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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros BARATA, RB., et al., orgs. Equidade e saúde: contribuições da epidemiologia [online]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1997. 260 p. EpidemioLógica series, nº1. ISBN: 85-85676-34-5. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org >. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Parte II - Saúde, economia e sociedade Relação internacional entre eqüidade de renda e expectativa de vida Richard Wilkinson

Parte II - Saúde, economia e sociedadebooks.scielo.org/id/3y5xk/pdf/barata-9788575412640-07.pdf · bem como dados acerca de tendências temporais, Wilkinson (1992, 1994a, 1994b)

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros BARATA, RB., et al., orgs. Equidade e saúde: contribuições da epidemiologia [online]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1997. 260 p. EpidemioLógica series, nº1. ISBN: 85-85676-34-5. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Parte II - Saúde, economia e sociedade Relação internacional entre eqüidade de renda e expectativa de vida

Richard Wilkinson

Richard Wilkinson

Diversos estudos têm demonstrado que, tanto nos países desenvolvidos

quanto nos menos desenvolvidos, as populações que apresentam menores dife­

renças de renda entre seus diversos segmentos tendem a usufrruir melhor saúde.

Rogers (1979), utilizando dados da década de 60, referentes a um grupo de 56

países, descobriu que renda média e distribuição de renda constituíam indicado­

res independentes da mortalidade. Mais recentemente, em pesquisa envolvendo

setenta países em diversos estágios de desenvolvimento, Waldmann (1992) en­

controu que, controlada a renda real dos 2 0 % mais pobres da população, os au­

mentos da renda dos 5 % mais ricos estavam associados ao aumento - e não à

queda - da taxa nacional de mortalidade infantil. W e n n e m o (1993) e Flegg

(1982) mos t ra ram t ambém a re lação entre dis t r ibuição de renda e taxas de

mor ta l idade infantil . Usando dados obt idos a part ir de es tudos t ransversa is ,

* Tradução: Francisco Inácio Bastos & Cecília A. Coutinho

RELAÇÃO INTERNACIONAL ENTRE EQÜIDADE

DE RENDA Ε EXPECTATIVA DE VIDA

bem c o m o dados acerca de tendênc ias t empora i s , Wilkinson (1992, 1994a,

1994b) observou associação entre distribuição de renda e expectat iva de vida

nos países desenvolvidos . Para além da mortalidade, Steckel (1983) descreveu a

correspondência entre estatura média e distribuição de renda. Estas associações

mostraram-se independentes dos efeitos da renda média e da provisão de servi­

ços médicos, educação e escolaridade materna (Waldmann, 1992; Steckel, 1983;

Wi lk inson , 1992).

O presente trabalho trata da relação entre renda e mortalidade quase ex­

clusivamente sob a perspectiva da análise dos países desenvolvidos. Inicia-se

apontando evidências sugestivas de que, nestes países, a influência da pobreza

na saúde é, fundamentalmente, a influência da renda relativa, da privação relati­

va, e não de padrões estritamente materiais. Esta estratégia de estudo fez com

que fossem discutidas algumas indicações de que as trajetórias psicossociais são

provavelmente importantes na relação entre renda relativa e mortalidade dentro

desses países. Finalmente, no caso de as trajetórias psicossociais estarem de fato

envolvidas em vínculos dessa natureza, pode-se concluir que é porque a saúde

provavelmente configura um dos inúmeros parâmetros sociais afetados pela ren­

da relativa.

A Figura 1 expõe a conhec ida associação entre pr ivação, ou diferentes

n íveis de status sóc io-econômico , e mor ta l idade . Estes dados provêm do estu­

do Whi tehal l , que acompanhou 17 mil funcionários civis ingleses , todos em­

pregados de escr i tór ios , classif icados de acordo com o t e m p o de serviço, do

mais ant igo ao mais novo . O gráfico demont ra que as taxas de mor ta l idade

por doenças coronar ianas eram quat ro vezes maiores entre os empregados

mais ant igos do que entre os mais j o v e n s . D o conjunto de causas de mor te -

que não consta do gráfico exibido - há dessemelhança da ordem de t rês ve­

zes . O gráfico t a m b é m permi te que se note quão pouca diferença nos r iscos

de doenças cardíacas pode ser expl icada pelos fatores de r isco mais re levan­

tes . Pra t icamente , qualquer medida de status econômico e social e qua lquer

m e d i d a de saúde man têm forte re lação entre si.

Exemplificando, a Figura 2 apresenta as taxas de mortalidade de acordo com

as faixas de renda nos Estados Unidos. Os dados provêm de trezentos mil homens

brancos engajados no estudo MRFIT. Ambos os gráficos revelam diferenças na

saúde distribuídas segundo um gradiente que atravessa todas as classes sócio-

econômicas . Este gradiente expressa que estamos lidando não com algo limitado

aos pontos extremos da distribuição, um problema restrito aos mais pobres ou a

qualquer outro grupo, mas algo que atravessa toda a sociedade. Isso traz impli­

cações para a natureza das explicações mais plausíveis.

FIGURA 1 - Risco relativo de morte por doença coronariana de acordo com a categoria profissional e proporções de diferença que possam ser explicadas estatisticamente por vários fatores de risco

"Outros" inclui estatura, massa corporal, tempo de atividades de lazer, exercício, tolerância à glicose.

Fonte: Rose et al. (1978).

Apesar da íntima associação que constatamos entre fatores sócio-econô¬

micos e a mortalidade no âmbito dos diversos países, observa-se relação muito

frouxa dos diversos países entre si. Por exemplo, a Figura 3 exibe flutuações no

PIB per capita no que diz respeito a mudanças na expectativa de vida ao longo de

vinte anos (1970 -1990). O PIB per capita foi convertido em "unidades de poder de

compra paritária", de modo que os dados refletissem adequadamente o real padrão

de vida, o controle efetivo das pessoas sobre os recursos, o que não poderia ser ava­

liado de outro modo. Em lugar do claro gradiente de mortalidade que vimos no âm­

bito dos diversos países, temos aqui um padrão de dispersão aleatório. A relação

transversal entre os grupos não é mais conclusiva. Isso não decorre de erro

amostrai, pois tais casos correspondem a uma nação inteira. N a verdade, indica

de forma consistente que diferenças dos padrões de vida entre países desenvolvi­

dos têm pouca relevância para a saúde e, ainda, que as diferenças intrínsecas a

cada país desenvolvido revelam-se extremamente importantes.

FIGURA 2 - Faixa de renda e mortalidade entre homens brancos nos Estados Unidos

Fonte: Dados MRFIT de Davey Smith et al. (1992).

Antes de levarmos a análise adiante, cabe uma breve explicação. As popu­

lações nos países menos desenvolvidos obviamente apresentam muito menor ex­

pectativa de vida. Esta cresce rapidamente com o incremento do PIB per capita,

até ao ponto em que começa a 'achatar-se ' em determinado limiar - situado em

torno de US$ 5,000.00 em 1990. Os países desenvolvidos estão todos situados

no segmento ' acha tado ' da curva. As diferenças na expectativa de vida entre eles

não podem ser claramente distinguidas pelos níveis do PIB per capita. Com o

passar do tempo, em lugar de os países se moverem ao longo de u m a dada curva

que relaciona a expectativa de vida ao PIB per capita, observa-se deslocamento

da curva, como um todo, para cima. Portanto, é somente entre países desenvolvi­

dos que deixa de existir a relação concernente a PIB per capita e expectativa de

vida; mesmo assim, a associação desta com a renda se mantém extremamente

forte no interior destes países.

FIGURA 3 - Acréscimo da expectativa de vida e no PIB per capita nos países da OECD. 1970-1990

Acréscimo em anos da expectativa de vida ao nascer (M&F), 1970-1990

Fonte: OECD (1992) e Banco Mundial (1992).

Este paradoxo talvez possa ser explicado pelo fato de estarmos lidando

com efeitos da renda relativa ou posição sócio-econômica relativa interna aos

países, e não com padrões materiais absolutos. Essa conclusão encontra respaldo

nos dados referentes à distribuição da renda no interior dos países.

Dados internacionalmente comparáveis da distribuição de renda nos paí­

ses só recentemente se tornaram disponíveis. A Figura 4 utiliza os primeiros da­

dos comparat ivos que pudemos encontrar. Em um corte seccional, apresenta a

relação entre o coeficiente Gini referente à desigualdade de renda e à expectativa

de vida em alguns países da Organização para a Cooperação Econômica e De­

senvolvimento (OECD) . Quando constatamos pela primeira vez esta clara rela­

ção - estatisticamente significativa apesar do pequeno número de países - ela

era muito menor do que o esperado. Pensamos que existiria, no máximo, uma

fraquíssima associação e, assim, deduzimos que era uma relação provavelmente

espúria, deixando-a de lado por vários anos. A ela retornamos somente depois de

ler um trabalho no qual se dava a conhecer que o Japão, em 1988, possuía a melhor

expectativa de vida e a mais 'aper tada ' distribuição de renda do mundo (Marmot

& Davey Smith, 1989).

Como a Figura 4 evidencia, o Japão em 1970 estava situado em posição

intermediária tanto no que diz respeito à distribuição de renda quanto à expecta­

tiva de vida. A mudança simultânea e paralela em ambos os parâmetros pareceu-

nos mais do que coincidência e passamos então a procurar dados comparat ivos

internacionais de distribuição de renda que nos permitissem analisar mudanças

ao longo do tempo.

FIGURA 4 - Expectativa de vida (M&F) e coeficiente GINI de

desigualdade na distribuição de renda - após imposto de

renda - (ajustado pelo tamanho de domicílio)

Expectativa de vida 1970 (M&F associados)

Pequena desigualdade Grande desigualdade

* O coeficiente GINI mede o grau de desigualdade de renda - não apenas entre ricos e pobres, mas no conjunto da população. Quanto maior o coeficiente, maior a desigualdade. Se todos tivessem a mesma renda, o coeficiente seria 0%. Se toda renda fosse para um indivíduo e os demais não tivessem nada, o coeficiente seria 100%.

Fonte: Wilkinson (1986).

Uma das primeiras fontes que encontramos foi proveniente de um estudo

relativo à Comunidade Européia (CE). A Figura 5 mostra as alterações na pro­

porção de habitantes vivendo em relativa pobreza nos então doze Estados-mem¬

bros da CE, durante o período de 1975 a 1985, e sua ligação com o incremento

médio anual da expectativa de vida. Embora se tratasse somente de doze países,

esta relação mostrou-se estatisticamente significativa.

FIGURA 5 - Taxa anual de mudança da expectativa de vida em doze países

da Comunidade Européia e taxa de mudança na percentagem

da população em relativa pobreza -1975-1985

Fonte: O'Higgins & Jenkins (1990).

A Figura 6 revela outro aspecto das mudanças ao longo do tempo median­

te a utilização de dados de estudo sobre renda de Luxemburgo. Os dados reve­

lam mudanças na divisão de renda, a qual se desloca para a metade menos prós­

pera da população, e as taxas relativas às alterações na expectativa de vida. Os

períodos assimétricos, em que se podem observar as mudanças aqui registradas,

foram definidos a partir dos dados disponíveis. Novamente , a relação é estatisti­

camente significativa.

FIGURA 6 - Mudanças na distribuição de renda e expectativa de vida em diferentes países no período de cinco a dez anos

0.00 1

Mudança anual na percentagem da renda recebida pelos 50% em situação menos favorável (ajustado pelo tamanho do domicílio)

Fonte: Dados do Estudo sobre Renda de Luxemburgo.

Nosso propósito, ao expor aqui os dados gerais nacionais e internacionais,

é o de distinguir os efeitos da renda relativa e absoluta, em uma análise que não

é factível quanto aos dados da renda individual. Afinal, não são os indivíduos e

sim as sociedades que apresentam distribuição de renda. A questão de estabele­

cer se a mortalidade está associada de forma causal à renda de qualquer natureza

tem sido analisada em separado (Wilkinson, 1990).

Essas relações não desaparecem quando controladas para os gastos do go­

verno com os serviços de saúde ou outras áreas dos gastos públicos. Igualmente,

não é plausível que efeitos dessa ordem sobre a mortalidade sejam secundários a

segmentos dos gastos públicos. A visão generalizada entre os epidemiologistas é

a de que o impacto global da assistência médica não é um dos principais parâ­

metros definidores dos índices globais de saúde e de expectativa de vida da po­

pulação dos países desenvolvidos (Mackenbach et al., 1990). Isto não significa

que a assistência médica seja ineficiente: na verdade, ela se vê amesquinhada

pela força dos fatores sociais e econômicos. Qualquer um pode estabelecer ana­

logia com o corpo médico militar que, embora efetivo, nunca é o principal deter­

minante do número de mortes que ocorrem em uma batalha. O que importa é a

incidência do câncer e de doenças cardíacas, resultantes do ambiente social e mate­

rial em que vivemos e trabalhamos, não as pequenas diferenças relativas às taxas

de letalidade relativas a cada caso, índices que sofrem influência da atuação da

medicina.

A magni tude das diferenças concernentes à expectativa de vida, que estão

associadas às mudanças na distribuição de renda, é relevante. Considerando o

que pode ser extraído dos dados disponíveis, a correlação entre expectativa de

vida em diferentes países e distribuição de renda é muito mais forte quando se

leva em conta não a proporção da renda que cabe aos 10, 20 ou mesmo aos 3 0 %

mais pobres da população, mas quando se considera a proporção da renda auferi­

da pela metade menos aquinhoada da sociedade.

T a m b é m sugerem efeitos genera l izados as comparações dos gradientes

de mor ta l idade por c lasse social na Inglaterra, País de Gales e Suécia , onde a

d is t r ibuição de renda é mais homogênea . Os gradientes regis t rados na Suécia ,

seja em re lação à mor ta l idade infantil seja à mor ta l idade entre adul tos , não se

apresentam tão marcados c o m o na Inglaterra e País de Gales (Wi lk inson ,

1994a). Cons ta ta -se que , ao longo do t empo , ocorreram mudanças súbi tas na

dis t r ibuição de renda. A Figura 7 most ra as tendências na dis t r ibuição de ren­

da no per íodo de 1977-91 . Observa-se que o leque da dis t r ibuição de renda

ampl ia-se g radua lmente até meados dos anos 80, per íodo em que de fato co ­

meça a di latar-se em r i tmo mui to ace lerado.

Se as relações internacionais entre distribuição de renda e mortalidade,

que v imos anteriormente, refletem os efeitos da renda relativa sobre a mortalida­

de, bem como se o aumento das desvantagens registradas entre as pessoas per­

tencentes aos estratos sociais inferiores não for compensada pelo incremento das

vantagens relativas à mortalidade nos estratos superiores, podemos supor que se­

rão observados impactos nas taxas de mortalidade britânicas em função da am­

pliação do leque de distribuição de renda nos anos 80.

FIGURA 7 - Ampliando as diferenças de renda

Distribuição da renda ajustada por tamanho do domicílio, GB3

Fonte: CSO (1993), com agradecimentos a Atkinson.

A Figura 8 aponta as tendências nas taxas nacionais de mortalidade de

três grupos etários, entre 1975 e 1992. Os três segmentos do gráfico de barras

sombreadas apresentam: a mortalidade infantil precoce no segmento inferior de

cada barra; das crianças de um a 19 anos no segmento intermediário; e dos adul­

tos de vinte a 44 anos no segmento situado na parte superior da barra. Os dados

de crianças e adultos são padronizados, por idade, para cada grupo de cinco anos

de intervalo. Cada segmento é definido como cem para o ano de 1985 e, com

isso, as colunas totalizam trezentas naquele ano. As três linhas com inclinação

diagonal descendente, por detrás das projeções simplificadas de tendências, indi­

cam os índices de descenso das taxas de mortalidade observados entre 1975 e

1984. O fato de que, ao final dos anos 80, a mortalidade relativa dos três grupos

de idade, representados nas colunas, não tenha experimentado um descenso tão

rápido quanto as linhas diagonais permite mensurar a redução do declínio da

mortalidade que teve lugar em cada um dos grupos etários nos anos 80.

A possibilidade de que essa diminuição no declínio da mortalidade possa

ser atribuída à ampliação dos diferenciais de renda não deve ser inferida somen­

te a partir dos dados internacionais que relacionam distribuição de renda e ex­

pectativa de vida. Há outra evidência que manifesta a derivação de tais tendên¬

cias do que vem ocorrendo com a mortalidade nas áreas mais pobres da Grã-

Bretanha.

FIGURA 8 - Índices relativos a mudanças nas taxas de mortalidade entre jovens adultos, crianças e bebês (1985 = 100 em cada grupo de idade)

Fonte: Wilkinson (1994).

Existem hoje três pequenos estudos regionais reveladores de que os dife­

renciais de mortalidade também se alargaram quando os diferenciais sócio-eco¬

nômicos se ampliaram entre as diferentes áreas, no período compreendido entre

os censos de 1981 e de 1991, na Grã-Bretanha (Phillimore et al., 1994; M c L o o ¬

ne & Boddy, 1994). N a s áreas mais pobres, as taxas de mortalidade realmente

aumentaram em alguns grupos etários. Comparada ao restante da Escócia, a

mortalidade em Glasgow, que é a parte mais carente desse país, acresceu; e pre­

cisamente de 1985 em diante (Greater Glasgow Health Board, 1993).

Ao que tudo indica, o fato de estarmos lidando, antes com o efeito da ren­

da relativa do que com o da renda absoluta, sugere o envolvimento de processos

comparat ivos e, portanto, cognitivos. O não-pareamento dos dados intrínsecos

aos países e dos dados entre diferentes países sugere que não estamos trabalhan­

do com efeitos sobre a saúde dos padrões de vida exclusivamente biológicos nos

diversos países. Ao invés de a saúde ser influenciada primeiramente pelo que

acontece a cada um e ao seu padrão de vida singular, sem levar em conta os ou­

tros, o que importa é onde cada um se situa em relação ao restante da sociedade.

Embora a nutrição exerça efeito direto na saúde, e habitações úmidas tenham

efeito sobre as doenças respiratórias, estes não são amplos o suficiente para ex­

plicar os dados que estamos discutindo.

Pesquisas epidemiológicas fornecem numerosos exemplos de influências

dos fatores psicossociais na saúde e na mortalidade. Estudos referentes ao de­

semprego e saúde, em particular aqueles sobre o fechamento de fábricas, mos­

tram que a saúde se deteriora não só quando o indivíduo fica desempregado, mas

também quando os postos de trabalho supérfluos são previamente anunciados e as

pessoas passam a preocupar-se com a segurança no emprego (Beale & Nethercott,

1988; C o b b & Kasl , 1977; Iversen & Klausen, 1981). Em larga medida, é a

antecipação do desemprego o que importa e implica vínculo psicossocial. O au­

mento da mão-de-obra marginal em países desenvolvidos certamente vem afe­

tando a saúde. A evidência da força dos fatores psicossociais também provém de

estudos observacionais relativos às taxas de mortalidade entre pessoas e comuni­

dades depois de perdas ou após reveses importantes.

Há também grande número de evidências experimentais que demonstram

a influência de fatores psicossociais sobre a saúde. Estabelecida a comparação

com um grupo-controle, em que foram instiladas gotas nasais de água pura des­

tilada, o risco para indivíduos, que receberam gotas contendo vírus causadores

do resfriado, de desenvolverem os sintomas manifestou-se estreitamente relacio­

nado a seus níveis de estresse, mensurados antecipadamente (Cohen, Tyrrell &

Smith, 1991). Existem inúmeros experimentos desse tipo, além de uma indústria

florescente da psiconeuroimunologia e da psiconeuroendocrinologia voltada à

análise de tais associações.

Se, de fato, a distribuição de renda tem impacto poderoso nas taxas de

mortalidade através de ' cana is ' psicossociais, da mesma forma seus efeitos cer­

tamente devem ser visíveis dentre os demais indicadores sociais. Pondo de lado

a mortal idade, há poucas formas de mensurar o bem-estar ou indicadores psicos­

sociais que possam conduzir a comparações internacionais. As taxas de crimes

registrados são afetadas pelas diferenças de um país para outro quanto ao regis­

tro da informação, leis, práticas legais e diversas circunstâncias. Por exemplo ,

cr imes ligados a automóveis são, em parte, função da disponibilidade deste tipo

de veículo. O próprio rastreamento de indicadores de bem-estar psicossocial nos

países é bastante difícil. N ã o somente as medidas são extremamente imprecisas,

mas também fortemente influenciadas pelas variações relativas ao registro de in­

formações. Todavia, esses problemas são menos graves quando se estabelecem

comparações dentro de um mesmo país ao longo do tempo.

Uma área onde existem medidas razoavelmente válidas, que refletiriam

mudanças no bem-estar psicossocial das crianças, é a dos padrões de leitura nas

escolas primárias. Dispõe-se aqui de a lgumas medidas padronizadas, utilizadas

em grande número de crianças. Sugerimos recentemente (Wilkinson, 1994a) que

as mesmas pressões psicossociais decorrentes da ampliação do leque da distri­

buição de renda e do incremento da 'pr ivação ' relativa na Grã-Bretanha, ao lon­

go dos anos 80, afetou o bem-estar das crianças através dos conflitos familiares,

estresse financeiro experimentado pelo pais, insegurança no trabalho, 'p r ivação '

relativa, depressão e outros fatores correlatos.

A o final dos anos 80, surgiu controvérsia importante na Grã-Bretanha

acerca do decl ínio dos padrões escolares referentes à capac idade de leitura.

Três pesquisas foram desenvolv idas de modo a verificar a verac idade dessas

tendênc ias (Gorman & Fernandes , 1992; Lake, 1991; London Borough of

Croydon , 1992). Todas sugeriram que houve decl ínio, e identif icaram 1985

c o m o o ano 'd iv i sor de á g u a s ' .

A Figura 9 exibe dados relativos ao Condado de Buckinghamshire, onde

os mesmos testes de leitura foram utilizados em todas as crianças em anos sub­

seqüentes. Ela mostra declínio estatisticamente significativo nos padrões de lei­

tura a partir de 1985. Além disso, os três estudos concluíram que os métodos di­

dáticos não explicavam tal declínio - apesar das sugestões governamentais no

sentido oposto. O estudo nacional revelou que a deterioração teve lugar nas

áreas centrais e empobrecidas da cidade; os estudos locais evidenciaram que isso

aconteceu em escolas cujas áreas de abrangência eram mais pobres. N ã o resta

dúvida de que o desempenho educacional é afetado pelas circunstâncias sócio-

econômicas. Enquanto a média nacional é de que 1/4 ou 1/3 de todas as crianças

em qualquer classe escolar são provenientes de lares relativamente pobres, em

áreas mais pobres esta proporção pode subir para 2/3 ou 3/4 do total - nestes ca­

sos, supõe-se que o ensino e o aprendizado se tornam mais difíceis.

FIGURA 9 - Declínio dos padrões de leitura

Escores para o teste de leitura Chiltem para todos os escolares entre 7 e 8 anos de

Buckinghamshire

Fonte: Lake (1991) .

Os dados exibidos na Figura 10 provêm da coorte de nascimentos de

1970, na Grã-Bretanha (Woodroffe et al., 1993). Entre as crianças de dez anos,

ela revela diferenças quanto à hiperatividade, distúrbios de conduta e ansiedade

segundo classe social. Embora as classes sociais não sejam idênticas às faixas de

renda, os resultados talvez sejam sugestivos dos processos que correlacionam a

pobreza relativa entre as famílias aos escores obtidos nos testes de leitura das

crianças a elas pertencentes. Associado a isso, no estudo referente à coorte de

nascimento do ano de 1958, encontrou-se que a avaliação, por parte dos profes­

sores, do comportamento na idade de 16 anos foi considerado o melhor prognós­

tico de saúde na idade de 23 anos; com isso, temos um princípio de explicação

de como os efeitos psicossociais secundários à ampliação do leque de distribui­

ção de renda pode afetar a saúde e a vida social (Power, Manor & Fox, 1991).

A sugestão de que fatores psicossociais representam o elo entre distribui­

ção de renda e mortalidade encontra apoio nas causas de morte mais diretamente

envolvidas. U m a vez desagregada a relação entre distribuição de renda e expec­

tativa de vida nos países desenvolvidos quanto às causas distintas de morte, en¬

contramos que, embora as infecções e as mortes secundárias a doenças cardio¬

vasculares também estejam implicadas, as correlações mais fortes são as con­

cernentes às doenças crônicas do fígado e à cirrose, bem como aos acidentes e

lesões externas. Mortes secundárias a essas causas podem, de forma plausível,

ser vinculadas ao estresse psicossocial e aos padrões de comportamento social.

A idéia de que as diferenças de renda devam ser reduzidas é muitas vezes

contestada, alegando-se que isto reduziria as taxas de crescimento econômico.

Mas a visão que temos de uma escolha entre crescimento e eqüidade encontra

pouco apoio nas evidências estatísticas recentes. Tanto os dados de estudos sec­

cionais como de estudos que envolvem séries temporais indicam que a maior eqüi­

dade na distribuição de renda está associada a crescimento econômico mais rápido -

e não mais lento (Persson et al., 1994). Os oito países asiáticos de crescimento

econômico mais acelerado reduziram suas diferenças de renda entre 1960 e

1980 (Birdsall et al. , 1994). O crescimento do investimento e da produtividade

tende a ser mais alto em países onde as diferenças de renda são menores (Alesina &

Perotti, 1993; Glyn & Miliband, 1994).

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