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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 PENSAR A COMUNICAÇÃO INTERMUNDOS: fóruns cosmopolíticos e diálogos interepistêmicos 1 TO THINK ABOUT COMMUNICATION BETWEEN WORLDS: cosmopolitical forums and inter-epistemic dialogues Luciana de Oliveira 2 Júlio Vitorino Figueroa 3 Resumo: O artigo apresenta um diagnóstico e uma plataforma teórico-metodológica. O diagnóstico busca dar conta da apartada relação entre os estudos de comunicação e os saberes-fazeres de populações tradicionais no Brasil, sublinhando as mútuo-exclusivas relações entre Tradição e Modernidade, constituidoras do campo da Comunicação Social. Segue-se então um esforço de articulação entre duas matrizes filosóficas, decolonialidade e cosmopolítica, do qual emergem duas proposições articuladas como uma plataforma para pensar a comunicação intermundos: 1) a de fórum cosmopolítico que busca enfrentar a dicotomia Natureza X Cultura em face da aproximação etnográfica com outras formas de vida e suas pragmáticas; 2) a de diálogo interepistêmico, que, por via histórica de longa duração, reconhece as diferenças culturais e as formas remanescentes do colonialismo do ponto de vista epistemológico, enfrentando a dicotomia Sujeito X Objeto pela via da interculturalidade como diálogo. Palavras-Chave: Comunicação 1. Fóruns Cosmopolíticos 2. Diálogos Interepistêmicos 3. Abstract: The article presents a diagnosis and a theoretical-methodological platform. The diagnosis seeks to account for the distant relationship between communication studies and the know-how of traditional populations in Brazil, underlining the mutual-exclusive relations between Tradition and Modernity, which constitute the field of Social Communication. It follows an effort to articulate two philosophical matrices, decoloniality and cosmopolitics, from which emerge two combined propositions to think about communication between worlds: 1) cosmopolitical forum that seeks to face the Nature X Culture dichotomy with an ethnographic approach to other forms of life and their pragmatics; 2) inter-epistemic dialogues, which, through a long-lasting historical path, recognizes the cultural differences and the remaining forms of colonialism from an epistemological point of view, facing the Subject X Object dichotomy through interculturality as dialogue. Key-Words : Communication 1; Cosmopolitical Forum 2; Inter-epistemic Dialogues 3. ____________________________________________________________________ 1. Introdução Preambularmente, o presente artigo surge de uma necessidade prática que se inicia no campo sensível da experiência para alcançar o dos efeitos de pensamento: qualificar um fazer de pesquisa, de extensão e de um projeto institucional de ensino em construção ligados aos saberes tradicionais 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Epistemologias da Comunicação do XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Sociologia e Política/UFMG. [email protected] 3 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Comunicação e Cultura/UFBA. [email protected] 1

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020

 

PENSAR A COMUNICAÇÃO INTERMUNDOS: fóruns cosmopolíticos e diálogos interepistêmicos 1

TO THINK ABOUT COMMUNICATION BETWEEN WORLDS: cosmopolitical forums and inter-epistemic dialogues

Luciana de Oliveira 2

Júlio Vitorino Figueroa 3

Resumo: O artigo apresenta um diagnóstico e uma plataforma teórico-metodológica. O diagnóstico busca

dar conta da apartada relação entre os estudos de comunicação e os saberes-fazeres de populações tradicionais no Brasil, sublinhando as mútuo-exclusivas relações entre Tradição e Modernidade,

constituidoras do campo da Comunicação Social. Segue-se então um esforço de articulação entre duas matrizes filosóficas, decolonialidade e cosmopolítica, do qual emergem duas proposições articuladas como uma plataforma para pensar a comunicação intermundos: 1) a de fórum cosmopolítico que busca enfrentar

a dicotomia Natureza X Cultura em face da aproximação etnográfica com outras formas de vida e suas pragmáticas; 2) a de diálogo interepistêmico, que, por via histórica de longa duração, reconhece as

diferenças culturais e as formas remanescentes do colonialismo do ponto de vista epistemológico, enfrentando a dicotomia Sujeito X Objeto pela via da interculturalidade como diálogo.

Palavras-Chave: Comunicação 1. Fóruns Cosmopolíticos 2. Diálogos Interepistêmicos 3.

Abstract: The article presents a diagnosis and a theoretical-methodological platform. The diagnosis seeks to

account for the distant relationship between communication studies and the know-how of traditional populations in Brazil, underlining the mutual-exclusive relations between Tradition and Modernity, which constitute the field of Social Communication. It follows an effort to articulate two philosophical matrices,

decoloniality and cosmopolitics, from which emerge two combined propositions to think about communication between worlds: 1) cosmopolitical forum that seeks to face the Nature X Culture dichotomy

with an ethnographic approach to other forms of life and their pragmatics; 2) inter-epistemic dialogues, which, through a long-lasting historical path, recognizes the cultural differences and the remaining forms of

colonialism from an epistemological point of view, facing the Subject X Object dichotomy through interculturality as dialogue.

Key-Words: Communication 1; Cosmopolitical Forum 2; Inter-epistemic Dialogues 3.

 

____________________________________________________________________  1. Introdução

Preambularmente, o presente artigo surge de uma necessidade prática que se inicia no campo

sensível da experiência para alcançar o dos efeitos de pensamento: qualificar um fazer de pesquisa,

de extensão e de um projeto institucional de ensino em construção ligados aos saberes tradicionais

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Epistemologias da Comunicação do XXIX Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande - MS, 23 a 25 de junho de 2020 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Sociologia e Política/UFMG. [email protected] 3 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Comunicação e Cultura/UFBA. [email protected]

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que vem descortinando novas práticas e aprendizados ligados ao campo de pesquisas em

Comunicação Social . Nesse caminho, uma das principais indagações que fez premente a presente 4

escritura foi a pergunta: o que saberes tradicionais têm a ver com a Comunicação? Manifestações,

movimentos de resistência e práticas comunicacionais corolárias vicejam a partir dos povos

indígenas e das mais diversas experiências de afirmação afrodiaspóricas (quilombolas, de terreiros e

de coletivos negros) oferecendo não só inventivas formas de ruptura com o poder biopolítico das

grandes corporações midiáticas e com o racismo estrutural como também inventivas formas de

afirmação existencial (linguísticas, territoriais, culturais, religiosas, científicas, filosóficas, poéticas)

e de autorreparação de traumas históricos e injustiças no campo dos direitos.

Ao realizar esse movimento que o intelectual quilombola Antônio Bispo dos Santos (2015)

chama de contra-colonização, tais manifestações, movimentos e lutas por existência promovem um

saber comunicacional que escapa aos modelos gestados em sintonia com as experiências do regime

escópico hegemônico e suas formas preferenciais de representação que naturalizam as formas

discursivas do estereótipo e do estigma, criando sofisticados dispositivos de apagamentos e

invisibilizações.

Construímos dois campos de possibilidades àquela pergunta, ao tentar “defender" que a

relação desses saberes-fazeres tradicionais ou cosmopráxis guardam relação com a pesquisa em

Comunicação Social. Ciência moderna, gestada na virada do século XIX para o XX, desenvolvida

com os adensamentos populacionais e sociais associados ao fenômeno das massas bem como com

os avanços das tecnologias e técnicas de mediação da relação entre pessoas separadas

espacialmente, contando com as esperanças racionalizadas e racionalizantes do Iluminismo, como

4 Referimo-nos ao projeto institucional de ensino de graduação "Formação Transversal em Saberes Tradicionais" da Universidade Federal de Minas Gerais (2014-ATUAL), ao projeto de pesquisa "Regimes de Conhecimento e formas de vida na universidade" (2016-Atual) e ao Programa de Extensão Imagem Canto Palavra no Território Guarani e Kaiowá (2014-Atual). Encontro de Saberes é o nome de um projeto que começa em 2010, na UNB, idealizado pelo antropólogo José Jorge de Carvalho, à frente do INCTI/UNB. Sob inspiração desta experiência, na UFMG, a introdução de disciplinas de formação transversal busca promover a interlocução entre diferentes saberes e práticas (de mestres e mestras indígenas, quilombolas, populares tradicionais com os da academia). A pesquisa, uma etnografia multissituada (OLIVEIRA, 2017) nos territórios indígenas bem como em dispositivos e linguagens midiáticas, realizada em colaboração com pessoas e coletivos Kaiowá no Mato Grosso do Sul (MS), busca compreender ações de visibilização tanto da luta pela terra e do grave conflito fundiário quanto da resistência em manter sua forma de vida frente ao estado de guerra naquela região que, diga-se de passagem, ainda é desconhecido para a maior parte da opinião pública nacional e internacional. No campo da extensão, relaciona-se a ações no campo do cinema, em redes sociais, das artes visuais e da produção editorial também desenvolvidos em colaboração com os Kaiowá que são, por seu turno, agenciadoras dos processos de pesquisa. Em abordagem afim, a partir da relação entre decolonialidade e filosofia da diferença, temos pensado também na relação entre comunicação e saberes da experiência com adolescentes no sistema socioeducativo brasileiro (FIGUEROA e OLIVEIRA, 2019a; 2019b)

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relacionar a comunicação ao campo do tradicional — esse "passado de trevas", esse “resto" que

teima em não modernizar ou essa força minoritária/sem escala que subsiste residualmente à

modernidade?

Num primeiro momento e de forma mais diagnóstica, sublinhamos algumas das razões dessa

carência de diálogos entre os saberes tradicionais e os campos científico e prático da comunicação

em torno de uma reflexão sobre a sua gênese e como esta se forja como campo científico moderno

bem como aos mecanismos de poder ligados às mídias e às visibilidades. Mas, não só. Num

segundo momento, na terceira e quarta seções, apresentamos dois dispositivos de aliança entre

regimes de conhecimento e seus mundos, compreendendo uma ação criadora da pesquisa e da ação

na área, ao enfatizar dois gestos político-epistemológicos: 1) assumir os encontros de mundos como

desafios comunicacionais do contemporâneo, buscando inspiração em experiências que fazem viver

ações comunicacionais multidimensionais de resistência ao poder necropolítico (MBEMBE, 2018)

que conduzem travessias pelo moderno-capitalista-estatal de forma contra-colonial (SANTOS,

2015); 2) ao assumir os encontros de mundos como desafios comunicacionais, encampar as

incidências para dentro das formas teórico-conceituais-metodológicas constituídas na área,

implicando em riscos ao que já está estabelecido, na medida em que essas formas são marcadas

pelas experiências empíricas com as mídias corporativas e/ou redes sociais e ações desenvolvidas

por organizações privadas, mercadológicas, estatais e/ou enfatizando as formas técnicas e seus

dispositivos como ponto de partida da reflexão.

São duas as proposições que sugerimos então e que serão objeto de discussão mais adiante,

pensando a comunicação a partir de fóruns cosmopolíticos que possam conduzir a diálogos

interespistêmicos. O adensamento reflexivo em torno dessas proposições é o principal objetivo do

artigo. Para tanto são acionados autores e autoras de duas vertentes bastante distintas de

pensamento filosófico, sociológico e antropológico: a da ontologia francesa e a da decolonialidade

latino-americana. Uma advertência se faz então necessária: há diferenças entre autores e autoras

evocados e suas bases epistemológicas que não podem ser naturalizadas. Estas arestas produtivas

serão aqui, em alguma medida, discutidas e elaboradas. Por hora, é importante assinalar que nos

interessa enfatizar, por um lado, a afirmação histórica e epistêmica reivindicada pela corrente

latino-americana da decolonialidade baseada numa insurreição contra a dicotomia Sujeito X Objeto

e, por outro, base da virada ontológica, a admissão de múltiplas formas de existir e agências que

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conformam o jogo político entre mundos colocando em cheque as depurações modernas Natureza X

Cultura. Sugerimos que um eixo transversal, embora nada consensual, entre as vertentes indicia

possibilidades no que tange a um pensamento sobre a comunicação enquanto relacionalismo das

diferenças, multiplicidades, afecções e formas de emancipação no contemporâneo. Em conclusão,

analisamos os potenciais heurísticos da interface (BRAGA, 2011) entre comunicação e cultura no

sentido da descolonização de nosso pensamento que possa abrir outros caminhos de coabitação com

as diferenças e consequente alargamento epistêmico e político.

2. Comunicação: ciência moderna e os desafios da tradição

A maior parte dos livros-textos que balizam o ensino, as práticas e a pesquisa que delineiam

uma gênese emblemática para o surgimento da Comunicação como ciência ou como campo

descrevem-na a partir dos processos de complexificação social ocasionados pela passagem do

tradicional ao moderno juntamente com os processos de complexificação midiática ocasionados

pelo avanço nos meios técnicos de produção, transmissão e reprodução de dados sobre as interações

sociais. Ligada à gênese do moderno, marcam os estudos na área a consolidação das formas

organizacionais do mercado, a experiência política do e no Estado nacional (incluindo as

organizações midiáticas e privadas públicas) bem como os modos de vida urbanos e os valores do

individualismo e das experiências de estratificação social em classes e das massas. Essa forma de

construir nexo entre a modernização e os estudos da comunicação é tão aceita que quase não se

discute na área o que é a tradição.

Quando a tradição é evocada, em grande parte, sugere-se analisá-la pela dicotomia

comunidade/sociedade, para a qual a grande referência ainda é Toënnies (1947), entendendo a

comunidade como forma pré-moderna e antiga que foi substituída pela sociedade, forma de

aglutinação e organização, em geral vista como exclusivamente humana, na qual há regulação por

princípios utilitaristas e relacionamentos externalizados. A comunidade, ao contrário, é sustentada

por uma solidariedade mecânica quando a referência é Durkheim (2000) ou no modo de produção

feudal evocando Marx (1989) ou ainda por um ethos pré-capitalístico no qual a acumulação não é

valor racionalmente pensando e vivenciado com Weber (1967). Os estudos do urbano e da

constituição do individualismo terão em Simmel (In: SOUZA; ÖELZE, 1998) uma grande

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referência fundadora que se desdobra de diversas formas no pensamento da chamada Escola de

Chicago, encontrando-se com o pragmatismo e a visão interacional e relacional da comunicação. O

modelo de modernização eurocêntrico e euroexclusivista, bem como sua mais exitosa criação

extra-européia concretizada na experiência histórica estadunidense, é referência métrica e heurística

para avaliar e analisar os desenvolvimentos de todas as experiências comunicacionais a partir destes

modelos de pretensões universais e, em geral, perpassados por uma visão essencialista do social e

da sociedade.

Esse caminho sociológico, por assim dizer canônico, tem grande impacto no Brasil e no

mundo, tanto como pensamento social quanto como prática política, onde as tramas da tradição e da

modernidade se tecem em função do modelo europeu de modernização, enredando ciência e

colonialismo/colonialidade de forma intrínseca. Assim, o campo de estudos da comunicação se foca

nas formas de modelizar e teorizar corolários a esse modelo, ora concentrando-se na eficácia e

racionalidade dos meios técnicos de produção, ora nas consequências sociais e formas de interação,

ora mirando as experiências das linguagens, as linguajeiras e as discursivas, tanto em perspectiva

crítica quanto integrada. A Comunicação Social — em suas diversas áreas práticas e de pesquisa

científica — foi guiada por uma visão moderna de mediação, na qual podíamos imaginá-la como

um fluxo direcional do emissor ao receptor e vice-versa – o comunicador criando elos entre pólos:

do fato ao cidadão, a notícia; do produto ao consumidor, a propaganda; da organização aos

públicos, as ações de assessoria. Tal fluxo direcional se amplia com a complexificação técnica dos

meios e grandes esperanças de escapar às lógicas de poder que elas engendram aparecem com as

possibilidades de interação nas redes sociais digitais a partir dos anos de 1990 do século XX.

Quando a centralidade da cultura e da experiência bem como a noção de agência se tornam

pontos cruciais nas teorizações das ciências humanas — o que pode ser localizado historicamente

na segunda metade do século XX —, surgem pesquisas mais sensíveis às experiências minoritárias

como é o caso dos estudos culturais (nas vertentes britânica e latinoamericana), dos estudos de

recepção, das teorias críticas pragmáticas, dos pós-modernismos, dos modelos

relacionais/interacionais, do pós-estruturalismo, dos estudos de estética calcados nas imagens

disruptivas de “outros” povos. O diagnóstico crítico acerca das mídias — tanto como organizações

quanto como lócus de criação de linguagens, discursos e representações — tem profunda densidade

nas pesquisas da área. As análises, dirigindo-se majoritariamente a objetos em relação com

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processos midiáticos e de midiatização, têm construído uma densa crítica no que tange às formas

disciplinares ou diagramáticas de controle biopolítico em suas consequências coletivas e subjetivas

bem como aos problemas da representação de grupos sociais subalternizados e lugares de fala,

discursos hegemônicos ou das disputas por visibilidade ou mesmo das possibilidades criativas no

interior das interações comunicacionais em nível micro.

De todo modo, em grande medida, a licença social para realizar tais mediações ou para

analisá-las alimenta-se de uma imaginação moderna de representação naturalista e de tradução

autorizada. Em síntese, os sistemas midiáticos operam regimes de visibilidade e formas de

saber-poder monoculturais (e, como veremos adiante, melhor dito, mononaturais). Prevalece,

portanto, uma visão científica que depura dicotomicamente as posições Sujeito X Objeto e Natureza

X Cultura, a centralidade do euroexclusivismo e, em boa parte dos casos, do mediacentrismo.

Assim, a busca do diálogo com vertentes filosóficas que têm colocado em debate a pretensão de

universalidade e a hierarquização das formas de saber e dos regimes de conhecimento como forma

de combate a tais dicotomias e de encontrar outras possibilidades para análise das relações de poder

não naturalizadoras e/ou reprodutoras de certas categorias científicas são o ponto de partida

formador de uma sensibilidade conceitual e epistemológica aqui, propondo um encontro entre: o

chamado giro decolonial latino-americano (CASTRO-GOMEZ, 2000; LANDER, 2005; WALSH,

2002; 2006; BALLESTRIN, 2013; MIGNOLO, 2015; CARVALHO, 2018) com um pensamento

europeu dissidente e crítico que revisa seus fundamentos modernos, especialmente a partir da

chamada virada ontológica (DESCOLA, 2005; STENGERS, 2004; FISCHER, 2014; LATOUR,

2014; STRATHERN, 2014; VIVEIROS DE CASTRO, 2002), pensando como esse encontro pode

colaborar para a comunicação intermundos e as políticas de visibilidade agenciadas por movimentos

e pessoas oriundas de outros regimes de saber e que experienciam outras formas de vida.

Dessa sensibilidade conceitual, é que surgem os artefatos teórico-metodológicos alternativos

que, como em certos campos das ciências humanas, buscam constituir uma outra imaginação sobre

as fronteiras entre teoria-metodologia-dados etnográficos: o desejo de realizar diálogos

interepistêmicos — nome filiado à vertente filosófico-sociológica decolonial — fabricados a partir

de fóruns cosmopolíticos — nome filiado à vertente filosófico-antropológica da ontologia. Esses

nomes e os intentos que buscam expressar em nada facilitam a tarefa, em si cobram exigências de

formulação e explicitação que retomaremos nas duas próximas seções.

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3. Interfaces (im)prováveis I: fóruns cosmopolíticos e travessias

O termo cosmopolítica tem sido usado por filósofos e antropólogos em oposição à noção de

cosmopolitismo e como crítica ao antropocentrismo. Em lugar de universais que unificam e

pacificam uma experiência humana diversa culturalmente e naturalmente única, o termo se oferece

como alternativa a aparatos de comparação entre as diferenças e, consequentemente, a balizadores

políticos da construção de interações e formas de comunicação entre elas o relativismo cultural, o

multiculturalismo ou a mestiçagem que podem, enganosamente, conduzir a coabitação entre

mundos à simples convivência entre diferentes pontos de vista sobre um mundo único ou mesmo

esconder as violências, mal-entendidos e dificuldades do contato, ao fim e ao cabo, evitando-o. Em

lugar de uma comunidade política universal formada por algum tipo de consenso, essa vertente tem

buscado destacar o composicionismo, o trabalho artesanal, poético, filosófico e científico de

coletivos de agências e agentes humanas e não-humanas com suas linhas de forças e léxicos

próprios numa luta pela existência, esforço cosmopolítico, que cria formas de viver marcadas pela

não-equivalência, por correspondências instáveis e posicionais e maior abertura ao que a filosofia

pós-estruturalista chamou de um "nós singularmente plural", um "devir entre multiplicidades"

(DELEUZE; GUATTARI, 2008, p. 33).

Como proposta, não como conceito analítico ou, mais ainda, não como crivo para um árbitro

externo (o sujeito cognoscente da Ciência objetivista ), também tem buscado enfatizar as diferenças 5

insuperáveis e os mal-entendidos que envolvem a geração de conversações entre mundos bem como

a força "criante" das existências que não se dobram à maneira do poder englobante de sistemas

políticos estatais e corporativos. A principal colaboração da proposta cosmopolítica que

gostaríamos de trazer à discussão, diz respeito à ruptura da dicotomia Natureza X Cultura (tal como

desenhada a partir do modelo newtoniano de ciência), operada por seus autores e suas autoras

principalmente a partir da prática etnológica com as formas de pensamento não-ocidentais e com as

operações práticas de produção da ciência observadas nos laboratórios e nas posturas científicas

5 Phillipe Descola (2016) sugere que uma nova cosmopolítica deve se basear na crítica ao eurocentrismo e antropocentrismo. Antropoceno é o nome utilizado para falar desse tempo histórico e da experiência antropológica moderna que coloca o humano no centro do pensamento e da ação política como sujeito cognoscente. Nisso, há, obviamente também, um desejo de ruptura com a dicotomia Sujeito x Objeto. No entanto, caudatária do estruturalismo segue propondo universais, generalizações e, acima de tudo, não releva o papel dos intelectuais nativos como pessoas. Por isso, pensamos que a noção decolonial de diálogos interespistêmicos, a ser discutida a seguir, é que melhor responderá à necessidade de ruptura S X O.

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dentro de controvérsias públicas . É também na direção dessa ruptura que, por caminhos diferentes, 6

desenvolvem-se os projetos e ações institucionais descritos na introdução desse artigo e que

motivam essa reflexão: implodir essa dicotomia como forma de aprender a aprender com outros

regimes de conhecimento, com incidências naquilo que é próprio.

A filosofia que apresenta a proposta cosmopolítica, em larga medida, inspirada pela

relevantíssima militância ambiental, pelas etnografias em laboratórios científicos e pelas existências

de mundos e filosofias descortinadas pela etnologia indígena — os pensamentos mágicos pensados

como outra ciência, ideia cara à antropologia desde Lévi-Strauss e Evans-Pritchard (CUNHA, 2009)

— tem advogado a prática política especialmente a partir desses lugares e enfatizado que um existir

diferente e a resistência realizada por lideranças oriundas de outros mundos frente ao mundo

hegemônico Ocidental é, em si, o labor cosmopolítico. A inseparabilidade entre poder mágico,

poder de produzir conhecimentos e poder político é uma das marcas principais desse labor. Lendo o

pensamento de Marilyn Strathern, por sua vez produzido em diálogo com categorias de pensamento

oriundas do pensamento indígena nas terras altas da Nova Guiné, Renato Stutzman (2009, p. 5),

coloca um ponto esclarecedor sobre a relação entre natureza e cultura: O problema do dualismo natureza e cultura, para os modernos, seria, segundo Strathern, o esvaziamento de agência, de intencionalidade da “natureza”, que poderia, assim, ser controlada, manipulada pela “cultura”. Segundo Strathern, em vista de Hagen, teríamos de pensar, na contracorrente das noções que nos são caras, uma relação não-hierárquica – avessa, portanto, à gramática do controle – entre natureza e cultura. Os melanésios não estariam preocupados em postular a existência de um domínio inerte, alheio à ação e à intenção humanas. Eles não tornariam equivalentes selvagem e “natural”, doméstico e “cultural”. Que fazer, então, com a ideia de que isso que denominamos “mundo natural” possa ser pleno de intenção, consciência e agência? Eis o problema mais interessante.

Mas porque pensar em cosmopolítica, fora da chave dicotômica Natureza X Cultura, é

importante para a conformação de pensamento comunicacional? Na chave moderna, essa separação

implica em pelo menos dois problemas: uma restrição da agência comunicante ao humano, tal como

pensado pelo humanismo moderno (tudo o mais comunica em função da ação humana) e uma

6 Talvez o encontro entre esses campos de estudos tão distintos — a etnologia e os laboratórios científicos — esteja naquilo que Latour (1994) ofereceu às ciências sociais com uma crítica aos chamados grandes divisores criados pelos modernos, ao afirmar que a divisão entre Selvagens e Civilizados teria por fundamento grande divisão entre Natureza e Cultura. Do mesmo modo, como mostraremos na próxima seção, o enlace entre modernidade/colonialidade pelo viés histórico na vertente decolonial também constrói um nexo entre as divisões Humanos e Não-Humanos/Sujeito e Objeto bem como, de acordo com Mbembe (2018), a necropolítica decorrente dessa divisão.

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atribuição de poder a formas autorizadas de representação. Encontrar um lugar para repensar a

comunicação nesses dois pontos pode ser interessante ao pensamento crítico que se quer

criador/transformador, fora da ação de denúncia do poder biopolítico dos meios e das desigualdades

no campo representacional ou de um afã reparador da forma representacional numa camada de

superfície.

Em relação às agências em comunicação, as resistências indígenas e afrodescentes em sua

cosmopráxis (saber relacionado com um fazer), são mais do que movimentos sociais organizados

politicamente, embora muitas vezes o sejam também. São movimentos organizados

cosmopoliticamente. O que significa dizer que acionam formas de comunicação múltiplas que

enlaçam o tempo histórico e o tempo mítico, as paisagens terrenas e as paisagens cosmológicas, as

agências dos humanos com as agências dos espíritos, almas ancestrais, deuses e deusas gerando

pragmáticas existenciais e processos de subjetivação política que, além de incompatíveis com as

formas modernas, podem inspirar outros modelos comunicacionais multidimensionais. Os líderes

espirituais, conhecidos como xamãs nos estudos de etnologia e sacerdotes de terreiros nos estudos

das afro-religiosidades, são mediadores entre humanos e não-humanos, além de operarem um

trabalho de reconexão com o tempo e as histórias míticas. São comunicadores que realizam

permanentemente a cosmopolítica: “o que define o xamanismo é essa comunicação e mediação com

o mundo não-humano, um modo de obter conhecimento e agência” (STUTZMAN, 2005, p. 356).

Em relação à representação, é possível, para a ciência e para a ciência da comunicação, tolerar

outras formas de representação do mundo — a de um curandeiro indígena ou afrodescendente, por

exemplo — mas somente a ciência pode ter acesso à forma de representação verdadeira do mundo,

o que no campo prático da comunicação autoriza o jornalista, o publicitário ou o relações públicas a

descrever essas formas de existência ou sobre elas criar juízos públicos. Mas outras formas de

representação nunca são validadas como regimes de verdade e seus intelectuais não têm o mesmo

poder de julgamento nesses espaços públicos. No máximo, ganham a função produtiva, a partir

dessa invenção conceitual fenomenológica de Schultz, retomada na teoria crítica normativa de

Habermas, de mundo da vida. Mas aqui não é esse o caso: não se trata do mundo da vida observado

pela ciência da comunicação mas da vida que fabrica mundos e ciências da comunicação que

podem se comunicar.

Tanto a restrição de agências como um pensamento do comum — ou social — pela

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estabilidade em muito têm a ver com a gênese moderna da comunicação. Pensando o social em

composição — a sociedade, a cultura e a história não são substratos ou essências prévias à ação — e

a convivência pluriétnica, um gesto importante é buscar o que chamei de circuitos paramidiáticos

(OLIVEIRA, 2017) como ponto de partida de uma pesquisa em comunicação. Tal gesto ressalta

duas questões: a primeira, tomar como referência os mundos que muitas vezes não estão presentes

nas mídias . A segunda questão diz respeito a uma dimensão de caráter epistemológico: conhecer o 7

que é a comunicação a partir de um encontro de saberes: o saber científico em face de outros

saberes, chamados de tradicionais (CUNHA, 2009; CARVALHO, 2010), mas que são vivos e

atuais, a ponto de gerar uma desestabilização em nossos conceitos do comum, do social e, portanto,

do que seja comunicação social.

Descrita a importância de aproximar cosmopolítica e comunicação, resta a tarefa de justificar

a pertinência em aproximar a noção de fórum à proposta cosmopolítica como um gesto de

pensamento comunicacional. Há maneiras muito distintas de produzir os espaços de coabitação de

mundos que estão sendo inventadas pelos diplomatas de outras formas de vida em suas resistências

existenciais, epistêmicas e políticas. A noção de espaço que nos conecta ao segundo termo ao qual

buscamos dar vida nesse artigo: fórum cosmopolítico. A palavra fórum, que vimos introduzindo

mais a partir de experiências etnográficas dos encontros do que por uma reflexão teórica prévia

(OLIVEIRA; FLORES; VASQUES; GOMES, 2016; OLIVEIRA, 2016; OLIVEIRA, 2017), busca

dar conta desses espaços e dos esforços de construção de presença nos quais em geral, por iniciativa

de lideranças advindas do mundo indígena, quilombola e popular tradicional, as formas do mundo

hegemônico são subvertidas em favor do alargamento do político, do comunicacional, do

epistêmico e, no fim, da própria reinvenção das partes no plano existencial. Assim, buscamos não

criar outra depuração entre as formas cosmopolíticas não-modernas e os operadores políticos

ocidentais modernos.

A aproximação entre os termos "f'órum" e "cosmopolítico" poderia se aproximar daquilo que,

em montagem cinematográfica, ficou conhecido como "efeito Kuleshov". Na montagem entre uma

7 Se estão, aparecem sob três formas mais recorrentes: 1) sob mediação – especialmente jornalística, cujo grau máximo de proximidade com as vozes vivas dos sujeitos é o testemunho; 2) participação direta a partir de comentários ou emissão de opiniões (vale dizer que podem ser cerceados por mecanismos internos de seleção ou mecanismos do design informacional, bem como pelo próprio grau de acesso e auto-avaliação quanto à capacidade de participar, muitas vezes caracterizando mais uma guerra de mundos com opiniões que são faladas mas não ensejam o debate e a mudança de posições); 3) sob a forma do leitor suposto, da qual observadores especializados depreendem o diálogo mídia e sociedade a partir de noções como a de contrato de leitura.

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imagem e outra, há um horizonte de expectativa de ligação que, por assim dizer, põe em relação as

duas imagens por elas terem sido dispostas uma seguida da outra, como ocorre com os planos,

unidades visuais. As experiências de Kuleshov conduzem à ideia de que a força das imagens está

mais na relação do que nos elementos isolados, o que nos traz de volta à montagem dos termos

“fórum” e “cosmopolítico”. Admitindo que ambos, que se seguem, podem mimetizar a força de

duas imagens que se seguem, defendemos que o que se dá no contato entre ambos é criação, mais

do que "fórum" e mais do que “cosmopolítico" podem carregar por eles mesmos. O que buscamos

enfatizar é a necessidade de não simplesmente celebrar a cosmopolítica como resistência mas fazer

dela desafio relacional, epistêmico, político e comunicacional à forma de vida hegemônica, abrindo

possibilidades muito concretas de afecção, não só do ponto de vista de efeitos de pensamento mas

do próprio encontro entre mundos.

A palavra fórum foi já foi empregada por Michell Callon nomeando o que ele chamou de

“fóruns híbridos”. A noção de fórum cosmopolítico não guarda um parentesco direto com a

discussão de Callon, embora pela coincidência do termo, deva um exame mais detido a ela e ao tipo

de sensibilidade político-conceitual-metódica que ativa. No livro que escreveu em parceria com P.

Lescombes e Y. Barthe, eles explicam que

fóruns porque eles são espaços abertos onde grupos podem vir juntos para discutir opções técnicas envolvendo o coletivo, híbridos porque os grupos envolvidos são participantes querendo se representar são heterogêneos, incluindo especialistas, políticos, técnicos e leigos que se consideram envolvidos. Eles também são híbridos porque as questões e os problemas retomados estão endereçados, em diferentes níveis, a uma variedade de domínios: da ética à economia, incluindo psicologia, física nuclear e eletromagnetismo (CALLON; LESCOMBES; 8

BARTHE, 2009, p. 18, tradução minha).

8 “forums because they are open spaces where groups can come together to discuss technical options involving the  collective, hybrid because the groups involved and the spokespersons claiming to represent them are heterogeneous, including experts, politicians, technicians, and laypersons who consider themselves involved. They are also hybrid because the questions and problems taken up are addressed at different levels in a variety of domains, from ethics to economic and including physiology, nuclear physics, and electromagnetism” 

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Seguindo a leitura do sociólogo chileno Martín Tironi (2010) , há quatro elementos que 9

sustentam a concepção dos fóruns híbridos que guardam afinidades com o que queremos enfatizar:

1) o significado do que é social, político, cultural está em jogo e se redefinem nos espaços de

controvérsia e aprendizagem, ou seja, "no existen definiciones previas del mundo: éstas tienen que

ser sometidas a prueba, y es solamente a través de las pruebas que conocemos el mundo”; 2) as

performances das controvérsias geram novos entes e relações, novas categorias e atores, fazem

visíveis existências não percebidas antes delas e nomes para os elementos que compõem uma

situação conflitiva, sendo assim um modo de conhecimento do mundo; 3) sustentam um programa

político forte de aposta na abertura, configurando um modelo de decisão que rompe com toda a

tradição política de, frente à incerteza, tomar decisões definitivas. Propõem, em lugar disso,

observar os problemas que vão sendo descortinados pelas controvérsias e abertura a outras opções

que o futuro pode trazer; 4) a democratização se estende para a coexistência com agências não

humanas (plantas, vento, cisnes, químicos, água, rios, etc.). A mais importante colaboração, no

entanto, que a noção de fóruns híbridos pode aportar é o desejo de romper com a separação entre

cientistas super especializados e autorizados de um lado e a população ignorante do outro,

corroborando a relevância dos encontros de saberes de forma desierarquizada:

Bajo el modelo de los FH los no-especialistas son útiles no solamente para enriquecer la expertise oficial, sino que son constitutivos de la materia misma que está en discusión. Los diferentes saberes (desde los más profanos y anecdóticos hasta los más expertos y universales) se enriquecen progresivamente para generar productos y soluciones nuevas. La co-producción de saber dice Callon es el resultado de colectivos híbridos que se juntan para explorar, donde diferentes actores rigurosamente seleccionados (de ahí la idea de grupos concernidos) llevan a cabo lo que Callon llama un proceso de apprentissage collectif croise. (TIRONI, 2010)

Mas a noção de fóruns híbridos tem suas limitações para uma aplicação à comunicação

intermundos interessada em observar a multidimensionalidade ou transmodalidade nas formas

comunicacionais de outras experiências culturais. A própria noção de mundo é usada pelos autores

no singular e as agências múltiplas congregadas nas controvérsias estão circunscritas ao plano

9 Martin Tironi, professor da escola de Design da Universidad Alberto Hurtado e pesquisador do Núcleo ANT/Chile, tem uma profícua produção em torno do que chamou de encontros cosmopolíticos para analisar controvérsias tanto no contexto chileno como a instalação de um zoológico quanto no contexto mais amplo de questões globais como tecnologias de sensores,, design, a caminhada, sistemas públicos de bicicletas e as cidades inteligentes. Aqui nos referenciamos em seu artigo disponível em: http://www.icso.cl/practicasculturales/2010/11/foros-hibridos-para-una-sociologia-de-la-experimentacion/

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imanente da vida que se compõe de entes sociais e naturais, permanecendo uma forte visão

racionalista das controvérsias (espíritos, por exemplo, ficam do lado de fora ). Estas, por sua vez, 10

envolvem sempre assuntos de ciência e tecnologia — objeto preferencial da pesquisa dos autores —

que tomam como exemplos de controvérsias: vaca louca, AIDS, doenças neuromusculares,

nanotecnologia, organismos geneticamente modificados. Ou seja, meio ambiente e saúde são

domínios considerados férteis para o debate público e instauração das controvérsias sócio-técnicas.

Além disso, a própria constituição dos fóruns, pela natureza dos objetos em tela, acaba

circunscrevendo a iniciativa de sua criação não aos agentes e diplomatas de outros mundos. Como

chama atenção Stengers (2004), a expressão foi rapidamente subsumida pelo vocabulário do capital,

até porque está circunscrita a uma discussão sobre a ciência, técnica e o papel de experts e de

não-experts bem como da visão de fóruns oficiais e fóruns informais na produção de conhecimento.

Como assinalamos anteriormente, o conceito de representação é criticado pela proposta

cosmopolítica e isso é feito em conexão estreita com o conceito de tradução — ligado tanto ao

trabalho de ciência quanto ao das filosofias não-ocidentais. Ainda no contexto dos chamados fóruns

híbridos a noção de tradução se faz presente como objeto de poder: quem é capaz de traduzir os

interesses dos demais participantes à sua própria linguagem e interesse sairá vitorioso. Mesmo com

o intuito de transformar as formas tradicionais de participação, as formas de agrupação e os

elementos componentes de uma controvérsia não podem escapar às dinâmicas de tradução. O gesto

científico principal na comunicação é o de tradução intermundos: “transladar interesses significa, ao

mesmo tempo, oferecer novas interpretações desses interesses e canalizar as pessoas para direções

diferentes” (LATOUR, 2000, p. 194).

4.Interfaces improváveis II: diálogos interepistêmicos e riscos.

Falar em diálogos interepistêmicos é falar do gesto “tentativo" (BRAGA, 2011) de um encontro

para o qual não há “protocolos" (CARVALHO, 2018) . Os encontros de mundos são 11

10 Renato Stutzman (2005), ao analisar extensa e espessa produção etnológica acerca dos povos tupi, destaca o papel dos conselhos de pajés, guerreiros e líderes de maloca nas relações entre guerra, xamanismo e política — a cosmopolítica. Conforme o autor, “o conselho era, assim, lugar da fala, mas também de fumo e cauim, pois pressupunha uma dupla comunicação, entre os homens, e entre estes e o mundo sobrenatural, fazendo dessa política necessariamente uma cosmopolítica e incluindo nesse parlamento a comunicação com os espíritos” (p. 266). 11 Carvalho (2018) chama a atenção para esse ponto, enfatizando a importância de criação de protocolos, não universais mas específicos para cada área de conhecimento, capazes de conduzir a diálogos interepistêmicos no que tange à dimensão pedagógica da experiência de encontro de saberes nas universidades.

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historicamente raros e marcados pela violência tanto nas dinâmicas universalizantes, racistas e

genocidas do Ocidente quanto nas condições de desigualdades econômicas, existenciais e étnicas de

contextos nacionais como o brasileiro. Quando acontecem, são muitas vezes mediados ou guiados

por lógicas criadas pelas regras da parte criadora de institucionalidades hegemônicas, garantindo

vantagens no domínio de seus dispositivos e linguagens. Decorre em grande parte dos esforços de

movimentos e coletivos minoritários muitas vezes ancorados nos campos do reconhecimento, da

reparação e da reconciliação, das disputas de memória e da própria experiência histórica guiadas

pela urgência ética de pedagogia decolonial de outros regimes de saberes-fazeres (caracterizados

como contra-coloniais pelo intelectual quilombola Antônio Bispo dos Santos, 2015) ao saber-fazer

científico extremamente colonizado por uma matriz eurocêntrica. A obra Livro Natural da artista

plástica Rosana Paulino que interroga a pseudociência justificadora da exploração dos processos de

colonização tematiza essa relação sob a forma de um livro de tecido, cujas três primeiras frases são:

“nós não invadimos, nós levamos o Progresso”, “nós não matamos, nós salvamos as Almas”, “nós

classificamos porque nós amamos a Ciência”.

A vertente decolonial, tem tratado de enfatizar a necessidade dos diálogos interculturais

(WALSH, 2002) com as matrizes de saber que compõem a experiência filosófica, existencial e 12

histórica no eixo sul global e apontado que as lutas no campo político — étnico-raciais, de gênero,

de classe — são, dessa forma, lutas epistêmicas ou lutas por um direito de existir não como objetos

de um conhecimento auto-autorizado que nega e mata outros regimes de conhecimento. Para

pensadores e pensadoras dessa vertente, o conhecimento euroexclusivista-caucasiano-androcêntrico

sustentou o colonialismo e suas continuidades no presente, no duplo vínculo entre

modernidade/colonialidade, de uma experiência de pensamento violentamente ancorada histórica e

territorialmente no racismo, no genocídio e no epistemicídio o que Walter Mignolo chamou de

"diferença colonial” (2015). De acordo com a feminista espanhola Tijana Limic (2015) , seguindo 13

12 Catherine Walsh (2002) desenvolve o termo a partir da análise das formas políticas na experiência de afirmação de movimentos negro e indígena na Colômbia. Sua mais interessante concretização dos diálogos, no entanto, floresce, a nosso ver, das conversações com Juan García Salázar, intelectual afroequatoriano, que desenvolveu uma pesquisa no campo da memória e do registro audiovisual de um extenso acervo de conhecimentos tradicionais com anciãos e anciãs da região de Esmeraldas no Equador. 13 A autora utiliza o termo diálogo interepistêmico e, embora nós não o tenhamos retomado a partir dela que o apresenta mais como um imperativo e menos como uma formulação, seu trabalho é, sem dúvida, uma grande inspiração. A principal delas é a arrogância à universalização de certos saberes em detrimento de outros, assim como de certas experiências políticas de emancipação, o que Limic concretiza analisando o campo dos feminismos, a conformação da noção de mulheres como núcleo identitário universal em detrimento de outras experiências femininas indígenas, negras e não-ocidentais. A pensadora analisa as motivações pelas quais algumas mulheres requerem para si a autoridade de

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o pensamento de Dussel retomado por Grosfoguel em diálogo com os trabalhos de Quijano e

Mignolo, a base epistemológica dessa construção a afirmação de um regime científico calcado tanto

no "ego cogito” (penso, logo existo) quanto no “ego conquiro” (penso, logo conquisto) que o

antecede historicamente em pelo menos 150 anos e também é usado como justificativa racional ao

genocídio/epistemicídio (“ego, extermino”, penso, logo mato) nas Américas. Descartes, Hegel e

Kant são os filósofos mais importantes para essa construção de acordo com Limic em sua leitura

das obras críticas de Dussel e Grosfoguel. As críticas à filosofia eurocentrada dizem respeito a dois

pontos principais, sintetizados pela autora na expressão "corpo política do conhecimento”, cuja base

remonta a Descartes: 1) o solipsismo (monólogo interior) como base da produção de conhecimentos

com a respectiva desconfiança dos sentidos e separação entre sujeito cognoscente e objeto do

conhecimento; 2) o universalismo que se desdobra a partir de dois aspectos: a geração de

enunciados “eternos" ou com prevalência abstrata a toda determinação espaço-temporal como um

sujeito cognoscente abstrato, esvaziado de corpo e com pretensões de validade universal que

independem de localização na cartografia de poder mundial. Há críticas ao primeiro aspecto, mas o

segundo se mantém forte!!

Hegel, por sua vez, criou a ideia da modernidade como um fenômeno local europeu, uma

construção germano-cristã apresentada nas suas Lições Universitárias, em meio ao enfrentamento

entre norte e sul da Europa, consagrando a História Universal ao norte e negando-lhe a validade

para o Sul (da Europa, da América Latina, da Ásia e da África), ocultando suas contribuições

fundamentais à subjetividade e à ontologia modernas. Kant dá sequência à corpo-política do

conhecimento cartesiana com suas reflexões em torno das categorias apriorísticas de pensamento

localizadas na mente dos “homens”. Mas, quem são homens para Kant? Se tomamos seus escritos

antropológicos, vemos que para Kant "la razón trascendental es masculina, blanca y europea. Los 14

hombres africanos, asiáticos indígenas, sureuropeos (españoles, italianos y portugueses) y todas las

mujeres (incluidas las europeas) no tienen acceso a la ‘razón’”. Dussel, em contraponto, reafirma a

falar por todas as mulheres, questionando-se sobre a base dessa universalidade, projetos políticos e de vida, bem como sobre as razões históricas que teriam autorizado a estas mulheres e não a outras. Tais posicionamentos estão em relação direta com os fenômenos da modernidade/colonialidade O artigo não menciona, entretanto, a importante crítica à persistência e predominância de um pensamento realizado por homens brancos (LUGONES, 2015), desconsiderando tanto a centralidade da colonialidade de gênero quanto a centralidade de um lugar autorizado de fala ligado ao mainstream acadêmico internacional (CARVALHO, 2018). 14 La geografía de la razón cambia con Kant, pues él escribe su filosofía desde alemania en el siglo XViii, justo en el momento en que otros imperios en el noroeste de Europa (incluidos Francia, alemania e inglaterra) desplazan a Holanda y en competencia entre sí constituyen el nuevo centro del sistema-mundo (GROSFOGUEL, 2008: 204).

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modernidade como fenômeno global vinculado ao colonialismo e ao imperialismo europeus a partir

do final do século XV. Portanto, recoloca a experiência da história junto com a história do

pensamento como passo fundamental para a desconstrução da separação Sujeito X Objeto,

reconhecendo regimes de saber que não operam essa depuração bem como as formas de vida que se

constituem dela prescindindo e colaborando à própria constituição da subjetividade moderna.

Para pensar a concretização dos encontros e das trocas de saberes como gesto

comunicacional, retomamos a noção de diálogo, tal como formulada no pensamento de Paulo Freire

(2003; 2008), para quem produzir conhecimento é produzir relação ao propor um processo de

educação dialógica, e não bancário de depósito do conhecimento, uma troca de saberes que

pressupõe que a pessoa que está diante de quem ensina é portadora de um saber e que ensinar é

aprender. O diálogo freiriano é uma redisposição para que as pessoas transformem o mundo e

ganhem significação enquanto pessoas. Antes do impossível diálogo entre os que podem pronunciar

o mundo - enquanto negam a pronúncia de outros – e os que acreditam não poder pronunciá-lo, é

preciso a imposição do verdadeiro diálogo. Fundado no amor, na humildade, na fé e na confiança, o

diálogo impõe-se para que seja possível a pronúncia do mundo, ato de criação e recriação, pelos que

crêem que não possuem esse direito (2003, p. 50-51). Freire já projetava encontros para o saber pelo

diálogo, em busca de simetria e autocrítica, algo que o aproxima ainda mais do que está discutido

aqui: “O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se seus

polos (ou um deles) perdem a humildade. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a

vejo sempre no outro, nunca em mim?” (2003, p. 51). Algo extremamente valioso para o educador

era o “conteúdo programático”, que corresponde ao “o quê” do diálogo. Distante da conotação

rígida e apriorística que tomou a expressão, Freire vê nela algo cuja natureza é ser permeável. A

dialogicidade não tem início quando se encontram educador e educando, mas quando o primeiro se

pergunta sobre o “o quê” do diálogo. O conteúdo programático é a “devolução organizada,

sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma

desestruturada” (idem). Ao que tudo indica, para efeitos interepistêmicos, as fronteiras do conteúdo

programático se borrariam em nome de uma outra organização, mais ampla e autosuficiente, cujo

percurso de ser devolvido e reestruturado pudesse, inversamente, ser feito pelos próprios saberes

tradicionais. Inspirada em Freire, bell hooks (2013), caracteriza o que é diálogo a partir de

conversações filosóficas nas quais como acadêmica mulher negra feminista discute com o filósofos

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brancos e do sexo masculino buscando formar o que chama de comunidade pedagógica , calcada 15

numa solidariedade transfronteiriça que possa emergir para além de cristalizações sobre o que o

outro é bem como dos diferentes lugares de poder e fala. As alianças possíveis a partir de

experiências e, logo de existências, radicalmente diferentes.

O interepistêmico, como no conceito de interdisciplinaridade, poderia estar precedido do

multi ou do trans: um diálogo interepistêmico é multiepistêmico na medida em que implica dois ou

mais saberes, além de diversidades internas aos regimes de saberes; um diálogo interepistêmico

pode gerar conceitos transepistêmicos, ou seja, que se situam ou se nutrem de ideias e/ou de

experiências advindas de regimes de saberes diferentes. O prefixo inter acentua o relacionalismo

dessas alianças e inspira-se naquilo que a filósofa Hannah Arendt (2013, p. 23) chama de política: o

espaço ENTRE as existências, negando qualquer essência natural ou social à política, mas

afirmando-a como “instra-espaço” que se faz relação . 16

Diante agora do termo “diálogo interepistêmico”, faremos um segundo movimento digressivo.

Embora se possa afirmar, de maneira aparentemente inquestionável, que, por adjetivar, a palavra

“interepistêmico” qualifica o substantivo “diálogo”, e isso conclui o encaixe entre ambos, vamos

além dessa possibilidade. Há, em jogo, uma montagem que relaciona os dois termos quando há a

aproximação. Buscando inspiração nas categorias de uma montagem cinematográfica soviética,

nutrimo-nos dos pensamentos de Eisenstein (2002) sobre o uso contrapontístico na relação entre

som e imagem em um filme, pensamento não uniforme. Montando “diálogos” a “interepistêmicos”,

podemos dizer que não há redundância, que não há contraste entre eles, que não há puro acréscimo

do segundo termo ao primeiro e que não há subordinação de um dos termos ao outro, pois nenhum

15 Tanto hooks quanto Freire retomam diálogos concretos como forma de pensar o conceito de diálogo. A primeira dialogou e publicou diálogos com Gloria Watkins (ou seja, ela própria em sua persona de nascimento, já que bell hooks é seu nome de escritora, intelectual, artista e ativista), Ron Scapp e Mary Childers (HOOKS, 2013), além de Cornel West, Ken Paulson e James Hilman (https://bell-hooksinstitute.squarespace.com/#/bad-baby-bell-books-publications/). Já Freire trabalhou a noção de diálogo de forma mais conceitual (2003) para depois retomá-la como prática nas trocas estabelecidas com militantes, intelectuais, pais de estudantes e camponeses chilenos (2008). 16 Vale dizer que prevalece uma visão humanista, moderna e racionalista da esfera pública (esta última mais acentuada em Arendt que em Freire) que demarca suas posições. Daí a importância da imaginação cosmopolítica como forma de complexificação actancial e formas compósitas dos coletivos. Nesse sentido, distancia-se de visões racionalistas do sistema político especialmente da ideia de uma modernidade incompleta, tal como pensada por Habermas (2017) para se aproximar de projetos filosófico-políticos como o da transmodernidade de Dussel que propõe completar o processo de descolonização inconcluso e incompleto dos séculos XIX e XX. En lugar de una sola modernidad centrada en Europa y impuesta como un diseño global al resto del mundo, Dussel aboga por una multiplicidad de respuestas críticas descoloniales a la modernidad eurocentrada desde las culturas subalternas y el lugar epistémico de los pueblos colonizados en todo el mundo de respuestas a los problemas generados por la modernidad" (Dussel citado por LIMIC, 2015, p. 143).

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deles, como natureza, seria mero “acompanhante” do outro, o dominante. Eisenstein (2002, p. 29),

evocando o teatro japonês Kabuki, entende a relação entre som e imagem funcionando “como

elementos de igual significância”. E é nessa configuração que entendemos o vínculo entre “diálogo”

e “interepistêmico”.

5. Considerações Finais

Uma síntese primeira é: habitar com as diferenças é comunicação e a pesquisa em

comunicação é um trabalho com as diferenças. No movimento argumentativo do artigo, tentamos

apresentar, analiticamente, essa proposição a partir de dois gestos: um primeiro, de caráter

diagnóstico, apontar para as distâncias entre uma ciência da comunicação moderna e a comunicação

ligada à cosmopráxis produzida no âmbito de populações tradicionais que não deveriam ser vistas

como um “resto”, mas como formas de vida que podem inspirar outros modos de pensar, incluindo

o pensar sobre a comunicação. Em seguida, propomos uma reflexão em torno de duas proposições

capazes de tornar viável o caminho para se pensar a comunicação intermundos. De um lado a

proposta cosmopolítica e, junto com ela, a defesa da noção de fórum, como caminho para sublinhar

formas recursivas e espaços de encontros de mundos num trabalho de desconstrução da dicotomia

Natureza x Cultura, mostrando como essa junção pode servir ao trabalho intelectual em

comunicação ao romper com uma visão naturalista, antropoceno centrada dos processos

comunicacionais. De outro, os diálogos interepistêmicos como forma de sublinhar as diferenças

políticas que atravessam as interações nos seus diversos níveis e os desafios do diálogo entre

desiguais, marcadamente constituída pela depuração entre Sujeito X Objeto e pelo gesto tentativo -

como afirma Braga (2011) a comunicação sempre o é - de aproximação entre mundos que

funcionam sob regimes de conhecimentos que são diferentes.

O que buscamos destacar com as noções de fóruns cosmopolíticos e de diálogos

interepistêmicos é a afirmação de situações e modos de operação em que se destacam resistências

contra-coloniais (SANTOS, 2015), ou seja, aquelas que provocam rupturas inventivas com formas

de poder sobredeterminadoras e autoritárias, incluindo as da ciência, colocando em tela a relação

entre regimes de conhecimento/verdade e regimes de visibilidade. Tais rupturas têm, em face da

discussão aqui proposta, um valor pedagógico decolonial para instituições como a Mídia e a Ciência

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operada pelas formas comunicacionais dos contracoloniais. A comunicação não-moderna, daqueles

que jamais quiseram ser modernos, os circuitos paramidiáticos (OLIVEIRA, 2017) e as

possibilidades de escuta são caminhos profícuos de pesquisa para chegar a formas de comunicação

multidimensionais que escapam aos dispositivos biopolíticos e reafirmam formas de biopotência. A

geração de co-presença corporal e intersubjetiva é essencial para que esse enlace aconteça, daí que

metodologicamente envolve uma aposta na etnografia.

Capazes de acomodar múltiplas agências, múltiplos mundos, múltiplos vínculos (parentesco,

especialmente), o múltiplo de dentro e o múltiplo de fora, múltiplas experiências do tempo, os

fóruns cosmopolíticos gerados na implosão da dicotomia Natureza X Cultura apontam para formas

inventivas de criação de coletivos e de convivência entre regimes de conhecimento que perfuram as

visões de representação verdadeira e de tradução autorizada. Por outro lado, a subversão da

dicotomia sujeito x objeto a partir de diálogos interepistêmicos garante a convivência criadora entre

formas de saberes sem hierarquizá-los a partir de crivos como o problema da magia, do sagrado, ou

de um saber sem fronteiras. As descrições pormenorizadas dos fóruns cosmopolíticos são um passo

importante para a sistematização, a síntese e, por fim, a geração de protocolos nos próprios

encontros. Se o primeiro tem um enfoque temporal mais sincrônico, o segundo abre um eixo

diacrônico tanto de olhar para o passado (e agir sobre ele) quanto de mirar para futuros abertos.

Muitos desses discursos são assumidamente contra-hegemônicos, de resistência ou de

resposta às formas dominantes. Outros simplesmente buscam fazer sobreviver formas de vida que

não cabem nas lógicas de mercado e de Estado do capitalismo ocidental e suas formas de

dominação/opressão que incluem o genocídio, o etnocídio e o epistemicídio. O modo como operam

essas formas de vida parece subverter especialmente o tempo cronológico e vetorial do progresso

linear, buscando reinstaurar o tempo mítico e as formas de comunicação desdenhadas pela soberba

do moderno. Um exercício, portanto, de autorreparação no tempo.

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