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7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
1/31
Ttulo original: Die Perspektive ais symbolische Form
in tbe Vortrage der Bibliothek Warburg
Edio original de
The
Warburg Jnstitute
Gerda Panofsky
Traduo: Elisabete Nunes
Reviso da traduo: Carlos Morujo
Capa de Edies
70
Depsito legal n.
65765/93
ISBN
972-44-0886-8
Direitos reservados para lngua portuguesa
por Eies 70, Lda.
EDIF.S70, LDA.
Rua Luciano Cordeiro,
123 2.
0
Esq. -
1069- 57
LISBOA Portugal
Telefs: (01) 3158752 3158753
Fax: (01) 3158429
Esta obra est protegida pela lei. No pode ser
e p ~ > ? u z i d a
no too ou em parte . qualquer que seja o
~ o o
uuhzado,
iJ1J11ihC1
fotocpia e xeroc6pia, sem prvia autdrizao do Editor.
'Qualquer transgresso
lei-dos Direitos do Autor ser passvel de
procedimento judicial.
.
ERWIN P NOFSKY e1
- --- -
-
e A
pERSPECTIVA
COMO
FORMA SIMBLICA
e s 7
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
2/31
Universidade
de
rasllla
~ ~ ~ ~ - . J l l & l i . D
1
p ; c . . i l . . l . M ~ ' - ~ l i l l l a j , ~ ~ 6 1 N t
\
i
. _.e
.INTRODUO
Uma voz vibrante, mas fugaz, ressoa
nos
primeiros escritos te-
ricos de Panofsky. , sobretudo, .o abrangente estudo sobre a pers-
pcctiva que go1 a
de
uma fama que ultrapassa, em muito,
os
limites
convencionais
da
Histria da Arte.
Mas,
no raro, essa fama
tem
esba-
tido os mais ricos cambiantes
da
linha argumentativa de Pauofsky e
obscurecido a
sua
raiz
terica. Atentar
na voz que
se ouve
no
estudo
sobre a pe::spectiva, tomar em conta os seus meios-tons, constitui um
projecto que se reveste de interesse mais do que biogrfico. Nascido
em 1892,
Panofoky
integrava-se j
na
segunda gerao de crticos
alemes de formao histrica positivista. De um modo geral, estes
crticos partilhavam a viso de uma cincia da cultura mais. englo-
bante, de uma prtica especializada que se no limitasse a acumular
dados,
mas
procwasse entend-los. Panofsky fazia igualmente parte de
um
pequeno crculo de crticos conscientes das inevitveis lacunas da
Histria da Cultura,
ou
seja,
da
subvalorizao ou desprezo perante
uma
dimenso
de
sentido inerente a determinados tipos de objectos
(textos,
imagens),
dimenso essa de espinhosa exp licao para a Hi
s-
tria. As produes artsticas
n
o so afirmaes feitas pelos sujeitos,
mas sim formulaes
da
matria,
no so
acontecimentos,
so resulta-
dos (1), escreveu Panofsky em
1920.
Qualquer abordagem histrica
teria de levar em considerao a autonomia de um objecto com tais
caractersticas e a impossibilidade de se deduzir esse objecto das suas
circunstncias
fenon:ienais.
Era
este o primeiro estdio por
qu
e teria de
passar qualquer histria no materialista
da
cultura.
Este isolamento preliminarda obra de arte assemelha-se s estra-
tgias a que recorrem o Formalismo
Russo
e o Ncw Criticism . De
facto, tais refinamentos paralelos da prtia da leitura contriburam,
9
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
3/31
diferenteme
nt
e, para
um
objcctivo a
l o 1 ~ g o
prazo, o
de
despertr
a nossa sensibilidade para o carcter social do signo lingustico e,
em ltima anlise, para a ligao indissolvel entre o texto e o mundo.
1
A estratgia utilizada c n s i s ~ i a
em
isolar,.
e i : i ~ o r ~ ~ ~ P ~ i . . . . ~ ~ ~ '
para captar, de forma mais ntJda, os seus p11nc1p1os
e >truturrus
bas1cos
e por fim, de posse de fundamentao mais vlida, em reintegr-la
n'o
seu contexto original.
Em A Perspectiva como Forma Simblica
Panofsky movia
Se
j
num
quadro
e t o d
o l g i c o f?m.ecido
yei?s
primeiroshistoriadores
de
Arte Fonnahstas, como Hemnch Wolfflm
e, principalmente, Alois
Riegl.
Esta questo no
muito clara.
Com
efeito; os trabalhos posteriores
de
Panofsky acabaram por lanar o des
crdito sobre o Formalismo
na
Histria
da
Arte e fazer com que pra
ticamente todos os espccialisas se lhe opusessem.
No estudo sobre o termo
Kunstwollen
(vontade artstica),
Panofsky condenava, por igual, a cedncia desenfreada e irresponsvel
ao poder irracional
do
objecto de arte (a Histria da Arte Expres
sionista de Wilhelm
WoITinger ou
de Fritz Burger) e o refgio
desiludido num historicismo cptico. Panofsky optou pelo tratamento
f
mais do que fenomenal
do
fenmeno artstico, preconizado por
Riegl. Discerniu na
Weltanschauungsphilosophie
(filosofia da ~ o
do mundo), sincrnica e visionria, de Riegl, adoada por alguma
llliO
pi filolgica intencional, o grmen
de
uma Histria nova da Arte, uma
reconciliao entre as histrias materialista e idealista. Definiu-a como
sendo uma
Kunstphilosophie
(filosofia
da
Arte) verdadeira
(2)
.
Riegl dera incio sua Histria da Cultura apresentando um con-
1
unto novo de categorias formais. Na sua obra figuravam como atribu
tos estruturais bsicos, a hpticae a ptica, a unidade interna e externa,
a coordenao e a subordinao, tal como acontecia com os famosos
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
4/31
isto, a Histria
tran
sforma-se
em
morfologia
pura, num
estudo sobre
as
mudanas da forma, as quais, apenas de
modo
acidental, se resolvem
cm obras matdai
s.
Opostamente,
Riegl
rejeitava qualquer categoria
esttica absolutaou supra
-hi
strica e
no
integraria no seu projecto de
Hist1i
a
uma
tal categoria, fosse a que preo fosse. Via as obras
de
arte somente como objectos de criao do Homem , possuidores de
um
elevado
nvel
de organizao
formal
artificial . Escreveu sobre arte
aplicada e
at
sobre objecios vulgares, porque, semelhana do que se
verifica com
as
obras
de
arte,
eles
se subordinam a
uma
lgica
fom1al
indepen.
ciente.
Na
s
ua
p e ~ s p e c t i v a ,
nem
o estilo em
si
(a morfolog
ia)
nem
a sequncia dos o b j e ~ t o s constituam o plano
fu
ndamental dos
factos. Era a
Kunstwollen
(vontade artstica) da poca que, para Riegl,
formava esse plano, tal omo sucedia em Wlfflin com a forma de
ver (
6
.
Errado seria pr de lado Riegl, e bem assim Wlfflin, como se se
tratasse formalistas doutrinrios que
no
tivessem avaliado capaz
mente a plenitude
da
relao que existe entre a obra
de
arte e o mundo.
No passaram despercebidas a Riegl
as
grandiosas imagens de tota
lidade.cultural, esboadas por Burckhardt
ou Diltb.ey
e que viriam a ser
o incentivo
de Aby
Warburg. Simplesmente, o que acontecia era que a
delicadeza envolvida na operao de completar essa imagem punha
prova o seu temperamento. Era um fillogo por demais escrupuloso.
No fundo,
tinha demasiado de nominalista para poder terminar o seu
prpiio projecto. Riegl submeteu a
sua
Weltanschauungsphilosoplzie
a
cortes, agindo quase como se de um problema
de
conscincia se tra
rasse.
Talvez estivesse a adiar a concretizao dessas ambies para
uma
idade avanada, a que no chegou,
ou
talvez desejasse que os seus
discpulos enfrentassem os
ri
scos
(7).
Os
contributos mais vlidos para a
Weltanschauungsphilosophie
de
Ri
cg
l, mas
tambm
meno
s conseguidos, ficaram a dever-se a segui-
d , o ~ e s
e dscpulo.s seus, como Max Dvorl\k
e,
principalmente, Hans
- ~ ~ : : , ~ u i d o voo Kaschnitz-Weinberg e Otto Pcht, quc vieram a
i . ~ ~ ~ J & ' f l ~
o .
nc,leo
da chamada
~ u n d a
Escola de Viena. Tentaram
..J
.
l 1 ~ ~
. ~ n l i estrutural, efec:Jada por R i e ~ l , no sentido seu
. . . :
~ ~ : ~ _
.
u ; i c ~ m c o ,
atravs da depuraao e elaboraao das categonas da
\ i - : . ' . ~ A
1 W f i l i . . Y t r i a inicial. Ambies louvavelmente ascticas as suas.
~ R . ~ l l p i o s
t?Struturais
latentes
na obra
bastariam, por si s, para for-
i
J O l ~
v ~ s o
do mundo que dera origem a essa obra (s) .
{ ; i t ~ : f a l h a s ela
Strukturanalyse
(anlise estrutural) de Viena eram
~ U h a s
1
inerentes a qualquer estruturali
smo.
O seu fio condutor con
s1slla .nu
ma
cren.a
sentimental
na
integridade orgnica da Cultura, na
interligaomisteriosa
do
s acontecimentos. Tendia, por isso, e de
fonna inexplic.vel, a no submeter a exame a ligao fundamental
12
existente entre a obra e o mundo. O mecanismo
de
separao, res
ponsvel pela mptura
de
todos os elos comuns entre a obra e o mundo,
mais no
foi, no
inicio, do que
uma
maneira de desviar juzos pouco
elaborados acerca
da
re lao obra/mundo, e de estabelecer fronteiras
ao
que se poderia vir a afirmar sobre a sincronia
ou
o contexto. Ms,
corria-se este risco com conhecimento de
cau
sa. Era frequente que a
separa
o
de que se partia dificultasse, ou tornasse at desnecessria, a
busca de um caminho de retomo ao mundo dos acontecimentos
comuns. E
foi
neste ponto que Sedlmayr se
de
sviou do
bom
caminho.
Nas
.obras de
arte fez
a descoberta de
um
universo paralelo, pleno
de
encanto,
um. W
elt
im K.leinen
(mundo em miniatura), quase a
imi-
tao burlesca da
Kunstwerk
(obra de arte), radicalmente autnoma,
de Heidegger, cuja adequao ao mundo estava
j
fora
de
questo.
A
Strukturanalyse
degenerou numa .espcie
de
es teticismo nostlgico
de propenses teolgicas.e mesmo teocrticas (para no falarmos das
Fascistas).
xitos
ou
fracassos que este mtodo tenha tido
~ u l t a r a m
da
incapacidade.dos seus adeptos de
resistir a
uma
tentao
de
Riegl. Ser
petfeitamente r , ~ e l pr a questo em termos ticos, pois a rejeio
da
S e g u n ~ a
Escola de Viena assentou nesses termos,
na
Amrica logo nos
anos
tnnta
(9),
e
nos
pases
de
expresso alem
aps
a
guerra. Nos anos
dez
>.
O
qu
e Panofsky estava, de
fa
cto, a tentar era
reforar>>
Riegl
pel9
-recur
so ao
neo-Kantismo. Reinterpretoua
Kunstwollen
(vontade
~ s t i c a ) como sendo o
Sinn
(sentido) imanente,
ou
o sentido de uma
13
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
5/31
sucesso de fenmenos artsticos e insistiu na ideia de que apenas
atravs da anlise desses fenmenos, feita de acord? c o ~
~ g o
rias formais a priori se poderia atingir o Simi. Ter-se-ia, assun, Riegl
recheado de contedo filosfico.
Esta
ada
ptao de Riegl aproxima-se, em muitos pontos, das que
dele fez a Escola de Viena. A retrica de Panofsky no era to espa
lhafatosa nem to contundente; to pouco possua matizes nacio
nalistas
ou
racistas. A t e n ~ o de
PanQfsky
:JLnltavHe..Jie.Preferncia,
para
~ e c t o s
filolgicos. A nvel hfotrico
m ~ n i f e s ~ v a mais
escr
pulo:;. Os
textos forneciam-lhe o onto de a
1
mais
seguro,
q ~ a s e
instintivo.
difcil distinguir o
eu
estruturalismo porque os hbitos
filolgicos (a resistncia a sistemas, a ten enc1a para se afastar da
linha de raciocnio, uma sobriedade natural de
tom)
o tomam obscuro
e vago. Mas os seus objectivos e mesmo a
p::tica r e a ~
s o b r e
p u ~ a m - s e
aos do Strukturforscher (investigador estrutural,. As af1mdades
existentes entre ambos afiguram-se-nos hoje mais importantes do que
a ruptura,
na
linha da transgresso de Kant e Hegel,
apo
ntada_por
Sedlmayr em
1929
(
1
).
Assim, revela-se
ba
stante enganadora.
gem
de um
Panofsky americano
que
filosofia prefere .h1:tna.
A verdade que, j antes de emigrar, optara pela conc1haao da
filologia e da filosofia. A adptao e o desenvolvimento das ideias de
Riegl, levados a cabo por Panofsky, estavam, praticamente, conclu
dos em meados dos anos vinte, e surgiam no livro sobre escultura
alem medieval (
11
)
e, sobretudo, no estudo sobre a perspectiva. No
muito fcil determinar se Panofsky teria podido voltar atrs, se teria
sido possvel filosofia :;eparar-se da filologia.
A condio prvia para dar o passo que levava do plano da
forma
ao
plano da esuutura era separar-se a obra
da
categoria do
esttico. Riegl abordara este aspecto com serenidade,
no
recorrendo
terminologia.convencional, por um lado, e, por outro, recusando-se
:.
' a estabelecer distines entre as obras de arte e outros aitefactos.
1
, A.
Pano
fsky
faltava, mais
uma
vez, uma slida justificao filosfica.
: ~ : ; ~
~ t e u por considerar a percepo artstica como
um
caso especial de
egnio. Na ltima pgina de ldea (1924 , Panofsky explicita o carc
~ l f a s i : a m e n t e
neo-Kantiano da incomensurabilidade
dos
modelos
:
~ t i v o s . Diz ele:
l
t.
.: . .. .
..
:
~ { % ; . , ~ t v e i o
abalar profundamente o pressuposto epistemolgico da
. i s a
em
si. Alois Riegl avanou, no campo
da
teoria da arte,
.
Uf.i .f'PerSpectiva semelhante. Parece-nos ter compreendido que
t a n t o a
percep o artstica como o processo cognitivo se no
. V e m J c o n f r o ~ t a d o s com a
Coisa
em si. Pelo contrrio, tanto
uma cmo o outro podem reclamar solidez,
nos
seus jzes, exac-
14
/
tamente porque apenas essa solidez define as regras do
-mundo
(isto , no recai sob re ou tros objectos que no sejam os que
existem no prprio mundo).
Porm , em n o t ~ de rodap, Panofsky introduz uma distino entre a
percepo artfottca e a cognio cm gerai:
So universais
as
leis que o intelecto dita ao mundo perceptvel
e que,
ao
serem acatadas, fazem com que o mundo perceptvel se
transforme em natureza
;
as
leis ditadas ao mundo percept
vel pela conscincia rutstica, cujo cumprimento leva a que o
mundo perceptfvel se torne figurao, devero ser conside
radas individuais ou
...
idiomticas
1
2
.
O estudo sobre a perspectiva
anu
la, em certa medida, esta distino,
precisamente, por tra
tar
a perspectiva como tema de fundo.
No
foi per
descrever o mundo com exactido que a pcrspectiva se tomou um pro
metedor tema para estudo,
mas
pela descrio do mundo segundo
um
processo racional e passvel de repetio. A perspectiva foz tbua rasa
das distines do idiomtico. A isto se refere Panofsky, ao classificar a
perspcctiva como objectivao
do
subjectivo(p.
61)
ou como passa
gem da objectividadc artstica para o campo do fenomenal
(p. 6617).
A perspectiva d fora a
um
tipo invulgar de identificao do objecto
-em-arte e do objccto-no-mundo. Em ltima anlise,
a perspectiva
que viabiliza a metfora de
uma Weltanschauung
uma viso do
mundo. .
bvio que Panofsky tinha plenaconscincia do seu projecto de
~ c r e v e r
a Histria da Arte Ocidental como-uma
h..istria da
pemiec-
No
segundo captulo,
aps
a formu lao da hiptese sobre i t r ~
e aperspectivacurva, adianta uma primeira justificao para o seu tema:
verdade que este problema parece situar-se mais no mbito da
Matemtica do que no da Arte, j que se poderia, e com razo,
apontar que a imperfeio relativa, at mesmo a ausncia abso
luta, de uma representao perspectiva nada tem a ver com valor
artstico (tal como, no caso inverso, a rigorosa observncia das
leis da perspectiva
no
redundar
em
prejuzo da liberdade
artstica). Mas, se a perspectva
no
constitui um factor valo
rativo
,
por certo,
um
factor estilstico. Poder mesmo ser carac
t e r i ~ d a c?mo (e o teimo to
a p ~ o p r i a d o
de Ernst Cassirer penetra
na Htstna da Arte) uma dessas fonnas simblicas em que
O
significado espirilual se liga a um signo concreto, material e ,
intrinsecamente, atribudo a esse signo.
(p.
42)
15
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
6/31
No se trata aqui
de
uma mera
p l u r a l i d a d ~ de n t i d o
possveis
de uma hierarquia. Em primeiro lugar, situa-se aquilo que un -
tlerisch, ou artstico, o que equivale ao esttico.
P a n o f
~ k y deprecia,
de modo implcito, o valor>>, que trata como categona ~ u r a m e n t e
local e que se basta a si mesma. De uma pe
nad
a concede hberdade
aos artistas, mas, logo em seguida, ignora as suas decises que
r.idera arbitrrias ou idiomticas. A um se gundo nvel_de senti.d
o,
encontra-se o estilo, ta como foi definido e posto em prtica pelo
Fo
r-
m a l i ~ m o da fase inicial, com Wickhoff, Riegl e Wolfflin. A perspec
tiva reveste-se, pelo menos, deste gnero
de
sentido, razo pela qual
tema pertinente de uma Histria da Atte c
om
cunho cientfico. Mas o
nvel mais profundo o da f01ma simblica. Trata-se do nvel esu11
tural, a tal ponto profundo que as funes comuns da fo:rrna cessam e
sao eliminadas da anlise histrica. No
ce
ntro da teona das formas
simblicas de Cassirer (confom1e Panofsky a interpretou) figurava o
ele um ncleo que simbolizaria a actividade. As diversas face
tas da criati.vida
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
7/31
seu funcionamento. No contexto da perspectiva no Sc. XVII, aponta
Panofsky o seguinte:
a arbitrariedade da direco e da distncia, existente no espao
pictrico Bildraum) moderno, evidencia e vem confirmar a indi
ferena experimentada relativamente
direco e distncia no
espao intelectual Denkraum) moderno; ela
corresponde
Entspricht) na perfeio, tanto cronolgica como tecnicamente,
ao estdio de desenvolvimento da perspectiva terica que, por
mrito de
De
sargues, veio a tomar-se uma geometria projectiva
geral. p. 65)
Estabelece-se aqui uma relao de conespondncia entre o
l-
draum espao pictrico) e a sua fo1mulao matemtica. Em outros
momentos, essa relao ser expresso. De novo surge esta con
cretizao da perspectiva como mais no sendo do que uma expresso
Ausdruck) concreta de um avano contemporneo no campo da
epistemologia ou da filosofia natural
p.
60). Na frase que encerra o
captulo II est contida a mais exacta, a mais complexa das afirrnaes
acerca dessas relaes mltiplas. Depois de abordar as filosofias do
_espao na A n t i e ~ e observa Panofsky:
No h lugar para dvidas: o espao esttico e o espao te
rico fundem o espao perceptual, sob a aparncia de uma nica
e mesma sensao; no primeiro dos casos, tal
sensao sim
bolizada de forma visual; no segundo, apresenta uma fonna
lgica.
p.
45)
Assim, a Arte e a Filosofia so transformaes, operadas
em
paralelo,
da
realidade emprica, quer uma quer a outra de algum modo dirigi
das por uma Empfindung sensao), que no
outra
seno a
Weltanschauung. Mas,
s
a Arte uma forma simblica. A relao da
Filosofia com a Weltanschauung lgica, por isso, no pode tomar-se
problemtica. Este o motivo por que o diagnstico de Arte pode.recair,
lternadmente, na
Welta11schauung
e nas formulaes filosficas.
No ser muito ju sto descontextualizar as propostas adiantadas
P a n o f s k y
como
se
a inteno do crtico) fosse a de sugerir que a
Sti argumentao se fundamentava apenas num conjunto de mani
pulaes pouco claras e na recombinao de tem1os filosficos. Mas a
vrdde
que a argumentao de Panofsky se desenrola de uma forma
rtmica que lhe prpria, em ciclos de anlise filolgica e pictrica,
de
grande sobriedade, que culminam em afirmaes breves e sintticas,
conforme se viu no final do captulo
II, anteriormente citado. Momen-
18
tos h de retrica ambiciosa. Florescem a partir do paralelismo e do
paradoxo, reclamam alguma autonomia aforstica.
Na
realidade, asse
guram um acabamento e uma explicao sob a forma de operaes
lingusticas e at gramaticais. Este genro de escrita tem os seus
objectivos, apropria-se tanto crtica culturnl como a uma Histria da
Filosofia. Porm, Histria da Cultura de Panofsky falta uma certa
verosimilhana histrica. As consideraes acerca da morfologia e a
sequncia das obras de arte so
de
inspirar confiana. De certa forma,
isto faz parte do seu trabalho. Mas a verosimilhana de toda a Histria
da Cultura depende da confiana que
possvel depositar no duplo elo
entre a Histria da Arte e as Weltanschauungen. Sendo uma funo,
tem de ser regular e compreensvel, tem de se assumir, simultanea
mente, diferenciada c integrada. Caso contrrio, a associao no
possuir valor de diagnstico.
Esta exigncia pode afigurar-se-nos extrema. Mas a maioria
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
8/31
forme foi desenvolvida por Desargues, tanto corresponde ao espao
privado de d i r c c ~
de
D c s ~ a r t e s como
c o s t r u z i ~ n e
legittima
de
Alberti.e ainda ep1stemolog1a dq Kant. As coocepoes de espao
de
Demcrito Plato e A r i s t
t e l ~ s
tm correspondncia.na pintura paisa
gstica r n ~ o - r o m a n a O renascimentodas concepes ' . : > t o t l ~ c a .nos
sculos doze e treze encontra
GO
na escultura. do Goqco pnm1tivo.
Estes aspcctos constituem os pontos cegos dq
~ e o r i a
de Panofsky, de
q u ~ m
se esquecem os mommtos
s i:itcse
pouco r c s p o n ~ ~ v e l
p ~ r q u c
mais no so dq que ~ f o r o retnco de uma argumentaao extensa e
de pso: . Mas que luz lanam
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
9/31
mais complexas do estudo e as
que
menos se dfatanciam de Riegl. No
captulo n, fora j apresentado o modelo analtico, ao es tabelecer-se a
comparao entre a Arte Clssica, de carcter antropomrfico e fsico
(hptica), e a Arte helenstica, unificada
pontos de vista pictrico e
espacial (ptica).
Mas, at a imaginao artstica helenfotica manteve a ligao aos
objectos isolados e, a um ponto tal, que o espao no era per
cepcionado como algo susceptvel de englobar e dissipar o con
traste entre corpos e no-corpos, mas apenas como aquilo que
subsiste, se quisermos, entre os corpos. O e5pao foi, assim, mos
trado artisticamente,
em
parte pela mera
sob
reposio,
em
parte
por uma justaposio ainda no sistemtica. Mesmo quando a
Arte greco-romana passou a representar interiores autnticos e
paisagens verdadeiras, esse mundo enriquecido e alargado
manteve as suas quebras
na
unifonnidadc, continuou a ser um
mundo cm
que
os
corpos e
os
abismos que
os
separam se tra
duziam apenas em variaes ou modificaes
de
um contnuo da
mais elevada ordem
p.
42).
A manipulao de categorias estruturais a priori suficientemente
abstracta e flexvel para facultar a comparao imediata com o Impres
sionismo moderno e, posteiionnente, com o Expressionismo. Tendo
definido as categorias, Panofsky pode pennitir-se expandir os hori
zontes da sua argumentao. O captulo m tem incio com a con
tinuao
desta anlise que desemboca num a morfologia geral da Arte
Medieval, um extenso esquema hegeliano de avanos e recuos. Esta
morfologia orienta-se seg
undo
meanismos de enquadramento, valo
res
de
supetfcie, a energia unificadora do plano, a unidade cromtica,
a homogeneidade do espao, a libertao dos corpos em relao
massa. A morfologia desenrola-se no presente histrico. Mais do que
uma nanativa, uma explicao. Estas pginas encerram aquilo a que
I u b e r t
Darnisch d o
nome de
contributo autntico de Panofsky
para
a
,
f ~ ~ s o f i a
das formas simblicas, e ultrapassam a mera aplicao dessa
.
p ~ ~ ~ a
Histria da Arte (
6
.
Elas delineiam
os
verdadeiros con
f ' N
.de uma Histria da Arte filosfica, que no
pr-positivista
~ ~ ~ g ~ l i ' l l l a ) ,
mas ps-positivista.
' A ~ v e r s o da Filologia pela explicao
mais
perccptvel em
poas sob.re as quais abunda a informao, caso da Antiguidade e,
sobretuqo, do Renascimento italiano. O prprio Panofsky contri
bui, com a sua obra filolgica, para o desgaste dos sistemas sincrnicos
quando, com toda a simplicidade, lana redes de pormenores
biogrficos e circunstanciais entre
as
teorias e
os
quadros.
de realar
22
tambm
que Panofsky
in
tegrou a
sua anli
se da perspecliva pictrica
da Antiguidade e
do Quattrocento
numa sinopse, de mbito mais
a s t o . ' das f o r m a ~ ocidentais. de representao do espao, em que se
mclm at a relaao entre as imagens esculpidas e a arquitectura. Por
isso,
perspectiva linear racionalizada acaba oor caber somente o
papel
de uma
estratgia, entre outras,
de r c p r e s e ~ t a o
espacial, e no,
forosamente, o
da
realizao maior e mais notvel da pintura Renas
centista. Em dados aspectos, poderia considerar-se a perspectiva ape
nas
como um recurso ligado
composio, talvez como uma marca
de
estilo (
17
.
Quanto mais fino for o gro
do
pormenor histrico, tanto
mais
difcil se tornar arquitectar uma u s t i f i c ~ o para o poder de que
goza a perspectiva na Weltanschauu11gsphilosophie.
. E, entanto, o_motivo central deste estudo
a perspectiva
pmtura.
D1-lo
Panofsky numa nota de rodaJ?,
ao
apontar como objec-
tivo .rundam.ental do seu trabalho
distino entre os sistemas pers-
pectJvos antigo e moderno. Em parte, esta atitude radica no facto de a
perspectiva continuar a ser um modelo heurstico a que se no resiste,
por
e n c ~ r a j a r
as ligaes simblicas
que
sugere. Panofsky explora a .
p . e r s p e ~ u v a em contnuos segundos sentidos, comprimindo a relao
s1mbhca entre
Arte
e
vi
so do
mundo.
Chega, por exemplo, con-
cluso de que o sistema espacial
da
pintura do 1 recento se baseava em
elementos que j existiam na pintura Bizantina (comijas projec-
tadas, tetos lavrados, cho de azulejos, etc.). Ora, para que a estes
disjecta membra fosse dada unidade, faltava apenas o sentido gtico
de
e ~ p a o (
p.
53), diz-nos ainda. A realizaoepistemolgica da pers-
pecuva traduz-se tambm muna realizao ao nvel da Histria da
Arte.
A perspectiva vem criar a juno
de
espao e arquitetura,
da
mesma forma que Giotto e Duccio
c1iaram
a sntese das artes Bizan-
tina .e Gtica. Panofsky no consegue evitar o recurso a um conceito
que nada tem de histrico, mas que se revela, sistematicamente, til.
Trata-se do conceito de
Sehbild,
ou imagem visual interna, inti
mamente ligada imagem
da
retina
mas,
como bvio, imperfei
tamente idntica a ela. A distino essencial que Panofsky estabeleceu
entre a perspectiva
da
Antiguidade e a do Renascimento , assim, for
mulada: os Antigos criaram obras aparentemente fictcias, por se
recusarem a pr
de
lado os conheimentos que detinham acerca
da
verdade da percepo p. 44). Parte-se do pressuposto de que o objeto
de
representao no era a coisa em si, mas a imagem mental que
dele tnhamos, a nossa Sehbild. S no se descortina com facilidade
0
m o t i v ~ que levar a
~ g u m
a reproduzir os r ~ s u l t a d o s da viso. Diga-
-se, ahs, que foi obJecto de reflexo de W1ttgenstein o modo como
algum poderia levar isso a cabo
8
.
Conforme foi realado por
Jo
el
Snyder, partida, a ideia de uma Sehbild imagem visual) o contri-
23
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
10/31
buto dad pelo quadro com perspectiva mode
rn
a (19). Pode r-se-;
talvez, entrever algo deaberrante
na
aspirao de Alberti e de
Leo
nardo
a pintar a aparncia
dos
objectos, em vez de representar aquilo
que, de facto; so e, depo is, permitir- viso subjectiva que actue sobre
a representao
(2).
,\caba por ser esta quimrica
Sehbild
(imagem visual) a fazer
gorar-se uma das ambies mais fulgurantes do estudo. Panofsky
propunha-se, logo partida, abalar o qucna pcrspectiva linear aspi
rasse aser autntico ou natural. Foi este projecto, originado num
relativismo asctico digno
de Riegl
, que granjeou renome
ao
estudo
sobre a perspectiva. O que Panofaky se propunha chamou a ateno
dos filsofos e dos psiclogos perceptuais
(2
1
.
No est aqui em ques
too facto de a perspectiva ser, ou no ser, uma conveno arbitrria.
N
ve
rdade, Panofsky no consegue cumprir o que prometera e,
rapidamente, se desvia
do
relativism radical. A
Sehbild
ou imagem
da retina, t:.ransforma-se' num critrio objectivo de reali
smo.
A pers
pcctiva na Antiguidade
~ a r d a
niaior fidelidade
verdade da per
cepo da que
perspectiva
do
Renascime
nto
e isto porque busca
reprodlizir acurvatura da
imagem
da retirta. A perspectiva
mai
s
autn
.
t.ica tr
aduzir-se-ia
numa
representao curvilnea.
:
No se deduza d
qui
que
Sehbild
pertence a
l
tima pal
av
ra.
Ap
e-sar
da
su
falta de fidelidade percepo, a perspectiva Renas
centista possua,
aos
olhos de
Partofsky,
a virtude
de
instaurar
um cqui-'
lbrio perfeito entre
as ex.igncias
do sujeito e
as
do objecto.
Pano fsky
revelusempre tendnc
ia
pai;a os esquemas tripartidos e preferncia
pela conciliao dos opostos
.
semlhana
do
que se verifica com a
epistemologia Kantiana,
na
perspectiva linear est iinpHcita uma
atistraco necessria relativamente ao empirismo. Panofsky acaoa
por mostrar que aquilo que de literal existe na perspectiva greco
-romana to pretensioso e vago como ocepticismo de Hume. A pers
pectiva linear pode revelar-se vulnervel aataques vindos de posies
rad
icalmente subjectivas ou radicalnierite objectivas. Jo ocupar
um
r ~ g i t ceritrl, moderado
,.
lhe garante -segurana perfeita. -lhe con
~ ~ d p o r Panofsky uni
veI'Salidade
ig
ual
que foi dada
conciliao
o n a l i s m o
do empirismo por Katit, a que chama filosofia cr
~ > ~ / ~ f a s
categorias
a priori
descobriu
~ l e
um
pontt>
de vista absoluto.
~ ? e r i : C o n t r o u
soluo para o problema equacionado por Kant, mas
~ ~ J x >
viu-
qualquer
razo para
a procurar.
:
(; ~ 1 : : ~ ~ ~ d ? x a 1 m e n t e poderia ter sido a perspectiva a m o s ~ a r uma
s ? 1 d ~
~ c . s d e oRenascimento que o conceito de perspectivismo
n i f i c a 1 g u ~ m e n t e
relativismo. Sugere
qu
e
um
problema
sempre
a c 1 o
i ~ i f Cle
um
ddpontode
vi
s
ta
e, tambm, que ponto
de vista algilirpode ser considerado comointrinsecamente superiOr
~ - --
...---
- --
24
r
..
.
~
~ ~
m.ais fidedign o do que qualquer outro:1Panofsky distanciu-se de
Riegl, ao dotar a perspccuva
11ne
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
11/31
.
\
e;
:
:
03 0
3
OOo --
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
12/31
t ~ l o o ajudado a descobrir, de novo,
as
virtudes da reserva positivista. Ver,
nomeadamente, a
Revisiom>
feita a Grundbegriffe (1933), reimpressa em
Geda11ken
zur Kunstgeschichte
(Basileia: Schwabe, 1941 ), pp.
18-24.
s
O estudo de Nodelman, referido
na
nota 4, constitui a melhor
abordagem feita em lngua inglesa. O manifesto do Gmpo traduziu-se em dois
notveis volumes
Kunstwissenschaftliche Forschungen
1
/
2
(1931/
1933)
, edi
tados por Plicht.
9 Ver a crtica, de importncia marcante, de Meyer Schapiro, The New
Viennese School, Art Bulletin
18
(1936).
10 Die Quintesscnz der Lehrcn Riegls
,
Introduo a Ricgl, Gcsam-
melte Aufsatzc
(Augsburgo e
Viena:
Filser,
1929);
reimpresso em Scdlmayr,
Kunst und Wahrheit
(Mittenwald: Mandcr, 1978), pp. 32-48.
11
Panofsky, Die Deutsche Plastik des e ften bis dreizehnten .lahrhun-
derts
(Munique: WoU f, 1924).
12
ldea: A Concept in Art Theory,
traduo, em lngua inglesa, de Joseph
J.
S.
Peake (Nova Iorque: Harper Row, 1968), p. 126
e
nota 38; publicado
originalmente com o titulo de
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
13/31
' .. .
CAPTULO
Item Perspectiva
ist
ein Lateinis
h
Wort bedeutt
ein
Dur-
chsehung
(
Perspectiva
uma
palavra latina que significa 'wat vs
,cl. Assim procurou Drer explicar o conceito de perspectiva
ct).
Embora esta
lateinisch Wort
(palavra latina) tivesse sido
j
utilizada por
Bocio
2)
e, partida, no possusse
um
sentido
to
definido
3),
adop
taremos,
no
essencial, a definio de Drer.
v m o s
fazer referncia
a
uma
viso do espao totalmente dotada de perspectiva>> quando se
tratar de simples objectos isolados, representados em tamanho redu
zido, como casas ou mobilirio.
S
vamos falar dela
caso
s
b-ate de uma
1 ' 1 . . f P ~ ~ ~
. n u t m . . . t e . Q i i c n . . . d . o ~ ~ l l f l S
~ E t o ) numa < 2 _ ~ ~ l a > ~ S ~ f f i l . { I J ~ 9 . f E . P : Q t . ~ y , ? E < ? . ~ - ~
acreditar ruw._
olhfl.-
/
_
.: _los
~ ~ J ? ~ , 9 - l r y s
d e s s a
_ j i . J . ~ ~ ~ - > > . ,
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
14/31
espao a representar. Como a posio relativa destes raios visuais
determina a posio aparente dos pontos que lhes correspondem na
image:n visual, terei apenas
de
desenhar o plano e_o alado de
~ d o
o
sistema, por forma a determinar que a figura surgir na s u p e
r f 1 c 1 ~
de
interseco. O eiano d a r - m ~ - a
e x t e n s i . i . n , . . P . J i B < 1 - . ~ " ~ ~ r a .
C o ~ b m
dos estes valores num terceiro
de
senho , ser-me- fornecida a proJecao
pcrspcctiva por que ansiava (Figura 1). .
Num quadro construdo assim, isto
,
atravs daqmlo que Du:cr
definiu como uma interseco plana e transpare
nt
e de t
odo? r r u ~ s
provenientesdo olho e que recaem sobre. ~ J e c t o que este vc ( ), sao
vHdas
as
leis que passo a referir. Em
pnme1ro
lu
gar, todas as perpen
diculares ou
ortogonais seencontram no chamado ponto de fuga cen
tral , que
determinado pela perpendicular
i r a d ~
a partir
ol
ho para o
plano
~ como a \
g e n ~ n a Lll P~ ~ ~ ~ ~ ~ p l i c a ~ ~ E j e c ~ ~ ~ A verdade
~ e s t n r t r ~
~ a o . i n t i r u t o
unutVelChomogeneo, em
u m o
um espao pura
mente ' matemtico, difere em muito da estrutura
do
espao psico
ffsiolgic
o: p e r ~ ~
f u v 9 Q _ . Q p _ ~ j ~ i t o
partidalr
n.ado re
stri
to
por detenninados
fu:rtites
esp
ac
iais 1 m p o s ~ o s pela nossa
f ~ t ? d a d e p e r c e p t i v a
Relativamenteao espa? perceprual, no
se.P
ode
falarde infinito, nem, to pouco, de homogcne1dade
.
A homogeneidade
d es_ao:gomtrico assenta, principalmente; na ideia de que to.dos os
etemntos asse espao,
OS
'
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
15/31
A representao perspectiva exacta uma ~ b s t r a ~ o e m t i c a
conseguida a partir da estrutura deste espao ps1cofis1olg
1co .
~ a , r
real,
atravs d
e p r e ~ ~ ~ ~ o ~ o , e x a t a l l J ~ l J ~ a ? m o g e
n e 1 d a d ~
~ f ~ p . f i
litlites
a l h e i o ~ e ? t Q e r i ~ i r e G ~ l n 1 < s m o
~ R o .
eis o r
es
ultadoda
e s e . n ~ 9 ~ i s p . ~ t 1 y _ J .. : l a i ~ u ~ r : e s u
.o
o
b j c c ~ Q u e
atingir,
Em
certo sentido, a p e r s p e c ~ v a
muda o espao psicofisiolgico em espao matemtico. Renega as dife
renas entre a parte da frente e a de trs, a direita e a s q u ~ r d a , entre .os
corpos e o espao que entre eles medeia
o
espao vazio), e assim
sendo, a soma de
todas as
partes do espao e todos
os
seus contedos socongregados
num
quantum continuum
nico. Deixa no
esquecimento
o facto de vennos _ ~ _ p J b _ Q j m v e l , m S c r i i f i l $ J l b 9
movimentQ.
o p s 1 @ t ~ . g 1 1 ; e geram um.criip:de.
v,iso
e s f ~ ~ j ~ ~
t
toma
em
considerao a
d i f . e r ~ ~ ~ 9 . ~
imensa que .h entre a imagem
vis
ul; s i ~ l u g i a m e n t e
condicionad, tfvsda
qu
al tomamos cons
cincia do muno visvel, e a imagem da
rctit1a,
condicionada meca
nicamente, que se imprime
no
olho fsico. Verifica-se, na nossa cons
cincia,
uma
tendncia equilibradora muito particular, originada no
trabalho conjunto da viso e do tacto, para atribuir aos objcctos aper
cebidos
tamanho
e fonna definidos, adequados. Por
ccta ~ o .
a mesma
s
tendncia
vai no
sentido de ignorar, ou, pelo menos, de no conceder
grande importncia s distores a que a retina sujeita tamanhos e for-
mas. Digamos, finalmente, que a representao perspcctiva ignora a L
circunstncia capital de esta imagem da retina, se
no
considerarmos a
sua interpretao psicolgicaposterior e o facto de os olhos se move-
rem
,
co
nstituir
uma
projeco
numa
superfcie
cncava,
no numa
superfcie plana. Registe-se, assim, e
a plano factual .muito infe-
5
rior, pr-psicolgico, uma discrepncia bsica e ~ t r e a realidade e a
sua representao. Isto aplica-se g u ~ ~ ~ n t e , o m o
Qovio,
ao funcio-
namento , cm m o l d S ~ ~ g s
d
i l i n a i o t o g r f i c a .
Poderemos recorre
r um
exemplo muito
acessvel.
Se
uma
linha
for dividida de modo. a que as suas partes a b e
e
subtendam ngulos
iguais, as
trs
partes, objectivarnente desiguais, sero representadas
numa superfcie cncava como a retina), sob a fonna de extenses
aproximadamente iguais. Caso sejam projectadas
numa
superfcie
plana, aparecer-nos-o, como anteriormente, com dimenses desiguais
( ~ i g u r a
2).
Aqui
temos a origem das distores perifricas que se nos
tomaram familiares atravs da fotografia, mas que marcam, igualmente,
a diferena entre a imagem representada em perspectiva e a imagem da
rctin1,t. As distores mencionadas podem ter expresso matemtica,
traduzida na discrepncia existente entre a proporo dos ngulos de
viso, por um lado, e, por outro, entre a proporo das seces lineares
resultantes da projeco
numa
superfcie plana.
Quanto
mais amplo for
o
ngulo
de viso total ou compsito, isto , quanto menor for a pro
poro entre a distncia que vai do olho imagem e o tamanho da
34
1
imagem, tanto mais
ace ntuada
ser a
distoro 8).
Mas esta
discre
pncia,de carctermeramente quantitativo, entre a imagem da retina e a
representao perspectiva,
detectada nos primrdios
do
Ren as-
cimento, acompanhada de uma discrepncia formal. Esta resulta,
prio-
ritariamente, do movimento
do
olhar e,
em
segundo lugar, da curvatura
da retina. Embora a perspectiva projecte
as
linhas rectas como rectas, o
nosso olhar apercebe-as, a partir
do
centro de projeco, como cutvas
convexas. Enquanto
um
padro quadriculado regular, visto a
pequena
distncia, parece expandir-se e fonnar
um
escudo,
um
quadriculado
objectivamente curvo tomar-se-,
nas
mesmas circunstncias, direito.
Se
as
ortogonais de
um
edifcio, rectas de acordo com a representao
perspectiva normal, correspondessem
imagem factual dada pela
retina, teriam de ser traadas curvas. Para ser ainda mais rigoroso, direi
que at as verticais teriam
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
16/31
Mas no h pintor
que
faa
f
nisto. Por isso, para pintaras partes rectas
de
u'm
edifcio, todos usam linhas rectas, apesar de,
segu.ndo
a ver
dadeira arte da perspectiva, tal ser incorrecto .. Senhores a:iistas, o que
dizeis a isto ?(
10
).
Este ponto
de
vista
e r e c e u
a
p r ? ~ a a o de
Kepler,
elo menos,
na
medida em que ~ l e
a c ~ 1 t o u
a
poss1bihdade de, t a n ~ o
a
~ a u d a
de um cometa como a
traJe..ctna
de um meteoro, a ~ b a s obJeC
tivamente rectas, poderem ser subjectivamente apercebidas como
curvas. O aspecto mais fascinante reside no facto de K e p l ~ r es 'U, por
completo,. ciente de, a
p r i n c : ~ p i o ,
ter m e n o ~ p r e z a ~ o , negaoo ate,
e s ~ ~ s
cur\las ilusrias, s porque a sua escola tmha. sido a da perspcctn.a
linear.
As
regras da
perspectiv.a
em.pintura haviam
-no
l e ~ a d o
a
o n s i -
derarqe o que recto sempre v 1 ~ t o como tal, s ~ ~ a ~ n r cammho
reflexo sobre o facto de o olho groJectar na superfc
ie: m t ~ m a de.
e ~ f e r a , no numa plana tabella
(
1
. ~ a c t ? ,
se e s m ~ hoje em dia, so
alguns h que se aperceberam
da ~ x i s t ~ n c i a
das refendas curvaturas,
esse facto deve
-se,
em parte,
ao
hbito, que o ver
fot
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
17/31
e
ll
E
o
s
A
a
b
b
Figura 4. Contraste entre representaes pcrspcctiva linear e p c r s p c c t ~ v a angular:
na pcrspectiva linear em cima),
s
grandezas aparentes HS e JS) so inversamente
proporcionais
s
distncias AB e AD); na perspcctiva angular em baixo),
s
grandezas
aparentes e a + no so inversamente proporcionais s distncias 2b e b .
38
CAPfTULOII
Chegados a este ponto, somos levados a pensar se teria sido pos
svel a Antiguidade desenvolver
uma
perspectiva geomtrica e
de
que
modo. Do que at
ns
chegou sobre os Antigos, ficou-nos a ideia de
nunca se desviarem
do
pressuposto segundo o
qual
erall}
os n_g
_
l
.
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
18/31
Lineamm
d
circini centrum responsus
(
18
) .
partida,
bvio,
ali
mentou
-se a esperana de descobrir
ne
ste
ci
rcini centrum o ponto de
fuga central da perspectiva moderna. Mas esse ponto de fuga unificado
no surge
em
uma nica das pinturas da Antiguidade que chegaram aos
nossos dias.
E,
pormenor de importncia, as prprias palavras parecem
excluir esta interpretao, uma vez
qu
e circini centrum significa lite
ralmente
ponto
cardeal, e
no centro de um
crcu
lo. No
se pode
interpretar o
ponto
de
fuga
central da perspcctiva linear moderna, o sim
ples
ponto de
convergncia de ortogonais,
como se
fosse o ponto
fixo
de
uma
bssola (
1
'>).
Se Vitrvio
se
estiver a referir a
uma
representao
perspectiva precisa (implcita na meno feita a
circinus ,
vislumbra-se
uma probabilidade de ele pretender significar com
centrum
um centro
projeco
que represente oolho
de quem
v
,
e
no um
ponto de
fnga
existente
no
interior
do
quadro.
As
s
im
, em
desenhos
preparatrios ,esse
centro (e
neste
aspecto haveria completa
submisso
ao axioma
do
ngulo, da Antiguidade) seri,a o centro de um crculo que interceptasse
os raios
visuais,
tal
como a linha recta que representa o plano do quadro
intercepta1:ia,
na representao pcrspectiva moderna, os raios visuais.
De qualquer
forma,
caso se recorra a esse crculo de projeco para
representar
(o
que, a verificar-se, levaria, confonne vimos,
subs
tituio
gonais no se jun
tam
num
ponto nico, antes convergem tenuemente e reunem-se, em
pares
,
em
pontos diversos, existentes
ao
longo de
um
eixo comum.
Quando
o crculo se abre,
os arcos divergem, digamos, nos
extremos, o
que provoca um
efeito
de espinha de peixe
(Figura
5).
No
se pode
sancionara interpretao
dada
passagem
de
Vitr
vio j citada, como se
fosse
inequvoca.
Dificilmente se poder d-la por
provada,
pois
em quase
todos
os
quadros que
s
ub
sistem. a representao
pouco rigorosa.
Seja
como
for, este princpio
da
espinha de.peixe, ou,
dito
de maneira
mais elaborada, prindpio
do
eixo de
fuga,
deteve, pelo
menos
at onde podemos remontar, um lugar central na representa
o espacial da Antiguidade.
Umas
vezes, depara-se-nos sob a forma de
uma
convergncia parcial, segundo o
que foi
descrito e que satisfaz
nossa representao
emcrculo hipottica (Ilustrao
1).
Surge-nos, de
outras vezes
, s
ob forma mais esquemtica, embora
mais vivel,
de um
'paralelismo; relativamente puro, de ortogonais oblquas. Desta ltima
veEso do
j-provas os
vasos
do Sul de Itlia, do sculo V
a.e.
(Ilus-
t r ~ ? e s
2 e 3)
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
19/31
................
---------------------------------
de diminuir, como deveria ser o caso. Contrariamente,
se
d
imi
nuirem
as distncias, as diagonais parecero ficar interrompidas.
verdade que este problema parece situar-se mai s
no
mbito da
Matemtica
do que no
da
Arte, j
que
se
poderia, e com
razo,
apontar
que a imperfeio relativa, at mesmo a ausncia absoluta, de
uma
representao perspectivada
nada
tem a ver
co
m o valor artstico
(ta
l
como,
no
caso inverso, a rigorosa observncia das
le
is
da
perspectiva
no redundar em prejuzo
da
liberdade artstica). Mas, se a pers
pectiva no constitui um factor valorativo, , por certo, um factor
estilstico. Poder mesmo ser caracterizada como (e o tenno to apro
priado de Ernst Cassirer penetra na Histria da Arte) uma dessas
fom1as simblicas
em
que significado espiritual se li
ga
aum signo
concreto, material e
,
intrinsecamente, atribudo a esse signo. Por isso,
fundamental apurar se
os
perodos e reas da Arte possuem
ou
igno
ram
a noo de perspectiva e tambm definir que noo
essa.
A Arte da Antiguidade Clssica era puramente
fsica:
enquanto
realidade artstica apenas reconhecia o tangvel e o visvel. Os seus
objectos eram materiais e tridimensionais, dotados de funes e pro
pores definidas e, por esse motivo,
em
certa medida, antropormo
fizados. Esses objectos no se amalgamavam
numa
unidade espacial,
como sucede na pintura, mas juntavam-se de
modo
a
formar
algo de
se
melhante
a um aglomerado tectnico ou plstico. Certo ter a Arte
helenstica comeado a afirmar tanto o valor
do
corpo s
ujeito
a
moti
vao interna, como o encantoda sua superfcieexterior. Igualmente foi
por ela apercebido serem merecedoras de representaoquer a natureza
animada, quer a inanimada, tanto o que era plstico e be
lo, como
o pic
ttio, o
feio,
o vulgar, os corpos slidos e o espao envolvente e
uni
ficador.
Mas
at a
imaginao
artstica helens
tica
manteve a ligao
aos
objectos isolados e a um ponto tal que o espao
no
era percepcionado
como
algo su
sce
ptvel de englobar e dissipar o contraste entre corpos e
no-corpos,
mas apenas como
aquilo
que
subsiste,
se quisermos,
entre
os
corpos.
O espao
foi, assim,
mostrado artisticam
en
t
e,
em parte pela
mera so
breposio,
em
parte por
uma
justaposio
ainda no
sist
e
?tica. Mesmo
quando a Arte greco-romana
passou
a representar inte
nores autnticos e
paisagens
verdadeiras, esse
mundo
enriquecido e
alargado manteve as suas
quebras na uniformidade, continuou aser
um
mundo em que os corpos e os abismos que os separam se traduziam
apenas
em
variaes
ou
modificaes de um contnuo da
mais
elevada
ordem. Tomaram-se
tangveis as
distncias
em
profundidade,
mas
no
p ~ m ser.
expressas
em termos
de
um
mdulo imutvel. As
ortogo
nais reduzidas convergem, mas nuncapara um horizonte nico, e muito
menos
para centro
nico
(embora se verifique,
regra
geral,
nos
tra
ados
de
arqu1tecturaa elevao das linhas da base e adescida das linhas
do
telhado)
2
>
.
G _ e r ~ l m e n t e as
grandezas diminuem
medida que vo
recuando; diminwo
no
,
de modo
algum, co
n
stante. D-se
a sua
42
1
1
contnua inte1TUp
o
atravs de imagens com propores
e r r ~ d a s
fora de escala.
As
transfonnaes que a distncia e o meio inter
veniente provocam na forma e na cor dos corpos so representadas
com
arrojado virtuosismo. Por isso, estas pinturas tm, pelo estilo, sido
apontadas como precursoras do Impressionismo moderno,
ou
at po
s
tas
em
paralelo com ele, Porm,
nunca nela
s
se
consegue-
uma il umi
nao
uniforme (2
3
). Mesmo se
le
varmos
a srio a ideia da perspec
ti
va
enquanto ver atravs de, como acontece, por exemplo, quando
agimos como se acreditssemos estar a con templar uma paisagem con
tnua atravs de uma fileira
de
colunas (ver a Ilustrao 4), continuare
mos
a ter o espao representadocomo espao concentrado. Este espao
nunca
chega a ser
aquilo que os
te
mpo
s
modernos
reclamam e
com
preendem, um espao sistemtico
(2
4
). E, neste ponto, toma-se evi
dente que esse impressionismo
da
Antiguidade mais no era do que
um quase Impressionismo. Com efeito; o movimento moderno que
designamos des
sa
fom1a pressupe sempre a existncia de
uma uni
dade
superior,
que
est para
alm, que
ultrapassa o espao e os corpos
vazios. Da que as suas observaes se revistam, automaticamente, de
direco e de unidade. O Impressionismo logra, assim, desvalorizar e
dissolver
as
formas slid
as
sem, no entanto, pr
em
perigo, uma vez
que
seja, o cquilfrio
do
espao e a solidez
dos
objectos isolados. Pelo
contrtio,dissimula esse equilbrio eessa solidez. Por outro lado, como
na Antiguidade no existe essa unidade tirnica, foroso se torna gran
jear, por assim dizer, tudo o que represente um ganho em termos de
espao, mesmo que seja
custa da perda de materialidade, o que leva
a que o espao parea devorar
os
objectos. Desenha-se aqui a explica
o para este fenmeno, quase um
paradoxo:
enquanto a representao
do espao entre os corpos no abordada pela Arte da Antiguidade, o
mundo
representado afigura-se-nos
da
maior solidez e harmonia, se
comparado com o da Arte Moderna; mas ,
logo
que da representao
passou a fazer parte o espao, e isto sobretudo na pintura de paisagens,
esse mundo passa a ser estranhamente irreal e
vago,
como um sonho
ou
miragem (2
5
).
A perspectiva da Antiguidade constitui a expresso de
uma
viso
do espao especfica, basicamente
no moderna
(embora, e a despeito
da
opinio de Spengler, seja, sem dvida, uma viso genuinamente
espacia ).
Mais a
ind
a,
a perspectiva da Antiguidade exprime uma con
cepo do mundo por igual especfica e
no
moderna. S
partir daqui
nos
possvel entenderde que forma o
mundo
Antigo conseguiu auto
satisfazer-se atravs
de
uma
interpretao
~ l P . r ~ s s o _ d o
espao
(2
6
),
to
instvel, mesmo falsa
nas
plvfSie
Goethe. Qual
a razo por
que os Antigos
no
foram capazes
de
dar esse passo, na aparncia to
insignificante, e
de
inter
sec
tar a pirmide visual com um plano, par
tindo
depois para a represen tao, realmente precisa e sistemtica, do
espao? Enquanto o axioma dos ngulos, defendido pelos tericos,
43
j
1
1
.
.
1
1
I
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
20/31
se impusesse, isto seria impossvel. Mas, por que no foi ento esse
axioma pura e simplesmente desdenhado, como viria a acontecer e
quinhent
os
anos depois?
Se os
Antigos no agiram desse modo, isso
aconteceu porque essa aspirao ao espao,
qu
e buscava exprimir-se
nas Aitcs Plsticas, no .reivindicava um espao sistemtico. O.espao
sistemtico tinha tanto de impensve.l para os filsofos como de inima
ginvel
para
os artistas na Antiguidade. Seria, por isso, pouco razo
ve
l, do ponto de
vista
metodolgico, equacionar as perguntas Na
Antiguidade existia o conceito de perspectiva? e
Na
Antiguidade
existia O nosso conceito de perspectiva?, como se fez no tempo de
Perrault e Sallier,
de
Lessing e Klctzen.
Por muito
di
versificadas que fossem as
teo
rias espaciais da Anti
g
uid
ade, nenhuma houve
qu
.echegasse.a uma definiodo espaocomo
sistema de relaes simples entre a altura, a extenso e a profun
didade
(2
7
, Caso i.sto se tivesse verificado, sob a aparncia de
um
em movimento, apen
as
.P.9rlllo o:limite extremo de
um
corpo i ncnso; isto , ponto
mai
s afas-
:ii9ili>
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
21/31
CAPTULO
III
Se certos problems artsticos foram de tal modo aprofundados
que continuar a trabalh-los imprimindo a mesma orientao aco
e partindo das mesmas premissas pode revelar-se estril ento pos-
svel que se verifique um intenso movimento de recuo melhor dito tal
vez uma mudana de direco. Essas mudanas frequentemente
associadas
passagem
da
chefia em Arte
par d
um outro pas ou para
um
novo gnero possibilitam a criao de
um
edifcio
novo
surgido
dos destroos do
velho.
Consegue-se s ~ o atravs do abandono
do
que
foi
realizado
ou ~ e j a
do retomar de modos
de
representao na apa-
rncia
mai
s primitivos. As mudanas referidas preparam as bases de
uma ligao renovada a problemas mais antigos e isto exactamente
atravs do distanciamento em relao a esses problemas.
Deparamos
assim com Donatello
que
se filia numa tendncia marcadamente gtica
e no
no
Classicismo apagado dos cpgonos de Amolfo. Da
mesma
forma
e antes que a Drcr fosse possvel a criao dos
Quatro Apsto-
los surgiram as poderosas figuras de Konrad Witz e aps elas exce
dendo-as em elegncia os seres criados por Wolgemut e por Schon
gauer. Entre a Antiguidade e a Idade Moderna temos a Idade Mdia o
mais intenso desses movimentos de recuo a que fiz meno. A tarefa
da Histria da Arte Medieval consistia em harmonizar
uma
inultiplici
dade de objectos isolados anterio1mente embora habilmente associa
dos com vista formao de
uma
unidade autntica. Apenas se atingia
esta nova unidade que s
na
aparncia paradoxal pela quebra
da
unidade existente quer
dizer
atravs da consolidao e
do
isolamento
dos objectos antes ligados por laos no s fsicos e gestuais mas tam-
bm espaciais e de perspcctiva. Nos finais da Antiguidade e ligada a
crescentes influncias Orientais cuja entrada em cena ser mais
um
47
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
22/31
sintoma e um instrumento de
de
senvolvimento novo
do
que
uma
causa, principia a separao da paisagem que se expande livremente e
do espao interior fechado. A sucesso aparente de formas que cria
um
sentido de profundidade
d
lugar,
m is
uma vez,
sobreposio e
justaposio. elementos pictricos isolados, se
jam
eles figuras, edi
fcios ou motivos paisagsticos, at ento considerados
em
parte
como
contedos,
em
parte como constituintes de um sistema espacial coe
rente, transmutam-se cm formas. Estas formas, embora no estejam
ainda totalmente
eq
uilibradas, .t.endem para o plano. Surgem em relevo
contra um fundo dourado ou neutro e esto dispostas sem que tenha
sido prestada a menor ateno a uma lgica de
co
mposio
pr
vi
a.
Entre os sculos segundo e sexto possvel seguir, pass o a passo,
quase diramos, o desenvolvimento deste processo
3}.
Valer a pena
apreciar o mosaico de Abrao em San Vitale, Ravena (Ilustrao 5).
Nesta obra, nitidamente observvel a desagregao da ideia de pers-
pectiva. Tanto as plantas como os relevos terrestres, eliminados das
paisagens da Odisseia pelo limite
do
quadro, como
se
de um caixilho
de janela
se
tratasse, foram forados a adaptar-se
curva da marg
em.
Seria
pr
a
ti
camente impossvel exprimir com maior clareza o seguinte:
o princpio segundo o qual o espao , simplesmente, cortado pela
margem
do
quadro,
co
mea a dar lugar a um outro princpio, o
de
que
h
uma superfcie delimitada pela margem
do
quadro e essa superfcie
de
st
ina-se a ser preenchida e no
co
nt
em
plada atravs
de
..
Os
escor
os da Arte greco-romana acabam por
se
despojar do seu significado
representativo inicial, que
era
o
de
criar espao, mas conservam
as
formas lineares estabelecidas. Submetem-se, assim, a reinterpretaes
das mais curiosas e, com frequncia, pouco vulgares do ponto de vista
expressivo: a maneira de ver anterior, ou
O
lhar atravs
de
, comea a
tomar-se olhar prximo. Assistira-se a uma perda quase total, por parte
dos elementos pictricos isolados,
da
relao dinmica gestual e fsica
e da relao perspectiva espacial. Consegue-se, agora, ver com
qu
e
exactido esses elementos poderiam associar-se numa relao nova e,
de certa forma, mais ntima.
Do
origem a uma trama imaterial
mas
,
pode dizer-se, intacta, na qual a permuta rtmica da cor e
do
ouro
ou,
caso do relevo, da luz e
da
sombra, restabelece uma espcie de uni
dade, mesmo que esta seja s de
cor
ou luz. Ser. mais uma vez, na
sua
conc;
epo do espao prpria
da
filosofia que lhe
contempornea,
que a forma especfica desta unidade encontra a analogia terica. I
sto
acontece na metafsica da luz no neoplatonismo pago e cristo, pois,
como disse ~ r o c l u s
31)
O espao outra coisa no seno a mais bela
l u ~ s A semelhana do que se verifica na Arte, o mundo , pela
pnmerra vez, considerado um contnuo. Solidez e racionalidade dei
xam de fazer parte dele.
como se o espao se tivesse tomado
um
fluido homogneo, digamos at, homogenizador, incom
en
survel,
se
m
dimenso precisa.
48
O passo seguinte
na
senda que
co
nduz
ao
espao sistemtico
Moderno consistiria, dada a situao exposta, remodelao do mundo
agora unificado, mas ainda luminosamente flutuante. Esse mundo
passariaa ser substancial e mensurvel, atributos esses a entender, obvia
mente,
.nu
m
se
ntido Medieval e no no
se
ntido dado
na
Antiguidade.
Estava J claramente presente na Arte bizant
ina
a tendncia para levar
a cabo a reduo do espao a superfcie, embora tal tendncia fosse
muito combatida e at repelida, por vezes, pela inclinao, vinda
tona, p
ara
o recurso
iluso, prpria
da
Antiguidade.
Fal
a-se
em
levar a cabo, por que o mundo dos primrdios
do
Cristianismo e
da
Arte dos fins da Antiguidade no ainda absolutamente linear e bidi
mensional. Trata-se de um mundo de espao e de corpos, mesmo que
nele tudo seja remetido para a superfcie. Alm disso, a
Arte
bizantina
evidenciava a tendncia para enaltecer a linha, nico elemento desta
bid
ime
nsional idade nova capaz de garantir equilbrio e sistematiza
o._ Mas nem sequer a Arte bizantina, que afinal nunca chegara a
deshgar-se da tradio da Antiguidade, foi capaz
de
concretizar este
desenvolvimento de forma tal que
se
produzisse uma ruptura bsica
com os princpios
do
perodo final
da
Antiguidade (assinale-se que
tamb
m
nunca atingiu um Rena
sc
imento). Pode dizer-se que a Arte
bizantina
no
conseguia optar
por
dar forma totalmente linear ao
mundo, desfavor
da
forma pictrica. Explica-se, assim, a predilec
~ o mamfe
s
tada pelo
mosaico, cujas caractersticas propiciam o
disfarce
da
estrutura inflexivelmente bidimensional de uma parede
nua, pelo recurso camada brilhante que a recobre. As linhas de luz e as
estrias de sombra do Ilusionismo da Antiguidade e do seu perodo final
endurecem e tomam-se formas semelhantes a linhas. Porm, o sentido
pictrico primitivo destas formas no se perde ao ponto
de
elas se
tomarem simples linhas. O mesmo acontece no que diz respeito
perspectiva. Na sua fase final, a Arte bizantina traduz-se num trata
mento de motivos paisagsticos e de formas arquitectnicas como ele
mentos cnicos que se destacam de um fundo neutro. Apesar disso,
esses motivos e essas formas continuaram a transmitir uma sugesto de
espao, mesmo no compreendendo j o espao. A despeito da desor
ganizao
do
todo, a Arte bizantina conseguiu, e este aspecto essen
cial para o que nos propomos, conservar os elementos constitutivos do
espao perspectivo da Antiguidade e, desse modo, mant-los prepa
rados para o despertar do Renascimento Ocidental
3
2
.
A Arte
do
Noroeste ewopeu, cujos limites, na Idade Mdia se
l o c l 1 i z a v ~ I?ais nos ~ n i n o s do que nos l ~ e s . trouxe a l t e r a e de
ma10r rad1cal1smo
tradio dos finais da Anugu1dade do que
0
fez a
Arte bizantina
do
Sudeste
da
Europa .Foi aps as pocas dos renas
c i ~ e n t o
3
3
) .c
arolngio e otoniano, que,
por
comparao,
co
nsti
turam, respecttvamente, uma ligao ao passado e antecipao de
um novo est ilo, que surgiu esse estil
o,
em geral, denominado
49
,.
1
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
23/31
:
1
,
11.
'
Romnico. O Romnico, que, em meados do sculo doze atingira
florescimento pleno, consumou a ruptura com a Antiguidade, ruptura
essa nunca assumida pela Arte
de Bizncio. A partir deste momento, a
linha
somente linha, isto ,
um meio
sui generis de expresso gr
fica, que vai beber o seu e n t i d o ~ ~ delimitao e na ~ a m e n t a o d ~ s
superfcies. Entretanto, a
superf1c1e
tomou-se superf1c1e e nada mais.
Desugesto tnuede
um
espao imaterial passou .ser superfcie incon
dicionalmente bidimensional
do
suporte matenal do quadro. Este
estilo foi aprofundado, mantendo a mesma 01ientao e,
no
perodo
que se lhe seguiu, revestiu-se de carcter
mais
sistemtico e arquitectnico. O
modo
como o Romnico destruiu os ltimos vestgios do ante
rior conceito de perspectiva poder ser explicitado pelo recurso a um
exemplo conhecido (um de
muitos):
o da metamorfose do Rio Jordo,
reduzido em perspectiva,
nas
representaes do Baptismo, em mon
tanha de guas
4
. Em
regra, distinguem-se ainda, com nitidez, nas
pinturas bizantina e de influncia de Bizncio, o contorno da margem
do
rio,
que se aprofunda, e a transparncia resplandecente da gua.
O Romnico
puro
(e
j
pelo ano mil se manifesta a transio) volta a
modelar, com deciso sempre crescente,
as
vagas pintadas, que trans
fonna em montanha de
gua,
plstica, slida, e a convergncia defi
nidora de espao que
muda
em fonna ornamental de superfcie.
O rio, reduzido na horizontal, que deixa que vislumbremos o corpo de
Cristo, converte-se em bastidor de teatro, erguido na perpendicular,
atrs do qual a figura desaparece (de vez
em
quanto, toma-se mesmo
uma
mandorla que, em certo sentido, a enquadra). A margem plana
por onde passava o Baptista,
agora
um
escada que ele
tem
de subir.
Pensar-se-ia que, operada que foi esta transformao radical, o
Ilusionismo espacial teria sido, pura e simplesmente,
posto
de parte.
Mas esta transformao constituiu a condio prvia para o apareci
mento da viso realmente moderna do espao. De facto, se a pintura
Romnica reduziu, da mesma forma e com igual determinao, corpos e
espao a superfcie, conseguiu, pela primeira vez e atravs das mesmas
atitudes, firmar e instituir a homogeneidade dos corpos e do espao.
F-lo pela transformao da sua unidade vaga, ptica
numa
unidade
slida e material. Corpos e espao passam a estar ligados, acontea o
que acontecer. A partir de ento, se um corpo se deve libertar dos laos
que o
prendem
superfcie, o
seu
crescimento estar comprometido, a
menos que oespao aumente na mesma proporo.
,
porm,
na
escultura da Alta Idade Mdia que este processo se
concretiza da forma mais intensa e com as consequncias mais dura
douras. Com efeito, a escultura passa pelo mesmo processo de reavalia
o e de consolidao a que fora j submetida a pintura. Tambm a
escultura
deixa
para
trs todos os
vestgios do Ilusionismo Antigo,
transforma uma superfcie pictrica e convulsa, fragmentada por luz e
sombra,
numa
superfcie densa do ponto de vista estereomtrico,numa
50
superfcie que os contornos lineares articulam. Tambm aesculturacria
uma unidade indissolvel entre
as
figuras e o
seu
envolvimento espa
cial, quer dizer, a superfcie que serve de pano-de-fundo, mas esta
unidade no obsta ao aumentode tridimensionalidade que se evidencia
na
forma. Uma figura em relevo deixou de ser
um
corpo posto frente a
uma parede ou dentro de
um
nicho. Pelo contrrio, a figura e a rea em
relevo constituem manifestaes exactamente da mesma substncia.
Assim desponta, pela primeira vez, na Europa, uma escultura de carc
ter arquitectnico, que se no inicia
nem
esgota
no
edifcio, como
acon
tecera com a utilizao do relevo
na
mtopa ou com a caritide,
na
Antiguidade, mas
uma
fonnao de dentro
para
fora,
um
desenvol
vimento a partir
do
prprio material do edifcio. A esttua do portal
Romnico um
batente a que
foi
dado desenvolvimento plstico, a
figura Romnica em relevo
a expresso do desenvolvimento plstico
de
uma
parede. O estilo da superfcie pura, desenvolvido pela pintura,
teve
no
estilo da massa pura a sua contrapartida
no
campo da escultura.
A tridimensionalidade e a materialidade voltam a integrar a escultura.
Mas,
ao contrrio do que havia sucedido na Antiguidade, no se trata
de tridimensionalidade e de materialidade de corpos cuja ligao
(seja-nos permitido repetir o que dissemos)
assegurada, quando se
busca
um
efeito artstico, pela associao de partes distintas entre si,
com extenso, forma e funo individualmente determinadas, isto
,
rgos. Est aqui em questo a tridimensionalidade e a materialidade
de
uma
substncia homognea cuja ligao
assegurada, quando se
busca um efeito artstico, pela associao de partes no distintas entre
si, com extenso, forma e funo uniformes, ou infinitamente mins
culas, isto
,
partculas.
A Arte do G6tico piimitivo ir, novamente, diversificar esta
massa em fonnas quase fsicas. Permitir esttua que ressurja da
parede, na qualidade de estrutura com desenvolvimento independente,
e figura em relevo que se destaque do fundo
como se de
uma
escul
tura autnoma se tratasse. No h dvida de que este renascer da per
cepo da existncia
do
corpo pode ser interpretado como uma espcie
de reaproximao Antiguidade. De facto, muitos lugares houve em
que,
a par dessa percepo, se fez sentir a aspirao, de novo intensa,
ao recuperar da Antiguidade, por parte
dos
artistas. O Gtico primitivo
foi
o perodo que,
atravfts
dos contributos de Vitellio, Peckham e Roger
Bacon, fez renascer a Optica Antiga e, pela aco de Toms de Aquino
tendo
embora em conta alteraes significativas), revivificou a dou
trina do espao formulada por Aristteles
5
. Todavia, os resultados
finais no se cifraram num regresso Antiguidade e sim na ruptura que
apontava para a modernidade. Os elementos arquitectnicos da cate
dral
gtica, de novo concebidos como corpos e, com eles,
as
esttuas e
as figuras
em relevo revelando-se
em
plasticidade, continuaram,
ape
sar
disso, a ser partes integrantes desse todo
homogneo
a que o Rom-
51
I
1
li
'
[ 1
i
:H
'
lo
1
'
1 :
1
1 '
1
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
24/31
nico assegurou, de modo definitivo, a unidade e a no divisibilidade.
Assim, a emancipao dos corpos plsticos
acompanhada , automa
ticamente, quase diramos, de
uma
emancipao que se concretiza ao
nvel da esfera espacial em que esses corpos se incluem. Smbolo desta
situao, e bastante expressivo, temo-lo na esttua do Gtico primi
tivo, que no tem razo de ser separada do baldaquino. Com efeito, o
baldaquino garante a ligao
da
esttua
massa do edifcio e, alm
disso, define e atribui-lhe um fragmento especfico do espao vazio.
Outro smbolo a referir ser o relevo, que mantm a coberturaem arco,
a qual projecta uma sombra profunda. Tambm neste caso, o objectivo
da cobertura assegurar a existncia de uma zona espacial definida,
destinada
s
figuras autonomizadas,
do
ponto de vista plstico, e trans
formar o seu campo de actividade num autntico palco (Ilustrao 6).
Este palco conhece ainda limitaes, tal como acontece com a igreja
do Alto Gtico, uma construo decididamente espacial, mas que se
divide ainda em inmeros vos separados, distintos, e que comuni
caro apenas a partir do Gtico tardio. Contudo, este palco representa
um fragmento de um mundo que parece possuir capacidade inata para
atingir uma extenso ilimitada, e isto apesar de ser composto por clu
las de espao limitadas, que se juntam por si mesmas. No interior deste
mundo, os corpos e o espao vazio so j tomados como formas equi
valentes de expresso de uma unidade homognea e indivisvel.
A doutrina Aristotlica do espao,
to
apaixonadamente acolhida pelos
filsofos escolsticos, viu, igualmente, os seus fundamentos sujeitos a
reinterpretao, pois a premissa da finitude do cosmos emprico cedeu
o lugar premissa da no-finitude da existncia e da interveno divi
nas. verdade que se no considera este infinito como algo de concre
tizado na natureza, e isto entra em choque com a concepo moderna
que comea a firmar-se por volta de 1350. Por outro lado, t l infinito
representa talvez um verdadeiro
energeiai apeiron ou
infinito real
(aspecto que se ope verso Aristotlica autntica), limitado, inicial
mente, a
uma
esfera do sobrenatural que poder, em princpio, vir a
actuar na esfera do natural (36).
Quase
nos
possvel, nesta altura, prever em que ponto
vai
irrom
per a perspectiva moderna. Isso verifica-se onde quer que o sentido
do espao do Gtico do Norte da Europa, reforado na arquitectura e,
sobretudo,
na
escultura 3
7
,
tome conta das formas arquitectnicas e
paisagsticas, fragmentariamente conservadas na pintura bizantina, e as
funde numa unidade nova. A introduo
da
viso do espao d pers
pectiva modernadeveu-se a Giotto e a Duccio, dois pintores de vulto,
cujos estilos completaram tambm, em outros aspectos, a grandiosa sn
tese do Gtico e
do
Bizantino. Ressurgem, pela primeira vez, nas suas
obras, espaos interiores fechados.
Em
ltima anlise, estes interiores
podem ser vistos apenas como projeces pictricas das caixas espa-
52
ciais, criadas, enquanto formas plsticas,
pelo
Gtico do Norte
da
Europa.
No
entanto, so compostos por elementos que
j
existiam
na
Arte
?e
B i z ~ c i o
7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
25/31
'
. i
"
.
l
cunscrito, fechado na parte da frente pelo plano do quadro, na parte
de
us pela parede traseira
da sa
la, aos lados pelas paredes ortogonais.
tambm
um
espao incongruente, no qual
os
objectos (veja-se,
por
exemplo, no painel, a mesa da
ltima Ceia)
parecem perfilar-se frente
caixa espacial, mais do
que
estar no seu interior. Alm disso, as orto
gonais de objectos vistos de forma assimtrica, como os edifcios ou
peas de mobilirio arrumados aos lados, prolongam-se de forma
mais
ou
menos paralela, enquan
to que
na viso simtrica (ou seja,
quando h coincidncia do eixo central do quadro e do eixo central do
objecto
representado), as ortogonais esto orientadas, aproximada
mente, para o
ponto de
fuga ou, ento, nos planos verticais, pelo menos,
para um horizonte (
41
). Mas, at numa viso simtrica, quando
se
divide
o tecto
em
vrias pai.tes, a parte central distinta das que lhe esto
adjacentes.
De
facto, so
s
as suas ortogonais
que
convergem para a
rea de fuga comum, ao passo que as ortogonais das partes adjacentes
se
desviam dela,
com
maior ou menor exactido (
42
. Inicialmente, deu-se
apenas a unificao,
no
que
se
refere
perspectiva, de
um
plano par
cial, no de um plano total e, menos ainda, do espao total.
Na gerao de artistas que se seguiu, e conforme o grau de inte
resse
que
estes manifestaram pela perspectiva, deu-se incio a
uma
separaosingular. Fez-se sentir, semdvida, e
com
premncia,a neces
sidade de
se
proceder elucidao e sistematizao da perspectiva
de
Duccio. Mas atingiu-se este objectivo
por
vias diferentes.
Um
ncleo
de pintores, conservadores,
em
certo sentido, lanou-se na esquema
tizao do mtodo do eixo de fuga (de
que
Duccio prescindira) (
43
,
que
desenvolveu at tom-lo representao paralela pura. Tratava-se de
homens como Ugolino da Siena, Lorenzo
di
Bicci ou o mestre desco
nhecido, autor de
uma
pintura de Estrasburgo que, para tornear o pro
blema
angustiante da parte central do tecto, a acrescentou
uma
espcie
de torre (
44
). Outro grupo, chamemos-lhe o dos progressistas, envere
dara, entretanto, pelo aperfeioamento e sistematizao do mtodo
que
Duccio utilizara apenas na parte central do tecto, e
tomou
extensiva a
sua
aplicao ao tratamento do cho. Os
innos
Lorenzetti distingui
ram-se
pela
contribuio dada. A importncia do quadro A Anuncia-
o de Ambrogio Lorenzetti, pintadoem 1344 (Ilustrao 11), reside,
essencialmente,
no
facto de, pela primeira vez,
se
encontrar as orto
gonais visveis do plano de fundo dirigidas, todas elas, para um ponto
nico, o que revela conhecimento pleno da Matemtica. A descoberta
do ponto de fuga, enquanto imagem
dos
pontos infinitamente dis
tantes de todas as ortogonais, constitui, num determinado sentido,
o smbolo concreto da descoberta do prprio infinito. Porm. outro
aspecto relevante deste quadro reside
no
sentido totalmente novo que
confere ao plano de fundo enquan to tal.
Este
plano
deixa
de ser apenas
54
'
a superfcie inferior de uma caixa espacial, fechada direita e
esquerda, cujos limites so definidos pelos cantos do quadro. Toma-se
a superfcie do fundo de
uma
faixa de espao que, embora esteja deli
mitada atrs pelo tradicional fundo dourado e, na parte da frente, pelo
plano do quadro, se pode considerar como um prolongamento arbitr
rio para qualque r dos lados. E, o
que
talvez seja mais significativo ainda,
note-se
que
o plano de fundo nos
pennite
a leitura clara
dos
tamanhos,
bem como das distncias dos corpos nele dispostos. O padro dos azu
lejos, quadriculado (de que,
como
vimo
s, os
mosaicos de influncia
bizantina de Monreale
eram
o prenncio, mesmo constituindo neles o
quadriculado um motivo apenas, no sendo explorado nesse sentido),
estende-se sob as figuras e indicia, assim, valores espaciais, tanto des
tas figuras
como dos
espaos intermdios. -nos possvel expressar
os
corpos e
as
distncias entre eles e
com
isto tambm o mbito de todos
os movimentos, de
fonna
numrica, como um dado nmero de quadra
dos o cho. A partir de ento, este motivo pictrico conhecer repe
ties e alteraes levadas a
cabo com um
fanatismo que,
s
hoje,
entendemos
por
inteiro. Nunca ser de mais afirmar que o padro de
azulejos, utilizado
no
sentido mencionado, representa o exemplo pri
meiro de um sistema coordenado. Ilustra-se, atravs dele, o espao
sistemtico moderno
numa
esfera concreta do ponto de vista artstico
e isto muito antes de o pensamento matemtico abstracto o ter postu
lado. Dos esforos desenvolvidos
no campo
da
perspectiva, viria a
surgir a geometria projectiva,
no
sculo
XVII.
Em ltima anlise, esta
, semelhanado
que se
passa
com
muitas disciplinas ligadas cin
cia moderna,
um
produto
da
oficina do ai.tista.
Nem sequer a pintura de Lorenzetti ultrapassa a questo que
se
centra no facto de a
totalidade
do plano de fundo estar, ou no, orientada
para um nico ponto de fuga.
De
facto, quando as figuras
se
prolongam
at s margens, escondem os segmentos laterais de espao, como se
pode ver
em
muitas outras pinturas (
45
.
No se
consegue,
por
isso, con-
cluir se a convergncia dessas ortogonais,
que
principiariam fora da
moldura do quadro e passariam pelas figuras, direita e esquera,
se
daria tambm nesse ponto nico.
Antes
ficar-se-ia na dvida. Noutra
pintura do mesmo artista,
em
que fica
em
aberto a viso para esses seg
mentos laterais de espao (Ilustra o 12), as ortogonais
na
margem evi
tam
ainda, e claramente, o ponto de fuga
comum
das ortogonais do
centro (