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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros BARATA, RB., et al., orgs. Equidade e saúde: contribuições da epidemiologia [online]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1997. 260 p. EpidemioLógica series, nº1. ISBN: 85-85676-34-5. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.
All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.
Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.
Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.
Parte II - Saúde, economia e sociedade Relação internacional entre eqüidade de renda e expectativa de vida
Richard Wilkinson
Richard Wilkinson
Diversos estudos têm demonstrado que, tanto nos países desenvolvidos
quanto nos menos desenvolvidos, as populações que apresentam menores dife
renças de renda entre seus diversos segmentos tendem a usufrruir melhor saúde.
Rogers (1979), utilizando dados da década de 60, referentes a um grupo de 56
países, descobriu que renda média e distribuição de renda constituíam indicado
res independentes da mortalidade. Mais recentemente, em pesquisa envolvendo
setenta países em diversos estágios de desenvolvimento, Waldmann (1992) en
controu que, controlada a renda real dos 2 0 % mais pobres da população, os au
mentos da renda dos 5 % mais ricos estavam associados ao aumento - e não à
queda - da taxa nacional de mortalidade infantil. W e n n e m o (1993) e Flegg
(1982) mos t ra ram t ambém a re lação entre dis t r ibuição de renda e taxas de
mor ta l idade infantil . Usando dados obt idos a part ir de es tudos t ransversa is ,
* Tradução: Francisco Inácio Bastos & Cecília A. Coutinho
RELAÇÃO INTERNACIONAL ENTRE EQÜIDADE
DE RENDA Ε EXPECTATIVA DE VIDA
bem c o m o dados acerca de tendênc ias t empora i s , Wilkinson (1992, 1994a,
1994b) observou associação entre distribuição de renda e expectat iva de vida
nos países desenvolvidos . Para além da mortalidade, Steckel (1983) descreveu a
correspondência entre estatura média e distribuição de renda. Estas associações
mostraram-se independentes dos efeitos da renda média e da provisão de servi
ços médicos, educação e escolaridade materna (Waldmann, 1992; Steckel, 1983;
Wi lk inson , 1992).
O presente trabalho trata da relação entre renda e mortalidade quase ex
clusivamente sob a perspectiva da análise dos países desenvolvidos. Inicia-se
apontando evidências sugestivas de que, nestes países, a influência da pobreza
na saúde é, fundamentalmente, a influência da renda relativa, da privação relati
va, e não de padrões estritamente materiais. Esta estratégia de estudo fez com
que fossem discutidas algumas indicações de que as trajetórias psicossociais são
provavelmente importantes na relação entre renda relativa e mortalidade dentro
desses países. Finalmente, no caso de as trajetórias psicossociais estarem de fato
envolvidas em vínculos dessa natureza, pode-se concluir que é porque a saúde
provavelmente configura um dos inúmeros parâmetros sociais afetados pela ren
da relativa.
A Figura 1 expõe a conhec ida associação entre pr ivação, ou diferentes
n íveis de status sóc io-econômico , e mor ta l idade . Estes dados provêm do estu
do Whi tehal l , que acompanhou 17 mil funcionários civis ingleses , todos em
pregados de escr i tór ios , classif icados de acordo com o t e m p o de serviço, do
mais ant igo ao mais novo . O gráfico demont ra que as taxas de mor ta l idade
por doenças coronar ianas eram quat ro vezes maiores entre os empregados
mais ant igos do que entre os mais j o v e n s . D o conjunto de causas de mor te -
que não consta do gráfico exibido - há dessemelhança da ordem de t rês ve
zes . O gráfico t a m b é m permi te que se note quão pouca diferença nos r iscos
de doenças cardíacas pode ser expl icada pelos fatores de r isco mais re levan
tes . Pra t icamente , qualquer medida de status econômico e social e qua lquer
m e d i d a de saúde man têm forte re lação entre si.
Exemplificando, a Figura 2 apresenta as taxas de mortalidade de acordo com
as faixas de renda nos Estados Unidos. Os dados provêm de trezentos mil homens
brancos engajados no estudo MRFIT. Ambos os gráficos revelam diferenças na
saúde distribuídas segundo um gradiente que atravessa todas as classes sócio-
econômicas . Este gradiente expressa que estamos lidando não com algo limitado
aos pontos extremos da distribuição, um problema restrito aos mais pobres ou a
qualquer outro grupo, mas algo que atravessa toda a sociedade. Isso traz impli
cações para a natureza das explicações mais plausíveis.
FIGURA 1 - Risco relativo de morte por doença coronariana de acordo com a categoria profissional e proporções de diferença que possam ser explicadas estatisticamente por vários fatores de risco
"Outros" inclui estatura, massa corporal, tempo de atividades de lazer, exercício, tolerância à glicose.
Fonte: Rose et al. (1978).
Apesar da íntima associação que constatamos entre fatores sócio-econô¬
micos e a mortalidade no âmbito dos diversos países, observa-se relação muito
frouxa dos diversos países entre si. Por exemplo, a Figura 3 exibe flutuações no
PIB per capita no que diz respeito a mudanças na expectativa de vida ao longo de
vinte anos (1970 -1990). O PIB per capita foi convertido em "unidades de poder de
compra paritária", de modo que os dados refletissem adequadamente o real padrão
de vida, o controle efetivo das pessoas sobre os recursos, o que não poderia ser ava
liado de outro modo. Em lugar do claro gradiente de mortalidade que vimos no âm
bito dos diversos países, temos aqui um padrão de dispersão aleatório. A relação
transversal entre os grupos não é mais conclusiva. Isso não decorre de erro
amostrai, pois tais casos correspondem a uma nação inteira. N a verdade, indica
de forma consistente que diferenças dos padrões de vida entre países desenvolvi
dos têm pouca relevância para a saúde e, ainda, que as diferenças intrínsecas a
cada país desenvolvido revelam-se extremamente importantes.
FIGURA 2 - Faixa de renda e mortalidade entre homens brancos nos Estados Unidos
Fonte: Dados MRFIT de Davey Smith et al. (1992).
Antes de levarmos a análise adiante, cabe uma breve explicação. As popu
lações nos países menos desenvolvidos obviamente apresentam muito menor ex
pectativa de vida. Esta cresce rapidamente com o incremento do PIB per capita,
até ao ponto em que começa a 'achatar-se ' em determinado limiar - situado em
torno de US$ 5,000.00 em 1990. Os países desenvolvidos estão todos situados
no segmento ' acha tado ' da curva. As diferenças na expectativa de vida entre eles
não podem ser claramente distinguidas pelos níveis do PIB per capita. Com o
passar do tempo, em lugar de os países se moverem ao longo de u m a dada curva
que relaciona a expectativa de vida ao PIB per capita, observa-se deslocamento
da curva, como um todo, para cima. Portanto, é somente entre países desenvolvi
dos que deixa de existir a relação concernente a PIB per capita e expectativa de
vida; mesmo assim, a associação desta com a renda se mantém extremamente
forte no interior destes países.
FIGURA 3 - Acréscimo da expectativa de vida e no PIB per capita nos países da OECD. 1970-1990
Acréscimo em anos da expectativa de vida ao nascer (M&F), 1970-1990
Fonte: OECD (1992) e Banco Mundial (1992).
Este paradoxo talvez possa ser explicado pelo fato de estarmos lidando
com efeitos da renda relativa ou posição sócio-econômica relativa interna aos
países, e não com padrões materiais absolutos. Essa conclusão encontra respaldo
nos dados referentes à distribuição da renda no interior dos países.
Dados internacionalmente comparáveis da distribuição de renda nos paí
ses só recentemente se tornaram disponíveis. A Figura 4 utiliza os primeiros da
dos comparat ivos que pudemos encontrar. Em um corte seccional, apresenta a
relação entre o coeficiente Gini referente à desigualdade de renda e à expectativa
de vida em alguns países da Organização para a Cooperação Econômica e De
senvolvimento (OECD) . Quando constatamos pela primeira vez esta clara rela
ção - estatisticamente significativa apesar do pequeno número de países - ela
era muito menor do que o esperado. Pensamos que existiria, no máximo, uma
fraquíssima associação e, assim, deduzimos que era uma relação provavelmente
espúria, deixando-a de lado por vários anos. A ela retornamos somente depois de
ler um trabalho no qual se dava a conhecer que o Japão, em 1988, possuía a melhor
expectativa de vida e a mais 'aper tada ' distribuição de renda do mundo (Marmot
& Davey Smith, 1989).
Como a Figura 4 evidencia, o Japão em 1970 estava situado em posição
intermediária tanto no que diz respeito à distribuição de renda quanto à expecta
tiva de vida. A mudança simultânea e paralela em ambos os parâmetros pareceu-
nos mais do que coincidência e passamos então a procurar dados comparat ivos
internacionais de distribuição de renda que nos permitissem analisar mudanças
ao longo do tempo.
FIGURA 4 - Expectativa de vida (M&F) e coeficiente GINI de
desigualdade na distribuição de renda - após imposto de
renda - (ajustado pelo tamanho de domicílio)
Expectativa de vida 1970 (M&F associados)
Pequena desigualdade Grande desigualdade
* O coeficiente GINI mede o grau de desigualdade de renda - não apenas entre ricos e pobres, mas no conjunto da população. Quanto maior o coeficiente, maior a desigualdade. Se todos tivessem a mesma renda, o coeficiente seria 0%. Se toda renda fosse para um indivíduo e os demais não tivessem nada, o coeficiente seria 100%.
Fonte: Wilkinson (1986).
Uma das primeiras fontes que encontramos foi proveniente de um estudo
relativo à Comunidade Européia (CE). A Figura 5 mostra as alterações na pro
porção de habitantes vivendo em relativa pobreza nos então doze Estados-mem¬
bros da CE, durante o período de 1975 a 1985, e sua ligação com o incremento
médio anual da expectativa de vida. Embora se tratasse somente de doze países,
esta relação mostrou-se estatisticamente significativa.
FIGURA 5 - Taxa anual de mudança da expectativa de vida em doze países
da Comunidade Européia e taxa de mudança na percentagem
da população em relativa pobreza -1975-1985
Fonte: O'Higgins & Jenkins (1990).
A Figura 6 revela outro aspecto das mudanças ao longo do tempo median
te a utilização de dados de estudo sobre renda de Luxemburgo. Os dados reve
lam mudanças na divisão de renda, a qual se desloca para a metade menos prós
pera da população, e as taxas relativas às alterações na expectativa de vida. Os
períodos assimétricos, em que se podem observar as mudanças aqui registradas,
foram definidos a partir dos dados disponíveis. Novamente , a relação é estatisti
camente significativa.
FIGURA 6 - Mudanças na distribuição de renda e expectativa de vida em diferentes países no período de cinco a dez anos
0.00 1
Mudança anual na percentagem da renda recebida pelos 50% em situação menos favorável (ajustado pelo tamanho do domicílio)
Fonte: Dados do Estudo sobre Renda de Luxemburgo.
Nosso propósito, ao expor aqui os dados gerais nacionais e internacionais,
é o de distinguir os efeitos da renda relativa e absoluta, em uma análise que não
é factível quanto aos dados da renda individual. Afinal, não são os indivíduos e
sim as sociedades que apresentam distribuição de renda. A questão de estabele
cer se a mortalidade está associada de forma causal à renda de qualquer natureza
tem sido analisada em separado (Wilkinson, 1990).
Essas relações não desaparecem quando controladas para os gastos do go
verno com os serviços de saúde ou outras áreas dos gastos públicos. Igualmente,
não é plausível que efeitos dessa ordem sobre a mortalidade sejam secundários a
segmentos dos gastos públicos. A visão generalizada entre os epidemiologistas é
a de que o impacto global da assistência médica não é um dos principais parâ
metros definidores dos índices globais de saúde e de expectativa de vida da po
pulação dos países desenvolvidos (Mackenbach et al., 1990). Isto não significa
que a assistência médica seja ineficiente: na verdade, ela se vê amesquinhada
pela força dos fatores sociais e econômicos. Qualquer um pode estabelecer ana
logia com o corpo médico militar que, embora efetivo, nunca é o principal deter
minante do número de mortes que ocorrem em uma batalha. O que importa é a
incidência do câncer e de doenças cardíacas, resultantes do ambiente social e mate
rial em que vivemos e trabalhamos, não as pequenas diferenças relativas às taxas
de letalidade relativas a cada caso, índices que sofrem influência da atuação da
medicina.
A magni tude das diferenças concernentes à expectativa de vida, que estão
associadas às mudanças na distribuição de renda, é relevante. Considerando o
que pode ser extraído dos dados disponíveis, a correlação entre expectativa de
vida em diferentes países e distribuição de renda é muito mais forte quando se
leva em conta não a proporção da renda que cabe aos 10, 20 ou mesmo aos 3 0 %
mais pobres da população, mas quando se considera a proporção da renda auferi
da pela metade menos aquinhoada da sociedade.
T a m b é m sugerem efeitos genera l izados as comparações dos gradientes
de mor ta l idade por c lasse social na Inglaterra, País de Gales e Suécia , onde a
d is t r ibuição de renda é mais homogênea . Os gradientes regis t rados na Suécia ,
seja em re lação à mor ta l idade infantil seja à mor ta l idade entre adul tos , não se
apresentam tão marcados c o m o na Inglaterra e País de Gales (Wi lk inson ,
1994a). Cons ta ta -se que , ao longo do t empo , ocorreram mudanças súbi tas na
dis t r ibuição de renda. A Figura 7 most ra as tendências na dis t r ibuição de ren
da no per íodo de 1977-91 . Observa-se que o leque da dis t r ibuição de renda
ampl ia-se g radua lmente até meados dos anos 80, per íodo em que de fato co
meça a di latar-se em r i tmo mui to ace lerado.
Se as relações internacionais entre distribuição de renda e mortalidade,
que v imos anteriormente, refletem os efeitos da renda relativa sobre a mortalida
de, bem como se o aumento das desvantagens registradas entre as pessoas per
tencentes aos estratos sociais inferiores não for compensada pelo incremento das
vantagens relativas à mortalidade nos estratos superiores, podemos supor que se
rão observados impactos nas taxas de mortalidade britânicas em função da am
pliação do leque de distribuição de renda nos anos 80.
FIGURA 7 - Ampliando as diferenças de renda
Distribuição da renda ajustada por tamanho do domicílio, GB3
Fonte: CSO (1993), com agradecimentos a Atkinson.
A Figura 8 aponta as tendências nas taxas nacionais de mortalidade de
três grupos etários, entre 1975 e 1992. Os três segmentos do gráfico de barras
sombreadas apresentam: a mortalidade infantil precoce no segmento inferior de
cada barra; das crianças de um a 19 anos no segmento intermediário; e dos adul
tos de vinte a 44 anos no segmento situado na parte superior da barra. Os dados
de crianças e adultos são padronizados, por idade, para cada grupo de cinco anos
de intervalo. Cada segmento é definido como cem para o ano de 1985 e, com
isso, as colunas totalizam trezentas naquele ano. As três linhas com inclinação
diagonal descendente, por detrás das projeções simplificadas de tendências, indi
cam os índices de descenso das taxas de mortalidade observados entre 1975 e
1984. O fato de que, ao final dos anos 80, a mortalidade relativa dos três grupos
de idade, representados nas colunas, não tenha experimentado um descenso tão
rápido quanto as linhas diagonais permite mensurar a redução do declínio da
mortalidade que teve lugar em cada um dos grupos etários nos anos 80.
A possibilidade de que essa diminuição no declínio da mortalidade possa
ser atribuída à ampliação dos diferenciais de renda não deve ser inferida somen
te a partir dos dados internacionais que relacionam distribuição de renda e ex
pectativa de vida. Há outra evidência que manifesta a derivação de tais tendên¬
cias do que vem ocorrendo com a mortalidade nas áreas mais pobres da Grã-
Bretanha.
FIGURA 8 - Índices relativos a mudanças nas taxas de mortalidade entre jovens adultos, crianças e bebês (1985 = 100 em cada grupo de idade)
Fonte: Wilkinson (1994).
Existem hoje três pequenos estudos regionais reveladores de que os dife
renciais de mortalidade também se alargaram quando os diferenciais sócio-eco¬
nômicos se ampliaram entre as diferentes áreas, no período compreendido entre
os censos de 1981 e de 1991, na Grã-Bretanha (Phillimore et al., 1994; M c L o o ¬
ne & Boddy, 1994). N a s áreas mais pobres, as taxas de mortalidade realmente
aumentaram em alguns grupos etários. Comparada ao restante da Escócia, a
mortalidade em Glasgow, que é a parte mais carente desse país, acresceu; e pre
cisamente de 1985 em diante (Greater Glasgow Health Board, 1993).
Ao que tudo indica, o fato de estarmos lidando, antes com o efeito da ren
da relativa do que com o da renda absoluta, sugere o envolvimento de processos
comparat ivos e, portanto, cognitivos. O não-pareamento dos dados intrínsecos
aos países e dos dados entre diferentes países sugere que não estamos trabalhan
do com efeitos sobre a saúde dos padrões de vida exclusivamente biológicos nos
diversos países. Ao invés de a saúde ser influenciada primeiramente pelo que
acontece a cada um e ao seu padrão de vida singular, sem levar em conta os ou
tros, o que importa é onde cada um se situa em relação ao restante da sociedade.
Embora a nutrição exerça efeito direto na saúde, e habitações úmidas tenham
efeito sobre as doenças respiratórias, estes não são amplos o suficiente para ex
plicar os dados que estamos discutindo.
Pesquisas epidemiológicas fornecem numerosos exemplos de influências
dos fatores psicossociais na saúde e na mortalidade. Estudos referentes ao de
semprego e saúde, em particular aqueles sobre o fechamento de fábricas, mos
tram que a saúde se deteriora não só quando o indivíduo fica desempregado, mas
também quando os postos de trabalho supérfluos são previamente anunciados e as
pessoas passam a preocupar-se com a segurança no emprego (Beale & Nethercott,
1988; C o b b & Kasl , 1977; Iversen & Klausen, 1981). Em larga medida, é a
antecipação do desemprego o que importa e implica vínculo psicossocial. O au
mento da mão-de-obra marginal em países desenvolvidos certamente vem afe
tando a saúde. A evidência da força dos fatores psicossociais também provém de
estudos observacionais relativos às taxas de mortalidade entre pessoas e comuni
dades depois de perdas ou após reveses importantes.
Há também grande número de evidências experimentais que demonstram
a influência de fatores psicossociais sobre a saúde. Estabelecida a comparação
com um grupo-controle, em que foram instiladas gotas nasais de água pura des
tilada, o risco para indivíduos, que receberam gotas contendo vírus causadores
do resfriado, de desenvolverem os sintomas manifestou-se estreitamente relacio
nado a seus níveis de estresse, mensurados antecipadamente (Cohen, Tyrrell &
Smith, 1991). Existem inúmeros experimentos desse tipo, além de uma indústria
florescente da psiconeuroimunologia e da psiconeuroendocrinologia voltada à
análise de tais associações.
Se, de fato, a distribuição de renda tem impacto poderoso nas taxas de
mortalidade através de ' cana is ' psicossociais, da mesma forma seus efeitos cer
tamente devem ser visíveis dentre os demais indicadores sociais. Pondo de lado
a mortal idade, há poucas formas de mensurar o bem-estar ou indicadores psicos
sociais que possam conduzir a comparações internacionais. As taxas de crimes
registrados são afetadas pelas diferenças de um país para outro quanto ao regis
tro da informação, leis, práticas legais e diversas circunstâncias. Por exemplo ,
cr imes ligados a automóveis são, em parte, função da disponibilidade deste tipo
de veículo. O próprio rastreamento de indicadores de bem-estar psicossocial nos
países é bastante difícil. N ã o somente as medidas são extremamente imprecisas,
mas também fortemente influenciadas pelas variações relativas ao registro de in
formações. Todavia, esses problemas são menos graves quando se estabelecem
comparações dentro de um mesmo país ao longo do tempo.
Uma área onde existem medidas razoavelmente válidas, que refletiriam
mudanças no bem-estar psicossocial das crianças, é a dos padrões de leitura nas
escolas primárias. Dispõe-se aqui de a lgumas medidas padronizadas, utilizadas
em grande número de crianças. Sugerimos recentemente (Wilkinson, 1994a) que
as mesmas pressões psicossociais decorrentes da ampliação do leque da distri
buição de renda e do incremento da 'pr ivação ' relativa na Grã-Bretanha, ao lon
go dos anos 80, afetou o bem-estar das crianças através dos conflitos familiares,
estresse financeiro experimentado pelo pais, insegurança no trabalho, 'p r ivação '
relativa, depressão e outros fatores correlatos.
A o final dos anos 80, surgiu controvérsia importante na Grã-Bretanha
acerca do decl ínio dos padrões escolares referentes à capac idade de leitura.
Três pesquisas foram desenvolv idas de modo a verificar a verac idade dessas
tendênc ias (Gorman & Fernandes , 1992; Lake, 1991; London Borough of
Croydon , 1992). Todas sugeriram que houve decl ínio, e identif icaram 1985
c o m o o ano 'd iv i sor de á g u a s ' .
A Figura 9 exibe dados relativos ao Condado de Buckinghamshire, onde
os mesmos testes de leitura foram utilizados em todas as crianças em anos sub
seqüentes. Ela mostra declínio estatisticamente significativo nos padrões de lei
tura a partir de 1985. Além disso, os três estudos concluíram que os métodos di
dáticos não explicavam tal declínio - apesar das sugestões governamentais no
sentido oposto. O estudo nacional revelou que a deterioração teve lugar nas
áreas centrais e empobrecidas da cidade; os estudos locais evidenciaram que isso
aconteceu em escolas cujas áreas de abrangência eram mais pobres. N ã o resta
dúvida de que o desempenho educacional é afetado pelas circunstâncias sócio-
econômicas. Enquanto a média nacional é de que 1/4 ou 1/3 de todas as crianças
em qualquer classe escolar são provenientes de lares relativamente pobres, em
áreas mais pobres esta proporção pode subir para 2/3 ou 3/4 do total - nestes ca
sos, supõe-se que o ensino e o aprendizado se tornam mais difíceis.
FIGURA 9 - Declínio dos padrões de leitura
Escores para o teste de leitura Chiltem para todos os escolares entre 7 e 8 anos de
Buckinghamshire
Fonte: Lake (1991) .
Os dados exibidos na Figura 10 provêm da coorte de nascimentos de
1970, na Grã-Bretanha (Woodroffe et al., 1993). Entre as crianças de dez anos,
ela revela diferenças quanto à hiperatividade, distúrbios de conduta e ansiedade
segundo classe social. Embora as classes sociais não sejam idênticas às faixas de
renda, os resultados talvez sejam sugestivos dos processos que correlacionam a
pobreza relativa entre as famílias aos escores obtidos nos testes de leitura das
crianças a elas pertencentes. Associado a isso, no estudo referente à coorte de
nascimento do ano de 1958, encontrou-se que a avaliação, por parte dos profes
sores, do comportamento na idade de 16 anos foi considerado o melhor prognós
tico de saúde na idade de 23 anos; com isso, temos um princípio de explicação
de como os efeitos psicossociais secundários à ampliação do leque de distribui
ção de renda pode afetar a saúde e a vida social (Power, Manor & Fox, 1991).
A sugestão de que fatores psicossociais representam o elo entre distribui
ção de renda e mortalidade encontra apoio nas causas de morte mais diretamente
envolvidas. U m a vez desagregada a relação entre distribuição de renda e expec
tativa de vida nos países desenvolvidos quanto às causas distintas de morte, en¬
contramos que, embora as infecções e as mortes secundárias a doenças cardio¬
vasculares também estejam implicadas, as correlações mais fortes são as con
cernentes às doenças crônicas do fígado e à cirrose, bem como aos acidentes e
lesões externas. Mortes secundárias a essas causas podem, de forma plausível,
ser vinculadas ao estresse psicossocial e aos padrões de comportamento social.
A idéia de que as diferenças de renda devam ser reduzidas é muitas vezes
contestada, alegando-se que isto reduziria as taxas de crescimento econômico.
Mas a visão que temos de uma escolha entre crescimento e eqüidade encontra
pouco apoio nas evidências estatísticas recentes. Tanto os dados de estudos sec
cionais como de estudos que envolvem séries temporais indicam que a maior eqüi
dade na distribuição de renda está associada a crescimento econômico mais rápido -
e não mais lento (Persson et al., 1994). Os oito países asiáticos de crescimento
econômico mais acelerado reduziram suas diferenças de renda entre 1960 e
1980 (Birdsall et al. , 1994). O crescimento do investimento e da produtividade
tende a ser mais alto em países onde as diferenças de renda são menores (Alesina &
Perotti, 1993; Glyn & Miliband, 1994).
F I G U R A 10 - Problemas comportamentais na idade de 10 anos: classe
social. Grã-Bretanha - 1 9 8 0
Fonte: Dados da coorte de nascimentos na Grã-Bretanha em 1970 em A. Osborn, apud Woodroffe et al. (1993).
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