Também dependendo da dança tem bastante contato. Se é uma dança de salão ou uma como a gente tá fazendo eisso me deixa bem à vontade. No balé esse ambiente de entrosamento entre os

 alunos é difícil, o balé é meio sério, né. Na dança de rua já é mais grupo, eu me

 sentia à vontade. Com as aulas eu pude ver como pode acrescentar bastante umainteração com outro alunos. Tanto no sentido de movimentos, da dança em si,

 como no contato, em aprender a se soltar mais, a observar e ser observado. Aprendemais a sentir e ser sentido pelo outro”.

Percebemos que a apreciação em nossas aulas, entre outros elementos,possibilitou uma visão mais coletiva na construção do grupo e também naconstrução individual dos participantes. A interação e participação em aula

ultrapassam a idéia de estar se movimentando ou, ainda, as compreendemosde uma forma mais dinâmica, na qual o observar é movimentar a aula, a sipróprio e o grupo.

 A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO19

O papel de quem ensina a dança

 A busca por superar a organização tradicional de aulas, incluindo osalunos e as alunas como “sujeito” no processo ensino-aprendizagem, bem co-mo a idéia de desmistificar o papel do professor e da professora como reden-tor do conhecimento, permearam as intenções desse projeto de pesquisa. Issoé importante quando pretendemos re-significar a dança. Para questionar opapel do professor e da professora parece-nos inevitável questionar o papel do

aluno e da aluna.No momento inicial, quando apenas duas alunas freqüentavam as

aulas, parece-nos ter sido interessante como também necessária à execução do

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19 O vídeo utilizado tratava-se do “Itaú Cultural Rumos Dança” de 2001.

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projeto a nossa participação (pesquisadoras), pois realizávamos aulas junto àsalunas, motivando-as e criando vínculos de afeição, confiança, estímulo, tãoimportantes na relação entre as alunas e as professoras.

Nos primeiros momentos de pesquisa, porém, as alunas ainda  estra-nhavam, mas também gostavam, da possibilidade de  participação mais amplanas aulas. Isso se registrou nos relatos de campo quando foi perguntado se asalunas queriam experimentar por mais alguns instantes e, diante do silêncio,insistiu-se por uma resposta. Uma das alunas respondeu que a professora éque sabia porque  era a professora. Essa afirmação levou-nos a questionar:

como é entendido o papel dos professores e dos alunos nas aulas de dança?Isso se tornou um elemento significativo para análise, observando-se comoem outros momentos o grupo respondeu às nossas perguntas, percebendo-secomo entendiam a participação de cada um (professor e aluno) no processo.

 A participação ampla nas aulas advém da busca de estabelecer diálogocom todos, alunos e alunas. Importante ressaltar que em alguns momentosesses diálogos foram concretizados pela linguagem corporal, pois na grande

maioria dos encontros foram realizadas vivências de dança. Nas observaçõesdo mês de abril estão presentes relatos que mostram as alunas interagindo co-nosco desde o primeiro encontro, como registrado: “O que se observou foi o in-teresse e motivação demonstrados durante as tarefas, como também um en-volvimento das participantes com as professoras-pesquisadoras durante a aula”.

Durante o processo que desenvolvemos, o “papel da professora” foidesempenhado na busca de superar a forma tradicional na qual a diferença

entre professor-aluno se estabelece por antagonia, prevalecendo muitas vezeso autoritarismo do educador. Procuramos direcionar as atividades, porém, co-mo há muito Paulo Freire nos mostrava: “Essa diretividade não é uma posiçãode quem comanda para fazer uma coisa ou outra, mas uma postura de quemdeve dirigir os trabalhos e um estudo sério” ( apud GADOTTI, 2001, p.73).

Essa característica parece ter sido fortalecida pela metodologia escolhi-da para o ensino da dança: a improvisação. Tal metodologia norteou as rela-

ções de ensino-aprendizagem e tornou possível a ampliação dos limites tradi-cionalmente colocados para essas relações, propiciando a participação ativados alunos, com suas opiniões, descobertas e invenções de movimento.

Nas nossas observações há momentos nos quais os participantesdemonstraram pequenas dificuldades de movimentação, porém comuns a

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iniciantes dentro de uma proposta de improvisação. Generalizando umpouco, as participantes apresentaram mais facilidade diante da metodologiado que dificuldade, porém, nos primeiros momentos da pesquisa, demons-traram um estranhamento quanto a tomada de decisões – o que, talvez, sejaentendido como “atitude dos professores”. Lembramos que, numa atividadena qual um dos participantes deveria contar o tempo de realização dos movi-mentos para que a tarefa acontecesse, as pessoas demonstravam dificuldadeem comandar a contagem. Essa dificuldade, possivelmente, era permeadapela falta de familiaridade com a ação.

Com o decorrer da pesquisa, o grupo foi se constituindo com um maiornúmero de pessoas. Entre elas, percebemos menor ocorrência de estranha-mento ao comandar as ações, podendo, talvez, essa estranheza ter sido ine-xistente para alguns. Entre as múltiplas características que podem ter perme-ado a facilidade de alguns ao se colocarem, citamos o vínculo existente entrealguns integrantes e uma de nós (professoras), vínculo que era anterior ao iní-cio da pesquisa e que fazia estas pessoas sentirem-se mais familiarizados e se-

guras para atuarem nas aulas. Outra característica importante no grupo, tal-vez, seja a presença de um professor e algumas professoras de outras áreas doconhecimento (história, letras, pedagogia etc.). Essas são algumas hipótesesque explicariam a facilidade na tomada de decisão durante as atividades euma menor estranheza nesta ação.

Percebemos, no desenrolar da pesquisa, germes importantes no desen-volvimento de relações entre professoras e alunos, para a busca de romper

com as hierarquias existentes tradicionalmente nestas relações. Entre as diver-sas possibilidades que criamos para tanto, está a nossa participação, como jámencionado, nas práticas corporais junto aos alunos. A experiência de reali-zarmos a aula junto aos alunos possibilitou-nos refletir com um arcabouçodiferente do que o simples olhar de observação/avaliação, ou seja, possibilitounovos olhares para as práticas e engendrou novas posturas e compreensões pa-ra a re-significação da dança com o grupo. Talvez isso não seja imprescindível,

porém, remete à possibilidade de um novo olhar sobre o fenômeno pesquisa-do. Importante ressaltar que a realização dessa interação, sem prejudicar osrigores da pesquisa, foi possível por sermos um conjunto de quatro professo-ras envolvidas. Em todos os encontros, uma era responsável por observaçõessistemáticas e outra como ministrante. Existia a possibilidade das outras duas

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pesquisadoras participarem da prática e em algumas aulas específicas existiua possibilidade da ministrante participar das práticas sem comprometer aqualidade da mesma.

Nós, professoras, além disso, permeávamos um princípio educativoproposto aos alunos pela metodologia escolhida, ou seja, “o processo de sen-sibilização do ser humano, através do corpo. […] a busca do equilíbrio entresensibilidade e racionalidade na nossa civilização” (FIAMONCINI & SA-RAIVA, 2001, p.99). Entendemos esta busca como de fundamental importân-cia para a formação dos seres humanos, sendo uma das possibilidades de com-

preensão de seus desejos e necessidades pelos seres humanos diferentes dosque somos levados a acreditar em nossa sociedade, desta forma “possibilitan-do o desenvolvimento do aluno e da aluna como seres criativos e autônomos”(idem). Possibilitando e experimentando o processo de sentir junto aos alu-nos, professores e professoras podem refletir sobre a sua prática de forma dife-renciada e, também, “construírem-se” na prática e nas múltiplas possibilida-des de relações com os alunos e as alunas, diferentes das tradicionais.

O PAPEL DA METODOLOGIA DE ENSINO DA DANÇA 

No desenvolvimento de nossa pesquisa, elegemos a improvisaçãocomo principal método de ensino da dança, com o intuito de oferecermossubsídios para a compreensão e para a experiência da dança na atualidade.

Conforme SARAIVA-KUNZ (1994, p.168, grifo da autora):

Enquanto método, a Improvisação permitirá, no mínimo, que os indivíduoscriem formas do se movimentar […] ou resgatem em outro espaço, sob outroestímulo, as formas do se movimentar próprio e do cotidiano, dando-lhesoutra dimensão através da reflexão e validação pedagógica das possibilidadesindividuais. Nesse sentido, a Improvisação propicia o descondicionamentodos movimentos […] repassados em formas tradicionais de trabalho, em que

os indivíduos condicionam movimentos.

 Assim, por meio da improvisação, a experiência e a compreensão da dan-ça são facilitadas, uma vez que a improvisação não prioriza modelos de movi-mentos, mas, sim, oferece meios nas tarefas e no jogo de movimento, lúdico e

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criativo, para o encontro das possibilidades de “cada corpo” para a dança.Esse jogo de movimento situa-se entre os objetivos que permeiam a

metodologia para o ensino da dança. Entre eles está, também, a busca de pro-mover momentos nos quais imaginação e criatividade movam os seres huma-nos, possibilitando que estes sejam meio e obra de arte pelo corpo que dança.

 Acreditamos que “imaginação e criatividade são, então, pontos fundamentaisem um projeto de educação que tenha como objetivo a formação de pessoasque não apenas aprendam os conhecimentos elaborados pela humanidadecomo verdades absolutas e imutáveis, porém que saibam refletir e que se sin-

tam capazes de interferir sobre esses conhecimentos, re-elaborando-os” (FIA-MONCINI & SARAIVA, op.cit., p.98).

 A re-elaboração dos movimentos no processo da improvisação foi pro-porcionada pela oferta de tarefas que buscavam a exploração/descoberta, tantotemática quanto vivencial das idéias, na experimentação de sentir/compreen-der as técnicas corporais características, ou não, para essas idéias – tais como,por exemplo, perceber o espaço da sala em deslocamento, realizado em ritmo,

níveis e apoios diferenciados etc. – para, também, experimentar/inventar movi-mentos na variação do que foi sentido/observado e, finalmente,representar/criar/elaborar com atribuição de um igual ou outro significado (ibi-dem). Esses processos utilizaram predominantemente a exploração de técni-cas corporais básicas, a partir do uso dos movimentos básicos e dos movimen-tos do cotidiano – caminhar e deitar, por exemplo – com objetos, sem objetos,com música e sem música.

Foi explorado o fortalecimento dos músculos, alternando com soltura;foi também explorado o jogo de peso e contra-peso entre as pessoas; acroba-cias básicas como rolamentos; as linhas, as direções e os planos de movimen-tação; as propostas temáticas para movimento originadas da música, dos obje-tos e do ambiente; o isolamento e o policentrismo das partes do corpo; os diá-logos de movimento com contato e sem contato, com duplas, trios ou grupos;os conceitos de equilíbrio e desequilíbrio; de balanço e suspensão etc. Per-

meadas pela imaginação e a criatividade20, as tarefas implicavam a socializa-

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20 Compreendemos que a criatividade não é um dom e que ela precisa ser fomentada. Ela é um potencial iner-ente ao ser humano que se realiza dependentemente do ambiente, do esforço, da motivação; é decorrente deuma ação cultural (SOARES et. all., 1998).

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ção das experiências para enriquecer as experiências do outro, tanto a partirda exposição verbal, quanto na vivência mesmo do movimento.

 Acionar a imaginação e a criatividade na dança também tem a funçãode recuperar um espaço lúdico em nossas vidas, visto como um potencial trans-formador, como já elaborado por Friedrich Schiller e Johan Huizinga21. É sa-bido que o lúdico na nossa sociedade é marginalizado, possivelmente por con-ta desse potencial transformador. Para Ana Alonso Krischke (2004), isto de cer-ta forma se reflete na dança, quando entendida como um momento em quetudo pode acontecer, mas que não é realmente significativo para a dança pro-

priamente dita, com seu potencial formativo e apresentativo. Vista como puradistração, relaxamento e compensação, a dança tem suas potencialidades re-duzidas e se ao menos deixa o espaço da auto-expressão (que muitas vezes nãoé permitido) aos praticantes, aliena-os ao colocar isso tudo à margem da dança.

O entendimento da função do lúdico nas nossas vidas pode gerar avan-ços e questionamentos à dança. HUIZINGA (1980), por exemplo, ao discu-tir o lúdico, trata das artes como “jogos elevados” cuja complexidade produz

um tipo bastante significativo de experiência, reflexão e elaboração para aimaginação e a criatividade humanas. A liberdade contida no lúdico represen-ta, ao nosso ver, um fator de criatividade, ou um “mote” para o desenvolvi-mento da sensibilidade estética, como queria Schiller, que são pontos-chavepara a formação que propomos.

 A improvisação se mostrou uma alternativa dentro de um contexto emque existe pouco tempo disponível e raros espaços de exercício de movimen-

tos próprios/espontâneos, como mencionado pelas participantes: “eu sempre tive vontade de dançar, mas faltava tempo, trabalhando, estudando” (Ada, 21); ou“eu também sempre gostei de dança e movimentos. Eu fazia dança, mas na minhainfância e adolescência, depois dei uma parada, por trabalho e por falta de tempo”(Maira, 24). Da prática emergia, seguidamente, a percepção daquele momen-to como um dos poucos em que as pessoas podiam relaxar e auto-expressar,“as aulas de dança foram um momento também onde pude relaxar (...) onde você 

 esquece, deixa um pouco de lado os problemas, o cansaço do dia e tenta entrar na

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21 Neste trabalho não queremos retomar as obras clássicas destes dois autores que tratam do Lúdico, já elab-orado em outras interpretações. Como exemplo, remetemos aos trabalhos de Maria do Carmo Saraiva-Kunz(2003) e Ana Alonso Krischke (2004), que retomam, respectivamente, “A Educação Estética do Homem”, deFriedrich Schiller e “Homo Ludens”, de Johan Huizinga.

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‘viagem’ daquele momento” (Deise). Por outro lado, isso permitia também aosparticipantes notarem suas próprias limitações para criar, decorrentes, justa-mente, da falta desse tipo de oportunidade/experiência nas diferentes relaçõesque se estabelecem diuturnamente, seja de cunho social, educacional, entreoutras, como ilustra a fala de Catarina (24): “A respeito disso, o que penso é quemuitas vezes achamos que não somos reprimidos, que expressamos nossas opiniões,

 que fazemos o que queremos. Mas, quando se experimenta uma aula de expressão corporal, vemos o quanto nosso corpo é reprimido. A maioria das pessoas que tenho contato, que entraram no projeto, falam muito bem, sempre comentando: ´como

 é bom a gente ter um lugar para se soltar..` e o que isso quer dizer? O quanto somos reprimidos”.

Também partimos da idéia de que cada participante tinha experiênciascorporais anteriores que poderiam ser dimensionadas para a dança e que estaseria uma metodologia que facilitaria a autonomia do grupo e de cada parti-cipante com respeito às suas relações com a dança. O grupo, de modo geral,reagiu muito bem a tal escolha e, ao mesmo tempo em que demonstravam

alegria nesta prática, dialogavam constantemente com suas noções anterioresde dança.

Outros aspectos influenciaram a escolha desta metodologia: as nossasexperiências (pesquisadoras) com a improvisação e a oportunidade de dialo-gar sobre elas; a possibilidade da experiência da dança como um todo, numcurto espaço de tempo, visto que a sua realização parte muito mais de umaexploração/experimentação/descoberta de movimento do que de alguma ca-

pacidade física determinada. Não queremos com isto dizer que esta práticanão exija tempo e dedicação para que se constitua um improvisador ou impro-visadora de dança, mas sim que esta é uma prática que, desde o seu início,oferece maior acesso à experiência da dança. O fato de termos um grupo bas-tante heterogêneo nas suas experiências e também de desejarmos abrigar asdiferenças para dançar, ao contrário de nivelá-las ou simplificá-las, constituiu-se numa riqueza para a dança e, também, contribuiu para a escolha de um

processo que “permite a todas as pessoas dançarem – ou movimentarem-seexpressivamente – dentro de suas possibilidades individuais” (idem, p.100) eque “vai da percepção do mundo exterior para a conscientização do movi-mento […] e se efetiva na transformação e construção de novas técnicas demovimento, na apreensão de conteúdos (os fatos já enunciados) e na re-sig-

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nificação do movimento” (FIAMONCINI & SARAIVA, op.cit. p.103).Durante as aulas, procuramos oferecer aos participantes o desfrutar da

dança como também a construção de conhecimento através da dança e sobrea dança. Houve poucos momentos em que se levantou interesse por parte dosintegrantes da pesquisa em realizar leituras e estudos mais aprofundados. Oque se fazia freqüentemente eram discussões/conversas sobre as aulas e as di-versas sensações, experiências, dificuldades e observações sobre o que tinhasido realizado. Isso, inclusive, foi bastante realçado pelas pessoas como umespaço rico, democrático, importante, em que cada um pode externar suas

vontades, necessidades, sensações, idéias, conhecimentos, limitações, etc. Al-gumas falas ilustram isso: “conseguimos trabalhar o esperado e o inesperado”(Daiane, 23); “achei interessante que essas críticas e sugestões puderam ser feitas

 em todas as aulas, deu-se espaço para discussões entre todos” (Catarina); “iniciar a compreensão do universo da dança contemporânea, que antes era leigo, novos exercícios com que os alunos já trazem de bagagem ou gostariam de expor para o desenrolar da aula” (Valdir, 20). De um modo geral, as atividades ali oferecidas

corresponderam plenamente aos anseios do grupo; o que não quer dizer quenosso papel como educadoras e pesquisadoras fosse o de corresponder às ex-pectativas, mas houve, no período da pesquisa, uma identificação e um reco-nhecimento deste grupo com o trabalho realizado através da improvisação.

O fato de buscarmos, junto com o grupo, reflexões a respeito da idéiatradicional da dança, e da dança ali sendo construída, também colaborou paraque a improvisação se mostrasse um método interessante. O possível entendi-

mento do que viria a ser a dança na atualidade, partiria, ao nosso ver, dessarelação entre o entendimento primeiro e as reflexões feitas na experiência daimprovisação, utilizando-nos, também, de recursos e estratégias variadas emque se apóia a improvisação no âmbito teatral. Steve Paxton ( apud LEITE,2004), desenvolveu uma proposta de improvisação por contato (toque) aolongo dos últimos 30 anos, aproximadamente. Nessa prática, juntam-se aimprovisação e a linguagem sensorial do toque, o peso e a pressão na relação

com o espaço e com “o outro”; oferecendo, assim, um método para o desen-volvimento de uma consciência corporal junto com o prazer de dançar a dois(ou sozinho, ou em grupo). Em tal proposta, unem-se o conhecimento daanatomia e da fisiologia humanas e as sensações e expressões humanas, emtermos como “você tem que intuir os ossos; tensão muscular mascara a sen-

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sação; se deixe sentir o sistema circulatório...as batidas do coração...o que eleprecisa aqui é de um habitante” (LEITE, 2004, p.34). Já Cíntia Novak ( apud LEITE, 2004, p.25) relaciona nas suas elaborações a improvisação por conta-to e a sociedade americana; podemos, com algum cuidado, perceber que estaserve para nós também:

 A desorientação pode ser interpretada como instabilidade mental, e a falta decontrole físico é geralmente pensada como um sinal de trauma, doença ouintoxicação. Experimentar a improvisação por contato pode ensinar um diver-timento na desorientação e a reconsideração de associações espaciais.

Esses e outros estímulos para dançar podem vir a proporcionar umamadurecimento do “bailarino/cidadão” caminhando para a autonomia nassuas relações no mundo. Estas elaborações orientaram nossa metodologia etemos claro que são bastante diferentes das noções de ensino da dança difun-didas no senso comum, onde as danças cênicas tradicionais, em especial obalé e a dança moderna, tornaram-se a imagem da dança.

De fato, o que está tradicionalmente proposto como sendo dança ne-cessita ser entendido de forma elaborada, tanto no entendimento do balé clás-sico e da dança moderna, que vem a ser as danças mais tradicionais, quantona contextualização das formas contemporâneas e na contextualização dasnoções oriundas do senso comum. No entanto, a escolha de uma prática dadança numa relação e de metodologias mais lúdicas e prazerosas indica tersido acertada para este tipo de projeto. Entendemos que, mesmo com certo

risco de estarmos apenas compensando a crueza da realidade, deveríamosgarantir a imaginação e o próprio prazer vinculados à prática da dança. Estase mostrou uma forma de resistir naquele momento aos limites impostos pelarealidade. De fato, consideramos que tais atividades podem ter um cunhocompensatório frente às relações estabelecidas nesta sociedade, porem nãosignificam necessariamente que sejam alienantes.

 A dança construída com aquele grupo partiu da realidade que revela as

contradições da nossa sociedade. Nesse sentido, a improvisação, ao mostrar-se uma prática fundada na liberdade dos movimentos e nos limites biográfi-cos e históricos de cada corpo22 ao mover-se, englobando princípios do jogo no

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22 Este “corpo” é o próprio ser humano: ser corpóreo, que vive e sente-se corpo, ao contrário do sentido de usarseu corpo, conforme Silvino Santin (1987).

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movimento, configurou-se como eixo norteador da nossa prática. Nela have-ria a liberdade da imaginação da realidade e a própria realidade repressora daimaginação e da liberdade; haveria a possibilidade de uma ampliação de varie-dades das relações do grupo e as relações que se constituem por reflexo danossa sociedade. E estas contradições dentro da própria prática formaram adinâmica dos encontros neste projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A dança possibilita muitas relações entre ser humano e mundo. Comesta pesquisa buscamos ampliar o entendimento e a valorização da interaçãono processo de ensino-aprendizagem em dança. A apreciação sendo uma for-ma de interação possibilita que o “outro” seja visto e compreendido como par-te integrante do ato de dançar. A valorização ampliada do apreciador possi-bilita que este contribua com suas percepções para o dançar do “outro”, como

também perceba este momento como importante para o seu aprender emdança. Desta forma, percebemos que mesmo nos momentos mais individuaisé possível contribuir para um dançar coletivo; entendendo cada participantecomo formador do coletivo e que este processo permite o emergir das singu-laridades – a “própria” construção corpórea como ser no mundo, abstraída eelaborada do vivido na relação com o meio, para simbolizar em formas queconfiguram a dança.

O olhar, o movimento, a opinião, ou melhor, o existir, tanto pessoalquanto coletivo podem ser entendidos no processo de ensino e aprendizagemem dança frente a uma proposta que entende todos como fundamentais naconstrução do dançar.

Outra forma de interação importante neste processo foi a relação dasprofessoras com os alunos e alunas, que se mostrou na busca de novos cami-nhos para o ensino-aprendizagem em dança, pois romper com hierarquias

existentes tradicionalmente nestas relações possibilitou que as professoras-pesquisadoras questionassem sua prática e engendrou novas atitudes e com-preensões para a re-significação da dança com este grupo.

Permeando a construção destas relações e, com isto, o papel “do pro-fessor”, está a metodologia a que recorremos nesta pesquisa para o ensino da

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dança – a improvisação –, a qual possibilita aos alunos e alunas participaremcom suas opiniões e na própria prática corporal sendo-lhes possível momen-tos de criação e recriação de seus movimentos. A heterogeneidade do grupo etambém nosso desejo de abrigar as diferenças para dançar, ao contrário denivelá-las ou simplificá-las, foi contemplado pela escolha da improvisação eevidenciou uma identificação e um reconhecimento do grupo com o trabalhorealizado. Nesse sentido, propusemos ao grupo o perceber a dança em movi-mento, em mudança, numa transformação dada por eles mesmos e pelo aces-so ao que se tem discutido e entendido por dança na atualidade.

Sabemos que o acesso à cultura elaborada e a momentos de descon-tração por meio da arte é destinado a poucos e, de um modo geral, a própriaqualidade desse acesso está condicionada aos valores e interesses existentes nanossa sociedade, como, por exemplo, a produção e o consumo. Porém, nos éconhecido que a mudança é uma condição para todas as relações e sociedadesexistentes ao longo da história da civilização. Portanto, ver mudança hoje emdia deveria representar ver o contexto contemporâneo em transformação; ser

capaz de notar as necessidades que culminam nessa transformação e final-mente se colocar ativamente nesse processo. Essas reflexões perpassam nossaatuação, entendendo-se a importância de oferecer alternativas para além doque já está “dado”, num permanente processo de construção e reconstruçãodo movimento, da dança, das relações e de nós mesmos.

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Referências

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meio para distanciar o homo urbis de sua vida cotidiana e fatigante, levando-oa um tempo e espaço perdidos ao longo do processo civilizador.

Outra característica dessas práticas é a variada nomenclatura utilizadapara defini-las: AFAn’s (Atividade Física na Natureza), esportes radicais, es-portes de aventura, esportes ecológicos, práticas de aventura etc. Neste textovamos utilizar a expressão “Práticas Corporais de Aventura”, por entender-mos que não são meramente atividades, nem tampouco configuram-se comoesporte23.

Contudo, como tem acontecido com praticamente todas as atividades

criadas no âmbito das sociedades ocidentais modernas, de ordem sócio-eco-nômica capitalista, sejam elas de lazer ou não, acabam se subsumindo à lógi-ca do mercado. Sob tal perspectiva, se afastam da possibilidade de interessesvoltados à cidadania e à emancipação humana e social, ampliando, na verda-de, o mercado dessas práticas.

Mas não é sob esse prisma que vislumbramos o lazer. Sem camuflarsua função utilitarista e sua subsunção ao mercado, vamos concordar com

Reinaldo Pacheco (1992, p.251), quando nos diz que, assim como outrosfenômenos sociais, o lazer é um “espaço de criação e (re)criação de identida-des individuais e coletivas”. Assim sendo, com um diálogo apropriado, comestratégias pedagógicas coerentes, com a proposição de uma reflexão contínuae ordenada, acreditamos que as práticas de/no lazer possam caminhar nadireção oposta a da reprodução.

Neste sentido, desenvolvemos ao longo do ano de 2004 a pesquisa

denominada “Artes corporais e aventura na Natureza”, doravante denomina-da Subprojeto, que se justifica pela carência social de outros significados parao lazer que não aqueles racionalizados pela lógica moderna.

 ALLEGRO - TRILHAS E HORIZONTES

Este Subprojeto teve como objetivo geral investigar a relação “serhumano-Natureza” nas  práticas corporais de aventura (PA’s) abordadas ealguns limites e possibilidades de sua re-significação.

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23 Sobre a expressão “práticas corporais”, consultar Ana Márcia Silva (2004).

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Para atingir este horizonte, caminhamos pelas seguintes trilhas:• Desenvolver uma vivência reflexiva, atravessada pela arte em suasdiversas linguagens, sobre o corpo e suas (ir)reais dimensões no conta-to com a Natureza;• Desenvolver fundamentos teórico-metodológicos para a re-signifi-cação das práticas corporais na Natureza;• Explicitar as origens, necessidades e finalidades que perpassam oprocesso de construção da  técnica como mediadora dessas práticas,buscando elementos para sua re-elaboração;

• Problematizar as diferentes percepções da relação Espaço-Tempo queos sujeitos envolvidos nas práticas apresentam;• Oportunizar a percepção de ritmos diversos.

 Ao longo da caminhada, encontramos marcos – aos quais chamare-mos de categorias –, como auxiliares do processo de observação, coleta eanálise dos dados:

 A dimensão da Alteridade expressa enquanto a possibilidade de

descentramento do próprio´eu´24 se configurou como pano de fundo para aeleição da categoria central: A “relação ser humano-Natureza”25. Buscou-seidentificar alguns indicadores de como o grupo investigado expressa essarelação. Porém, a alteridade, fundamento da categoria central, configurou-seela mesma numa outra categoria, sendo através dela que focamos as relaçõesestabelecidas no grupo entre professores-pesquisadores e alunos-pesquisados.

Desse modo, a relação ser humano-Natureza, eleita como categoria

central deste estudo, passa, inescapavelmente, pela noção de alteridade, pois épreciso que se estabeleça tal olhar entre essas partes para que haja uma relaçãoharmônica, a qual permite uma construção não despida de suas contradiçõese tensões, mas sim que as admite e junto a elas consegue materializar umarelação mútua, de respeito e diálogo, entre os sujeitos e o mundo, tal qual ofazem o compositor, o maestro, os músicos e os acordes numa bela sinfonia.

 Ao falarmos sobre a relação ser humano-Natureza se faz necessário

explicitar a que Natureza estamos nos referindo; para isso, acompanhamos opensamento de Karl Marx (1989, p.163), ao afirmar que ela diz respeito à

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24 Cf. Denise Jodelet (1998).25 A dicotomia presente nesta expressão apresenta-se apenas como ferramenta didática, uma vez que enten-demos que ambos – ser humano e Natureza – são dimensões de uma mesma unidade.

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manifestação física do meio natural, à natureza “inorgânica” do humano –plantas, animais, minérios etc. Optamos por usar a inicial do termo emmaiúsculo para diferenciá-lo esquematicamente, em algum sentido, doentendimento de sua natureza “orgânica”; ou mesmo da perspectiva que refe-re-se à natureza como sendo a essência das coisas.

Entre as várias trilhas (categorias) pelas quais pudemos e tivemos quepassar para chegar ao nosso objetivo, destacamos: a) a  técnica (uma vez queesta media a referida relação), preocupados em entender as origens, necessi-dades e finalidades que perpassam seu processo de construção; b) a relação

 espaço-tempo, pois a dinâmica interna do espaço-sujeito26 onde as práticas sãorealizadas - a Natureza - traz consigo uma outra percepção de ritmo, a qualdestoa das dinâmicas de eficiência e utilidade impostas pelo atual contexto emque vivemos. As categorias acima expostas possuem uma estreita inter-conexão: os meios técnicos e as próprias técnicas em si transformam as per-cepções de espaço e tempo, bem como de ritmo27.

 Ao longo do percurso da pesquisa, ao apresentarmos seus primeiros

passos em um congresso28, foi sugerido que incorporássemos a categoria da corporeidade, entendida enquanto a percepção e consciência de nossa dimen-são corporal tecida no movimento dialético que compõe a incessante relaçãoentre o organismo humano e o mundo, a qual se realiza de uma forma imbri-cada com seus diferentes ma-tizes: fisiológico, cultural, his-tórico, político etc. Assim, na

etapa de análise dos dados co-letados, esta categoria foi in-cluída e muito auxiliou naobservação de alguns instru-mentos de coleta, especial-mente fotografias e vídeos.

Outra categoria que,

mesmo não listada ao início

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26 A expressão “espaço-sujeito” aponta para um entendimento de que não apenas o ser humano determina asações, mas também o espaço, o tempo, o lugar das PA, por suas características, também o fazem, se tornando,portanto, sujeitos da ação. Essa expressão ganhou conotação a partir dos estudos da chamada ‘Geografia Crítica’.27 Cf. Milton Santos, 1996.28 Cf. Humberto Inácio et all, 2004.

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soante com as necessidades sociais, escolhemos o município de Santo Amaroda Imperatriz, na grande Florianópolis (SC), como espaço-sujeito do Subpro-jeto; isto porque o mesmo tem cerca de 60% de sua área dentro de uma áreade proteção ambiental, o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, e, por cau-sa disto, as questões sócio-ambientais fazem parte do cotidiano daquela po-pulação, inclusive os conflitos derivados da criação do parque e as propostasde superação dos mesmos. Além disso, e por isso, o turismo de aventura29 vemse apresentando como importante alternativa econômica para a região e aspráticas eleitas pelo Subprojeto vêm sendo ofertadas por operadoras ecoturís-

ticas da cidade, passando a fazer parte do cotidiano dos moradores daquelemunicípio.

Delimitando os sujeitos que fariam parte da pesquisa, decidimos con-vidar alunos de sétima e oitava séries da rede municipal de ensino, da EscolaMunicipal Augusto Althoff. Os motivos para essa escolha foram: 1) a parceriacom a Prefeitura; 2) a localização dessa escola bastante próxima dos limites doParque; 3) o fato de alguns alunos das séries escolhidas residirem em áreas

internas do Parque e que têm, convivido no seu dia-a-dia com os conflitos ori-undos desta situação. Após os primeiros contatos com a escola foi formado umgrupo de vinte alunos – os Solistas desta sinfonia –, composto por quatorzemeninas e seis meninos.

Com todas as parceiras estabelecidas30 e o grupo definido, iniciamos ostrabalhos de campo, seguindo um cronograma previamente elaborado, o qualapresentava uma alternância semanal entre sessões das PA’s e aulas-encontro

na escola. Assim, o espaço-tempo nas atividades de campo era dedicado àsPA’s propriamente ditas, e o espaço-tempo na escola servia para a reflexãosobre as práticas já realizadas e um planejamento coletivo das práticasseguintes. Cada PA foi realizada duas vezes, intermediada por uma aula-encontro na escola, buscando, então, na segunda sessão de cada, a re-signifi-cação objetivada pela pesquisa. Mas importa destacar que mesmo apontandopara um espaço de reflexão na escola, tal reflexão não estava ausente no fazer

das PA’s; pelo contrário, buscamos uma práxis constante, em todos os encon-

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29 Turismo de aventura é a expressão que define a realização das PA’s no âmbito do turismo, portanto, do lazer.30 Parcerias: Prefeitura Municipal de Santo Amaro da Imperatriz; Secretaria de Educação, Cultura e Esporte deSanto Amaro da Imperatriz, Escola Municipal Prefeito Augusto Althoff, TDA-Treking das Águas/Operadora deRafting , Centro de Vida Alma Verde e Recanto da Natureza.

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tros, em quaisquer espaços-sujeitos onde estivemos.Na primeira vez em que cada uma das PA’s foi realizada, não havia

uma proposição explícita de reflexão; os alunos-pesquisados não eram leva-dos, ou direcionados pedagogicamente, a refletir sobre a ação que estavamrealizando naqueles momentos. Assim, acreditáramos, poderíamos observarum comportamento mais próximo ao que viveriam em nossa ausência, bemcomo o surgimento de atitudes que expressassem alguma mudança derivadados encontros e reflexões antes realizados.

Contudo, após a realização da primeira PA (rafting) e mais especifica-

mente após o segundo encontro, acontecido na escola, todos os outros encon-tros não eram mais desprovidos de reflexão, pois foi se construindo, ao longode toda a pesquisa, um arcabouço de debates, argumentos e conhecimentos,que colocava professores-pesquisadores e alunos-pesquisados sempre numacondição diferenciada e, se possível, melhor até que o encontro anterior. EsteSubprojeto, em sua proposta metodológica, previu que as reflexões e planeja-mentos coletivos, especialmente os realizados na escola, teriam como instru-

mentos algumas formas de expressão artística tais como a música, os desenhos,o jornal escrito, a fotografia e o vídeo. Nas diversas aulas-encontro, seja nasPA’s, seja na escola, utilizamos estes instrumentos de várias maneiras diferen-tes. Em alguns momentos eram ferramentas para re-significação das PA’s, emoutros para refletir sobre seus próprios comportamentos e sua relação com aNatureza. Também foram úteis o questionário e a entrevista semi-estrutura-da em momentos específicos da pesquisa.

O questionário foi entregue no segundo encontro, objetivando conhecerdados como nível sócio-econômico, idade, interesses sobre as práticas, o co-nhecimento e as experiências que o grupo apresentava em relação as PA´s, acompreensão de Natureza, as expectativas em relação a experiência das PA´s,entre outros.

 A música foi utilizada após a segunda sessão de rafting. A partir de umamúsica (“Terra, Planeta Água”, de Guilherme Arantes), os alunos-pesquisa-

dos escolheram, individualmente, estrofes da letra que tivessem algum sig-nificado importante em suas vidas; por exemplo:

- “Águas que banham aldeias e matam a sede da população”. “ Eu achei essa frase mais importante porque é a água que mata a sede da população. Essa frase é muito importante porque sem água nós não viveríamos e com ela nós mata-

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mos a sede e também nos refrescamos” (Laura, 16)31. A mesma música serviu de base para que, em pequenos grupos, eles

criassem novos versos, refletindo sobre a PA realizada na aula anterior:“Águas tão claras, tão lindas, são as mesmas águas que trazem a diversão e

 com um simples toque o nosso lazer, o nosso lazer.” (grupo 1)“Águas que nas cachoeiras fazendo um rafting é pura aventura e emoção.”

(grupo 2)Essa música, entretanto, não se mostrou bem recebida por todos os

alunos; um dos grupos acabou por elaborar um “rap” sobre o tema, e sua

apresentação foi bastante aceita pelo coletivo.“A diversão do bote está nas águas limpas do CubatãoO bote nas corredeiras quase vira com as nossas brincadeirasOs gritos vão ficando mais altos quando a gente desce o salto

 A preguiça do lixão deixa sujo nosso riozão”. (grupo 3)Isto pode apontar na direção de que a ferramenta (música) é bem acei-

ta, mas o estilo da mesma deve estar em conexão com a bagagem cultural dos

sujeitos envolvidos.Os desenhos, por sua vez, foram utilizados em várias aulas-encontro; os

alunos-pesquisados foram bastante receptivos, ainda que um ou outro de-monstrasse certa timidez para mostrar seus desenhos aos colegas e aos profes-sores-pesquisadores. Os desenhos se constituíram como ferramentas diferen-ciadas de acordo com o contexto no qual surgiram. Numa ocasião foram ex-pressões das sensações e percepções experimentadas na PA realizada; em outra,

compuseram um todo com outras expressões artísticas, por exemplo, no jor-nal; em outra vez, o desenho serviu a uma outra ferramenta, o mapa mental,bastante usado pela Psicologia para representar as lembranças vividas em situa-ções específicas.

O  jornal escrito foi utilizado durante a primeira sessão de rapel e naaula-encontro seguinte, na escola. Durante o rapel, os alunos-pesquisadosforam divididos em dois grupos que deveriam ‘entrevistar’ os colegas após sua

descida. Um grupo fez perguntas sobre os aspectos positivos sentidos peloscolegas na PA, enquanto o outro investigou os aspectos negativos. O resulta-do deste processo compôs as páginas centrais do jornal que foi finalizado na

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31 Os nomes indicados são fictícios, mas idade e gênero correspondem à realidade.

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aula-encontro seguinte. As outras páginas do jornal foram compostas, porsugestão e escolha dos alunos em seções: coluna social e horóscopo, culinária,publicidade e classificados, quadrinhos, espaço do leitor e novela. Todas asseções representavam, de uma forma ou outra, o rapel experimentado na se-mana anterior, como, por exemplo, a seção de classificados que anunciava avenda de equipamentos para realizar o rapel.

 A  fotografia serviu tanto aos alunos-pesquisados, em algumas situa-ções, como aos professores-pesquisadores em outras. Durante o segundo rafting,os alunos indicavam ao fotógrafo da operadora de rafting32 parceira da pes-

quisa, os locais e pontos que deveriam ser fotografados, buscando mostrarfontes poluidoras do rio, pontos degradados e/ou em recuperação; contudo,observamos que, se a máquina fotográfica estivesse “nas mãos” dos alunos, osregistros poderiam ter sido diferentes dos que se deram. Já no primeiro rapelas fotos foram tiradas pelos próprios alunos-pesquisados e serviram para ilus-trar as entrevistas do jornal escrito, já referidas. Aqui, diferente das fotostiradas no rafting, pudemos identificar o que, pelo olhar dos alunos-pesquisa-

dos, se dava de mais significativo na atividade, quanto aos seus pontos nega-tivos e positivos.

Por outro lado, os professores-pesquisadores fizeram uso desta ferra-menta em muitas aulas-encontro, utilizando-as depois para análise sobre acategoria corporeidade, para ilustrar os painéis apresentados em congressos epara própria documentação da pesquisa.

Utilizamos o vídeo em três situações: a) no segundo rapel, para regis-

trar as emoções dos alunos-pesquisados durante a descida na cachoeira e apósa execução do mesmo, o comportamento do grupo nas diversas tarefas queprecisavam executar (segurança, cuidados com equipamentos), nas suas rela-ções com o espaço à sua volta e com as outras pessoas, e mesmo para umaauto-avaliação dos professores-pesquisadores; b) após o segundo rapel os alu-nos-pesquisados fizeram um jornal falado, o qual foi planejado, organizado,elaborado e gravado por eles próprios. Neste vídeo-jornal os grupos apresen-

taram segmentos tais como “previsão do tempo”, “entrevista sobre o medo defazer o rapel na cachoeira”, “reportagem sobre ‘um dia no campo’” e “noti-

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32 As fotografias foram feitas com uma máquina própria da operadora parceira e esta não permitiu o seu usodireto pelos alunos.

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ciário”. Em alguns destes segmentos, houve o uso de expressões cênicas, desdeum estilo dramático até o cômico; e c) para registrar uma intervenção desen-volvida com jogos na escola relacionados às PA’s tirolesa e falsa baiana e pos-terior reflexão dos alunos-pesquisados a respeito desta experiência.

Observamos que o vídeo é um instrumento muito significativo por re-gistrar os dados “em movimento”, diferentemente das fotografias, desenhos eoutras formas de coleta de dados. Além disso, os alunos-pesquisados se mos-traram muito motivados ao uso da câmera, facilitando a execução da tarefa,ainda que um ou outro se mostrasse receoso em ter sua imagem gravada.

Outro recurso metodológico que serviu a esta pesquisa foi o  diário de campo. A proposição dessa ferramenta é que um dos pesquisadores registre,de forma escrita, gravada, filmada ou por outro meio, todos os acontecimen-tos que julgue pertinentes à pesquisa. Aqui, pequenos detalhes, os quais po-deriam facilmente ser esquecidos ou não percebidos durante e após o períodode coleta de dados, são resgatados e sua importância destacada na fase deanálise dos dados.

Optamos pela  entrevista, realizada no último encontro, como umaoutra forma de detectar possíveis mudanças ocorridas na percepção dosalunos-pesquisados durante a realização do projeto; para tanto se utilizou umroteiro de entrevista semi-estruturada. Após o período de trabalho de campo,conforme o cronograma, o grupo de professores-pesquisadores passou a sereunir semanalmente para a sistematização, categorização, cruzamento e aná-lise dos dados coletados, até a entrega do relatório final e do texto para publi-

cação. Para isto, foi utilizada a “análise de conteúdo”. Essa técnica é especial-mente útil para a análise das entrevistas/depoimentos. O método proposto porMaria Cecília Minayo (1992), por outro lado, organiza mais amplamente oprocesso de ordenação, classificação, interpretação e análise dos dados, possi-bilitando um trânsito entre o geral e o particular, entre a teoria e a prática,entre o concreto e o abstrato, uma maior aproximação com a realidade, osobjetivos propostos e o mundo da vida dos sujeitos envolvidos. Além de entre-

vistas/depoimentos, esse recurso nos permitiu “olhar” para as imagens regis-tradas (desenhos, fotos, vídeo) e cruzar as observações resultantes deste olharcom as análises dos dados escritos.

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 ANDANTE – INTERPRETANDO OS MOVIMENTOS

 Antes de apresentar os dados e os resultados das PA’s em si, listamosalguns dados de caracterização sócio-econômica dos alunos participantes dapesquisa: como já expresso nos procedimentos metodológicos, o grupo dealunos-pesquisados foi composto por quatorze meninas e seis meninos, sendoque todos moram com a própria família, as quais são compostas, aproxi-madamente, por quatro pessoas. A maior parte tem treze ou quatorze anos deidade, havendo ainda um aluno com quinze e outro com dezesseis anos de

idade. Sendo que quatro eram de famílias da Vargem do Braço (zona rural) eas outras de famílias que residiam na região urbana de Santo Amaro.

Os pais e mães trabalham como empregados em diversas profissões;apenas um dos pais é “dono” do próprio negócio. A renda familiar mais baixaé de R$ 140,00 (cento e quarenta reais) e a mais alta de R$ 3.000,00 (três milreais); a média das rendas apresentadas ficou em R$ 710,00 (setecentos e dezreais), mas a maioria tem renda menor que isso. As rendas mais baixas apre-

sentadas podem ser lidas de várias formas: renda real, renda fictícia por receiodos pais em fornecer informação correta, renda média pelo exercício de profis-sões temporárias, renda média em função da profissão de “agricultor”; estesbaixos valores de renda familiar não significam, diretamente, pobreza; muitasdas famílias, sendo de agricultores, e mesmo com outras profissões, possuemacesso facilitado a alimentos, de cultivo próprio ou troca, pagam menos im-postos por residirem em zona rural, não pagam pela captação de água, moram

em residência própria, geralmente construída em terreno herdado, morampróximos da escola, não necessitando pagar por transporte, tudo isso aliado aum estilo de vida menos consumista do que estamos acostumados a ver noscentros urbanos.

Por outra via, alguns alunos-pesquisados, especialmente as meninas,passam parte de seu período fora da escola em casa, cuidando das tarefasdomésticas e de irmãos menores.

Sobre as PA’s, o questionário indica que já havia uma pré-concepçãosobre o que seriam. Na pergunta “Você já participou de outras atividades (práti-

 ca corporal) parecidas com as deste projeto? Quais?”, alguns alunos-pesquisadosresponderam que sim, especialmente o rafting, que é a atividade mais prati-cada na região, através dos serviços prestados por operadoras especializadas.

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O rapel também foi citado, mas a maioria dos alunos-pesquisados jamaishavia realizado qualquer uma das PA’s eleitas para a pesquisa.

Com relação ao “tempo para o lazer”, a maioria aponta o fim de sema-na como sua disponibilidade para tal; alguns também apresentam o contra-turno da escola, ampliando bastante este tempo. As atividades mais realizadasno lazer destes alunos são “sair em festas noturnas, praticar esportes, bicicleta,

 tomar banho de piscina, estudar, brincar, TV, dormir e trabalhar em casa”. Aqui,quando aparece a resposta “trabalhar em casa”, surge uma noção ambígua delazer, associando-o ao tempo fora das obrigações formais, notadamente a escola.

O questionário, em si, não mostra a homogeneidade que depois foiobservada ao longo da pesquisa: todos são alunos de escola pública desde asséries iniciais; possuem diversos elementos identitários como a música, o localpreferido para dançar, os namoros, as roupas; estes aspectos devem estar pre-sentes nos levantamentos sócio-econômicos de futuras pesquisas.

OS DADOS DE CAMPO, E DA ÁGUA, DA TERRA,DO AR, DO FOGO...

 A partir das informações coletadas nas práticas desenvolvidas no ambi-ente natural e também na escola, realizamos algumas análises iniciais uti-lizando ferramentas da “análise de conteúdos”, que permitem o cruzamentode dados oriundos de fontes diversas, como foi o caso desta pesquisa: textos,

entrevista, questionário, desenhos, fotos, vídeos, registros de campo etc. Comtodo material registrado por estas fontes em mãos, realizamos uma primeiraetapa de compilação33 e síntese das informações, da seguinte forma: a) com-pilação dos questionários; b) compilação dos dados dos textos, versos, palavrase frases; c) transcrição e compilação das entrevistas; d) análise dos desenhos,das fotos e dos vídeos; e e) análise e compilação dos registros de campo.

 Após essa etapa, passamos a cruzar as informações oriundas de cada

fonte, buscando a expressão das categorias nos mesmos. Foi possível observarque havíamos elegido adequadamente as categorias de trabalho no início da

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33 Compilação: síntese dos dados em elementos repetitivos e outros que, mesmo não sendo repetitivos, apre-sentam forte significado para a pesquisa. Os elementos sintetizados devem se aproximar ou expressar as cate-gorias de trabalho..

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pesquisa, pois estas se constituíram em dados bastante expressivos e fre-qüentes no decorrer do projeto. Esta etapa de análise dos registros efetuadosdurou cerca de três meses, em que os professores-pesquisadores se reuniamsemanalmente, durante um período, para a tarefa.

O resultado desta análise e, conseqüentemente, a apresentação dosresultados da pesquisa estão descritos a seguir:

• ACESSOCategoria que expressa as condições concretas e subjetivas dos alunos-

pesquisados sobre as suas possibilidades de realizar as práticas, nas dimensõescultural, social e econômica. As observações apontaram para questões que emdeterminados contextos facilitam e em outros dificultam as PA’s.

 Alguns passaram a perceber, com o Subprojeto, espaços em torno desua casa, de seu bairro, da sua escola, que podem ser propícios às práticas deaventura, ao contrário dos relatos iniciais que aparecem no questionário.Neste sentido, árvores e rios, tão comuns de serem vistos através da mídia

como adequados a essas práticas, aparecem nos dados finais, mas tambémoutros espaços, não “vendidos” pelos meios publicitários, como campos, ter-renos baldios, barrancos, construções abandonadas, indicando que, possivel-mente, houve uma abertura para uma outra percepção dos espaços cotidianos.

Outro dado interessante é que os alunos-pesquisados apontaram noinício que o Subprojeto era a primeira possibilidade que tiveram de realizaras práticas de aventura e este dado foi confirmado nas entrevistas. A maior

parte deles não havia ainda realizado essas práticas pelo custo das mesmasquando oferecidas por operadoras especializadas, como foi evidenciado noquestionário de avaliação das condições sócio-econômicas. Para alguns, a prá-tica poderia ser desenvolvida sem recorrer a operadoras, mas esbarra, então,no alto preço dos equipamentos. Em relação a isto, o Subprojeto apresentaresultados positivos ao indicar materiais e equipamentos alternativos, de custobem abaixo do valor dos equipamentos tradicionais, como, por exemplo, mos-

quetões no lugar das roldanas para a tirolesa (cerca de 60% mais baratos),cadeirinhas confeccionadas com fita tubular ao invés das cadeirinhas prontaspara o rapel, a tirolesa e a falsa baiana (80% mais baratos); cordas comuns, emalgumas situações, ao invés dos cabos especiais de montanhismo (70% deeconomia), além da própria busca pela autonomia, que “liberta” da obrigação

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de recorrer a operadoras especializadas. Também não foi solicitado, em ne-nhum momento, qualquer roupa ou acessório especial para participar daspráticas, quebrando a lógica do mercado que praticamente exige uma “pas-sadinha” nas lojas de acessórios antes da realização das PA’s.

 Apesar disto, com relação ao uso de equipamentos e materiais alterna-tivos, bem como da construção de uma certa autonomia para realizar as práti-cas sem a supervisão de um “instrutor especializado”, um aluno-pesquisadodestacou que as práticas não deram conta de ensinar suficientemente técnicase uso de materiais alternativos.

Para alguns, o que impede – ou impedia – a participação nas PA’s é omedo frente aos riscos presentes nas mesmas. Vários relatos apontam que ocontato mais próximo e freqüente com as PA’s durante o Subprojeto auxiliouna superação desta barreira. Podemos deduzir que o desconhecimento dasPA’s provoca o medo e que a realização das mesmas em grupo, num trabalhocoletivo, previamente tomando-se contato com algumas técnicas, com osequipamentos e materiais, facilitou esse processo de superação.

• TÉCNICA Uma das primeiras imagens que surge nos relatos é a de que a técnica

diz respeito a dois elementos:a) procedimentos de segurança e equipamentos específicos.Neste sentido, um relato diz: “é preciso fazer do jeito certo”(Jairo, 13).

Parece-nos que a idéia de ‘certo’, aqui, se distancia do conceito de performan-

ce-rendimento, mas se aproxima do fazer de forma segura, com o menor riscopossível.

 Ainda em relação à segurança, outros elementos surgiram, tais como aindicação de que as PA’s devam ser realizadas coletivamente, que o apren-dizado de técnicas auxilia a superar barreiras (como o medo) e que elas sãonecessárias.

b) a técnica como comportamento padronizado.

 Assim como outras práticas corporais, as PA’s mercadorizadas padro-nizam gestualidades e equipamentos, criando necessidades específicas subje-tivadas e singularizadas por quem delas se aproxima. Milton Santos (1996)nos traz vários elementos para entender como a técnica define, em boa medi-da, as atitudes e os comportamentos das pessoas frente às situações mais

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diversas. Neste contexto, as imagens que os alunos-pesquisados apresen-tavam das PA’s estavam embebidas desta mesma lógica, uma vez que a cons-trução da relação entre os sujeitos e a concepção sobre as PA’s foi mediada, atéentão, pela mídia e pelas operadoras locais. Isto fica claro numa fala sereferindo a um dos instrutores do rafting, a qual destaca: “a gente tinha que

 fazer como ele dizia”(Bella, 14).O Subprojeto buscou apresentar uma mediação diferente desta acima

citada, pautada sobre outra lógica que não a do mercado, que evidencia areprodução. Assim, ressaltamos outras dimensões como a cooperação, a

amizade, a fruição, a alteridade, a autonomia.Neste debate, a dimensão da autonomia ganha relevância excepcional.

Quando se realizam as práticas mediadas pela lógica reprodutivista, os com-portamentos, as atitudes, os gestos, tudo deve ser de acordo com o que é pa-drão, impossibilitando a dimensão crítica. O Subprojeto buscou, entre outrosobjetivos, ressaltar que a “forma do fazer” pode ser elaborada por cada um, apartir de seus próprios referenciais, de suas habilidades, de seus interesses.

Um dos aspectos desta busca pela autonomia é a exigência ou não de equipa-mentos específicos. Alguns dos alunos-pesquisados, mesmo após o encerra-mento do Subprojeto, continuam entendendo que as PA’s devem ser reali-zadas com o uso de materiais e equipamentos específicos, conforme os mode-los tradicionais, ou, ainda, que há a obrigação de uma performance técnicapróxima daquilo que eles vêem pela TV ou por outras mídias:

“Não dá pra fazer sem o equipamento”(Maria, 14)

“É importante aprender as técnicas de segurança” (Fabíola 13)“Fiquei com medo quando a corda soltou” (Renata, 13)Contudo, apontam que estes podem ser alternativos. Este é um dado

ambíguo: ao mesmo tempo em que eles apontam para alternativas, limitandoa exigência técnica e ampliando o acesso, restringe o entendimento das PA’sàs práticas mais conhecidas, como as realizadas no Subprojeto.

Por outra via, alguns alunos-pesquisados passaram a indicar que ativi-

dades como “subir em árvores”(Jairo, 13), “nadar no rio” e “brincar de corda sobre o rio”(Silvia, 13), possibilitam a aventura sem a necessidade de equipa-mentos, apresentando assim uma compreensão mais ampliada sobre o quesejam as PA’s; além disso, subir em árvores, brincar e nadar no rio etc. sãopráticas cotidianas, brincadeiras, para as quais o aprendizado sobre como

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fazer se dá espontaneamente, seguindo os exemplos de outras crianças, dosirmãos, dos colegas de escola e, inclusive, criando suas próprias formas derealizar as brincadeiras.

 Ainda é preciso destacar que o uso de materiais alternativos potenciali-zou outras experiências no interior das práticas mais padronizadas. Podemoscitar, como exemplo, as brincadeiras que se desdobraram na primeira sessão detirolesa. Por utilizar um equipamento “lento” – o mosquetão, ao invés da rolda-na, as pessoas pairavam sobre a lagoa que estava na trajetória da corda; nestemomento, os outros balançavam a corda, fazendo com que o colega que estava

pendurado experimentasse um “subir e descer” até encostar com os pés na água.

• FRUIÇÃO, PRAZER E CORPOREIDADEComo já apontamos acima, a dimensão – ou categoria – da corporeidade

foi incluída a partir de uma indicação quando da apresentação desta pesquisaem um congresso; mas entendemos que esta corporeidade, além das expressõesgravadas nas fotos e vídeos, além dos registros de campo, também se explicita

nos relatos de prazer, dor, medo, alegria, entre outros aspectos, que puderam serobservados ao longo das atividades; por isto, passamos a identificar um con-junto de categorias que foram expressos como “fruição, prazer e corporeidade”.Percebemos a indicação, por parte dos alunos-pesquisados, de que suas partici-pações nas PA’s possibilitaram uma ampliação de sua auto-estima, das relaçõesde amizade, bem como de uma certa dimensão de  status social, isto é, umamaior aceitação e reconhecimento no grupo social ao qual pertencem.

Um dos aspectos importantes das PA’s levantado por eles foi a fugaci-dade das emoções; seja no que se refere à diversão e à alegria, como tambémao medo e à vergonha. Entre estes sentimentos mereceram destaque a alegria,por ajudar a re-significar as PA’s como brincadeiras, e o medo, por apresentar-se como fator limitante da fruição e do prazer.

Pudemos observar uma grande ligação dos alunos-pesquisados com oelemento água; desde a primeira atividade – o rafting – até a última – corrida

de orientação – sempre que havia a possibilidade eles interagiam com amesma, através de diversas maneiras. Este contexto pode nos ajudar a pensara água como um elemento central e potencializador de uma possível re-sig-nificação entre ser humano e Natureza junto a este grupo específico.

Entretanto, alguns deles também apresentaram indicativos de uma

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relação mais estreita com o elemento terra, por exemplo, quando preferiamfazer as atividades descalços e justificavam isto exatamente porque “dá pra

 sentir melhor o chão”(Jair, 13).Os dados também nos mostram que os alunos-pesquisados relacionam

as PA’s com os esportes, com a dimensão da saúde e as valências físicas:“Fazem bem à saúde, deixam o corpo em forma”(Carla, 15)

“São importantes para a diversão e saúde (...), são esporte porque tem força, equilíbrio, atenção, velocidade e trabalho em grupo” (Maria, 14)

Para outros, as habili-

dades individuais, a agilidade,a força, facilitam o acesso e arealização das mesmas. Parteda fruição das PA’s era tam-bém evidenciada pelo prazerem estar entre amigos, com osquais era possível trocar as

sensações (medos e alegrias)advindas das experiências.

• ALTERIDADE A alteridade foi percebida a partir de quatro dimensões: a) amizade, b)

ação coletiva, c) a preservação ambiental não apenas para si, mas tambémpara o outro, e d) a compreensão de Natureza dos alunos-pesquisados.

O grupo era constituído por duas turmas distintas (sétima e oitavaséries), e por isso não havia um vínculo maior entre os alunos de cada turma.Havia ainda outra distinção entre os moradores da Vargem do Braço (zonarural) e os moradores da cidade. Através das PA’s houve um reconhecimentoe a superação destas diferenças, expressos em diversas falas:

“Teve mais relação entre amigos que não tinha tanto” (Fabíola, 13)“Muito legal porque nós nos mesturamos (sic) mais com as pessoas e faze-

mos mais amizades”(Carla, 15)“A gente até falava que as pessoas que moravam na Vargem do Braço

 eram... A gente sempre ficava rindo e agora não porque é mais legal do que morar em Caldas” (Laura, 16) 34

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34 “Caldas” é um bairro da cidade de Santo Amaro onde mora a maioria dos alunos que formaram o grupo.

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“Aprendi o companheirismo que assim mesmo tendo amizade ou não amizade pelo outro, a gente se aproxima mais das pessoas, tem mais companhei-

rismo...”(Maria, 14)“...teve bastante coisas, porque, assim, como conhecer o povo da oitava sé-

rie, porque eu convivia mais com o da sétima série, e aqui não, aqui a gente já faz amizade, uma amizade digamos que mais profunda, assim né?!” (Bella, 13)

Estas falas ressaltam novas amizades como aspecto enriquecedor dasrelações construídas durante o Subprojeto. Sandoval Villaverde (2003) enfa-tiza o potencial que as PA’s têm de ampliar as relações entre os sujeitos, que

de parceiros nas práticas tornam-se amigos na vida; este potencial está pre-sente nas falas dos alunos-pesquisados:

“No começo a gente não conhecia vocês, achava vocês estranhos; quase não conhecia... A oitava quase não se dava com a sétima, daí agora, nesse tempo que a gente foi fazendo as atividades, a gente foi conhecendo mais vocês, a outra sala, ficando mais amigos deles, fazendo mais amizades” (Januário, 14).

 As ações coletivas, ainda que em boa parte tenham sido estratégias pe-

dagógicas adotadas pelos professores-pesquisadores, foram aceitas e enalteci-das pelos alunos-pesquisados. Em diversas situações, a ação coletiva, exigidapelas atividades, favoreceu o estabelecimento de novas relações entre eles e asuperação de obstáculos, tais como o medo e a vergonha. Contudo, a disposi-ção em cooperar não era expressa por todos; alguns dos alunos-pesquisadosmostraram ao longo de todo Subprojeto, ou em situações específicas, umcomportamento individualista em detrimento das necessidades do coletivo:

“O momento de trabalho coletivo de esticar a corda foi muito construtivo, apesar de ter requerido alguma insistência para ser organizado”(Diário de campo).

Houve dois momentos durante a pesquisa em que o esforço coletivo foimais necessário do que o restante, de um modo geral: na segunda sessão derapel e na segunda sessão de tirolesa. No rapel, como estávamos indo até umacachoeira por uma trilha em meio à mata atlântica, onde os riscos de um aci-dente se ampliam e a possibilidade de encontrar ou produzir lixo e deixá-lo

na mata é grande, dividimos o grupo em equipes: limpeza, segurança, equi-pamento, lanche. As equipes funcionaram bem, como um todo, mas se perce-beu que alguns, dentro das equipes, preferiam se esquivar das tarefas, sobre-carregando os outros. Já no caso da tirolesa, houve a necessidade de todos aju-darem a esticar o cabo no qual a atividade se realizaria. Esta tarefa se mostrou

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árdua e cansativa; após alguns “esticões”, mas com o cabo ainda frouxo, algunsalunos se afastaram do grupo, mesmo observando todo o esforço despendidopara se chegar à tensão necessária para a atividade.

 A atenção ao trabalho coletivo é um importante elemento a ser desta-cado aqui: como as PA’s são, na sua grande maioria, realizadas em grupos,este é um passo importante para perceber e valorizar o esforço e a contribui-ção de todos na organização para a fruição destas práticas. Neste sentido, aação coletiva na realização das PA’s é também uma forma de se pensar açõesmais solidárias no cotidiano.

 Ainda no que diz respeito à relação entre os alunos-pesquisados, nãoque represente uma postura de alteridade, mas alguns expressaram o desejode preservar a Natureza para que outros possam desfrutá-la:

“...eu também devo ajudar a cuidar porque muita gente pode gostar e tem que fazer. E daí, se a gente não cuidar, que a gente fez, polui os rios, daí tem gente que não vai poder fazer a mesma coisa que a gente fez, vai tá poluído e ninguémvai poder usar (...) temos que usar as coisas da Natureza, mas sem destruir pras

 próximas pessoas usar também”(Caíque, 13).Isto acena para um cuidar de si, para si e, também, para o outro, o que

quer dizer, cuidar do outro. A compreensão geral de Natureza apresentadapelos alunos-pesquisados no início do Subprojeto, e que se manteve ao seufinal, era estreitamente ligada à idéia de matas, florestas, rios, fauna selvagem,distante do ambiente urbano.

“(Natureza é) a água, as plantas, o ar etc.” (Renata, 13)

“Natureza é tudo que nos cerca: as árvores, os pássaros, os animais terrestres,os rios, lagos, mares, animais aquáticos, as cores vivas de um lugar, onde a poluição

 ainda não conseguiu tomar conta totalmente, as águas puras e cristalinas, o ambi- ente onde vivemos.”(Carolina, 14)

“A Natureza é um pedaço de matas que devemos preservar...” (Aílton, 13)“(Natureza) é o conjunto de plantas, animais, água, ar etc...” (Tânia, 13)Outro dado referente a esta questão é que os alunos-pesquisados resi-

dentes na Vargem do Braço, mesmo morando numa unidade de conservação,não demonstravam uma relação mais estreita com o meio onde estão cotidi-anamente:

“É, assim a convivência mais assim com a Natureza, por a gente morar aqui, a gente não dava muita bola, desde pequeno, toda a vida aqui...”(Carolina, 14)

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Na mesma direção apontam os alunos-pesquisados que moram nacidade, pois enxergam a Natureza como algo distante de suas vidas cotidianas:

“...porque em casa é difícil a gente andar no meio da Natureza como é aqui(...) só tem uns pezinhos de árvores e nada mais”(Laura, 16)

Isto se soma a não compreensão de si enquanto Natureza. Estes dadosconvergem na direção da dicotomia entre ser humano-Natureza, característi-ca das sociedades modernas, impregnadas pelo racionalismo técnico. OSubprojeto interveio neste sentido, tentando demonstrar uma compreensãomais ampliada de Natureza a qual abarca todos os seres vivos, o meio ambi-

ente físico, o cosmo e as dimensões intangíveis. Entretanto, não foram obser-vados ou coletados dados que apontassem efetivas mudanças neste sentido,mas isto deve ser contextualizado aos limites de tempo, espaço, condiçõesmateriais, relações sociais, entre outros aspectos que restringiram as possibi-lidades de ampliar esta compreensão, entendendo que a mesma é parte deuma dinâmica que acontece de forma diversa para cada um.

• RELAÇÃO SER HUMANO-NATUREZA  Assim como aparece na discussão sobre a alteridade, aqui fica clara

uma percepção de Natureza como sendo algo externo ao ser humano. Alémdessa distinção, há também uma idéia de que o que é urbano não é Natureza,ainda que alguns alunos-pesquisados tenham exprimido seu entendimentode Natureza como sendo “tudo que pretense (sic) ao mundo”(Silvia, 13). Assim,há estes dois pontos dicotômicos: “Natureza X ser humano” e “urbano X não

urbano”. Ainda que não tenhamos observado claramente dados queexplicitem uma superação dessas dicotomias, algumas falas expressamambigüidades que merecem maior reflexão; por exemplo:

“É um ambiente que podemos desfrutá-la(sic) para várias artes corporais.Como o rio, ele é utilizado para praticar o rafting. É o conjunto de todas as coisasno tempo e no espaço. Mundo das coisas vivas e do espaço ao ar livre” (Maria, 14)

 A primeira parte da fala acima pode expressar uma visão utilitarista de

Natureza (ambiente para ser desfrutado); mas logo em seguida, também po-demos perceber uma perspectiva mais ampla, de possível pertencimento a estamesma Natureza antes vista apenas como um espaço de diversão. Nas obser-vações de campo, muitas vezes esta ambigüidade era observada, nas falas, nasatitudes, nos comportamentos. Não podemos afirmar que tais ambigüidades

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surgiram com as intervenções do Subprojeto, nem concluir que já estivessempresentes anteriormente; podemos, entretanto, apontar que são férteis possi-bilidades de superação dos dualismos tradicionais através de estratégias deação tais como as que buscamos viabilizar com esta pesquisa.

Outra relação que os alunos-pesquisados estabelecem é que aNatureza é um meio, seja para as PA’s, seja para outras ações humanas; ficaexplícita, em várias falas uma visão utilitarista de Natureza, onde esta nãopassa de um “provedor”, seja de recursos ou de espaços-cenários. Apesardisto, a preservação da Natureza é colocada como fundamental, seja para si

mesmos ou para os outros.“(...) pode ser (...) que as pessoas não saibam preservar a Natureza (...).

 Então cada um faça a sua parte e pratique e preserve a Natureza porque com elanós podemos fazer nossos esportes (...) A Natureza é um espaço para

 esportes”(Maria, 14)“Porque dá pra fazer várias coisas com ela”(Fabíola, 13)“Vamo (sic) no parque aquático (...) a gente paga se não a gente não pode

usar; e na Natureza não, a gente pega o que é dela e ela não cobra”(Carla, 13) Algumas falas apontam na direção de respeitar e valorizar a Natureza,

mas não ficou claro como este respeito e valor devem se constituir. Valedestacar um caso de uma das aulas-encontro, já pela metade das sessões decampo, quando foram encontrados vários papéis de bala no chão; pensamoslogo que isso indicava uma incoerência entre o que dizem e o que fazem: serádescuido ou descaso? Refletindo sobre a situação, inferimos que ela diz res-

peito ao fato de que a preservação se refere, para eles, a grandes ações e não apráticas cotidianas. Sobre este “respeito” entre as partes, Denise Sant’Anna(2001) nos dá significativas indicações ao propor uma “Relação de Compo-sição”, na qual há um diálogo franco e ético entre as mesmas e as relações depoder e dominação reduzidas ao máximo, dando lugar à possibilidade de umaconstrução coletiva da história.

Na categoria que se está analisando, uma aluna-pesquisada, ao res-

ponder sobre as relações dos elementos que trabalhamos na pesquisa (água,terra, ar e fogo) com sua vida, falou da interdependência entre estes elemen-tos e a vida humana. A interdependência é uma relação que pressupõe partesdistintas, diferentes, mas que, mesmo separadas, se unificam através de umprocesso recíproco de doação; há um cuidado mútuo entre as partes, pois o

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futuro de ambas é interdependente; outro aluno situa-se na mesma direção aodizer que “é preciso preservar para o futuro” (Caíque, 13).

FINALLE

Pesquisar a relação ser humano-Natureza nas práticas corporais deaventura confirmou as teses iniciais de que estas práticas são vistas e com-preendidas a partir da lógica do mercado, confirmando a visão reducionista

que as constituem; esclarecendo também que estas práticas que poderiamelucidar o ser humano sobre sua condição de Natureza são limitadas pelo viésracionalista pelo qual são estruturadas e desenvolvidas.

Porém, os dados analisados trouxeram indicativos positivos no que serefere à possibilidade de re-significação das mesmas quando da restituição deseu potencial emancipador, o que nos dá condições de apontar as práticas deaventura na Natureza, quando constituídas sobre uma outra lógica, como um

caminho possível para o reconhecimento do ser humano como Natureza,bem como, de uma possibilidade do desenvolvimento de uma conduta éticafrente à Natureza e aos outros seres humanos.

 A metodologia utilizada nesta pesquisa mostrou-se eficaz para a inter-venção na realidade, pois contribuiu para projetar transformações no modo deagir e de pensar da população pesquisada. A intervenção proporcionou condi-ções para problematizar uma outra relação com a Natureza, já que houve

vivências e reflexões que fizeram emergir as (ir)reais dimensões humanasfrente à Natureza, ainda que nem todas fossem realmente sentidas e interna-lizadas pelos alunos-pesquisados. É preciso, contudo, lembrar que, algumasdas ações desta metodologia (pesquisa-ação), não foram possíveis por diver-sos motivos.

O dado mais evidente nesta pesquisa foi a mudança nas relações sociaisdos alunos-pesquisados, onde os preconceitos e diferenças no grupo foram

sendo desconstruídos, porque o convívio proporcionado pelas PA’s contribuiupara a formação de um grupo de amigos, que por suas próprias falas gostariamque se perpetuasse; isto foi possível porque durante as práticas constituiu-seum grupo com interesses homogêneos, que se respeitava mutuamente.

Quanto à compreensão de ser humano e Natureza, os alunos-

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pesquisados parecem manter, no geral, a mesma compreensão do início dasatividades, refletida nas suas falas (entrevista) e em seu comportamento emrelação aos cuidados e a preservação. Contrária à manutenção desta visãoencontrou-se em algumas falas uma ambigüidade que sugere um possívelrompimento com uma compreensão dualista e reducionista de ser humano-Natureza, que só com a continuidade do Subprojeto ou com outras experiên-cias poderíamos determinar ou não se estes sujeitos assumiriam uma outrapostura frente à relação ser humano-Natureza.

 As PA’s são certamente passíveis de re-significação para o exercício de

uma outra relação ser humano-Natureza, no entanto, outra consideração im-portante diz respeito à re-significação destas práticas não apenas pelos sujeitospesquisadores, instrutores de operadoras, professores em geral, que são alicer-ces importantes para a efetivação destas sobre uma outra lógica, mas, neces-sariamente, pelos sujeitos que experimentam esta prática. Sob uma outra ló-gica, sob outros princípios, as pessoas que têm acesso às PA’s têm liberdade deagir e de pensar frente ao exercício da mesma, numa restituição ao direito

daquilo que chamamos de consciência crítica. Exemplos desta re-significaçãose deram ao longo de toda a pesquisa, especialmente com a criação de brin-cadeiras no interior das PA’s, possíveis pela auto-organização do grupo.

Durante o Subprojeto observamos também alguns contra-tempos quenão foram previstos e que geraram algumas dificuldades de ordem meto-dológica durante a pesquisa. O primeiro deles é que as observações do regis-tro de campo eram sempre feitas após as práticas de aventura serem realiza-

das, porque todos os integrantes da pesquisa permaneciam envolvidos com aorganização e realização da PA, seja na orientação ou nos cuidados de segu-rança, não havendo durante as práticas um pesquisador envolvido exclusiva-mente com as observações. Após a realização das PA’s era feito um balanço dapercepção de todos os professores-pesquisadores que compunha a coleta dedados registrada no diário de campo; porém, temos ciência desta fragilidadeda coleta de dados, e entendemos que para uma próxima pesquisa este seja

um ponto a ser considerado, sugerindo que alguém ficasse responsável ape-nas para a observação.

Talvez a maior autocrítica que se possa fazer ao nosso trabalho seja aincoerência e contradição inerentes ao desenvolvimento prático de nossa pro-posta, pois as experiências de fruição de outros sentidos e significados da

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Natureza eram impossibilitadas muitas vezes pela falta de tempo, espaço,intempéries climáticas, entre outras coisas que não foram detectadas e refleti-das previamente. Como no caso da atividade do rapel na cachoeira, na qual,apesar de propor uma re-significação desta prática, isto é, da relação ser hu-mano-Natureza com predomínio do elemento terra, através de outros obje-tivos, ritmos e tempos para execução daquela atividade específica, acabamospor estruturar uma dinâmica de atividades do dia que nos obrigou a atropelarnossos próprios objetivos, impondo-nos uma apressada finalização. Oshorários previamente estipulados se dilataram quando se encontraram com a

execução da PA, fazendo com que adentrássemos ao tempo reservado para oalmoço (previamente combinado com o restaurante da Associação EcológicaRecanto da Natureza), e nosso retorno pela trilha, juntamente com o proces-so de término da atividade, se assemelharam mais a uma corrida do que a umpasseio com uma proposta de fruição e interação com o ambiente. Eventua-lidades que devem ser consideradas e problematizadas nas vivências das PA’s,devido à própria dinâmica da atividade.

Contudo, entendemos que ainda são necessárias muitas pesquisas eque este tema pode e deve ser aprofundado, pois apresenta importante con-tribuição social; porém é preciso considerar as lacunas deixadas por esta pes-quisa, objetivando-se dados mais concretos no futuro, visto que os objetivosalmejados eram de ordem subjetiva e que o processo de internalização ereflexão dos sujeitos devem ser levados em consideração.

Sugestões que ficam para novas pesquisas: a) a possibilidade de reali-

zação deste mesmo procedimento de pesquisa com um tempo de intervençãomaior; b) averiguar os limites e possibilidades de re-significação de uma únicaPA em vez de várias, explorando mais os espaços, o ritmo e o sentido destaprática; e c) a realização deste tipo de pesquisa com outros grupos, outrasfaixas etárias, outros segmentos sociais etc.

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Desenferrujando as dobradiças:as práticas corporais na maturidade

CRISTIANE KER DE MELO

PRISCILLA DE CESARO ANTUNES

MARIA DÊNIS SCHNEIDER 

“Eu sou uma porta com dobradiças enferrujadas.

Tem que passar óleo nas dobradiças para ver se abre com mais facilidade, mais desenvoltura” (Dagmar) 35.

CONSTRUINDO ALGUMAS ARTICULAÇÕES...

 A questão das práticas corporais na maturidade se coloca como um

problema a ser tratado na atualidade, em razão, principalmente, da tão alme-jada imagem de juventude que se dissemina com impiedosa freqüênciadiante de todos os nossos sentidos, através do crescimento da indústria dobem-estar e da publicidade. Neste sentido, Ana Márcia Silva (2001, p.129)aponta que

a publicidade é talvez o exemplo mais ilustrativo da forma de investimento

sobre o corpo que a economia realiza. [...] Os meios empregados pela propa-ganda são, geralmente, aqueles que se utilizam, de maneira subliminar ounão, de imagens de juventude em liberdade, imagens de opulência e saúde,

35 Este é um trecho da fala de uma das participantes da pesquisa, quando questionada em entrevista individualacerca da opinião sobre o seu corpo.

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temperados pelo erotismo, para vender os mais diversos produtos. A interme-diação das imagens acaba por fazer parte, tanto do corpo anunciado, como

daquele que se utiliza da mercadoria: o corpo assume os traços dessas imagense dos artigos ali veiculados.

 A publicidade vai, assim, atingindo seu propósito de vender corpos“felizes” e “saudáveis”, enquanto nós, seres humanos, quase que aprisiona-dos nessa teia de “elixires milagrosos” (cirurgias, ginástica, cremes, regimes,até mesmo simpatias), tentamos ocultar as experiências (para não dizer a

idade!) e as transformações dos corpos, sem ao menos questionarmos sobre osriscos e as conseqüências dessas ações. Associada sempre a um aceleramentoe performance corporal, a imagem de juventude (forte e útil) é exigida emtodas as esferas da vida moderna, seja no trabalho ou no lazer. Marca funda-mental de nosso tempo, essa imagem de juventude coloca a maturidade comoalgo a ser negado e banido.

O corpo da maturidade é o diferente da (boa) forma, sendo concebido

enquanto uma porta com dobradiças enferrujadas, sinônimo de inutilidade e queaponta à nossa decrepitude. Nessa lógica, o envelhecimento, a perda do vigor,a lentidão, as marcas do tempo e da história no corpo devem ser eliminados,enquanto que a aparência jovem, a vigorosidade e a velocidade, privilegiadas.

 As academias de ginástica reafirmam, no exercício da “malhação”, aimagem do corpo jovem. Lugar no qual os corpos na maturidade são signifi-cativamente excluídos, pois velocidade e performance constituem os vetores

de construção do trabalho de intervenção proposto nesses espaços. Templosde culto ao corpo, mas também significativos espaços de convívio social, con-centram assim apenas aqueles corpos representativos de juventude, desenha-dos e esculpidos para desfilarem como design de corpos esculturais.

Quanto à existência de propostas de práticas corporais voltadas para amaturidade, principalmente na esfera pública, geralmente se direcionam aosgrupos da chamada “terceira idade”, devendo o indivíduo possuir uma idade

mínima em torno dos 60-65 anos. E aqueles que ainda não atingiram essaidade, mas, no entanto, não são mais jovens, onde poderão ser incluídos? Quetipos de práticas deveriam ser propostas a esses grupos? Com quais carac-terísticas e objetivos?

 A vivência de práticas corporais, quaisquer que sejam elas, precisa ser

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reconhecida como um direito de todos, não importando a faixa etária, e ainda,formulada a partir de seus interesses, necessidades e condições. Partindo dessepressuposto, apresentamos aqui os procedimentos teórico-metodológicos edidático-pedagógicos enfocados no processo de intervenção com a propostade práticas corporais para/na maturidade, identificando características e obje-tivos que devem compor tais práticas, a partir da pesquisa realizada peloSubprojeto denominado “Práticas Corporais na Maturidade”.

COLETANDO SUBSTÂNCIAS PARA COMPOR UM ÓLEO PARA DESENFERRUJAR...

Entendemos que o exercício da pesquisa somente tem fundamentoquando se propõe a indagar e a contribuir na construção da realidade. Nesseexercício, pensamento e ação se conjugam num movimento constante de ir evir entre prática e teoria. É um trabalho artesanal e, enquanto tal, traz em si

uma experiência de totalidade para seu(s) fazedor(es), pois é também exercí-cio de criação, o qual exige muita transpir(ação).

 A perspectiva metodológica utilizada apostou na construção de alterna-tivas inovadoras na ação investigativa e indicou a possibilidade de associar aessa experiência de ação uma dimensão cooperativa e propositiva, envolvendo,portanto, um processo de investigação, educação e ação (SILVA et all., 2003).

Sua caracterização enquanto uma pesquisa qualitativa passou por um

processo de envolvimento das professoras-pesquisadoras, coordenando umasérie de intervenções pedagógicas, que foram alterando o contexto, influen-ciando os sujeitos, e por eles sendo influenciadas.

Entendemos que a pesquisa qualitativa responde a questões muitoparticulares:

Ela se preocupa, nas ciências sociais, com o nível de realidade que não pode

ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço maisprofundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem serreduzidos à operacionalização de variáveis”(MINAYO, 1995, p.22).

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Nesse universo simbólico, as variáveis são infinitas, múltiplas e, àsvezes, contraditórias.

Nesse fazer-pesquisa buscamos articular as perguntas a partir dosinteresses e circunstâncias da realidade. A perspectiva de aproximar a investi-gação da forma de pesquisa-ação inspirada, principalmente, em Paulo Freire(1985), sugere uma superação na abordagem metodológica do ensino tradi-cional, meramente “bancário”. Essa proposição vai ao encontro da necessida-de de se constituir a intervenção “com” e “a partir” dos sujeitos. Sendo assim,as intervenções foram sendo construídas e tematizadas a partir de nossa per-

cepção sobre o grupo.Definindo a pesquisa-ação, Michel Thiollent (1998, p. 14) afirma:

 A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é conce-bida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução deum problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes represen-tativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ouparticipativo.

Sendo assim, o olhar conferido ao tema pesquisado superou a con-cepção reducionista do método apenas enquanto sujeito dissolvido em ciên-cia e do objeto como o outro sujeito dissolvido em dado. O conhecimento sóé possível focado na práxis social e histórica dos sujeitos. Como aponta TerezaMaria Frota Haguette (1987, p.95), nesse tipo de pesquisa, há “(...) necessi-dade não só da inserção do pesquisador no meio, como de uma participaçãoefetiva da população pesquisada no processo de geração do conhecimento,concebido fundamentalmente como um processo de educação coletiva”.

 A seleção e inserção dos participantes desta pesquisa se deu pela livreadesão e efetivou-se mediante preenchimento de um questionário fechado ini-

 cial, contemplando questões acerca do nível sócio-econômico, dados de iden-tificação pessoal, bem como, informações sobre a história de vida de cada um,com destaque para as experiências com outras práticas corporais. A partir

desse, foi possível realizar uma anamnese e traçar um perfil do grupo, identi-ficando características, expectativas e motivos que os levaram a buscar o pro-jeto, além de suas experiências e a de seus familiares com relação às práticascorporais no tempo de lazer. Constituído o grupo, o campo de investigaçãoempírica se efetivou por meio da proposição/experimentação de vivências de

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diferentes práticas corporais. A aproximação das professoras-pesquisadoras com o grupo e entre as

integrantes foi, gradualmente, solidificando laços, pelo respeito, amizade ecompromisso mútuo. No grupo, a condição de professoras sobressaia muitomais que a de pesquisadoras, mesmo se tendo, desde o início, apresentado aproposta e os objetivos do estudo aos atores sociais que constituiriam o campoinvestigativo.

Esta situação, no contexto, concretizou, dialeticamente, tanto umamarca de diferenciação entre pesquisadoras e pesquisadas, quanto de aproxi-

mação e confiança no convívio de sujeitos em ação; sem nenhuma distinçãoentre sujeito e objeto. Nesse relacionamento, não haviam pólos opostos, todosse tornaram investigadores. Como afirma HAGUETTE (idem, p.116, grifoda autora) “o verdadeiro objeto da intervenção sociológica não é, pois, o ator,mas a relação social, onde os reais contendores se enfrentam […] o mais im-portante é a auto-análise dos atores, análises onde são desveladas a consciên-cia de classe”.

Foram muitos os fatores intervenientes, foram múltiplos os olhares, da-do que nem a intervenção, nem a observação, nem o registro foram feitos poruma só pessoa. As histórias de vida, as convicções, as percepções de cada umadas investigadoras influenciou umas às outras. Este também foi um processode aproximação gradual. Sendo assim, é inegável o envolvimento pesquisado-ras-pesquisadas no processo deflagrado por esse tipo de intervenção.

O distanciamento do objeto (sujeitos) não teve a perspectiva positivista,

a qual credita uma suposta neutralidade ao investigador. O distanciamentoexigido nesse (nosso) modo de fazer-pesquisa caracterizou-se por um exercí-cio constante da atenção aos acontecimentos, um “mergulhar fundo”, comodiz HAGUETTE (idem). No decorrer da prática, ocorreu uma mudança di-nâmica dos papéis assumidos pelas professoras-pesquisadoras, ora comoanalisadoras, ora como moderadoras, outras ainda como intérpretes e ani-madoras. Assim, segundo HAGUETTE, “o pesquisador assume uma dupla

postura, a de observador crítico e de participante ativo” (idem, p.128).Podemos dizer que onde há ação humana, há necessariamente uma

multidimensionalidade simbólica e imaginária, e o fazer-pesquisa não foge aessa regra. Está implícita aí a subjetividade dos atores sociais, suas definições ouconsciência possível da situação. E é essa que buscamos captar como objeto.

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Nesta pesquisa, a relação de participação da prática científica nos desa-fiou a ver e a compreender os sujeitos e seus mundos, tanto por meio de suaspessoas nominadas, quanto a partir de um trabalho social e político que, cons-tituindo a razão da prática, constituiu igualmente a razão da pesquisa. Issonão porque uma fração obediente de sujeitos populares participou subalter-namente da pesquisa, mas porque uma pesquisa coletiva participa organica-mente de momentos do trabalho de classe, quando ela precisa se reconhecerno conhecimento da ciência (BRANDÃO, 1987).

Essa perspectiva metodológica possibilitou criar condições para que

nós, professoras-pesquisadoras, e o grupo de participantes nos tornássemoscapazes de responder com maior eficiência às situações em que vivemos, emparticular, sob a forma de diretrizes de ação transformadora. Neste contexto,portanto, emergiu a necessidade de se utilizar técnicas de coleta de dados quecorroborassem essa visão.

Tomando a realidade empírica como campo específico da ciência, des-tacamos a importância da observação como meio para compreender pessoas,

coisas, acontecimentos e situações. Para tanto, aponta Franz Victor Rudio(1980, p.33), não basta apenas ver, sentir, ouvir, tocar etc., é necessário exami-nar, auscultar, “observar é aplicar os sentidos a fim de obter uma determina-da informação sobre algum aspecto da realidade”. Nesse sentido, um dos ins-trumentos utilizados para coleta de dados foi a observação direta (participante).

Um trabalho de observação participante pressupõe o contato direto daspesquisadoras com o fenômeno observado. Esse instrumento, segundo

Raymond Quivy & Lue Van Campenhoudt (1992), é particularmente adequa-do à análise do não-verbal e daquilo que ele revela, tais como: os códigos decomportamento, a relação com o corpo e os traços culturais. De acordo comRUDIO (op.cit., p.33, grifo do autor), “não podemos observar tudo ao mesmotempo. Nem mesmo podemos observar muitas coisas ao mesmo tempo. Porisso uma das condições fundamentais de se observar bem é limitar e  definircom precisão o que se deseja observar”. Segundo ele, isso garante a validade

da observação.Desta forma, elaboramos uma matriz analítica de observação, a qual

considerou os seguintes aspectos: o por quê, para quê, como, o quê, e quem ob-servar. Nessa, tiveram destaque aspectos da dinâmica de cada aula, tais como:o desenvolvimento das atividades (objetivos, conteúdos e encaminhamentos),

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as relações inter-pessoais, o comportamento dos participantes, as possíveisaprendizagens e dificuldades e as condições de experiência desenvolvidas nodecorrer das aulas-encontro, além de aspectos gerais. Estas informaçõesforam, diariamente, registrados em um diário de campo, atentando para a ne-cessidade de se ter fidelidade aos fatos, sem misturá-los aos nossos desejos eavaliações pessoais. Quando possível, o registro também foi realizado pormeio de filmagens e fotografias, buscando momentos marcantes do grupo,posturas, dificuldades etc.

Tendo já se fixado o grupo participante e constituído o campo de inves-

tigação, no segundo mês de atividades realizou-se uma  entrevista coletiva semi-estruturada, tendo sido deflagrada a partir de uma vivência de expressãoartística/corporal, o desenho do próprio corpo. Essa, de cunho exploratório,visou conhecer a opinião do grupo acerca de temas relacionados aos eixoselencados no projeto de pesquisa. Neste processo, o  tempo era fundamentalpara que todos pudessem expor suas idéias e opiniões. Os desenhos tambémcompuseram o "mosaico" dos dados analisados, a partir dos aspectos aponta-

dos por cada um.Um outro instrumento, o qual denominamos de avaliação escrita tam-

bém foi aplicado. Esse, de cunho avaliativo, buscou obter informações acercadas sensações despertadas pelas vivências propostas até aquele momento; arelação destas atividades com o cotidiano; a compreensão dos limites e possi-bilidades e das transformações do corpo; a relação com o grupo e a opiniãosobre as atividades desenvolvidas até então. Resumidamente, pretendíamos

verificar a influência das aulas no processo de construção de novos significa-dos para as práticas corporais.

Como último instrumento, utilizamo-nos da técnica de entrevistasemi-estruturada. Essa, retomando os eixos norteadores da pesquisa, visouidentificar as opiniões do grupo, após a vivência das atividades e a perspectivada experiência re-significada. Objetivou acumular informações sobre as possí-veis aprendizagens corporais, fruto da experiência vivenciada. Consideramos,

nesse caso, a noção de entrevista em profundidade, a qual possibilita um diá-logo profícuo entre entrevistador e entrevistado. Atentamos para um olharcuidadoso sobre este momento, que constituiu um material rico em quepudemos encontrar o reflexo da dimensão coletiva a partir da visão individual(MINAYO, op.cit.).

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Quanto à organização e análise dos dados, essa seguiu os seguintespassos: ordenação, classificação e análise propriamente dita. Esse exercícioconduziu a uma teorização sobre os dados, possibilitando confrontar a abor-dagem teórica e o apontado pela investigação. Os resultados foram sistemati-zados a partir dos objetivos propostos inicialmente e das categorias de análiseelencadas na pesquisa, nomeadamente “cuidar de si” e “maturidade”, que seconstituíram como a especificidade desse Subprojeto36.

Nesse exercício, emergiu a necessidade de realização de um trabalho detriangulação dos dados. Segundo Augusto Nibaldo Silva Triviños (1987, p.138),

a técnica de triangulação tem por objetivo básico abranger a máxima ampli-tude na descrição e compreensão do foco em estudo. Parte de princípios quesustentam que é impossível conceber a existência isolada de um fenômenosocial, sem raízes históricas, sem significados culturais e sem vinculaçõesestreitas e essenciais com a macro-realidade social.

Há três aspectos ou ângulos de enfoque a serem considerados nesse exer-cício de co-relacionar os dados através da técnica de triangulação. O primeirose refere aos processos e produtos elaborados pelo pesquisador, averiguando aspercepções, comportamentos e ações dos sujeitos. O segundo ângulo de enfo-que refere-se aos elementos produzidos pelo meio do sujeito. A terceira pers-pectiva de análise refere-se aos processos e produtos originados pela estruturasócio-econômica e cultural do macro-organismo social no qual está inseridoo sujeito.

O tratamento desse material recolhido no campo seguiu o método her-menêutico-dialético, em que

a fala dos atores sociais é situada em seu contexto para melhor ser compreen-dida. Essa compreensão tem como ponto de partida o interior da fala. E, comoponto de chegada o campo da especificidade histórica e totalizante que produz a

 fala” (MINAYO, op.cit., p. 77, grifos da autora).

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36 Essas categorias de análise estão apresentadas e discutidas em outro texto desta mesma coleção, denomi-nado “Cuida(do) corpo. Experimentações acerca do ‘cuidar de si’ como perspectiva de superação ao ‘culto aocorpo’, a partir de uma proposta com as práticas corporais na maturidade”.

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Isso relevando que não há consenso e nem ponto de chegada no pro-cesso de produção do conhecimento, uma vez que a ciência se constrói numarelação dinâmica entre a razão daqueles que a praticam e a experiência quesurge na realidade concreta.

DE QUE ÓLEO ESTAMOS FALANDO...

 As práticas corporais vivenciadas foram propostas a partir do entendi-

mento da cultura corporal e de movimento37. Essa perspectiva possui um traçoconceitual mais global que, além de caracterizar toda a produção de movi-mento da humanidade ao longo de sua história, igualmente concretiza as prá-ticas culturais nas quais o movimento humano é o principal elemento deintermediação simbólica e de significações produzidas e mantidas por dife-rentes sociedades e/ou grupos.

Sendo assim, compreendemos as práticas corporais como expressões

concretas de formas de educação do corpo, de descobertas e vivência de praze-res, as quais são carregadas de valores, ideais de corpos, saúde, beleza e atémesmo de felicidade. Nesse sentido, trabalhamos com uma proposta que bus-ca a saúde integral ao longo do curso da vida.

Nessa proposta de intervenção, de re-significação das práticas corpo-rais para/na maturidade no contexto contemporâneo, construímos algunsresultados, não lineares, que foram desde a redução do nível de estresse até o

alcance de um estado harmonioso de equilíbrio corporal. Acreditamos que oalinhamento corporal, os exercícios respiratórios e a recuperação do potencialpessoal de relaxamento favoreceram a harmonização energética e o restabe-lecimento de um certo equilíbrio. A musculatura foi trabalhada de forma emque não houvesse encurtamentos, porém, firmeza e eficiência para todas aspossibilidades, desde a força e a rapidez, até a delicadeza e a precisão. Com otrabalho, intentamos (re)descobrir a alegria do movimento, (re)descobrir pra-

zeres, conhecer e, talvez, superar limitações, ao mesmo tempo em que se con-stituiu um ambiente possível para o exercício de uma atitude mais justa,amorosa e paciente para com todos. Essa proposta cumpre uma função tanto

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37 Esta conceituação é bem desenvolvida pelo Coletivo de Autores (1992) e por Elenor Kunz (1991).

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preventiva quanto curativa, sobretudo, para os adultos que já atingiram amaturidade.

Como base do processo de intervenção, foram eleitos quatro eixos te-máticos principais, quais sejam: 1) consciência do corpo (auto-conhecimento,corpo-cultura-natureza); 2) cuidar de si (ser merecedor de cuidados, tempopara si, autonomia, cuidar do outro); 3) significados da exercitação corporal(alegria de “se-movimentar”, re-significação das práticas corporais); 4) con-cepção de maturidade (saber lidar com as transformações do corpo, limites epossibilidades). Esses temas foram problematizados no decorrer das aulas-

encontros38 e associados a determinadas propostas de movimento.Como eixos transversais dentro do trabalho corporal proposto, destaca-

mos os exercícios respiratórios & de alongamento (alinhamento corporal, postu-ras) que, ao nosso ver, constituem o fundamento para a percepção-de-si-no-mundo. Ainda, perspectivamos permear a movimentação proposta pela ludi-

 cidade e sensibilização, buscando a ampliação da consciência corporal e do auto- conhecimento.

“PORTAS” COM DOBRADIÇAS ENFERRUJADAS...

Partimos desses princípios para efetivarmos a proposta de intervençãocom um grupo de adultos, entretanto, é fundamental destacar que no decor-rer do processo de pesquisa, que é dinâmico, ela foi construída coletivamente,

por meio da relação dialética entre as professoras-pesquisadoras e as alunas-pesquisadas.

Nesse ínterim, é preciso ressaltar que esse processo de construção cole-tiva é característico da forma de fazer-pesquisa qualitativa, uma vez que elapassou por um processo de envolvimento das professoras-pesquisadoras coor-denando uma série de intervenções pedagógicas, que foram alterando o con-texto, influenciando os sujeitos, e por eles sendo influenciadas.

Nesta pesquisa, o grupo de participantes constituiu-se por meio deadesão voluntária39. Desconsideradas as desistências iniciais, ele se fixou num

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38 O termo aulas-encontro foi uma caracterização surgida no interior do próprio grupo, dado o caráter de socia-bilidade presente no grupo.

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número de quinze participantes, dentre esses, quatorze mulheres e umhomem40, com idades variando entre quarenta e cinco e sessenta e sete anos,sendo a média aproximadamente de cinqüenta e quatro anos. Destas, a maio-ria reside em bairros circunvizinhos à UFSC - local onde foram realizadas asaulas-encontro -, e algumas em bairros mais distantes.

Quanto ao nível sócio-econômico41, as alunas-pesquisadas foram ques-tionadas acerca da renda familiar, ocupação profissional, tipo de moradia,estado civil e número de filhos. A informação acerca da renda familiar apon-tou que os salários variaram entre R$ 500,00 (quinhentos reais) e R$ 2.300,00

(dois mil e trezentos reais) e a renda familiar, entre R$ 670,00 (seiscentos esetenta reais) e R$ 3.000,00 (três mil reais). A profissão citada pela maioria foi“do lar”, mas também houve odontóloga, nutricionista, arquiteta, cozinheirae duas aposentadas. A maioria reside em casa própria, é casada, com a médiade dois filhos por casal.

 As alunas-pesquisadas foram questionadas também quanto a expecta-tiva, objetivos e motivação em relação ao projeto. Nesses três itens, as respos-

tas foram bastante semelhantes:  prevenir doenças futuras, correções dos movi-mentos, emagrecer, conseguir realizar os movimentos com prazer, novas amizades,

 conhecer o corpo, diminuir o estresse, postura, ter qualidade de vida, melhorar a saúde, respiração, superar medos, sociabilidade, prática física, prevenção, despertaro gosto pela atividade física e aprender novos exercícios.

Na questão referente a problemas de saúde, foram citados com maiorfreqüência problemas ósseo-articulares e ligamentares, como artrose, tendi-

nite e osteoporose. Também a maioria registrou problemas de coluna, comodores lombares, escoliose, hérnia de disco e bico de papagaio. Além disso,grande número citou problemas relacionados a circulação sanguínea, taiscomo pressão alta, má circulação, varizes e obesidade.

Ressaltamos que a definição dessa amostragem não representa a pos-sibilidade de generalização dos resultados encontrados em relação a outros

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39 Foi exigido um único pré-requisito para realização da inscrição no grupo, qual seja o de possuir idade igual ousuperior a 45 anos. Não que entendamos que é a partir dessa idade, necessariamente, que o sujeito ingressana maturidade, mas, por ser preciso estabelecer um critério para a formação do grupo, sem que a proposta secaracterizasse como um trabalho voltado para a chamada “terceira idade”.40 Em virtude desse dado, nos referimos, no decorrer deste artigo, aos participantes da pesquisa sempre nogênero feminino.41Aqui é preciso considerar que não temos informações acerca do nível de escolaridade, uma vez que, por uma falha que só foi percebida ao final do trabalho, esse item não constou no questionário inicial.

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e avaliações da aula anterior. No decorrer do processo, à medida que o grupoestreitava seus laços de afetos, também passou a se constituir num momentode contar novidades, dar informes, fazer convites e dar justificativas ao grupo.Por essas situações as aulas ganharam outra dimensão, além dos aprendiza-dos sobre seus corpos e movimentos, somou-se a dimensão do encontro, dastrocas, do contato, dos olhares, dos risos, dos afetos... Por isso, a denominaçãoaulas-encontro.

Em seguida, o círculo se ampliava, para que cada uma tivesse maisespaço. O círculo também se constituiu numa formação em que cada uma

pôde ver e ser vista por todas. Neste momento era realizada uma seqüência detrês respirações profundas – que implicava em inspirar e expirar pelo nariz,ampliando ao máximo a capacidade respiratória e movimentando principal-mente a região abdominal –, visando integrar, centrar, enraizar. Esse ritualcaracterizava um alerta para o qual, a partir daquele momento, o foco denossa atenção se centraria no corpo. A partir daquele instante, o corpo se tor-nava um espaço sagrado, portanto, um lugar de cuidado. “Cuidar de si”42 (e

do outro) constituía a principal tarefa. Após um dos encontros ter sido tematizado com os “ritos tibetanos”

(KELDER, 2004), o grupo solicitou que também essa atividade fosse incluí-da nesse ritual diário. Trata-se de cinco propostas de movimentos (globais),inspirados em posições do yoga, em que cada um exige um trabalho de força,alongamento, equilíbrio e respiração. São movimentos simples, que tem opapel de acionar, potencializar e harmonizar o funcionamento dos centros de

energia do corpo. O autor coloca que eles devem ser realizados diariamente,iniciando com três repetições de cada rito, não ultrapassando vinte e umarepetições por dia. Cumpre destacar que a proposta apresentada baseia-senum ritual praticado há milênios nos mosteiros do Tibete.

Em relação à parte principal das aulas-encontro, esta variava em ter-mos de sua formação e organização interna, bem como em relação aos mate-riais utilizados, seja em círculo ou aleatoriamente pelo espaço, seja dançando,

de olhos vendados ou se tocando, seja no colchonete, na pista de corrida ounas árvores de um bosque. Entretanto, seu início era marcado com uma apre-sentação dos fundamentos teórico-metodológicos e contextualização da

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42 Essa concepção é discutida em maior profundidade por Leonardo Boff (2001).

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temática a ser tratada no dia. Algumas vezes também isso aconteceu durantea própria vivência corporal.

 Ao término de cada aula-encontro, novamente o grupo se reunia emcírculo para analisar e avaliar a experiência corporal daquele dia. As reflexõesrealizadas no decorrer da vivência, ou imediatamente após, caracterizavam ereafirmavam a intensidade da experiência, uma vez que as sensações corpo-rais ainda pulsavam pelo corpo.

Diferentes técnicas de trabalho corporal foram experimentadas, elabo-radas e (re)significa-das, como: massagens (reflexologia, relaxante), Iyengar

yoga, técnicas circenses, danças, antigi-nástica, re-laxamentos, caminhadas, eutonia, bioenergética,meditação, além de propostas de sensibilizaçãopara ampliação da consciência corporal e do auto-conhecimento. Essas diferentes técnicas permiti-ram vivenciar o(s) toque(s), o(s) desequilíbrio(s) eo equilíbrio, o(s) medo(s) e a coragem de experi-

mentar o auto-controle, a(s) insegurança(s) e asegurança, o(s) desconforto(s) e o bem estar, en-fim, as sensações do corpo, a (re)descoberta da ale-gria do “se-movimentar” e o conhecimento doslimites e o (re)conhecimento das possibilidades desuperação dessas limitações.

PASSANDO O ÓLEO...

Para ilustrar um pouco como lidamos com essas propostas durante asintervenções, consideramos importante destacar momentos de algumasaulas-encontro.

1) Uma das primeiras aulas-encontro teve como tema principal a

questão da respiração. O propósito dessa aula-encontro foi possibilitar a vi-vência da respiração profunda e consciente ou completa, baseada nos princípiosdos  pranaiamas da yoga. Ainda, despertar a percepção do ritmo respiratórioindividual, de sua associação com estados emocionais e a possibilidade decontrole de tais estados, pelo domínio da respiração.

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 A respiração profunda consiste em iniciar a inspiração do ar pelo nariz,expandindo a musculatura abdominal, seguida pelas costelas e depois pelopeitoral e a expiração do ar pela boca, iniciando pelo relaxamento do peitoral,depois das costelas e, por fim, da região abdominal. Essa forma de respiraçãoexige a consciência constante no movimento e induz a um estado de tran-qüilidade e relaxamento. Nessa aula-encontro, o trabalho respiratório e a per-cepção de si foram vivenciados a partir de diferentes movimentos e posturas.

Como ocorre uma maior oxigenação no corpo, principalmente no cére-bro, algumas alunas-pesquisadas manifestaram que ficaram um pouco tontas

com as repetições dos movimentos. Algumas relataram que só tendo a opor-tunidade de realizar o movimento completo é que se deram conta de que nodia-a-dia a respiração é apressada, feita pela metade, num ritmo que acompa-nha o ritmo acelerado do meio em que vivem. Outras manifestaram querealizar esse movimento a todo instante é muito difícil, mas que já começa-ram aos poucos a recordar dessa aula em momentos do cotidiano, comoquando estão nervosas e então param e pensam que precisam respirar fundo.

Outras, ainda, manifestaram que ficaram cansadas, porque não são acostu-madas com isso, por isso, realizar a respiração completa é mais um exercícioque exige esforço do que uma atividade que proporciona relaxamento edescontração. Algumas comentaram sobre a sensação de bem-estar propor-cionada por ficar durante poucos minutos respirando corretamente, além daimportância de aprender a (re)educar a respiração.

2) Num outro exemplo, buscando trabalhar e tematizar a idéia do

“cuidar de si” e do outro, foram formadas duplas para realização da propostadenominada “espelho”. A professora-pesquisadora e uma das alunas-pesqui-sadas demonstraram a atividade, que consistia em, de frente uma para a outra,uma iniciar um movimento, enquanto a outra, atentando ao corpo da colega,o seguia. A professora-pesquisadora enfatizou a concentração, respiração eprincipalmente o olhar cuidadoso e o uso da criatividade. O clima que se esta-beleceu no grupo foi de concentração plena, todas se entenderam muito bem

e realizaram movimentos bastante amplos, além de vários exercícios dealongamento. Percebeu-se que o grupo estava criando identidade.

O grupo considerou a atividade muito boa, uma vez que trouxe senti-mentos como paz, harmonia, concentração, relaxamento e vivência motora;além de destacar a importância de observar as pessoas, aprender com o outro

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e ver/sentir a cumplicidade que se estabeleceu, posto que, espontaneamente,se tocaram e se acariciaram. Interessante notar que quem observava de fora aatividade não sabia qual das pessoas da dupla iniciava os movimentos.

3) Trazendo novamente ao contexto do grupo o tema do “cuidar de si”,foi proposta uma aula baseada em uma técnica de massagem oriental,denominada reflexologia. Trata-se de uma massagem na planta dos pés, quetem como referência os meridianos energéticos do corpo, a partir da medici-na oriental.

 A professora-pesquisadora entregou um material sobre reflexologia em

que estava a fotocópia da planta dos pés direito e esquerdo com o mapa de cadaponto dos pés explicando a que órgão em nosso corpo ele está relacionado. Asalunas-pesquisadas ficaram impressionadas e foram convidadas a olharemseus pés e o tocarem. A professora-pesquisadora orientou para que fossem for-madas duplas, para que uma massageasse o pé da outra, enquanto apresenta-va um óleo de amêndoa doce, explicando que era importante utilizar um óleopara que no momento do toque, houvesse um deslizamento melhor.

Cada uma usou um pouco de óleo nos pés de sua colega, e foram efe-tuando a massagem nos pontos em que a professora-pesquisadora foi orien-tando. Em alguns pontos elas comentaram estar sentindo o órgão correspon-dente. Os pontos referentes à dor na coluna e dor de cabeça foram muitocomentados, pois elas disseram que agora saberiam como aliviar essas dores.Na realização da massagem, percebemos como as alunas-pesquisadas seenvolveram, mostrando atenção e cuidado com o corpo de sua colega. Ao final

da massagem, a professora-pesquisadora convidou a todas para olharem seuspés e perceberem se havia alguma diferença. Elas comentaram que o sentiammais leves e até mais sensíveis. Comentaram que a aula foi muito boa, querelaxaram, sentindo uma sensação de harmonia e serenidade.

4) Em outro momento, buscando a relação corpo-natureza, foi propos-ta a realização de uma caminhada no bosque do planetário da universidade. A orientação durante a caminhada referiu-se a perceber a natureza e a realizar

respirações mais profundas, aproveitando o “ar puro”. O ritmo empregado foimais lento, a fim de possibilitar o reconhecimento do espaço e a sua riqueza.

Durante o percurso, as alunas-pesquisadas teceram vários comentáriossobre não saberem da existência de lugares tão bonitos dentro da universidadee de como esse passeio suscitou lembranças de suas infâncias e as brincadeiras

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que realizavam ao ar livre, em meio à natureza. Também lembraram de comoera o espaço da universidade antes de terem sido construídos os prédios doscentros que abrigam os cursos e a parte administrativa. Outros comentáriostambém foram feitos: “a pureza do ar”, “o frescor debaixo das árvores”, “o silên-

 cio”, “a calma e a tranqüilidade que a natureza proporciona”.5) Também no espaço do bosque da universidade, em outra aula-

encontro, foi proposta uma atividade de caminhar entre as árvores e, aoencontrar uma, realizar algum movimento em conjunto. Foram realizadasatividades como: abraçar a árvore, pendurar e balançar nos galhos, tentar su-

bir e exercícios de alongamento. Em seguida, todas realizaram movimentos,tais como saltar sobre os troncos caídos, sendo que, nos mais altos, eles foramtranspostos com auxílio das mãos; caminhar sobre eles, algumas vezes demãos dadas. Ao encontrarmos um lugar onde havia várias árvores próximas,cada uma se aproximou de uma e, ao sinal, trocaram de lugar com a da outracolega. O clima foi de descontração e riso, manifestando o ser lúdico presenteem cada uma. No final, cada uma, estando próxima a sua árvore, num

momento de introspecção, percebeu os detalhes daquele lugar.6) Percebendo a necessidade de trabalhar a confiança de cada um sobre

si mesmo e no outro, a coragem de se lançar a desafios e o exercício da cria-tividade, em uma das aulas-encontro foram propostas atividades como for-mação de pirâmides humanas e construção de figuras com os corpos emgrupo. A aula-encontro tematizou durante todas as atividades sobre a questãode confiança e respeito mútuo e sobre as sensações de superação de limites,

medos e inseguranças. Os movimentos propostos se colocaram como desafios. As alunas-pesquisadas, no primeiro momento, mostraram-se receosas,

algumas até manifestaram-se incapazes de realizar determinadas tarefas. Po-rém, no decorrer da aula-encontro, a confiança nas colegas e a persistência asfizeram superar limitações que inicialmente manifestavam que tinham. Como passar do tempo, as alunas-pesquisadas foram se soltando e percebendoque, a partir de um trabalho realizado coletivamente, elas eram capazes de

realizar atividades que não acreditavam que seria possível. Os relatos ver-saram sobre tais sensações de vitória, individual e coletiva, e as expressões nosrostos/corpos das alunas-pesquisadas permitiram visualizar a sensação derealização e de não estar acreditando que estavam fazendo aquilo tudo quefora proposto, equilibrar-se sobre as pernas das colegas, formar figuras que

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exigiam flexibilidade, equilíbrio, força e, acima de tudo, criatividade: “nunca que eu ia imaginar que um dia eu ia fazer isso”; “não acredito que estou con- seguindo”; “olha eu aqui em cima”.

7) A pedido das alunas-pesquisadas, uma das aulas-encontro trouxecomo tema central o yoga. Inicialmente, a professora-pesquisadora que con-duzia a atividade apresentou o significado do yoga (união, harmonia, con-junção, interiorização e consciência). O grupo realizou uma mantralização43.Em seguida, a professora-pesquisadora propôs alguns minutos de meditação,em que todas deveriam permanecer sentadas com os olhos fechados exerci-

tando a concentração. Depois, o grupo foi convidado a executar algumas pos-turas ( ásanas) em pé e no colchonete. Por fim, repetiram o mantra om trêsvezes novamente.

Na avaliação da turma, a aula foi boa, porém, cansativa. Algumas mani-festaram sucesso em conseguir permanecer nas posições. Comentaram sobrea importância da respiração para o relaxamento da musculatura e comoquando se vai respirando, o corpo relaxa e as pessoas conseguem realizar os

movimentos, “ a gente cria barreiras, mas quando relaxa, consegue”. Falaramsobre as sensações despertadas, como leveza, relaxamento e cansaço. Tambématentaram para a necessidade de experimentar as posições até encontrar amelhor, mais confortável e que é preciso se escutar para isso.

Esses comentários podem parecer contraditórios num primeiro mo-mento, no entanto, a referência ao cansaço diz respeito ao trabalho propostoter sido experimentado no limite corporal de cada um. Sem se exceder, as pos-

turas ( ásanas) do yoga trazem essa percepção ao corpo. Apesar do “não-movi-mento”, a concentração de energia, a atenção demandada a cada detalhe dapostura e a força direcionada à manutenção do equilíbrio corporal, exigemesforço. Mas esse esforço não significa dispersão de energia, pois a concentraçãoe a associação da respiração, reenergizam e trazem a percepção de um revigo-rar-se. Assim, a leveza e o relaxamento são experimentados pelo realinhamen-to, reorganização corporal e pelo trabalho de alongamento exigido das posturas.

Em todas as aulas-encontro, as alunas-pesquisadas eram semprechamadas a perceber e identificar as sensações que iam permeando cada ativi-dade realizada, com a intenção de fazer com que se concentrassem e perce-

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43 Mantralizar significa projetar sons denominados universais e que têm diferentes funções, sendo uma delas aharmonização.

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bessem o centramento do corpo, a respiração, e a manifestar sensações, difi-culdades e possibilidades acerca do vivido. Como meio de auxiliar na experi-mentação das diferentes propostas de movimentações, ressaltávamos aimportância da associação da respiração e do alinhamento corporal.

É importante destacar que, em cada aula-encontro, lidamos com umaquestão ética, o cuidado, o respeito, os limites dos corpos, compreendidos nãocomo máquinas ou objetos a serem manipulados e comandados, mas comoseres humanos em movimento no mundo, em relacionamento com as coisase com os outros. “Corpo como inscrição que se move e, assim, permite ser le-

vado(a) para muito além de todo começo possível (SOARES, 2001 p.96).

PUXE-EMPURRE...

 A perspectiva de apresentar uma práxis renovadora no campo da vidase constituiu num trabalho árduo, porém, prazeroso e demasiadamente rico

em trocas de experiências e aprendizados, não apenas no sentido acadêmico,mas também no sentido das relações sociais que se estabeleceram tanto nocampo de investigação, como nos bastidores do fazer-pesquisa.

Relacionarmo-nos com esses corpos (sujeitos) carregados de desejos,intencionalidades, medos, angústias, expectativas e contradições, que sãocomo os nossos, exigiu de nós, professoras-pesquisadoras, um olhar sempreatento às questões que permearam o processo da pesquisa, nas suas múltiplas

dimensões. Isso sem caracterizar um distanciamento entre os “fazedores” dapesquisa e suas participantes, mas um engajamento necessário e possível den-tro da metodologia utilizada.

No contexto dessa metodologia, destacamos que representou umgrande desafio a experiência de fazer pesquisa coletivamente. Em muitos mo-mentos do caminho nos equivocamos, acreditando que todas haviam tido omesmo entendimento sobre questões práticas e teóricas que se sobressaíram

ao longo das experiências no Subprojeto. Às vezes, também, as diferenças emtermos das próprias limitações, convicções, conceitos e modos de fazer dasprofessoras-pesquisadoras se manifestaram e, nestes momentos, um largoprocesso de discussão se efetivou no sentido de que cada uma pudesse compreen-der a si própria e à outra, ampliando as perspectivas e visões do/sobre mundo.

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Mesmo com a presença de alguns tensionamentos no decorrer do pro-cesso, sentimos que pudemos contribuir no sentido de construir um entendi-mento sobre as possibilidades e limites da inclusão de práticas corporais navida dos indivíduos quando na maturidade, no contexto contemporâneo. Issosem conceber os resultados como estáticos e definitivos, afinal, entendemosque eles se constituem numa aproximação da realidade social, que não podeser reduzida a nenhum dado de pesquisa. Desta forma, o produto final deanálise deve ser encarado de forma provisória e aproximativa, uma vez que

em tudo isso, é preciso não esquecer de uma coisa: ciência é coisahumilde, pois se sabe que a verdade é inatingível. Nunca lidamos com a coisamesma, que sempre nos escapa. Aquilo que temos são apenas modelos pro-visórios, coisas que construímos por meio de símbolos, para entrar um poucono desconhecido (ALVES, 1989, p.17).

Respeitando a dinamicidade do processo de pesquisa, destacamos queficaram algumas lacunas que ainda podem ser preenchidas nesse campo de

discussão. Nesse sentido, destacamos que a proposta terá continuidade, poishouve a manifestação unânime do desejo de continuidade do projeto entre oos participantes. Assim, o grupo permanecerá com as aulas-encontro em2005, mas, desta vez, oferecidas em um outro projeto de extensão da UFSC,o que pode representar uma nova possibilidade de se aprofundarem questõesque dizem respeito a essa problemática, constituindo novas pesquisas.

Essa solicitação das alunas aponta a necessidade da proposição de tra-

balhos de práticas corporais para/na maturidade que atendam as necessidadesdestes corpos interessados e carentes em (re)aprender a cuidar de si. Consi-deramos importante compreender a existência destes corpos maduros que, àmedida em que constroem suas histórias e deixam marcas em si e nos outros,as contam/desvelam a cada momento, ora timidamente, ora alegremente,deixando transparecer os significados e os sentidos que atribuem à vida.

Re-significando o “se-movimentar” e sua importância para a vida, con-

jugamos sensibilidade, poesia e alegria com um olhar crítico e atento de pro-fessoras-pesquisadoras comprometidas em construir um mundo maishumano. Sendo assim, a partir da experiência construída e vivenciada noSubprojeto Práticas Corporais na Maturidade, ousamos afirmar a possibili-dade de construir, não somente em espaços públicos, propostas de práticas

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corporais no âmbito do lazer, as quais alcancem as reais necessidades de cor-pos-sujeitos de sua história.

Referências - A essência...

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COLETIVO DE AUTORES. Metodologia de Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

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HAGUETTE, M. T. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis-RJ: Vozes, 1987.

KELDER, P. A fonte da juventude. 7ª ed. São Paulo: Best Seller, 2004. Vol. 1 e 2.

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Formação de educadoresdo movimento hip hop:impasses e possibilidadesASTRID BAECKER Á VILA

PATRÍCIA DANIELE LIMA DE OLIVEIRA

LANA GOMES PEREIRA

 A pesquisa-ação “Hip-Hop, Movimento e Cidadania” teve o intentode analisar as práticas pedagógicas e o processo de formação desenvolvidocom os educadores do Movimento Hip Hop44 (MHH). Buscamos verificarquais as modificações ocorridas na prática pedagógica realizada por estes, aotrabalharem com oficinas de Graffiti, Break, DJ e MC, na Sede Social doGrêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Coloninha, em Florianópo-

lis45. Perguntamo-nos em que medida houve re-significação da prática peda-gógica desenvolvida por estes agentes, comparando as oficinas realizadasdepois do início da formação com as que ministravam anteriormente. Assim,analisamos o desenvolvimento do processo de formação percebendo as modi-ficações ocorridas, mediante os limites e os avanços observados em suas inter-venções pedagógicas.

44 Com idade entre 19 e 25 anos.45 O local para a realização das oficinas localizava-se no bairro Coloninha, na parte continental de Florianópolis.As oficinas ocorriam duas vezes por semana (no total foram 39 sessões), com duração de uma hora e meiacada. O grupo que freqüentava as oficinas era constituído de 20 crianças e jovens (com idade de 8 a 20 anos,sendo 13 meninos e 7 meninas), em sua maioria estudantes do Colégio Estadual Irineu Bornhausen. No total,47 pessoas freqüentaram as oficinas. O nível sócio-econômico dos participantes das oficinas era de baixa emédia renda.

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Pretendemos, com esse Subprojeto, contribuir para o objetivo geral dapesquisa integrada, que trata de investigar as possibilidades de re-significaçãodas práticas corporais contemporâneas a partir de princípios que possibilitema cidadania e a emancipação humana. Questionamos, mais especificamente,quais as condições, ao tratarmos dos elementos do Hip Hop, de intervir pormeio de suas práticas corporais na formação humana, na construção da cida-dania e na contribuição para a busca da emancipação humana, a qual só épossível com a superação da sociedade capitalista. Bem como identificar, naspráticas corporais desenvolvidas nas oficinas de Hip Hop, elementos capazes

de possibilitar uma prática pedagógica que propicie a re-significação das mes-mas, almejando um processo de construção da consciência de classe46, neces-sária para o processo de transformação social.

Importante destacar alguns aspectos em que este Subprojeto distingue-se dos outros que compõem a pesquisa, pois neste caso não são as pesquisado-ras-professoras vinculadas a Universidade que ministram as oficinas e sim ospesquisadores-educadores do MHH. Sendo assim, o processo de formação

desenvolvido com os mesmos, e as suas mudanças nas práticas pedagógicasdesenvolvidas nas oficinas, constitui nosso principal foco. Isso requer deter-minada postura metodológica, pois, ao se tratar de uma pesquisa-participan-te, “remete à necessidade não só da inserção do pesquisador no meio, comouma participação efetiva da população pesquisada no processo de geração deconhecimento, concebido fundamentalmente como um processo de educaçãocoletiva” (HAGUETTE, 1987, p.95). O que gerou a necessidade de um

período de preparação do grupo dos pesquisadores, desde a preparação dasbolsistas – em relação à forma como faríamos a aproximação e de pensarestratégias para que os educadores do MHH participassem da pesquisa nacondição de sujeitos e não de objetos da mesma –, até a própria formação dogrupo de pesquisadores. Este é composto por uma coordenadora doSubprojeto, duas bolsistas e seis integrantes do MHH.

Essa fase foi considerada a mais difícil da pesquisa, pois foi necessário

construir uma relação de confiança entre pessoas desconhecidas, num breveespaço de tempo. A discussão sobre o recorte da pesquisa encontrou algunslimites iniciais, pois não sabíamos ao certo quem seriam os participantes das

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46 Ver Karl Marx, Ideologia Alemã.

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oficinas, já que seu engajamento era algo voluntário e condicionado a nossapossibilidade de divulgação das mesmas.

Faz-se necessário esclarecer que o encontro entre as professoras (coor-denadora e bolsistas) com os educadores do MHH deu-se devido à conver-gência de nossos interesses, pois os educadores haviam planejado difundir oseu Movimento nas periferias, mediante oficinas de seus quatro elementos(Grafitti, Break, DJ e MC) e as pesquisadoras da Universidade procuravampor educadores do MHH com tal interesse.

O desenho da pesquisa foi se constituindo num movimento dinâmico

entre os distintos espaços de encontro. Compartilhamos com o pensamentode HAGUETTE (idem, p.103), quando diz que

as questões devem ser elaboradas mais dentro de uma perspectiva de ques-tionamento do que obtenção de resposta. Na verdade, elas se destinam à pro-dução de um efeito de conhecimento dentro da atividade mental dos respon-dentes e de uma avaliação crítica sobre sua condição.

 A formação dos educadores do MHH, que ministravam as oficinas,ocorria em uma reunião semanal (no total foram 21 sessões), com duração deduas horas, na maioria das vezes nas dependências da Universidade Federalde Santa Catarina (UFSC). A coordenadora do Subprojeto e as bolsistas reu-niam-se semanalmente, sendo sua freqüência determinada pelas necessida-des da pesquisa. Ocorria entre estas, no mínimo, uma reunião semanal comduração de três horas.

Como o processo de formação ocorre de forma dinâmica, utilizamo-nos de diversos instrumentos para obtermos elementos que nos propor-cionassem um diálogo com a realidade, com o processo de formação e a inter-venção realizada na Coloninha. Sendo assim, utilizamos os seguintes instru-mentos: diário de campo das oficinas, diário de anotações das reuniões de for-mação, transcrição das falas das aulas-encontro de formação, questionáriopara os educadores, entrevista inicial com os educadores, entrevista final com

os educadores, questionário para os participantes das oficinas, vídeo dosegundo momento das oficinas, graffitis dos participantes das oficinas.Saliente-se que todos os textos e relatórios oriundos dessa pesquisa passarampela leitura e discussão do grupo de pesquisadores, o que também se consti-tuiu como uma estratégia na formação dos educadores.

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FORMAÇÃO, ESTRATÉGIAS DIDÁTICASE CONHECIMENTO: COMPREENDENDO O PROCESSO

 A pesquisa tem seus dados analisados por intermédio da discussão dequatro categorias que revelam a particularidade do trabalho de campo e queteve como foco a formação. Para tanto, captamos do próprio movimento doreal as categorias  estratégias didáticas, hegemonia, ideologia e cidadania. Comtais categorias, buscamos apreender o movimento desenvolvido na formaçãorealizada com os educadores do MHH, sendo que a observação da inter-

venção destes nas oficinas foi o principal instrumento da pesquisa, pois estefoi o locus que por excelência transparece a relação entre teoria e prática, o quenos possibilitou perceber alterações em suas formas de “ser educador”.

 A primeira categoria, estratégias didáticas, pretendeu, além de tratar doslimites e possibilidades surgidos no processo de desenvolvimento das oficinasrealizadas na Coloninha, enfocar os aspectos que a envolveram, como o pla-nejamento, a avaliação e a reconstrução do planejamento das ações reali-

zadas nas oficinas.Em se tratando de momentos distintos do processo de ensino-apren-

dizagem – as oficinas e a formação –, consideramos importante destacar arelação conteúdo e forma, pois o como se ensina é tão importante quanto oque se pretende ensinar, e, assim, buscamos refletir as categorias  hegemonia,ideologia e cidadania como um eixo articular entre o processo desenvolvido naformação dos educadores e a formação ocorrida no processo das oficinas. Ao

tratarmos das categorias  hegemonia e ideologia, remetemo-nos a análise deconjuntura, destacando o papel dos movimentos sociais e buscando, com isso,refletir as possibilidades de superação da sociabilidade regida pelo capital.Embora limitemo-nos a compreender esses processos mais amplos na formacomo se efetivaram neste particular, delimitado pelo campo da pesquisa –reunião da coordenação da pesquisa, aula-encontro de formação e o processode ensino-aprendizagem nas oficinas –, eles só puderam ser compreendidos

em suas relações com o contexto mais amplo, a totalidade. Por último, a cate-goria cidadania, em que nos remetemos às ações mais pontuais desse grupo doMHH, levantando aspectos destacados por eles, desde a entrevista explora-tória, em que a cidadania aparece como um objetivo deles no processo dedesenvolvimento das oficinas. Assim como a questão da auto-estima e o

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reconhecimento da importância que cada participante possui. Antes de fazermos um mergulho nas categorias apontadas, destacamos

que, apesar da tentativa de expô-las isoladamente, percebemos que em muitospontos elas se inter-relacionam de tal maneira que ou seríamos repetitivas ouficariam obscuras as relações entre estas, sendo que são as relações aquilo quenos permite captar o movimento do processo de formação. Assim, tratamosdas categorias simultaneamente.

Essa pesquisa possui dois momentos bem distintos: a) o inicial, em quetivemos grandes dificuldades organizacionais, fase de construção da relação

entre os pesquisadores, como também destes com os participantes das ofici-nas. Essa fase foi marcada pela intervenção mínima das bolsistas nas oficinas.b) segundo momento, caracterizado pelo planejamento, intervenção e debateteórico realizado em conjunto por todos/as os/as pesquisadores/as e partici-pação mais ativa das pesquisadoras bolsistas nas oficinas.

 ANÁLISE CATEGORIAL DO PROCESSO DE FORMAÇÃO

 As primeiras dificuldades surgiram quando as oficinas efetivamentecomeçaram. Percebemos que não se executava o planejamento conformehavíamos construído nas aulas-encontro de formação, e, sendo assim, nãovisualizávamos os objetivos anteriormente discutidos por todos nas oficinas.

Os educadores mostravam certa resistência na questão do planejamen-

to, pois o mesmo era modificado por telefone, ou não era materializado nasoficinas. Este tinha como principal característica o espontaneísmo das ativi-dades realizadas, conforme a fala de um dos educadores do Grupo:

“Meu, o planejamento é, digamos. É, começa entre nós mesmos de quem tá fazendo as oficinas, vem alguma idéia na cabeça de, de uma, de que seriaimportante passar pra eles, aí a gente troca por telefone, eu ligo pro Bruno,

ou ligo pro Carlos, alguma coisa pergunto o que eles acham e eles também fazem isso comigo, e a partir dessa idéia a gente tenta levar pruma reunião junto com a Gabriela, Inês e junto com a ... Helena, que tá junto com a gente aí nesse Projeto sobre a cultura hip hop” (André, 23/07/04, 19 anos).

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 A fala transcrita a seguir enfatiza a fragilidade inicial na relação doseducadores com as professoras. Percebemos certa desconfiança dos educa-dores em relação às professoras. E ainda, eles demarcavam que não se subor-dinariam as idéias das mesmas.

“A gente tem a reunião com vocês, mas nem tudo que vocês falam a gente aceita. O que acontece, depois na volta, no caminho de volta pra casa, ouno outro dia, porque a gente está sempre se comunicando, Carlos, Daniel,

 Edson eu e o André, a gente fala acho que assim não vai ser legal, “Por que

 que não vai ser legal?” Porque se a gente fizesse o contrário disso talvez daria um resultado melhor. Então a gente sempre tá conversando, tipo, o que a gente planeja num dia, por exemplo, na segunda, chega na terça nanossa cabeça pode ser algo totalmente diferente, não que a gente vá fazeruma revolução: “Não agora a gente vai fazer que a gente quer!”, não é isso,

 a gente sempre naquela linha que foi planejada, mas com alguns incre-mentos, alguma coisa a mais” (Bruno, 23/07/04, 25 anos).

Um dos motivos levantados pelos educadores é que eles conheciambem a realidade das crianças e jovens que moram na periferia, segundo eles:“As crianças vivem num contexto de Vietnã” (diário de campo, Helena, dia16/07/04), realidade que a Universidade e as pesquisadoras não conhecemporque não a vivem. De fato, a maioria dos educadores morava em bairros daperiferia, o que lhes permite um contato com essa realidade, o que pode ser

traduzido em saber, mas nem sempre como conhecimento elaborado. Contu-do, o que percebemos foi uma resistência, por considerarem a Universidadedistante da realidade, “teorética”, de pouca utilidade no meio popular. Essarelação truncada entre professoras e educadores fez com que as oficinas fos-sem conduzidas tendo como base o saber prévio que estes possuíam para ensi-nar os elementos do Hip Hop. Percebemos, claramente, que eles não pos-suíam uma preocupação com a forma que iriam ensinar, as estratégias didáti-

 cas não eram postas em questão, com exceção do Graffiti47.Nas primeiras aulas-encontro de formação perguntamos aos educa-

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47 Vale ressaltar que Carlos estava cursando o magistério e era ele o principal responsável pela oficina de graf- fiti. Esse fato já nos aponta a importância do processo de formação para os educadores do MHH, o que nestecaso, levou o elemento Graffiti a ser o mais procurado e esperado pelos/as alunos/as das oficinas.

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dores no que eles pensavam que poderíamos contribuir, e prontamente elesresponderam: “o lado das oficinas ali a gente tá controlando legal. (...) Ali den-

 tro das quatro linhas, a gente ali é com nós, mas assim ó (...) perguntando since-ramente, em resposta sincera, não é dinheiro que a gente qué, mas a possibilidade

 de arranjar algum outro tipo de material se a gente fizesse o pedido.” (André,26/04/04, 19 anos) Os materiais que solicitavam eram os necessários paradesenvolver as oficinas, como lápis, caneta, papel, spray, cds virgem para gra-var as músicas... Com isso, ficou claro que a expectativa que possuíam emrelação a participação das professoras no projeto restringia-se a prover as con-

dições necessárias (principalmente financeiras) para a realização das oficinas,presumiam que não necessitavam de auxílio para lidar com o conhecimentoque já possuíam48. Este talvez foi o principal obstáculo que tivemos quesuperar para que as aulas-encontro de formação não fossem apenas para tratardas questões administrativas do projeto, mas adentrar as questões pedagógicas.

Os educadores consideravam suficiente o que sabiam para ministrar asoficinas, não vislumbrando que poderíamos participar nas discussões sobre o

planejamento e a forma de realizá-los, muito menos na questão de qual co-nhecimento deveria ser passado aos/as alunos/as. Como bem retrata a fala do

 André “A gente não tá indo lá pra fazer uma coisinha diferente, a gente tá indolá... tanto sempre que a gente sai, a gente conversa sobre a evolução das criançasou quando o comportamento nosso não foi... Oh cara! Deverias ter aliviado um

 pouquinho ali, entendeu?’ A gente tá se cobrando” (26/04/04, 19 anos).O Break, enquanto uma dança, poderia ter sido um elemento fecundo

ao se pensar em re-significação de práticas corporais, mas foi justamente oelemento em que encontramos maiores barreiras, principalmente quanto às

 estratégias didáticas. Assim os processos de ensino-aprendizagem possuíamlimites, pois as oficinas de Break estavam pautadas no “interesse de cada um”,onde os movimentos deveriam ser aprendidos através da imitação. O apren-dizado era refém das habilidades e do esforço individual dos/as participantes.

 A fala de um dos educadores esclarece como o elemento Break era ensinado:

“Vamos começar pelo Break, o Fabiano é uma pessoa fechada, envergonha- da, tímido pra caramba, e o que acontece é que muitas vezes ele tá ensi-

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48 Podemos perceber uma visão bem assistencialista do papel da Universidade em relação à comunidade.

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 faltar um pouco da essência do graffiti verdadeiro pra mulecada (...) a gente pede pra eles fazerem um desenho, eles fazem os desenho, mais ainda

 acho que eles não tão botando aquele sentimento deles no bagulho, a gente tá achando um pouco isso”. (Carlos, 23/07/04, 24 anos). Neste primeiromomento das oficinas os elementos Mc e DJ 49 foram praticamente deixados

 de lado, sendo apenas mencionados em duas oficinas que, aliás, faziam parte da seqüência que os educadores planejaram como estratégia didática para apresentação dos quatro elementos. A idéia era trazer para oficina algo diferente e que chamasse atenção dos/as participantes, pois tinham o receio

 que as oficinas caíssem na “mesmice”. Então organizaram quatro momen- tos, em que em cada sessão seria apresentado um deles. O primeiro foi o Mc,o segundo o Break, com a participação de um grupo convidado (VLP BackSpin), o terceiro, o DJ, e o quarto, o Graffiti (este não chegou a ser reali-

 zado 50 da forma como foi pensado, com o uso de spray, compensado e a pre- sença de outras crews)”.Mesmo trazendo outros convidados para o ensino do Break, este ainda

era “considerado difícil”, pois a insuficiência de estratégias e técnicas para oensino do Break fazia com que sua transmissão continuasse sendo pautadapela imitação. Ao mesmo tempo em que o Break era considerado o ponto críti-co das oficinas, foi ele que fez com que os educadores percebessem a necessi-dade da formação. Possibilitou que refletíssemos juntos sobre as  estratégias

 didáticas para facilitar o aprendizado do Break, no intuito de propiciar uma re-significação de seus movimentos, tornando-o mais fácil e mais prazeroso. Isso

modificou a tônica das aulas-encontro de formação, permitindo que déssemosum salto da centralidade nas questões organizativas para as pedagógicas.

No mês de junho, começamos a ler o diário de campo no início de to-dos os encontros, seguindo-se de debate, pois dessa forma apresentávamos onosso entendimento sobre o que estava ocorrendo nas oficinas, sempre desta-cando os aspectos positivos e negativos. A cada aula tínhamos um tema queera estudado por todos, mediante a leitura de texto e o debate do mesmo. Essa

estratégia foi considerada pelos educadores como monótona e cansativa, porisso planejamos algumas aulas expositivas para chamar a atenção da impor-

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49 As oficinas de DJ não ocorreram, pois o material necessário (agulha) é muito dispendioso e a aparelhagem édifícil de ser transportada; não foram previstos os recursos para a compra e manutenção destes equipamentos.50 Não foi realizado, devido à perda do Espaço na Coloninha.

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tância da teoria. Como eles poderiam pensar um movimento social sem co-nhecer minimamente a organização social a qual pertencem? Quais são osobjetivos deles com as oficinas? O que eles estão de fato ensinando aos alunosestá numa perspectiva transformadora? A partir dessas questões planejamosuma unidade didática de formação que contemplou o estudo introdutório so-bre a sociedade capitalista, das questões sobre a cultura (cultura popular, cul-tura hegemônica e cultura de massa), hegemonia e contra-hegemonia. Nessemomento, eles externaram a vontade de estudar e que poderíamos fazer tro-cas, em que eles nos repassariam o que conhecem sobre o Hip Hop e nós os

conhecimentos acerca das teorias pedagógicas e metodológicas, adentrandoem algumas questões mais sociológicas. Um dos educadores solicitou, inte-ressado no autor Karl Marx e no marxismo, que indicássemos alguns textospara leitura.

Na aula-encontro de formação, os educadores observaram que “o hip hop é um movimento político e social, que as pessoas se preocupam em ler e saber,mas todas cobram para expor e vender sua força de trabalho” (aula, 25/07/04,

diário de campo da Helena), o que dificulta o acesso ao conhecimento. A par-tir do interesse dos educadores pelo estudo do marxismo, colocamos que, paraGeorg Lukács (1989), o desenvolvimento do capitalismo tende a produziruma estrutura na qual o próprio pensamento fica subsumido; portanto, paracaptarmos o real, é imprescindível perceber o próprio movimento deste que,sendo dialético, justifica a própria utilização do método dialético, sendo pos-sível desfazer a aparência ilusória dos fenômenos dentro do capitalismo, na

qual a mercadoria se mostra em sua forma  fetichizada, ao mesmo tempo emque as relações humanas se mostram reificadas:

Esta tendência da evolução capitalista vai, porém, ainda mais longe; o caráterfetichista das formas econômicas, a reificação de todas as relações humanas, aextensão crescente de uma divisão do trabalho que atomiza abstrata e racio-nalmente o processo de produção sem se preocupar com as possibilidades ecapacidades humanas dos produtores imediatos, transforma os fenômenos de

sociedade e com eles a sua apreensão (LUKÁCS, idem, p.20).

Este autor aponta, a partir de Marx, que a estrutura mercantil, apesarde se apresentar como um sistema fechado e racional, cria uma objetividadeilusória, pois faz com que pareça que a relação mercantil seja uma relação

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entre coisas, ocultando a sua essência, que é a relação entre seres humanos quese dá na contradição entre a classe que vive do trabalho e a classe que detémos meios de produção – capital X trabalho. Nessa discussão, os educadoresassim se manifestaram: “o hip hop agora esta caindo também na mercadorização

 e mudando seu ideal” (aula, 25/07/04, diário de campo da Helena).O objetivo era introduzir as acepções de ideologia a partir do conceito

de  hegemonia. Assim, discutimos com os educadores que hegemonia, para Antonio Gramsci (1991), é uma forma de pensar que se torna dominante, atin-gindo a maioria das pessoas. Uma das diferenças cruciais consiste, para

Gramsci, na própria questão do Estado. Segundo ele, na Rússia, não haviapor trás do Estado uma forma de organização sólida que pudesse manter aposição do Estado quando este entrava em crise, por isso era necessária umaenorme burocracia, como a czarista, que administrava todos os aspectos da vi-da estatal. Conforme Luciano Gruppi (1996, p.79), “quando o Estado entra-va em crise ou desfazia-se, devido obviamente a uma derrota militar (comodurante a guerra de 1914-1918), atrás do Estado nada mais resistia”. Isso não

era o que existia na Itália e nos países capitalistas desenvolvidos, pois, nestes,quando o Estado estremece, existe ainda por trás uma organização em nívelda sociedade civil que, com o capitalismo já em estágios bem avançados, tendea ter uma série de organizações que garantem a sua coesão. Portanto, nessespaíses não basta a tomada do poder do Estado, é necessário se ter o consensodas massas. Nesse sentido, a esfera cultural ganha uma enorme importância,principalmente nos momentos de crise do capital e do Estado do capital.

Frente à ampliação do aparelho estatal que ocorre em função de umacrescente socialização da política, Gramsci percebe, segundo Ivete Simionatto(1999, p.64), que “na sociedade capitalista moderna, o Estado se ampliou e osproblemas relativos ao poder se complexificaram na trama da sociedade, fazen-do emergir uma nova esfera social que é a ‘sociedade civil’”. Para Carlos Cou-tinho (1990, p.16), podemos entender aquilo que Gramsci denomina de socie-

 dade civil, como “esfera intermediária (...), o campo dos aparelhos privados de

hegemonia, o espaço de luta pelo consenso, pela direção político-ideológica”.Essas são, portanto, as bases para o desenvolvimento de sua teoria “am-

pliada” do Estado. Em sua obra são expressas, desta forma, duas concepçõesde Estado, uma de sentido “restrito” de Estado e uma de sentido “amplo”.Para GRAMSCI (op.cit.), o Estado em sentido “ampliado” apresenta duas

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esferas distintas na superestrutura: sociedade civil e sociedade política. A pri-meira é composta pelos “aparelhos privados de hegemonia”, onde se estabe-lece a luta pelo consenso; a segunda, diz respeito ao Estado em sentido “restri-to”, que funciona como aparelho de repressão e coerção, mantendo o controleno caso da perda de um consenso espontâneo das massas. A sociedade políti-ca ou o Estado, como aparato de coerção ou de domínio, tem seu controle pelaburocracia executiva e policial-militar. Sendo assim, a “sociedade política, nopensamento gramsciano, indica o conjunto de aparelhos através dos quais aclasse dominante exerce a violência” (SIMIONATTO, op.cit., p.68). Ocorre

diferentemente na sociedade civil, na qual o poder se estabelece por uma di-reção política, através da conquista do consenso, sendo que os “aparelhos pri-vados de hegemonia” possuem um papel fundamental. Podemos dizer que asociedade civil “compreende o conjunto de relações sociais que engloba o de-vir concreto da vida cotidiana, da vida em sociedade, o emaranhado das insti-tuições e ideologias nas quais as relações se cultivam e se organizam” (ibidem).O Estado, neste caso, serve apenas como “trincheira avançada”, possuindo

por trás uma trama complexa de organizações em nível de sociedade civil.Essas duas esferas, sociedade civil e sociedade política, não são distin-

tas na realidade, constituindo-se em uma separação puramente de método,pois na realidade encontram-se fundidas. Apesar disso, a sociedade civil pos-sui uma relativa autonomia em relação ao Estado (sociedade política). Isso seexpressa numa relação dialética entre sociedade civil e sociedade política,sendo que em cada formação social isso pode ocorrer de forma diversa e, por-

tanto, nos momentos de crise, essa relação geralmente se manifesta de formamais explícita. Com isso, “o Estado pode assegurar a ordem pela força, maspode também recorrer aos aparelhos da sociedade civil para obter o consensoem torno de seus atos” (idem, p.69).

 Assim, o poder em sociedades com uma organização social mais com-plexa não ocorre apenas pelo domínio, mas pelo fato da classe que assume opoder ter também a direção política, em que sua visão de mundo passa a ser

 hegemônica. Para Gramsci, “numa formação social de tipo ‘ocidental’, a orga-nização da cultura já não é algo diretamente subordinado ao Estado, masresulta da própria trama complexa e pluralista da sociedade civil” (COUTI-NHO, op.cit., p.16). Dessa forma, a própria hegemonia não se traduz em umateoria, mas em diferentes enfoques oriundos da realidade, onde ora é tomada

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no sentido de coerção, ora possui o sentido de consenso, podendo ainda sereferir a ambos os movimentos ao mesmo tempo. Disso decorre que a lutapela hegemonia nos países onde o capitalismo já se encontra mais avançado,não poderia mais ser pensada apenas ao nível das instâncias econômica epolítica – no sentido das relações materiais de produção e poder estatal –, masa própria esfera da cultura se constitui em um importante campo de batalha.

Mencione-se que, diante do novo quadro histórico, no qual Gramscipercebe claramente essa complexificação do Estado, as estratégias para se che-gar ao poder não poderiam mais ser as mesmas utilizadas pelos Bolcheviques

na Rússia, o que ele denominou de “guerra de movimento” – forma comoexpressou a luta armada. Como não basta assumir o poder nestas sociedadesmais complexas, sem imprimir-lhes uma nova direção política, a estratégiautilizada no Oriente, a “guerra de movimento” também precisa ser repensa-da. Gramsci então, desenvolve uma estratégia para o Ocidente baseando-seno que ele denominou de “guerra de posição”, que, segundo SIMIONATTO(idem, p.40), “supõe o consenso ativo, ou seja, organizado e participativo, im-

plicando também unidade na diversidade, um movimento dialético e demo-crático”, podendo se afirmar que da “guerra de movimento” para a “guerra deposição” ocorre uma mudança de qualidade, onde predomina o consensosobre as forças coercitivas.

 A conquista do Estado não é para Gramsci um momento de pura nega-tividade, de destruição, “mas sim um processo de crescimento de um novotipo de Estado, que se organiza ainda antes da conquista do poder” (GRUPPI,

op.cit., p.73). Quando a classe que está no poder tem a sua direção políticaenfraquecida, ou seja, não possuindo mais o consenso das massas, tornando-se apenas dominante e não mais dirigente, ocorre, então, uma crise de  hege-monia. Neste momento, a batalha na esfera cultural se torna acirrada na bus-ca pela conquista do consenso, pois tanto a classe que se encontra no podercomo as classes dirigidas podem, nesse momento, conquistar uma novadireção política. Pode ocorrer

de um lado, a rearticulação da classe dominante, que através da coerção procu-ra recompor a sua hegemonia (uma vez que possui uma capacidade maior deorganização) através de sacrifícios, concessões e promessas demagógicas. Deoutro, as classes dominadas podem ampliar a sua articulação e, portanto, o seuconsenso, e reverter as relações hegemônicas a seu favor, ocupando espaço

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para se tornar classe dirigente (através do consenso) e dominante (isto é, con-dutora do poder) (SIMIONATTO, op.cit., p.41).

Essa reflexão teórica nos permitiu pensar sobre a importância dosMovimentos Sociais na batalha travada na sociedade civil. Qual a estratégiaseguida pelo MHH: “guerra de posição” e/ou “guerra de movimento”?Conquistar a  hegemonia, nesse contexto, é tornar a nossa visão de mundocomo a hegemônica. Mas como fazer isso em um contexto em que o pensa-mento ideológico dominante é difundido (meios de comunicação de massa) e

absorvido sem reflexão (na maioria das vezes) pelos seres humanos?Expomos ainda que uma nova  hegemonia deve ser construída através

de todas as esferas de relações. Os educadores questionam sobre o presidenteLuís Inácio Lula da Silva e a situação do país. Essa questão não é algo quepossa ser tratado de forma isolada, pois será que a sua eleição representouuma mudança no pensamento hegemônico? Assim, destacamos a importân-cia dos Movimentos Sociais na contra-hegemonia, pois o conhecer a socie-

dade é essencial para podermos elaborar estratégias mais eficazes para suatransformação. Um dos educadores comenta: “A gente não é bonzinho, mas

 também não quero sair como o Che Guevara da parada.”(André, 25/07/04, 19anos). Neste início de conversa sobre Estado e hegemonia percebemos ocrescimento do interesse pelo estudo de certos conceitos que já estavam inseri-dos na prática de alguns educadores.

Modificadas a dinâmica das aulas, eles perceberam que poderiam fazer

as oficinas de forma diferenciada e, para tal, precisaríamos estudar e debaterantes de planejar. A leitura do diário de campo deixou evidente que as ofici-nas estavam se tornando repetitivas, e que havia problemas em relação à ofici-na de Break. Chegaram a conclusão que as atividades realizadas nas oficinasnem sempre levavam a conscientização dos/as participantes tão almejada poreles. Propomos elaborar o planejamento conjuntamente; mesmo desconfia-dos, eles aceitaram. Ficou acordado que para o próximo encontro todos deve-

riam trazer idéias e que juntos definiríamos as atividades que iriam ocorrernas oficinas seguintes.

 A aula-encontro (14/06/04) possibilitou-nos outro salto qualitativo:após muita discussão, consideramos que seria mais interessante transformar-mos o planejamento por atividades em um planejamento por tema, pois eles

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levantavam que a sustentação do MHH está nos problemas da comunidadeda periferia, e que este deveria ser o ponto de partida. Analisamos conjunta-mente com os/as alunos/as das oficinas o que eram, segundo eles, os princi-pais problemas em sua comunidade, através da seguinte atividade: eles deve-riam retratar os principais problemas de sua comunidade em seus desenhosde Graffiti. O resultado dessa atividade nos levou ao tema “Violência e Paz”.Questionamos sobre o que sabíamos a esse respeito e concluímos que precisá-vamos todos estudar para podermos pensar quais nossos objetivos ao tratardesse tema, o que seria ensinado e de que forma o seria. Tivemos, com isso a in-

tenção de trabalhar os quatro elementos do Hip Hop, articulando-os entre si.Concomitante a esse momento ocorre à perda51 do espaço na Coloni-

nha, sendo que, enquanto as negociações eram realizadas com a diretoria damesma, aproveitamos o tempo para fazer o planejamento detalhado52 em con-junto, o que gerou nova motivação para o grupo. A partir disso podemos con-siderar que adentramos o segundo momento da pesquisa53. Superamos oplanejamento enquanto lista de atividades, passando a trabalhar por temas.

Este foi realizado, embora tenha havido pequenas adaptações conforme o nú-mero de participantes, seus interesses, ou seja, sendo flexível às casualidadesencontradas no momento de sua efetivação.

 As questões que nos auxiliaram a pensar a construção do planejamen-to para a formação dos educadores nesta segunda etapa foram duas: comoaprofundar o tema escolhido? Qual a intencionalidade de trabalhar com estetema nas oficinas? Isso gerou a necessidade de trabalhar as contradições exis-

tentes no tema.Pensamos que seria importante utilizarmos estratégias na formação

para que eles se percebessem como pesquisadores; assim, marcamos umaaula-encontro de formação com a participação da coordenadora geral do pro-jeto, em que todos/as os pesquisadores/as pudessem se situar no processo dapesquisa. Optamos pelo seguinte encaminhamento: apresentação do ProjetoGeral e do Subprojeto do Hip Hop, Cultura e Cidadania. Logo após a leitu-

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51Devido a falta de responsabilidade de uma das bolsistas do projeto, que não entregou a documentaçãonecessária para a diretoria da escola. Isso acarretou a troca de bolsista do projeto.52 Com tema, conteúdo, objetivos, metodologia, descrição das atividades, forma de avaliação, materiais e espaçosa serem utilizados.53 Após duas semanas, retomamos as oficinas no mesmo espaço físico.

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ra do diário de campo fizemos a discussão e assistimos a filmagem de algu-mas oficinas. Realizamos o esqueleto do planejamento e retiramos encami-nhamentos. Foi feita uma breve avaliação da aula. Neste encontro (16/07/04),ficou combinado que deveríamos aprofundar o tema “Violência e Paz”, afu-nilando para os conceitos de ideologia, cidadania e organização social.

Essa aula nos permitiu uma proximidade maior com os educadores. Aplicamos o questionário e explicamos os instrumentos da pesquisa esclare-cendo suas funções. Os educadores demonstraram-se interessados em enten-der o projeto e pensarmos juntos como poderíamos reencaminhá-lo. Ao fazer-

mos a leitura do diário de campo, os educadores se sentiram vigiados e inco-modados com algumas anotações do tipo: “não falaram sobre cidadania e ideo-logia”. André retrucou e disse ter dito: “não falamos o que é certo e o que éerrado”. Ele ainda apresentou elementos no vídeo que mostravam que eles ti-nham trabalhado essas categorias.

Surgiram alguns pontos polêmicos nessa aula. O primeiro que desta-camos foi que o planejamento foi interpretado de forma distinta pelas profes-

soras e educadores. Eles objetivavam trabalhar o tema Violência x Paz, mos-trando os dois “lados da moeda” e não as contradições que existem nesta rela-ção, que em nossa forma de entender era o conteúdo que deveria ser abordadonas oficinas. Assim, as categorias ideologia e cidadania não foram trabalhadasna profundidade que supuséramos. Contudo, para os educadores estes temasapareceram ao tratarem do problema do Transporte Coletivo. De acordo comos educadores: “Temos que dialogar, violência não leva a nada”. Essa era a men-

sagem que queriam passar. Após compreendermos essas diferentes interpre-tações, nos ficou claro que precisávamos abordar os temas com mais proprie-dade e fizemos, então, um diagnóstico sobre o que se pensava sobre ideologia.

 A segunda polêmica referiu-se justamente ao entendimento do que éideologia, conceito que para os educadores era “um conjunto de idéias”.

 Apresentamos, sumariamente, a concepção marxiana de ideologia, que a tratacomo uma visão lacunar da realidade. Acordamos que este seria um tema que

mereceria ser pautado nos encontros de formação, juntamente com a questãoda cidadania.

Outro ponto levantado pelos educadores foi a falta de tempo paraplanejar. Alegavam que como todos trabalhavam e/ ou estudavam ficava difí-cil seus encontros e sua vinda a UFSC para realizar o planejamento. O que

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justifica suas faltas aos encontros. Contudo, ao final da reunião, perceberama importância de um planejamento mais detalhado e concordaram com acontinuidade dos encontros, comprometendo-se com a presença nos mesmos.

O último ponto debatido foi a liderança de André. Os próprios edu-cadores perceberam essa liderança e, quando a questionamos, o própriogrupo a assumiu como algo consentido e justificado. O Carlos (16/07/04, 24anos) diz sobre esta questão: “O André chama quando precisa”. Demonstrandoa confiança que possuem no mesmo. O Bruno (16/07/04, 25 anos) assim seexpressa: “eu não falo nada, porque eu falando perante as pessoas sou um desas-

 tre”. Essa fala nos preocupou, pois pretendíamos possibilitar o desenvolvi-mento dos educadores no processo da formação, lidando com seus limites. Aoconstatarmos a organização interna do grupo, percebemos empecilhos paradesafiá-los a cumprirem novos e diferentes papéis, no sentido de trabalhar asfragilidades de cada um. Ao final da discussão chegamos ao entendimento deque precisávamos democratizar mais as situações de direção nas oficinas. Eque cada um deveria se experimentar falando, dançando, cantando, dese-

nhando, manipulando as pickups. A idéia de trabalhar a integração dos qua-tro elementos do Hip Hop (MC, DJ, Graffiti e Break) demandava o trabalhoem conjunto também dos educadores. Além disso, perceberam com a leiturado diário de campo que o único elemento em que os outros educadores nãose envolviam era no ensino do Break, pois eles mesmos se achavam incapazesde dançar. Combinamos que era preciso maior envolvimento de todo o grupono ensino do Break.

 Após este primeiro período, realizamos uma avaliação do processo, naqual observamos:

• Com relação à leitura dos diários de campo, deveríamos ter mais cui-dado em relação à forma como apresentamos as questões, pois percebe-mos que todos temos dificuldades de lidar com as críticas;• É preciso ressaltar que os educadores têm desenvolvido, mesmo quecom limites, um bom trabalho pedagógico nas oficinas. Este processo tem

apontado um movimento crescente na qualidade de suas intervenções;• Os educadores possuem limites com relação ao que significa o pro-cesso ensino-aprendizagem, por exemplo, dando pouca importância aoplanejamento, recaindo numa forma espontaneísta de fazê-lo. Contudo,percebemos que o André tem um engajamento diferenciado dos outros

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formadores, se destacando por uma maior responsabilidade e proximi-dade com os alunos. Carlos, por sua formação (magistério), contribuiude forma significativa nas discussões, a exemplo da discussão sobre aquestão da competição. Para alguns educadores, esta era uma impor-tante forma de incentivar os alunos. Carlos expôs que esta não era amelhor forma de educar e que ele havia estudado que incentivar acompetição entre os alunos prejudicava o aprendizado, porque somen-te uma minoria vence e o restante perde, causando mais frustração doque motivação. O que fez com que o grupo se convencesse de adotar

uma outra estratégia para motivação, a criatividade;• Precisamos trabalhar o planejamento de forma que ele seja inter-pretado por nós com certa afinidade, aprofundando mais a problema-tização do tema. Planejando as oficinas atividade por atividade, pois oplanejamento feito às pressas traz conseqüências negativas;• Depois da mudança de estratégia do ensino, os alunos perderam umpouco a timidez e realizaram o Break. O planejamento passou a ser

executado;• Havia a necessidade de uma maior participação das professoras nasoficinas;• Identificamos outros fatores que também foram empecilho no pro-cesso de ensino-aprendizagem nas oficinas. Um deles foi a rotatividadedos participantes, pois em alguns períodos chegou-se a ter num mesmodia cinco pessoas novas, dessa forma, exigindo um novo recomeço. Ou-

tro fator foi a preparação dos materiais (durante a oficina não dispu-nham dos materiais que necessitavam) que marcaram a primeira fase,em que as questões organizativas foram bem conturbadas.

 A partir desta reunião resolvemos continuar com o tema inicial, desdo-brando-o para um tema mais específico que já havia surgido nas aulas ante-riores: a questão do transporte coletivo, tendo as questões sobre ideologia e

 cidadania como pano de fundo. As oficinas que se seguiram tinham como

principal objetivo trabalhar os quatro elementos do Hip Hop, já que anteri-ormente o Graffiti era o elemento em que os alunos possuíam maior intimi-dade. Para isso optamos pela problematização do tema “violência e paz”, apartir de suas contradições.

No primeiro momento, os/as alunos/as retratariam este tema, da forma

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que quisessem, em seus Graffitis (retratando a realidade, mostrandosoluções). Iniciou-se por esse elemento do Hip Hop, por ser aquele que des-pertava maior interesse nos/as alunos/as das oficinas. Isso nos permitiu umdiagnóstico a respeito de como eles compreendiam o tema.

 Após, agrupamos os Graffitis que tratavam de realidades semelhantes.Solicitamos aos/as participantes que criassem uma poesia para os seusGraffitis, fazendo, assim, a Revolução Através das Palavras (RAP). Houve dis-cussão nos grupos e os educadores ajudaram os/as participantes das oficinas,sendo que, ao invés de darem respostas, eles formulavam novas questões para

reflexão. Esse momento tratou-se da problematização.O próximo passo foi formar grupos de três a quatro alunos/as, sendo

que cada grupo estava encarregado de criar um movimento que todos osmembros do grupo executassem; logo após esse momento de criação, for-mamos novos grupos com um participante de cada grupo inicial e pedimosque cada um ensinasse aquilo que seu grupo havia criado. Assim, ao mesmotempo em que transmito aos colegas o movimento que meu grupo criou,

aprendo com meus colegas o movimento que seus grupos criaram. Essa estra-tégia objetivava vencer a timidez e o preconceito em relação ao que é dançarBreak, demonstrando que todos somos capazes de dançar. E, ainda, nos per-mitiu perceber que somando a contribuição de cada um, de forma organiza-da, fica mais fácil atingir a realização de algo maior, no nosso caso, a seqüên-cia coreografica.

No quarto momento, foi estimulado que os alunos colocassem uma base

musical para sua poesia, para cantar, dançar e mostrar a conexão com o seuGraffiti. Finalizamos com todos/as sentados/as em roda para avaliar o processo.

Na execução deste planejamento, ocorreu que do tema amplo, violên-cia e paz, afunilou-se para a questão do aumento das passagens do transportecoletivo urbano54 . Essa questão nos pareceu uma forma exemplar para tratar

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54 O contexto municipal desta problemática eram os protestos, primeiramente organizados por estudantes do ensi-no médio contra o aumento da passagem, mas que almejavam o “passe livre” para os estudantes. O protesto tevegrande repercussão municipal, sendo que, a cada dia, ganhava mais força e espaço na mídia televisiva. Cada vezmais visível a persistência dos estudantes, além da organização dos mesmos, tirando a “tranqüilidade” do dia-a-dia,devido ao tumulto que gerava no trânsito, nos horários de grande movimento. Com o intuito de abafar tal organi-zação, os Governos Estadual e Municipal decretaram ponto facultativo na capital, com o objetivo de evitar maiores

 transtornos no trânsito da cidade, já que os estudantes organizavam atividades diferenciadas: como passeatas, blo-queio de ruas, bloqueio dos ônibus da saída do terminal, entre outros. O resultado disso culminou na redução dopreço da tarifa de ônibus. O objetivo do movimento era o passe livre, por isso muitos consideraram apenas ganhauma batalha e não a guerra. Esses fatos ocorreram concomitantemente a essa fase do planejamento das oficinas.

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do tema, pois o que é violência: a depredação dos ônibus pelos manifestantes,ou o aumento das passagens de ônibus? Teríamos aqui um elo para tratarmosda ideologia – mostrando como os meios de comunicação noticiavam os fatos– e a cidadania – o que pretendemos formar: cidadãos que respeitam as regrase as leis que impõe a exploração do ser humano pelo ser humano? Todos osGraffitis retrataram uma forma de violência relacionada ao transporte urbano,embora esse não tenha sido o título sugerido, esse era o tema candente domomento. Uns desenharam ônibus depredados, outros colocaram os gover-nantes como sendo os próprios executores da violência. Isso proporcionou

dois temas para serem discutidos: o primeiro sobre  cidadania articulada pelaquestão: será que é certo o aumento da tarifa? Será que é violência os estu-dantes fecharem algumas vias de acesso ao município – como por exemplo aponte que liga a Ilha ao Continente – afetando a coletividade? A segunda dis-cussão pautou-se na questão da ideologia: como se justifica o aumento da tari-fa? Como os meios de comunicação lidaram com essa questão? O que é vio-lência então? O que precisamos para ter paz?

Iniciamos a próximo encontro de formação com a avaliação dos edu-cadores sobre a aula-encontro anterior. Propusemos uma forma de avaliaçãoonde cada um teria que dizer uma palavra, gerando a participação de todos(essa estratégia levava em conta que alguns manifestaram que tinham difi-culdade para se expressar oralmente). As palavras usadas foram: leitura, ati-tude, revolução, revolta, início, aprendizado, possibilidades. Foi também rea-lizada uma chuva de idéias para a avaliação do processo de formação, em que

apareceu: “Estudo como tática de guerra”; “Revolução através das palavras”;“Você tem que estar pronto para morrer por alguma coisa se não você não estápronto para viver”; “Mais uma loucura formada para a mente do bem”;“Aprendizado e possibilidades”;“Me organizando posso desorganizar”.

Retomamos a leitura do diário de campo e depois a discussão acerca dacidadania. Os educadores compreendiam  cidadania como “o direito de ir evir”. Neste aspecto, refletimos com eles a fragilidade dessa compreensão ao

tratarmos de nossa forma de organização social. Basta observar, como nosaponta Aijaz Ahmad (1999, p.112), a “globalização” que liga “os países impe-rialistas aos países que eles dominam, tornamo-nos muito mais conscientedas diferenciações e coerções entre nações”. Ao mesmo tempo em que o capi-tal se internacionaliza cada vez mais, viajando no dito mercado global, os

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regimes de trabalho, aos quais se submetem milhares de seres humanos, écada vez mais nacional, ou seja, o trabalhador não possui o direito de ir e virvender sua força de trabalho onde quiserem.

Existem empresas que, utilizando-se do seu direito de ir e vir, possuemtodo seu processo de produção fragmentado em diferentes países e em cadalugar produzem uma determinada coisa, enquanto a montagem fica em umoutro país. Isso geralmente acontece por que em países “em desenvolvimen-to” ou “subdesenvolvidos”, estas mesmas empresas recebem uma série de“incentivos” – como, por exemplo, a isenção do imposto de renda por um

tempo determinado, terrenos para instalação da indústria –, assim como, ossalários pagos aos trabalhadores destes países são inferiores aos dos países“desenvolvidos”. Já os trabalhadores são contratados pela legislação do país aoqual pertencem, dentro de fronteiras nacionais que possuem um processohistórico que define a relação de forças entre a classe proletária e a classe bur-guesa, o que normalmente reflete precárias condições para o trabalhador e suafamília. Sabe-se que o preço pago pela força de trabalho em países “não

desenvolvidos” é muito mais baixo que em países “desenvolvidos”. O próprio AHMAD (ibidem), para demonstrar essa tendência histórica na qual seaumenta a “mobilidade do capital” ao mesmo tempo em que se tem uma“imobilidade relativa do trabalho”, faz uma sentença provocativa:

que todos os capitais americanos venham para a Índia e que todos os traba-lhadores indianos sigam para os Estados Unidos, a fim de ganhar salários

americanos. Que haja uma igualização global de salários e lucros. Não esta-mos, neste caso, pedindo o socialismo, mas apenas que a burguesia honre suapalavra: a livre circulação de pessoas.

Queríamos demonstrar com isso que num mundo marcado pela lutade classes e pela relação desigual entre as nações – imperialismo –, o que seglobaliza é a riqueza para um grupo de pessoas cada vez menor e a misériapara um grupo de pessoas cada vez maior. Assim a cidadania precisa ser

repensada, pois pode ser ela também uma forma de ideologia.Debatemos a mercadorização que ocorre com as práticas corporais.

Percebemos que essa discussão foi absorvida ao encontrarmos na entrevista deum dos educadores que:

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“Pra mim Movimento Hip Hop é algo que nasceu no gueto, pra mim não é que não possa sair do Gueto, a tendência é sair do Gueto e explodir o

mundo, só que explodir de uma forma consciente, não da forma que tá acontecendo, o que eu tô vendo é muita vendagem de Hip Hop. Hoje em dia tem muita gente mostrando o Hip Hop é isso, e o Hip Hop é aquilo.Tem o Hip Hop pro playboy e Hip Hop pra periferia. Tá pouco distintoisso, porque hoje em dia tem gente que fala assim: eu ouço Hip Hop, não,

 Hip Hop não se escuta, Hip Hop é o movimento. Tem gente que tá come- çando rotular um estilo de música que é o Rap americano como Hip Hop,

 até filmes americanos tu vê isso” (André, 27/07/04, 19 anos).

 A questão da mercadorização foi um tema que nos possibilitou pri-meiro compreender melhor o que eles pensavam sobre o assunto e, segundo,pautar a discussão sobre a ideologia. Nossa pretensão era complexificar o con-ceito apresentado pelos educadores (ideologia como um conjunto de idéias),pois eles já expressavam, em suas primeiras entrevistas, que o objetivo das

oficinas é disseminar a ideologia do Hip Hop. Provocamos-lhes dizendo quea ideologia possui vários entendimentos. Terry Eagleton apresenta-nos 16definições que estão em circulação para o termo ideologia, sendo que estas nãosão todas compatíveis entre si. O autor chama a atenção para o fato de conside-rarmos tudo como sendo ideológico, pois “Tais slogans podem ser muito valio-sos quando se trata de desafiar uma definição excessivamente estreita de políti-ca e de ideologia, uma do tipo que convém ao propósito do poder dominante

de despolitizar setores inteiros da vida social. Mas estender esses termos a pon-to de torná-los coextensivos a tudo é simplesmente destituir-lhes de força, o quetambém é conveniente para a ordem dominante.” (EAGLETON, 1997, p.21)

Foi utilizando o exemplo da mais-valia no capitalismo que demonstra-mos como a ideologia pode funcionar para manter a dominação. Contrasta-mos o que é mais-valia para Marx com a idéia do senso comum, permeadapela ideologia da economia clássica, que a explica de forma mágica. A partir

disso, André levanta questões sobre Cuba, no seguinte termo: “O socialismo funciona lá?” Isso nos remeteu a discussão sobre as experiências do socialismoreal, que de fato nunca foram socialistas, mas em função do tempo escasso,retornamos ao foco de nosso debate. Carlos ainda finaliza dizendo: “Eu acho

 que todo mundo tem que ser igual.” (diário de campo, 25/07/04, Helena)

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 Assim, o conceito ideologia precisa ser aprofundado para podermos en-tender nosso contexto. De acordo com Marilena Chauí (op.cit., p.27), a ideo-logia gera um imaginário social que tem como função escamotear o conflito,dissimular a dominação.

[...] A ideologia realiza uma operação bastante precisa: ela oferece à sociedade fun-dada na divisão e contradição interna uma imagem capaz de anular a existênciainterna da luta, da divisão e da contradição: constrói uma imagem da sociedadecomo idêntica, homogênea e harmoniosa.

Essa sociedade a qual se refere é a sociedade de classes, e, nesta, a ideo-logia é algo constitutivo e insuperável. A ideologia só poderá deixar de existirem outra forma social, não no capitalismo.

István Mészáros (2004, p.65) considera que

a ideologia não é uma ilusão nem superstição religiosa de indivíduos mal-orienta-dos, mas uma forma específica de consciência social, materialmente ancorada e

sustentada. Como tal, não pode ser superada nas sociedades de classe. Sua persistên-cia se deve ao fato de ela ser constituída objetivamente (e constantemente recons-tituída) como consciência prática inevitável das sociedades de classe, relacionada coma articulação de conjuntos de valores e estratégias rivais que tentam controlar ometabolismo social em todos os seus principais aspectos. Os interesses sociais quese desenvolvem ao longo da história e se entrelaçam conflituosamente manifestam-se,no plano da consciência social, na grande diversidade de discursos ideológicosrelativamente autônomos (mas, é claro, de modo algum independentes), que exer-

cem forte influência sobre os processos materiais mais tangíveis do metabolismosocial.

Em diferentes momentos das oficinas observávamos como os edu-cadores modificaram a forma de tratar da ideologia, o que consideramos umavanço quanto ao conceito de ideologia que estes possuíam. André em suasegunda entrevista expõe o que é ideologia, demonstrando ter aprendido que

possuem diferentes definições para o termo: “eu achava que era um conjunto de idéias. Como pessoas, a gente aprendeu que é seguir as idéias citadas já por alguém. No caso a burguesia. Se for pensado dessa forma eu sou a favor da contraideologia, não seguir o padrão da elite.” (André, 20/09/04, 19 anos)

Questionamos sobre a relação entre ideologia e cidadania. Que relações

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entre estas podemos estabelecer? O que significa falar em cidadania nassociedades de classe? Refletimos sobre esse conceito tendo como referência asações do MHH, em relação àquilo que os educadores pautavam como seusobjetivos, o desenvolvimento da auto-estima e a consciência sobre a necessi-dade da organização coletiva.

Iniciamos recuperando a historicidade do conceito. Sabe-se que a cida- dania encontra suas raízes na Antiga Grécia, nas elaborações sobre democra-cia, da qual faz parte ou a qual esta intimamente associada. Naquele momen-to, a idéia de cidadania estava aliada à idéia de participação na Polis e do ho-

mem político como cidadão. Dessa forma, a cidadania vem caracterizando-se,primeiro, pela pergunta sobre quem são os cidadãos e, segundo, quais são seusdireitos e deveres. Apesar desta caracterização geral, deve-se deixar claro quenão existe uma unicidade conceitual para cidadania, mas uma pluralidade,que deve ser enquadrada na realidade in lócus. Para Ellen Wood (2003, p.177,grifo do autor),

o antigo conceito de democracia surgiu de uma experiência histórica que con-feriu status civil único às classes subordinadas, criando, principalmente, aque-la formação sem precedentes, o cidadão-camponês. [...] Se cidadania é o con-ceito constitutivo da democracia antiga, o principio fundamental da outra va-riedade é, talvez, o senhorio.

O cidadão ateniense não era servo de nenhum homem mortal, não de-vendo serviço nem deferência a algum senhor. Não havia para estes a preocu-

pação com obrigação de enriquecer algum tirano com o seu trabalho. A cidada-nia passa por novas formas de existir, conforme o período histórico e nas diver-sas formas de Estado, como a monarquia, a aristocracia, até chegar a democra-cia. Interessa-nos que nessa passagem para a cidadania democrática deslocou-se

o centro do poder do senhorio para a propriedade, o capitalismo tornou menosimportante o status cívico, pois os benefícios do privilégio político deram lugar

à vantagem puramente ‘econômica’, o que tornou possível uma nova forma dedemocracia. Onde o republicanismo clássico havia resolvido o problema daelite proprietária e da multidão trabalhadora mediante a redução do corpo decidadãos (como gostariam de ter feito os oligarcas atenienses), a democraciacapitalista ou liberal permitiria a extensão da cidadania mediante a restriçãode seus poderes (como fizeram os romanos). [...] foi capaz de imaginar um

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corpo abrangente, mas grandemente passivo, de cidadãos composto pela elitee pela multidão, embora sua cidadania tivesse alcance limitado. (idem, p.180)

Quando a multidão trabalhadora finalmente entra para a comunidadede cidadãos, essa nova relação entre o político e o econômico acaba reduzindoa importância da cidadania, pois transferiu alguns poderes jurídicos exclusi-vos para “o domínio totalmente econômico da propriedade privada e do merca-do, em que a vantagem puramente econômica toma o lugar do privilégio e domonopólio jurídico.” (idem, p.183). Isso faz com que na democracia liberal

possam coexistir a igualdade política formal com a desigualdade de classe.Não seria então interessante para a manutenção da dominação e da explora-ção que o MHH lutasse pela cidadania? Poderíamos considerar um efeito daideologia dominante colocar em nossa pauta de luta a cidadania? Váriasquestões decorreram dessas e como não tínhamos a pretensão de esgotar o te-ma, finalizamos essa aula recorrendo a WOOD (idem, p.184), quando diz que:

Na democracia capitalista, a separação entre a condição cívica e a posição declasse opera nas duas direções: a posição socioeconômica não determina o di-reito à cidadania – e é isso o democrático na democracia capitalista –, mas,como o poder do capitalista de apropriar-se do trabalho excedente dos trabalha-dores não depende de condição jurídica ou civil privilegiada, a igualdade civilnão afeta diretamente nem modifica significativamente a desigualdade declasse – e é isso que limita a democracia no capitalismo. As relações de classeentre capital e trabalho podem sobreviver até mesmo à igualdade jurídica e aosufrágio universal. Nesse sentido, a igualdade política na democracia capita-lista não somente coexiste com a desigualdade socioeconômica, mas a deixafundamentalmente intacta.

Esses temas e debates constituíram-se na referência para as discussõesrealizadas com os participantes das oficinas. Mas, ainda, uma pergunta paira-va sobre nós: “como romper com a imitação no ensino do Break?”. Realiza-mos novo planejamento, em que a proposta era partir de movimentos que

os/as alunos/as já sabiam fazer para chegar nos movimentos do Break.Planejamos que nessa oficina as bolsistas do Projeto fariam a intervenção como intuito de demonstrarem outra possibilidade no ensino. Os planejamentose intervenções que se seguiram contaram com a colaboração mais intensa dasprofessoras. Para o ensino do Break, pensamos em algumas atividades que

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poderiam ser realizados por todos os educadores e alunos/as das oficinas. Assim, o trabalho com o Break partiu da seguinte dinâmica: em círcu-

lo, cada pessoa deveria fazer três movimentos e no terceiro tocar na pessoa aolado, então essa pessoa que se movia pára e a próxima, a que foi tocada, come-ça a se movimentar, dando continuidade ao movimento, como se fosse umacorrente. No início, alguns estavam tímidos, mas, depois foram descontrain-do, e acabamos dando um tempo maior para a atividade, pois estava ocorren-do a participação efetiva de todos (alunos, educadores e professoras). Aos pou-cos, percebemos que ninguém queria parar e cada vez que chegava a vez de

um/a aluno/a, este queria sempre incrementar seu movimento, dando con-tinuidade à idéia do movimento do colega anterior. O b.boy foi uma impor-tante referência nesta atividade, pois todos se espelhavam nele para arriscarnovos movimentos. Os educadores perceberam a participação motivadados/as alunos/as, a perda da timidez destes/as e as possibilidades que novasestratégias proporcionam no ensino do Break.

Com um Rap contagiante de fundo, os/as alunos/as faziam movimen-

tos variados, com deslocação, não mais importando o número de movimen-tos, mas a criatividade. Ao final da atividade ninguém mais ficava parado,todos dançavam ao mesmo tempo, superando o objetivo proposto nessa dinâ-mica, que era apenas um aquecimento inicial. A segunda atividade foi o nóhumano, que consistia em formar uma grande roda, em que cada participantedeveria memorizar quem está a sua direita e a sua esquerda. Depois deste re-conhecimento, pedimos para que todos andassem pelo meio da roda, se mis-

turando. Ao sinal, todos tinham que parar e encontrar seus respectivos cole-gas (o da direita e da esquerda), após deveriam dar as mãos, sem se desloca-rem, formando um grande nó humano. Este, para ser desfeito, necessitou quetodos pensassem juntos estratégias para desatá-lo. O objetivo era desatar o nóde forma coletiva. Com a colaboração de todos e várias discussões, o nó foidesfeito e essa atividade foi muito discutida no final da oficina, retomando aidéia da importância da organização coletiva. Os educadores ficaram surpre-

sos com o que essas mudanças no ensino podem modificar no acesso e nopróprio conhecimento. Ficaram motivados a experimentarem novas formasde ensino e de refletir as conseqüências destas. Neste momento, os educado-res perceberam a importância de se fazer o planejamento, bem como refletira sua realização para reconduzir a novos planejamentos (planejamento-ação-

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avaliação-reconstrução do planejamento).No último mês, notou-se a melhora da organização do tempo entre as

atividades propostas. Os educadores já problematizavam os temas propostoscom maior profundidade, demonstrando conhecimento. Acreditamos queessa profundidade só foi possível pelas discussões e leituras que antecediam asoficinas nos encontros de formação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a pesquisa surgiram vários obstáculos, os quais buscamostranspor e foram estes que suscitaram várias reflexões, possibilitando o ama-durecimento do grupo de pesquisadores, bem como um salto qualitativo notrabalho desenvolvido nas oficinas. Um dos limites era o conhecimento limi-tado e inicial das professoras acerca dos elementos do Hip Hop, embora issonos proporcionou um novo recorte para a pesquisa, a formação dos edu-

cadores do MHH.Quanto ao processo de formação dos educadores do MHH, alguns

fatos dificultavam a fluidez da pesquisa, tais como a limitação do tempodisponível para deslocarem-se a Universidade, a fim de realizarmos estudos,fazermos o planejamento e discussão do que acontecia durante as oficinas;outra limitação foi o espaço, que mesmo possuindo uma localização adequa-da e um estrutura física próxima ao ideal, tínhamos que dividi-lo com outras

atividades e pessoas que ali se encontravam – com os associados da sede quejogavam dominó e bebiam. Além disso, o trabalho foi interrompido durantequinze dias, tempo necessário para negociarmos nosso retorno.

O processo de formação teve como desafio conquistar a confiança doseducadores do MHH, que num primeiro momento esperavam das professo-ras apenas os encaminhamentos para os aspectos burocráticos e financeiros dapesquisa e que somente no desenrolar do processo conseguimos superar essa

expectativa, passando as questões pedagógicas à centralidade de nossas dis-cussões. No último encontro, no qual lemos o relatório final da pesquisa, umdos educadores assim se pronunciou em relação à desconfiança que eles ti-nham de nós: “Essa sociedade faz com que a gente acaba duvidando até mesmo

 de quem está do nosso lado (...) No início ficávamos nos perguntando qual o inte-

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resse de vocês com esse trabalho...” (André, 28/03/05, 19 anos).O fato dos educadores do MHH terem se retirado do MHH de Floria-

nópolis (MH2F), tornou as oficinas o único espaço de articulação para a Pos-se55, em que convidavam outras Crews56 e Posses com a finalidade não só decontribuir nas oficinas, mas como espaço para trocar idéias e para o fortaleci-mento do próprio grupo que se encontrava à parte do grande Movimento. Naúltima sessão, os educadores já avaliavam a necessidade de retorno ao MH2F,pois mesmo com diferenças, consideravam que poderiam disputar a hegemonia.

Constatamos a necessidade de um conhecimento mais aprofundado

sobre o Hip Hop, pois pouco se sabe sobre suas origens, manifestações e di-vulgação de seus elementos, tanto em nosso país como fora dele.

 Apontamos algumas mudanças significativas que ocorreram na práticapedagógica dos educadores do MHH, sendo elas:

• A forma como planejavam antes da formação e depois, com a forma-ção, foi para nós a questão mais significativa. Os educadores, inicialmente,não tinham um planejamento sistematizado das oficinas, mas, em contrapar-

tida, tinham um cuidado com os materiais, dando um grande peso para quetudo estivesse preparado para o recebimento dos participantes. Num segundomomento, os planejamentos encadeados por temas proporcionavam dinamis-mo para as oficinas, além de apresentarem o conhecimento a partir da inte-gração dos quatro elementos do Hip Hop;

• No segundo momento da pesquisa havia ainda a falta de integraçãodos educadores, cada um ficando mais restrito ao seu elemento. Mediante o

processo de formação que questionava as estratégias didáticas e as respostasdadas pelos participantes das oficinas construímos um senso de responsabili-dade, integrando os educadores no ensino dos quatro elementos. Com isso,tornou-se possível utilizarmos a conexão do tema com as letras de Rap nasatividades;

• Aprofundamento dos temas que seriam eixo de suas intervenções nasoficinas. O conhecimento passa a ter uma nova dimensão, na qual eles pró-

prios identificam as mudanças que foram possibilitadas por um mergulhomais profundo na teoria;

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55 É constituída pelos rappers, graffiteiros, b. boys que formam um novo tipo de família, um grupo de uma mesmaregião.56 É um grupo formado por determinado elemento do Hip Hop, por exemplo: crew de graffiteiros, crew de b.boysentre outros.

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• Superação da competição como agente motivador, passando a enfo-car a criatividade;

• Passagem do ensino por imitação para um ensino através da proble-matização, principalmente no elemento Break;

• Percepção da importância das práticas avaliativas no processo deensino-aprendizagem, prevendo – nas oficinas e nas aulas-encontro de for-mação – tempo e formas de avaliação para o final de cada encontro;

• E por todo esse processo, a re-significação das práticas corporais rea-lizadas pelos participantes das oficinas.

Muito embora os educadores considerem que seus objetivos não foramplenamente alcançados, pois pretendiam com as oficinas também formar no-vos militantes de seu movimento (eles alegam que apenas um dos participan-tes, de fato, tornou-se graffiteiro). Consideramos que os objetivos da pesquisaforam alcançados e que o processo de formação humana, que ocorreu tantonas oficinas ou com os educadores do MHH, intensificou o processo de cons-trução da consciência de classe, sem a qual não podemos superar a sociabili-

dade regida pelo capital. Assim, as categorias estratégias didáticas, hegemonia,ideologia e cidadania constituíram o processo de formação, complexificandonosso entendimento sobre a sociedade em que vivemos, o papel do MHH, eas possibilidades de ensino.

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A pesquisa-ação e as práticas culturaispopulares:a experiência do projeto“capoeira e os passos da vida”

 JOSÉ LUIZ CIRQUEIRA FALCÃO

BRUNO EMMANUEL SANTANA DA SILVA

LEANDRO DE OLIVEIRA ACORDI

INTRODUÇÃO

 A escassez de propostas metodológicas de caráter crítico e a sofisticaçãoteórica pautada pela utilização de discursos idealistas e abstratos, dificilmenteentendidos pelos professores, ainda constituem uma realidade no campo daEducação Física brasileira. Foi com ênfase na “centralidade da prática”, con-

forme aponta Antonio Barbosa Moreira (1999, p. 30), e em comunhão “comos que nela atuam”, sem perder de vista a idéia do todo, que realizamos estainvestigação57, procurando superar procedimentos autoritários, fragmentados,verticalizados, cartesianos, e acolhendo a horizontalidade, a pluralidade e o

57 Esse artigo apresenta reflexões acerca da metodologia utilizada no Subprojeto de pesquisa “Capoeira e osPassos da Vida”, desenvolvido em 2004, na Escola Básica Estadual Januária Teixeira da Rocha, localizada na

região pesqueira da praia do Campeche, município de Florianópolis-SC A pesquisa envolveu três professores deEducação Física, com experiências distintas de capoeira e integrantes de grupos diferentes e contou ainda com21 participantes, sendo 13 do sexo masculino e 8 do sexo feminino. Inseriu-se organicamente no projeto inte-grado “As Práticas Corporais no Contexto Contemporâneo: explorando limites e possibilidades” e foi desen-volvida através da metodologia da pesquisa-ação, na perspectiva de investigar a capoeira a partir de um enfoqueinterdisciplinar de trabalho, considerando a polissemia dessa manifestação cultural e a necessária articulaçãode aportes teóricos vinculados à filosofia, à história, à sociologia e à pedagogia.

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contexto. Partimos do pressuposto de que não há mais lugar para as pedago-gias de assimilação, prescritivas, através das quais o estudante vai à escolaaprender representações, conceitos e conteúdos previamente determinadospelo professor.

PROBLEMATIZANDO A PESQUISA-AÇÃO

 A recorrência da pesquisa-ação no processo de desenvolvimento e valo-

rização das práticas culturais populares58 se dá pelo fato de a mesma, diferen-temente das demais investigações participantes, contribuir para o melhorequacionamento de problemas significativos da prática social, bem como,possibilitar uma tomada de consciência por parte dos sujeitos históricos en-volvidos, com vistas à transformação da própria realidade pesquisada. MichelThiollent (2000) afirma que, além da interação entre os diversos sujeitoshistóricos envolvidos na pesquisa, a pesquisa-ação prevê o explícito conheci-

mento dos diferentes papéis exercido por cada um destes e a intencionalidadedas ações implementadas, isto é, embora não se recorra à imposição unilateral,os sujeitos envolvidos reconhecem a identidade e os objetivos do pesquisador.Entretanto, este deve se precaver de possíveis “inclinações missionárias”, nego-ciando com os demais os pontos de conflito e de tensão e atuando como me-diador atento, de modo a evitar que a situação seja manipulada por parte dequem “fala mais alto”.

Segundo THIOLLENT (idem, p.14), pesquisa-ação

é um tipo de pesquisa social participante com base empírica que é concebidae realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de umproblema coletivo, no qual pesquisadores e participantes representativos dasituação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo.

Essa estratégia de pesquisa encontra ressonância entre àqueles que nãoquerem limitar suas investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos quecaracterizam a maioria das pesquisas convencionais. Os sujeitos históricos

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58 Concebemos como práticas culturais populares as manifestações produzidas pelas comunidades empobreci-das da população sem o crivo das instituições formais e burocráticas.

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envolvidos são convidados não só a dizer sobre algo, mas também a fazê-lo, de-sempenhando, dessa forma, um papel ativo na própria realidade pesquisada.Em outras palavras, não se trata apenas de descrever a realidade pesquisada, masoperar estrategicamente no sentido de mudar a própria realidade pesquisada.

Entretanto, alguns cuidados devem ser tomados para que a ação inves-tigativa não se transforme numa simples vivência ou numa ação de militân-cia política. Daí, a importância dos processos argumentativos, que devem sercolocados em tensão. Segundo THIOLLENT (idem, p.32) todo processoargumentativo deve ser operado na perspectiva da existência de um “auditório

real ou figurado”, que tem por finalidade estimular a objetividade e a racio-nalidade dos argumentos, evitando, dessa forma, comentários eivados de par-cialidade e engano.

Outro aspecto que caracteriza a pesquisa-ação é a simultaneidade deseu duplo objetivo. Ao mesmo tempo em que, através dela, pretende-se au-mentar o conhecimento da área de pesquisa, visa-se também o conhecimen-to ou o “nível de consciência” das pessoas e grupos considerados (idem, p.16).

Nesta perspectiva, entende-se que a pesquisa-ação pode ainda ser destacadacomo uma pesquisa prática que implica em trabalhar com sujeitos da mudan-ça, em vez de trabalhar sobre eles. Para Pedro Demo (1994, p.38), seria aque-la “destinada a intervir diretamente na realidade, a praticar teorias e teorizarpráticas, a produzir alternativas concretas, a comprometer-se com soluções”.

Dessa forma, uma atividade de pesquisa-ação envolvendo práticas cul-turais populares não teria como preocupação o aperfeiçoamento de técnicas

em relação a um padrão preestabelecido de conduta, mas objetiva problema-tizar a organização das ações culturais, tendo como referências problemáticassignificativas que envolvem os sujeitos em relação. Uma vez identificadas,através da experiência, da apropriação, do estudo, da reflexão e do diálogo,essas problemáticas significativas devem ser exaustivamente analisadas atéque se alcance um consenso em torno das mesmas. A partir daí, deve ser ela-borado, coletivamente, um plano de entendimentos, através do qual serão

decididos as estratégias e os diferentes papéis que cada participante assumiráno processo. A pesquisa-ação pode ser utilizada como forma de engajamentosócio-político ou como estratégia de atuação técnico-organizativa. Seus obje-tivos, de caráter prático e de conhecimento, contemplam desde as propostasde conotação militante, informativas e conscientizadoras, até as propostas

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“eficientizantes” de natureza técnico-burocrática. A pesquisa-ação procura,portanto, atender a resolução de problemas imediatos e também desenvolvera consciência da coletividade a respeito dos problemas importantes que en-frenta. São nessas ocasiões que a pesquisa-ação se torna recorrente pelo fatode que, segundo THIOLLENT (op.cit., p.24), “quando as pessoas estão fa-zendo alguma coisa relacionada com um problema seu, há condição de estu-dar este problema num nível mais profundo e realista do que no nível opina-tivo ou representativo no qual reproduzem apenas imagens individuais eestereotipadas”.

 As técnicas de questionário ou entrevistas, bastante utilizadas nas pes-quisas convencionais, têm alcance limitado, pois não permitem que se tenhauma visão dinâmica da situação investigada. Segundo THIOLLENT (idem),se usadas indevidamente, sem um conhecimento da natureza discursiva,podem contribuir para “psicologizar” a realidade social ou cultural observadae terminam por iludir o pesquisador com jogadas argumentativas, como seestas fossem fiéis expressões da realidade ou da verdade do fenômeno investi-

gado. Mas, como bem disse o filósofo italiano Antônio Gramsci, o homemcomum possui dois tipos de consciência teórica, dos quais um é implícito àsua ação e o une efetivamente a todos os seus colaboradores na transformaçãoprática da realidade, enquanto o outro superficialmente explícito ou verbal,foi herdado do passado e recebido a-criticamente. Ora, diz ele,

estas duas consciências podem entrar em contradição e se oporem no sentido

de que a ação não reflete a crença. Nesse caso, a concepção de mundo que temo homem comum é a que está implícita na sua ação. É essa que deve ser reve-lada” (GRAMSCI apud BARBIER, 1985, p.52).

Uma investigação científica, pautada pela pesquisa-ação, deve evitar orisco de se limitar a uma simples reprodução do senso comum, que expressaum conhecimento parcial da realidade, é filosofia, mas filosofia sem

metodologia, sem união dialética entre teoria e prática; uma espécie de mosai-co fragmentado, incoerente, inconseqüente, resultante da situação social ecultural das massas cuja filosofia representa. A pesquisa-ação objetiva umaintervenção prática e de conhecimento diante da realidade do senso comum.Com um melhor conhecimento a ação é conduzida com mais propriedade.

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 A pesquisa-ação deve entrar, então, em sintonia com o bom senso, queconstitui o núcleo sadio do senso comum, aquele que convém desenvolver,tornar unitário e coerente; isto principalmente porque o senso comum é umproduto histórico, evolui com a estrutura social que o modela, não sendo, por-tanto, imutável, nem permanente, nem monolítico. Por entender o sensocomum como um produto da história dos homens, Antonio Gramsci (1978)alude a necessidade de se criar um novo senso comum, uma nova cultura e,portanto, uma nova filosofia (ordem intelectual) que se enraíze na consciên-cia popular com a mesma solidez e imperatividade das crenças tradicionais.

Numa pesquisa-ação, o sujeito nunca deve confundir desejo com reali-dade e deve também duvidar a cada instante das evidências reiteradas e dascertezas bem assentadas do senso comum. Um pesquisador competente sabedescobrir com astúcia um ninho de víboras na mais tenra relação social e sabepôr em destaque, na mais sólida instituição, a rachadura invisível das con-tradições.

Num processo de pesquisa-ação, cabe ao pesquisador desempenhar

um papel ativo – participante engajado – no equacionamento dos problemasencontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas,assumindo os objetivos definidos, orientando a investigação em função dosmeios disponíveis, adotando atitude de “escuta” e de elucidação dos váriosaspectos da situação – pode interpretar problemas, esclarecer questões e ati-tudes, assinalar contradições, explorar mal-entendidos sem, no entanto, acharque suas concepções próprias devem sempre prevalecer. É papel do pesqui-

sador, também, permitir aos participantes expressarem a percepção que têmdo fenômeno em estudo, colocando à disposição dos mesmos os conhecimen-tos de ordem teórica e prática para facilitar a discussão dos problemas. Épapel, ainda, elaborar atas, registros de informações e relatórios de síntese,concebendo e aplicando, em conjunto com os participantes, as estratégias deação, participando das reflexões globais para chegar a generalizações e dis-cussão dos resultados.

Cabe aos participantes desempenhar um papel ativo na própria reali-dade dos fatos observados, pois são eles os responsáveis pelo desenvolvimen-to das ações, podendo, portanto, apontar os limites e as possibilidades das mes-mas, para que, em conjunto, possam ser planejadas, executadas, avaliadas,reorganizadas, redimensionadas, com vistas a atender os objetivos propostos.

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Como não há pesquisa-ação sem participação coletiva, é fundamental a par-ticipação de todos os membros em todas as tomadas de decisões, de modo que“possam planejar, organizar e realizar eles mesmos suas mudanças de ummodo consciente, livre e inteligente, com o máximo possível de reflexão”(BARBIER, 1985, p.46). Como conseqüência, a interpretação e análise dosdados serão o produto das discussões do grupo.

Durante o trabalho de investigação, é importante que se tenha presenteque esse é um processo sempre em aberto, que nenhuma proposta poderá serconsiderada "modelo", pois nenhuma dará conta de toda a complexidade de

uma dada realidade, que cada proposta dependerá de vários fatores – do con-texto, da subjetividade e das representações que cada participante tem sobre arealidade. Nesse sentido, o pesquisador não deve se comportar como um mes-siânico, pois pode comprometer a objetividade que é requerida na pesquisa.

Um processo investigativo ético, responsável e comprometido com atransformação da realidade social deve levar em consideração o caráter mul-tidimensional da experiência humana. O ser humano possui uma mescla

inextricável de pensamento racional, empírico, técnico, simbólico, mitológico,mágico. Vivendo permanentemente em todos os registros, não podemos su-primir a parte dos mitos, as aspirações, os sonhos, as fantasias, assim comonão podemos suprimir as instituições, as línguas, as técnicas de comunicação,representação e registro.

Segundo Luiz Felipe Serpa (2000), é preciso superar os dualismos -verdade/falsidade, identidade/contradição - estabelecidos a priori e olhar essas

oposições como extremos de um continuum de diferenças, em estado de po-tência, por isso indizíveis, que forma um fundo, um "caldo efervescente", deonde emergem fatos/acontecimentos. O importante não é verificar se as coisassão verdadeiras ‘ou’ falsas e sim considerar que podem ser verdadeiras ‘e’ fal-sas, ou então, ‘nem’ verdadeiras ‘nem’ falsas. Não é o fato localizado, o fenô-meno, que deve ser considerado, mas o todo, os nexos, de onde emergem osacontecimentos num movimento histórico de aparecer e desaparecer cons-

tantes, numa aparência instável e provisória.Sob essa perspectiva, a análise de um fenômeno ou contexto não pode

ser realizada a partir de um recorte, de uma decomposição, de uma divisão-redução em elementos mais simples e sim como compreensão, acompanha-mento dos acontecimentos dinâmicos que vão aparecendo e desaparecendo

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nesse contexto. Para poder fazer essa leitura da realidade com vistas a trans-formá-la, o pesquisador deve articular relações entre seu objeto de pesquisa ea totalidade, bem como, articular referências distintas, irredutíveis umas àsoutras, sem tentar homogeneizá-las e sem o compromisso de fazer sínteseunificada de diferentes autores. O papel do pesquisador é compreender ofenômeno, fazendo uma leitura do objeto a partir de enfoques diferentes, oque implica uma postura aberta para, em seguida, em conjunto com todos ossujeitos envolvidos, propor mudanças.

Buscando compreender os sentidos e significados que os sujeitos da

pesquisa dão ao fenômeno pesquisado, o pesquisador necessita fazer, comoponto de partida, uma criteriosa e densa descrição do mesmo e não apenas al-guns relatos, utilizando um processo de interpretação, compreensão e explici-tação do contexto, o que implica a necessidade de compreender os mecanismoscotidianos, ordinários, pelos quais se organizam e se produzem localmente asinterações. Para tanto, a relação do pesquisador com o campo de pesquisa deveser uma relação tanto de implicação, desempenhando o papel de membro

completamente “imerso” no grupo, quanto de estranhamento das coisas eacontecimentos, tentando desvencilhar-se de uma suposta “atitude natural”.

Levando-se em consideração que o conhecimento é o resultado sempreinacabado de uma articulação de diversos saberes, fazer ciência não implicaem conformar-se, nem metodologizar-se, nem tampouco seguir normas pré-determinadas, mas tecer, esculpir, construir, desconstruir, reconstruir cami-nhos metodológicos. Nesse sentido, a pesquisa-ação, enquanto estratégia de

pesquisa, não pode engessar o fenômeno, tampouco o contexto investigado.Ela se constitui numa linha geral de ação que, a rigor, não deve sufocar asinquietações da empiria.

 Após a definição dos objetivos e dos ajustes organizativos da pesquisa,começa-se a coleta de dados, realizada através de entrevistas coletivas e indi-viduais, questionários, documentos, observações participantes, diários decampo, histórias de vida etc. Para a coleta dos mesmos é necessária uma divi-

são de trabalho. Todas as informações coletadas pelos diversos grupos de tra-balho serão interpretadas, analisadas e debatidas no seminário central, quetem a incumbência de coordenar todas as atividades do processo de investi-gação, desde a discussão, até a tomada de decisões.

Conforme o próprio nome diz, a pesquisa-ação se concretiza através de

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alguma forma de ação planejada com as definições claras dos papéis dos su-

jeitos envolvidos e as estratégias que assegurarão a continuidade da ação e aincorporação das sugestões derivadas do processo investigativo como umtodo. As estratégias de mudanças e os novos procedimentos devem ser divul-gados de forma ampla, considerando o nível de compreensão dos sujeitosenvolvidos.

No processo de investigação devem ser propostas tematizações quebusquem relações entre conhecimentos e ações propriamente ditas. Isso

implica em identificar as proposições indicativas ou descritivas, ou seja, comoas coisas estão para em seguida problematizá-las com o objetivo de manter oualterar a situação.

 A pesquisa-ação no interior das práticas culturais populares contribuipara o desenvolvimento dos níveis de consciência dos sujeitos envolvidos sem,contudo, alterar a estrutura valorativa da mesma. Por exemplo, no caso deuma experiência de capoeira, as atividades devem ser desenvolvidas a partir da

idéia de uma espiral ascendente, cujos anéis contínuos vão se ampliando cadavez mais. Nesse sentido, um encontro não acontecerá dentro da lógica dareprodução de modelos e padrões, mas a partir de possibilidades pedagógicasque visem problematizar e ampliar o entendimento da realidade objetiva, queindepende da consciência de cada sujeito histórico, mas que se reflete nela.

SISTEMATIZANDO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS PARA EFETIVAÇÃO DA PESQUISA-AÇÃO COM PRÁTICAS CULTURAISPOPULARES

Dentro da perspectiva da pesquisa-ação, para desenvolver o projeto emquestão, elegemos possibilidades pedagógicas que, apesar de parecerem maisapropriadas para o campo da metodologia do ensino, foram muito úteis noprocesso investigativo. Trata-se da experimentação, problematização, teoriza-ção e reconstrução coletiva do conhecimento59.

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59 Essas possibilidades pedagógicas foram sistematizadas na tese de doutorado intitulada: “O Jogo da Capoeiraem Jogo e a Construção da Práxis Capoeirana”, de autoria do Prof. José Luiz Cirqueira Falcão, um dos coorde-nadores desse projeto. Ver mais em FALCÃO (2004).

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 A Experimentação - Consiste em formular e explorar possibilidades deação, em que os sujeitos devem se mostrar, tomando como ponto de partida aprática social, ou seja, os problemas e as necessidades práticas, surgidas nocotidiano, considerando que a partir do fazer gera-se dialeticamente um saberfazer e um saber sobre esse saber fazer que se apresenta, num primeiro mo-mento, de forma fragmentada e desarticulada. É importante frisar que nãoexiste uma seqüência cronológica entre o fazer e o saber. Trata-se de um pro-cesso em que esses momentos se interpenetram. Diferentemente da vivência,em que os indivíduos reagem a estímulos, passam pela vida como um espec-

tador, como objeto; na experiência, agem de forma consciente, pensada, refle-tida, compartilhada, agem como sujeitos de uma comunidade humana. Navivência, a vida é reflexo e se dissipa, na experiência a vida é reflexão, é vividade fato, em extensão e profundidade, com melhor detalhamento. Os interessese as emoções individuais se transformam em fatos sociais. É desse mergulhoque emerge a tradição, retomada e transformada, como algo que engloba etranscende as pequenas experiências individuais particulares e que passa de

geração para geração. Uma dimensão, portanto, que transcende, e dialetica-mente, comporta a simples existência individual de cada sujeito.

 A experimentação implica na extração, pela ação, de uma compreensãoque enriquece a vida do sujeito e por ele é enriquecida. Não se trata de ver-balizar sobre, mas de experimentar refletindo com, na e sobre a própria ação.Não se trata de encenar situações fictícias, de forjar atividades parecidas como trabalho material, mas de exercitar uma articulação direta com o trabalho

material e também com os outros sujeitos. Esta possibilidade consiste namanipulação e exploração direta das propriedades dos recursos didáticos, bemcomo, das próprias capacidades dos demais integrantes do grupo de pesquisa,como “descobridores” e “inventores” de diferentes possibilidades. Destina-sea uma melhor compreensão da capoeira a partir de suas mudanças históricas,através da experimentação das diferentes formas que esta se apresentou, apre-senta ou pode apresentar. Nesse sentido, foram propostos, com ênfase na

experimentação, a exercitação de formas de jogos, de rituais já consagrados,ou não, no contexto da capoeira, como por exemplo: jogar no ritmo dos dife-rentes toques do berimbau etc. A experimentação possibilita ainda ações sócio-emocionais de forma comunicativa e a interpretação de diferentes papéis,concepções e interesses vinculados ao contexto sócio-político dessa manifes-

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tação em interação com problemáticas significativas da convivência social.Enfim, a experimentação compreende uma imersão na prática social

concreta sem, no entanto, se preocupar com níveis elaborados de compreen-são dessa mesma prática social. Até porque nem tudo que se experimenta épossível de ser assimilado por palavras. A idéia é, então, articular experiências,interagir, integrar.

 A Problematização - Consiste no confronto e na discussão dos conteú-dos e das diversas situações de ensino, levadas a efeito pela experimentação. É

a possibilidade de detecção das questões que precisam ser resolvidas em nívelracional de entendimento, no âmbito da prática social e identificar que co-nhecimento é necessário dominar. A problematização instaura a dúvida e apergunta como princípios e como métodos de conhecimento e se contrapõe à“pedagogia da transmissão”, muito presente no trato com o conhecimento dacapoeira. Ela se contrapõe também a uma estética da interioridade e da con-solação. Sua base é inspirada na maiêutica socrática, em que se multiplicam

as perguntas a fim de obter, por indução dos casos particulares e concretos,um conceito geral do objeto em questão. Nesse sentido, ela é, na essência,provocação. A partir de questões pertinentes (uma afirmação e/ou uma nega-ção), diante de ilusórias verdades bem estabelecidas, pesquisador e demaisintegrantes do grupo de pesquisa devem problematizar a realidade vivida, dis-tinguindo o que é verdadeiramente importante do que é puramente superfi-cial e contingente. Devem ser levantados pontos chaves que sirvam de balizas

em torno das quais devem acontecer as argumentações, com a finalidade denão transformar essa possibilidade num simples bate-boca. Segundo Neusa

 Aparecida Berbel (1995, p.15), “a dinâmica de interações que se estabeleceentre alunos e professor(es), entre esses e a realidade e com o conhecimento,é um processo construtivo irreversível”. O confronto de visões mobiliza o po-tencial político, social e ético dos envolvidos no processo. Com a problemati-zação, as percepções primeiras extraídas das aparências ou mesmo do senso

comum dão lugar às inquietações e contribuem para mobilizar o grupo embusca de explicações convincentes e mais elaboradas, entretanto, ela não selimita a denunciar as contradições e os conflitos inerentes à realidade, masbusca também possibilidades de entendimentos e consensos.

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 A Teorização - Consiste na construção de respostas mais elaboradaspara os problemas identificados a partir da apresentação pelo pesquisador epelos demais integrantes do grupo de pesquisa de subsídios diversos que mo-bilizem e ampliem o entendimento dos mesmos.

 Apesar de muitos aspectos teóricos perpassarem as etapas anteriores, ateorização constitui a etapa de construção de respostas mais elaboradas paraos problemas e isso implica na instrumentalização dos sujeitos, ou seja, naapropriação de referenciais teóricos necessários ao equacionamento dos mes-mos. Nessa perspectiva, a teorização deve ser “praticada”, a fim de produzir

mudanças reais. Não se trata de interpretar determinados fatos, idéias e mitosrelacionados ao campo investigado, mas questioná-los, superá-los ou, atémesmo, negá-los. Enfim, a teoria deve também ser problematizada para quenão engesse a prática. Se a prática tem um sentido estritamente utilitário, ateoria se faz absolutamente desnecessária, perturbadora ou nociva àquela.Nessas práticas essencialmente utilitaristas temos, em vez de formulações teó-ricas, uma rede construída pelo senso comum impregnada de “preconceitos,

verdades estereotipadas e, em alguns casos, superstições de uma concepçãoirracional (mágica ou religiosa) do mundo” (VÁZQUEZ, 1977, p.210).

 A teorização se insere como uma possibilidade de ampliação, emextensão e profundidade, da prática pedagógica, evitando o pragmatismo, quereduz o verdadeiro ao útil. Imerso na realidade prática e sucumbido às neces-sidades imediatas, o ser humano, geralmente, não tem clara consciência teóri-ca de sua ação. Ao confrontar suas percepções primeiras, dispersas e confusas,

com o conhecimento já sistematizado, vai adquirindo uma compreensão maisampliada, mais profícua, por que não dizer científica, da realidade social. Asfontes para a teorização devem ser buscadas em livros, revistas, jornais, inter-net, relatos de experiência, especialistas, visitas, intercâmbios etc.

Os “pontos-chave” levantados pela problematização servem tambémpara orientar a teorização a fim de evitar que o grupo se perca num labirintoteorético, pois a teoria é ampla e fértil e, caso não seja praticada, ela não tem

compromisso com a realidade. Na teorização, a reflexão radical, rigorosa e deconjunto se torna imperiosa na medida em que exige uma “viagem” metódi-ca e contextualizada às raízes das questões significativas que caracterizam ofenômeno praticado/investigado/construído.

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 A Reconstrução Coletiva do Conhecimento - Consiste na re-signifi-cação do sentido/significado do fenômeno abordado a partir de análises e dis-cussões coletivas das etapas anteriores. Destina-se, em especial, à sistematiza-ção coletiva do conhecimento e sua apropriação crítica e controle por parte detodos os envolvidos no processo. É importante que todos os envolvidos com-preendam e ratifiquem, na experiência concreta, as teorias pedagógicas quesão geradas na prática. A reconstrução coletiva do conhecimento corresponde,portanto, ao retorno à prática social, em um outro nível de compreensão. Cons-titui-se num momento de catarse, ou seja, de “efetiva incorporação dos instru-

mentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformaçãosocial” (SAVIANI, 1984, p.75). Na reconstrução coletiva do conhecimento épreciso pensar e agir de modo inovador para provocar a superação e/ou asolução dos problemas levantados, considerando-se a viabilidade e a factibili-dade das suas hipóteses de solução, bem como as características específicas, oscondicionamentos, as possibilidades e as limitações identificadas na realidadeconcreta vivida.

 A EFETIVIDADE E A OPERACIONALIDADEDAS POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS

Essas possibilidades pedagógicas (experimentação, problematização,teorização e reconstrução coletiva do conhecimento) não ficaram adstritas aos

encontros em si, mas permearam toda a organização da pesquisa e nos per-mitiram passar de uma visão sincrética, geral e precária, para uma visão sin-tética e mais elaborada do fenômeno investigado e também da prática social.Elas não foram tratadas de forma justaposta, mas inter-relacionadas dialeti-camente com rigorosidade, radicalidade e universalidade. Nesse movimento,o confronto das idéias deu-se com o real acontecendo, em situação prática,dinâmica, interativa, onde “o pensado se transforma em prática, onde se

aprende a adequar a relação teoria-prática; onde a dialética da ação-reflexãoé possibilitada e exercitada” (BERBEL, op.cit., p.16).

Reconhecemos e confirmamos, nesta pesquisa, que a educação é umaatividade mediadora entre o sujeito e a sociedade. Ela não transforma a práti-ca social de modo direto e imediato, mas de modo indireto e mediato, à medi-

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da que age sobre os sujeitos da prática. Essas possibilidades pedagógicasforam adaptadas para mundo infantil e juvenil e para a realidade do contex-to investigado, de modo que a linguagem, a forma e os procedimentospedagógicos atendessem as características dos sujeitos envolvidos.

 A ANÁLISE E INTERPRETAÇÃODOS DADOS NA PESQUISA-AÇÃO

Os dados coletados nas diversas ações desenvolvidas no decorrer da inves-tigação com as práticas culturais populares, na perspectiva da pesquisa-ação,devem ser registrados em diário de campo. Os documentos produzidos, deforma coordenada ou espontânea, pelos sujeitos da pesquisa e pelos colabo-radores devem ser exaustivamente analisados. “Grupos satélites” devem ser for-mados para facilitar a metodologia de organização da pesquisa que, por sua vez,serão responsabilizados por temáticas e/ou estratégias específicas de pesquisa.

O conjunto de dados coletados a partir destes recursos deve ser sistema-tizado, categorizado e submetido à análise por parte dos componentes dogrupo de pesquisa. Finalmente deve ser realizado um encontro para quetodos possam cientificar da visão de conjunto da pesquisa, nem sempre clarano processo de realização da mesma. Com base nas orientações de THIOL-LENT (op.cit., p.72), esse retorno deve ser extrapolado para além dos parti-cipantes efetivos, à medida que “a tomada de consciência se desenvolve quan-

do as pessoas descobrem que outras pessoas ou outros grupos vivem mais oumenos a mesma situação”.60

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um importante aspecto observado nesta pesquisa constituiu-se no fato

de ela não ser fruto de uma ação especializada de um pesquisador, mas deprofessores, situados na perspectiva de professores–pesquisadores, que reco-

A pesquisa-ação e as práticas culturais populares: a experiência do projeto “capoeira e os pas-sos da vida”

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60 As análises, categorias e sistematizações dessa pesquisa estão explicitadas no artigo: “Capoeira e os Passosda Vida”, publicado no terceiro volume nesta coleção.

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nhecem a pesquisa científica como constitutiva das próprias atividadesdocentes e como importante fundamento da prática pedagógica.

É importante levar em consideração que a metodologia adotada nestapesquisa não deve ser vista como uma técnica qualquer, avulsa, neutra, masque tem razões históricas e princípios fundamentais que requerem um apro-fundamento em relação aos seus pressupostos teóricos. Em última instância,o que se almejava era a transformação da realidade, e isto não se consegue apartir de um trabalho isolado e individualizado. A transformação da realidadesó é possível de forma coletiva e, como disse Moisey Pistrak (1981, p.41), em

relação a auto-organização dos estudantes: “a aptidão para trabalhar coletiva-mente só se adquire no trabalho coletivo”.

Essas possibilidades pedagógicas (experimentação, problematização,teorização e reconstrução coletiva do conhecimento) foram fundamentaisnessa pesquisa e, ao serem articuladas com os fundamentos da pesquisa-ação,demonstraram a sua pertinência e exeqüibilidade no processo de organizaçãodo trabalho pedagógico e no trato com o conhecimento da capoeira, dentro de

uma perspectiva crítica. Elas, por sua vez, foram também experimentadas,problematizadas, teorizadas e reconstruídas nesse percurso investigativo.

Os participantes da pesquisa tiveram oportunidade de experienciar, pro-blematizar, teorizar e reconstruir minimamente o repertório cultural capoeira-no, com destaque para a ginga, os golpes e as negaças, o canto interativo e aroda lúdica. Tudo isso ocorreu por meio de experiências individuais, em duplae coletivamente, com ênfase na circularidade, na descontração e na atenção.

No que diz respeito às experiências com os fundamentos da capoeira,elas não se restringiram à pura execução biomecânica de alguns movimentos egolpes, mas foram acompanhadas de discussões sobre os rituais, as diferentesnomenclaturas, a etimologia, a aplicação, as possibilidades de sistematização, ossignificados e as representações dos golpes, os detalhes técnicos e de segurança.

 A intensidade, o envolvimento, a ressonância que marcaram o desen-volvimento dessa pesquisa nos permitem asseverar que a prática pedagógica

com capoeira reveste-se de situações complexas e muitos desafios. Os sujeitosenvolvidos apresentaram níveis de aproximação e apreensão distintos. Essesfatores nos levaram a conceber que o trato com a capoeira no contexto educa-cional ainda carece de uma formulação consistente, no que diz respeito aosconteúdos, procedimentos didáticos, objetivos e avaliação.

174 Práticas Corporais Trilhando e compar(trilhando) as ações em Educação Física

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A pesquisa-ação e as práticas culturais populares: a experiência do projeto “capoeira e os passos davida”

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Referências

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2004.

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VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. 2a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

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Ana Márcia Silva, natural de Florianó-

polis/SC; licenciada em Educação Física pela Uni-versidade Federal de Santa Catarina; Especialista

em Educação e Reeducação Psicomotora pela

UDESC; Mestre em Educação pela UFSC; Doutora

em Ciências Humanas pela UFSC. Professora do

Programa de Pós-graduação em Educação Física

da UFSC, autora de vários artigos e livros, entre eles

Corpo, Ciência e Mercado , pela Autores Associa-

dos-Editora da UFSC (2001).

Ana Maria Alonso Krischke, natural de

Santiago/Chile; licenciada em Educação Física pe-

la UFSC; especialista em Educação Física Escolar

pela UFSC. Atualmente atua como professora de

dança em comunidades e fundações culturais na ci-

dade de Florianópolis. Desenvolve estudos e pes-

quisas na área da dança, com destaque à importân-cia do lúdico na dança.

Ana Paula Salles da Silva, natural de

Joaçaba/SC; licenciada em Educação Física; espe-

cialista em Ontologia e Linguagem e, atualmente,

mestranda em Teoria e Prática Pedagógica em Edu-

cação Física pela Universidade Federal de Santa

Catarina-UFSC. Membro do Núcleo de Estudos

Pedagógicos em Educação Física-NEPEF/UFSC e

com estudos na áreas de Educação Física Escolar,

Lazer e Educação Especial.

Astrid Baecker Ávila, natural de Santa

Maria/RS; licenciada em Educação Física pela Uni-versidade Federal de Santa Maria; mestre em Edu-

cação Física pela Universidade Federal de Santa

Catarina-UFSC; atualmente cursa o doutorado em

Educação, nessa última Instituição; é professora no

Departamento de Educação Física-SBL /UFPR e é

membro do NUPESC e do Grupo de pesquisa

Estudos Marxistas em Educação. Tem publicações

em eventos científicos da área, principalmente, naslinhas de pesquisa formação profissional e Educa-

ção Física e movimentos sociais.

Bruno Emmanuel Santana da Silva,natural de Recife/PE, membro do Grupo de Ca-

poeira Chapéu de Couro. Graduado em Licenciatu-

ra Plena em Educação Física pela Universidade

Federal de Pernambuco. Mestrando em EducaçãoFísica da Universidade Federal de Santa Catarina.

Membro fundador do Grupo de Estudos de Capoei-

ra do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.

Cristiane Ker de Melo, nascida em

Manhumirim-MG, sob o signo de Libra. É Licencia-

da e Bacharel em Educação Física pela Universida-

de Federal de Viçosa-MG, cursou Mestrado em

Educação Física com área de concentração em Es-

 tudos do Lazer na Universidade Estadual de Cam-

pinas - SP. Atualmente, é professora do Departa-

mento de Educação Física da Universidade Federal

de Santa Catarina, onde coordena projetos de

Autores

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extensão e pesquisa no âmbito das práticas corpo-

rais, da cultura lúdica na infância e da formação con-

 tinuada de professores. Membro do Núcleo de Estu-

dos Pedagógicos da Educação Física –NEPEF e

da Secretaria Estadual do CBCE/SC.

Éden Silva Pereti, educador, fotógrafo,

andarilho e palhaço. Licenciado pela Faculdade de

Educação Física da Universidade Estadual de Cam-

pinas (UNICAMP) e Mestre em Educação Física jun-

 to ao Centro de Desportos da Universidade Federal

de Santa Catarina (CDS/UFSC). Desenvolveu di-

versos trabalhos em prefeituras e Organizações

Não-Governamentais (ONG´s), onde pôde contri-

buir através de consultorias e práticas educativas

nas áreas de lazer, artes corporais, formação docen-

 te e organização comunitária, em diferentes cidades

dos estados de São Paulo, Amazonas e Santa

Catarina.

Elisa Abrão, natural de Porto União/SC;

licenciada em Educação Física pela Universidade

Federal do Paraná-UFPR; especialista em Educa-

ção Física Escolar pela Universidade Federal de

Santa Catarina-UFSC; atualmente cursa o mestrado

em Educação Física, na Universidade Federal de

Santa Catarina-UFSC. Tem publicações em eventos

científicos da área, que envolvem principalmente te-

máticas sobre Dança.

Humberto Luís de Deus Inácio, natu-

ral de São Francisco do Sul/SC. Licenciado em

Educação Física; mestre em Educação pela Univer-

sidade Federal de Santa Catarina-UFSC; atual-

mente cursa o doutorado em Sociologia Política ,

 também na UFSC; é professor no Departamento de

Educação Física da UFPR e membro do Núcleo de

Pesquisas Sócio-Culturais em Educação Física-NUPESC/UFPR. Tem publicações em livros e

eventos científicos da área, principalmente, nas li-

nhas de pesquisa em Lazer, Esporte e Sociedade.

Iara Regina Damiani, natural de Floria-

nópolis/SC; licenciada em Educação Física; Mes-

 trado em Educação Física/UFSM; Doutoranda em

História/CFH-UFSC; professora aposentada CDS

 /UFSC; membro do Núcleo de Estudos Pedagó-gicos em Educação Física-NEPEF/UFSC. Tem pu-

blicações em eventos científicos da área, principal-

mente, nas linhas de pesquisa da Educação Física

escolar e Formação Profissional.

 José Luiz Cirqueira Falcão, licenciado

em Educação Física pela Universidade Católica de

Brasília (1982). Mestre em Educação Física pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (1994).

Doutor em Educação pela Universidade Federal da

Bahia (2004). Mestre de Capoeira do Grupo Beri-

bazu. Autor do Livro "A Escolarização da Capoeira".

Professor Adjunto da Universidade Federal de San-

 ta Catarina. Integrante do Grupo de Estudos da Ca-

poeira (GECA) e do Núcleo de Estudos Pedagógi-

cos em Educação Física (NEPEF), Sócio Pesquisa-

dor do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.

Lana Gomes Pereira, natural de Goiâ-

nia/GO; licenciada em Educação Física pela Uni-

versidade Federal do Goiás/GO; especialista em

Educação Física Escolar pela Universidade Federal

de Santa Catarina-UFSC; atualmente cursa o mes-

 trado em Educação Física, na Universidade Federal

de Santa Catarina-UFSC. Tem publicações em even-

 tos científicos da área, que envolvem principalmente

 temáticas sobre Cinema e Educação do corpo.

Leandro de Oliveira Acordi, licenciado

em Educação Física pela Universidade Federal de

Santa Catarina (2003). Sócio Efetivo do Colégio

Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE). Integran-

 te da Associação Cultural de Capoeira Angola Ilha dePalmares.

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Luciana Fiamoncini, natural de Rio do

Sul/SC; licenciada em Educação Física; mestre em

Educação pela Universidade Federal de Santa Cata-

rina-UFSC; é professora no Centro de Desportos-

CDS/UFSC e é membro do Núcleo de EstudosPedagógicos em Educação Física-NEPEF/UFSC.

Tem publicações em revistas e eventos científicos

sobre Dança e, também, pesquisas na linha da Edu-

cação Física escolar.

Maria Dênis Schneider, natural de Tu-

barão (SC), licenciada em Educação Física pela

UDESC, especialista em Educação Física pelaUFSC e mestre em Educação Física, também pela

UFSC. Foi professora de Educação Física na rede

estadual de ensino de SC, e atualmente trabalha no

Projeto Práticas Corporais na Maturidade na UFSC.

Maria do Carmo Saraiva, natural de

Santo Ângelo/RS; licenciada em Educação Física

e Letras; mestre em Educação pela Universidade

Federal de Santa Catarina-UFSC; doutora em Motri-

cidade Humana – especialidade Dança, pela Uni-

versidade Técnica de Lisboa; professora do Depar-

 tamento de Educação Física/CDS/UFSC; membro

do Núcleo de Estudos Pedagógicos em Educação

Física - NEPEF/UFSC. Tem livros e artigos publica-

dos nas linhas de pesquisa de Gênero, Co-educação

e Dança.

Maurício Roberto da Silva, Doutor em

Educação pela Universidade Estadual de Campi-

nas, UNICAMP. Professor do Centro de Desportos

 /UFSC e membro da Editoria da Revista Motrivi-

vência/NEPEF/UFSC.

Patrícia Athaídes Liesenfield, natural

de Porto Alegre, Rio Grande do Sul; licenciada emEducação Física pelo IPA/RS. Atualmente atua co-

mo professora da Rede de Ensino do Município de

Florianópolis. Desenvolveu estudos na área da

Educação.

Patrícia Daniele Lima de Oliveira, na-

 tural de Florianópolis/SC; licenciada em Educação

Física (UDESC) e Bacharel em Serviço Social

(UFSC); com especialização em Dança Cênica e

Educação Fisica Escolar. Atualmente cursa o mes- trado em Educação Física pela Universidade Fe-

deral de Santa Catarina –UFSC. Foi professora do

ensino fundamental e atualmente é Assistente So-

cial no município de Itapema.

Priscilla de Cesaro Antunes, natural

de Chapecó/SC; licenciada em Educação Física pe-

la Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC.Durante a graduação participou de atividades de en-

sino, como monitora de uma disciplina (DEF/UFSC);

de extensão, sendo bolsista de três projetos ofereci-

dos para a comunidade (CDS/UFSC) e de pesqui-

sa, como bolsista CNPq do Núcleo de Cineantro-

pometria e Desempenho Humano (NUCIDH

 /UFSC). Têm publicações na área, principalmente,

nas linhas de pesquisa da Educação Física escolar,

Antropometria e estudos sobre o corpo.

Rosane Maria Kreusburg Molina,Licenciada em Educação Física; Doutora em Ciên-

cias da Educação; Professora e Pesquisadora da

UNISINOS.

 Vicente Molina Neto, Licenciado em

Educação Física; Mestrado em Educação; Doutor

em Ciências da Educação; Pesquisador do CNPq;

Professor da UFRGS; Coordenador do Grupo de

Estudos Qualitativos Formação de Professores e

Prática Pedagógica em Educação Física e Ciências

do Esporte – F3PEFICE.

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