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CONTRAPONTO Muitos dos procedimentos utilizados para conseguir maior qualidade e produtividade, tais como a premiação por desempenho no trabalho, oferecem um enganoso sucesso inicial, com perigosas conseqüências futuras. A pesar de um grande número de publicações divulgar sérios estudos que ressaltam os efeitos no- civos das práticas de premiação, es- tas continuam em pleno uso. Não tem sido fácil convencer administra- dores e consultores em geral a res- peito das restrições e conseqüências futuras da utilização desse tipo de procedimento. Simples crenças a respeito do assunto parecem estar muito arraigadas e têm desempenha- do o papel das bases sobre as quais se tem empenhado, cada vez mais, tempo, inventividade e dinheiro. O empenho para a elaboração das mais sofisticadas formas de distri- buir recompensas dentro das orga- nizações atende a campanhas de reconhecimento, que pretendem pri- vilegiar os vencedores dos diferen- tes tipos de concursos de produtivi- dade e qualidade. Seria conveniente que, antes de se comprometerem definitivamente com qualquer programa de distribui- por Cecília Whitaker Bergamini ção de prêmios, as organizações considerassem, com maior prudên- cia, algumas descobertas relevantes a respeito daquilo que significa reco- nhecer o desempenho humano. Essa postura mais cautelosa poderia ate- nuar alguns aborrecimentos futuros, tais como gastos desnecessários, queda da eficácia a médio e longo prazos, bem como descontentamen- to e perda de envolvimento no traba- lho daqueles que se tornaram alvo desses sistemas de recompensas. Suplemento da RAE RAE Light 17 Premiar não é a solução

por Cecília Whitaker Bergamini e · por Cecília Whitaker Bergamini ção de prêmios, as organizações considerassem, com maior prudên-cia, agumas descobertas r evantes a respeito

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CONTRAPONTO

Muitos dos procedimentosutilizados para conseguir maior qualidade eprodutividade, tais como a premiação por

desempenho no trabalho,oferecem um enganoso sucesso inicial, com

perigosasconseqüências futuras.

A pesar de um grande númerode publicações divulgar sérios

estudos que ressaltam os efeitos no-civos das práticas de premiação, es-tas continuam em pleno uso. Nãotem sido fácil convencer administra-dores e consultores em geral a res-peito das restrições e conseqüênciasfuturas da utilização desse tipo deprocedimento. Simples crenças arespeito do assunto parecem estarmuito arraigadas e têm desempenha-do o papel das bases sobre as quais

se tem empenhado, cada vez mais,tempo, inventividade e dinheiro. Oempenho para a elaboração dasmais sofisticadas formas de distri-buir recompensas dentro das orga-nizações atende a campanhas dereconhecimento, que pretendem pri-vilegiar os vencedores dos diferen-tes tipos de concursos de produtivi-dade e qualidade.

Seria conveniente que, antes dese comprometerem definitivamentecom qualquer programa de distribui-

por Cecília Whitaker Bergamini

ção de prêmios, as organizaçõesconsiderassem, com maior prudên-cia, algumas descobertas relevantesa respeito daquilo que significa reco-nhecer o desempenho humano. Essapostura mais cautelosa poderia ate-nuar alguns aborrecimentos futuros,tais como gastos desnecessários,queda da eficácia a médio e longoprazos, bem como descontentamen-to e perda de envolvimento no traba-lho daqueles que se tornaram alvodesses sistemas de recompensas.

Suplemento da RAE RAE Light 17

Premiar não é a solução

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PREMIAR SIGNIFICA CONTROLAR

Atribuir prêmios é, sem dúvida, umaforma socialmente aceita de se exercercontrole sobre o comportamento daspessoas. Nada como o controle parase conseguir dos empregados umatranqüila atitude de submissão tempo-rária às normas, valores culturais e so-licitações da organização.

A prática da premiação apóia-se nasteorias de condicionamento, que redu-zem a dinâmica comporta mental dohomem a processos muito simples e defácil compreensão racional. Esse tipode estudo do comportamento humanofoi divulgado por psicólogos pertencen-tes à escola behaviorista, cujas conclu-sões são resultantes de experimentosfeitos com animais dentro dos seus la-boratórios. Depois desse tipo de inter-pretação das ações humanas, tais psi-cólogos divulgaram que, semelhante-mente aos animais condicionados, ohomem submete-se passivamente aosestimulos do meio ambiente.

Existe um perigoso erro semânticoquando se chama os sistemas de pre-miação de "campanhas de motivação".Mais exato seria chamá-los de campa-nhas de condicionamento ou progra-mas de controle comportamental. Naverdade, nada mais se está propondodo que uma sistemática tipo estímulolresposta, na qual os comportamentosexibidos pelas pessoas representamrespostas ao estímulo oferecido sobforma de prêmios.

Distintivos dourados, viagens, televi-sores, geladeiras, retratos em lugar dedestaque e uma infindável variedadede prêmios têm representado o papelde estimuladores a respostas de me-lhoria de qualidade e produtividade.Sem outra justificativa de maior peso,passou-se a acreditar que a oferta detais prêmios ou sua efetiva distribuiçãoseria a solução para praticamente to-dos os tipos de problemas que eventual-

Os incentivos não

substituem uma boa

e consistente

administração, e não

devem, por isso

mesmo, ser usados

indiscriminadamente

para remediar todo e

qualquer mal. Sem

dúvida, a ciência da

administração tem

atualmente

condições de sugerir

soluções que sejam

específicas e,

portanto, mais

eficazes para cada

tipo de dificuldade.

mente surgem quando se tenciona tra-balhar com pessoas motivadas.

Como as campanhas de premiaçãorompem a rotina do dia-a-dia de traba-lho, na qual se está acostumado a rece-ber, em troca do trabalho feito, apenasum certo ordenado mensal, o sucessomercadolóçico desses sistemas temsido estrondoso. O fato de essas cam-panhas conseguirem mobilizar imedia-tamente grande número de pessoas,que passam a se atropelar umas àsoutras na luta pelo prêmio, difundiu afama de recurso milagroso e do poderde salvação dos prêmios, tal como aágua que se espalha num inclinado

PREMIAR NÃO É A SOLUÇÃO

terreno de superficie encerada. De ime-diato todos parecem dispostos a exibirqualquer tipo de comportamento, desdeque ao final recebam aquilo que lhes foiprometido.

PARA MELHORES RESULTADOS,ESQUeçA OS PRÊMIOS

Sob esse título, Alfie Kohn propõecinco razões pelas quais os planos debenefícios não podem funcionar:

• o pagamento não é motivador:mesmo que as pessoas se mos-trem especialmente preocupadascom seu salário, isso não quer di-zer que o dinheiro as motive. Opagamento representa um meioque lhes possibilita comprar aquiloque querem ou necessitam. Quan-do o dinheiro é pouco, pode irritar,mas isso não é o suficiente para seafirmar que o inverso - muito di-nheiro - traga satisfação e, muitomenos, motivação;

• as recompensas punem: tornando oprêmio contingente a certos com-portamentos, os gerentes manipu-lam seus subordinados; a experiên-cia de estar sendo controlado pelamanipulação levanta a possibilida-de de que também se é punido aqualquer momento;

• as recompensas rompem o relacio-namento: a maneira mais eficaz dese destruir a cooperação é forçaras pessoas a competirem por prê-mios ou por reconhecimento, ouentão classificá-Ias por ordem deexcelência. Cada pessoa que com-pete facilmente considerará a outraum possível obstáculo ao seu pró-prio sucesso;

• os prêmios desencorajam a assu-mir riscos: "Faça isto e você con-seguirá aquilo". Então, de olho nosnúmeros da recompensa, comu-

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CONTRAPONTO

mente se escolhem tarefas maisfáceis ou menos problemáticas;

• os prêmios corroem o interesse:quando o objetivo for realmente aexcelência, nenhum incentivo artifi-cial poderá jamais se igualar ao po-der da motivação intrínseca. Quan-to mais relevância for dada àquiloque alguém pode ganhar por fazerum bom trabalho, mais o valor des-se trabalho se evaporará.

Dentre as polêmicas propostasapresentadas pelo autor, fica implícitaa suposição de que aqueles que sesubmetem aos planos de incentivostêm o direito de imaginar que seu traba-lho deve ser muito aborrecido, uma vezque precisam ser especialmente re-compensados para executá-lo. É comose tivessem percebido que-se há ne-cessidade de serem subornados paradar conta daquilo que devem fazer-isso (o trabalho) deve ser algo quenão seria feito de outra maneira.

PREMIAR PODE DAR TRABALHO

Ao contrário daquilo que habitualmen-te se pensa, lançar mão de qualquer tipode sistemática de premiação por desem-penho requer cuidados muito especiais.

Para Donita S. Wolters, gerente de re-cursos humanos da JMM OperationalServices Inc., as recompensas ou têmsido usadas em excesso ou têm sido pou-co usadas. Isto quer dizer que um planode incentivos pobremente planejado oudisfuncionalmente apropriado pode trazermais danos do que benefícios.

Um dos aspectos a serem levadosem conta refere-se à tentação de seconsiderarem campanhas de premiaçãocomo panacéia para todos os males or-ganizacionais. Os incentivos não subs-tituem uma boa e consistente adminis-tração, e não devem, por isso mesmo,ser usados indiscriminadamente pararemediar todo e qualquer mal. Sem dú-

Distintivos

dourados, viagens,

televisores,

geladeiras, retratos

em lugar de destaque

e uma infindável

variedade de prêmios

têm representado o

papel de

estimuladores a

respostas de

melhoria de

qualidade e

produtividade.

vida, a ciência da administração tematualmente condições de sugerir solu-ções que sejam específicas e, portanto,mais eficazes para cada tipo de dificul-dade.

Antes de seaplicara primeiramedidadeum programa de qualquer tipode premiação, é bom levar emconta que, uma vez instaura-do, o sistema não podemaisser retirado, pois issosignifica punir aque-les que já espera-vam por ele. Maisainda, receber maisque uma vez o mes-mo prêmio ou rece-ber um prêmio demenor valor que oanterior gera insatis-fação. Para fazerefeito, os prêmiosconsecutivos neces-sitam crescer em va-

lar para conservar sua atratividade. Em-presas que se viram obrigadas a que-brar esse tipo de procedimento, devidoaos altos custos que acaba por gerar aolongo do tempo, tiveram surpresas de-sagradáveis. Quase todas elas verifica-ram que seus índices de qualidade eprodutividade retrocederam significati-vamente até permanecerem cronica-mente em patamares inferiores àquelesatingidos antes do início da primeiracampanha.

Por outro lado, atrelar as recompen-sas ao desempenho exige condiçõesmuito especiais quanto ao ambiente or-ganizacional. É necessário promover oenvolvimento dos avaliados por meio deestilos participativos de administração,onde a comunicação flua da maneiramais aberta possível. Especialmentequando as recompensas são atribuídascom base em participação nos lucros,os avaliados precisam não só ter amploacesso às informações dos negócios da

20 RAE Light Janeiro/Fevereiro de 1995

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empresa, como também participar for-malmente do processo decisório.

Assim, a premiação supõe um con-sistente sistema de avaliação de de-sempenho que prime pela objetividadee transparência. Quando o avaliado nãoparticipa desse processo e desconhececomo seu comportamento pode afetarum desempenho específico, fica semreferenciais para valorizar a premiação.Sem conhecer os tipos de esforços queestão realmente sendo recompensadosnão lhe é possível um planejamentopessoal em prol de melhoras contínuase duradouras no desempenho.

A objetividade nos critérios de reco-nhecimento do esforço permitirá, tam-bém, que o candidato à premiação con-sidere até que ponto a recompensa re-cebida está sendo proporcional ao es-forço dispendido. Isso assegura a per-cepção da eqüidade na premiação.Caso os prêmios sejam percebidoscomo insignificantes frente ao esforçodispendido podem até dar a conotaçãode insulto. Se excessivo, o prêmio podegerar desorientação e dúvidas a res-peito das intenções que o encobrem.Os sistemas de premiação por desem-penho deveriam ter a qualidade de per-mitir que o próprio candidato ao prêmiofosse capaz de estimar a recompensaa ser recebida. Só se chega a este pon-to quando se consegue conhecer clara-mente que comportamentos estão, naverdade, sendo considerados comocontributivos e que, por isso, fazem jusà recompensa. Isso desabo na a atribui-ção de prêmios a partir de critérios sub-jetivos, tal como a simples opinião deum superior hierárquico.

Além desses aspectos, a organiza-ção precisa examinar cuidadosamenteseu contingente de supervisores.Aqueles que se qualificam chefes con-troladores são os primeiros a reclamarda ausência dos planos de premiação.Acostumados a dirigir pessoas usandoa prática de pressão, o clássico chefe

Não é sadio

priorizar a motivação

extrinseca,

conseguida pelo

condicionamento

aos prêmios, em

detrimento da

motivação intrínseca.

As pessoas

verdadeiramente

motivadas são

capazes de gerar

suas próprias

energias.

defende seus pontos de vista afirman-do que "caso não se ofereçam recom-pensas, as pessoas não farão nada di-reito". Os supervisores que apenaschefiam seus seguidores justificam as-sim, de forma simplista, sua ineficáciaenquanto líderes. Qualquer exame umpouco mais aprofundado a respeito doverdadeiro conceito de liderança mostraa falsidade da premissa maior do racio-cínio.

Finalmente mesmo que todos essescuidados sejam assegurados é bomsaber que um sistema de premiaçãotem vida curta. Em que pese seus en-tusiasmadores resultados no curto pra-zo, suas conseqüências podem ser la-mentáveis a médio e longo prazos. Nãoé sadio priorizar a motivação extrínse-ca, conseguída pelo condicionamento·aos prêmios, em detrimento da motiva-ção intrínseca. As pessoas verdadeira-mente motivadas são capazes de gerarsuas próprias energias para o trabalho,sustentando-se sozinhas a médio e

PREMIAR NÃO É A SOLUÇÃO

longo prazos. Como já se sabe, inova-ção e excelência são o resultado natu-ral daquelas organizações que buscamajudar as pessoas no sentido do desblo-queio da força individual, representadapela motivação intrínseca. •

Cecília Whitaker Bergamini éProfessora do Deparlamento deAdministração Geral e RecursosHumanos da EAESPIFGV.

Para aprofundar o tema veja:

KOHN, A. Punished by rewards. New York:Houghton Mifflin, 1993.

____ o Why incentive plans cannot work.Harvard Business Review, Boston, v. 71, n. 5,Sept./Ocl. 1993.

____ o For best results, forgel lhe bonus. TheNew York Times, Oct. 17, 1993.

HARVARD Business Review. Rethinking Reward,Perspectives, v. 71, n. 6, Nov.lDec. 1993.

LAELER, 11,E. E. Mofivafion in work organi-zations. New York: Jossey & Bass, 1994.

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