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(Over Sea, Under Stone) Livro 1 de 5 na série "The Dark is Rising" Susan Cooper Tradução Não Oficial: Eduardo A. Chagas Jr.

(Over Sea, Under Stone) Livro 1 de 5 na série The Dark is ..._Sob_a... · Barney pulou de um pé para o outro quando desceu do trem, olhando em vão através da multidão de rostos

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(Over Sea, Under Stone)

Livro 1 de 5 na série "The Dark is Rising"

Susan Cooper

Tradução Não Oficial: Eduardo A. Chagas Jr.

“E les ouviram novamente o gemido rouco da coruja, mais perto dessa vez, acima do

promontório no vale oposto; um som ameaçador, inumano, desolado. Jane esqueceu tudo menos a

solidão do escuro. Ficou muda de pavor, como se ela soubesse que uma grande onda estava descendo

sobre ela e não pudesse se mover para fora do caminho. . .”

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CAPÍTULO UM

“Onde ele está?” Barney pulou de um pé para o outro quando desceu do trem, olhando em vão

através da multidão de rostos brancos que impacientemente inundavam a barreira da bilheteria de St. Austell.

“Oh, não consigo vê-lo. Ele está ali?”

“É claro que está,” disse Simon, lutando para agarrar o comprido pacote com o feixe de varas de

pescar de seu pai. “Ele disse que nos encontraria. Com um carro.”

Atrás deles, a grande locomotiva diesel gritou como uma coruja gigante, e o trem começou a se

mover.

“Fiquem onde estão um minuto,” o pai disse, de uma barricada de malas. “Merry não vai

desaparecer. Deixem as pessoas abrirem espaço.”

Jane, concentrada, deu uma respirada. “Posso sentir o cheiro do mar!”

“Estamos a milhas do mar,” Simon falou de modo arrogante.

“Não me importo. Posso sentir o cheiro dele.”

“Trewissick fica a cinco milhas de St. Austell, o tio Merry disse.”

“Oh, onde ele está?” Barney ainda saltitava impacientemente na poeirenta plataforma cinza, olhando

para as costas que bloqueavam sua visão. Então de repente ele ficou imóvel, olhando para baixo. “Ei -

vejam.” Eles olharam. Ele estava olhando para uma grande mala preta no meio da floresta de pernas que

deslizavam.

“O que há de tão incrível naquilo?” falou Jane. Então eles viram que a mala tinha duas orelhas

peludas e uma comprida cauda marrom que balançava. Seu dono a pegou e se afastou, e o cão que estava

atrás dela foi deixado lá sozinho, olhando para cima e para baixo da plataforma.

Era um cão magro e alto, e onde a luz do sol tocava em seu pêlo ele brilhava com um vermelho

escuro. Barney assobiou, e estendeu sua mão.

“Querido, não,” disse a mãe dele com tristeza, agarrando o monte de pincéis que brotava de sua

bolsa como um tufo de aipo.

Mas antes mesmo que Barney assobiasse, o cão já tinha começado a trotar na direção deles, ligeiro e

determinado, como se estivesse reconhecendo velhos amigos. Ele caminhou ao redor deles em um círculo,

levantando seu longo focinho vermelho para cada um, então parou ao lado de Jane, e lambeu a mão dela.

“Ele não é lindo?” Jane se abaixou ao lado dele, e acariciou a longa pele sedosa de seu pescoço.

“Querida, tenha cuidado,” a mãe disse. “Ele poderá ser deixado para trás. Deve pertencer a alguém

bem ali.”

“Gostaria que ele fosse nosso.”

“Então que seja,” disse Barney. “Olha.”

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Ele coçou a cabeça vermelha, e o cão deu um semi-latido de contentamento.

“Não,” disse o pai.

As multidões estavam diminuindo, e através da barreira eles podiam ver um claro céu azul sobre o

terreno da estação.

“O nome dele está em sua coleira,” disse Jane, ainda agachada ao lado do pescoço do cachorro. Ela

remexeu na plaquinha prateada na correia grossa. “Ela diz Rufus. E alguma coisa mais... Trewissick. Ei, ele

vem do vilarejo!”

Mas quando ela olhou para cima, de repente os outros não estavam ali. Ela ficou de pé e correu atrás

deles em meio aos raios de sol, vendo em um instante o que eles tinham visto: a figura alta familiar do tio

Merry, ali fora, esperando por eles.

Eles se agruparam em volta dele, tagarelando como esquilos ao redor da base de uma árvore. “Ah, aí

estão vocês,” ele disse casualmente, olhando para eles debaixo de suas sobrancelhas brancas erguidas com

um leve sorriso.

“Cornwall é maravilhosa,” falou Barney, excitado.

“Você ainda não a viu,” disse o tio Merry. “Como você está, Ellen, minha querida?” Ele se inclinou

e deu um rápido beijo na bochecha da mãe deles. Ele sempre a tratava como se tivesse esquecido que ela

havia crescido. Embora ele não fosse tio dela de verdade, mas apenas um amigo de seu pai, ele estivera

próximo da família por tantos anos que nunca lhes ocorreu imaginar de onde ele tinha vindo.

Ninguém sabia muito sobre o tio Merry, e ninguém jamais ousou perguntar. Ele não se parecia nem

um pouco com seu nome. Era alto, e ereto, com um bocado de espesso cabelo branco rebelde. Em seu rosto

moreno sério o nariz se inclinava ferozmente, como um arco curvado, e os olhos eram profundos e escuros.

Quantos anos ele tinha, ninguém sabia. “Velho como as colinas,” o pai dizia, e eles sentiam, bem lá

no fundo, que provavelmente isso era verdade. Havia algo em tio Merry que era como as colinas, ou o mar,

ou o céu; algo antigo, mas sem idade ou final.

Sempre, onde quer que ele estivesse, coisas incomuns pareciam acontecer. Muitas vezes ele

desaparecia por muito tempo, e então de repente entrava pela porta da frente dos Drews como se nunca

tivesse estado longe, anunciando que havia descoberto um vale perdido na América do Sul, Uma fortaleza

Romana na França, ou um barco Viking queimado na costa Inglesa. Os jornais publicariam histórias

entusiásticas do que ele tinha feito. Mas no momento em que os repórteres surgissem batendo na porta, tio

Merry já teria partido, de volta à poeirenta paz da universidade onde ele lecionava. Eles acordariam uma

manhã para chamá-lo para o café-da-manhã, e descobriam que ele não estava lá. E então não ouviriam mais

nada a respeito dele até a próxima vez, talvez meses depois, em que ele aparecia na porta. Dificilmente

parecia possível que nesse verão, na casa que ele tinha alugado para eles em Trewissick, eles estariam com

ele em um lugar por quatro semanas inteiras.

A luz do sol cintilando em seu cabelo branco, tio Merry carregou as duas malas maiores deles, uma

sob cada braço, e caminhou atravessando o terreno até o carro.

“O que vocês acham disso?” ele perguntou orgulhosamente.

Acompanhando-o, eles olharam. Era um carro grande com um estado surrado, com pára-lamas

enferrujados e tinta descascando, e lama colada nas calotas das rodas. Um pouco de fumaça subia do

radiador.

“Demais!” disse Simon.

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“Hmmmmmm” a mãe disse.

“Bem, Merry,” o pai disse alegremente, espero que você tenha um bom seguro.”

Tio Merry bufou. “Bobagem. Veículo esplêndido. Eu aluguei de um fazendeiro. De qualquer modo,

vai carregar nós todos. Entrem.”

Jane olhou com remorso para a entrada da estação enquanto entrava atrás dos outros. O cão de pêlo

vermelho estava parado na calçada observando-os, com uma comprida língua rosada balançando sobre

dentes brancos.

O tio chamou: “Vamos lá, Rufus.”

“Oh!” Barney disse com alegria, enquanto uma rajada de longas pernas e focinho molhado disparou

através da porta e o empurrou para o lado. “Ele é seu?”

“Deus me livre,” tio Merry disse. “Mas suponho que ele pertencerá a vocês três pelo próximo mês. O

capitão não poderia levá-lo na viagem, então Rufus fica com a Casa Cinza.” Ele se enfiou no banco do

motorista.

“A Casa Cinza?” Simon falou. “É assim que ela é chamada? Por que?”

“Espere e veja.”

O motor deu um soluço e rugiu, e então eles estavam a caminho. Através das estradas e para fora da

cidade eles correram no carro que balançava, até que arbustos tomaram o lugar das casas; arbustos espessos

crescendo bem alto e verdes enquanto a estrada dobrava colina acima, e por trás deles a grama esticando-se

para o céu. E contra o céu eles não viram nada a não ser árvores solitárias, atrofiadas e curvadas pelo vento

que soprava do mar, e pontas de rochas cinza-amareladas.

“Aqui estamos,” tio Merry gritou, acima do barulho. Ele virou sua cabeça e balançou um braço

afastando-o do volante, então o pai resmungou suavemente e tapou os olhos. “Agora vocês estão em

Cornwall. A verdadeira Cornwall. Logres está diante de vocês.”

O barulho estava alto demais para que alguém respondesse.

“O que ele quer dizer, Logres?” perguntou Jane.

Simon balançou a cabeça, e o cachorro lambeu o ouvido dele.

“Ele quer dizer a terra do Oeste,” Barney falou inesperadamente, afastando a mecha de cabelo que

sempre caía sobre os olhos dele. “É o antigo nome para Cornwall. O nome de Rei Arthur.

Simon resmungou. “Eu devia saber.”

Desde que ele tinha aprendido a ler, os maiores heróis de Barney tinham sido Rei Arthur e seus

cavaleiros. Em seus sonhos ele lutou batalhas imaginárias como um membro da Távola Redonda, resgatando

damas e derrotando falsos cavaleiros. Ele esteve desejando vir ao País do Oeste; isso dava a ele uma estranha

sensação de que estaria, de algum modo, voltando para casa. Ele disse, ressentido: “Espere só. Tio Merry

sabe”.

E então, após o que pareceu um longo tempo, as colinas abriram caminho para a longa linha azul do

mar, e o vilarejo estava diante deles.

Trewissick parecia estar dormindo debaixo de seus telhados cinzentos com telhas de ardósia, através

das estreitas ruas sinuosas descendo a colina. Silenciosas por trás de suas janelas de cortinas com laços, as

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pequenas casas quadradas faziam o rugido do carro retornar de suas paredes brancas. Então tio Merry virou o

volante, e de repente eles estavam dirigindo pela borda do porto, passando por águas que ondulavam e

refletiam o dourado no sol da tarde. Navegando – botes ondulavam em seus amarrados pelo cais, e uma

fileira completa de barcos de pesca de Cornwall que eles tinham visto apenas em figuras pintadas por sua

mãe anos atrás: barcos robustos semelhantes aos feitos por profissionais habilidosos, cada um deles com um

mastro espesso e uma pequena casa de máquinas quadrada na popa.

Redes escuras estavam penduradas sobre as paredes do porto, e alguns pescadores, homens fortes de

rosto moreno de botas longas que chegavam até suas coxas, olharam preguiçosamente quando o carro

passou. Dois ou três sorriram para tio Merry, e acenaram.

“Eles conhecem você?” Simon disse curioso.

Mas tio Merry, que podia se tornar muito surdo quando escolhia não responder uma pergunta, apenas

seguiu em frente pela estrada que dobrava subindo a colina, bem alto sobre o outro lado do porto, e de

repente parou. “Aqui estamos,” ele disse.

No silêncio abrupto, seus ouvidos ainda entorpecidos pelo barulho do motor, todos viraram do mar

para olhar para o outro lado da estrada.

Eles viram um terraço de casas inclinando-se, subindo lateralmente a colina; e no meio delas,

elevando-se como uma torre, uma estreita casa alta com três filas de janelas e um telhado triangular. Uma

casa sombria, pintada de cinza escuro, com a porta e os caxilhos das janelas de branco brilhante. O telhado

tinha telhas de ardósia, um alto arco azul cinzento de frente para o porto voltado para o mar.

“A Casa Cinza,” tio Merry disse.

Eles podiam farejar uma estranheza na brisa que soprava levemente em seus rostos descendo a

colina; um convidativo cheiro de sal, alga-marinha e excitamento.

Enquanto eles descarregavam malas do carro, com Rufus correndo em um frenesi através das pernas

de todos, Simon de repente agarrou Jane pelo braço. “Deus – Vejam!”

Ele estava olhando para o mar, além da boca do porto. Na direção de seu dedo apontado, Jane viu o

grande triângulo gracioso de um iate navegando, movendo-se preguiçosamente em direção a Trewissick.

“Bonito,” ela disse, com apenas um fraco entusiasmo. Ela não compartilhava da paixão de Simon por

barcos.

“É uma beleza. De quem será?” Simon ficou observando, hipnotizado. O iate deslizou mais perto,

suas velas começando a bater; e então a grande vela branca principal enrugou-se e desceu. Eles ouviram o

barulho de maquinário, muito leve pela água, e o tossir de um motor.

“A mãe disse que podemos descer e dar uma olhada no porto antes da ceia,” disse Barney, por trás

deles. “Vocês vão?”

“É claro. O tio Merry vai?”

“Ele foi guardar o carro.”

Eles foram descendo a estrada que conduzia até o cais, ao lado de uma parede cinza baixa com tufos

de grama e valeriana rosada crescendo entre suas pedras. Em poucos passos Jane percebeu que tinha

esquecido seu lenço, e correu de volta para pegá-lo do carro. Procurando no chão perto do banco traseiro,

olhou para cima e observou pelo vidro da janela por um momento, surpresa.

Tio Merry, retornando da Casa Cinza em direção ao carro, tinha parado de repente em sua rota no

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meio da estrada. Ele estava contemplando o mar; e ela percebeu que ele tinha avistado o iate. O que a deixou

surpresa foi a expressão no rosto dele. Parado ali como uma alta estátua magra, ele estava franzindo o rosto,

de modo intenso, quase como se estivesse enxergando e escutando com outros sentidos que não dependiam

de seus olhos e ouvidos. Ele nunca poderia parecer ficar assustado, ela pensou, mas essa era a coisa mais

próxima disso que ela já tinha visto. Cauteloso, surpreso, alarmado... qual era o problema com ele? Havia

algo estranho com o iate?

Então ele se virou e voltou depressa para dentro da casa, e Jane saiu pensativa do carro para seguir os

garotos descendo a colina.

O porto estava quase deserto. O sol estava quente em seus rostos, e eles sentiam o calor do lado do

atracadouro de pedra atingir seus pés através das solas das sandálias. No centro, em frente a altas portas de

madeira de um armazém, o cais projetava-se quadrado dentro da água, e um grande monte de caixas vazias

erguia-se sobre as cabeças deles. Três gaivotas caminharam tolerantes até a borda, saindo do caminho deles.

Diante deles, uma pequena floresta de mastros e cordas balançavam; a maré só estava cheia pela metade, e os

conveses dos barcos ancorados estavam abaixo da borda do ancoradouro, fora de vista.

“Ei,” disse Simon, apontando através da entrada do porto. “Aquele iate entrou, vejam. Ele não é

maravilhoso?”

O barco fino estava ancorado além da parede do porto, protegido do mar aberto pelo promontório no

qual ficava a Casa Cinza.

Jane disse: “Você acha que tem alguma coisa estranha nele?”

“Estranha? Por que haveria?”'

“Oh – Não sei.”

“Talvez ela pertença ao capitão do porto,” disse Barney.

“Lugares desse tamanho não possuem capitães do porto, sua pequena cabeçuda, apenas os portos

como os que o Papai foi na marinha.”

“Oh sim, eles têm, sabichão, há uma pequena porta preta bem ali no canto, escrito Escritório do

Capitão do Porto.” Barney deu pulos, triunfante, e assustou uma gaivota. Ela correu alguns passos e então

levantou vôo, voando baixo sobre a água e fazendo barulho ao longe.

“Oh, bem,” Simon falou suavemente, enfiando suas mãos nos bolsos e ficando com as pernas

afastadas, balançando sobre os calcanhares, em sua postura de “capitão à bordo”. “Um a zero. De qualquer

jeito, aquele barco deve pertencer a alguém bem rico. Você poderia atravessar o Canal nele, ou até mesmo o

Atlântico.”

“Ugh,” Jane disse. Ela nadava tão bem quanto qualquer um, mas era o único membro da família

Drew que não gostava do mar aberto. “Imagine atravessar o Atlântico em uma coisa desse tamanho.”

Simon sorriu maldosamente. “Demais. Ondas enormes jogando você para cima e para baixo, tudo

caindo, potes e panelas chocalhando na galera, e o convés subindo e descendo, subindo e descendo...”

“Você vai fazer ela ficar doente,” Barney disse calmamente.

“Bobagem. Em terra firme, aqui fora no sol?”

“Sim, você vai fazer, parece que ela já está um pouco verde. Veja.”

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“Não estou.”

“Oh, sim, parece. Não consigo imaginar porque não estava doente no trem como geralmente você

fica. Apenas pense naquelas ondas no Atlântico, e no mastro balançando, e ninguém com um apetite para o

café-da-manhã a não ser eu...”

“Oh, cale a boca, não vou escutar – e a pobre Jane se virou e correu dando a volta na montanha de

caixas com cheiro de peixe, que provavelmente estiveram surtindo mais efeito em sua imaginação do que o

pensamento no mar.

“Garotas!” Simon falou alegremente.

De repente houve um barulho de batida do outro lado das caixas, um grito, e um ruído de metal

batendo em concreto. Simon e Barney olharam horrorizados um para o outro por um momento, e deram a

volta correndo até o outro lado.

Jane estava deitada no chão com uma bicicleta sobre ela, sua roda da frente ainda girando. Não muito

longe, um garoto alto de cabelo escuro estava estendido no cais. Uma caixa de latas e pacotes de comida

tinham caído do bagageiro da bicicleta, e leite de uma garrafa quebrada que brilhava ao sol estava

escorrendo, formando uma poça branca.

O garoto ficou de pé, olhando para Jane. Ele estava todo vestido de azul-marinho, suas calças

enfiadas em botas Wellington; ele tinha um pescoço grosso curto e um estranho rosto achatado, agora

contorcido de raiva.

“Olhe para onde está indo, você não enxerga?” Ele rosnou, o sotaque de Cornwall ficando feio por

causa da raiva. “Saia do meu caminho.”

Ele ergueu a bicicleta, sem tomar cuidado algum com Jane; o pedal bateu em seu tornozelo e ela se

encolheu com a dor.

“Não foi culpa minha,” ela disse, com algum esforço, “você veio correndo sem olhar para onde

estava indo.”

Barney foi até ela em silêncio e ajudou-a a ficar de pé. O garoto zangado começou a recolher suas

latas espalhadas e a jogá-las de volta para dentro da caixa. Jane pegou uma para ajudar. Mas assim que se

esticou em direção à caixa o garoto bateu em sua mão, fazendo a lata rolar pelo cais.

“Me deixe em paz,” ele rugiu.

“Olha aqui,” Simon falou indignado, “não precisa fazer isso.”

“Cale a boca,”'disse o garoto de modo curto, sem nem ao menos olhar.

“Cale a sua,” Simon falou de modo hostil.

“Oh, Simon, não,” Jane falou tristemente. “Se ele quer ser rude, pode deixar.” A perna dela estava

ardendo violentamente, e sangue escorria do arranhão em seu joelho. Simon olhou para o rosto vermelho

dela, ouvindo o esforço em sua voz. Ele mordeu seu lábio.

O garoto empurrou sua bicicleta para encostá-la em uma pilha de caixas, fazendo careta para Barney

enquanto ele pulava nervosamente para fora do caminho; então a fúria tomou conta dele novamente. “…fora,

todos vocês,” ele remungou; eles nunca tinham ouvido a palavra que ele usou, mas o tom era inconfundível,

e Simon ficou quente de indignação e cerrou seus punhos para dar um soco. Mas Jane o puxou de volta, e o

garoto se moveu rapidamente para a beira do cais e desceu pela borda, encarando-os, a caixa de mantimentos

em seus braços. Eles ouviram o som de um baque, e olhando por cima da borda eles o viram balançando em

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um bote com remos. Ele desamarrou sua corda de atracação de um anel na parede e começou a saiu passando

ao lado dos outros barcos dentro do porto aberto, ficando de pé com um remo enfiado sobre a popa.

Movendo-se depressa e com raiva, ele bateu o bote contra o lado de um dos grandes barcos de pesca, mas

não percebeu. Logo ele estava em mar aberto, remando rapidamente, com uma das mãos, e olhando para eles

com desprezo.

Nesse momento eles ouviram um barulho de pés se movendo rapidamente sobre a madeira do lado

de dentro do barco de pesca avariado. Uma pequena figura esperta apareceu de repente de uma escotilha no

convés e balançou seus braços em fúria, gritando sobre a água em direção ao garoto com uma surpreendente

voz profunda.

O garoto virou duas costas deliberadamente, ainda remando, e o bote desapareceu do lado de fora da

entrada do porto, dando a volta na parede saliente.

O pequeno homem balançou seu punho, então virou em direção ao cais, pulando cuidadosamente do

convés de um barco para outro, até que ele alcançou a escada na parede e subiu até os pés das crianças. Ele

usava as inevitáveis calças e jersey azul-marinhos, com botas longas subindo em suas pernas.

“Jovem moleque mal-educado, aquele Bill Hoover,” ele disse zangado. “Espere até eu pegar ele, é

isso, espere só.”

Então ele pareceu perceber que as crianças eram mais do que apenas uma parte do cais. Ele gruniu,

dando uma rápida olhada para os seus rostos tensos, e o sangue no joelho de Jane. “Pensei que tinha ouvido

vozes,” ele disse, mais gentilmente. “Vocês tiveram problemas com ele?” Ele inclinou sua cabeça para o

mar.

“Ele atropelou minha irmã com sua bicicleta,” Simon falou indignado. “Na verdade foi culpa minha,

Eu a fiz correr na frente dele, mas ele foi muito rude e bateu na mão de Jane e – e então se mandou antes que

eu pudesse bater nele,” ele finalizou desanimado.

O velho pescador sorriu para eles. “Ah bem, não se preocupem com ele. Ele é muito mau, aquele

garoto, nascido com péssimo gênio e malicioso. Fiquem longe dele.”

“Nós ficaremos,” Jane falou decidida, esfregando devagar sua perna.

O pescador estalou sua língua. “É um corte muito feio que você tem aí, querida, você deve querer

limpá-lo. Vocês estão aqui de férias, eu suponho.”

“Estamos na Casa Cinza,” disse Simon. “Lá em cima na colina.”'

O pescador olhou para ele rapidamente, um brilho de interesse passando por seu impassível rosto

moreno franzido. “Então estão lá, não é? Fico imaginando que talvez” – então ele parou, estranhamente,

como se tivesse rapidamente mudado de idéia a respeito do que ia dizer. Simon, intrigado, esperou que ele

continuasse. Mas Barney, que não estava escutando, se virou de onde estivera olhando sobre a borda do cais.

“Aquele ali é o seu barco?”

O pescador olhou para ele, meio pego de surpresa e meio alegre, como ele teria olhado para algum

pequeno animal inesperado que latisse. “Isso mesmo, o meu lindo. Aquele do qual acabei de sair.”

“Os outros pescadores não se importam que você pule em cima dos barcos deles?”

O velho riu, um alegre barulho áspero. “Não tinha nenhum outro caminho para sair dali. Ninguém se

importa que você passe por seu barco, contanto que não os danifique.”

“Você vai sair para pescar?”

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“Não por algum tempo, meu caro,” disse o pescador amavelmente, puxando um pedaço de pano sujo

de seu bolso e esfregando nas marcas de óleo em suas mãos. “Nós partimos quando o sol desce, e voltamos

ao amanhecer.”

Barney sorriu. “Vou levantar cedo e verei vocês voltarem.”

“Vou acreditar nisso quando eu ver,” disse o pescador com uma piscada. “Agora prestem atenção,

corram e levem sua irmãzinha para casa e lavem essa perna, não sabemos que escamas e sujeira entraram

nela aqui.” Ele se arrastou até o cais com sua bota brilhante.

“Sim, vamos lá, Jane,” Simon falou. Ele deu mais uma olhada para a tranqüila linha de barcos; então

levantou sua mão para observar o sol. “Eu acho que, aquele idiota com a bicicleta, está subindo a bordo do

iate!”

Jane e Barney olharam.

Lá fora, além da parede mais distante do porto, uma forma escura estava flutuando contra o longo

casco branco do iate silencioso. Eles só conseguiram ver o garoto subindo pelo lado, e duas figuras

encontrando-o no convés. Então os três desapareceram, e o barco ficou deserto novamente.

“Ah,” disse o pescador. “Então é isso. O jovem Bill estava comprando mantimentos, gasolina e essas

coisas, ontem, o bastante para a marinha, mas ninguém conseguiu saber dele para quem era. É um belo barco

– em passeio, eu suponho. Não consigo entender porque ele fez todo esse mistério.”

Ele começou a caminhar pelo cais: uma pequena figura roliça com o topo de suas botas dobradas

batendo em suas pernas a cada passo. Barney trotou ao lado dele, falando de modo determinado, e se reuniu

aos outros em um canto enquanto o velho, acenando para eles, virou em direção ao vilarejo.

“O nome dele é Sr. Penhallow, e o barco dele é chamado o White Heather. Ele diz que pegaram um

monte de sardinhas noite passada, e pegarão mais amanhã porque vai chover.”

“Uma dia você fará perguntas demais,” falou Jane.

“Chover?” disse Simon incredulamente, olhando para o céu azul.

“Foi o que ele disse.”

“Bobagem. Ele deve estar maluco.”

“Aposto que ele está certo. Pescadores sempre sabem coisas, especialmente pescadores de Cornwall.

Pergunte a tio Merry.”

Mas tio Merry, quando eles sentaram para sua primeira ceia na Casa Cinza, não estava lá; somente os

pais deles, e a sorridente mulher do vilarejo de bochechas rosadas, Sra. Palk, que aparecia todo dia para

ajudar no cozinhar e na limpeza. Tio Merry tinha ido embora.

“Ele deve ter dito alguma coisa,” falou Jane.

O pai encolheu os ombros. “Na verdade não. Ele só murmurou sobre ter que ir e procurar por alguma

coisa e saiu no carro como um raio.”

“Mas nos acabamos de chegar,” Simon disse, magoado.

“Não se preocupem,” a mãe disse confortadora. “Vocês sabem como ele é. Voltará na hora em que

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achar melhor.”

Barney contemplou sonhadoramente os pastéis de Cornwall que a Sra. Palk tinha feito para a ceia

deles. “Ele saiu em uma missão. Ele pode levar anos e anos. Você pode procurar e procurar, em uma missão,

e no final talvez jamais chegue lá.”

“Missão coisa nanhuma,” Simon disse irritado. “Ele simplemente foi atrás de alguma tumba velha

em uma igreja, ou algo assim. Por que ele não podia ter nos contado?”

“Espero que ele esteja de volta pela manhã,” Jane disse. Ela olhou pela janela, por sobre a parede

cinzenta baixa no fim da estrada. A luz estava começando a morrer, e enquanto o sol mergulhava por trás do

promontório deles o mar estava se tornando verde escuro acinzentado, e uma lenta neblina rastejava para

dentro do porto. Através da neblina crescente ela viu uma forma turva se mover, descendo sobre a água, e

acima dela um breve flash de luz; primeiro uma piscada vermelha na escuridão, e então uma verde, e pontos

brancos de luz acima de ambas. E ela sentou de repente quando percebeu que o que ela podia ver era o

misterioso iate branco, movendo-se para for a do porto de Trewissick tão silenciosa e estranhamente quanto

tinha vindo.

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CAPÍTULO DOIS

No dia seguinte, enquanto eles sentavam tomando café-da-manhã, tio Merry voltou. Ele apareceu na

porta, altivo e de olhos fundos sob o cabelo branco, e olhou para os rostos surpresos deles.

“Bom dia,” ele disse alegremente. “Sobrou algum café?” Os enfeites pareciam chocalhar na

prateleira sobre a lareira enquanto ele falava; tio Merry sempre dava a impressão de ser muito maior do que

qualquer aposento em que estivesse.

O pai foi pegar outra cadeira tranqüilamente. “Como está lá fora essa manhã, Merry? Não parece

muito bom para mim.”

Tio Merry sentou-se e serviu-se de torrada, segurando o pedaço em uma palma larga enquanto

passava manteiga nela com a faca do pai. “Nuvem. Espessa, vindo do mar. Nós teremos chuva.”

Barney estava inquieto com insuportável curiosidade. De repente, esquecendo a regra da família de

que jamais deveriam fazer perguntas a respeito do misterioso tio deles, ele disparou: “Tio Merry, onde você

estava?” No calor do momento ele usou o apelido que tinha inventado quando era muito pequeno. Todos eles

ainda usavam às vezes, mas não no dia-a-dia. Jane assobiou levemente entre seus dentes, e Simon olhou para

ele sobre a mesa. Mas tio Merry pareceu não ter escutado. “Não deve demorar,” ele continuou a conversar

com o Pai, com uma boca cheia de torrada. “Mas acredito que deverá durar a maior parte do dia.”

“Vai ter trovões?” Jane disse.

Simon adicionou esperançoso, “Teremos uma tempestade no mar?” Barney sentou silencioso

enquanto as vozes deles turbilhonavam ao redor da mesa. O clima, ele disse para si mesmo com exasperação,

todos eles falando sobre o clima, quando tio Merry acabou de voltar de sua missão.

Então sobre as vozes deles surgiu um baixo ribombar de trovão, e os primeiros sons de chuva caindo.

Enquanto todos correram para a janela para olhar o cinzento céu carregado, Barney atravessou despercebido

até seu tio e enfiou sua mão dentro da dele por um momento.

“Tio Merry,” ele falou suavemente, “você encontrou, o que você estava procurando?”

Ele esperou que tio Merry olhasse para trás com a obstinada expressão amável familiar que

respondia qualquer pergunta. Mas o grande homem olhou para ele quase distraidamente. As sobrancelhas

estavam curvadas unidas proibitivamente no rosto misterioso, e havia a antiga ferocidade nos olhos fundos e

linhas. Ele disse gantilmente, “Não, Barnabas, não encontrei dessa vez.” Então foi como se um cobertor

caisse novamente sobre o seu rosto. “Tenho que ir colocar o carro longe,” ele falou para o pai, e saiu.

O trovão soou baixinho, longe sobre o mar, a chuva caiu com insistência cinza, manchando as

janelas enquanto descia do lado de fora. As crianças perambularam a esmo pela casa. Antes do almoço eles

tentaram sair para dar uma caminhada na chuva, mas voltaram molhados e desanimados.

Lá pela metade da tarde a Mãe colocou sua cabeça pela porta. “Estou subindo para trabalhar até a

ceia. Agora prestem atenção, vocês três – podem ir onde quiserem dentro da casa mas devem prometer não

tocar em nada que obviamente tenha sido colocado afastado. Tudo de valor está bem trancado, mas não

quero vocês remexendo nos papéis pessoais ou pertences de ninguém. Tudo bem?”

“Nós prometemos,” Jane disse, e Simon assentiu.

Em pouco tempo o Pai se enfiou em uma grande capa de chuva e saiu para ver o capitão do porto.

Jane perambulou pelas estantes, mas todos os livros dentro de alcance pareciam ter títulos como Ao Redor do

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Cabo, ou Diário de Navegação da Virtude, 1886, e ela os achou muito tediosos. Simon, que esteve sentado

fazendo dardos com o jornal, de repente amassou todos irritado. “Estou de saco cheio disso. O que vamos

fazer?”

Barney olhou melancólico pela janela. “Está chovendo demais. A água no porto está toda parada. E

em nosso primeiro dia. Oh, eu odeio a chuva, odeio, odeio, odeio a chuva...” Ele começou a cantar

tristemente.

Simon zanzou inquieto pelo quarto, olhando para as imagens no papel de parede escuro. “Essa é uma

casa muito sombria quando você está trancado dentro dela. Ele não parece pensar em mais nada a não ser o

mar, não é, o capitão?”

“No ano passado você ia ser um marinheiro também.”

“Bem, mudei de idéia. Oh, bem, eu não sei. De qualquer modo, eu deveria navegar em um destroier,

não em um barquinho como aquele. O que é isso?” Ele olhava para a inscrição sob uma gravura. “A Corça

Dourada.”

“Esse era o navio de Drake. Quando ele navegou para América e descobriu batatas.”

“Esse foi Raleigh.”

“Oh, bem,” disse Barney, que realmente não se importava.

“Que coisas inúteis eles descobriram,” Simon falou de modo crítico. “Eu não teria me preocupado

com vegetais, eu teria voltado carregado de dobrões, diamantes e pérolas.”

“E macacos e pavões,” disse Jane, lembrando-se vagamente de uma lição de poesia na escola.

“E eu teria explorado no interior e os nativos rudes me transformariam em um deus e tentariam me

oferecer suas esposas.”

“Por que os nativos seriam rudes?” disse Barney.

“Não esse tipo de rude, seu idiota, quer dizer – quer dizer – bem, é o tipo de coisa que os nativos são.

É disso que todos os exploradores os chamam.”

“Vamos ser exploradores,” disse Jane. “Podemos explorar a casa. Ainda não fizemos isso, não

adequadamente. É como uma terra estranha. Podemos trabalhar debaixo indo até lá em cima.”

“E deveríamos levar provisões com agente, assim poderemos fazer um piquenique quando

chegarmos lá,” disse Barney, radiante.

“Não temos nenhuma.”

“Podemos pedir a Sra. Palk,” falou Jane. “Ela está fazendo bolos para mamãe na cozinha. Vamos lá.”

Sra. Palk, na cozinha, riu abertamente com seu rosto vermelho e disse, “Fico só imaginando. O que

vocês vão aprontar em seguida?” Mas ela entregou a eles, cuidadosamente embrulhados, uma pilha de

biscoitos recém cozidos cortados ao meio, bastante amanteigados e unidos novamente; um pacote de

biscoitos amassado, três maçãs e um grande pedaço de bolo laranja-amarelado escuro, espesso e com

pedaços de frutas.

“E algo para beber,” disse Simon com voz de comando, já sendo o capitão da expedição. Então a

Sra. Palk, muito bem humorada, adicionou uma grande garrafa de limonada caseira para completar.

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“Aqui,” ela disse, “isso vai levar vocês até St. Ives e de volta, eu suponho.”

“Minha mochila está lá em cima,” falou Simon, “Vou pegar.”

“Oh, é mesmo,” disse Jane, que estava começando a se sentir um pouco tola. “E nem estamos indo

lá fora.”

“Todos os exploradores possuem mochilas,” Simon falou severamente, dirigindo-se até a porta. “Não

vou demorar nem um minuto.”

Barney mordiscou um pouco das migalhas do bolo amarelo da mesa. Isso é demais.”'

“Bolo de Açafrão,” Sra. Palk disse orgulhosamente. Você não consegue isso em Londres.”

“Sra. Palk, onde está Rufus?”

“Saiu, e isso também é muito bom, embora eu ouse dizer que teremos seus grandes pés por todo o

assoalho. O Professor o levou para dar uma caminhada. Agora pare de beliscar o bolo, querido, ou vai acabar

com aquele piquenique de vocês.”

Simon voltou com a sua mochila. Eles a encheram, e entraram na pequena passagem escura longe da

cozinha, Sra. Palk despedindo-se deles de modo tão solene quanto se estivessem partindo para o Pólo Norte.

“Quem ela disse que tinha levado Rufus para caminhar?” disse Jane.

“Tio Merry,” disse Barney. “Eles o chamam de Professor, você não sabia? Sr. Penhallow também

chamava. Conversam como se eles se conhecessem faz anos.”

Eles estavam na plataforma do primeiro andar, comprida e escura, iluminada apenas por uma

pequena janela. Jane passou sua mão em uma grande caixa de madeira meio escondida em um canto. “O que

é isso?”

“Está trancada,” falou Simon, experimentando a tampa. “Uma das coisas que não devemos tocar, eu

acho. Na verdade está cheia de ornamentos e ouro nativos, vamos pegá-la no caminho de volta e escondê-la

no porão.”

“Quem vai carregar?” perguntou Barney sendo prático. “Fácil, nós conseguimos um punhado de

carregadores nativos. Todos caminhando em uma fila e me chamando de Chefe.”

“Fique esperando que eu te chame de Chefe.”

“Na verdade você deve ser o camareiro, e me chamar de Sr. Sim, sim, Sr!” Simon gritou de repente.

“Cale a boca,” falou Jane. “Mamãe está trabalhando do outro lado da plataforma, vai fazer ela pintar

um borrão.”

“O que tem aqui dentro?” disse Barney. Havia uma porta escura nas sombras no final da plataforma.

“Não tinha notado ela antes.” Ele girou a maçaneta, e a porta se abriu com um lento rangido. “Tem um outro

corredor pequeno descendo alguns degraus, e uma porta no fim dele. Vamos lá.”

Eles desceram sobre o tapete gasto, debaixo de colunas de velhos mapas pendurados nas paredes.

O pequeno corredor, como a casa toda, tinha um cheiro de mobília polida, de antiguidade e de mar; e

ainda assim nada realmente como essas coisas mas apenas o cheiro do desconhecido.

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“Ei,” falou Simon enquanto Barney se dirigia até a porta. “Eu sou o capitão, eu vou primeiro. Pode

ter canibais.”

“Canibais!” disse Barney com desdém, mas deixou Simon abrir a porta.

Era um estranho quarto pequeno, pequenino e vazio, com uma janela redonda de chumbo com vista

para o interior das terras através dos telhados cinzentos e campos. Havia uma cama, com uma coberta

quadriculada vermelha e branca, e uma cadeira de madeira, um guarda-roupa, e um lavabo com um grande

lavatório com desenhos e um jarro. E isso era tudo.

“Bem, não é muito interessante,” falou Jane, desapontada. Ela olhou ao redor, sentindo que algo

estava faltando. “Vejam, não tem nem mesmo um tapete, só o chão limpo.”

Barney andou até a janela. “O que é isso?” Ele pegou algo do batente da janela, comprido e escuro

com o brilho de metal. “É um tipo de tubo.”

Simon pegou dele e o girou curiosamente. “É um telescópio em um estojo.” Ele desatarraxou o

estojo de modo que ele se dividiu em duas metades. “Não, não é, que droga, é só o estojo sem nada dentro.”

“Agora eu sei do que esse quarto me lembra,” Jane falou de repente. “É como uma cabine em um

navio. Aquela janela parece exatamente com uma escotilha. Acho que deve ser o quarto do capitão.”

“Deveríamos levar o telescópio conosco para o caso de perdermos nosso caminho,” disse Simon.

Segurá-lo fazia ele sentir-se agradavelmente importante.

“Não seja tolo, é só um estojo vazio,” Jane falou. “De qualquer modo, não é nosso, coloque-o de

volta.”

Simon fez careta para ela.

“Falo sério,” Jane disse depressa, “estamos na floresta, não no mar, então tem marcos.”

“Oh, tudo bem.” Simon abaixou o estojo de modo relutante.

Eles sairam do pequeno corredor escuro, sua porta, quando a fecharam atrás deles, desapareceu nas

sombras mais uma vez e assim eles mal podiam ver onde ela estivera.

“Não tem muito mais aqui. Aquele é o quarto do tio Merry, tem o banheiro desse lado dele e o

estúdio da Mamãe do outro.”

“Essa casa foi construida de um modo estranho,” falou Simon, quando eles viraram em outro

corredor estreito em direção às escadas que levavam para cima até o andar seguinte. “Todas as pequenas

partes se juntavam através de pequenas passagens engraçadas. Como se cada pedaço fosse feito para ficar

escondido do outro.”

Barney olhou ao redor dele na luz fraca, batendo nas paredes que tinham painéis de madeira até o

meio. “Todas são muito sólidas. Deveria ter painéis secretos e coisas, entradas secretas para dentro de

cavernas do tesouro nativas.” “Bem, ainda não terminamos.” Simon conduziu o caminho subindo as escadas

até a familiar plataforma superior, onde estavam os quartos deles. “Não está ficando escuro? Acho que são as

nuvens baixas.”

Barney se agachou no degrau superior. “Deveríamos ter tochas, tições queimando para iluminar o

caminho e manter os animais selvagens longe. Só não poderíamos porque tem nativos hostis ao redor, e eles

veriam.”

Simon assumiu. De algum modo a imaginação trabalhava facilmente no silêncio amigável da Casa

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Cinza. “Na verdade eles já estão atrás de nós, rastejando por nossos rastros subindo a colina. Logo

conseguiremos ouvir seus pés batendo.”

“Temos que nos esconder.”

“Montar acampamento em algum lugar onde eles não consigam chegar.”

“Em um dos quartos, todos são cavernas.”

“Posso ouvir eles respirando,” Barney falou, olhando para os degraus escuros dentro das sombras

abaixo. Ele estava quase começando a acreditar. “As óbvias cavernas não serviriam,” Simon disse,

lembrando que estava no comando. “Eles olharão primeiro ali.” Ele cruzou a plataforma e começou a abrir e

fechar portas.

“O quarto da Mamãe e Papai – não é bom, caverna muito comum. O da Jane – é a mesma coisa.

Banheiro, nosso quarto, nenhuma rota de fuga. Todos seremos transformados em sacrifícios e devorados.”

“Cozidos,” disse Barney, sepulcral. “Em um grande caldeirão.”

“Talvez tenha outra porta, quer dizer, caverna, que não notamos. Como aquela descendo as escadas.”

Jane olhou ao redor do canto mais escuro da plataforma, ao lado da porta de seus irmãos. Mas a passagem

conduzia até um beco sem saída, a parede correndo inteira por todos os três lados. “Tem que ter uma. Afinal

de contas a casa segue direto, não é mesmo? E tem uma porta diretamente debaixo ali” – ela apontou para a

parede branca – “e um quarto por trás dela. Então deve ter um quarto do mesmo tamanho por trás dessa

parede.”

Simon ficou interessado. “Você está quase certa. Mas não tem porta nenhuma.”

“Talvez tenha um painel secreto,” Barney disse esperançosamente.

“Você leu livros demais. Alguma vez você já viu um painel secreto em uma casa de verdade? Além

disso não há nenhum painel nessa parede, só papel de parede.”

“O quarto de vocês está do outro lado,” falou Jane. “Tem uma porta lá dentro?”

Simon balançou sua cabeça.

Barney abriu a porta para dentro do quarto deles e entrou, chutando seus chinelos debaixo da cama

enquanto passava. Então ele parou de repente.

“Ei, entrem aqui.”

“Qual é o problema?”

“Aquele pequeno espaço entre nossas camas, onde a parede forma um tipo de alcova para o guarda-

roupa. O que tem do outro lado?”

“Bem, a plataforma, é claro.”

“Não pode ser. Tem muita parede aqui dentro. Fiquem na porta e olhem nos dois lados – a

plataforma termina antes que chegue tão longe.”

“Vou bater na parede onde ela termina, e vocês escutam aqui dentro,” Jane disse. Ela foi para o lado

de fora, fechou a porta, e eles ouviram uma leve batida na parede logo acima da cabeceira da cama de

Barney.

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“Aí está” Barney disse, pulando de excitação. “A plataforma só vai até ali, mas a parede aqui dentro

continua por jardas, bem acima da sua cama até a janela. Então deve ter um quarto do outro lado.”

Jane voltou para dentro do quarto. “A parede não parece nem um pouco tão longa lá fora quanto

parece aqui dentro.”

“Ela não é. E acho que isso significa,” Simon disse lentamente, “que deve ter uma porta por trás do

guarda-roupa.”

“Bem, então isso conclui tudo,” Jane disse, desapontada. Aquele guarda-roupa é enorme, nunca

seremos capazes de mover ele.”

“Não vejo por que não.” Simon olhou pensativo para o guarda-roupa. “Teremos que empurrá-lo na

parte baixa, assim o topo não vai desequilibrar. Se todos empurrarmos em uma ponta talvez ele gire.”

“Vamos lá então,” Jane disse. “Eu e você empurramos e Barney segura a parte de cima e grita se sentir que

ela está desequilibrando.”

Os dois se curvaram e tentaram levantar a perna mais próxima do guarda-roupa. Nada aconteceu.

“Acho que essa coisa estúpida está pregada no chão,” Jane falou com desgosto.

“Não, não está. Vamos lá, mais uma vez. Uma, dois, três – levantem!” A grande torre de madeira

rangeu relutante algumas polegadas pelo chão.

“Continuem, continuem, está vindo!” Barney mal podia ficar parado. Simon e Jane puxaram,

ofegaram e bufaram, seus calçados deslizando no linóleo; e o guarda-roupa se moveu gradualmente em um

ângulo da parede. Barney, olhando dentro da escuridão atrás, gritou de repente.

“Ali está! Tem uma porta! Uau – Ele cambaleou para trás, tossiu, e espirrou. “está toda coberta de

poeira e teias de aranha, pode não ter sido aberta faz anos.”

“Bem, vá em frente, experimente,” ofegou Simon, rosado pela falta de ar e com o sucesso.

“Espero que não abra em nossa direção,” Jane disse, sentando fraca no chão. “Não consigo empurrar

essa coisa nem mais uma polegada.”

“Não,” disse Barney, abafado de trás do guarda-roupa. Eles ouviram a porta abrir rangendo em

protesto. Então ele reapareceu, com uma grande mancha escura em uma bochecha. “Não tem um quarto. É

uma escadaria. Mais como uma escada na verdade. Ela sobe até um tipo de escotilha e tem luz lá em cima.”

Ele olhou para Simon com um sorriso torto. “Você pode ir primeiro, Chefe.”

Um por um eles deslizaram para trás do guarda-roupa e pela pequena porta escondida. Lá dentro,

inicialmente era muito escuro, e Simon, piscando, viu diante dele uma escada de degraus largos, inclinando-

se íngreme, erguendo-se em direção a um quadrado levemente iluminado além do qual ele não conseguia ver

nada. Os degraus estavam espessos de poeira, e por um momento ele sentiu-se nervoso em perturbar a

calmaria.

Então, muito levemente, ele ouviu o baixo murmúrio familiar do mar do lado de fora. De repente o

barulho confortável o deixou mais alegre, e ele até mesmo lembrou o que eles supostamente deveriam ser.

“O último fecha a porta,” ele disse por cima se seu ombro. “Mantenham os nativos afastados.” E começou a

subir a escada.

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CAPÍTULO TRÊS

Quando a cabeça de Simon emergiu através da escotilha no topo ele prendeu a respiração do mesmo

jeito que Barney tinha feito: “Aah – aah” e espirrou bem forte. Nuvens de poeira levantaram, e a escada

balançou.

“Ei,” disse Barney protestando lá debaixo, afastando seu rosto dos calcanhares de seu irmão que

tremiam.

Simon abriu seus olhos molhados e piscou. Diante dele e por toda parte estava um vasto sótão, do

comprimento e da largura de toda a casa, com duas janelas imundas em seu teto inclinado. Ele estava cheio,

em uma grande bagunça, com a mais fantástica coleção de objetos que ele jamais tinha visto.

Caixas, arcas e baús jaziam por toda parte, com montes de telas cinzentas sujas e cordas enroladas

rudemente entre elas; pilhas de jornais e revistas, marrom-amareladas pelo tempo; uma armação metálica de

uma cama e um relógio antigo sem uma frente. Enquanto olhava, viu coisas menores: uma vara de pescar

quebrada, um chapéu de palha pendurado no canto de uma pintura em óleo escurecida pelo tempo em uma

grande mancha negra; uma ratoeira vazia, um barco em uma garrafa, uma caixa com frente de vidro cheia de

pedaços de pedra, um par de velhas botas de cano alto curvadas para os lados como se estivessem cansadas,

um amontoado de canecas de metal surradas.

“Deus!” disse Simon.

Barulhos abafados de protesto vieram debaixo, e ele se arrastou através da abertura e rolou para o

lado saindo do caminho deles no chão. Barney e Jane passaram atrás dele.

“Simon!” Jane disse, olhando para ele com horror. “Você está imundo!”

“Bem, isso não parece muito com o comportamento de uma garota? Tudo isso ao seu redor, e você

só vê um pouco de sujeira. Isso vai sair.” Ele bateu inutilmente em sua camisa manchada. “Mas isso não é

maravilhoso? Vejam!”

Barney, gemendo de prazer, estava abrindo seu caminho pelo chão entulhado. “Tem um velho leme

de navio... e uma cadeira de balanço... e uma sela. Será que o capitão já teve um cavalo?”

Jane estava tentando parecer indignada, mas falhou. “Isso é algo como explorar. Podemos encontrar

qualquer coisa aqui em cima.”

“É uma caverna do tesouro. Era atrás disso que os nativos estavam. Escutem eles urrando de

frustração lá embaixo.”

“Dançando em um círculo, com o bruxo curandeiro amaldiçoando a todos nós.”

“Bem, ele pode ficar amaldiçoando,” Barney disse alegremente. “Temos bastante provisões para

eras. Estou faminto.”

“Oh, ainda não, não pode estar. São só quatro horas.”

“Bem, é hora do chá. De qualquer modo, enquanto você está fugindo você come pouco e muitas

vezes, porque nunca ousa parar por muito tempo. Se nós fóssemos Esquimós estaríamos mastigando um

velho cordão de sapato. Meu livro diz…”

“Não se preocupe com seu livro,” disse Simon. Ele procurou dentro da mochila. “Aqui, coma uma

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maçã e fique quieto. Quero olhar tudo direito, antes que façamos nosso piquenique, e se eu posso esperar

você também pode.”

“Não vejo porque,” disse Barney, mas mordeu sua maçã alegremente e perambulou pelo chão,

desaparecendo entre o alto esqueleto de metal da velha cama e um armário vazio. Por meia hora eles

tatearam em um feliz sonho empoeirado, através da sucata, mobília quebrada e ornamentos. Era como ler a

história da vida de alguém, Jane pensou, enquanto olhava para os mastros minúsculos de palitos de fósforo

do navio navegando imóvel para sempre dentro da garrafa de vidro verde. Todas essas coisas tinham sido

usadas uma vez, tinham sido parte do dia-a-dia na casa lá embaixo. Alguém tinha dormido na cama, olhado

ansiosamente os minutos no relógio, saltando alegremente sobre cada revista quando ela chegava. Mas todas

aquelas pessoas estavam mortas fazia muito tempo, ou tinham ido embora, e agora os restos de suas vidas

estavam empilhados aqui em cima, esquecidos. Ela percebeu que estava sentindo-se um pouco triste.

“Estou esfomeado,” Barney disse queixosamente.

“Estou com sede. É toda essa poeira. Vamos lá, vamos descarregar o chá da Sra. Palk.”

“Esse sótão está meio deprimente,” Simon disse, agachando em uma ponta rasgada de tela e tirando

a mochila. “Todas as caixas realmente interessantes estão trancadas. Olhe para aquela, por exemplo.” Ele

apontou em direção a uma caixa negra de metal com dois cadeados enferrujados em sua tampa. “Aposto que

está cheia das jóias da família.”

“Bem,” Jane disse tristemente, “não podemos tocar em nada que esteja trancado, podemos?”

“Tem um monte que não estão trancadas,” disse Simon, passando a ela a garrafa de limonada. “Aqui.

Você terá que beber da garrafa, nós esquecemos de trazer copos. Não se preocupe, não vamos mexer em

nada. Embora eu não devesse imaginar que alguém tenha estado aqui em cima por anos.”

“Comida,” Barney disse.

Os biscoitos estão naquela sacola ali. Sirva-se. Quatro para cada. Eu contei.”

Barney esticou sua mão extremamente suja.

“Barney!” Jane gritou. “Lave suas mãos. Você comerá todo tipo de germes e pegará tifo ou... ou

raiva ou algo assim. Aqui, pegue meu lenço.”

“Quem tem raiva são cães loucos,” Barney disse, olhando com interesse para as impressões digitais

negras em seu biscoito. “De qualquer modo, Papai diz que as pessoas fazem muito alarde por causa dos

germes. Oh, está bem, Jane, pare de balançar essa coisa idiota pra mim, eu tenho meu próprio lenço. Não sei

como as garotas sempre assoam seus narizes.”

Fazendo careta, ele enfiou sua mão livre dentro do bolso, e então sua expressão mudou para

desgosto. “Ugh,” ele disse, e retirou um miolo de maçã marrom amassado. “Eu tinha esquecido. Toda fria e

horrível.” Ele jogou o miolo para longe no canto mais distante do sótão. Ele quicou, deslizou e rolou para

dentro das sombras.

Simon sorriu. “Agora você vai trazer os ratos para fora. Todos os sótãos possuem ratos. Nós

ouviremos pequenos guinchos ávidos e veremos dois pontos verdes parecidos com fogo e vai ter ratos pelo

chão todo. Primeiro eles vão comer o miolo de maçã, e depois virão atrás de nós.”

Jane ficou pálida. “Oh, não. Não teria ratos aqui em cima, teria?”

“Se tivesse eles teriam comido todo o jornal,” Barney disse esperançoso. “Não é mesmo?”

“Espero que eles não gostem de tinta. Todas as casas velhas têm ratos. Temos eles na escola, você

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pode ouví-los correndo no telhado às vezes. Começo a pensar se os olhos deles são vermelhos, não verdes.”

A voz de Simon começou a perder seu brilho. Agora ele mesmo estava começando a sentir-se levemente

infeliz por causa dos ratos. “Acho que seria melhor você pegar aquele miolo de maçã, você sabe, só para

garantir.”

Barney deu um suspiro exagerado e ficou de pé, engolindo seu biscoito com duas mordidas enormes.

“Então para onde ele foi? Bem ali em algum lugar. Fico imaginando porque não colocaram nada nesse

canto.”

Ele rastejou sobre as mãos e joelhos, a esmo. “Venham ajudar, não consigo encontrar.” Então ele

notou uma fenda triangular na parede inclinada do sótão onde suas tábuas se juntavam ao chão. Olhou por

ele, e viu a luz do dia cintilando levemente através das telhas. Dentro da fenda as tábuas do chão terminavam

e ele podia sentir vigas largamente espaçadas.

“Acho que deve ter passado por esse buraco,” ele falou. “Vou dar uma olhada.”

Jane mergulhou pelo chão em direção a ele. “Oh, tenha cuidado, pode ter um rato.”

“Não pode ser,” disse Barney, a meio caminho pela fenda. “Tem luz passando pelas telhas e posso

ver, mais ou menos. Mas não consigo ver nenhum miolo. Acho que deve ter caido entre as tábuas do chão e

da parte debaixo. Uau!”

A parte traseira dele tremeu de repente.

“O que foi? Oh, saia logo daí!” Jane puxou sua roupa.

“Toquei em alguma coisa. Mas não pode ser um rato, não se mexeu. Para onde foi... está aqui. Parece

papelão. Blah – aquele miolo nojento também está aqui perto dele.”

Sua voz ficou mais alta repentinamente quando ele saiu do buraco, vermelho e piscando. “Bem, aqui

está,” ele disse, triunfante, balançando o miolo de maçã. “Agora os ratos terão que vir pegá-lo. Ainda não

acredito que tenha algum.”

“O que é a outra coisa que pegou?” Simon olhava curiosamente para um objeto esfarrapado

semelhante a um pergaminho na outra mão de Barney.

“Pedaço de papel de parede, eu acho. Aposto que vocês comeram todos os biscoitos, seus

malandros.” Barney saltou retornando pelo chão, fazendo as tábuas tremerem. Ele sentou, tirou seu lenço,

balançou-o ostentosamente para Jane, esfregou as mãos e começou a mastigar outro biscoito. Enquanto

comiam, ele se esticou e desenrolou preguiçosamente o pergaminho que tinha encontrado, segurando uma

ponta no chão com seu dedão e empurrando a outra para trás com um pedaço de madeira até que ele ficasse

esticado aberto diante deles.

E então, assim que eles viram o que era, de repente todos esqueceram de comer e observaram.

O papel que Barney tinha desenrolado não era papel, mas um tipo de grosso pergaminho marrom,

com longas rachaduras cruzando-o onde ele esteve enrolado. Dentro dele, outra folha estava presa: mais

escura, parecendo muito mais antiga, esfarrapadas nas pontas, e coberta com pequena escrita em estranhas

letras escuras marrons de aparência achatada.

Abaixo da escrita ela diminuia, como se tivesse sido chamuscada por um grande calor muito tempo

atrás, em pequenas partes meio separadas cuidadosamente unidas e presas à folha exterior. Mas havia sido

deixado o bastante dela para que eles vissem na parte inferior um esboço que parecia o contorno incerto de

um mapa.

Por um momento todos ficaram muito quietos. Barney não disse nada mas podia sentir uma estranha

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excitação fervendo dentro dele. Ele se inclinou para frente, em silêncio, e esticou o manuscrito

cuidadosamente, empurrando o pedaço de madeira para o lado.

“Aqui,” disse Simon, “Vou pegar alguma coisa para manter os lados abaixados.”

Eles colocaram um velho peso de papel, uma caneca de metal e dois pedaços de madeira limpados

cuidadosamente nos cantos, e sentaram sobre seus calcanhares para olhar.

“É terrivelmente antigo,” Jane falou. “Séculos, milhares de anos.”

“Como aqueles papéis em caixas de vidro em museus, com pequenas cortinas para manter a luz do

lado de fora.”

“De onde ele veio? Como chegou aqui em cima?”

“Alguém deve ter escondido ele.”

“Mas é mais velho do que a casa. Quer dizer, olha pra ele, deve ser, uma parte da escrita já está

quase apagada.”

“Não estava escondido,” disse Barney, com absoluta convicção, embora não tivesse nenhuma idéia

clara do porquê. “Alguém simplesmente o jogou ali onde encontrei ele.”

Simon gritou de repente, fazendo eles pularem. “Isso é incrível! Vocês percebem, nós temos um

verdadeiro mapa do tesouro? Poderia nos levar até qualquer coisa, a qualquer lugar, passagens secretas,

cavernas de verdade escondidas – o tesouro de Trewissick” - ele brincou com as palavras em sua língua

saboreando-as.

“Não tem muito de mapa, é tudo escrita.”

“Bem, então são instruções. Olhe no pequeno quarto no segundo piso, acho que diz, no segundo

andar na, quer dizer, esquerda …”

“Quando isso foi escrito não existiam coisas como andares.”

“Oh, deixa disso, ele não é tão velho.”

“Aposto que é,” Barney falou, calmamente. “De qualquer jeito, olhe para essa escrita, você não

consegue ler, está tudo em uma linguagem engraçada.”

“É claro que consegue ler se olhar direito,” Simon disse impaciente. Em sua mente ele já estava a

meio caminho através de um painel deslizante, jogando para trás a tampa de um baú para revelar montes de

incontáveis riquezas. Ele podia quase escutar o retinir de dobrões.

“Vamos dar uma olhada.” Ele se inclinou para frente, as madeiras do assoalho duras e ásperas sob os

seus joelhos, e olhou para o manuscrito. Houve uma longa pausa. “Oh,” ele disse finalmente, de modo

relutante.

Barney não disse nada, mas olhou para ele muito expressivamente.

“Bem, está certo,” Simon disse. “Não precisa parecer tão convencido. Não está em Inglês. Mas isso

não significa que não conseguiremos descobrir o que diz.”

“Por que não está em Inglês?”

“Como eu poderia saber?”

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“Quero dizer,” Barney falou pacientemente, “que estamos na Inglaterra, então em que outra língua

poderia estar?”

“Latim,” Jane disse inesperadamente. Ela esteve quieta olhando para o manuscrito por cima do

ombro de Simon.

“Latim?”

“Sim. Todos os manuscritos antigos são escritos em Latim. Os monges costumavam escrever eles

com pena de ganso como caneta, e colocar flores e pássaros e coisas onduladas desenhadas ao redor das

letras maiúsculas.”

“Aqui não tem nada desenhado. Parece como se tivesse sido escrito com uma certa pressa. Não

consigo nem ver qualquer letra maiúscula.”

“Mas por que Latim?” perguntou Barney.

“Eu não sei, os monges geralmente usavam, isso é tudo, era um dos costumes deles. Acho que era

um tipo de linguagem do tipo que soava religiosa.”

“Bem, Simon conhece Latim.”

“Sim, vamos lá, Simon, traduza,” Jane falou maliciosamente. Na escola ela ainda não tinha

começado Latim, mas ele esteve aprendendo isso por dois anos, e era um tanto convencido a respeito do fato.

“Não acho que seja Latim de modo algum,” Simon disse rebelde. Olhou para o manuscrito de novo.

“Essa escrita é tão estranha, as letras parecem todas iguais. Como um monte de pequenas linhas retas em

uma fileira. A luz aqui dentro também não é muito boa.”

“Você só está dando desculpas.”

“Não, não estou. É um bocado difícil.”

“Bem, se mal consegue reconhecer Latim quando o vê não pode ser nem um pouco tão bom quanto

diz que é.”

“Dê mais uma olhada,” disse Barney esperançoso.

“Acho que está em duas partes,” Simon falou lentamente. “Um pequeno parágrafo em cima, e então

mais um monte todo junto depois de um espaço vazio. A segunda parte não consigo entender de modo

algum, mas o primeiro parágrafo realmente parece como se pudesse ser em Latim. A primeira palavra parece

com cum, que significa com, mas não consigo ver o que vem depois disso. Então mais em frente tem ipost

multos annos, que é após muitos anos. Mas a escrita é toda tão pequena e espremida que não consigo...

espere um minuto, tem alguns nomes na última linha. Diz Mar… não, Marco Arturoque.”

“Como Marco Polo,” Jane falou duvidosamente. “Que nome engraçado.”

“Não um nome, são dois. Que significa e, eles apenas o colocam no final ao invés de no meio. E o no

final é o ablativo de nós, então isso significa por, com ou de Marcus e Arturus.”

“Por, com ou de? Mas que… Barney! Qual é o problema?”

Barney, de rosto vermelho e resmungando, de repente tinha batido seu pé no chão, prendeu a

respiração tentando dizer alguma coisa, e começou a tossir bem forte. Eles bateram nas costas dele e lhe

deram um gole de limonada.

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“Marcus e Arturus,” ele disse roucamente, recuperando seu fôlego. “Não percebem, são Mark e

Arthur! É sobre o Rei Arthur e seus cavaleiros. Mark era um deles, e ele era Rei de Cornwall. Deve ser a

respeito deles.”

“Deus,” Simon disse. “Acho que ele está certo.”

“Deve ser isso. Aposto que o velho Rei Mark deixou algum tesouro escondido em algum lugar e é

por isso que existe um mapa.”

“Acho que encontramos ele.”

“Ficaríamos ricos.”

“Seríamos famosos.”

“Temos que contar para Mamãe e Papai,” Jane disse.

Os dois garotos pararam de bater um no outro e olharam para ela.

“Pra que?”

“Bem…” Jane falou de modo tímido, surpresa. “Acho que devemos, só isso.”

Barney sentou sobre os seus calcanhares de novo, franzindo o rosto, e passou os dedos por seu

cabelo, que agora parecia muito mais escuro do que pareceu quando eles subiram até o sótão. “O que será

que eles iriam dizer?”

“Eu sei o que eles diriam,” Simon falou prontamente. “Eles diriam que tudo era nossa imaginação, e

de qualquer modo eles diriam para colocar o manuscrito de volta onde encontramos porque não é nosso.”

“Bem,” Jane disse, “Não é, é?”

“É um tesouro escondido. Quem acha fica.”

“Mas encontramos na casa de outra pessoa. Pertence ao capitão. Você sabe o que Mamãe disse sobre

não tocar em nada.”

“Ela disse nada que estivesse guardado. Isso não estava guardado, simplesmente estava largado em

um canto.”

“Eu encontrei,” Barney disse. “Estava esquecido e sujo. Aposto com vocês que o capitão não tinha

nenhuma pista de que isso estava ali.”

“Oh, honestamente, Jane,” Simon disse. “Você não pode encontrar um mapa do tesouro e

simplesmente dizer Oh, que legal, e colocar de volta. E é isso que eles nos obrigariam a fazer.”

“Oh, bem,” Jane disse com dúvida, “Acho que você está certo. Sempre poderemos colocar de volta

mais tarde.”

Barney tinha se virado para o manuscrito de novo. “Ei,” ele disse, pegue essa parte de cima, o velho

manuscrito que está preso no pergaminho. Do que ele é feito? Pensei que fosse pergaminho como a parte

externa, mas quando você olha direito não é, e também não é papel. É alguma coisa grossa engraçada, e é

dura, como madeira.”

Ele tocou uma borda da estranha superfície marrom cuidadosamente com um dedo.

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“Tenha cuidado,” Jane falou nervosamente. “Pode se desfazer em pó diante de nossos olhos ou algo

assim.”

“Imagino que você ainda iria querer mostrar pra todo mundo mesmo assim,” Simon disse

acidamente. “Vejam o que encontramos, tem importância se tocarmos? E mostraria a eles um pequeno monte

de pó em uma caixa de fósforos.” Jane não disse nada.

“Oh, bem, não importa,” Simon falou, solícito. Ela teve boa intenção, afinal de contas. “Ei, está

ficando terrivelmente escuro aqui em cima, vocês acham que deveríamos descer? Logo estarão procurando

por nós, mamãe terá parado de pintar.”

“Está ficando tarde.” Jane olhou ao redor do sótão e tremeu de repente. A grande sala estava ficando

escura, e agora havia um som sinistro no leve bater da chuva sobre o vidro. De volta aos seus quartos, com o

guarda-roupa dos garotos empurrado novamente para esconder a pequena porta secreta, eles se lavaram e se

trocaram depressa enquanto o bater da campainha de barco que os chamou para a ceia ecoou escada acima.

Simon trocou sua camisa suja, enrolando a limpa em uma bola amarrotada antes de colocá-la, e esperando

que ninguém notasse que estava fresca. Não havia muito o que pudessem fazer a respeito do cabelo de

Barney, agora cáqui. “É como a mamãe diz sobre aquele tapete na sala de estar em casa,” Jane disse em

desespero, tentando retirar a poeira enquanto seu irmão serpenteava em protesto. “Mostra cada marca.”

“Talvez devêssemos lavá-lo.” Simon olhou para Barney de modo crítico.

“Não,” Barney disse.

“Oh, bem, não dá tempo mesmo. Além disso, estou com fome. Você simplesmente vai ter que sentar

longe da luz.”

Mas quando todos estavam sentando ao redor da mesa de jantar, logo ficou claro que ninguém iria

fazer perguntas sobre onde eles estiveram. A noite começou como um daqueles momentos em que tudo

parecia determinado a dar errado. Mamãe parecia cansada e deprimida, e não falou muito; sinais, eles

sabiam, que o seu dia pintando não tinha sido um sucesso. O Pai, abatido após o dia cinzento, ficou furioso

quando Rufus entrou pingando de sua caminhada, e o baniu para a cozinha com a Sra. Palk. E tio Merry

tinha entrado silencioso e pensativo, misteriosamente preocupado com alguma coisa. Ele sentou em uma

ponta da mesa, sozinho, olhando para o vazio como um rosto em um grande totem entalhado.

As crianças malmente olharam para ele, e tiveram o cuidado de lhe passar o sal antes que ele tivesse

que pedir. Mas tio Merry mal pareceu enxergá-los. Ele comia automaticamente, pegando sua comida e

levando-a até sua boca sem ter a menor consciência disso. Ansioso, por um momento Barney imaginou o que

aconteceria se ele puxasse a esteira de cortiça debaixo do prato de seu tio.

A Sra. Palk entrou com uma enorme torta de maçã e um prato cheio de creme amarelo e colocou os

pratos sujos em uma pilha. Ela saiu descendo o corredor, e eles ouviram o rico contralto de “O God, our help

in ages past” ecoando na distância.

O Pai suspirou. “Tem vezes,” ele disse irritado, “em que poderia dispensar as orações em cada

refeição.”

“O povo de Cornwall,” irrompeu tio Merry das sombras, “é devotado e evangélico.”

“Ouso dizer que sim,” falou o Pai. Ele passou o creme para Simon. Simon serviu-se de uma larga

colher cheia, e uma bola amarela caiu da colher para a toalha a mesa.

“Oh, Simon,” disse a Mãe. “Preste atenção no que está fazendo.”

“Não consegui evitar. Simplesmente caiu.”

23

“Isso acontece ao tentar pegar demais de uma só vez,” disse o Pai.

“Bem, você gosta disso também.”

“Possivelmente. Mas eu não tento transportar um quarto dele em um potinho.”

“O que quer dizer?”

“Deixa pra lá,” disse o Pai.

“Oh, pelo amor de Deus, Simon, isso só deixa a coisa pior.” Simon, em uma tentativa de retirar a

bola de creme com sua colher, tinha deixado uma grande mancha amarela na toalha.

“Sinto muito.”

“Eu deveria saber que sente.”

“Você vai pescar hoje, Pai?” Jane falou esperançosa do outro lado da mesa, sentindo que era hora de

mudar o assunto.

“Não,” disse o Pai.

“Não seja estúpida,” Simon falou sendo igrato, de modo convencido. “Estava chovendo.”

“Bem, às vezes o Pai vai pescar na chuva.”

“Não, ele não vai.”

“Sim, ele vai.”

“Se puderem me deixar explicar minhas próprias ações,” o Pai disse com pesado sarcasmo.

“Ocasionalmente eu tenho ido pescar na chuva. Hoje não fui. Dá pra entender isso?”

“Coma um pouco de torta, querido,” disse a Mãe, entregando um prato a ele.

“Hummm,” disse o Pai, olhando na direção dela, e ele ficou em silêncio. Após um momento ele

falou, esperançoso: “Pode ser uma boa idéia se todos formos caminhar depois da ceia. Parece estar

clareando.”

Todos olharam para fora pela janela, e a temperatura da sala aumentou vários graus. As nuvens se

abriram sobre o mar, deixando um profundo céu azul, e o promontório oposto brilhou de repente em um

verde mais claro enquanto o sol brilhou pela primeira vez naquele dia.

Então eles ouviram a campainha tocar.

“Droga,” a Mãe disse aborrecida. “Quem poderá ser?”

Os pasos da Sra. Palk soaram rapidamente passando até a porta, e então retornando. Ela colocou a

cabeça para dentro.

“São algumas pessoas para ver você, Dr. Drew.”

“Preparem-se para repelir hóspedes,” disse o Pai, e ele saiu pelo corredor. Em poucos momentos ele

estava de volta, falando com alguém por cima do ombro enquanto passou pela porta. “... realmente muito

gentil de sua parte, não tínhamos pensado no que iríamos fazer amanhã. Eles são um grupo independente,

vocês sabem. Bem, aqui estamos.” Ele deu um grande sorriso com o que a família chamava seu rosto

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público. “Minha esposa, Simon, Jane, Barney... estes são o Sr. e a Srta. – hum – Withers. Daquele iate que

você admirou tanto, Simon. Nos conhecemos no porto essa manhã.”

Um homem e uma garota estavam parados atrás dele na porta. Os dois tinham cabelos escuros, com

sorrisos brilhantes em rostos bronzeados. Eles pareciam seres que tinham se materializado de repente vindos

de um outro planeta bastante arrumado. O homem deu um passo à frente, estendendo sua mão: “Como você

está, Sra. Drew ?”

Eles ficaram sentados olhando de modo vazio para ele enquanto avançou em direção da Mãe; ele

usava calças deslumbrantes de flanela branca, e um blazer, com um cachecol azul escuro enrolado no

pescoço de sua camisa branca, e eles não esperavam ver nada como ele em Trewissick. Então eles pularam

depressa quando a Mãe ficou de pé para apertar a mão dele, e Simon bateu em sua cadeira. No meio da

confusão a Sra. Palk apareceu com uma grande chaleira e uma bandeja com xícaras e pires.

“Duas xícaras extras,” ela disse, sorrindo gentilmente, e partiu novamente.

“Sentem-se,” a garota disse. “Só viemos aqui por um momento, não queríamos interromper.” Ela se

inclinou para ajudar Simon a levantar sua cadeira. Seus cachos negros saltaram sobre a testa dela. Ela era

uma garota muito bonita, Jane pensou, observando-a. Muito mais velha do que qualquer um deles, é claro.

Usava uma camisa verde clara e calça comprida preta, e os olhos dela pareceram piscar com um tipo de

sorriso secreto todo particular. De repente Jane sentiu-se extramamente jovem.

Sr. Withers, mostrando um monte de dentes muito brancos, estava conversando com a Mãe. “Sra.

Drew, por favor perdoe essa intrusão, não tínhamos a intenção de interromper sua ceia.”

“De modo algum,” disse a Mãe, parecendo levemente surpresa. “Não vão tomar uma xícara de chá?”

“Obrigado, não, não, muito gentil, mas temos uma refeição esperando no barco. Viemos apenas fazer

um convite. Minha irmã e eu estamos em Trewissick por alguns dias, com o iate para nós – em nosso

caminho ao redor da costa, vocês entendem – e ficamos imaginando se você e as crianças se importariam em

sair e passar um dia no mar. Nós temos...”

“Deus!” Simon quase derrubou sua cadeira de novo. “Que maravilha! Você quer dizer sair naquele

barco fabuloso?”

“Com certeza,” disse o sorridente Sr. Withers.

Simon engasgou sem palavras, seu rosto brilhando de contentamento. A Mãe disse hesitando:

“Bem...”

“É claro que percebo que aparecemos assim do nada,” o Sr. Withers falou de modo tranqüilizador.

“Mas seria muito agradável ter companhia para uma mudança. E quando conhecemos seu marido no

escritório do capitão do porto essa manhã, e descobrimos que somos vizinhos em Londres...”

“Vocês são?” Barney falou da mesa curioso. “Onde?”

“Marylebone High Street, logo dobrando a esquina perto de vocês,” disse a garota, sorrindo para ele.

“Norman vende antigüidades.” Ela olhou para a Mãe. “Espero que você e eu usemos as mesmas lojas, Sra.

Drew – você conhece aquela pequena pastelaria onde podemos achar aqueles bolinhos recheados

deslumbrantes?”

“Tento não conhecer,” a Mãe disse, começando a sorrir. “Bem, realmente, isso é muito gentil,

considerando que somos estranhos. Mas não tenho certeza se... bem, os três ali podem ser bastante úteis,

vocês entendem.”

“Mãe!” Simon pareceu indignado.

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O Sr. Withers franziu o nariz para ela infantilmente. “Mas o meu convite se estende à familía toda,

Sra. Drew. Sinceramente esperamos que você e seu marido unam-se à nossa pequena tripulação também.

Apenas saindo em uma pequena viagem e retornando em breve, você entende – ao redor da baía, como os

cavalheiros comerciantes dizem. Fazendo talvez apenas uma rápida pescaria. Adoraria mostrar o barco.

Amanhã talvez? Dizem que deverá ser um ótimo dia.”

Que modo antiquado de falar ele tem, Jane pensou vagamente; talvez seja por vender antiguidades.

Ela olhou para Simon e Barney, ambos completamente excitados com a idéia de um dia no estranho iate,

olhando ansiosos para seus pais; e então de volta para as imaculadas roupas brancas e o cachecol dobrado do

Sr. Withers. Não gosto dele, ela pensou. Por que será?

“Bem, muito obrigado a vocês,” a Mãe disse finalmente. Acho que não irei, se me perdoarem – caso

o sol apareça irei trabalhar lá em cima no porto. Mas sei que Dick e as crianças adorariam ir.”

“Ah, sim, Dr. Drew estava nos falando a respeito de sua pintura,” Sr. Withers disse calorosamente.

“Bem, a perda será nossa – mas se a arte chama, querida dama... Entretanto, o resto da família virá... eu

espero?”

“Com certeza,” Simon disse rapidamente.

“Isso parece demais,” falou Barney. Ele adicionou, como se estivesse refletindo: “Muito obrigado.”

“Bem,” disse o Pai alegremente, “esse é um gesto nobre, devo dizer. Estamos todos muito

agradecidos a vocês. Na verdade…” – ele olhou vagamente pela sala – “deveria ter outro membro da família

aqui, mas parece que ele desapareceu. O tio de minha esposa. Ele alugou a casa para nós.”

Automaticamente as crianças seguiram seu olhar pela sala. Tinham esquecido de tio Merry. Agora

eles perceberam que não houve sinal algum dele desde que os dois visitantes repentinos apareceram. A porta

que conduzia até a sala do café-da-manhã nos fundos da casa estava levemente aberta – mas quando Barney

correu para olhar lá dentro, não tinha ninguém.

“Professor Lyon, você quer dizer?” falou a garota.

“Isso mesmo.” O Pai olhou para ela por um momento. Acho que não mencionei ele essa manhã.

Então você o conhece?”

O Sr. Withers respondeu por ela, rapida e suavemente. “Acredito que nos encontramos, uma ou duas

vezes. Em outra esfera ao invés dessa. No curso de nosso trabalho, você entende. Um antigo cavalheiro

charmoso, como eu me lembro, mas um tanto imprevisível.”

“Isso ele certamente é,” disse a Mãe lamentando. “Sempre correndo para algum lugar. Dessa vez ele

nem acabou sua ceia. Mas permitam que lhes sirva um pouco de chá, ou café.”

“Obrigada, mas acho que deveríamos voltar,” disse a garota. “Vayne estará com a ceia esperando.”

O Sr. Withers esticou as pontas de seu blazer imaculado, com um preciso gesto feminino. Você está

certa, Polly, não devemos nos atrasar.” Ele girou seu sorriso branco pela sala como um farol. “Vayne é nosso

capitão – o profissional a bordo. E um excelente chef também. Vocês deverão experimentar sua comida

amanhã. Bem, agora, veremos todos vocês lá embaixo no porto, se o clima estiver bom? Nove e meia,

talvez? Teremos o bote esperando no cais.”

“Esplêndido.” O Pai saiu com ele para o corredor, e todos foram atrás deles. No caminho Polly

Withers fez uma pausa, e olhou para cima sobre a cabeça de Simon, para os velhos mapas de Cornwall

pendurados entre as pinturas a óleo na parede escura. “Olhe isso, Norman. Eles não são lindos?” Ela virou

para a Mãe. “Essa realmente é uma casa maravilhosa. O seu tio alugou de um amigo?”

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“Um Capitão Toms. Nunca encontramos com ele – ele está viajando. Um homem idoso – algum tipo

de marinheiro recluso. Acredito que a família dele possuiu a Casa Cinza por anos.”

“Um lugar fascinante.” O Sr. Withers estava olhando para ele com um olho profissional. “Ele tem

alguns belos livros antigos, eu vejo.” Esticou uma das mãos lentamente até a porta de uma comprida estante

baixa na parede; mas ela não abriu.

“Mantenho tudo trancado,” O Pai disse. “Você sabe como é ter uma casa mobiliada – sempre tem

alguém preocupado que algo seja danificado.”

“Um princípio admirável,” Sr. Withers disse formalmente. Mas sua irmã estava sorrindo para Simon.

“Aposto que é um lugar maravilhoso para explorar, entretanto, não é?” ela disse. “Vocês crianças ainda não

procuraram por túneis secretos e coisas assim? Eu sei que eu teria feito isso, em uma casa antiga. Nos avisem

se encontrarem algo.”

Simon falou educadamente, sentindo os olhos ansiosos de Barney em suas costas: “Oh, não acho que

tenha algo desse tipo aqui.”

“Bem, então até amanhã,” disse o Sr. Withers do batente da porta; e eles se foram.

“Isso não é incrível?” Barney falou ansioso, quando a porta fechou.

“Um dia todo lá fora naquele iate! Vocês acham que vão nos deixar navegar?”

“Espero que você fique fora do caminho deles até que lhe perguntem,” disse o Pai. “Não queremos

nenhum acidente.”

“Bem, você poderia ser o doutor do barco.”

“Estou de folga, lembra?”

“Por que não nos disse que conheceu eles?” perguntou Simon. “Eu ia dizer,” o Pai falou suavemente.

“Acho que eu estava ocupado demais ficando irritado.” Ele sorriu. “Você pode deixar Rufus sair agora se

quiser, Barney – mas ele não vai no barco amanhã, então não peça.”

Jane falou de repente: “Acho que eu também não vou.”

“Bem, pelo amor de Deus!” Simon olhou para ela. “Por que não?”

“Eu poderia ficar enjoada.”

“É claro que não ficaria – não por navegar. Não haverá nenhum maquinário velho fumacento ligado.

Oh, vamos lá, Jane.”

“Não,” Jane disse, com mais firmeza. “Não sou tão louca por barcos como você. Realmente não

quero ir. Eles não vão se importar, vão, Pai?”

Simon falou com desgosto: “Você deve estar louca.”

“Deixe ela em paz,” disse o pai dele. “Ela conhece sua própria cabeça. Não, eles vão entender, Jane.

Ninguém iria querer que você ficasse preocupada em ficar doente. De qualquer modo, veja como se sente a

respeito de ir pela manhã.”

“Acho mesmo que seria mais seguro não ir,” falou Jane. Mas não disse nada sobre sua verdadeira

razão para não querer ir. Iria parecer bobo demais explicar que sentiu uma estranha inquietação a respeito do

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grande iate branco, e a respeito do sorridente Sr. Withers e sua bela irmã. Quanto mais ela pensava nisso,

mais tolo parecia; de modo que no final ela se convenceu, assim como todos os outros, que sua razão para

evitar a viagem não era nada a não ser o medo de ficar enjoada.

Mas novamente ninguém sabia onde tio Merry tinha ido.

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CAPÍTULO QUATRO

Uma neblina branca do amanhacer jazia sobre o mar, e lá embaixo no porto os barcos estavam

preguiçosos na água parada, cintilantes sob o sol. Jane olhou para baixo de sua janela. Os barcos de pesca

estavam desertos, mas ela podia ver duas pequenas figuras subindo de um bote ao lado do cais.

Simon disse, atrás dela: “Trouxe isso para que você tome conta, se realmente não vai.” Ela se virou e

viu ele segurando uma meia de lã cinza. Parecia peculiarmente rígida e cilíndrica. “O que tem de tão especial

nas suas meias?”

Simon sorriu, mas baixou sua voz. “É o manuscrito. Não consegui pensar em nenhum outro lugar

para colocar ele.”

Jane riu, pegou a meia e tirou o manuscrito até a metade. Mas ainda que ela o manuseasse

gentilmente, as bordas racharam e esfarelaram ameaçadoramente quando tocaram na lã. “Ei,” ela disse,

assustada. “Se isso acontecer todas as vezes, a coisa toda vai cair aos pedaços em uma semana. Estava muito

bem lá em cima no sótão, jogado ali por anos sem ninguém tocando nele, mas se formos ficar carregando

isso por ai...”

Simon olhou para o pergaminho enrolado ansiosamente, suas bordas desgastadas escuras pela idade,

e viu rachaduras que não estavam ali antes. Ele disse, preocupado: “Mas teremos que mexer tanto nele se

vamos descobrir o que significa... espere um minuto. Aquela sala…”

Deixando Jane confusa, ele agarrou o manuscrito e correu descendo as escadas até a pequena porta

escura na plataforma do primeiro andar que levava até a passagem que eles tinham descoberto no caminho

até o sótão. Ela ainda estava destrancada. Ele entrou na pequena passagem, e pelo quarto vazio e austero que

eles tinham decidido que era o quarto do capitão. Estava do mesmo jeito que estivera no dia anterior, e o

telescópio ainda estava no peitoril da janela.

Simon pegou o estojo, e o desatarrachou. A rosca de cada metade estava brilhante e livre de

manchas, cintilando com uma leve camada de óleo; e o revestimento de cobre no interior, quando ele o

segurou levantado contra a luz, brilhou seco e claro. Ele colocou o manuscrito enrolado dentro. Ele encaixou

perfeitamente, repousando confortavelmente entre as duas partes quando ele as uniu novamente. Simon

olhou pelo quarto pensativo, com se este pudesse lhe dizer algo. Mas ali, não havia nada a não ser o silêncio

e o misterioso vazio, e ele fechou a porta novamente, gentilmente, e correu de volta escada acima.

“Veja,” disse para Jane. “Deve ter sido feito para ele.”

“Talvez fosse,” disse Jane, pegando o estojo.

“É melhor você esconder isso em algum lugar,” falou Simon. “Que tal em cima de nosso guarda-

roupa?”

“Eu pensaria em um bom lugar,” falou Jane pensativa.

Mas Simon, que já estava a meio caminho de seu próprio quarto, malmente a escutou; a mente dele

já estava pensando no dia dentro do iate dos Withers. E na hora em que ele, Barney e o Pai estavam partindo,

envolvidos em uma grande discussão sobre capas de chuva, pulovers e roupas para nadar, Jane estava quase

começando a desejar que tivesse mudado de idéia e ido também.

Mas ela disse com firmeza, em resposta aos últimos medos de Simon: “Não. Eu só iria estragar tudo

se eu ficasse doente.” E ao invés disso ela ficou observando da janela enquanto eles corriam descendo até o

cais, e o pequeno bote deslizou até o alto e delgado iate branco.

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A mãe dela, cavalete debaixo de um braço e uma sacola de sanduíches e pincéis na outra mão, olhou

para ela com dúvida. “Querida, tem certeza que não vai se sentir solitária?”

“Minha nossa, não,” disse Jane determinada. “Só vou perambular por ai, será divertido.

Honestamente. Quer dizer, você não fica solitária quando está pintando, fica?”

A Mãe riu. “Muito bem, independência, você perambula. Não se perca. Estarei lá em cima do porto

do outro lado se precisar de mim. Sra. Palk vai ficar aqui o dia todo, ela vai providenciar o seu almoço. Por

que não leva Rufus para dar uma caminhada?”

Ela saiu debaixo do sol, seus olhos já vagos com a forma e cor de sua pintura. Jane sentiu um nariz

úmido empurrar sua mão, olhou para os grandes olhos castanhos esperançosos de Rufus, riu, e correu com

ele descendo até o vilarejo, através das pequenas ruas estranhas e das vozes de Cornwall saindo das portas

das lojas. Mas por toda a manhã ela sentiu-se curiosamente inquieta, como se alguma coisa estivesse

forçando para se lançar em frente de sua mente. Como se, ela pensou, sua mente estivesse tentando lhe dizer

algo que ela não conseguia ouvir. Quando ela trouxe Rufus para casa, para desmoronar em uma ofegante

massa vermelha na cozinha ao lado da Sra. Palk, ela ainda estava pensativa e reprimida.

“Boa caminhada, querida?” disse a Sra. Palk, sentando-se sobre seus calcanhares. Ela estava com um

balde de água com sabão ao lado dela, e seu rosto estava vermelho e brilhante; ela esteve esfregando o piso

cinzento. “Humm,” Jane disse vagamente. Ela brincou com o nó em seu rabo de cavalo.

“O almoço estará pronto em um minuto,” disse a Sra. Palk, levantando-se. “Nossa, olha só para esse

cachorro, completamente esgotado. Precisa de um pouco de água, com certeza…” Ela procurou pelo prato de

Rufus.

“Vou subir e me lavar.” Jane saiu pelo corredor, a fria passagem escura com a luz do sol incidindo

sobre um dos velhos mapas que Polly Withers tinha observado com alegria. Srta. Withers... por que ela e seu

irmão pareceram sinistros? Eram pessoas perfeitamente comuns, não havia realmente nenhuma razão para

pensar o contrário. Foi gentil da parte deles terem convidado a todos para sair naquele dia no iate... Estranho,

entretanto, aquele comentário que ela fez sobre explorar, e encontrar coisas...

Encontrar coisas. A meio caminho subindo as escadas, Jane lembrou com repentina sensação de

culpa que tinha deixado o manuscrito sozinho a manhã toda, fechado em seu novo estojo na gaveta de seu

criado mudo. Ela deveria ter levado ele? Não, não seja boba, ela pensou; mas ela correu subindo as escadas e

entrando em seu quarto ansiosamente, e sentiu uma onda de alívio quando viu o estojo repousando

tranqüilamente brilhando dentro da gaveta.

Ela retirou o rolo de pergaminho marrom e o levou até a janela, esticando-o cuidadosamente. As

linhas de confusas letras negras lhe deram o mesmo arrepio de excitação inquieta que ela sentiu no sótão,

naquele momento quando, de repente, os três tinham percebido para o que estavam olhando. Ela olhou para

ele, mas os pedaços de palavras inclinadas não eram mais legíveis agora do que haviam sido naquele

momento. Ela só conseguia perceber as iniciais das palavras que Simon havia dito serem Mark e Arthur.

Como eles conseguiriam descobrir o que tudo aquilo significava?

Ela olhou na parte debaixo da folha que se enrolava, nas pouca linhas finas dançantes que eles

haviam pensado ser um mapa. Na fraca luz do sótão houve pouco ali para ver; mas agora Jane tinha todo o

brilho do meio-dia. Ela se inclinou para mais perto, percebendo de repente que havia mais linhas no mapa do

que tinha notado inicialmente; linhas tão fracas que antes ela as tinha confundido com rachaduras. E entre

elas, ainda mais fracas, estavam escritas algumas palavras.

Era um mapa muito rudimentar, como se tivesse sido desenhado com pressa. Parecia ser a linha

costeira, mais parecendo com uma letra W colocada em seu lado, com duas enseadas e um promontório. Ou

eram dois promontórios e uma enseada? Não havia modo de dizer de qual lado deveria estar o mar. E ainda

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que ela conseguisse ver que havia uma palavra escrita através de um dos braços que se projetavam da terra –

ou mar – ela estava totalmente ilegível por causa de uma quebra no antigo pergaminho: uma rachadura tão

nítida como se tivesse sido uma espessa linha de tinta cruzando a palavra.

“Droga,” Jane disse aflita, bem alto. Quando falou isso ela percebeu que nesse último meio minuto

tinha ficado determinada a fazer alguma descoberta a respeito do manuscrito para anunciar a Simon e Barney

quando eles voltassem do seu dia no barco. Era isso que estava incomodando no fundo de sua mente a manhã

toda.

Um outro nome estava escrito no mapa. Se era um nome. As letras eram pequenas e marrons, mas

essas eram mais distintas do que aquelas no resto do manuscrito. Jane trabalhou nelas uma a uma e percebeu

que formavam três palavras. “Ring Mark Hede.” Ela observou, desapontada. Isso não significava nada.

“Ring, mark, heed,” ela disse experimentalmente. Não era nem mesmo um lugar. Como algum lugar poderia

ter um nome como esse?

O toque do sino do navio no corredor ecoou subindo as escadas, quebrando a calmaria do murmúrio

do mar e das gaivotas distantes, e ela escutou levemente a Sra. Palk chamando lá embaixo. “Jane! Ja--ne!”

Rapidamente ela enrolou o manuscrito e o colocou de volta dentro do estojo do telescópio, fechando as duas

partes bem apertado. Abriu a gaveta de seu criado mudo, hesitou por um momento, então fechou-a

novamente. Melhor não deixar isso fora de sua vista. Ela agarrou um cardigan* da cama, enrolou ao redor do

estojo, saiu correndo e desceu os degraus dois de cada vez.

Mas correu rápido demais. Fazendo a curva na plataforma do primeiro andar, bateu forte contra uma

caixa de madeira comprida que estava nas sombras, e gritou de dor. Tinha que ser a mesma perna que

machucou lá embaixo no cais... mas quando se curvou para esfregar seu joelho, algo atraiu sua atenção. A

caixa contra a qual ela bateu era a mesma que eles haviam notado no dia anterior, com a tampa trancada.

“Ouro nativo e ornamentos,” Simon havia dito, e então descobriu que não conseguia abrir. Mas agora a

tampa estava aberta algumas polegadas, e estava balançando levemente para cima e para baixo. Ela devia

estar emperrada, não trancada; a batida a soltou.

Curiosa, Jane abriu-a totalmente. Não havia muita coisa dentro: alguns papéis velhos, um grande par

de luvas de couro, dois ou três pesados suéteres de lã e, meio escondido, um pequeno livro de capa preta. Um

tesouro muito estúpido, ela pensou. Mas o livro pode ser interessante. Ela se esticou e o pegou.

“Ja-ne!” A voz da Sra. Palk estava mais próxima, subindo as escadas. Como se fosse culpada de

algo, Jane largou a tampa e enfiou o pequeno livro dentro de sua cardigan junto ao estojo do telescópio. O

rosto da Sra. Palk surgiu através dos balaustres.

“Estou indo,” Jane disse de modo obediente.

“Ah, ai está, pensei que tinha ido para cama. Estou ficando muito gorda para esses degraus.” A Sra.

Palk sorriu para ela. “O almoço está na mesa. Eu estava tirando meus pastéis do forno ou não teria guardado

eles por tanto tempo.” Ela caminhou de volta para a cozinha. Um grande prato cheio de presunto e salada

estava esperando por Jane na sala de jantar, como uma pequena ilha brilhante no mar lustroso da polida mesa

de mogno. Ao lado dela estava um prato de torta de groselha e um pequeno jarro de creme.

Jane sentou e comeu tudo distraidamente, folheando com uma das mãos o pequeno livro que havia

encontrado no baú. Era um livro guia do vilarejo, escrito pelo vigário local. “Um Breve Guia de Trewissick”

dizia a página título, em uma escrita ondulada fluida. “Compilado pelo Reverendo E. J. Hawes-Mellor, M.A.

(Oxon.) LL.D. (Lond.), Vigário da Paróquia da Igreja de St. John, Trewissick.”

Nada excitante, pensou Jane, com seu interesse morrendo. Ela folheou as páginas estreitas, cheias de

detalhes sobre passeios através da área rural. As palavras do manuscrito ainda estavam passando diante de

sua mente. Se ao menos ela pudesse ter algo sobre o mapa para a dizer a Simon e Barney...

Foi então que o livro guia caiu aberto em sua página central sob seus dedos. Jane observou

* Cardigan: é uma peça de vestuário em lã abotoada na parte frontal.

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preguiçosamente, e então parou. A página mostrava um mapa detalhado do vilarejo de Trewissick, com cada

rua, retas e curvas, mostradas por trás do porto que jaziam escondidas entre seus dois promontórios. As

igrejas, a prefeitura, estavam todos marcados separadamente; ela viu com um rápido estremecer de orgulho

que a Casa Cinza estava marcada pelo nome, na estrada que conduzia subindo até o topo de Kemare Head e

então desaparecia no nada. Mas o que chamou sua atenção foi o nome escrito nítidamente pelo promontório.

Estava escrito: “King Mark's Head”.

“King Mark's Head,” Jane disse lentamente, bem alto. Ela se esticou até o cardigan enrolado que

estava ao lado de sua cadeira, retirou o estojo do telescópio e desenrolou o manuscrito sobre a mesa. As

palavras olharam para ela, confusas e enigmáticas: “Ring Mark's Hede”. E quando olhou percebeu que a

primeira letra da primeira palavra, borrada pelo tempo e sujeira, poderia muito bem não ser um “R” mas sim

um “K”. Ela engasgou de excitação e deu uma respirada profunda.

King Mark's Head: o mesmo nome nos dois mapas. Então o mapa no manuscrito do sótão devia ser

um mapa de Trewissick – exatamente daquela parte de Trewissick na qual ficava a Casa Cinza. As estranhas

palavras deveriam ser um antigo nome para Kemare Head.

Mas quando o primeiro choque de alegria tinha surgido, ela olhou novamente de um mapa para o

outro, sua animação reduziu um pouco. Havia algo muito estranho sobre o contorno ondulante da costa

desenhada no velho manuscrito; algo mais do que as imprecisões que sempre encontramos em um

rudimentar desenho à mão livre. As linhas da costa não eram as mesmas daquelas no mapa do livro guia; os

promontórios projetavam-se estranhamente, e o porto tinha a forma errada. Porque?

Confusa, Jane pegou um toco de lápis do aparador e fez o seu melhor para desenhar uma leve cópia

da linha costeira do manuscrito sobre aquela no livro guia. Não havia dúvida a respeito disso; as formas não

eram as mesmas.

Talvez o manuscrito não mostrasse Trewissick afinal de contas. Talvez houvesse dois promontórios

em Cornwall chamados King Mark's Head. Ou talvez a costa tivesse mudado sua forma nas centenas de anos

desde que o manuscrito havia sido desenhado. Como eles iriam descobrir?

Relutante, ela afastou o manuscrito e observou os dois contornos, um impresso, um a lápis, que

agora tinha na página do livro. Mas ela ainda não conseguia encontrar resposta alguma. Com irritação ela

folheou de volta as páginas do livro, e de repente avistou a página título novamente.

“... o Reverendo E. J. Hawes-Mellor, M.A. ...

Jane ficou de pé dando um salto. Era isso! Por que não? O vigário de Trewissick devia saber tudo

sobre o distrito. Ele era o expert, tinha escrito o livro guia. Ele saberia se a costa tivesse mudado sua forma, e

como tinha sido antes. Esse era o modo de descobrir – o único modo. Ele era a única pessoa que não

perguntaria por que ela queria saber; pensaria que ela só estava interessada no livro dele. Tinha que encontrá-

lo, e perguntar.

E então pensar em quanto teria que contar a Simon e Barney quando eles voltassem para casa...

Foi com esse pensamento final que Jane, normalmente o membro tímido da família, decidiu o modo

como gastaria sua tarde. Ela se virou depressa quando a porta se abriu, e a Sra. Palk entrou. “Acabou, não

acabou? Gostou?”

“Adorei. Muito obrigada.” Jane juntou o livro guia, e o precioso pacote de lã que era o seu cardigan.

“Sra. Palk,” ela falou de modo experimental, “você conhece o vigário de Trewissick?” Com certeza, ela

pensou, com todos aqueles hinos...

“Bem, não pessoalmente, não.” A Sra. Palk ficou muito séria e solene. Ele fica na capela, não tenho

contato algum com ele, embora o veja de vez em quando, é claro. Um homem terrivelmente inteligente, eles

dizem que o vigário é. Você estava pensando em dar uma olhada na igreja, querida?”

32

“Sim,” Jane disse. Depois de tudo eu provavelmente irei, ela adicionou defensivamente para si

mesma.

“Esse é um belo lugar antigo. Porém é um longo caminho – subindo a colina no topo do vilarejo.

Você pode ver a torre através das árvores subindo a Rua Fish, do cais.”

“Acho que sei.”

“Não vá pegar uma ensolação.” A Sra. Palk saiu navegando benevolente com os pratos, e em um

momento Jane ouviu “Abide with me” ecoando com rica e brilhante alegria descendo o corredor vindo da

cozinha. Ela correu subindo as escadas, procurou rapidamente por um lugar onde pudesse esconder o estojo

do manuscrito, e finalmente o enfiou entre as cobertas no pé de sua cama, de modo que ele pudesse ficar ali

na beira do colchão e não deixasse volume. Então antes que o nervosismo pudesse tirar o melhor de sua nova

idéia, ela saiu, agarrando seu livro guia, dentro do sonolento sol da tarde.

A igreja no topo da colina parecia ser isolada do mar. Jane não conseguia ver nada de lá a não ser

ávores e as colinas, e até mesmo as pequenas casas do vilarejo terminavam umas vinte jardas descendo a

estrada. A igreja cinza quadrada com sua torre mais baixa, e os grandes postes do portão opostos a ela,

poderia ter estado em qualquer vale arborizado a centenas de milhas do mar.

No terreno da igreja um homem idoso murcho em mangas de camisa e suspensórios estava cortando

a grama com um par de tesouras. Jane parou perto dele do outro lado da parede. “Com licença,” ela falou

alto, “mas aquele ali é o vicariato?”

O homem idoso, respirando com esforço, se endireitou passando um braço por trás de si mesmo para

empurrar em suas costas. “Isso mesmo,” ele disse laconicamente, e então ficou parado ali, olhando sem

expressão, observando-a por todo o caminho pela estrada e subindo o passeio. Jane ouviu seus pés fazendo

barulho no cascalho, tremendamente alto na tarde silenciosa. A grande casa cinza quadrada, com suas janelas

vazias e sem vida, parecia desafiá-la a perturbá-la.

Era uma casa muito surrada, ela pensou, para um vicariato. O cascalho do passeio estava cheio de

ervas daninhas, e no jardim desconexo arbustos de hidrângeas cresciam longos e negligenciados, com a

grama do relvado tão alta quanto feno. Ela apertou o botão da campainha ao lado da porta que descascava, e

ouviu uma campainha tocar levemente dentro da casa, ecoando ao longe.

Após um longo tempo, quando já tinha decido com alívio que ninguém estava ali para atender, ouviu

passos dentro da casa. A porta abriu, rangendo em protesto como se ela não tivesse sido aberta muitas vezes.

O homem parado ali era alto e escuro, desleixado com uma velha jaqueta esportiva, mas ao mesmo

tempo ameaçador, com as sobrancelhas negras mais grossas que Jane já tinha visto crescendo quase retas

pela fronte dele sem possuir a quebra no meio. Ele olhou para ela.

“Sim?” A voz dele era bastante profunda, sem um traço de sotaque.

“Por favor, o Sr. Hawes-Mellor está?”

O homem alto franziu o rosto. “Sr. Quem?”

“Sr. Hawes-Mellor. O vigário.”

O rosto dele clareou um pouco, embora seu olhar sério de sobrancelhas negras ainda não tivesse

relaxado. “Ah, entendo. O Sr. Hawes-Mellor, eu temo, não é mais o vigário aqui. Ele morreu alguns anos

atrás.”

“Oh,” disse Jane, e deu um passo para trás do degrau da porta, sem ficar triste de modo algum diante

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da chance de ir embora. “Oh, bem, nesse caso…”

“Talvez eu possa ser de alguma ajuda,” ele falou com sua profunda voz tristonha. “Meu nome é

Hastings, eu fiquei aqui no lugar do Sr. Hawes-Mellor.”

“Oh,” Jane disse novamente; ela estava começando a achar o solitário Sr. Hastings, sua estranha casa

abandonada e o jardim um tanto quanto inquietantes. “Oh, não, não quero ser um incômodo, era só alguma

coisa sobre um livro que ele escreveu, um livro guia do vilarejo.”

Uma centelha de interesse pareceu despertar no rosto escuro do vigário. “Um livro guia de

Trewissick? Havia uma conversa de que ele tinha escrito, mas nunca consegui encontrar uma cópia. O que

você queria perguntar? Eu temo que se está procurando pelo livro não posso ajudar...”

“Oh, não,” Jane disse, não sem orgulho. “Eu tenho um.” Ela ergueu seu pequeno livro guia para

mostrar a ele. “Era só alguma coisa dentro dele, sobre o vilarejo, que fiquei imaginando se ele tinha errado.”

O vigário olhou para o livro, abriu sua boca para dizer algo e então pareceu mudar de idéia. Ele

manteve a porta bem aberta e moveu sua boca em um sorriso inquieto. “Bem, entre por alguns minutos,

jovem dama, e veremos o que podemos fazer. Eu sei um pouco sobre Trewissick após meus anos aqui.”

“Muito obrigada,” Jane disse nervosamente. Ela entrou, apertando a fita em seu rabo de cavalo

enquanto o seguia descendo pela passagem, e esperando parecer razoavelmente arrumada. Não que ela

estivesse fora de lugar se estivesse em trapos: ela pensou, olhando ao redor, pois o vicariato era uma das

casas de aparência mais surrada e menos adorável que ela já tinha visto. Era grande, e estranha, com mais

senso de espaço do que a Casa Cinza; mas a tinta estava descanscando, as paredes sujas e os pisos todos

gastos com um ou dois tapetes desbotados. Ela começou a sentir-se meio triste pelo vigário enquanto ele

caminhava rígido em frente a ela.

Ele a conduziu para dentro de um quarto que obviamente era seu estúdio, com uma grande mesa

cheia de papéis espalhados, duas cadeiras de junco com almofadas desbotadas, e estantes de livros por todas

as paredes. Altas janelas Francesas ficavam abertas para mostrar a extensão da grama comprida que Jane

tinha visto do passeio lá na frente.

“Agora,” ele disse, sentando atrás de sua mesa e abrindo de modo impaciente um espaço nos papéis

espalhados em cima dela. “Sente-se e diga-me o que você ia perguntar ao Sr. Hawes-Mellor. Você encontrou

uma cópia de seu livro, não foi?”

Ele olhou de novo para o livro na mão de Jane. Ele parecia fasciná-lo.

“Sim,” Jane disse. “Você gostaria de dar uma olhada nele?” Ela estendeu o livro para ele.

O vigário o pegou, lentamente, fechando seus longos dedos em torno da capa estreita como se ele

fosse algo infinitamente precioso. Ele não o abriu, mas o colocu sobre a mesa diante dele e olhou para ele de

modo tão intenso que pareceu não estar vendo e sim pensando em alguma outra coisa. Então ele virou seu

rosto sério de sobrancelhas grossas para Jane novamente.

“Você está passando o feriado aqui?”

“Sim. Meu nome é Jane Drew. Estou com minha família na Casa Cinza.”

“Está mesmo? Aquela não é uma casa com a qual eu esteja muito familiarizado.” O Sr. Hastings

sorriu um pouco severo. “Capitão Toms não tem tempo para mim, eu temo. Um estranho homem solitário.”

“Nunca encontramos ele,” Jane falou. “Ele está fora.”

“E esse seu livro.” Seus dedos acariciaram sua capa quase inconscientemente. “Ele é interessante?”

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“Oh, tremendamente. Adoro todas as histórias sobre Trewissick quando havia contrabandistas e

coisas assim.” Por um momento Jane ficou em dúvida se mencionava o mapa. Mas sua curiosidade foi mais

forte do que quaisquer dúvidas. Ela ficou de pé e caminhou para ficar ao lado dele, folheando o livro até a

página com o mapa do sul de Cornwall. “Essa foi a parte que me deixou confusa, a forma da linha costeira.

Eu queria perguntar se alguma vez ela foi diferente.”

Estando ao lado do vigário, ela não conseguia ver o rosto dele, mas seus ombros pareceram

endurecer quando olhou para o mapa, e os dedos de sua mão sobre a mesa curvaram-se levemente dentro da

palma.

“Uma pergunta curiosa,” ele disse.

“Só estava imaginando.”

“Vejo que tem outra linha feita com lápis sobre a linha costeira do mapa aqui. É sua?”

“Sim.”

“Da sua imaginação?” A voz profunda estava muito calma.

“Mais ou menos. Bem, quer dizer... eu vi alguma coisa parecida em algum lugar, em um livro ou

coisa assim.” Jane se atrapalhou, tentando evitar mencionar o manuscrito do sótão sem dizer mentiras. “Se

você sabe a respeito de Trewissick, Sr. Hastings, sabe se a costa sempre teve a mesma forma?”

“Eu deveria ter pensado que sim. Uma costa de granito leva um longo tempo para mudar.” Ele estava

olhando para a linha feita a lápis. Você diz que viu esse contorno em um livro?”

“Oh, um livro, ou outro mapa, ou algo assim,” Jane falou de modo vago.

“Na Casa Cinza?”

“Nós não tocamos nos livros do capitão,” Jane disse automaticamente, esquecendo que o livro guia

deveria ser um deles.

“Mas devem ter olhado ao redor deles, sem dúvida?” O vigário se levantou, erguendo-se acima dela,

e esticou um braço comprido para pegar um livro de uma das estantes. Ele o entregou a Jane; era muito velho

e coberto com couro brilhante surrado, com as páginas rachadas e soltou um cheiro mofado quando ela o

abriu. Era chamado Tales of Lyonesse, e muitos dos “s” eram impressos como “f”.

“Você viu ali algum livro como esse?” Sua voz era persistente. Ele ficou entre Jane e a luz e olhando

para ele, ela não conseguia ver nada a não ser um fraco brilho de luz refletida de seus olhos na face sombria.

Por um momento o efeito foi extremamente sinistro e Jane sentiu rastejando sobre ela a pequena fria

inquietação que estava se tornando familiar a respeito do feriado: uma sensação de algo misterioso, sobre o

qual todos os outros sabiam mas que estava escondido de seus irmãos e dela.

“Não, acho que não.”

“Tem certeza? Um título como esse, talvez? Você pode ter visto um mapa em um livro assim?”

“Não, de verdade. Simplesmente não olhamos.”

“Você não deve ter visto um volume em uma estante parecido com esse?”

“Honestamente eu não sei,” Jane disse, encolhendo-se de volta em sua cadeira com a urgência que

tinha surgido na voz dele. “Por que não pergunta ao capitão?”

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O Sr. Hastings pegou o livro dela e o enfiou de volta em seu lugar na estante. O sério “quase

franzido” havia retornado ao rosto dele. “Ele não é um homem comunicativo,” ele disse de modo curto.

A inquietação estava cutucando mais insistentemente na mente de Jane, e ela começou a balançar de

um pé ao outro. “Bem, tenho que ir para casa,” ela disse, usando uma das frases de sua Mãe e esperando que

parecesse educada. “Sinto muito interromper você.” Ela olhou um pouco nervosa da janela para a porta.

O vigário, parado silencioso e concentrado, se recompôs e se moveu em direção das janelas

Francesas. Você pode sair por aqui, é mais rápido. A porta da frente raramente é usada.”

Ele estendeu sua mão para Jane. “Estou feliz em conhecê-la, Srta. Drew. Sinto muito por não ter sido

mais útil, mas devo dizer que acho improvável que nossa costa aqui jamais tenha apresentado quaisquer

características que não sejam mostradas no mapa do Sr. Hawes-Mellor. Ele era, eu entendo, um cartógrafo de

alguma reputação. Estou contente que tenha vindo me ver.”

Ele inclinou sua cabeça solenemente quando apertou a mão de Jane, com um estranho gesto arcaico

que de repente a lembrou do Sr. Withers quando ele saiu da Casa Cinza. Mas esse, ela pensou, pareceu mais

genuíno, como se fosse algo que o Sr. Withers estivesse tentando imitar.

“Adeus,” ela falou depressa, e correu pela comprida grama macia em direção ao passeio da

silenciosa casa surrada, e para a estrada que levava de volta para casa.

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CAPÍTULO CINCO

Quando Jane chegou à Casa Cinza, Simon e Barney estavam tagarelando como macacos na sala de

estar para tio Merry, que estava sentado calmamente ouvindo das profundezas de uma grande cadeira de

braços. Os dois garotos estavam cintilando de excitação, e até mesmo a pele clara de Barney tinha sido

enrubecida pelo vento e pelo sol ficando levemente marrom rosada.

“Aí está você, querida,” disse a Mãe. “Estava começando a ficar preocupada com você.”

Simon a recebeu com um grito através da sala, “Oh, você devia ter ido! Foi fabuloso, como estar

bem lá fora no mar, e quando o vento estava atrás de nós, fomos tremendamente rápido, muito melhor do que

um barco a motor... Só voltamos usando o motor porque o vento diminuiu, e isso foi divertido também. O Sr.

Withers voltou conosco para tomar um drink, mas agora já foi. O Pai foi com ele, para buscar um pouco da

cavala que pegamos.”

“E o que Jane esteve fazendo?” disse o tio Merry tranqüilamente de seu canto.

“Oh, nada demais,” Jane disse. “Andando por aí.”

Mas quando todas as três crianças estavam lá em cima (foram mandados para cama mais cedo por

que o Pai disse de modo grave, quando Simon imitou uma sirene de barco bem atrás da cadeira dele, que

todos estavam exaustos), Jane bateu na porta do quarto dos garotos e entrou para contar a eles sobre sua

descoberta e sua visita ao vigário. Ela não encontrou nem um pouco da resposta entusiástica que estivera

esperando.

“Você copiou uma parte do manuscrito?” Simon perguntou, sua voz crescendo em um guincho de

horror. “E mostrou para ele?” “Sim, mostrei,” Jane falou de modo defensivo. “Bem, pelo amor de Deus, que

mal isso poderia fazer? Uma pequena linha a lápis em um livro guia não podia significar nada para

ninguém.”

“Você sabe muito bem que não deveria ter feito nada com relação ao manuscrito a não ser que todos

nós concordássemos.”

“Não era relacionado com o manuscrito, não tanto que ele soubesse. Eu só disse a ele que queria

encontrar algo a respeito da costa.” Jane esqueceu qualquer preocupação que tinha sentido sobre o vigário ao

construir uma defesa contra a indignação de Simon. “Pensei que vocês ficariam agradecidos, com minha

descoberta de que o mapa no manuscrito mostra Kemare Head.”

“Ela tem razão, você sabe,” Barney falou de seu travesseiro. “Descobrir isso é terrivelmente

importante. Pois tudo que sabíamos até agora era que isso devia ter sido um mapa de Timbuctu. E se for

como o vigário diz, que Trewissick não mudou desde que nosso mapa foi desenhado, isso vai nos ajudar

quando descobrirmos se tem alguma pista no manuscrito.”

“Ouso dizer,” Simon falou com rancor, subindo na cama e chutando todos os cobertores. “Oh, bem,

sim, isso realmente ajuda. Vamos falar sobre isso amanhã.”

“Então poderemos começar nossa busca,” Barney falou sonolento. “Boa noite, Jane. Vejo você de

manhã.”

“Boa noite.”

Mas a manhã trouxe mais do que qualquer um deles tinha pedido.

37

Simon acordou primeiro, muito cedo. O ar estava parado tão quente quanto estivera no dia anterior.

Ele ficou deitado de pijamas olhando para o teto por algum tempo, ouvindo a pacífica respiração de Barney

da outra cama. Então ele ficou inquieto, saiu e seguiu escada abaixo descalço, sentindo-se faminto. Se ele já

encontrasse a Sra. Palk na cozinha poderia tentar ganhar dois cafés-da-manhã.

Mas a Sra. Palk parecia não ter chegado ainda, e a casa estava completamente silenciosa. Somente

quando ele alcançou o lance de escadas que conduzia descendo até o corredor que Simon notou que algo

estava errado.

Em seu caminho descendo para o café-da-manhã ele sempre parava para olhar o velho mapa de

Cornwall que ficava pendurado na parede ao fazer a curva nas escadas. Mas quando ele procurou por ele

nessa manhã, ele não estava ali. Apenas uma marca retangular no papel de parede mostrava onde ele estivera

pendurado; e quando Simon olhou pela parede de imagens descendo as escadas ele viu que havia muitos

outros espaços vazios.

Confuso, desceu até o corredor lentamente. Encontrou muitos caminhos que tinham uma estranha

aparência vazia onde as imagens tinham sido retiradas, e o barômetro, perto de um espaço vazio, estava

encostado de lado.

Simon cruzou até lá e o endireitou, sentindo os blocos de madeira do chão frios debaixo de seus pés

nus. No início, olhando pelo longo corredor, não conseguiu ver mais nada incomum. Então percebeu que no

lado mais distante, onde o sol entrava da cozinha através da porta aberta, muitos dos blocos haviam sido

arrancados e estavam espalhados pelo chão. Simon observou, surpreso.

Olhou descendo pelo corredor em direção a cozinha, e então em um impulso virou para sua direita e

procurou pela maçaneta da porta na sala de estar. Ela guinchou sob seu toque como sempre fazia, e

nervosamente Simon abriu a porta e olhou ao redor. Então engasgou.

A sala estava com aparência de que tinha sido atravessada por um tornado durante a noite. As fotos

estavam tortas nas paredes, ou jaziam no chão arrancadas de suas molduras, e ao primeiro olhar chocado de

Simon a mobília parecia estar completamente enterrada debaixo de livros.

Tinha livros em toda parte, jogados pelo chão, abertos, fechados, de ponta cabeça; empilhados sobre

mesas e cadeiras, amontoados no aparador; e alguns poucos solitários ainda deitados nas estantes vazias.

Todas as estantes pelas paredes, que eles tinham sido proibidos de tocar, estavam vazias. As portas de vidro

pendiam soltas de suas dobradiças com madeira lascada aparente ao redor de suas trancas; e uma ou duas,

completamente arrancadas, estavam encostadas contra a parede. As estantes tinham sido limpas de tudo que

guardavam, e as gavetas abaixo estavam abertas, com papéis transbordando delas sobre o caos de livros no

chão. Havia um leve cheiro de mofo, e uma fina camada de poeira parecia estar suspensa no ar.

Por um momento Simon ficou congelado observando, espantado. Então virou em seus calcanhares e

correu subindo as escadas, gritando por seu pai.

Todos foram acordados pelos gritos dele. Conduzidos pelo Pai, todos entraram na passagem de

pijamas e roupas de dormir e seguiram Simon descendo as escadas, tentando entender, confusos, as palavras

que saiam emboladas da boca dele.

“O que foi?”

“Qual é o problema, a casa está pegando fogo?”

“Arrombadores” o Pai disse incredulamente, descendo as escadas. “Mas você não tem sua casa

arrombada em um vilarejo como... – minha nossa!” Ele avistou a devastação na sala de estar através da porta

aberta. Quando a Mãe, Jane e Barney seguiram seu olhar ficaram em silêncio também, mas não por muito

tempo.

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Onde quer que fossem no chão da casa encontravam a mesma coisa. As portas das estantes tinham

sido arrancadas, e os livros caídos das estantes em uma selva caótica no chão. Cada gaveta trancada ou

armário tinha sido forçado, e os papéis de seu interior todos espalhados. Até mesmo na sala do café-da-

manhã uma meia dúzia de antigos livros de culinária foram espalhados de uma estante.

“Não entendo isso,” o Pai disse lentamente. “O lugar está praticamente destruido, mas uma ou duas

coisas óbvias que claramente são valiosas não foram tocadas. Aquela estatueta sobre a lareira ali, por

exemplo, e aquele grande cálice de prata no aparador na sala da frente. Parece não haver nenhum sentido

nisso tudo.”

“Alguém estava muito feliz em causar destruição,” Barney disse de modo solene.

Simon falou lentamente, “Devem ter feito um barulho terrível. Por que nós não acordamos?”

“Ficamos a dois andares de distância,” disse Barney. “Você não consegue ouvir nada lá de cima.

Gosto disso, é misterioso.”

“Eu não,” Jane tremeu. “Imagine alguém perambulando aqui embaixo a noite toda enquanto

estávamos dormindo lá em cima. Isso me dá arrepios.”

“Talvez não tivesse ninguém,” Barney disse.

“Não seja idiota, é claro que tinha. Ou você acha que todos os livros pularam das estantes?”

“Não precisava ser humano. Pode ter sido um daqueles tipos especiais de fantasmas que atiram

coisas só por diversão. Um polter… polt…”

“Poltergeist,” disse o Pai distraidamente. Ele estava abrindo todos os armários de prata para ver se

algo tinha sumido.

“Aí está. Um daqueles.”

“Bem, Sra. Palk diz que a casa é supostamente assombrada,” Jane disse. “Oh, Deus.”

Todos olharam uns para os outros de olhos arregalados, e de repente estremeceram.

A Mãe disse, aparecendo de repente na porta e fazendo todos pularem: “Bem, é o primeiro fantasma

do qual eu já ouvi falar que usava sapatos com solado de borracha. Dick, venha dar uma olhada aqui.”

O Pai se endireitou e a seguiu até a cozinha, com as crianças bem perto de seus calcanhares. A Mãe

apontou, sem dizer uma palavra.

Duas janelas da cozinha estavam abertas, a maior sobre a pia e a menor acima; e também a porta. E

sobre os planos azulejos brancos do topo da bancada ao lado da pia estava o leve, mas inconfundível,

contorno de uma pegada. Uma grande pegada, com marcas de barras pela sola; e traços das mesmas marcas

no peitoril da janela acima.

“Deus!”

“Aí está seu fantasma,” disse o Pai alegremente, embora ele não parecesse muito alegre.

Então ele virou para eles de repente. “Agora vamos lá, todos vocês, para cima e vistam-se. Vocês

viram tudo que tinha pra ver. Não” – ele balançou sua mão quando as três crianças começaram a protestar

vigorosamente. “Isso não é um jogo, é extremamente sério. Teremos que chamar a polícia, e não quero que

toquem em nada antes que eles cheguem. Fora!”

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O Pai tinha uma voz que cortava todos os argumentos, e assim foi. Simon, Jane e Barney rastejaram

relutantemente saindo pela porta da cozinha e pelo corredor, e então pararam bem ao pé da escada, olhando

para cima. Tio Merry estava descendo pesadamente as escadas em direção a eles, vestido em um par de

brilhantes pijamas vermelhos e com seu cabelo branco todo em pé.

Ele estava bocejando bastante e esfregando seus olhos de um jeito que mostrava perplexidade. “Não

vou fazer,” ele estava murmurando para si mesmo. “Não consigo entender... sono pesado... mais incomum...”

Então ele avistou as crianças. “Bom dia,” ele falou com dignidade, como se estivesse total e impecavelmente

vestido. “Ainda que eu esteja com sono pesado essa manhã, um grande barulho estava chegando até lá em

cima vindo aqui debaixo. Tem alguma coisa errada?”

“Nós tivemos arrombadores... !” Simon começou a falar, mas o Pai veio da cozinha caminhando

com passos largos atrás deles e bateu suas mãos. “Vamos lá, vamos lá, eu disse para vocês irem se vestir...

Oh, bom, ai está você, Merry. A coisa mais extraordinária aconteceu…” Ele olhou de modo penetrante para

as crianças, e eles subiram rapidamente as escadas.

Após o café-da-manhã a polícia chegou de St. Austell: um sargento robusto de rosto vermelho e um

oficial de polícia muito jovem seguindo-o como uma sombra muda. Simon estava pensando muito adiante

para questões mais urgentes sobre sua descoberta do crime. Pelo menos, ele pensou vagamente, ele teria feito

uma declaração. Ele não estava muito certo a respeito do significado disso, mas soava familiar e importante.

Mas o sargento apenas disse para ele, com seu morno sotaque de Cornwall lentamente as palavras:

“Desceu aqui primeiro, não foi?”

“Sim, está certo.”

“Tocou em alguma coisa?”

“Não, em nada. Bem, eu endireitei o barômetro. Ele estava curvado.” Olhando para o caos ao redor,

Simon pensou o quanto isso soou idiota.

“Ah. Ouviu alguma coisa?”

“Não.”

“Tudo completamente como de costume, hum, longe da confusão?”

“Sim, realmente estava.”

“Ah,” disse o sargento. Ele sorriu para Simon sentado impaciente na ponta de sua cadeira. “Tudo

bem, vou deixar passar dessa vez.”

“Oh,” Simon disse, aliviado. “Isso é tudo?”

“Suponho que sim,” o sargento disse serenamente, puxando para baixo sua jaqueta sobre a sua

cintura corpulenta. “Agora, Sr.,” ele disse para o Pai, “se pudermos dar uma olhada nessa pegada que você

disse que encontrou...”

“Sim, é claro.” O pai levou-os para fora da cozinha. As crianças, seguindo logo atrás, espreitaram

pela porta. O sargento olhou impassível para a pegada por alguns momentos, falou para seu calado oficial de

polícia, “Agora tome nota disso, jovem George,” e se moveu de modo ponderativo até a desordem da sala de

estar.

“Você diz que parece não ter sumido nada, Sr.?”

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“Bem, é difícil dizer, é claro, uma vez que essa é uma casa alugada,” disse o Pai. “Mas certamente

nada valioso parece estar faltando. A prata está totalmente intacta, não que tenha muita de qualquer modo.

Aquele cálice, como você vê, não foi tocado. Mas eles pareciam estar atrás dos livros, e não posso afirmar

nada a respeito deles. Pode muito bem ter algum faltando sobre o qual não sabemos.”

“Isso realmente é uma bagunça, com certeza.” O sargento se curvou, com algum esforço, e pegou um

livro. Uma pequena teia negra de aranha jazia pelo topo de suas páginas. “Esses são muito velhos - valiosos,

talvez. O capitão está muito bem, eu imagino.”

“Se posso sugerir, sargento…” tio Merry disse modestamente, no extremo do grupo.

“O que é isso, Professor?” O sargento sorriu para ele com todo o seu rosto rosado; até ele pareceu

conhecer tio Merry inexplicavelmente bem.

“Não tive chance de olhar muito bem, uma vez que a maioria das estantes estavam trancadas. Mas eu

poderia dizer que poucos dos livros nessa casa eram valiosos, para um negociante de qualquer nível.

Nenhum deles valia mais do que umas poucas libras, pelo lado de fora.”

“Engraçado. Parecia que eles estavam procurando alguma coisa... ei, olhe aqui.” O sargento

empurrou para o lado alguns dos papéis que deixavam o chão branco, e eles viram uma pilha de molduras

vazias.

“Essas são do corredor,” Simon disse depressa. “Aquela moldura dourada no topo das escadas tinha

um mapa nela.”

“Humm. Agora não tem mapa algum nela. Todos foram arrancados. Ainda assim, arrisco dizer que

os encontraremos em algum lugar no meio de toda essa desordem.” O sargento balançou para frente e para

trás sobre seus calcanhares, olhando para as estantes surradas e pilhas de livros com uma expressão de leve

pesar. Pensativo, ele esfregou um de seus brilhantes botões prateados, e finalmente se virou para o Pai com

um ar de decisão. “Completo hooliganismo*, eu suponho, Sr. Não pode haver outra explicação. Em todo

caso, raramente acontece aqui por essas bandas.”

“Ah,” disse o jovem oficial de polícia tristemente, ficou vermelho imediatamente e olhou para seus

pés.

O sargento sorriu para ele. “Alguém com rancor contra o capitão, ouso dizer, descontando nos

pertences dele. Poderia muito bem ser uma ou duas pessoas aqui das redondezas que não gostam dele, ele é

um curioso pássaro velho. Você não diria o mesmo, Professor?”

“Você pode chamá-lo assim,” tio Merry falou distraidamente. Estava parado olhando para ele com

um confuso rosto franzido.

“Invadir não é difícil em um lugar do tamanho de Trewissick,” o sargento disse. “As pessoas não

esperam isso, deixam suas janelas abertas... você as trancou noite passada, Dr. Drew?”

“Sim, eu sempre tranco, as de trás e da frente.” O Pai coçou sua cabeça. “Eu podia jurar que não

tinha nenhuma janela aberta ali embaixo, mas tenho que admitir que não fui checar todas.”

“Bem, não, você não esperaria esse tipo de coisa... o que me surpreende é porque alguém se

arriscaria, apenas entrar no lugar e – não pegar nada. Agora se eu puder dar mais uma olhada naquela

pintura...” Ele seguiu o caminho para fora do quarto.

Simon fez um sinal para que Jane e Barney ficassem atrás. “Hooligans,” ele disse pensativo. Pegou

um livro que jazia aberto virado para baixo sobre o carpete, e fechou suas capas gentilmente.

“Isso não parece certo, de algum modo,” Jane disse. “Está tudo tão perfeito. Cada gaveta aberta, e

* Hooliganismo: comportamento destrutivo e desregrado praticado por Hooligans, que são grupos de torcedores de eventos esportivos

da Europa, mais precisamente: Inglaterra, República Checa, Polónia, Alemanha e Croácia.

41

quase todos os livros derrubados.”

“E cada mapa arrancado de sua moldura,” disse Barney. “Só os mapas, vocês notaram? Nenhuma

das pinturas.”

“Os arrombadores deviam estar procurando por alguma coisa.”

“E eles saíram procurando por toda a casa porque não conseguiam encontrar.”

“Talvez não estivesse aqui embaixo,” Simon falou lentamente.

“Bem, não poderia estar lá em cima.”

“Como você sabe?”

“Não seja tolo, simplesmente não tem nada lá em cima. A não ser nós.”

“Não tem?”

“Bem…” Jane disse, e então de repente os três estavam olhando uns para os outros com horror. Eles

se viraram e dispararam do quarto subindo as escadas, até o quarto no segundo andar onde ficava o grande

guarda roupa quadrado entre as camas de Simon e Barney.

Simon arrastou rapidamente uma cadeira e pulou sobre ela para checar a parte de cima do guarda

roupa. Seu rosto ficou branco de pavor. “Sumiu!”

Houve um momento de silêncio assustador. Então Jane sentou desabando na cama de Barney e

começou a rir histericamente.

“Pare com isso!” Simon falou bruscamente, por um momento soando tão autoritário quanto seu pai.

“Sinto muito... está tudo bem, ele não sumiu,” Jane disse fracamente.

“Está na minha cama.”

“Na sua cama?”

“Sim, eu tenho ele. Ainda está lá. Tinha esquecido.” Jane murmurou, então se recompôs. “Quando

fui ver o vigário não queria levá-lo comigo, e tive que esconder em algum lugar no meu quarto. Então eu

enfiei ele bem debaixo das colchas da cama. Era o lugar mais próximo. Então ontem a noite esqueci que ele

estava lá, e eu devo ter ido dormir sem sentir ele. Vamos lá.”

O quarto da frente estava cheio de luz do sol, e através da janela o mar cintilava tão alegre como se

nada jamais pudesse perturbar o mundo. Jane puxou o lençol de sua cama amarrotada e ali, enfiado em um

canto na parte debaixo, estava o estojo do telescópio. Eles se amontoram em uma fila na borda da cama, e

Jane abriu o estojo em seu colo. Eles olharam para o familiar cilindro do velho manuscrito lá dentro com

silencioso alívio.

“Vocês percebem,” Simon disse seriamente, “esse era o lugar mais seguro em que ele possivelmente

poderia estar? Eles poderiam ter olhado em qualquer outro lugar, mas não em sua cama sem acordar você.”

“Vocês não acham que eles subiram e olharam em nossos quartos?” Barney ficou pálido.

“Eles devem ter olhado em toda parte.”

“Oh, mas isso é ridículo.” Jane balançou seu rabo de cavalo como se estivesse tentando clarear sua

42

cabeça. “Como eles poderiam saber alguma coisa sobre o manuscrito? Nós encontramos ele no sótão, bem

escondido, e obviamente ele esteve ali por anos e anos. E ninguém poderia ter estado lá em cima no sótão

por eras – pensem em toda aquela poeira nos degraus.”

“Não sei,” falou Simon. “Tem um monte de coisas que não entendo. Só sei que tenho me sentido

engraçado sobre o manuscrito desde que você disse que o seu vigário ficou todo excitado com a cópia do

mapa.”

Jane encolheu os ombros. “Não vejo como um vigário poderia ser mau. Além disso, ele não sabia

sobre o manuscrito. Ele fez algumas perguntas, mas acho que ele estava apenas sendo curioso demais.”

“Espere um minuto,” Barney falou lentamente. “Eu me lembrei de uma coisa. Tinha mais alguém

fazendo perguntas. Era o Sr. Withers, no barco ontem, quando eu estava lá embaixo na cabine almoçando

com ele. Ele começou a dizer um monte de coisas peculiares sobre a Casa Cinza, e para dizer a ele se vimos

alguma coisa qualquer que parecia muito... antiga” – ele engoliu “qualquer livro antigo, mapa ou papéis...”

“Oh, não,” Simon disse. “Não poderia ter sido ele.”

“Mas quem quer que tenham sido,” Barney falou com uma baixa voz clara, “estavam procurando

pelo manuscrito – não estavam?”

Sentados ali no silêncio da Casa Cinza todos os três sabiam que essa era a verdade.

“Eles devem querer ele muito mesmo.” Simon olhou para o manuscrito. “É aquela parte do mapa, é

isso mesmo. De algum modo alguém sabe que ele está na casa. Oh, queria que soubéssemos o que ele diz.”

“Olhem aqui,” Jane disse, tomando uma decisão, “temos que contar para Mamãe e Papai sobre

termos encontrado isso.”

Simon levantou seu queixo. “Isso não faria bem algum. Mamãe ficaria preocupada demais. De

qualquer modo, você não percebe, não teríamos nenhuma chance de resolver isso nós mesmos. E suponha

que ele realmente leva até um tesouro enterrado?”

“Não quero encontrar nenhuma porcaria de tesouro. Algo horrível deverá acontecer se nós o

encontrarmos.”

Barney esqueceu seu medo com uma injuriada reinvindicação de posse. “Não podemos contar a

ninguém sobre isso agora. Nós encontramos ele. Eu encontrei, é minha busca.”

“Você é novo demais para entender,” Jane disse pomposamente. “Teremos que contar a alguém

sobre isso – Pai, ou o policial. Oh, entendam,” ela adicionou lamuriosamente. “Temos que fazer alguma

coisa, depois de ontem a noite.”

“Crianças” A voz da Mãe veio das escadas do lado de fora, muito perto. Eles ficaram de pé

bruscamente, e Simon segurou o estojo do manuscrito atrás de sua costa.

“Alô?”

“Oh, aí estão vocês.” A Mãe apareceu na porta; ela parecia preocupada. “Vejam, a casa vai ficar um

caos durante toda essa manhã – vocês gostariam de ir nadar e voltar para casa para almoçar mais tarde – por

volta de uma e meia? Então a tarde tio Merry quer sair com todos vocês.”

“Certo,” Simon disse, e ela desapareceu de novo.

“É isso!” Barney bateu no travesseiro excitado e aliviado. “É isso, é claro, por que não pensamos

nisso antes? Podemos contar para alguém e ainda acertar as coisas. Podemos contar ao tio Merry!”

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CAPÍTULO SEIS

“Agora então,” disse o tio Merry enquanto eles caminhavam descendo a colina até o porto. “É uma

tarde explendida para uma caminhada. Por qual caminho vocês querem ir?”

“Algum que seja solitário.”

“Algum lugar a milhas de qualquer outro.”

“Algum lugar onde possamos conversar.”

Tio Merry olhou para eles, de um rosto tenso para o outro. Sua expressão impassiva e séria não

mudou e ele simplesmente falou, “Muito bem,” e aumentou seu passo de modo que eles tiveram que trotar

para acompanhar. Ele não fez pergunta alguma e caminhou em silêncio. Eles subiram a pequena estrada que

fazia curva no lado do porto oposto a Kemare Head e a Casa Cinza, e seguiu o caminho do penhasco

passando pelas últimas casas isoladas do vilarejo, até que a grande extensão verde-púrpura do promontório

oposto ergueu-se diante deles.

Eles foram subindo a ladeira, através de urze e tojo espinhento, passando por ásperas protuberâncias

de rocha cinza com manchas amarelas de líquen e açoitados pelo vento. Não havia nenhum soprar de brisa lá

embaixo no porto, mas aqui o vento era alto em seus ouvidos.

“Deus,” Barney disse, fazendo uma pausa e virando para olhar para baixo. “Vejam” Eles se viraram

com ele, e viram o porto bem longe lá embaixo e a Casa Cinza pequena na estrada estreita. Eles já estavam

mais alto do que o promontório deles, e o declive rochoso ainda se estendia acima deles para encontrar o céu.

Eles viraram novamente e com esforço subiram o declive, e finalmente estavam no topo do

promontório, com a linha do surfe espalhando-se como um pequeno mapa que se movia abaixo deles em

ambos os lados, e além dele a grande imensidão azul do mar. Ali estava um grande pedaço de granito

inclinado maior do que qualquer um pelo qual eles passaram durante a subida, e tio Merry sentou com sua

costa contra ele, suas pernas arqueadas, longas e pontudas em suas calças de veludo marrom. As crianças

ficaram juntas, olhando para baixo. A terra diante deles não era familiar, um silencioso mundo cheio de picos

e vales invisíveis, todas as suas cores mesclando-se em uma neblina de calor do verão.

“Hic incipit regnum Logri...” tio Merry disse, olhando para tudo isso junto com eles, como se

estivesse lendo uma inscrição.

“O que isso significa?”

“Aqui começa o reino de Logres... Agora venham, vocês três, e sentem-se.”

Eles se agacharam ao lado dele, em um semi-círculo diante da grande pedra. Tio Merry os observou

como se estivesse em um trono. “Bem,” ele disse gentilmente, “quem me diz o que está errado?”

Na quietude com apemas o som do vento agitando o ar Jane e Barney olharam para Simon. “Bem,

foi o arrombador,” ele disse pausadamente. “Estávamos preocupados...” e então os três estavam todos

despejando as palavras.

“Quando a Srta. Withers veio na outra noite ela estava fazendo perguntas sobre a Casa Cinza, e se

nós tínhamos encontrado alguma coisa.”

“E também o Sr. Withers no iate deles, ele me perguntou sobre livros antigos.”

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“Quem quer que fossem na noite passada, só tocaram nos livros e em todos os mapas velhos...”

“... eles estavam procurando por isso, deviam estar...”

“... eles só não sabiam onde procurar, e não sabiam que nós já tínhamos ele.”

“Supondo que eles saibam que nós temos, devem vir atrás de nós...”

Tio Merry levantou uma das mãos, embora não tenha se movido. O queixo dele estava erguido.

Olhou como se estivesse esperando por algo. “Agora com calma,” ele disse. “Se vocês encontraram alguma

coisa na Casa Cinza, o que foi que vocês encontraram?”

Simon procurou dentro da mochila. Ele entregou o rolo de pergaminho a tio Merry. “Encontramos

isso.”

Tio Merry pegou o pergaminho sem dizer uma palavra, e desenrolou-o suavemente sobre seus

joelhos. Ficou olhando para ele por um longo tempo, e eles podiam ver seus olhos se movendo sobre as

palavras.

O vento no promontório assobiou suavemente ao redor deles, e ainda que, enquanto eles

observavam, a expressão de tio Merry não tivesse mudado, de repente eles souberam que alguma emoção

enorme estava emergindo através dele. Como uma corrente elétrica ela carregou o ar, excitante e assustadora

ao mesmo tempo; embora eles não conseguissem entender o que era. E então ele ergueu sua cabeça

finalmente e olhou através das colinas de Cornwall que se espalhavam ao longe; e deu um grande suspiro de

alívio que foi como a liberação de toda a preocupação do mundo todo.

“Onde vocês encontraram isso?” ele disse, e as três crianças pularam com o tom calmo e comum de

sua voz como se isso os retirasse de um feitiço.

“No sótão.”

“Tem um grande sótão, todo cheio de poeira e tralhas, encontramos uma porta atrás de nosso guarda-

roupa, e uma escada levando até lá em cima.”

“Eu encontrei,” disse Barney. “Joguei fora meu miolo de maça, e fui pegá-lo de volta por causa dos

ratos, e encontrei o manuscrito por acidente em um canto debaixo do assoalho.”

“O que é isso, tio Merry?”

“O que ele diz?”

“É terrivelmente antigo, não é?”

“Ele é importante? É sobre um tesouro enterrado?”

“De certo modo,” tio Merry disse. Seus olhos pareciam ofuscados, incapazes de focar em lugar

algum, mas havia uma contração nos cantos da sua boca. De algum modo, sem sorrir, ele pareceu mais feliz

do que eles já tinham visto antes. Jane pensou, observando: geralmente esse é um rosto triste, e é por isso que

há tanta diferença.

Ele colocou o manuscrito em seu colo e olhou de Jane para Simon e para Barney e de volta. Ele

parecia estar procurando por palavras.

Vocês encontraram algo que pode ser mais importante do que vocês possivelmente consigam

perceber,” ele disse finalmente.

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Eles ficaram olhando para ele. Ele olhou ao longe novamente, sobre as colinas.

“Lembram das histórias de contos de fadas que contavam a vocês quando eram muito pequenos –

“era uma vez...” Por que vocês acham que elas sempre começam desse jeito?”

“Por que não eram de verdade,” Simon disse prontamente.

Jane falou, envolvida na irrealidade do lugar remoto, “Por que talvez uma vez tenham sido de

verdade, mas ninguém conseguia lembrar quando.”

Tio Merry virou sua cabeça e sorriu para ela. “Isso mesmo. Era uma vez... um longo tempo atrás...

coisas que uma vez aconteceram, talvez, mas foram contadas por tanto tempo que ninguém realmente sabe. E

debaixo de todas as partes que as pessoas adicionaram, as palavras mágicas e lâmpadas, todas são sobre uma

coisa – o bom herói lutando contra o gigante, ou a bruxa, ou o tio mau. Bom contra ruim. Bem contra o mal.”

“Cinderela.”

“Aladdin.”

“Jack o matador de gigantes.”

“E todos os outros.” Ele olhou para baixo de novo, seus dedos acariciando a borda curvada do

pergaminho. “Vocês sabe sobre o que é esse manuscrito?”

“Rei Arthur,” Barney disse rapidamente. “E Rei Mark. Simon encontrou os nomes, em Latin.”

“E o que vocês sabem sobre o Rei Arthur?”

Barney olhou triunfante ao redor para sua audiência cativa e se preparou para um longo recital, mas

ao invés disso começou a gaguejar de algum modo.

“Bem... ele era Rei da Inglaterra, e tinha seus cavaleiros da Távola Redonda, Lancelot, Galahad, Kay

e todos eles. E eles lutavam em torneios e resgatavam pessoas de cavaleiro maus. E Artur vencia qualquer

um com sua espada Excalibur. Era o bom contra o ruim, eu imagino, como você disse, nas histórias de

contos de fadas. Só que ele era real.”

O sorriso calmo de tio Merry estava surgindo de novo.

“E quando Rei Arthur foi Rei da Inglaterra?”

“Bem…” Barney balançou suas mãos vagamente. “Um longo tempo atrás...”

“... como nos contos de fadas,” Jane finalizou para ele. “Entendo. Mas tio Merry, o que você está

tentando nos dizer? Rei Arthur também era uma história de conto de fadas?”

“Não!” Barney disse indignado.

“Não,” disse tio Merry. “Ele era real. Mas a mesma coisa aconteceu, vocês podem perceber – ele

viveu há tanto tempo que não ficou nenhum registro dele. E então ele se tornou uma história, uma lenda

também.”

Simon se atrapalhou com a alça de sua mochila. “Mas não vejo onde entra o manuscrito.”

O vento sobre o promontório balançou o cabelo branco de tio Merry contra o séu, e enquanto olhava

para baixo ele pareceu altivo e severo.

46

“Tenham um pouco de paciência. E escutem atentamente agora, porque podem achar difícil de

entender isso.”

“Primeiro, vocês me ouviram falar de Logres. Esse era o antigo nome para esse país, milhares de

anos atrás; nos dias antigos quando a luta entre o bem e o mal era mais severa e aberta do que é agora.

Aquela luta continua ao nosso redor o tempo todo, como dois exércitos lutando. E às vezes um deles parece

estar vencendo e às vezes o outro, mas nenhum deles jamais triunfou completamente. Nem triunfará,” ele

adicionou suavemente para si mesmo, “pois há um pouco de cada um deles em todo homem.”

“Às vezes, através dos séculos, essa batalha antiga chega a um pico. O mal fica muito forte e quase

vence. Mas sempre ao mesmo tempo há algum líder no mundo, um grande homem que às vezes parece ser

mais do que um homem, que leva as forças do bem a recuperar terreno e os homens que pareciam ter

perdido.”

“Rei Arthur,” Barney disse.

“Rei Arthur foi um desses,” tio Merry disse. “Ele lutou contra os homens que queriam Logres, que

roubaram, assassinaram e quebraram todas as regras das batalhas. Ele era um homem forte e bom, e as

pessoas daqueles dias confiavam nele completamente. Com aquela fé atrás de si, o poder de Arthur era muito

grande – tão grande que nas histórias que foram crescendo desde então, pessoas falaram que ele tinha ajuda

mágica. Mas mágica é apenas uma palavra.”

“Imagino que ele não venceu,” Jane disse com repentina convicção, “ou não teria acontecido

nenhuma guerra desde então.”

“Não, ele não venceu,” tio Merry falou, e mesmo no claro sol da tarde ele pareceu ficar mais distante

a cada palavra, tão antigo quanto a rocha atrás dele e o velho mundo do qual ele falou.

“Ele não foi derrotado totalmente, mas não venceu completamente. Então a mesma luta entre os

lados do bem e do mal continua desde então. Mas o bem ficou muito confuso, e desde os dias antigos de

Logres ele vem tentando recuperar a força que lhe foi dada por Arthur. Mas nunca conseguiu. Coisas demais

foram esquecidas.

“Mas aqueles homens que lembraram do velho mundo estiveram procurando por esse segredo desde

então. E tem outros procurando também – os inimigos, os homens maus, que possuem a mesma ganância em

seus corações frios que os homens contra os quais Arthur lutou.”

Tio Merry olhou para longe, sua cabeça contornada contra o céu como a orgulhosa cabeça entalhada

de uma estátua, com séculos de idade e sempre a mesma. “Estive procurando,” ele disse. “Por muitos, muitos

anos.”

As crianças olharam para ele, admiradas e um pouco assustadas. Por um momento ele era um

estranho, alguém que eles não conheciam. Jane teve uma repentina sensação fantástica de que tio Merry não

existia de verdade, e desapareceria se eles respirassem ou falassem.

Ele olhou para eles de novo. “Estava começanco a saber que essa parte de Cornwall guardava o que

nós procurávamos,” ele disse. “Não imaginava que seriam vocês que o encontrariam. Ou em que perigo

vocês estariam entrando.”

“Perigo?”' Simon disse incrédulo.

“Perigo muito grande,” disse tio Merry, olhando para ele bem no rosto. Simon engasgou. “Esse

manuscrito, Simon, coloca vocês bem no meio da batalha. Oh, ninguém vai enfiar uma faca em suas costas –

seus métodos são mais sutis do que isso. E talvez mais eficientes.” Ele olhou para o manuscrito novamente.

“Isso,” ele disse mais normalmente, “é uma cópia.”

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“Uma cópia?” Barney disse. “Mas é tão velho.”

“Oh, sim, é velho. Tem cerca de seiscentos anos. Mas é uma cópia de algo muito mais velho do que

isso – escrito mais de novecentos anos atrás. A parte no início está em Latim.”

“Ai está, eu disse,” Jane falou em triunfo.

Simon mordeu seu lábio inferior. “Bem, eu traduzi partes dele, não traduzi? Não muito, entretanto,”

ele confessou para tio Merry. “Não consegui reconhecer nenhuma das palavras.”

“Não acho que pudesse. Isso é Latim medieval, não como o Latim que você aprende na escola... foi

escrito por um monge que deve ter vivido perto daqui, e eu acho que cerca de seiscentos anos atrás, embora

não exista data. Ele diz, grosseiramente, que perto de seu monastério um velho manuscrito Inglês foi

encontrado. Diz que ele fala sobre uma antiga lenda dos dias de Mark e Arthur, e que ele copiou a história

para evitar que ela fosse perdida, pois o manuscrito estava se desfazendo. Ele diz que copiou um mapa que

estava com o manuscrito também. Então todo o resto, abaixo, é a história que ele copiou – e você pode ver o

mapa bem na parte debaixo.”

“Se o manuscrito original era tão velho que estava caindo aos pedaços seiscentos anos atrás...”

Barney disse, pensativo.

Simon interrompeu de modo impaciente. “Tio Merry, você consegue entender a parte copiada? Não

é Latim, é?”

“Não, não é,” Tio Merry disse. “É um dos dialetos Ingleses mais antigos, a antiga linguagem que

costumava ser falada séculos atrás. Mas é uma forma muito antiga dele, cheia de palavras antigas de

Cornwall e até algumas da Bretanha. Não sei – Vou ler da melhor maneira que eu puder. Mas posso

transformar isso em um Inglês um tanto estranho, e posso ter que parar...”

Ele olhou para o manuscrito novamente. Então, de modo cambaleante e com muitas pausas enquanto

o segurava na luz do sol ou procurava por uma palavra em sua mente, ele começou a ler, em sua profunda

voz distante. As crianças sentaram e escutaram, com o sol quente em seus rostos e o vento ainda sussurrando

nos ouvidos deles.

“Isso eu escrevo, que quando a hora chegar ele será encontrado pelos homens adequados. E deixo

isso aos cuidados da antiga terra que em breve não existirá mais.”

“Dentro da terra de Cornwall, o reino de Mark, surgiu nos dias de meus pais um estranho cavaleiro

seguindo em direção ao oeste. Muitos fugiram para cá naqueles dias, quando o antigo reino foi destruído pelo

invasor e a última batalha de Arthur foi perdida. Pois somente na terra do oeste os homens ainda amavam

Deus e os antigos costumes.”

“E o estranho cavaleiro que veio até o lugar de meus pais era chamado Bedwin, e ele carregava

consigo a última prova de fé de Logres, o Graal, feito semelhante ao Santo Graal, que contava em seus lados

toda a verdadeira história de Arthur que logo ficaria nebulosa nas mentes dos homens. Cada painel falava

sobre um mal vencido por Arthur e a companhia de Deus, até o fim quando o mal derrotou todos. E o último

painel mostrava a promessa e a prova de que Arthur retornaria novamente.”

“Atenção, disse o cavaleiro Bedwin para meus pais, o mal está sobre nós agora, e assim ele

permanecerá por tempo além de nossos sonhos. Ainda assim, se o Graal, que é a última prova de fé do antigo

mundo, não for perdido, então quando o dia for oportuno o Pendragon surgirá novamente. E finalmente todos

estarão seguros, e o mal será afastado para jamais retornar.”

“E então para que a fé seja mantida, ele disse, entrego aos seus cuidados, e de seus filhos, e dos

filhos de seus filhos, até que o dia chegue. Pois estou ferido mortalmente da última das antigas batalhas, e

não consigo suportar mais.”

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“E muito cedo ele morreu, e eles o enterraram acima do mar e sob a rocha, e ali ele permanece até o

dia de nosso Senhor.”

“E assim o Graal passou para os cuidados de meus pais, e eles o guardaram na terra de Cornwall

onde os homens ainda se empenham para manter vivos os antigos costumes, enquanto ao leste os homens do

mal ficavam mais numerosos e a terra de Logres ficava escura. Pois Arthur se fora, e Mark estava morto, e os

novos reis não eram como os antigos tinham sido. E a cada virada de anos o Graal passou aos cuidados do

filho mais velho, e no fim ele veio até mim.”

“E desde a morte de meu pai eu o tenho mantido seguro tão bem quanto posso, em segredo e em

verdadeira fé; mas agora eu envelheço, e não tenho crianças, e a maior escuridão de todas se espalha sobre

nossa terra. Pois os pagãos do mal, que vieram para o leste em anos passados e chacinaram os homens

Ingleses e tomaram suas terras, estão se virando em direção ao oeste agora, e não ficaremos seguros por

muito tempo.”

“A escuridão se move em direção a Cornwall, e os grandes navios rastejam para nossa costa, e a

batalha está próxima o que deve levar à derrota final e ao fim de tudo que conhecemos. Nenhum guardião

para o Graal restou, uma vez que o filho de meu irmão que eu amei como meu próprio filho já está

convertido em um dos pagãos, e os guia para o oeste. E para salvar minha vida, e o segredo do Graal que

apenas seu guardião conhece, devo partir do mesmo modo que Bedwin o estranho cavaleiro partiu. Mas em

toda terra de Logres não restou abrigo algum, de modo que eu devo cruzar o mar até a terra para onde, eles

dizem, homens de Cornwall haviam partido sempre que o terror surgia.”

“Mas o Graal não deve deixar essa terra, ele deve esperar o Pendragon, até que chegue o dia.

“Então sendo assim, eu o confio a esta terra, acima do mar e sob a rocha, e marco aqui os sinais

pelos quais o homem apropriado no lugar apropriado, deve saber onde ele repousa: os sinais que se desfazem

e diminuem mas não morrem. O segredo de sua carga não devo escrever, mas sim levar não pronunciado

para meu túmulo. Ainda assim o homem que encontrar o Graal e possuir outras palavras minhas saberá,

através de ambas, para si mesmo o segredo. E dele é a carga, a promessa e a prova, e em seu dia o Pendragon

surgirá novamente. E nesse dia veremos uma nova Logres, com o mal expulso; quando o velho mundo não

parecerá mais do que um sonho.”

Tio Merry parou de ler; mas as crianças ficaram sentadas tão imóveis e mudas como se a sua voz

ainda ecoasse. A história parecia encaixar-se perfeitamente na terra verde que se extendia abaixo deles que

foi como se eles estivessem sentados no meio do passado. Eles quase podiam ver o estranho cavaleiro

Bedwin cavalgando em direção a eles, sobre o castanho de uma ladeira, e os navios compridos dos invasores

espreitando além do promontório de granito cinza e sua orla branca ondulante.

Simon disse finalmente, “Quem é o Pendragon?”

“Rei Arthur,” Barney falou.

Jane não disse nada, mas sentou pensando nos tristes homens de Cornwall navegando para longe

além mar de sua terra ameaçada. Ela olhou para tio Merry. Ele estava contemplando o mar lá embaixo e o

promontório além de Trewissick, as linhas tensas de seu rosto relaxadas e melancólicas. “...quando o velho

mundo,” ele repetiu suavemente para si mesmo, “não parecerá mais do que um sonho.”

Simon ficou de pé e foi se agachar perto dele, olhando para o manuscrito no joelho dele. “Então o

mapa deve mostrar onde o Graal está. Quer dizer, imaginem que encontremos ele. O que isso vai significar?”

“Significará todos os tipos de coisas,” tio Merry disse de modo sério. “E nem todas agradáveis,

talvez.”

“Com o que ele parece? De qualquer modo, o que é um Graal?”

49

“Um tipo de recipiente para bebida. Um cálice. Uma taça. Mas não como uma taça comum.” Tio

Merry olhou para eles de modo solene. “Agora escutem. Esse mapa que vocês encontraram mostra o

caminho para um sinal que os homens estiveram procurando por séculos. Eu disse que estive procurando por

ele. Mas vocês lembram que disse que também havia outros – o lado inimigo, se preferirem. Essas pessoas

são más, e certamente podem ser muito, muito perigosas.” Tio Merry falou com grande seriedade,

inclinando-se para frente, e as crianças olharam de volta um pouco nervosas.

“Eles estiveram muito perto de mim por um longo tempo.” Ele disse. “E aqui em Trewissick eles

estiveram perto de vocês também. Um deles é o homem Norman Withers. Outro é a mulher que chama a si

mesma de irmã dele. Deve haver outros, mas eu não sei.”

“Então o arrombamento.” Eles olharam para ele e Jane disse, “Foram eles?”

“Sem dúvida,” tio Merry disse. “Não em pessoa, talvez. Mas acredito que estiveram por trás de tudo

– os livros revistados, os mapas roubados, a tentativa de procurar por um esconderijo secreto debaixo do

assoalho. Eles estiveram muito perto, vocês sabem, mais perto do que eu. Quando aluguei a Casa Cinza não

foi mais do que um tiro no escuro. Eu tinha estreitado a busca para a área de Trewissick, mas isso foi tudo. E

eu não tinha idéia alguma do que estava procurando. Poderia ter sido qualquer coisa. Mas eles sabiam. De

alguma forma, de algum modo obscuro, eles descobriram sobre o manuscrito e vieram atrás dele noite

passada. Só que eles não arriscaram primeiro barganhar pelo achado de vocês.” Ele sorriu levemente.

“Gostaria de ver a cara dos Withers hoje.”

“Tudo se encaixa agora,” Simon disse lentamente. “O modo como ele fez amizade tão rápido com o

Pai, o modo como nos levaram para dentro de seu barco...” Por um momento desagradável ele ouviu a voz de

tio Merry de novo dizendo enfaticamente, “Certamente podem ser muito perigosos...”

Barney falou: “Mas tio Merry, você sabia o que encontraríamos fosse lá o que fosse? Nós, quero

dizer, eu, Simon e Jane?”

Seu tio olhou para ele de modo frio. “O que faz você dizer isso?”

“Bem – eu não sei…” Barney procurou por palavras. “Você mesmo deve ter procurado, antes que

viéssemos, e não encontrou nada. Mas quando viemos, você nunca estava. Você continuava desaparecendo,

quase como se stivesse deixando a casa para nós.”

Tio Merry sorriu. “Sim, Barney,” ele disse, “Realmente tive o pensamento de que vocês poderiam

encontrar, por que conheço os três muito bem. Essa foi uma idéia que tive antes que nossos amigos tivessem,

então mesmo com todo interesse deles na Casa Cinza eles ainda estavam preocupados com o que eu podia

fazer. E eu os levei por um grande passeio por todo o sul de Cornwall enquanto vocês estavam em casa. Eu

fui, vocês podem chamar, uma isca.”

“Mas o que...” Barney disse.

“Oh, não se preocupe,” Simon interrompeu. Ele estivera inquieto no cotovelo de tio Merry. “Tudo

está óbvio agora. A questão é, e quanto ao mapa?”

“Você tem razão.” tio Merry sentou-se na pedra novamente. “Não temos tempo algum a perder.”

“É um mapa de Trewissick,” Simon disse ansioso. “Jane descobriu isso. Só que a costa parece ter

mudado…”

“Eu estava comparando ele com o mapa em um livro guia na Casa Cinza,” Jane disse. Não parecia

valer a pena mencionar a visita dela ao vigário. “O engraçado é que ainda que os contornos da costa não

sejam semelhantes, os nomes são os mesmos. Se você olhar o manuscrito bem de perto um dos promontórios

é chamado King Mark's Head, só que a forma de soletrar está toda errada. E esse é o nome que o livro guia

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usa para Kemare Head. Então o manuscrito deve mostrar Trewissick.”

“Está certo,” tio Merry disse, curvado sobre o pergaminho. “Simples decomposição, jogando

consoantes...” A cabeça dele se ergueu rapidamente. “O que você disse?”

Jane pareceu confusa. “Humm?”

“Você disse que era chamado King Mark's Head no livro guia?”

“Sim, isso mesmo. Isso tem importância?”

“Oh, não.” A expressão vaga de costume voltou ao rosto de tio Merry como um véu. “Só que esse

nome em particular não tem sido usado por um longo tempo, e a maioria das pessoas esqueceram isso. Eu

gostaria de dar uma olhada nesse seu livro guia.”

“Não entendo isso.” Simon estava olhando para o velho mapa. “Mesmo se for Trewissick, onde isso

leva? É o mapa de tesouro mais inútil que eu já vi, tem todo tipo de marca característica nele mas nenhuma

delas significa coisa alguma. Nada leva para nenhuma outra coisa, então como ele pode mostrar onde está o

Graal?”

Tio Merry apontou para o manuscrito. “Lembre do que o texto diz – para o homem apropriado, no

lugar apropriado, encontrar...”

“Talvez seja como aqueles labirintos que às vezes vemos em livros,” Jane disse, pensando bastante.

“Aqueles que são simples uma vez que já pegou o caminho mas que é tremendamente difícil descobrir por

onde começar. Isso poderia ser o que ele queria dizer com “no lugar apropriado”. Se você levar o mapa para

o ponto de partida certo, então ele diria para onde ir a partir dali.”

Simon quase gritou, “Mas como descobrimos por onde começar?”

Barney, parado ao cotovelo de tio Merry, não estava escutando. Tinha mergulhado em um de seus

silêncios de sonho, olhando de olhos arregalados para o porto e ocasionalmente olhando de volta para o

mapa. “Eu sei do que ele me lembra,” ele disse meditativo.

Ninguém percebeu. Barney continuou sonhando consigo mesmo, “É como um dos desenhos da

Mamãe, aqueles que ela chama rascunhos de perspectiva. Parece um desenho, não um mapa na verdade.

Você tem o volume dessa colina sobre a borda do porto quando olha para baixo, e o promontório curvando-

se assim…” – ele moveu seu dedo pelo ar sobre a vista diante dele – “e aquelas pedras no topo dele fazem

aqueles pequenos pontos engraçados no lado do mapa...”

“Nossa, ele conseguiu!” Simon gitou, arrancando Barney de seu devaneio. É isso, vejam! É um

desenho, e não um mapa, e é por isso que a forma parecia toda errada comparada com o livro guia. Vejam,

vocês podem ver…” Ele pegou o manuscrito cuidadosamente das mãos de tio Merry e o segurou na frente

deles, contra o longo braço rochoso de Kemare Head. E quando eles olharam do promontório de volta para o

manuscrito, as linhas marrons rabiscadas de repente pareceram tão óbviamente um desenho da cena diante

deles que ficaram imaginando como teriam possivelmente pensado que fosse um mapa.

“Bem então,” Jane disse, incredulidade espalhando-se sobre o rosto dela enquanto ela olhava de um

para o outro, “esse deve ser o lugar apropriado. O início do labirinto. Todo esse tempo sem saber estivemos

no mesmo local que o homem que fez o desenho. Pensem nisso!” Ela olhou admirada para o manuscrito.

“Bem, vamos lá,” Barney disse, radiante de excitação com o que tinha descoberto. “Nós sabemos por

onde ele começou. Como descobrimos onde ele foi daqui?”

“Olhe para o desenho. Tem um tipo de borrão marcado nesse promontório.”

51

“Tem borrões por todo o lugar. Metade deles são borrões e o resto são marcas de sujeira.”

“As marcas de idade,” tio Merry disse sepulcralmente.

“Não, mas essa é intencional,” Simon insistiu. “Bem aqui, onde – Deus! Deve ser aquela rocha onde

você estava encostado, tio Merry!”

Seu tio olhou ao redor de modo criterioso. “Bem, é possível, eu suponho. Sim, com certeza, é

possível. Uma protuberância natural, eu acho, não erguida pelas mãos dos homens.”

Barney levantou e trotou ao redor da pedra, olhando bem de perto para seus arranhões amarelos de

líquen e cada pequena rachadura e fenda, mas não notou nada incomum. “Ela parece bastante comum,” ele

disse desapontado, reaparecendo no outro lado.

Jane começou a rir. “Você está igualzinho a Rufus, farejando atrás de um coelho e então descobrindo

que não tem nada ali.”

Barney deu um tapa em seu joelho. “Sabia que devíamos ter trazido Rufus. Ele teria sido

terrivelmente útil em uma caçada, farejando coisas.”

“Você não pode farejar coisas quando elas estiveram escondidas por séculos, idiota.”

“Não vejo por que não. Espere só, aposto com você que ele vai ajudar.”

“Sem chance.”

“Por falar nisso, onde ele está?”

“Com a Sra. Palk. Trancado em algum lugar, eu acho, pobre criatura. Vocês sabem que o Pai disse

que não queria mais ele dentro da casa quando ele ficou furioso naquela noite.”

“A Sra. Palk tira ele da casa toda noite.”

“Se ela não tivesse tirado ele da casa ontem a noite ele pegaria os arrombadores.”

“Deus, ele pegaria.” Houve um momento de silêncio enquanto todos digeriam o pensamento.

“Não confio na Sra. Palk,” Jane falou de modo sombrio.

“Bem, não se preocupe com isso,” tio Merry disse tranqüilamente. “Pelo que eu sei daquele cachorro

ele apenas teria lambido as mãos deles e dito a eles para irem em frente.”

“Ele não gosta da Sra. Withers,” Barney disse. “Ele veio nos receber balançando seu rabo quando

nós descemos do barco ontem, mas quando ele viu o Sr. Withers baixou o rabo e latiu. Todos rimos disso

naquele momento,” ele adicionou pensativo.

“Bem, vamos soltar ele amanhã. Mas logo teremos que voltar para casa e ainda não estamos nem

perto do começo. Tio Merry, essa pedra poderia realmente significar alguma coisa?” Simon esfregou a

superfície cinza com incerteza.

“Talvez esteja alinhada com alguma coisa,” Jane falou esperançosa.

“Como uma agulha de bússola. Olhem no mapa, quer dizer, no desenho.”

“Não ajuda. Poderia estar alinhada com qualquer um desses borrões.”

52

“Bem então, devemos descobrir onde estão todas os borrões e ir ver se tem alguma coisa perto

deles.”

“Mas isso levaria meses.”

“Oh!” Barney bateu seu pé com impaciência. “Isso é terrível. O que vamos fazer?”

“Deixem isso,” tio Merry disse inesperadamente.

“Deixar?” Eles olharam para ele.

Deixem até amanhã. Para pensar nisso com as mentes frescas. Nós não temos muito tempo, e no

final vai ser uma corrida, mas estamos todos bem no momento. O outro lado não sabe que encontramos

alguma coisa. Eles me observam como falcões, mas não suspeitam de vocês, e com um pouco de sorte não

suspeitarão. Vocês podem ir embora e pensar a respeito disso hoje à noite.”

“Eles não voltarão para nos invadir de novo?” Jane falou nervosa.

Não ousariam. Não, essa foi uma jogada arriscada – eles apostaram tudo em serem capazes de

encontrar uma pista na primeira vez, e falharam. Agora vão tentar algo diferente.”

“Gostaria que soubéssemos o que vai ser.”

“Tio Merry,” disse Simon, “por que não podemos dizer a polícia que foram eles? Então eles não

poderiam vir atrás de nós de jeito nenhum.”

“Sim,” falou Jane, ansiosa. “Por que não?”

“Provavelmente não podemos,” Barney disse com convicção.

“Por que não?”

“Não sei.”

Eles olharam para tio Merry.

Ele falou de modo discordante, “Por que não disseram a polícia que achavam que sabiam o que os

arombadores estavam procurando?”

“Bem – eles ficariam rindo. Pensariam que era apenas um velho pedaço de papel.”

“E se tivéssemos ido falar com eles isso não seria mais um segredo e não poderíamos seguir o

mapa.”

“E de qualquer modo,” Jane disse, com um retorno do antigo sentimento de culpa, “não contamos a

Mamãe e Papai sobre termos encontrado isso em primeiro lugar.”

“Bem,” tio Merry disse, “vocês teriam dito a eles, nós encontramos um velho pergaminho no sótão e

achamos que era o que os invasores estavam procurando quando viraram a casa de cabeça para baixo. E

nosso digno sargento, que está satisfeito que os criminosos tenham sido apenas hooligans, teria sorrido de

maneira indulgente e diria a vocês para irem brincar.”

“Tudo bem, é isso mesmo. Foi por isso que não contamos.”

Tio Merry sorriu. “Agora, eu poderia ir até ele e dizer que esse manuscrito é uma pista para um tipo

de taça antiga, chamada Graal, que está escondida em Trewissick. Ele conta a verdadeira história de Rei

53

Arthur. O homem do iate chamado Lady Mary o quer, e ele invadiu a casa, e ele tem me seguido noite e dia

para descobrir se eu o encontrei antes dele. E o que aconteceria?”

“Eles iriam prender o Sr. Withers,” Simon falou esperançoso, mas pareceu menos convencido do que

antes.

O sargento iria até o Sr. Withers que, é claro, teria um álibi perfeito para a noite da invasão, e ele o

questionaria educadamente sobre a minha estranha história. O Sr. Withers o impressionaria como um cortês e

distinto negociante de antiguidades inofensivo em um feriado com sua bela irmã.”

“Foi isso que pensamos que ele era,” Barney afirmou. “O sargento sabe a meu respeito,” tio Merry

continuou, “e sabe que às vezes faço coisas que parecem” – ele deu uma risadinha – “excêntricas”. “Ele iria

refletir a respeito, e diria a si mesmo: Pobre velho Professor, finalmente isso tudo foi demais para ele. Todo

aquele estudo de livros, isso não é normal, com certeza isso tudo virou a cabeça do pobre sujeito.”

“Você faz isso melhor até do que Simon,” Jane disse admirada.

“Agora eu percebo,” Simon disse. “Isso apenas soaria fantástico. E se falássemos ao sargento sobre o

Sr. Withers e sua irmã fazendo perguntas sobre livros velhos, isso simplesmente iria parecer perfeitamente

normal e nem um pouco suspeito.”

Ele olhou para cima e sorriu. “É claro, não poderíamos contar a eles. Sinto muito. Não pensei nisso.”

“Bem, deve pensar agora, e seriamente,” tio Merry disse, virando seus graves olhos escuros para o

rosto de cada um deles. “vou dizer algo que não direi novamente. Vocês podem pensar o mesmo que o

sargento pensaria, que tudo isso é um negócio de uma disputa privada. Um velho professor e um

colecionador de livros, ambos com a intenção de vencer o outro em algo que não importa muito para mais

ninguém afinal de contas.”

“Não!”

“É claro que não.”

“É muito mais do que isso,” Jane falou impulsivamente. “Tenho uma sensação...”

“Bem – se vocês todos tiverem uma sensação, se entenderem só um pouco das coisas que eu estava

tentando dizer mais cedo, então já é mais do que o suficiente. Mas não estou feliz em ter vocês três

envolvidos com isso, e eu deveria estar muito menos feliz se achasse que vocês não tinham idéia alguma do

que estavam fazendo.”

“Você faz isso parecer terrivelmente sério,” Simon disse curioso.

“E é sério... Fico preocupado porque o tempo todo só posso estar nas margens, atuando como um

chamariz, fazendo eles pensarem que não há ninguém com quem se preocupar a não ser comigo. De modo

que vocês são deixados por sua própria conta, com a responsabilidade de desvendar isso.” Ele tocou o

manuscrito na mão de Simon. “A cada passo difícil do caminho.”

“Demais,” Barney disse feliz.

Simon olhou para seu irmão e irmã e se levantou tentando parecer tão nobre quanto fosse possível

estando de short e sandálias.

“Bem, eu sou o mais velho...”

“Só onze meses,” disse Jane.

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“Bem, eu sou, de qualquer modo, e sou responsável por vocês dois e devo ser o porta-voz, e – e” –

ele se atrapalhou, e de repente desistiu de qualquer tentativa de parecer digno – “e honestamente, tio Merry,

nós sabemos o que estivemos fazendo. De um certo modo é um tipo de busca, como Barney disse. E não é

como se estivéssemos totalmente por nossa conta.”

“Muito bem,” tio Merry disse. “É uma barganha.” E deu um aperto de mão solenemente em cada um

deles. Todos olharam uns para os outros, de olhos arregalados e meio sem fôlego, e de repente todos se

sentiram meio tolos, e começaram a rir. Mas por trás da risada eles estavam levemente conscientes de um

novo tipo de confortadora proximidade, na face de um possível perigo.

Quando eles arrumaram suas coisas, e estavam começando a descer a colina, tio Merry disse,

fazendo-os parar no caminho, “Primeiro olhem bem para isso.” Ele estendeu seu braço sobre todo o porto, os

penhascos e o mar. “Levem a verdadeira imagem com vocês também. Aprendam como ela se parece.”

Eles olharam da ladeira mais uma vez. O sol estava descendo no céu em direção ao oeste, sobre

Kemare Head e a Casa Cinza, iluminando o topo do promontório e as estranhas pedras cinzentas que

destacavam suas linhas no horizonte. Mas o porto já estava escurecendo com as sombras. Enquanto eles

observavam, o sol pareceu cair gradualmente, até que seu brilho insuportável estava sobre os dedos

contornados do grupo de pedras monolíticas, e as próprias pedras tornaram-se invisíveis com a luminosidade.

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CAPÍTULO SETE

“Bem, acho que está debaixo da Casa Cinza.”

“Sim – vejam como os invasores tentaram arrancar o assoalho.”

“Mas eles estavam procurando pelo mapa, não o Graal.”

“Não, não estavam. Lembre-se do que o tio Merry disse. Eles não sabiam o que estavam procurando,

nem ele. Poderia ser uma pista disso, como o mapa, ou poderia ser a própria coisa.”

“Bem, a pista estava ali, por que a própria coisa não poderia estar ali também?”

“Mas veja, idiota,” Simon disse, desenrolando o mapa, “a Casa Cinza não está marcada. Não tem

nenhum borrão. Ela simplesmente não estava lá nessa época. Lembre que nosso homem de Cornwall viveu

novecentos anos atrás.”

“Oh.”

Eles estavam sentados na grama a meio caminho subindo até Kemare Head, ao lado de uma das

rudes trilhas que corriam fazendo zigue zague subindo sua ladeira. Tio Merry tinha deixado eles sozinhos.

“Um dia livre para encontrar a primeira pista,” ele havia dito, “enquanto eu me livro dos cães de caça. Só um

pequeno conselho – não comecem até a tarde. Passem a manhã na praia ou algo assim. Então vocês terão

certeza de que os cães de caça foram embora.”

Então ele foi passar o dia pescando com o Pai, que desejava tentar uma parte do mar de um

promontório uma milha descendo a costa. E com certeza, enquanto o pequeno barco partia do porto com o

Pai no leme e o tio Merry erguendo-se imponente na proa, o iate Lady Mary, cintilando branco sob o sol,

tinha se movido silenciosamente atrás deles em poucos minutos, seu motor ronronando levemente pelo

calmo mar da manhã. Observando da casa, eles tinham visto suas velas desenrolarem gradualmente e

subirem quando entrou na baía. Fez um amplo curso aberto saindo para o mar, mas um no qual tio Merry e o

Pai estariam sempre a vista.

Agora no promontório lá em cima o sol da tarde esquentou as pernas nuas deles, e havia uma leve

brisa. “Oh, Deus,” Jane disse desesperada, arrancando uma folha de grama de seu talo e mordendo-a. “Isso é

inútil. Simplesmente não sabemos por onde começar. Talvez devéssemos voltar para onde estivemos ontem.”

“Mas sabemos como as coisas se parecem de lá.”

“Bem, e daí? Que coisas?”

“Bem – o promontório, o mar, e o sol – e aquelas pedras bem lá no topo.” Barney gesticulou

vagamente acima de suas cabeças, lá em cima da ladeira. “Acho que elas tem alguma coisa a ver com isso.

Os homens de Cornwall deviam ser capazes de vê-las. Tio Merry diz que elas têm três mil anos, então elas

teriam uma aparência quase tão antiga de novecentos anos atrás quanto a que possuem agora.”

“Certamente é possível ver elas claramente do outro lado.” Simon sentou-se, interessado.

“Mas elas estão muito longe,” Jane afirmou. “Quer dizer, a primeira dica deve ser que você tem que

dar passos para sua esquerda, ou algo assim. Nas histórias sobre tesouros enterrados sempre é assim. Mas

para chegar até as pedras monolíticas, aqui em cima, vindo de lá, você teria que dar milhares de passos pelo

porto. Isso não faz sentido.”

56

“Não tem que ser assim,” Simon disse. “Poderia ser a coisa parecida com a agulha de bússola de

novo. Você entende – talvez seja necessário ter uma coisa em linha com outra coisa para nos levar a uma

terceira coisa.”

Barney fechou seus olhos e franziu seu rosto, tentando trazer de volta uma imagem da cena que

tinham observado com tanto esforço na tarde anterior. “Vocês lembram quando o sol desceu ontem?” ele

disse lentamente. “A pedra monolítica maior estava diretamente em linha com o sol, de onde nós estávamos.

Eu lembro porque você só poderia ver se não olhasse diretamente para ela, se vocês entendem o que quero

dizer.”

Simon olhou o manuscrito mais de perto novamente, a excitação começando a surgir em seu rosto.

“Sabe de uma coisa, acho que você pegou alguma coisa ali. Esse negócio arredondado desenhado

aqui sobre as pedras monolíticas, que nós pensávamos que fosse apenas decoração – talvez seja o sol. Quer

dizer, se ele soubesse que o mapa não seria encontrado por anos e anos e anos ele teria que usar sinais como

o sol, que provavelmente não mudaria.”

“Vamos lá então, vamos subir mais e dar uma olhada.” Ansiosa, Jane ficou de pé rapidamente; e

então de repente congelou, paralisada. “Simon, rápido,” ela disse calmamente, com uma voz forçada e firme.

“Guarde o mapa. Esconda-o.”

Simon fez uma careta. “Que diabos…”

“Depressa! É a Srta. Withers. Ela está subindo pela trilha, e tem mais alguém com ela: Eles estarão

bem em cima de nós em um minuto.”

Simon enrolou o manuscrito rapidamente e o enfiou dentro de sua mochila. “Quem está com ela?”

ele sussurrou.

“Não consigo ver – sim, consigo.” Jane se virou rapidamente como se olhar a machucasse, e sentou-

se novamente. Ela estava com o rosto muito vermelho. “É aquele garoto. Aquele que me derrubou. Sabia que

ele estava envolvido nisso de algum jeito.”

Então eles ouviram vozes, se aproximando subindo a ladeira. Os tons claros da Srta. Withers

flutuaram até eles. “Não me importo, Bill, temos que checar tudo. Ele já pode ter…” Então ela chegou até

eles, com sua silhueta destacada contra o horizonte, e ela parou quando viu as três crianças sentadas olhando

para ela de modo inexpressivo. O garoto também parou, com um olhar furioso.

Por um momento a Srta. Withers ficou imóvel com sua boca levemente aberta, pega de surpresa.

Então ela se recompôs e lançou um sorriso para eles. “Bem” ela disse amavelmente, caminhando em frente.

“Que agradavel surpresa! Toda a família Drew de uma vez só. Espero que os garotos não tenham ficado

cansados demais depois de todo aquele ar do mar que demos a vocês no outro dia.”

“Nem um pouco, obrigado.” Barney disse com sua voz comum mais clara.

“É um barco maravilhoso,” falou Simon, igualmente frio e educado.

“E o que vocês todos estão fazendo aqui em cima?” A Srta. Withers perguntou inocentemente. Ela

estava usando calças compridas, com uma camisa branca sem mangas que faziam os braços dela parecerem

muito morenos; e seu cabelo escuro estava desarrumado pelo vento. Parecia muito atraente e saudável.

Ela olhou ansiosa para Jane. Jane engasgou. “Só estávamos olhando para o mar. Nós vimos o seu

barco sair esta manhã.”

“Nós pensamos que você estava a bordo,” Simon adicionou, sem pensar.

57

Uma centelha de cansaço cruzou o rosto de Polly Withers. Ela disse calmamente, “Ah, não sou o

melhor dos marinheiros, como provavelmente eu disse a vocês.”

Simon olhou de propósito para o mar lá embaixo. Ele estava plano e calmo como uma lagoa. A Srta.

Withers disse, seguindo o olhar dele, “Ah, ele vai se agitar mais tarde, guardem minhas palavras.”

“Oh?” Simon disse. Seu rosto inexpressivo imóvel, mas houve a leve nota de insolente descrença em

seu tom. Pela primeira vez o sorriso da Srta. Withers enfraqueceu levemente.

Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, o garoto com ela falou. “A Srta. Polly está sempre certa

a respeito do mar,” ele disse rudemente, olhando para Simon. “Ela realmente sabe mais do que todos aqueles

velhos lá embaixo juntos.” Ele inclinou sua cabeça para o porto com desprezo.

“Oh – Não apresentei você,” Srta. Withers disse vivamente. “Perdoem-me. Jane, Simon, Barnabas,

esse é Bill, nosso braço direito. Sem ele o Lady Mary não poderia fazer nada.”

O garoto ficou vermelho e olhou para baixo, para seus sapatos sujos, depois de olhar rapidamente

para ela. Jane pensou, sentindo pena: ele acha que ela é maravilhosa.

“Nos encontramos antes,” Simon disse de modo curto.

Barney falou: “Como está sua bicicleta?”

“Não melhor do que sua pele,” o garoto disparou.

“Olha os modos, Bill.” Através do doce sorriso a voz da Srta. Withers era fria e rígida como um cabo

de aço. “Esse não é o modo como falamos com nossos amigos.”

Bill olhou para ela com sombria reprovação, acelerou o passo seguindo em frente e subiu o caminho

sem dizer uma palavra.

“Oh, Deus.” A Srta. Withers suspirou. “Agora feri os sentimentos dele. Essas pessoas do vilarejo são

tão sensíveis.” Ela fez uma leve careta charmosa conspirativa para eles. “Acho que é melhor ir atrás dele.”

Ela se virou para seguir o garoto, e então se virou novamente. As palavras saltaram como o cintilar de um

raio: “Vocês encontraram um mapa?”

Por um momento de silêncio que pareceu durar uma hora eles ficaram olhando para ela. E então

Barney, movido por puro desespero, tomou refúgio em tagarelar bobagens. “Você disse um mapa, Srta.

Withers? Ou foi um buraco? Nós encontramos um buraco na cerca, bem ali embaixo, que foi como

chegamos até o topo do promontório. Mas não temos um mapa, pelo menos eu não tenho, não sei sobre

Simon e Jane... você não sabe o caminho subindo a colina?”

A Srta. Withers, olhando fixamente para eles, relaxou e tornou-se amigavel novamente. “Sim, está

certo, Barnabas, um mapa... eu não sei meu caminho muito bem, para dizer a verdade. E não consegui

encontrar um mapa em lugar algum nas lojas essa manhã. Tem uma pequena trilha que estou procurando,

logo ali do outro lado, e Bill não ajuda muito.”

“Acho que tio Merry tem um mapa,” Jane disse, vagamente. Ela estava observando atentamente com

o canto de seu olho; mas nem ao menos um músculo se moveu no rosto da Srta. Withers. “Você não

conheceu nosso tio, conheceu, Srta. Withers? Ele foi pescar com o Papai hoje. Que pena. Sinto muito que

não possamos ajudar.”

“Espero que encontre seu caminho,” Simon falou gentilmente.

“Bem, bem, espero que eu encontre,” A Srta. Withers disse. Ela jogou seu sorriso mais brilhante para

eles, e se virou subindo o caminho, erguendo sua mão. “Adeus, para todos vocês.”

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Eles observaram em silêncio até que ela desapareceu acima da linha onde a ladeira encontrava o céu.

Então Barney abaixou seu rosto no chão e ficou rolando e rolando, soltando um longo suspiro aliviado.

“Ieeee-ee-ee-ee! Que horrível! Quando ela disse de repente... !” Ele enterrou seu rosto na grama.

“Vocês acham que ela percebeu?” Jane disse ansiosa para Simon. “Nós entregamos o jogo?”

“Não sei.” Simon olhava pensativamente para a tranqüila ladeira verde. Agora não havia sinal algum

da Srta. Withers, ou de qualquer coisa exceto uma ovelha pastando ao longe. “Acho que não. Quer dizer, nós

todos devemos ter parecido muito bobos quando ela perguntou sobre um mapa, sei que você pareceu...”

“Você também. Como um peixe.”

“Está certo... bem, de qualquer modo nós poderíamos perfeitamente ter parecido surpresos, com ela

perguntando aquilo assim do nada. Não acho que ela conseguirá dizer se nós estávamos parecendo culpados

ou apenas surpresos. Eu espero,” ele adicionou, ganhando confiança enquanto continuava, “que ela acredite

que nós realmente pensamos que ela só queria um mapa comum para encontrar seu caminho.”

“Talvez isso fosse tudo que ela queria.”

“Sem medo!” Barney disse, emergindo da grama. “Ela estava nos testando, tudo bem. Caso contrário

por que ela disse encontraram? Vocês encontraram um mapa? Qualquer pessoa normal teria falado, eu acho,

você tem um mapa?”

“Ele está certo.” Simon ficou de pé, esfregando a sujeira das duas pernas. “Tio Merry também estava

certo. Eles não estão arriscando. A Srta. Withers ficou surpresa em nos ver, vocês poderiam dizer, mas isso

não foi nem cinco segundos antes que ela falasse sobre o mapa.”

“Isso foi completamente desagradável,” Jane disse, balançando seus ombros com se ela pudesse

jogar fora a lembrança. Seu olhar subindo a ladeira. “Como poderemos ir lá em cima agora? Não poderemos

dizer se ela e aquele garoto horrível estão escondidos em algum lugar, observando tudo que fazemos.”

“Bem, não faz nenhum bem deixar que isso nos atrapalhe,” Simon ergueu seu queixo. “se pensarmos

em ser observados nunca faremos nada. Enquanto agirmos normalmente, como se estivéssemos apenas

perambulando por aí, deve ficar tudo bem.” Ele pegou sua mochila. “Vamos lá.”

O lado de Kemare Head era mais íngreme do que o promontório oposto tinha sido, e por um longo

tempo enquanto eles seguiram o caminho em zigue zague não viram nada acima deles a não ser a linha da

ladeira contra o céu, com o sol brilhando em seus olhos. O fim do promontório, rochoso e cinza, estendia-se

longe além deles para dentro do mar, e indo em direção a ele a terra parecia imensamente sólida, como se

fosse toda rochosa e o solo acima dele não mais do que uma pele.

E então eles estavam no topo da ladeira, onde a grama crescia baixa em uma grande extensão de

verde seco, e eles podiam ver as pedras monolíticas. Enquanto eles iam chegando mais perto, as pedras

pareciam crescer, apontando silenciosamente para o céu, como vastas pedras tumulares.

“Pedras,” Simon disse, “é a definição mais inadequada que eu já ouvi. Como chamar a Coluna de

Nelson de bastão.”

Ele ficou parado analisando os pilares de granito gigantes erguendo-se acima dele. Havia quatro

deles; um era muito mais alto do que o resto, com os outros três agrupados irregularmente ao redor dele.

“Talvez o Graal esteja enterrado debaixo de uma daquelas,” Barney disse experimentalmente.

“Não pode ser, são antigas demais... de qualquer modo, acho que você está errado a respeito dele

estar enterrado.”

59

“Oh, vamos lá, deve estar mesmo,” Jane disse. “De que outro modo uma coisa poderia estar

escondida todo esse tempo?”

“E lembrem daquela parte no manuscrito,” disse Barney. “Acima do mar e sob a rocha.”

Simon esfregou seu ouvido, ainda descontente. “Não estamos acima do mar aqui. O mar está milhas

de distância. Bem, está certo, não milhas, mas aposto que são quatrocentas jardas até o fim do promontório.”

“Bem, ainda estamos acima do mar, não estamos?”

“Tenho certeza de que não era isso que ele queria dizer. Acima do mar, acima do mar – eu imagino –

de qualquer jeito, estamos tentando ir rápido demais. Passo a passo, tio Merry disse. Devemos nos concentrar

no passo em que estamos.”

Simon olhou para o sol, mergulhando gradualmente sobre a costa onde penhasco após penhasco

curvava-se para dentro da neblina além de Kemare Head. “Olhem para as pedras. Logo o sol estará tão baixo

quanto estava ontem.”

“Elas parecem tão diferentes quando você está perto.” Jane caminhou ao redor dos pilares de rocha

castigados pelo tempo. “Queremos saber qual deles parecia estar alinhado com o sol visto do outro lado, não

é isso? Mas como descobrimos isso daqui?”

“Era a maior,” Barney disse. “Ela ficava mais alta do que o resto.”

O sol brilhou profundo em direção ao horizonte, lançando um calor dourado-alaranjado sobre os

rostos deles. “Olhem para as sombras,” Simon disse de repente. Sua sombra no chão diante dele moveu um

braço comprido, destacado pela grama ao redor, quando ele apontou. “É desse jeito que podemos fazer desse

lado. Do lado contrário. Se uma pedra estava diretamente entre nós e o sol ontem, isso significa que daqui

suas sombras estariam apontando diretamente para onde nós estávamos. Em direção da rocha contra a qual

tio Merry estava encostado. Vejam, dá para ver ela daqui.”

Seguindo seu braço, eles viram a rocha espessa no promontório oposto; um pequeno volume

destacado em seu contorno, iluminado pelo dourado do sol poente. Ele era mais alto do que a pedra

monolítica no Kemare Head, e mais distante em direção ao mar. Mas era sem dúvida o local onde eles

estiveram no dia anterior.

Jane olhou para Simon com aberta e incomum admiração. Ele ficou levemente vermelho, e ficou

muito alegre. “Vamos lá, Barney, rápido antes que o sol vá embora. Qual delas você acha que era?”

“Bem, era a maior, então deve ter sido essa aqui.” Barney se moveu uma jarda ou duas descendo a

colina até a mais alta. Ele cruzou para o outro lado dela, encarando o porto, e se ajoelhou na sombra, olhando

para a pedra solitária através da baía. Ele franziu o rosto, em dúvida. Simon e Jane se moveram para um lado

dele, esperando impacientemente.

Barney, com sua careta aumentando, de repente deitou sobre o seu estômago na grama, de modo que

estava estendido pela linha da sombra que apontava e olhando diretamenmte para frente. “Estou deitado bem

reto?” ele disse, um pouco abafado.

Sim, sim, bastante reto. Essa é a certa?” Barney ficou de pé, parecendo triste. “Não. Aquela sombra

não aponta exatamente para a rocha. Você pode ver a rocha bastante claramente, mas tem que virar os olhos

levemente para olhar diretamente para ela. E isso é enganador.”

“Mas você disse que essa era a maior pedra que viu.”

“Ainda digo que era.”

60

“Não consigo ver como poderia ser,” Jane disse, mal-humorada com o desapontamento.

Simon estava pensando bastante, segurando a mochila balançando por suas alças e batendo com ela

distraidamente contra sua perna. Ele virou e olhou de volta para as outras três pedras, agora pretas e com

bordas douradas contra o brilho do sol. Então ele deu um grito, largou a mochila e correu em direção da

pedra mais afastada, se abaixando como Barney tinha feito para deitar em sua sombra. Prendendo sua

respiração, ele encostou o queixo na grama e fechou seus olhos.

“Mexa sua parte superior um pouco para a esquerda, você não está bem reto,”

Jane disse, bem perto atrás dele, começando a entender. Simon virou algumas polegadas, erguendo-

se sobre os seus cotovelos. “Está certo?”

“Ok.”

Simon cruzou os dedos e abriu os olhos. Diretamente em frente a ele sobre as lâminas de grama, bem

no meio de sua linha de visão, a clara rocha iluminada pelo sol no promontório oposto estava voltada

diretamente para o rosto dele. “É essa,” ele disse com uma curiosa voz triunfante.

Barney correu e se abaixou ao lado dele. “Deixa eu ver, deixa eu ver…” Ele empurrou Simon com os

cotovelos para fora do caminho e olhou através do porto para a rocha. Você está certo,” ele disse meio

relutante. “Mas era a maior pedra que eu vi, sei que era.”

“Está certo,” disse Jane.

“O que você quer dizer com, está certo?”

“Olhem para o modo como as pedras estão colocadas. Vejam como o chão se inclina. Esse é o topo

do promontório, mas ele não é plano, e a pedra maior está mais baixa do que as outras. Aquela da qual vocês

estão perto agora está mais alta na colina, embora ela não seja a maior. Então onde você via seu contorno

contra o céu ontem, parecia que ela era a maior.”

“Nossa,” Barney disse. “Nunca pensei nisso.”

Simon falou de modo arrogante, “Pensei que você chegaria lá no final.”

“Foi muito inteligente de sua parte,” Jane disse. “Se você não tivesse sido tão rápido nós jamais

teríamos percebido. As sombras vão desaparecer em breve.” Ela apontou para a grama. O brilho do sol

estava mergulhando no horizonte distante atrás deles, e a sombra rastejando sobre o solo, engolindo as

longas sombras das pedras. Mas através do porto a rocha no outro promontório, mais alta e mais exposta ao

sol, ainda brilhava cintilante como um holofote.

Barney ofegou de alegria. “Conseguimos! Conseguimos!” Ele bateu uma das mãos contra a rígida

rocha quente da pedra monolítica, e rodopiou ao redor dela em um círculo. “Estamos no primeiro passo, isso

não é fabuloso?”

“Apenas o primeiro passo, entretanto,” Simon disse. Mas o prazer estava fervendo dentro dele

também. De repente os três sentiram-se cheios de energia.

“Mas nós começamos...”

“Agora sabemos onde procurar pela próxima pista.”

“Partimos daqui.” Barney passou sua mão novamente sobre a superfície da pedra monolítica. “Dessa

aqui.”

61

“Mas para onde?” Simon disse, determinado a ser realista. “E como?”

“Simplesmente teremos que olhar o mapa de novo. Ele vai nos dizer. Quer dizer, a primeira dica

estava realmente marcada claramente, como chegar do outro promontório até a rocha aqui, se ao menos

soubéssemos como entender.” Barney correu para onde Simon tinha largado sua mochila, abriu as alças e

procurou dentro, retirando o sujo rolo marrom do manuscrito de seu estojo. “Vejam,” ele disse, sentando e

esticando-o sobre a grama diante dele. “Aqui é onde a pedra está marcada...”

“Traga ele mais para cima,” Simon disse, olhando por cima do ombro dele. “O sol ainda está sobre a

grama um pouco mais lá no alto, e você precisa da luz mais clara que puder conseguir para olhar ele. De

qualquer modo, será mais quente.”

Barney seguiu com dificuldade subindo a ladeira obedientemente, passando pelo massivo pé

cinzento da última e maior pedra monolítica, até onde a grama ainda estava de um verde mais claro na última

luz dourada do sol. Simon e Jane seguiram ele, ficando cada um de um lado de modo que as suas próprias

sombras não escurecessem o leve rabisco indistinto no pergaminho curvado. Eles se inclinaram,

concentrados, olhando para o rude contorno feito às pressas que era o desenho das pedras monolíticas feito

pelo homem de Cornwall, novecentos anos antes.

A voz da Srta. Withers disse, atrás deles: “Então vocês acharam um mapa afinal de contas.”

Uma grande onda de terror envolveu Barney, e ele congelou curvado sobre o manuscrito. Simon e

Jane se viraram assustados.

A Srta. Withers estava parada bem perto atrás deles, mais acima na ladeira. Seu contorno estava

escuro e ameaçador contra o pôr-do-sol, e eles não podiam ver seu rosto. O garoto Bill apareceu

silenciosamente por trás dela, e ficou junto ao seu cotovelo. A visão dos dois parados ali encheu Jane de

pânico, e de repente ela sentiu-se aterrorizada no silêncio e no vazio do promontório.

Os dedos de Barney se enrolaram inconscientemente dentro de sua palma, e a borda do manuscrito,

solta, voltou a se fechar em um rolo. O leve barulho de seu movimento soou como um tiro de espingarda no

silêncio. “Oh, não guarde ele,” disse claramente a Srta. Withers. “Quero dar uma olhada.”

Ela deu um passo em frente, esticando sua mão, e com o terror da voz inexpressiva Jane gritou

repentinamente. “Simon!”

Enquanto a escura figura crescia em direção a ele vindo da colina, Simon sentiu-se despertar. Mais

rápido do que o seu próprio pensamento ele se virou, mergulhou e agarrou o manuscrito do joelho de Barney.

E então ele se foi, meio deslizando, meio correndo descendo o lado inclinado de Kemare Head, em direção

ao vilarejo.

“Bill! Rápido!” A Srta. Withers disparou. A grande figura silenciosa ao lado dela súbitamente

ganhou vida, descendo a colina atrás de Simon. Mas ele era muito desajeitado para sua velocidade, e no meio

do vôo na borda da ladeira ele tropeçou e quase caiu. Ele se recuperou depressa, mas não antes que Simon,

correndo e deslizando pela grama e pelos caminhos fazendo zigue zague, tivesse ganho trinta jardas de

vantagem.

“Não vai pegar ele,” Jane disse, sua voz ondulando de excitação, sentindo um largo sorriso de alívio

espalhando-se sobre suas bochechas rígidas.

“Corra, Simon!” Barney gritou colina abaixo, ficando de pé.

A Srta. Withers veio descendo em direção a eles, e eles recuaram ao ver o rosto dela, transformado

pela fúria em algo assustador e fora do comum, não sendo mais atrativo, não sendo mais nem mesmo jovem.

Ela rosnou para eles: “Suas crianças estúpidas, mexendo com coisas que não entendem...”

62

Ela virou se afastando deles e partiu descendo a ladeira na mesma direção que Simon tinha tomado,

com grandes passos rápidos. Eles observaram sua costa ereta atravessar a ladeira no zigue zague do caminho,

até que ela desapareceu na borda do promontório.

“Vamos lá,” disse Barney. “Temos que encontrar tio Merry. Simon vai precisar de ajuda.”

A grama sêca era como madeira polida sob os pés de Simon, não dando apoio algum enquanto ele

deslizava e escorregava descendo pelo lado da colina; de vez em quando de pé, de vez em quando sobre as

costas e cotovelos, mantendo um braço sempre erguido para evitar danos ao manuscrito. Atrás dele ele ouviu

o barulho do garoto do vilarejo deslizando e tropeçando mais pesadamente, sua respiração raspando em sua

garganta, e uma ocasional maldição engasgada quando ele perdeu seu apoio e caiu.

Virando em direção ao porto enquanto descia, Simon sentiu que quase podia pular direto para dentro

do mar. A ladeira pareceu muito mais íngreme do que quando eles tinham subido pelo caminho, espalhando-

se abaixo dele em uma infinita curva verde. O coração dele estava batendo loucamente, e ele estava

concentrado demais em fugir para imaginar o que poderia acontecer se o garoto o alcançasse. Mas

gradualmente, minuto a minuto, o pânico na boca de seu estômago estava desaparecendo.

Agora tudo dependia dele – manter o manuscrito a salvo, e fugir. Ele estava quase feliz consigo

mesmo. Isso era algo que ele podia entender; era como uma corrida ou uma briga na escola, ele contra o

garoto Bill. E queria vencer. Ofegando, olhou por cima de seu ombro. O garoto parecia estar chegando perto

dele um pouco. Simon atirou-se descendo o resto da ladeira, deslizando e batendo sobre a sua costa,

alarmantemente rápido, ficando em pé de vez em quando para dar alguns passos largos.

E então de repente ele estava no fundo do declive tropeçando e lutando por ar. Dando uma olhada

rápida para o garoto Bill que o perseguia, que gritou e olhou furioso para ele quando o viu observando,

Simon seguiu para longe pelo campo, correndo como uma lebre e sentindo a confiança fluir mais forte

enquanto corria. Mas ele não podia perder o garoto atrás dele. Mais forte, maior e com pernas mais

compridas, o garoto do vilarejo pisava atrás dele com severa determinação, dando passos mais pesados mas

nunca perdendo terreno.

Simon fez uma parada na cerca do lado mais distante do campo e saltou, agarrando a trêmula barra

de madeira em seu topo com uma das mãos. Ele saiu do outro lado em uma rua tranqüila, cheia de profundos

sulcos secos duros como pedra, alinhados com árvores, arqueadas acima em um espesso teto de folhas.

Agora com a luz do sol quase ausente, era uma semi-escuridão sob os galhos, e as duas pontas da rua

desapareciam em poucas jardas dentro da sombra impenetrável.

Simon olhou de cima abaixo desesperadamente, apertando o manuscrito e sentindo a doce umidade

nas palmas de suas mãos. Qual dos caminhos o levaria até a Casa Cinza? Ele não conseguia mais ouvir o

mar.

Fazendo uma escolha cega, ele virou à direita e correu subindo a rua. Atrás dele ouviu o bater das

botas do garoto pulando a cerca. A rua parecia interminável enquanto ele corria, desviando de um lado para

outro para evitar os sulcos. Após cada curva estendia-se outra, dobrando em um túnel sombrio de galhos e

montes de terra, sem abertura alguma para um portão ou outro campo.

Ele podia ouvir as batidas dos pés do garoto atrás dele sobre a dura lama sêca da rua.

Agora o garoto não gritava nada, mas pisava pesadamente em severo silêncio. Simon sentiu a

ameaça de um pânico arrastar-se retornando para o interior de sua mente, e correu com mais vigor, desejando

sair da rua cavernosa e ir para o espaço aberto.

Então diante dele dobrando a próxima curva ele viu o céu, luminoso depois da escuridão, e em

alguns momentos ele estava do lado de fora novamente, correndo em uma estrada pavimentada passando por

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paredes e árvores tranqüilas. Novamente ele virou automaticamente sem tempo para pensar onde estava indo,

e as solas de borracha de seus sapatos bateram suavemente pela estrada deserta.

A comprida e alta parede cinza por um lado, e a cerca de um campo do outro, não deram a ele

nenhum sinal que lhe indicasse para onde estava correndo – mais lentamente agora, ele sabia, pois por mais

que tentasse ele estava começando a ficar cansado. Ele começou a desejar que alguém, qualquer um,

aparecesse caminhando pela estrada.

Agora os passos do garoto soavam mais alto atrás dele, sobre o calmo chilrear de pássaros

escondidos nas árvores. O som dos pés muito mais barulhentos do que os seus deu a Simon o início de uma

idéia, e finalmente quando a estrada se ramificava ele imprimiu uma velocidade desesperada e correu

descendo a curva lateral. A parede terminava em dois pilares de portão desgastados através dos quais ele viu

um passeio com o mato alto. Mais distante descendo a estrada ele avistou a torre da igreja de Trewissick, e

seu coração murchou quando percebeu o quão longe de casa ele estava.

O garoto Bill ainda não tinha dobrado na esquina; Simon podia ouvir os passos dele ficando

gradualmente mais altos na estrada principal. Rapidamente ele deslizou através do portão abandonado do

comprido passeio e fez zigue zague dentro dos arbustos que cresciam em uma massa confusa ao lado do pilar

do portão. Ele pulou de dor enquanto espinhos e galhos afiados o atingiam de todos os lados. Mas ele se

agachou e ficou completamente imóvel atrás das folhas, tentando abafar sua respiração pesada, certo de que

o bater de seu coração devia ser audível subindo e descendo a estrada.

A idéia funcionou. Ele viu Bill, desgrenhado e escarlate, parar no fim da estrada, olhando para cima

e para baixo. Ele parecia confuso e furioso, escutando com sua cabeça erguida procurando pelo som de pés.

Então ele se virou e caminhou lentamente em direção ao local onde Simon estava escondido descendo a

estrada lateral, olhando incerto para trás por cima dos ombros.

Simon prendeu sua respiração, e se encolheu mais dentro dos arbustos.

Inesperadamente ouviu um barulho vindo de trás dele. Virando sua cabeça rapidamente,

estremecendo quando uma gorda flor púrpura de fuchsia tocou em seu olho, ele escutou. Em um momento

ele reconheceu o som de pés ecoando no cascalho, vindo em direção a estrada descendo o passeio. As

brechas de luz através dos arbusto escureceram por um instante quando a figura de um homem passou bem

perto dele, descendo o passeio e passando através do portão. Simon viu que ele era muito alto, e tinha cabelo

escuro, mas não conseguiu ver seu rosto.

A figura caminhou lentamente entrando na estrada. Simon viu agora que ele estava vestido todo de

preto; com pernas longas e negras como uma garça, e uma jaqueta preta de seda com a luz brilhando

prateada sobre os ombros. O rosto zangado do garoto Bill se iluminou quando ele avistou o homem, e correu

em frente para encontrar com ele no meio da estrada. Eles ficaram conversando, mas fora do alcance do

ouvido, de modo que Simon conseguia ouvir suas vozes apenas como um leve murmúrio indistinto. Bill

estava balançando suas mãos e apontando de volta para a estrada atrás dele e depois descendo o passeio.

Simon viu o homem escuro alto balançar sua cabeça, mas ainda não conseguia ver seu rosto.

Então os dois se viraram em direção ao passeio e começaram a caminhar na direção dele, Bill ainda

estava falando ansiosamente. Simon se encolheu nervosamente dentro de seu esconderijo, de repente

sentindo-se mais assustado do que tinha sentido desde que a perseguição começou. Ele não era um estranho

para Bill. O garoto estava sorrindo. Esse homem era alguém que ele tinha reconhecido com alívio. Alguém

mais do lado inimigo... Agora ele não conseguia ver nada a não ser as folhas diante de seu rosto, e não ousou

se mover em frente para olhar através de uma fenda. Mas os passos ecoando na estrada do lado de fora não

mudaram para o som do cascalho; eles passaram, do lado de fora da parede, e foram subindo a estrada.

Simon ouviu o murmúrio de vozes, mas não conseguiu distinguir nada a não ser uma frase quando o garoto

do vilarejo ergueu sua voz. “...temos que pegar ele”, disse ele, “esse com certeza é o certo, e agora eu

perdi...”

Me perdeu, pensou Simon com um sorriso. Seu terror desapareceu enquanto os passos deles

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morreram na distância, e ele começou a sentir-se triunfante por ter enganado o garoto maior. Olhou para o

manuscrito em sua mão e deu um aperto conspirador. Agora havia silêncio novamente, e ele não conseguia

ouvir nada a não ser a canção dos pássaros no crepúsculo que se aproximava. Ficou imaginando o quão tarde

seria. A perseguição parecia ter durado por uma semana. Os músculos de suas pernas começaram a protestar

devido a sua longa paralisia. Mas ele esperou assim mesmo, aguçando seus ouvidos procurando por qualquer

som que mostrasse que o homem e o garoto ainda estavam por perto.

Finalmente decidiu que eles deviam ter saído de vista descendo a estrada. Agarrando firmemente o

manuscrito, ele abriu os arbustos diante de seu rosto com uma das mãos e saiu para o passeio. Não havia

ninguém ali. Nada se moveu.

Simon andou na ponta dos pés cuidadosamente pelo cascalho e olhou para cima e para baixo do pilar

do portão. Não conseguiu ver ninguém, e com crescente alegria ele atravessou o portão para seguir seu

caminho de volta para a estrada da qual ele tinha vindo.

Foi apenas quando estava a vários passos em campo aberto que ele viu claramente o garoto Bill e o

homem escuro parados juntos ao lado da parede a cinquenta jardas de distância.

Simon engasgou, e sentiu seu estômago se contorcer de pânico. Por um momento ele ficou parado

ali, sem ter certeza se corria de volta para o abrigo do passeio antes que eles pudessem vê-lo. Mas enquanto

ele hesitava, hipnotizado, Bill virou sua cabeça, gritou e começou a correr, e o homem com ele, ao perceber,

se virou para seguir. Simon deu um giro e disparou para a estrada principal. O silêncio ao redor pareceu

súbitamente tão ameaçador quanto a rua com teto de folhas havia sido; ele ansiava pela segurança das

multidões, pessoas e carros, pois ao menos assim ele perderia a horrível sensação de sentir-se sozinho, com

pés ecoando atrás dele em implacável perseguição.

Descendo pela estrada lateral, virando a esquina e pela parede do terreno da igreja, mais rápido, mais

rápido; o coração de Simon pulava enquanto ele corria. Suas pernas estavam rígidas depois da dolorida pausa

nos arbustos, e todo o seu corpo estava muito cansado. Ele sabia que não seria capaz de agüentar muito mais

tempo.

Um carro passou por ele, seguindo depressa na direção oposta. Pensamentos frenéticos cintilaram

através da mente de Simon, enquanto ele sentia a estrada batendo duramente através das suas solas de

borracha: ele poderia gritar e acenar para um carro, talvez, ou buscar por refúgio dentro de uma das pequenas

casas que margeavam a estrada enquanto se aproximava do vilarejo. Mas agora o garoto Bill tinha um

homem com ele, e o homem poderia contar alguma história para qualquer estranho de que Simon se

aproximasse, e o estranho provavelmente acreditaria...

“Pare!” uma voz profunda chamou atrás dele. Desesperadamente Simon tentou jogar-se em frente

mais depressa. Tudo estaria acabado se eles o pegassem. Eles teriam o manuscrito, teriam todo o segredo.

Não restaria mais nada a fazer. Ele teria quebrado a confiança, teria falhado com tio Merry...

Sua respiração começou a vir em grandes suspiros dolorosos, e ele cambaleou enquanto corria.

Havia um cruzamento em frente. Os velozes passos decididos atrás dele soavam mais e mais altos; ele quase

ouviu seus perseguidores respirando em seus ouvidos. Ele ouviu o garoto gritar, com uma nota de triunfo:

“Depressa... agora...” A voz estava mais distante do que os passos. Devia ser o homem que estava atrás dele,

quase em seus calcanhares, seus pés batendo mais perto, mais perto...

Os ouvidos de Simon estavam zumbindo com a luta para respirar. O cruzamento estendia-se logo a

frente, mas ele mal conseguia ver. Ouviu semi-inconsciente o barulhento rugir do motor de um carro, muito

perto, mas isso mal foi registrado em seu cérebro cansado. Houve um chocalhar e um guinchar de freios, e a

meio caminho pelo cruzamento ele quase colidiu com o capô enferrujado de um grande carro.

Simon derrapou fazendo uma parada e procurando contorná-lo, consciente apenas do perigo em seus

calcanhares. E então, como se o céu que escurecia fosse mais uma vez repentinamente inundado por raios de

sol, ele percebeu que tio Merry estava se inclinando da janela do carro.

65

O motor do carro entrou em funcionamento novamente com um rugido de trovão. “Do outro lado!

Entre!” tio Merry gritou para Simon pela janela.

Soluçando de alívio, Simon cambaleou dando a volta por trás do grande carro e puxou a maçaneta da

porta no outro lado. Ele desmoronou no assento e fechou a porta enquanto tio Merry soltava a embreagem e

afundava seu pé no acelerador. O carro saltou em frente, virando a esquina depressa, e logo eles estavam

descendo a estrada e distantes.

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CAPÍTULO OITO

“Mas como você sabia onde vir?” Simon disse, enquanto tio Merry trocava a marcha fazendo

barulho no pé da colina subindo até a Casa Cinza.

“Na verdade eu não sabia. Estava apenas dirigindo pelo vilarejo na esperança de encontrar você.

Parti logo que Jane e Barney voltaram para a casa. Pobres companheiros, estavam em um estado terrível –

eles entraram correndo na sala de desenho e se agarraram em mim. Seus pais acharam divertido. Pareciam

achar que estávamos fazendo algum tipo de jogo particular.” Tio Merry sorriu severamente.

“Nossa, foi sorte você escolher dirigir por aquela estrada,” Simon disse. “Nunca fiquei tão contente

em ver alguém em minha vida.”

“Bem, deve lembrar que eu conheço Trewissick. Quando as crianças disseram que não conseguiam

encontrar você no caminho de volta para casa eu sabia que só havia um caminho pelo qual você poderia ter

seguido. Você saiu na Alameda Pentreath, não foi?”

“Tinha uma alameda,” Simon disse. “Toda fechada por árvores. Realmente não tive tempo de ver

como ela se chamava.”

Tio Merry riu. “Não, ouso dizer que não. De qualquer modo eu apostei que você sairia daquela

alameda para a estrada principal Tregoney, o que de fato você fez. Muito bom que você não foi para o outro

lado.”

“Por que?” Simon falou, lembrando da escolha cega que fez na alameda, com o garoto passando por

cima da cerca atrás dele.

“Na outra direção aquela alameda é um beco sem saída. Ela conduz até a Fazenda Pentreath. Se é

que se pode chamá-la de fazenda – infelizmente ela tem sido negligenciada por anos. O irmão bastardo da

Sra. Palk mora lá – o pai do jovem Bill Hoover. E também o próprio garoto quando ele se procupa em ir para

casa, o que eu acredito não aconteça com muita freqüência. Mas de um modo geral, para você esse não teria

sido um lugar muito saudável para o qual correr.”

“Nossa!” Simon sentiu frio com o pensamento.

“Bem, não se preocupe. Você não fez isso.” Tio Merry parou o carro com um rugido e um balanço

final e puxou o freio de mão. “Aqui estamos. Casa segura. Agora corra para dentro e limpe-se antes que sua

mãe o veja. Tem algum amigo dela vindo para a ceia, por sorte, pois ela ficará trancada na sala de desenho.

Pode sair. Vou levar o carro. E Simon…”

Simon, a meio caminho fora da porta com o manuscrito apertado contra seu peito, parou e olhou para

trás. Ele só conseguia ver o rosto do tio Merry, seu cabelo branco transformado em um emaranhado escuro

pela sombra, e luz de uma lâmpada da rua subindo a colina refletindo assustadoramente para transformar

seus olhos em dois pontos cintilantes no escuro.

“Foi muito bem feito,” tio Merry falou tranqüilamente.

Simon não disse nada, mas bateu a porta sentindo-se mais crescido do que jamais havia sentido

antes. E enquanto o carro ia tossindo subindo a colina ele esqueceu todo o seu cansaço e atravessou a estrada

mantendo sua costa bem ereta.

Jane e Barney estavam na porta antes que ele colocasse um pé no degrau. Eles o puxaram para dentro

e em direção às escadas.

67

“Ele pegou você?”

“Você ainda tem ele! Oh, muito bem...”

“Nós pensávamos que você ia ficar todo arrebentado…” Esse era Barney, de olhos arregalados e

sério.

“Você não se machucou, machucou? O que aconteceu?”' Jane passou os olhos por Simon de modo

analisador como um doutor.

“Eu estou bem...”

Houve um súbito feixe brilhante de luz no corredor quando a porta deslizante do quarto se abriu. A

Mãe falou, acima de um murmúrio de vozes vindas do lado de dentro. “São vocês, crianças?”

“Sim,” Jane falou por cima do corrimão.

“A ceia está quase pronta, não vai demorar. Desçam direto quando tiverem se lavado.”

“Tudo bem, Mãe.” A porta se fechou novamente. “Eles estão falando pra valer ali dentro,” Jane disse

para Simon. “Mamãe e Papai encontraram alguma antiga amiga no porto e aconteceu que ela mora em

Penzance. Acho que ela pinta também. Ela vai ficar para a ceia. Ela parece bem legal. Ele perseguiu você por

milhas?”

“Centenas de milhas,” Simon falou. Ele bocejou. “Centenas e centenas... e então tio Merry apareceu

bem no momento em que eu seria pego.”

“Nós pedimos que ele fosse atrás de você,” Barney disse ansiosamente. Eles continuaram subindo as

escadas.

“Não pedimos que ele fosse,” Jane disse de modo reprovador. “Ele foi. Como um foguete, logo que

ouviu o que tinha acontecido.”

“Bem, ele não teria ido se não tivéssemos contado para ele, e então Simon não teria sido resgatado.”

Barney estava reluzindo de excitação. Ele teria dado seus ouvidos para ter sido o herói da perseguição. “Não

sabíamos por qual caminho você foi. Nós seguimos a Srta. Withers por algum tempo, mas ela simplesmente

desceu o promontório e sentou na grama embaixo olhando para o mar.” A voz dele aumentou até ficar

incrívelmente aguda. “Então corremos para casa, e tio Merry tinha acabado de voltar da pescaria. Ficamos

muito felizes em ver você sair do carro,” ele adicionou inesperadamente.

“Não tanto quanto eu,” Simon bocejou novamente, e esfregou sua testa. “Realmente me sinto

imundo. Deve ter sido quando eu me escondi naqueles arbustos... vamos lá, posso contar a vocês enquanto

me lavo.”

Primeiro eles estavam ocupados demais comendo para conversar, e então perto do fim da ceia,

ocupados demais tentando não adormecer; logo as três crianças estavam muito contentes que a Srta.

Hatherton estivesse lá. Ela era uma pequena pessoa bastante ativa, um tanto idosa, com cabelo cinza aparado

e olhos brilhantes. Era uma escultora – uma famosa, tio Merry disse a eles mais tarde – e tinha ensinado a

Mãe deles quando ela era uma estudante na escola de arte. Ela também parecia ter uma paixão por pegar

tubarões, e na mesa da ceia ela alternou entre discussões entusiásticas de arte com a Mãe e pescaria com o

Pai. As crianças escutaram com interesse, mas ficaram aliviados quando a Sra. Palk trouxe o café e a Mãe,

que não tinha perdido os bocejos deles, os mandou para cama.

“Nada como o ar de Cornwall para fazer você dormir,” a Srta. Hatherton disse alegremente enquanto

eles empurravam suas cadeiras e diziam boa noite. “Se algum desse for seguir seus passos,” ela adicionou

68

para a Mãe, “será aquele.” Ela apontou, desconcertada, para Barney.

Barney piscou para ela.

“O que você quer fazer quando crescer, meu jovem?” ela perguntou a ele.

“Vou ser um pescador,” Barney disse prontamente. “Com um grande barco, como o White Heather.”

A Srta. Hatherton deu uma risada. Diga-me isso daqui a dez anos,” ela disse, “e eu ficarei muito

surpresa. Boa noite. Comprarei sua primeira pintura.”

“Ela está maluca,” Barney disse quando eles subiam as escadas. “Não quero ser um pintor.”

“Não se preocupe,” Simon disse. “Ela é legal. Não vá, Jane, entre em nosso quarto por um minuto.

Acho que tio Merry está subindo, ele fez um tipo de careta para mim quando eu fechei a porta.”

Eles esperaram, e em poucos momentos tio Merry apareceu na porta. “Não posso ficar mais do que

um minuto,” ele disse. “Estou engajado no início do que promete ser uma longa e calorosa discussão com a

Srta. Hatherton e sua mãe sobre os relativos méritos de Caravaggio e Salvator Rosa.”

“Nossa,” disse Barney,

“Como você diz, Barnabas, nossa. Prefiro pensar que estou fora da minha classe com aquelas duas.

Entretanto...”

“Tio Merry, nós descobrimos,” Jane disse ansiosa. “Descobrimos o segundo passo, e agora

começamos direito. É uma das pedras monolíticas em Kemare Head. Na verdade os garotos descobriram,”

ela adicionou honestamente. “Vamos lá, Simon, pegue o manuscrito.”

Simon se levantou e retirou o estojo do telescópio, agora mais sujo e mais desgastado do que

estivera, de cima do guarda-roupa. Eles depositaram o pergaminho sobre a cama e mostraram a tio Merry a

pedra onde tudo tinha começado, e o pequeno esboço do sol, e como eles seguiram o caminho até a pedra

monolítica.

“Mas não podemos dizer qual é a pedra no mapa,” Simon falou. “Por que aqui elas não parecem do

mesmo jeito que são na verdade no promontório.”

Todos se inclinaram sobre o desenho que ainda não conseguiam evitar chamar de um mapa. Tio

Merry olhou para ele em silêncio.

“Tio Merry,” Jane disse experimentalmente, com uma idéia que ela não conseguia definir

completamente começando a surgir em sua mente, “você acha que ele teria feito a coisa toda usando o

mesmo sistema?”

“O que você quer dizer?” Simon falou, caindo estendido de costas sobre a cama.

“Bem, você lembra quando estávamos tentando descobrir a primeira parte, e eu disse que deveria ser

do jeito que todos os mapas do tesouro começam – seis passos para leste, ou alguma coisa assim. E você

disse, não, deve ser feito colocando uma coisa alinhada com outra como um tipo de ponteiro.”

“Bem?”

“Bem, isso significa que você tem que colocar tudo alinhado com alguma outra coisa, a cada passo?

Todas as pistas seriam do mesmo tipo?”

“Você quer dizer que, em seguida teremos que ter mais alguma coisa alinhada com a pedra

69

monolítica?”

Tio Merry ainda estava olhando para o mapa. “É possível. O que faz você pensar assim?”

“Aquilo,” Jane disse. Ela apontou para o mapa. Todos olharam. “Não consigo ver nada,” Barney

disse queixosamente.

“Vejam, ali. Sobre o fim do Kemare Head.”

“Mas é apenas outro daqueles borrões,” Simon disse com desgosto. “Como isso pode significar

alguma coisa?”

“Isso não lembra você de mais alguma coisa?”

“Não,” Simon disse. Ele deitou sobre as costas novamente, e bocejou.

Tio Merry olheu para cada um deles, e sorriu consigo mesmo.

“Oh, realmente,” Jane disse, exasperada. “Sei que você fez muito bem hoje e sei que está cansado,

mas honestamente...”

“Estou escutando,” Barney disse perto do cotovelo dela. “E quanto aos borrões?”

“Isso não é um borrão de jeito nenhum,” Jane falou. “Pelo menos eu acho que não. Está um pouco

borrado, mas é um círculo, um círculo bem desenhado, e acho que significa alguma coisa. Parece com aquele

outro, aquele sobre as pedras monolíticas que mostrou ser o sol poente.”

Simon ergueu-se sobre os cotovelos e começou a ganhar interesse novamente.

Jane continuou, pensando em voz alta: “Do modo como a primeira pista funcionou, nós tivemos que

encontrar a pedra que estava alinhada com o sol e a rocha de onde começamos. E então tivemos que ir até a

pedra e chechar que era a certa através da sombra. Bem, talvez agora teremos que fazer a mesma coisa.

Encontrar alguma coisa que está alinhada com a pedra, e então ir até ela e ver se a sombra dela aponta de

volta para a rocha.”

Tio Merry falou calmamente, “Os sinais que se desfazem e diminuem mas não morrem...”

Jane virou para ele ansiosa. “É isso. É o que ele disse, não é, no manuscrito? Deve ter todos os tipos

de pistas nas escrituras, assim como no desenho. Eles apenas estão muito escondidos e não sabemos como

chegar até eles.”

“Essa coisa da sombra,” Simon disse mostrando dúvida. “Não poderia ser mais simples do que desse

jeito que você acabou de falar? Talvez tudo que temos que fazer é descobrir para o que a sombra de nossa

pedra monolítica aponta.”

“Mas ela aponta de volta para o lugar onde começamos,” disse Barney.

“Por que ele não usou ela como sua primeira pista. A primeira pista dele foi Olhe e veja o que está

entre você e o sol poente. A sombra foi apenas o nosso modo de provar isso.”

“Bem, dessa vez não tem que ser uma sombra criada pelo sol poente.”

É onde entra o meu borrão,” Jane disse.

Barney falou de modo sonolento: “Talvez seja o sol nascente. Só que não poderia ser, não está no

lugar certo.”

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“Não,” Simon disse. “É claro que não é. É só um borrão.”

Jane explodiu de impaciência e olhou para ele. “Oh ... por que tem que ser o sol?”

Tio Merry ainda estava sentado em silêncio e parecendo uma estátua na ponta da cama. Ele falou

novamente para si mesmo de modo suave: Os sinais que se desfazem e diminuem mas não morrem...”

Simon olhou para ele de modo vago.

“Não percebe?” Jane quase gritou para ele. “Não é o sol – é a lua!”

O rosto de Simon começou a mudar como o céu em um dia de vento forte, diferentes expressões

perseguindo umas às outras através dele. Ele olhou de Jane, para o mapa, para tio Merry. “Tio Merry,” ele

disse de modo acusador, “Acredito que você sabia o tempo todo. Ela está certa?”

Tio Merry ficou de pé. A cama rangeu quando ele se levantou, e o tamanho dele pareceu encher o

quarto; a lâmpada, balançando no teto por trás de sua cabeça, lançou o rosto dele nas sombras e trouxe de

volta para todos os três a antiga sensação de mistério. Sua grande figura escura, com uma névoa de luz

levemente prateada ao redor de sua cabeça, os deixou em silêncio e admirados.

“Essa é sua busca,” ele disse. “Todas as vezes vocês mesmos devem encontrar o caminho. Eu sou o

guardião, nada mais. Não posso tomar parte e nem lhes fornecer ajuda, apenas protegê-los por todo o

caminho.” Ele se virou levemente de modo que a luz brilhou sobre o seu rosto e então a voz dele estava

normal de novo. “Também imagino que precisarão de alguma proteção nesse próximo estágio. Agora vocês

sabem qual é, não sabem?”

Simon falou lentamente: “Temos que descobrir em que direção a sombra da pedra monolítica aponta

durante a noite. Sob a lua.”

Barney disse, para ser mais exato: “A lua cheia.”

“A lua cheia?”

“O borrão da Jane – ele a desenhou redonda, não em forma crescente, então deve ser a lua cheia.”

“Como ela está agora?”

“Vocês não vão subir no promontório para olhar a lua esta noite,” Tio Merry disse firmemente.

“Não, não queria mesmo dizer isso. De qualquer modo, não acho que conseguiria.” Simon deu outro

bocejo. “Fiquei imaginando se agora a lua estava cheia ou não. Teríamos que esperar séculos se ela estivesse

toda fininha.”

“Está cheia essa noite,” Jane disse. “Consegui ver ela brilhando através da janela do meu quarto.

Então isso que dizer que ela estará quase tão brilhante amanhã. Não é isso, tio Merry? Quer dizer, nós

pederíamos olhar amanhã a noite?”

Antes que o tio deles pudesse responder Simon estava sentado novamente, olhando pensativo. “Tem

uma coisa errada nisso tudo. Se nós tivermos uma lua que acabou de ficar cheia, então temos toda a luz que

deveríamos ter. Mas a lua muda, não muda? Quer dizer, ela se levanta e se põe em horas diferentes, e em

lugares diferentes, de acordo com a época do ano. Bem – agora nós estamos em Agosto, mas como sabemos

que o homem de Cornwall não estava criando suas pistas no meio de Janeiro, Abril ou algo assim, quando a

lua não pareceria do mesmo jeito que parece para nós?”

“Você só está sendo desagradável,” Barney falou.

71

“Não,” disse tio Merry. “Ele está certo. Mas vou dizer só uma coisa. Acho que vocês vão descobrir

que essa é a época certa do ano. Chame de sorte, chame do que quiserem. Mas uma vez que foram capazes

de seguir a primeira pista, acho que descobrirão que também serão capazes de seguir as outras. E sim, Jane,

amanhã a noite seria uma noite muito boa para olhar a lua e as pedras monolíticas. Especialmente boa, or

uma razão que ainda não sabem – logo depois que vocês subiram, a Srta. Hatherton estava convidando seus

pais para ver seu estúdio em Penzance amanhã, e para passar a noite.”

“Ooh! Eles vão?”

“Esperem e vejam. Vão para cama. E tentem não colocar toda sua fé na lua. Ainda deve ter

problemas maiores do que pensam esperando por vocês.”

Mamãe ficou parada com sua mão na porta do pequeno carro parecido com um besouro da Srta.

Hatherton. “Agora vocês têm certeza de que ficarão bem?” ela disse em dúvida.

“Oh, Mãe, é claro que ficaremos,” Jane falou. “O que poderia acontecer?”

“Bem, eu não sei, não estou muito feliz em deixar vocês...com aquela invasão...”

“Agora isso já faz séculos.”

“Contanto que vocês não coloquem fogo no lugar.” O Pai disse alegremente. A Srta. Hatherton tinha

prometido levar ele a uma pesca de tubarão no dia seguinte, e ele estava tão excitado quanto um garoto de

colégio.

“Não deixe eles irem para cama tarde demais, Tio Merry,” a Mãe disse, entrando no carro.

“Agora não se preocupe, Ellen,” Tio Merry disse paternalmente da soleira da porta, parecendo com

um patriarca do Velho Testamento com as crianças agrupadas ao redor dele. “Não terei chance de levá-los

para o mau caminho estando com o a Sra. Palk. Ao invés disso, provavelmente todos morreremos de super

alimentação.”

“Vocês têm certeza de que não querem vir também?” Srta. Hatherton se inclinou sobre o volante,

piscando sob o sol da manhã. O carro balançou levemente quando o Pai se enfiou no banco de trás. Simon

entregou a ele suas varas de pescar.

“Não, honestamente, obrigado,” ele disse.

“Isso não é bom, você não consegue levar esses três para longe de Trewissick,” disse o Pai. “Nunca

vi nada assim. Mesmo tentar levá-los até o próximo vilarejo é como forçar uma Lapa* a deixar uma pedra.

Não ouso nem imaginar o que vai acontecer quando chegar a hora de voltar para casa.”

“Bem, bem, eles conhecem suas próprias cabeças. E não posso convencer você, Professor Lyon?”

“Oh, querido,” a Mãe disse. “Sinto muito que esteja preso com eles, Merry.” Ela deu uma olhada

para as crianças.

“Bobagem,” Tio Merry disse. “Esse é meu elemento. De qualquer modo, Penzeance é um lugar

desagradável.” Ele fez uma careta horrível para a Srta. Hatherton, que sorriu de volta amavelmente. Turistas,

sorvete e pequenos piskies** de metal. Comercializados. Podem ficar com isso.”

“Bem,” a Srta Hatherton disse com um sorriso, ligando o motor, “Fora com os piskies. Mandaremos

um pedaço de rocha para você, Professor. Adeus. Adeus, crianças.” O carro se moveu, com um coro desigual

de despedidas seguindo-o.

* Lapa: Docoglossa ou Patellogastropoda é uma ordem da classe dos moluscos gastrópodes (a mesma classe dos caracóis,

caramujos e lesmas).

** Pixies (ou Piskies como às vezes são chamados em Cornwall): são criaturas místicas do folclore local.

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“Adeus!” A Sra. Palk gritou, aparecendo de repente atrás deles na porta e balançando uma pequena

toalha. O pequeno carro subiu a colina e saiu de vista.

“Bem, isso não é legal, os dois indo juntos?” A Sra. Palk disse de modo sentimental. “Exatamente

como nos velhos tempos, com certeza, antes que os problemas deles começassem.” Ela balançou sua toalinha

para as crianças.

“Você quer dizer, nós?” perguntou Barney indignado.

“Isso mesmo. Uma verdadeira dor de cabeça, vocês são... e ainda serão, arrisco dizer.” Ela

desapareceu, sorridente, de volta para a cozinha.

“Muito útil, aquela Srta. Hatherton,” Simon disse com satisfação. “É claro que espero que tenham

momentos adoráveis e tudo mais, mas isso realmente deixa a costa livre, não deixa?”

“Aquela sombra da luz do luar...” Jane disse pensativa. “Vocês sabem, estive pensando...”

“Nada de pensar hoje,” Tio Merry disse firmemente. “Não podemos fazer nada até a noite. Não

estive no mar desde que desci até aqui esse ano, acho que todos vocês deveriam me levar para um banho.”

“Para um banho?” A voz de Barney aumentou de espanto.

“Isso mesmo.” Tio Merry olhou para ele através de sobrancelhas brancas. “Vocês acham que estou

velho demais para nadar, é isso?”

“Hã – não, não, de jeito nenhum, tio Merry,” Barney disse, confuso. “É que nunca pensei em você

dentro da água, só isso.”

“Mas e quanto ao mapa?” Jane reclamou.

“Nós acabamos de começar,” Simon disse de modo reprovador.

“Bem, e não vamos parar. Vamos passar um ótimo dia tranqüilo na praia debaixo do sol.” Tio Merry

sorriu para eles. “E quem sabe, talvez tenha uma lua hoje a noite.”

E ali, através das janelas da Casa Cinza a lua pendia, no tardio anoitecer de Agosto, quando eles

estavam de volta de seu dia e se lavando antes que a Sra. Palk os chamasse para a ceia. O sol tinha brilhado

na praia o dia todo, e todos estavam queimados – A pele clara de Barney estava muito vermelha. Mas agora a

lua dominava o céu; que após o pôr-do-sol se aprofundava em um negro-cinza, com tudo obscurecido pelo

brilho leitoso que se espalhava pelo céu e o mar sem parecer vir da lua, a não ser as estrelas mais brilhantes.

Simon disse, baixo e excitado: “É uma noite perfeita.”

“Humm,” Jane disse. Ela estivera lá fora para olhar o céu, e para estudar nervosamente o contorno

negro de Kemare Head se erguendo escuro e impenetrável por trás da casa. Como Simon, ela estava

excitada, mas a velha inquietação estava de volta também.

Seria melhor, ela disse para si mesma severamente, não pensar no escuro, ou pelo menos pensar nele

como o mesmo escuro no qual o homem de Cornwall criou as pistas que eles estavam seguindo agora. Mas

talvez nessa escuridão também espreitasse o mal que estivera rastejando sobre ele naquele momento, do leste

hostil, ameaçando o Graal enquanto ele procurava com urgência por um esconderijo... talvez estivesse

esperando por eles, ali fora... por que não tinha nenhuma luz acesa no iate dos Withers...?

“Oh, pare com isso,” Jane disse bem alto.

“O quê?” falou Simon surpreso.

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“Nada... estava falando comigo mesma... Oh, bom, ai está a campainha. Vamos lá.”

A Sra. Palk, nos intervalos entre carregar pratos cheios da cozinha e os vazios de volta, estava com

um humor maternal muito forte. Tio Merry disse a ela que eles iriam sair para uma pesca noturna partindo do

porto exterior, e rapidamente ela estava fazendo grandes planos para encher vasilhas térmicas de café quente,

e deixar pratos de sanduiches prontos na cozinha para quando eles voltassem. Mas ela não ouviria nada a

respeito de Barney ir também.

“Você não vai a lugar algum com essas queimaduras de sol, querido, agora elas estariam muito

sensíveis. Você fica aqui comigo e passa uma ótima noite, essa seria a melhor coisa. Se você sair ficará com

coceira e com bolhas bem rápido, e então você ficaria na cama amanhã quando poderia estar do lado de fora

sob o sol, e não gostaria disso, gostaria?”

“Eu ficaria muito bem,” Barney disse, sem estusiasmo. A Sra. Palk tinha passado calamina nas

pernas queimadas de sol dele, mas elas estavam muito doloridas e moles, e embora tentasse esconder a dor

ele estremecia toda vez que dava um passo. E estava com muito sono depois de passar o dia correndo e

nadando ao ar livre. Tio Merry disse, “Acho que isso seria o melhor, Barney. Se você estiver acordado

contaremos tudo a você quando entrarmos.”

“Ele não estará,” a Sra. Palk disse. Por todo seu respeito ela chamou tio Merry de “o Professor”, com

o mesmo indulgente rigor que usava com Simon, Barney e Jane. “Ele terá um longo e bom sono, sem ser

perturbado, até de manhã, e então acordará fresco como uma margarida com todos aqueles machucados

sarados. E então poderá ouvir sobre tudo.”

“Sra. Palk,” Tio Merry disse gentilmente, “você é uma boa alma e me lembra muito a minha velha

babá, que nunca me deixaria sair pela porta sem pegar minhas galochas. Bem, jovem Barnabas, eu acho...”

“Oh, está bem,”' Barney falou tristemente. “Acho que sim. Ficarei aqui.”

“Está certo,” A Sra. Palk sorriu. “Vou preparar para ele uma boa bebida quente para antes da cama.”

Ela saiu depressa.

“Seus sortudos,” Barney disse invejosamente para Simon e Jane. “Aposto que encontrarão todos os

tipos de pistas incríveis, só porque não posso ir. Isso não é justo.”

“Para dizer a verdade você terá o trabalho mais importante de todos hoje a noite,” Simon disse de

forma surpreendente. “E o mais perigoso também. Nós decidimos que seria arriscado demais levar o mapa

conosco, então você ficará tomando conta dele aqui. Você pode ter que guardá-lo com sua vida – supondo

que os arrombadores voltem.”

“Oh, não,” Jane falou assustada.

“Não é bem assim, não se preocupe,” tio Merry disse, levantando-se. “Mas é uma responsabilidade

do mesmo jeito, Barney, então você não está totalmente fora das coisas.”

Barney não tinha certeza se poderia sentir-se importante ou patético, mas foi obedientemente para

cama. Olhando para trás enquanto eles partiam dentro do escuro, eles viram o rosto dele pressionado contra

uma das janelas superiores, e uma mão turva acenando para eles.

“Deus, está frio,” Jane disse, estremecendo levemente, enquanto eles subiam a estrada para longe do

vilarejo.

“Você vai ficar bem logo que tivermos caminhado por algum tempo,” Tio Merry disse. Antes de

partirem ele tinha insistido que deveriam vestir suéteres e cachecóis debaixo de seus casacos, e agora eles

estavam agradecidos.

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“Tudo parece terrivelmente grande,” Simon disse de repente. Todos falavam baixo por instinto, pois

não havia som algum na noite escura a não ser o barulho suave dos seus próprios pés. Eles só ouviam,

ocasionalmente, um carro passar resmungando no vilarejo, e, muito levemente, o barulho do mar e o rangido

de barcos em seus ancoradouros no porto lá embaixo.

Jane olhou ao redor para os telhados prateados e os caminhos de sombras negras criados pela lua.

“Eu sei o que você quer dizer. Você só pode ver uma ponta de tudo, tem sempre um lado na sombra. Então

você não consegue ver onde isso termina... e o promontório parece terrivelmente sinistro. Estou feliz em não

estar sozinha.”

Essa foi uma confissão que ela jamais faria na luz do dia. Mas de algum modo, na noite escura, isso

pareceu menos vergonhoso. Simon disse inesperadamente: “Eu também.”

Tio Merry não disse nada. Ele caminhou ao lado deles em silêncio, muito alto, pensativo, seu rosto

perdido nas sombras. Com cada longa passada ele parecia se mesclar com a noite, como se pertencesse ao

mistério, ao silêncio e aos menores sons sem nome.

Fazendo a curva na estrada, para longe do porto, eles viraram e subiram por uma cerca até o

promontório. A estrada fazia curva dando volta para o interior novamente, e acima deles estendia-se o escuro

gramado da ladeira, subindo em direção às pedras monolíticas. Em pouco tempo eles encontraram a trilha, e

começaram a longa subida até o topo.

“Escutem!” Jane falou subitamente, parando no meio do passo.

Não havia som algum enquanto eles permaneceram ali, apenas o suspiro do mar.

“Você está ouvindo coisas,” Simon disse nervosamente.

“Não – Eu tenho certeza…”

Acima de suas cabeças, do topo do promontório ainda fora de vista, veio descendo um suave barulho

fantasmagórico. “Whoo-oo.”

“Oh,” Jane falou com alívio. “Só uma coruja. Horrível, não conseguia imaginar o que era.”

Tio Merry ainda não falou nada. Eles começaram a subir novamente. Então, todos hesitaram de uma

só vez, com que por algum acordo silencioso. Uma cortina escura parecia ter descido ao redor deles.

“O que é isso?”

“Uma nuvem cobriu a lua. Vejam. É apenas uma pequena.”

Como um sopro de fumaça a nuvem se afastou do rosto da lua tão repentinamente quanto tinha

vindo, e a terra e o mar estavam cor de prata novamente.

“Você disse que não teria nenhuma nuvem.”

“Bem, não muitas, só umas pequeninas.”

“O vento mudou,” Tio Merry falou. Sua voz, surgindo de seu longo silêncio, soou muito profunda.

“Ele vem do sudoeste, vento de Cornwall. Às vezes ele traz nuvens, E às vezes outras coisas.” Ele continuou

subindo a ladeira, e eles não sentiram vontade de perguntar o que ele queria dizer com isso.

Enquanto eles subiam atrás dele mais nuvens apareceram, irregulares e com bordas prateadas na luz

do luar; deslizando suavemente pelo céu como se outro vento estivesse ali em cima, mais forte e com mais

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propósito do que a brisa gentil soprando ali embaixo em seus rostos acima da ladeira.

E então, surgindo acima da testa escura do promontório, eles viram o contorno das pedras

monolíticas. Ampliadas pela escuridão, elas se erguiam misteriosamente contra o céu prateado, e

desapareciam de modo desconcertante dentro da sombra sempre que uma nuvem corria sobre o rosto da lua.

Na luz do dia as pedras pareceram grandes, mas agora elas estavam imensas, dominando o promontório, e

levemente banhados pela luz do luar todos os sombrios vales que se estendiam para o interior das terras das

luzes do vilarejo piscando fracamente abaixo. Jane agarrou o braço de Simon, intimidada de repente.

“Tenho certeza que elas não nos querem aqui,” ela disse tristemente.

“Quem não quer?” Simon perguntou, zangado, fazendo sua voz sair mais alta do que ele pretendia.

“Ssh, não faça tanto barulho.”

“Oh, cresça,” Simon falou rispidamente. Ele não se sentia feliz no escuro vazio da noite, mas estava

determinado a não pensar nisso. Então ele sentiu um frio na boca de seu estômago, quando a voz profunda de

seu tio chegou até eles de um modo que pareceu confirmar tudo que Jane sentiu.

“Elas não se importam,” Tio Merry falou suavemente. “Na verdade, somos bem-vindos aqui.”

Simon se balançou levemente, fingindo não ter escutado. Ele olhou para as pedras ao redor, que

agora os cercavam, elevando-se contra o céu. “Foi essa aqui.” Ele atravessou até a rocha que tinham

encontrado no dia anterior. “Eu lembro desse tipo de buraco engraçado no lado.”

Jane se juntou a ele, acalmada pelo tom de “para dizer a verdade” dele. “Sim, é essa. Quando

olhamos daqui estávamos totalmente alinhados com o sol, e aquela pedra da qual começamos. Sobre aquele

outro promontório. Engraçado que não dê para ver agora. Eu tinha pensado que a lua brilharia sobre ele

como o sol brilhou.”

“A lua está em outra direção, lá fora sobre o mar,” Simon disse. “Olhem para a sombra, vamos lá, é

isso que temos que seguir.”

“Oh, droga,” Jane disse, enquanto outra nuvem cruzou a lua e eles foram deixados no escuro

novamente. “As nuvens estão ficando muito mais espessas, gostaria que elas fossem embora. Parece ter

muito mais vento aqui em cima também.” Ela apertou seu casaco, e enrolou o cachecol mais apertado.

“Não vai demorar muito,” Tio Merry falou de repente saindo da escuridão. Ele estava parado contra

outra das rochas, envolto por seu contorno de modo que não conseguiam nem distinguir sua forma. Jane

sentiu um calafrio de alarme retornar.

“Por que? Tem alguma coisa errada?”

“Não, nada... olhem, aí está a lua de novo.”

A noite tornou-se prateada novamente; olhando para cima, foi como se eles vissem a lua navegando

através das nuvens ao invés do contrário; correndo suavemente pelo céu, com fragmentos de nuvens

passando ao seu redor, e mesmo assim nunca se movendo do seu lugar.

Simon disse, com leve desapontamento: “Ela não aponta para nada!” Ele olhou para o chão ao lado

da grande rocha. Escura no reflexo prateado da grama jazia a sombra lançada pela alta lua brilhante; e ela

apontava como um dedo para longe de Kemare Head, em direção do comprido horizonte escuro dos

ancoradouros de Cornwall.

“Talvez ela aponte para alguma marcação que não percebemos,” Jane disse em dúvida, olhando em

vão sobre as colinas mascaradas pela sombra.

76

“Mais como se o homem de Cornwall tivesse usado uma marcação que tenha caído, ou sido

destruida, ou simplesmente tenha se desfeito. Sempre tem esse risco. E isso significaria que jamais

conseguiríamos chegar mais longe do que isso.”

“Mas ele não teria feito isso, eu sei que não.” Jane olhou rapidamente ao seu redor dentro da noite,

dentro do vento que soprava sobre o promontório deserto; e de repente ela ficou imóvel, e observou. De sua

posição ao lado da grande rocha que era o único referencial deles, tinha virado sua cabeça para a lua que

corria imóvel lá no alto acima do topo de Kemare Head, acima do mar; e ela viu, como que pela primeira

vez, o caminho de luz que ela lançava.

Reto como uma flecha a longa estrada branca do reflexo da lua estendia-se em direção a eles

cruzando a superfície do mar, como um caminho do passado e um caminho para o futuro; assim como suas

bordas ele dançava e cintilava enquanto as ondasse erguiam sob o vento. E onde ele terminava, na ponta de

Kemare Head, estava uma silhueta escura contra a luz brilhante carregada pelo mar.

Ela falou depressa para Simon: “Olhe.”

Ele virou para ver, e ela soube que naquele momento ele estava tão certo quanto ela que isso era o

que deveriam encontrar.

“São aquelas pedras no fim do promontório,” ela disse. “Contornadas ali. Deve ser. E dessa vez não

era para usarmos a sombra como indicador – tínhamos que ficar aqui e perto dessa pedra e deixar a própria

luz do luar nos mostrar a próxima pista.”

“E é isso que ela faz.” A voz de Simon se elevou quando a familiar excitação da perseguição

começou a retornar. “E se é isso que ele queria dizer com os sinais que se desfazem mas não morrem, então o

Graal deve estar escondido em algum lugar naquele amontoado de pedras. Enterrado no final de Kemare

Head. Deus – tio Merry, nós encontramos” Ele virou de volta em direção do silencioso círculo dominador

das pedras monolíticas, e então hesitou. “Tio Merry?” ele disse com incerteza.

Jane veio depressa ficar perto dele. Fora do abrigo da rocha o vento soprou o rabo de cavalo dela em

seu rosto. Ela gritou mais alto, “Tio Merry! Onde você está?”

Não houve resposta alguma a não ser o erguer e baixar do vento suspirante, agora alto o bastante

para sufocar o distante murmúrio do mar. Jane, sentindo-se muito pequena sob o fantasmagórico grupo de

grande pedras, agarrou a manga de Simon. Mesmo assim, ela falou com sua voz trêmula. “Oh, Simon – onde

ele foi?”

Simon gritou dentro do vento que crescia: “Tio Merry! Tio Merry! Onde você está?”

Mas ainda assim não havia nada a não ser a escuridão, e a alta lua branca navegando escura em um

momento, brilhante em outro, e o ruído do vento. Eles ouviram novamente o gemido rouco da coruja, mais

perto dessa vez, acima do promontório no vale oposto; um som ameaçador, inumano, desolado. Jane

esqueceu tudo menos a solidão do escuro. Ficou muda de pavor, como se ela soubesse que uma grande onda

estava descendo sobre ela e não pudesse se mover para fora do caminho. Se ela não estivesse ali o próprio

Simon estaria paralisado pelo medo. Mas ele respirou bem fundo, e cerrou seus punhos.

“Antes ele estava bem aqui,” ele disse, engasgando. “Vamos lá.” Ele se moveu na direção das outras

pedras monolíticas, agora malmente visíveis na escuridão.

“Oh, não…” A voz de Jane aumentou histericamente, e ela agarrou na manga dele. “Não chegue

perto delas.”

“Não seja estúpida, Jane,” Simon disse de modo frio, parecendo muito mais valente do que sentia.

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Outra coruja gritou, inesperadamente, no outro lado deles, em direção ao fim do promontório. “Oh,”

Jane disse tristemente. “Quero ir para casa.”

“Vamos lá,” Simon falou de novo. “Ele deve estar por aqui. Espero que ele não consiga nos ouvir,

esse vento está aumentando pra valer.” Ele pegou a mão de Jane, e ela se moveu com ele sem vontade em

direção às formas escuras das pedras monolíticas. A lua ficou turva e desapareceu dentro das profundezas de

uma nuvem maior, e assim apenas um leve cintilar luminoso das estrelas deu forma para tudo. Eles seguiram

cautelosamente pela escuridão, sentindo que a qualquer momento eles podiam colidir com algo que não

viam; o pânico só foi suprimido pela desesperada esperança de encontrar repentinamente seu tio ao lado

deles. Ele parecia um refúgio muito forte e necessário agora que não estava ali.

Agora eles estavam bem entre as pedras monolíticas, e eles podiam mais sentir do que ver os pilares

de rochas erguendo-se ao redor deles. O vento soprou, cantando através da grama, e novamente eles ouviram

a coruja gritar abaixo deles no escuro. Eles se moveram juntos lentamente, forçando seus olhos para ver em

frente. Então a nuvem irregular ficou prateada novamente, e a lua veio navegando através dos fragmentos

flutuantes em suas bordas; e no mesmo momento eles perceberam uma grande forma escura surgindo diante

deles onde nenhuma pedra estivera antes.

Ela parecia crescer enquanto o vento soprava, então de repente eles viram que não era pedra

nenhuma, mas sim a figura alta de um homem todo de preto, com uma longa capa que balançava ao vento

quando ele se virou crescendo sobre eles. Por um instante a luz do luar pegou seu rosto enquanto ele se

virou, e eles viram olhos sombreados debaixo de sobrancelhas escuras, e o brilho de dentes brancos que não

era um sorriso. Jane gritou, aterrorizada, e escondeu seu rosto no ombro de Simon.

E então de repente a lua foi coberta novamente por nuvem, e a ameaça e o rugido da escuridão

pareceu erguer-se ao redor deles. Sem dizer uma palavra eles se viraram e correram, tropeçando, movidos

pelo pânico, para longe das silenciosas pedras monolíticas e descendo a colina, até que com uma enorme

enchente de alívio eles ouviram o som de uma voz profunda familiar. Quando olharam para frente, ofegantes,

viram a silhueta de tio Merry contra o pano de fundo mais claro do mar, parado diante deles no caminho.

Eles correram até ele, e Jane lançou seus braços ao redor de sua cintura e se agarrou a ele, soluçando

com alívio. Simon só tinha auto-controle o bastante para ficar ao lado dele. “Oh, tio Merry,” ele disse sem

fôlego, “não conseguimos encontrar você em lugar algum.”

“Temos que descer daqui rápido,” o tio dele falou baixo e depressa, segurando Jane e passando a

mão atrás da cabeça dela que tremia. “Eu estava procurando por vocês. Eu sabia que tinha alguma coisa

naqueles gritos que não eram como os de qualquer coruja. Veham, rápido.”

Ele se curvou e ergueu Jane em seus braços com um rápido movimento como se ela fosse um bebê, e

com Simon bem perto em seus calcanhares ele desceu a colina depressa, mantendo-se no caminho que eles

podiam ver apenas como a luz do luar atravessando as nuvens que corriam.

Simon disse, ofegando enquanto trotava, “Tinha um homem lá em cima. Nós vimos ele, de repente,

apareceu do escuro. Ele estava enfiado em um grande casaco parecido com uma capa, todo de preto. Foi

horrível.”

“Fui encontrar eles,” Tio Merry falou. “Ele deve ter passado por mim. Então tinha outros. Não devia

ter deixado vocês sozinhos.”

Jane, tremeu em seus braços enquanto ele saltava descendo a colina, abriu os olhos e olhou para trás

por cima do ombro dele para o topo do promontório, onde os dedos escuros das pedras monolíticas ainda

apontavam para o céu. E um momento antes que elas desaparecessem no horizonte ela viu que havia o dobro

de formas que estavam antes, com outras figuras negras entre as pedras.

“Tio Merry, estão vindo atrás de nós!”'

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“Eles não ousam seguir enquanto estou aqui,” Tio Merry disse tranqüilamente, e ele foi descendo o

declive com o mesmo passo largo.

Jane emgoliu em seco. “Acho que estou bem agora,” ela disse com uma voz baixa. “Você pode me

colocar no chão?”

Mal parando, tio Merry a colocou no chão novamente, e como Simon ela quase corria ao lado dele

para acompanhá-lo. Eles chegaram ao fundo da ladeira, e cruzaram o campo até a estrada, sentindo-a como

um lugar tranqüilizador depois do vasto vazio sinistro do promontório. Aqui embaixo o vento não gemia

mais em seus ouvidos, e eles ouviram novamente o amigável murmúrio suave do mar.

“Aquele homem,” Simon falou. “Aquele homem que vimos. Foi ele, tio Merry, aquele que nunca

tínhamos visto antes. Foi o homem de quem você me resgatou. O homem que me perseguiu, com o garoto.”

Jane disse com uma voz apavorada enquanto caminhava, olhando diretamente em frente para as

luzes do vilarejo que piscavam, “Mas eu reconheci ele imediatamente, quando a luz do luar brilhou no rosto

dele. Era por isso que eu estava com tanto medo. Era o vigário de Trewissick. E ele é o homem que viu meu

traçado no mapa no livro guia.”

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CAPÍTULO NOVE

Barney, deixado para trás, achatou seu nariz contra a janela do quarto de Jane. Ele viu Simon e Jane

olharem para cima e acenar, mas tio Merry estava marchando sem olhar para a direita ou esquerda, uma alta

figura esguia desaparecendo no escuro. Barney sorriu para si mesmo. Ele conhecia aquele caminhar

determinado muito bem.

Ele observou atrás deles até que não conseguisse ver nada na escuridão a não ser as luzes do vilarejo

dançando na água negra ondulante, entre os barcos fantasmagóricos. Do iate dos Withers, não havia luz

alguma. Ele se afastou da janela, suspirando um pouco de frustação por ser deixado de fora. Para dar um

pouco de conforto a si mesmo ele agarrou bem firme o estojo do telescópio que Simon havia deixado com

ele de modo solene quando eles subiram para se despedir. No mesmo instante ele sentiu-se melhor. Ele era

um cavaleiro a quem foi confiada uma missão sagrada; havia sido ferido na batalha mas tinha que guardar o

segredo dele do mesmo jeito... ele curvou levemente cada uma das pernas em resposta, e estremeceu com o

ardor da pele sobre os seus joelhos. Os inimigos estavam por todos os lados, caçando o segredo que ele

mantinha sob sua guarda, mas nenhum deles conseguiria chegar perto...

“Então agora, você volta para cama,” a Sra. Palk disse atrás dele, inesperadamente. Barney se virou.

Ela estava parada na porta, com a luz da plataforma espalhando-se ao redor dela, observavando ele.

Instintivamente os dedos de Barney apertaram com mais força em torno do frio estojo de metal, e ele foi em

direção a ela, pisando suavemente com sues pés descalços. A Sra. Palk recuou até a plataforma para deixar

ele passar pela porta. Quando ele passou perto, ela esticou sua mão curiosa.

“O que você tem aí?”

Barney afastou o estojo do alcance dela, e então forçou um sorriso rapidamente. “Oh,” ele disse tão

casualmente quanto conseguiu, “É um telescópio do capitão que peguei emprestado. É muito bom. Você

consegue ver todos os barcos passando lá na baía. Pensei que poderia observar os outros descerem até o

porto com ele, mas ele não é muito bom no escuro.”

“Oh, ah.” A Sra. Palk pareceu perder o interesse. “Isso é engraçado, nunca vi o capitão usar nenhum

telescópio. Mesmo assim, tem todos os tipos de coisas estranhas nessa casa, mais do que eu jamais saberei,

com certeza.”

“Bem, boa noite, Sra. Palk,” Barney disse, seguindo para seu próprio quarto.

“Boa noite, querido,” Sra. Palk disse. “Só dê um grito se quiser alguma coisa. Suponho que eu

mesma vá para cama cedo, meus dias de esperar pelos pescadores acabaram.” Ela despareceu descendo as

escadas, e a luz da plataforma se apagou.

Barney ligou a lâmpada ao lado da sua cama e fechou a porta devagar. Ele sentiu-se desprotegido, e

um tanto quanto excitado também, sem tio Merry na casa. Ele pensou em colocar uma cadeira na porta, mas

mudou de idéia quando lembrou que Simon cairia sobre ela quando voltasse. A última coisa que ele queria

era que alguém pensasse que ele ficou preocupado por estar sozinho.

Ele retirou o manuscrito para dar uma última olhada, e para imaginar o que Simon e Jane podiam ter

descoberto com a sombra da pedra monolítica. Mas ele não conseguia ver nada na imagem indefinida das

pedras e da lua. Sonolento de repente, ele enfiou o rolo de volta e apagou a luz; aconchegou-se dentro das

colchas da cama com o estojo apertado contra seu peito, e adormeceu.

Ele nunca soube exatamente o que foi que o acordou. Quando, - através da confusão de semi-sonhos

e barulhos imaginados, ele percebeu que estava acordado, o quarto estava totalmente escuro. Não havia som

algum a não ser o constante murmúrio do mar, bem suave nesse lado da casa mas sempre no ar. Mas pelo

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modo como todos os seus sentidos estavam se esforçando para captar algo, ele soube que uma parte dele que

não tinha dormido completamente estava lhe avisando de algum perigo bem próximo. Ele ficou totalmente

imóvel, mas não conseguiu ouvir nada. Então houve um leve rangido atrás dele, vindo da direção da porta.

Barney sentiu seu coração começar a bater um pouco mais rápido. Ele estava acostumado a ouvir

barulhos à noite; o flat deles em Londres era uma parte de uma casa muito velha que rangia e resmungava o

tempo todo à noite, como se as paredes e o assoalho estivessem respirando. Embora ele nunca tivesse ficado

acordado aqui tempo bastante para descobrir, ele achava que a Casa Cinza provavelmente fazia o mesmo.

Mas esse ruído, de algum modo, não era tão amigável quando aqueles...

Barney fez o que fazia em casa sempre que acordava e ouvia um ruído que parecia mais como o de

um arrombador do que o de um rangido comum do assoalho. Ele deu o pequeno lamúrio bocejando que às

vezes as pessoas dão durante o sono, e se virou na cama como se estivesse se ajeitando sem acordar.

Enquanto se virava, ele abriu parcialmente um olho para dar uma rápida olhada pelo quarto.

Quando ele fazia isso em casa nunca havia nada para ver, e ele dormia novamente sentindo-se um

pouco tolo. Mas dessa vez foi diferente. Através de uma leve linha de luz ele podia ver que a porta estava

aberta, e perto dela o brilho de uma pequena tocha estava se movendo pelo quarto. A luz da tocha parou

assim que ele se moveu. Barney se ajeitou em sua nova posição, ficou imóvel e respirou profundamente por

vários minutos com os olhos fechados.

Gradualmente ele ouviu os pequenos ruídos começarem novamente. Ele ficou escutando, agora mais

perplexo do que assustado. Quem eram? O que estavam fazendo? Não podia ser alguém que quisesse me

bater na cabeça, ele pensou consigo mesmo, ou teriam batido na minha cabeça antes disso. Eles não querem

me acordar, e não querem fazer barulho. Estão procurando alguma coisa...

Ele apalpou sob as colchas, cuidadosamente para não mostrar nenhum movimento ou fazer qualquer

ruído. O estojo do telescópio ainda estava ali, e ele o segurou bem apertado.

Então ele ouviu outro som. A pessoa se movendo silenciosamente pelo seu quarto no escuro fungou,

muito levemente. O ruído foi quase imperceptível, mas Barney reconheceu como uma fungada que já tinha

ouvido antes. Ele sorriu para si mesmo com alívio, sentindo seus músculos relaxarem. Muto lentamente ele

enfiou sua mão para fora por baixo das colchas da cama em direção a mesinha ao lado da cama, e ligou a luz.

A Sra. Palk pulou, largou sua tocha fazendo um barulho e colocou sua mão no coração. Por alguns

segundos Barney estava completamente ofuscado pela luz que inundava o quarto, mas ele piscou os olhos a

tempo de ver desapontamento e surpresa no rosto dela. Rapidamente ela se recompôs, e deu um largo sorriso

tranqüilizador.

“Agora veja só, e pensei que não tinha acordado você. Que pena. Sinto muito, querido. Eu te

assustei?”

Barney disse secamente: “O que está fazendo, Sra. Palk?”

“Subi para ver se você estava bem e dormindo direito. E pensei que como estava aqui em cima

pegaria sua xícara suja para lavar com o resto das coisas lá embaixo. Tomou seu leite quente aqui em cima,

lembra? Pobre garoto,” ela adicionou carinhosamente, “ele ainda está meio adormecido.”

Barney olhou para ela. Ele sentia-se sonolento, mas não sonolento demais para lembrar de Jane

entrando em seu quarto quando ele tinha subido para ir para cama e dizendo, “A Sra. Palk pediu que eu

pegasse sua xícara se tiver terminado, ou você quer mais?”

“Jane desceu com minha xícara.”

A Sra. Palk olhou vagamente pelo quarto, e observou de olhos arregalados a mesinha vazia ao lado

da cama dele. “Então ela fez isso, quase me escapou da mente. Que velha coisa boba eu sou. Bem, vou

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deixá-lo voltar a dormir, meu amor, sinto muito ter acordado você.” Ela saiu do quarto com uma velocidade

quase cômica.

Barney quase tinha dormido novamente quando ouviu vozes baixas do lado de fora da porta, e Simon

entrou. Ele levantou rápido na cama.

“O que aconteceu? Encontraram alguma coisa? Onde vocês foram?”

“Não aconteceu muita coisa,” Simon disse cansado. Ele tirou sua jaqueta e o suéter e os largou no

chão.

“Descobrimos onde devemos ir em seguida. Para onde a próxima pista leva. São aquelas pedras no

fim de Kemare Head, logo acima do mar.”

“Vocês não foram olhar? Tem alguma coisa lá?”

“Não, não fomos.” Simon foi breve, tentando não lembrar dos momentos desagradáveis quando ele e

Jane estiveram sozinhos no escuro.

“Por que não?”

“O inimigo estava lá em cima, foi por isso. No escuro ao redor de nós, e um deles era o homem que

me perseguiu naquele dia com o garoto. Só que Jane diz que era o vigário. Não sei, é tudo muito complicado.

De qualquer modo, nós fugimos e ninguém nos seguiu. Engraçado, todos eles pareciam ter medo de Tio

Merry.”

“Quem eram eles?”

“Não sei.” Simon deu um grande bocejo. “Olha, vou descer para tomar um pouco de chocolate.

Podemos conversar de manhã.”

Barney deitou de novo, suspirando. “Tudo bem. Ooh…” Ele se levantou novamente. “Espere um

minuto. Feche a porta.”

Simon olhou para ele curiosamente e fechou a porta. “O que foi?”

“Você não deve dizer nada na frente da Sra. Palk. Nem uma palavra. Avise Jane”

“Não iríamos dizer. Ela não entenderia mesmo.”

“Ha,” Barney disse parecendo importante. “Isso é o que você pensa. Acordei agorinha mesmo e ela

estava se esgueirando pelo quarto no escuro com uma tocha. Foi muito bom que eu tivesse o mapa bem

seguro. Ela está procurando ele. Aposto com você que está. Acho que ela é má.”

“Hummm,” Simon disse, cético, olhando para ele. O cabelo de Barney estava desgrenhado, e seus

olhos escurecidos de sono. Era muito fácil acreditar que o que ele estava descrevendo não tinha sido mais do

que um sonho.

Quando eles desceram as escadas de manhã a Sra. Palk estava trabalhando energicamente na cozinha

batendo ovos em uma tigela com seu cotovelo subindo e descendo como uma máquina. “Café-da-manhã?”

ela disse alegremente. Barney a observou de perto, mas não conseguiu ver nada a não ser bom humor e um

sorriso honesto. E ainda assim, disse insistentemente para si mesmo, que ela parecia tão culpada quando ele

acendeu a luz...

“É um dia maravilhoso novamente,” Jane falou alegremente quando sentou. O vento ainda está bem

forte, mas não tem uma nuvem em lugar algum. Ele deve ter soprado elas para longe.”

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“Ah, bem, vamos torcer para que ele não sopre a marquise para longe também,” A Sra. Palk disse,

colocando um enorme jarro de leite cremoso amarelado na mesa.

“Que marquise?”

“Qual!” A Sra. Palk abriu os olhos. “Vocês não viram os posters? Por que, hoje é dia de Carnaval.

As pessoas vêm de toda parte, até de St. Austell. Todos os tipos de coisas acontecem... tem uma competição

de natação no porto, então a banda sai, e todos dançam por todo o caminho subindo a rua vindo do mar. Eles

tocam a Floral Dance. Vocês conhecem a melodia, com certeza.” Ela começou a assobiar alegremente.

“Eu conheço,” Simon disse, “mas pensava que eles só dançavam em algum outro lugar.”

“Helston,” falou Jane. “The Helston Furry Dance.”

“Sim, é isso mesmo,” A Sra. Palk falou. “Eu suponho que eles copiaram de nós. Todo mundo

conhece a Floral Dance de Trewissick, era dançada na época da minha avó. Todos se vestem com roupas

alegres e fantasias, e tem uma grande multidão na rua dançando e rindo. Ninguém sai para pescar hoje. Tem

uma grande marquise no campo atrás do vilarejo, e todos os tipos de estandes e jogos, e disputas... Então

quando o sol começa a descer eles coroam a rainha do carnaval, e eles ficam pelo porto muito tempo depois

que escurece, e dançam sob a luz da lua... leva muito tempo antes que alguém queira ir dormir em

Trewissick, dia de carnaval.”

“Que divertido,” falou Jane.

“Hummm,” Simon disse.

“Oh, vocês não podem perder isso,” A Sra. Palk disse com seriedade. “Estarei lá durante cada

minuto, é como os dias antigos se repetindo. Eh, mas agora aqui estou falando e seus ovos mexidos

endurecendo no fogão.” Ela se virou e saiu da sala.

“Realmente parece divertido,” Jane falou para Simon de modo reprovador.

“Ouso dizer. Que temos outras coisas para fazer. É claro que se você preferir ir para o carnaval ao

invés de encontrar o Graal...”

“Sssh!” Barney pareceu nervoso na porta.

“Oh, não se preocupe com ela, ela está bem. Tio Merry já desceu faz muito tempo, não foi?”

“Não quis dizer isso,” Jane falou suavemente. “Na verdade o que quero fazer mais do que tudo é

voltar ao promontório, para que possamos encontrar aquela rocha.”

“Não podemos ir sem tio Merry. Será que ele está acordado?”

“Vou dar uma olhada.” Barney deslizou de sua cadeira.

“Ei, onde você vai?” A Sra. Palk quase colidiu com ele, carregando sua bandeja através da porta.

“Sente-se e coma agora, enquanto está quente.”

“Vou chamar tio Merry.”

“Agora deixe ele descansar, pobre cavalheiro,” A Sra. Palk disse com firmeza. “Andar por aí no

meio da noite, isso não é natural em sua idade, não me admiro que ele esteja dormindo por tanto tempo.

Pesca noturna, com certeza. E sem ter nenhum peixe para mostrar depois de toda aquela caminhada. Vocês

cansaram ele bastante ontem a noite, eu calculo. Lembrem-se de que não somos todos tão jovens quanto

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vocês três.” Ela balançou seu dedo para eles. “Agora vão dar uma caminhada sob o sol depois de seu café-

da-manhã, e deixem ele dormir um pouco.” Ela se afastou novamente, fechando a porta atrás dela.

“Oh, nossa,” Jane disse, envergonhada. “Ela tem razão, vocês sabem. Tio Merry realmente está um

pouco velho.”

“Bem, ele não está senil,” Simon disse defensivamente. “Às vezes ele não parece nem um pouco

velho. Ele correu como um foguete ontem à noite – e carregando você. Eu fiz tudo que podia para

acompanhar o passo dele.”

“Bem, talvez esse seja o efeito depois disso.” A consciência de Jane estava começando a incomodar.

“Ontem à noite deve ter sido um esforço terrível para ele, seja por uma coisa ou por outra. Acho que não

deveríamos acordar ele. Afinal de contas, são apenas nove horas.”

“Mas não fizemos nenhum plano ou coisa assim,” disse Barney. Talvez devemos só esperar aqui até

ele acordar,” Simon falou desesperadamente.

“Oh não, por que deveríamos? Ele não iria se importar se fôssemos até o promontório. Ele pode nos

seguir quando tiver dormido um pouco.”

“Ele não disse que não deveríamos ir a lugar algum sem ele de agora em diante?” Barney disse em

dúvida. “Ou de qualquer jeito, não sem dizer a ele?”

“Bem, podemos deixar uma mensagem para ele com a Sra. Palk.”

“Não, não podemos!”

“Barney acha que a Sra. Palk é um dos inimigos,” Simon falou descrente.

“Oh, com certeza não,” Jane falou vagamente. “bem, de qualquer modo, não temos realmente que

deixar uma mensagem. Ele vai adivinhar onde nós fomos. Só tem um lugar para onde qualquer um de nós

iria querer ir, e é até as rochas em Kemare Head.”

“Podemos dizer a Sra. Palk que ele sabe para onde fomos. Só isso. E então ela vai dizer a ele e ele

vai entender.”

“Podemos dizer que levamos Rufus para dar uma caminhada,” Barney disse esperançoso.

“Não é uma má idéia. Onde ele está?”

“Na cozinha. Vou lá pegar ele.”

Enquanto estiver lá, diga a Sra. Palk. E diga que a veremos em seu querido carnaval. Provavelmente

iremos de qualquer jeito.”

Barney negoliu rapidamente a última porção de seu ovo mexido e foi para a cozinha, mastigando um

pedaço de torrada.

De repente Simon teve uma idéia. Ele subiu, atravessou até a janela, e olhou para fora descendo a

colina. Ele se virou de volta para Jane rapidamente. “Devíamos saber. Já estão nos observando. Aquele

garoto está lá na parte debaixo da estrada, sentado contra a parede. Sem fazer nada – está apenas sentado ali,

olhando aqui para cima. Eles devem estar esperando agente sair, por que eles não sabem se encontramos uma

pista ontem à noite que vai nos levar a algum lugar.”

“Oh, Deus.” Jane mordeu seu lábio. A noite deles no promontório tinha deixado ela mais

profundamente nervosa do que antes. Era como se eles não estivessem lutando contra pessoas, mas contra

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uma força escura que usava pessoas como suas ferramentas. E podia fazer o que quisesse com elas. “Não tem

uma saída pelos fundos da casa para subir até o promontório?”

“Não sei. Que engraçado, nunca procuramos.”

“Bem, estávamos fazendo outras coisas. Acredito que mesmo se tiver uma, eles estariam vigiando

ela.”

“Bem... a única pessoa que saberia a respeito de uma saída dos fundos é aquele Bill, e ele está na

frente. Não faz mal nenhum dar uma olhada.”

Barney tinha voltado, com Rufus saltitanto alegremente ao seu lado. “Tem um caminho,” ele disse.

Você pode atravessar pela cerca no topo do jardim. Descobri isso em uma manhã antes que vocês

acordassem. Rufus me mostrou, na verdade – ele estava correndo e de repente desapareceu, e então ouvi ele

latindo milhas de distância do lado de fora, na metade do caminho subindo até o promontório. Você sai em

uma alameda e então, antes que você perceba está em Kemare Head. É um bom jeito pois eles não esperam

que nós atravessemos – não tem portão nem nada.”

“Tio Merry não vai saber sobre esse caminho,” Jane falou de repente. “Ele vai sair pelo caminho da

frente, e vão seguir ele, e será tão ruim quanto se tivessem nos seguido em primeiro lugar.”

“Não tenha medo,” Barney disse confiante. “Ele vai se livrar deles de algum modo. Aposto com

vocês que esse será um momento em que eles não terão a menor idéia de onde nós estamos.”

Quando as crianças tinham saído e a casa estava silenciosa, a Sra. Palk passou duas horas

trabalhando escada abaixo. Ela tomou cuidado para não fazer barulho. Então sentou-se na cozinha para beber

despreocupadamente uma xícara de chá.

Ela fez o chá muito forte, usando uma das melhores xícaras do capitão: bem grande, e feita de uma

fina, quase translúcida, porcelana chinesa branca. Ela sentou na mesa da cozinha bebendo dela, com uma

aparência de grande satisfação secreta em seu rosto. Depois de algum tempo ela foi até um armário debaixo

da pia, pegou sua grande sacola de compras e tirou dela um brilhante amontoado de fitas coloridas, com uma

elaborada estrutura emplumada não muito diferente de um cocar de um Pele Vermelha. Ela colocou sobre a

cabeça, olhou no espelho, e deu uma risada. Então cuidadosamente o colocou de lado e derramou mais um

pouco de chá em uma xícara limpa. Colocou-a em uma bandeja e saiu para o corredor e subiu as escadas, um

grande e misterioso tipo de mulher soridente.

Sem bater, ela abriu a porta do quarto de tio Merry, entrou, e depositou a bandeja ao lado da cama.

Tio Merry estava enterrado nas colchas da cama, respirando pesadamente. A Sra. Palk afastou as cortinas

para deixar a luz entrar no quarto escuro, se curvou e balançou ele forte pelo ombro. Quando ele se mexeu

ela se afastou rapidamente e ficou esperando, sorrindo para ele com seu sorriso maternal costumeiro.

Ele bocejou, resmungou e segurou sua cabeça sonolento, passando seus dedos para trás através de

seu cabelo branco solto.

“Hora de levantar, Professor,” disse a Sra. Palk alegremente. “Dexei você ter um bom e longo

descanso, depois de toda aquela caminhada ontem a noite. Fez bem a você, com certeza. Agora não somos

mais jovens como costumávamos ser, somos?”

Tio Merry olhou para ela e gruniu, piscando enquanto despertava.

“Agora beba esse chá, e vou preparar o seu café-da-manhã.” A voz da Sra. Palk fluiu enquanto ela se

virou para puxar as cortinas. “Podemos ter um pouco de paz e abençoado silêncio por algum tempo. As

crianças já saíram faz horas.”

De repente tio Merry estava bem acordado. Ele sentou com a costa bem ereta, uma visão

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surpreendente em seu pijama vermelho. “Que horas são?”

“Por que? Passam das onze.” A Sra. Palk sorriu para ele.

“Para onde as crianças foram?”

“Agora não se preocupe com eles. Eles podem tomar conta de si mesmos bem o bastante para um

dia.”

“Pequenos idiotas – onde eles estão?” A testa dele franziu.

“Agora, agora, Professor,” A Sra. Palk falou de modo infantil. “Para dizer a verdade, eles saíram

para lhe poupar de uma viajem. Eles são umas pequenas coisas atenciosas, embora a mãe deles seja um

pouco desorganizada, se me permite dizer. Foram para Truro por você.”

“Truro!”

A Sra. Palk sorriu inocentemente. "Sim, isso mesmo. O jovem Simon respondeu ao telefone essa

manhã. Máquina desagradável,” ela adicionou de modo confidente, tremendo levemente. “Me assusta

demais, fazendo tanto barulho. Falou com o homem do outro lado da linha por muito tempo. E depois, ele

veio até mim e disse, todo sério, que o coração dele seja abençoado – Sra. Palk, ele disse, era um amigo de

tio Merry que estava ao telefone do museu em Truro, dizendo que tinha de ver todos nós urgentemente a

respeito de alguma coisa.”

“Quem era?”

“Agora espere um minuto, Professor, ainda não terminei... imagino que devemos partir de uma vez

se nosso tio ainda estiver dormindo, o jovem Simon disse para mim, e pegar o ônibus. Então ele pode ir

atrás de nós quando ele acordar.”

“Quem era?” Tio Merry insistiu.

“Simon não me deu nenhum nome... ele fez isso parecer muito importante. Então eles se foram,

todos os três, e pegaram o ônibus em St. Austell. Não se preocupe, Sra. Palk, eles disseram, apenas diga

para nosso tio por nós.”

“Você nunca deveria ter deixado eles irem sozinhos,” Tio Merry falou curtamente. “Se você me der

licença, Sra. Palk, eu gostaria de me leventar.”

“É claro,” disse a Sra. Palk indulgentemente, ainda sorrindo e tranqüila, e ela saiu do quarto.

Dentro de minutos tio Merry estava lá embaixo, totalmente vestido, franzindo o rosto e

ocasionalmente murmurando ansioso. Ele recusou seu café-da-manhã, e saiu da Casa Cinza andando

depressa. A Sra. Palk, observando da porta, viu seu grande carro surrado aparecer na estrada e partir rugindo,

deixando uma grande mancha negra de fumaça espalhada no ar enquanto desaparecia saindo do vilarejo.

Sorriu para si mesma e voltou para dentro da Casa Cinza. Poucos momentos depois ela saiu

novamente, o pequeno sorriso secreto ainda pairando ao redor de sua boca; trancou a porta e partiu descendo

a colina com sua sacola de compras até o porto. Algumas penas vermelhas e azuis balançavam sobre o topo

de sua bolsa enquanto ela balançava ao lado dela.

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CAPÍTULO DEZ

“Isso não é nem um pouco tão simples como eu imagina que seria,” Simon falou, fazendo careta. Ele

olhou para as rochas salientes. “Das pedras monolíticas na noite passada parecia que tinha apenas um monte

de rocha aqui, elevando-se sozinha. Mas tem tantas delas, e todas são tão grandes.”

O vento soprando do mar aberto sacudiu o rabo de cavalo de Jane para frente e para trás na costa do

pescoço dela. Ela olhou de volta para o interior das terras. “É como estar lá fora no mar. Como se

estivéssemos isolados, e olhando para a terra do lado de fora.”

O fim do Kemare Head era o lugar mais desolado que eles já tinham visto, mesmo com a luz do sol

cintilando sobre a água bem longe lá embaixo, e o cheiro do mar no vento. Eles estavam parados no meio de

um solitário caminho de rochas, projetando-se para fora da grama quase na ponta do promontório. O chão

caía distante diante deles em uma ladeira gramada escarpada, e dali a borda íngeme do penhasco lançava-se

para encontrar as outras rochas, duzentos pés abaixo, onde as ondas brancas gruniam e suspiravam

infinitamente. Eles não podiam ver sinal algum de vida ou movimento em qualquer parte ao redor.

“É solitário,” Barney disse. “Ele próprio parece estar solitário, quer dizer, de algum jeito. Diferente

de nós quando nos sentimos solitários. Fico imaginando qual será a próxima pista, se é que tem uma.”

“Não acho que tenha,” Jane disse lentamente. “Realmente é o fim. Não leva a lugar algum, tudo

conduz em direção a isso... Engraçado como não vimos ninguém no caminho de subida. Geralmente tem

uma ou duas pessoas perambulando por aí, mesmo no promontório.”

“Certamente havia noite passada,” Simon disse.

“Oh, não, fico tentando não lembrar. Mas simplesmente não tem uma coisa viva aqui em cima em

qualquer lugar perto daqui. Acho que isso é estranho.”

“O Sr. Penhallow diz que os locais ficam afastados do fim do promontório,” Barney disse, escalando

para se empoleirar sobre uma das pedras acima das cabeças deles. Rufus tentou subir ao lado dele,

escorregou de volta e lambeu o tornozelo dele choramingando. “Eles também não gostam muito das pedras

monolíticas, mas eles nunca sobem até aqui. Ele não falaria muito sobre isso. Disse que as pessoas pensavam

que as pedras eram assombradas, e agourentas, e pareceu que ele mesmo acreditava nisso. Disse que eles as

chamavam de as Lápides.”

“Eles chamam as pedras monolíticas assim?”

“Não, essas pedras aqui.”

Engraçado, eu teria pensado que seria o contrário. As outras realmente parecem uns tipos de lápides,

de um certo modo. Mas essas são apenas rochas, como quaisquer outras rochas.”

“Bem, foi isso que ele disse.” Barney encolheu os ombros e quase perdeu o equilíbrio. “As pessoas

apenas não gostavam delas.”

“Fico imaginando por que.” Jane olhou para o monte de rocha mais próximo, elevando-se logo acima

de sua cabeça. Simon, perto dela, batia levemente na superfície com o velho estojo de metal do telescópio, o

manuscrito enrolado seguro lá dentro; Barney o tinha devolvido cerimoniosamente naquela manhã. Então de

repente ele parou de bater e ficou imóvel.

“Qual é o problema? Vocês encontraram alguma coisa?” Jane olhou para a rocha.

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“Não... sim... Oh, está tudo bem, não estou olhando para nada. Não lembram, no manuscrito? Posso

ouvir tio Merry dizendo isso agora. Onde o homem de Cornwall disse que ele escondeu o Graal. Acima do

mar e sob a rocha.”

Está certo, e o mesmo quando eles enterraram o estranho cavaleiro, quela era o nome dele...”

“Bedwin,” Barney disse. “Nossa, sei o que você quer dizer. Acima do mar e sob a rocha. Aqui!”

“Mas…” Jane disse.

“Deve ser!” Simon pulou distraídamente em um pé. “Acima do mar – bem, não poderíamos estar em

qualquer lugar que fosse mais obviamente acima do mar, poderíamos? E sob a rocha. Bem, aqui estão as

rochas.”

“E aqui também deve ser onde eles enterraram Bedwin!” Barney deslizou depressa de sua rocha. “E

é por isso que chamam elas de Lápides, e pensam que são assombradas. Eles esqueceram toda a verdadeira

história, por que foi a centenas e centenas de anos atrás. Mas eles lembram daquela parte, ou pelo menos

lembram das pessoas terem medo de vir aqui, e assim eles também não se aproximam.”

Talvez estejam certos,” Jane disse nervosamente.

“Oh, deixa disso. Bem, de qualquer jeito, mesmo se o fantasma de Bedwin estivesse flutuando em

algum lugar, ele não iria querer nos assustar por que estamos do mesmo lado que ele estava.”

“Tio Merry não disse nada como isso ontem a noite.” Jane franziu sua testa para se lembrar.

“Oh, não se preocupe, você não percebe o que isso significa? Estamos lá, nós encontramos!” Barney

falou com grande alegria. Rufus, captando o humor dele, empinou-se alegremente ao redor deles latindo ao

vento.

Simon olhou para ele. “Muito bem. Onde está?”

“Bem,” Barney disse, fazendo uma pequena pausa. “Aqui. Debaixo de uma das pedras.”

“Sim, bem, apenas pare de correr como um louco e pense por um minuto. O que temos que fazer,

cavar em todas elas? Elas são parte do promontório. É tudo rocha. Veja.” Simon tirou seu canivete, uma

robusta arma de aço com duas lâminas grandes e uma peça de metal comprida (geralmente usada para

desatar nós muito apertados), e se ajoelhou para cavar a terra ao pé de um dos rochedos. Ele arrancou tufos

de grama, cavou um buraco, e a três polegadas da superfície chegou a rocha sólida. Aí está. Percebeu?” Ele

arranhou a rocha com a lâmina de sua faca, fazendo um deprimente som irritante. “Como pode ter alguma

coisa enterrada ali?”

“Não tem que ser tudo assim,” Barney falou com jeito rebelde.

“Talvez tenha uma parte diferente em algum lugar,” Jane disse esperançosa. “Se nós três nos

dividirmos e fizermos uma procura em cada polegada poderemos encontrar alguma coisa. Realmente

deveríamos ter trazido pás com agente. Vamos lá.”

Então Barney foi para um canto das rochas e Jane, vinte jardas de distância, para outro. Simon,

olhando nervosamente para baixo, para a borda em declive do promontório, deu a volta pelo lado voltado

para o mar e começou a trabalhar a partir dali. Eles vasculharam de cima a baixo, pelo granito de bordas

finas, procurando os caminhos de grama entre as rochas, removendo seixos para ver se ao se moverem eles

mostrariam um lugar onde onde alguma coisa pudesse ser enterrada. Mas nenhuma pedra se deslocou nem

uma polegada, e eles não encontraram nada a não ser granito e grama, nenhum sinal de um esconderijo.

Jane estava segurando alguma coisa cuidadosamente em sua mão quando eles se juntaram

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novamente. “Vejam,” ela disse, mostrando a eles. “Vocês não acham que uma concha do mar é um achado

especial aqui em cima? Quer dizer, como ela poderia ter subido aqui vindo lá da praia, especialmente se

ninguém nunca sobe aqui?”

“Parece mais uma pedra do que uma concha,” Simon disse curioso, pegando-a da mão dela. Era uma

concha de Berbigão*, mas sua abertura era sólida e robusta, cheia do que parecia ser pedra; e a superfície da

concha não era branca e áspera como aquelas que eles encontraram na praia, mas lisa e cinza escura. “Um

visitante deve ter largado ela,” Barney disse simplesmente. “Visitantes não teriam medo de vir aqui em cima,

eles não saberiam nada sobre o que as pessoas de Trewissick dizem.”

“Imagino que sim.” Todos eles pensavam nos visitantes, desdenhosamente.

“Oh, bem” Jane colocou a concha em seu bolso e olhou ao redor desanimada. “Isso é horrível.

Estamos encalhados. O que podemos fazer agora? Tem que ter alguma coisa aqui em cima, tem que ter.”

“Realmente não sabemos... talvez seja apenas outro degrau na escada afinal de contas.”

“Mas não tem mais nada marcado para seguir. Vamos dar uma olhada no mapa novamente.”

Simon se agachou na grama e desenroscou o estojo do telescópio, e eles olharam para o manuscrito,

suas palavras e linhas levementes marrons sob o sol.

“Tenho certeza de que ele queria dizer que esse era o fim da busca,” Barney disse obstinado. “Olhem

para o jeito como o fim do promontório está completamente vazio. Não tem nada para levar a qualquer outro

lugar.”

Simon ficou olhando pensativo para o mapa. “Talvez simplesmente leve de volta para onde

começamos. Ele devia estar puxando nossas pernas o tempo todo. Um tipo de política de seguro, para

dificultar que alguém encontre o Graal.”

“Talvez ele tenha escondido em algum lugar que nunca vamos encontrar.”

“Talvez tenha levado com ele.”

“Talvez ele não exista.”

Eles estavam sentados em um grupo melancólico, ignorando os raios de sol e o magnífico som da

costa e do mar. Houve um longo silêncio desesperançado. Barney olhou para cima lentamente. “Para onde

foi Rufus?”

“Não sei,” Simon falou desanimado. “Caiu pelo penhasco, eu espero. É o tipo de coisa estúpida que

aquele animal faria.”

“Oh, não!” Barney ficou de pé, preocupado. “Espero que ele esteja bem. Rufus! Rufus!” Ele colocou

dois dedos em sua boca e soltou um assobio de arrebentar os ouvidos. Jane se encolheu.

Eles não viram nada, e não ouviram nada a não ser o vento, e então perceberam um curioso ruído

logo acima de suas cabeças; um tipo de choramingo fungado.

“Ele está lá em cima!” Barney escalou pelo lado das rochas, e eles viram o topo da cabeça dele

aparecer por trás de um saliente montículo cinzento quando ele ficou de pé. Então de repente ele

desapareceu. A voz dele chegou até eles abafada mas tensa de excitação através do vento vindo de cima das

rochas. “Ei! Venham aqui em cima, rápido!”

As rochas formavam um tipo de fortaleza, erguendo-se uma após a outra como colunas de batalhas.

Eles o encontraram no meio, agachado ao lado de um dos picos, observando Rufus. O cão estava tremendo e

* Berbigão: é uma família de moluscos bivalves da ordem Veneroida.

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concentrado, seu nariz enconstado contra a rocha, uma pata arranhando freneticamente enquanto ele gania e

farejava.

“Depressa,” Barney falou sem se virar. “Não sei o que ele está tentando fazer, mas acho que

encontrou alguma coisa. Nunca vi ele desse jeito antes. Quando são ratos ou um coelho ele simplesmente

fica maluco, late e fica correndo, mas isso é diferente. Olhem para ele.” Rufus parecia estar em transe,

incapaz de se afastar da face rochosa.

“Deixe-me ver,” Simon disse. Ele passou por Barney cuidadosamente e colocou um braço ao redor

do pescoço de Rufus, acariciando ele debaixo do queixo enquanto o afastava da rocha. “Tem um pequeno

buraco aqui.” A voz dele retornou até eles. “Posso colocar meus dedos lá dentro - au! Quer dizer, essa parte

da rocha se move! Senti ela se mexer, tenho certeza que senti. Ela quase pegou minha mão. É terrivelmente

grande, mas eu acho... Jane, você consegue dar a volta até o meu outro lado?”

Jane se espremeu entre as rocas perto dele. “Agora segure ali,” Simon conduziu ela. “Aquela parte

saliente... quando eu disser, empurre para longe de você com toda força que puder, em direção ao mar.

Espere um minuto, tenho que me apoiar do meu lado... não sei se isso vai funcionar... agora, força!”

Obedientemente, mas sem nenhuma idéia do que estava fazendo, Jane empurrou a face da rocha com

toda força, com Simon ofegando e se esforçando ao seu lado. Por um longo e tenso momento nada

aconteceu. Então justo quando os pulmões deles pareciam estar quase para explodir, sentiram a rocha se

mover sob as suas mãos. Ela deu um tremor bem leve, e então um movimento repentino emitindo um som de

algo raspando.

Eles cambalearam para trás, e a grande rocha arredondada rolou para longe de suas mãos e desceu

dentro do buraco mais próximo. Eles puderam sentir o impacto esmagador de sua queda balançar a rocha

onde eles estavam.

Onde a pedra estivera havia um escuro buraco disforme de cerca de dois pés de diâmetro.

Eles ficaram imóveis, de bocas abertas. Rufus caminhou para frente através das rochas, curvou sua

cabeça para farejar delicadamente e então se virou, sua cauda balançando e sua língua pendia sobre seus

dentes como se ele estivesse sorrindo.

Finalmente Simon se moveu em frente e afastou um par de rochas menores da borda do buraco. Ele

se ajoelhou perto dele e olhou lá dentro, então colocou seu braço dentro para ver qual a profundidade. Seu

braço desapareceu até o ombro, até que ele ficou deitado, e não conseguia sentir nada a não ser pedras

ásperas aos seus lados. Ele piscou para Barney e Jane. “Não consigo sentir fundo algum,” ele disse,

apressado. O som da fala dele trouxe de volta a voz deles, e eles perceberam que estiveram prendendo a

respiração.

“Levantem, vamos dar uma olhada.”

“Deve ser isso, não é? Deve ser onde ele escondeu o Graal!”

“Que profundidade você acha que ele tem?”

“Deus, isso é incrível! O velho e esperto Rufus!”

Rufus balançou seu rabo mais rápido.

“Aquele pedaço de rocha,” Jane disse, olhando de modo reverente para onde ele jazia caído sobre o

seu lado. “Deve ter estado ali por novecentos anos. Imaginem... novecentos anos...”

“Bem, não estava exatamente solta, estava?” Simon flexionou delicadamente os músculos de seu

braço cansado. “Embora devesse estar delicadamente equilibrada, ou não seríamos capazes de movê-la de

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jeito nenhum. De qualquer modo, temos que descobrir a profundidade desse buraco antes de saber se tem

alguma coisa lá dentro.”

Ele olhou pensativo para a escura boca aberta na rocha. Jane suspirou e parou de pensar nos séculos.

“Jogue uma pedra lá embaixo, então poderá ouvir a profundidade. Como nas tempestades. Você sabe,

contando os segundos entre o raio e o trovão para saber a que distância a tempestade está.”

Simon pegou um pedaço de pedra solto da borda do buraco e o posicionou sobre a escuridão. Soltou,

e ele caiu saindo de vista. Eles ficaram escutando.

Depois de muito tempo Jane sentou sobre os calcanhares. “Não consegui ouvir nada.”

“Nem eu.”

“Tente de novo.”

Simon jogou outra pedra dentro do buraco, e novamente eles forçaram seus ouvidos para escutar ela

bater no fundo. Nada aconteceu.

“Também não deu em nada.”

“Não.”

“Não deve ter fundo!”

“Não seja idiota, isso é impossível.”

“Talvez vá sair na Austrália,” Barney disse. Ele olhou para o buraco nervosamente.

“Deve significar apenas que o barulho estava longe demais para que pudéssemos ouvir,” Simon

falou. “Mas deve ser tremendamente profundo. Gostaria que tivéssemos trazido uma corda.”

“Olhe em seus bolsos,” Jane disse. “Eles sempre estão cheios de lixo. Os de Barney também. Pelo

menos a Mamãe está sempre dizendo isso quando tem que esvaziá-los. Vocês podem ter algum fio ou algo

assim.”

“Você é que tem lixo,” Simon falou indignado, mas colocou seus bolsos para fora sobre a rocha.

O resultado, ainda que interessante, não foi de muita ajuda. Simon espalhou diversos pertences

incluindo sua faca, um lenço muito sujo, um pequeno compasso arranhado coberto de vidro, algumas

moedas, um toco de vela, duas passagens de ônibus amassadas, quatro bombons em celofane amarrotado e

uma caneta-tinteiro.

“Bem,” ele disse, “podemos comer um bombom cada um.” Ele os entregou de modo solene. Os

bombons estavam levemente amassados nas pontas e o celofane estava solto, mas não pareciam ruins por

causa disso. Simon deu o quarto para Rufus, que fez algumas caretas tentando mastigá-lo e então o engoliu

inteiro.

“Que desperdício,” Barney disse. Ele esvaziou seus próprios bolsos, em um chuveiro de areia: uma

bolinha de gude verde com uma listra laranja no meio; um pequeno cristal branco, algumas moedas, um

marinheiro de chumbo sem cabeça, um lenço miraculosamente muito mais limpo do que o de Simon, e um

grosso pedaço de arame curvado na duas pontas.

“Para que vocês carregam isso por aí?” perguntou Jane.

“Bem, nunca se sabe,” Barney disse vagamente. “Pode ser útil. Vamos lá, vamos dar uma olhada nos

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seus.”

“Não tem nada neles,” Jane disse, um pouco orgulhosa de si mesma. Ela virou do avesso seus dois

bolsos.

“Bem, você trouxe seu casaco de lã,” falou Simon. Ele atravessou as rochas, desceu até a grama do

promontório onde eles estiveram, e trouxe o casaco de volta.

“Aqui estamos. Um lenço. Dois prendedores de cabelo. Exatamente como uma garota. Dois lápis.

Uma caixa de fósforos. Para que você quer essas coisas?”

“Como Barney – elas podem ser úteis. De qualquer modo, muito mais útil do que aquele velho

pedaço de arame.”

Simon tateou no outro bolso. “Dinheiro, um botão... o que é isso?” Ele tirou um carretel de lã.

“Agora isso é uma boa idéia. Uma coisa muito maluca para carregar, mas pode nos ajudar a descobrir a

profundidade do buraco.”

“Tinha esquecido que estava com isso,” Jane disse. “Muito bem, vocês venceram, eu também

carrego lixo por aí. Mas vocês devem admitir que é lixo útil.”

Ela pegou o carretel de lã dele. “Aqui diz que tem cem jardas de lã nele. Bem, nenhum buraco

poderia ser tão fundo, não é?”

“Eu não ficaria surpreso, com esse,” Simon falou. “Amarre alguma coisa na lã, e desça ela.”

“Tem que ser alguma coisa um pouco leve,” Barney disse. “ou ela vai partir.”

Jane desenrolou um pedaço do fio de lã e puxou. “Oh, não sei, é bem forte. Aqui, já sei, me dê

aquele pedaço de arame.”

Barney olhou para ela em dúvida, mas entregou o arame. Jane amarrou uma ponta da lã em sua ponta

curva. “Aqui está. Agora simplesmente descemos ele e esperamos até que bata no fundo.”

“Sei de um jeito melhor.” Simon pegou o carretel de volta, e colocou um dos lápis de Jane através do

buraco no meio. Ele era longo o bastante para sair em ambos os lados. “Veja, você segura nas duas pontas do

lápis e o carretel desenrola sozinho, por causa do peso. Como se estivesse pegando um peixe.”

“Deixa eu fazer isso.” Jane se ajoelhou ao lado do buraco e largou o arame dentro de sua boca

escura. O carretel de lã girou enquanto o fio desaparecia, e eles prenderam a respiração. Então de repente o

carretel diminuiu a velocidade, girou lentamente e parou. Justo quando achavam que o arame tinha chegado

ao chão firme, eles viram a ponta da lã balançando solta.

“Droga,” Jane falou desapontada. “Está quebrada.” Ela olhou para baixo dentro da escuridão em uma

vã tentativa de ver para onde a lã tinha ido. Simon pegou o carretel dela e o examinou.

“Metade da lã se foi, de qualquer jeito, e ainda não tinha atingido nada. Isso significa que o buraco

deve ter pelo menos cinquenta jardas de profundidade. São cento e cinqüenta pés. Que tristeza!” Ele bateu

no ombro de Jane. “Vamos lá, sua boba, você não vai enxergar nada lá embaixo.”

Jane balançou a mão para ele, ainda curvada sobre o buraco. “Cale a boca.”

Eles esperaram pacientemente até que ela se endireitasse, de rosto vermelho. “Posso ouvir o mar,”

ela disse, piscando na luz do sol. “É claro que pode ouvir o mar. Eu também. É logo ali acima da borda do

promontório.”

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“Não, não, quero dizer que posso ouvir lá embaixo.”

Simon olhou para ela, bateu na cabeça dele e suspirou.

Mas Barney se abaixou perto do buraco e colocou sua cabeça dentro. “Ela tem razão, você sabe,” ele

disse ansioso, olhando para cima. “Vamos, coloque seu ouvido aqui embaixo.”

“Hummm,” Simon disse cético, e se abaixou ao lado dele. Então ele ouviu muito levemente, subindo

das profundezas do buraco, um abafado som de estrondo. Ele diminuia e então crescia de novo, lento e

regular. “Isso é o mar?”

“É claro que é,” Jane disse. “Aquele tipo profundo de barulho parecido com o de um gongo, você

não reconhece? O tipo de barulho que as ondas fazem quando elas quebram dentro de uma caverna. E acho

que isso significa... que o buraco deve seguir o caminho todo descendo através do penhasco até o mar, e deve

ter uma entrada lá embaixo. E foi onde o homem de Cornwall escondeu o Graal.”

“Mas ele não pode descer o caminho todo.” Simon sentou-se devagar, esfregando seu ouvido. “Isso

não poderia ser vibração ou alguma coisa assim, vindo através das bordas das rochas lá embaixo?”

“Bem, eu pergunto a você, parece soar assim?”

“Não,” Simon admitiu. “Não parece. Só que... como alguém poderia ter feito um pequeno buraco

estreito tão fundo?”

“Só Deus sabe. Mas ele fez, não fez? Talvez aquela pequena concha que encontrei tenha sido jogada

através dele de algum jeito.”

“Então se o Graal está lá embaixo, nós temos que chegar até ele pela entrada por onde o mar entra.

Deve ter uma caverna. Fico imaginando, será que podemos subir dando a volta pelo porto?”

“Escutem!” Barney ficou de pé de repente e ficou parado, sua cabeça erguida. “Ouvi alguma coisa.

Como um motor.” Simon e Jane ficaram de pé, e ouviram as ondas distantes e o vento. Eles conseguiam

ouvir as gaivotas gritando, o barulho triste ecoava forte em direção a eles lá debaixo. E então o barulho que

Barney tinha escutado; o som baixo de um motor vindo da direção do porto.

Foi Simon que avistou o longo arco branco do iate se movendo ao redor da curva de Kemare Head.

Ele se agachou. “Abaixem-se, rápido!” ele disse rouco. “São eles! É o Lady Mary!”

Barney e Jane se abaixaram no chão ao lado dele. Eles não podem nos ver se ficarmos atrás das

rochas,” Simon disse tranqüilamente. “Não se mexam, ninguém, até que eles saiam da vista.”

“Eu tenho uma brecha aqui,” Barney sussurrou. “Posso ver eles através da rocha... o Sr. Withers está

no convés, e sua irmã está com ele. O capitão deles não está lá, deve estar na cabine... estão olhando para

esse lado, não aqui em cima, parecem estar olhando para os penhascos... Sr. Withers pegou binóculos... agora

abaixou eles, e, se virou para sua irmã para dizer alguma coisa. Não consigo ver a expressão no rosto dele,

eles não estão perto o bastante. Queria que chegassem mais perto.”

“Oh!” Jane suspirou, louca de agitação. “Imaginem que tenha uma caverna lá embaixo, onde o Graal

está, e eles viram!”

A idéia era assustadora, e eles ficaram rígidos, três mentes desejando que o barco se afastasse. O

barulho do motor do Lady Mary ficou mais alto, passando o fim do promontório bem perto abaixo deles.

“O que eles estão fazendo?” Simon falou depressa.

“Não consigo ver, agora tem uma pedra no caminho.” Barney tremeu de frustração.

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O barulho do motor encheu o ar. Mas não parou. Enquanto eles escutavam, sem fôlego, ele foi

ficando gradualmente mais baixo, afastando-se através do mar.

“Agora posso ver eles de novo, tem outra brecha... ele ainda está olhando para a costa através do

binóculo. Não acho que ele tenha visto alguma coisa, parece que ele ainda está caçando... agora eles foram

fazendo a curva.” Barney rolou e sentou. “Se estão procurando por uma caverna, como eles descobriram?”

“Eles não podem saber, eles não viram o mapa,” Jane falou angustiada. “Não poderiam saber. Quer

dizer, mesmo que o vigário tenha ligação com eles, e eles saibam sobre o rascunho que fiz no livro guia, ele

não teria nenhum tipo de pista. Não coloquei nenhuma marcação nele.”

“Mas se eles não sabem onde procurar, por que estão procurando no lugar certo?”

“Eu acho,” Simon disse acalmador, “que é só parte da rotina deles. Quer dizer, eles não sabem onde

procurar, então procuram em todos os lugares. Tio Merry disse alguma coisa assim no primeiro dia em que

conversamos. É como o modo que eles procuraram na casa – de modo aleatório, sem nenhum tipo de plano.

Talvez tenham pensado sobre a idéia de uma caverna, vagamente, e eles estão explorarndo toda a costa caso

encontrem uma. Não apenas nessa parte, mas por todo lugar de cima abaixo. Eles não sabem que existe

uma.”

“Bem, nós sabemos. Se está ali, por que eles não viram?”

“Talvez tenham visto,” Barney falou tristemente.

“Oh, não, não podem ter visto. Teriam parado. De qualquer jeito, eles não continuariam procurando

como você disse que eles estavam. Você disse isso, não disse?” Jane olhou para ele nervosa.

“Oh, sim – o velho Withers ainda estava vasculhando com seu binóculo quando eles saíram de

vista.”

“Muito bem.”

Tem outra coisa que poderia ser,” Simon disse relutante. Ele fez uma pausa.

“O quê?”

“Nós ouvimos o mar, então a boca da caverna deve estar coberta. Deve estar debaixo d’água. Poderia

ser por isso que eles não viram. Tem montes de cavernas submarinas em Cornwall, lembro de ler sobre elas

em algum lugar. Poderia não ser desse jeito quando nosso homem de Cornwall escondeu o Graal, mas talvez

a terra tenha afundado um pouco em novecentos anos.”

“Bem, está certo,” Barney disse. Então eles nunca serão capazes de encontrar ela.”

Simon olhou para ele, e ergueu suas sobrancelhas, “Nós também não.”

Barney arregalou os olhos. “Oh. Oh, com certeza poderíamos. Você mergulha muito bem.”

“Não teríamos nenhuma chance. Posso mergulhar, mas não sou um peixe.”

“Imagino que a coisa toda estaria cheia de água,” Jane disse lentamente. “E o Graal pode estar

debaixo do mar, e todo corroído como destroços de navios.”

“Coberto de Cirripedias*,” falou Simon.

“Não pode ser. Não deve ser. Ele disse acima do mar, e ele deve estar acima do mar.”

* Cirripedia é uma infra-classe dentro da classe Maxillopoda de crustáceos marinhos, com cerca de 1220 espécies, que inclui as

cracas e percebes. Os cirripédios são organismos sésseis que vivem fixos a um substrato, em geral em zonas entre-marés.

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“Simplesmente teremos que descobrir. Tio Merry saberá.”

Eles olharam uns para os outros em consternação. “Tio Merry! Tinha esquecido completamente

dele.”

“Onde ele está?”

“Estivemos aqui em cima um tempão. Ele deve ter acordado faz horas.”

“Barney, o que exatamente você pediu que a Sra. Palk falasse para ele?”

“Perguntei se ela poderia dizer que saímos para dar uma caminhada com Rufus, ele saberia onde. Ela

olhou para mim de um jeito engraçado, mas disse que daria a ele o recado. Tentei fazer parecer como um

jogo,” Barney disse, muito sério.

“Realmente espero que nada tenha acontecido com ele,” falou Jane ansiosa.

“Não se preocupe, acho que ele ainda está roncando,” Simon disse. Ele olhou para seu relógio. “São

onze e meia. Vamos descer depressa antes que o iate volte. Podemos não ser tão sortudos da próxima vez –

se eles voltarem usando as velas não deveremos escutar eles. Fico imaginando por que não fizeram isso da

última vez, tem vento mais do que suficiente.” Ele franziu o rosto.

“Oh, não se preocupe com isso,” Barney disse. “Vamos encontrar tio Merry. Dando a volta por trás

de novo – aquele garoto ainda pode estar vigiando a frente.”

“Não, teremos que ir pelo caminho da frente. Tio Merry pode estar subindo. Tenho uma sensação de

que não temos muito tempo. Simplesmente teremos que arriscar sermos apanhados. Vamos lá.”

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CAPÍTULO ONZE

Mas logo que eles avistaram o porto viram que não havia necessidade de questionar se passavam

despercebidos ou se eram capturados.

As ruas em torno do porto estavam cheias de pessoas; pescadores e donos de lojas em suas roupas de

domingo, esposas em seus melhores vestidos de verão, e mais amontoados de turistas alegres do que as

crianças já tinham visto em Trewissick. Todos os barcos, balançando nivelados com os atracadouros na maré

alta, estavam ancorados de um lado, deixando um claro retângulo de água marcada com faixas brancas

flutuantes que ondulavam. Enquanto desciam a estrada ouviram o leve estalar de uma pistola, e seis corpos

morenos se lançaram na água e começaram a se debater em um amontoado de espuma branca através do

curso marcado. A multidão começou a gritar.

“Deve ser o fim da competição de natação,” Jane disse ansiosa, envolvida na atmosfera do carnaval

abaixo deles. “Vamos lá olhar por um minuto.”

“Pelo amor de Deus,” Simon disse em desespero. “Estamos em uma missão. Temos que encontrar tio

Merry antes de fazer qualquer outra coisa.”

Mas não houve resposta alguma para a campainha da Casa Cinza, enquanto eles ficavam na porta em

meio a pequenos grupos de visitantes de camiseta que passavam conversando por eles subindo e descendo a

colina. E quando Simon tinha dado a volta até a parte de trás e tirado a chave da porta da frente de seu lugar

secreto no depósito de ferramentas, eles entraram para encontrar a casa totalmente deserta.

A cama de tio Merry estava bem arrumada, mas não havia sinal algum, em seu quarto ou em

qualquer outro lugar, que indicasse onde ele tinha ido. A Sra. Palk não estava em lugar algum. Havia três

pratos frios de cavala e salada coberta na mesa da cozinha, deixados para o almoço deles. Mas isso era tudo.

A casa estava arrumada, silenciosa, limpa – e vazia.

“Para onde ele pode ter ido? E onde está a Sra. Palk?”

“Bem, isso é muito fácil. Ela estará lá fora vendo a natação com todos os outros. Você sabe como ela

estava falando sobre o carnaval hoje.”

“Vamos encontrá-la. Ela deve saber onde ele está.”

“Vou dizer uma coisa,” Barney falou. “Vocês dois descem até o porto e eu vou subir até o topo da

colina e verei se tio Merry subiu até lá. Poderei ver se ele estiver subindo o promontório, leva um bom tempo

para chegar até o topo.”

Simon pensou por um momento. “Tudo bem, isso parecesse bastante sensato. Mas pelo amor de

Deus, fique fora de vista do iate se ver ele voltando. E desça até nós o mais rápido que puder, não queremos

ficar separados. Estaremos lá embaixo onde fica a largada da natação.”

“Certo” Barney foi saindo, mas então se virou. “Quer dizer, o que vocês vão fazer com o

manuscrito? Se não encontrarmos tio Merry e ficarmos por nossa própria conta, vocês acham que é seguro

continuar carregando ele?”

“Muito mais seguro do que eu me sentiria se deixarmos ele em qualquer lugar,” Simon disse

severamente, olhando para o estojo em sua mão. “Vou me agarrar nele aconteça o que acontecer.”

“Oh, bem,” Barney disse alegremente. “Não largue ele no porto, só isso. Até logo. Não vão

demorar.”

96

“Acho bom que ele esteja tão feliz com tudo isso,” Jane disse, quando a porta da frente bateu.

“Gostaria de estar também. É como se tivesse alguém esperando por trás de cada esquina para cair sobre nós.

Só me sinto segura quando estou na cama.”

“Anime-se,” disse Simon. “Você ainda está sofrendo por causa da noite passada. Eu também estava

com medo, mas agora não estou. Tente esquecer isso.”

“Está tudo muito bem,” disse a pobre Jane de modo infeliz, “mas agora parece que todo mundo está

ficando mau, e não é nem como se soubéssemos que tipo de maldade é. Por que todos eles querem tanto o

manuscrito?” “Bem,” Simon franziu sua testa, tentando lembrar o que tio Merry havia dito no primeiro dia,

“é o Graal que eles querem, não é? Por que ele serve para alguma coisa, de algum modo. E é por isso que tio

Merry quer achar ele também. É como dois exércitos lutando na história. Na verdade você nunca tem certeza

pelo que eles estão brigando, apenas que um quer derrotar o outro.”

“Tio Merry é como um exército às vezes, em uma só pessoa. Naquelas vezes quando ele fica todo

estranho e distante, e você sente que ele não está aqui totalmente.”

“Bem, então aí está. É o mesmo com os outros. Eles são um tipo de exército mau. Lá em cima nas

pedras monolíticas ontem a noite, até mesmo antes que soubéssemos que estavam ali, você conseguia sentir a

maldade.”

“Eu sei,” Jane disse fervorosa. “Oh, Deus, eu me sentiria muito melhor se soubéssemos onde tio

Merry está.”

“Nós saberemos logo que encontrarmos a Sra. Palk. Não se preocupe, Jane.”

Simon bateu desajeitadamente no ombro dela. “Vamos lá, vamos descer até o porto. Assim Barney

chegará lá antes de nós.”

Jane assentiu, sentindo-se um pouco melhor. “Oh – Mamãe e Papai voltarão essa tarde. Você acha

que deveríamos deixar um bilhete?”

“Não, voltaremos antes deles.”

Eles sairam da Casa Cinza, deixando-a entregue ao seu silêncio, e caminharam descendo a colina até

o porto. Crianças estranhas estavam correndo por todo o lugar, ignorando os chamados dos deus pais

ansiosos; e a pequena loja que vendia sorvete lá embaixo no cais estava enfeitada com bandeiras, posteres e

com bastante movimento.

Simon e Jane abriram caminho pelo lado do porto, através das multidões que perambulavam, até o

curso marcado para a competição de natação. Mas eles sentiram como se estivessem remando contra uma

corrente; todas as multidões estavam se movendo em direção a eles, e quando chegaram até o lugar certo

descobriram que tudo estava acabado. Só alguns poucos garotos e garotas com roupas de banho esquivando-

se através das multidões, e as linhas de bóias ondulando na água vazia, mostravam que houve uma

competição de natação.

Um dos nadadores passou esbarrando em Simon, e quando ele olhou para o rosto moreno molhado

reconheceu o rosto debaixo do cabelo escuro molhado. Era Bill.

A boca do garoto se abriu e ele parou de modo hostil; mas então em um instante, mudando de idéia,

ele fez uma careta e desapareceu, correndo de pés descalços pela multidão em direção do cais frontal.

“Ei, Jane! Jane!” Simon gritou depressa. Ela estava alguns passos a frente dele, e não tinha notado

Bill.

97

Uma voz profunda disse no ouvido de Simon, “Seu jovem amigo perdeu a corrida. Não está com

humor muito bom. Eles são todos do mesmo jeito.”

Simon olhou ao redor, e viu o rosto moreno enrugado do velho pescador que eles tinham conhecido

no dia que encontraram pela primeira vez o garoto Bill.

“Alô, Sr. Penhallow,” ele disse, refletindo o quanto pareceu estranha a saudação. “Então ele estava

na competição de natação?”

“Sim, ele estava, a corrida pelo campeonato. Também se comportou mal como de costume, perdeu

por poucas jardas e virou as costas para o vencedor quando o jovem foi cumprimentar por uma boa corrida.”

Ele estremeceu. “O vencedor era o meu mais novo.”

“Seu filho?” disse Jane, que tinha voltado ao ouvir o chamado de Simon. Ela olhou para o rosto

castigado pelo tempo do Sr. Penhallow; ele parecia velho demais para ter um filho jovem o bastante para

uma corrida de natação.

“Isso mesmo,” disse o pescador bem-humorado. “Embora pouco jovem. Agora ele tem dezesseis, de

partida para a Marinha Mercante.”

“Eu acho que...” falou Simon, impressionado. “Eu poderia entrar para a Marinha Mercante quando

eu tiver dezesseis, não acha?”

“Espere um pouco,” disse o Sr. Penhallow, piscando para ele. “A vida no mar é uma vida difícil.”

“Agora Barney diz que quer ser um pescador como você,” Jane disse. “Com um barco como o White

Heather.”

O Sr. Penhallow riu. “Essa é uma idéia que também não vai durar muito. Eu o levaria conosco uma

noite se ele fosse um pouco maior, então logo ele mudaria seu tom.”

“Você vai sair hoje à noite?”

“Não. Estou fazendo um descanso.”

Jane, de repente sentindo um de seus sapatos úmido, olhou para baixo e descobriu que estava parada

em uma poça d’água. Ela se moveu depressa. “Esses nadadores devem ter espirrado um bocado de água.

Tem poças por todo o atracadouro.”

“Não apenas os nadadores, meu amor,” disse o Sr. Penhallow. “É a maré. Ela veio bem ali essa

manhã – marés da primavera estão mais altas do que o normal esse mês.”

“Oh, sim,” falou Simon. “Vejam – tem pedaços de alga marinha bem na parte de trás do caminho.

Ela deve ter subido a parede. Ela costuma vir tão alto desse jeito?”

“Não com freqüência. Uma ou duas vezes em um ano, geralmente – Março e Setembro. “É estranho

ter marés tão altas em Agosto. Suponho que seja por causa desses ventos fortes que tivemos.”

“Até que profundidade ela vai descer?” Jane disse, fascinada.

“Oh, um longo caminho. O porto não parece muito bonito com qualquer maré baixa, mas realmente

parece pior na maior da primavera. Um monte de lama com mau cheiro e alga que não vemos normalmente.

Esperem até cinco horas de hoje. De qualquer modo, arrisco dizer que vocês estarão vendo o carnaval como

todos os outros.”

“Espero que sim,” Simon disse vagamente. Ele estava pensando furiosamente; foi como se as

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palavras do pescador tivessem tocado alguma parte em seu cérebro. “Sr. Penhallow,” ele disse,

cuidadosamente casual, “Imagino que quando você tem uma maré realmente baixa como essa tem mais

rochas descobertas do lado de fora do porto do que o normal?”

“Oh, uma boa quantidade,” o pescador disse. “Dizem que é possível andar pelo caminho do porto de

Trewissick até o Dodman, são duas ou três baías além de Kemare Head. Mas isso não é mais do que uma

história – arrisco dizer que as rochas ficam descobertas, mas a maré subiria de novo antes que você estivesse

na metade do caminho.”

Jane só estava ouvindo parcialmente. “Sr. Penhallow, estávamos procurando pela Sra. Palk, ela é

aquela que cuida da casa para nós. Você conhece ela?”

“Conheço Molly Palk?” disse o Sr. Penhallow, tremendo. “Eu diria que conheço. Boa moça, ela

costumava ser – ainda é, mas ficou um pouco avarenta quando o velho Jim Palk moreu. Custando caro para

sua mãe e ao seu pai, com certeza. Faz qualquer coisa por algumas libras extras, a velha Moll. Agora que

pensei nisso eu lembrei, é claro, ela também é tia do jovem amigo de vocês, Bill.”

“A Sra. Palk?” Jane disse surpresa. “Aquele garoto terrível?”

“Ah,” Sr.Penhallow disse, calmamente. “Os dois lados da família não têm muito a ver com a mente

um do outro. A maior parte de Trewissick esquece até mesmo que eles são parentes. Suponho que Moll não

goste que as pessoas saibam.”

“Acho que tio Merry me disse uma vez,” Simon falou. “Eu tinha esquecido. Ele disse que Bill era o

filho do irmão indesejado da Sra. Palk.”

Jane disse pensativa: “Fico imaginando se... Oh, bem, agora não importa. Você viu a Sra. Palk em

algum lugar?”

“Deixe-me ver, agora, eu passei o dia com ela. Oh, ah, lá em cima no cais da frente. Estava toda

vestida para o carnaval, com alguma coisa engraçada na cabeça, ela ajuda na procissão ou algo assim,

calculo que vocês ainda encontrarão ela lá em cima, a não ser que tenha entrado para jantar.”

Agora as multidões tinham diminuido ao redor deles, caminhando aleatoriamente ao invés de se

concentrarem no cais, com grupos de homens da banda aqui e ali de claros uniformes azuis, segurando

grandes instrumentos prateados e usando longos chapéus azuis. Simon e Jane olharam pelo porto, mas

estavam longe demais para conseguirem distinguir rostos.

“Bem, tenho que ir encontrar meu jovem Walter. Ele vai ficar muito feliz. Lembranças minhas ao

nosso pequeno pescador, meus queridos.” O Sr. Penhallow trotou pelo cais, sorrindo para si mesmo. Jane,

que estava imaginando o que tinha nele que parecia diferente, percebeu pela primeira vez que ao invés do

jersey azul e longas botas até a coxa ele usava roupa preta formal, e sapatos que rangiam.

“Não acho que ele deveria ter falado da Sra. Palk daquele jeito,” ela disse, perturbada.

“Você não sabe, pode ser importante,” Simon disse. “De qualquer jeito, o que vamos fazer agora?

Temos que encontrar a Sra. Palk para saber para onde foi tio Merry. Mas o Sr. Penhallow diz que a viu do

outro lado do porto, e nos falamos para Barney que encontraríamos com ele lá.”

“Onde será que Barney está? Com certeza agora ele já teve tempo de subir até o topo da estrada e

voltar. Olhe, você vai ver se a Sra. Palk está lá, e eu esperarei aqui até ele chegar.”

Simon esfregou seu ouvido. “Não sei, não gosto de toda essa separação. Não temos tio Merry, não

temos Barney por enquanto, e se eu e você nos separarmos, ninguém terá mais ninguém. Qualquer um de nós

poderia ter problemas e os outros não saberiam. Acho que devemos ficar juntos.”

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“Bem, está certo,” Jane disse, “Esperamos mais um pouco. Vamos voltar para a esquina do cais da

frente e podemos cruzar com ele. Aquele é o único caminho descendo até aqui, ele terá que passar por lá.”

Enquanto caminhavam de volta viram a banda de Trewissick seguindo pelo porto, com a multidão

saltitando e acenando ao redor deles e as crianças correndo excitadas para frente e para trás ao lado. Uma ou

duas figuras estranhas estavam entre as camisas brancas e vestidos de verão; altas, fantasticamente coloridas,

cobertas com fitas e folhas, com monstruosas cabeças falsas sobre os seus ombros.

“Elas devem ser parte da procissão de carnaval.”

“Acho que está começando. Escute, que barulho terrível.”

A banda começou a tocar uma melodia que se transformou gradualmente em uma marcha

reconhecível.

“Oh, vamos lá, não é tão ruim,” Jane disse. Imagino que eles estão mais acostumados a pescar do

que tocar trombetas. De qualquer modo, está soando muito alegre. Eu gosto.”

“Hummf. Vamos sentar na parede aqui no canto, podemos ver Barney quando ele passar.” Simon

cruzou a estrada e olhou subindo a colina. “Não consigo ver nenhum sinal dele. Mas tem tantas pessoas que é

difícil enxergar direito.”

“Oh, bem,” Jane se ergueu subindo a parede, tremendo quando a ardósia áspera esfregou a pele por

trás dos joelhos dela. “Vamos só esperar. Ei, escute, a música está ficando mais alta.”

“Música!” falou Simon.

“Bem, é sim... Oh, veja, a procissão começou! E estão vindo para esse lado!”

“Pensei que a Sra. Palk tinha falado que eles seguiriam direto subindo a colina.”

“Talvez eles subam desse canto do porto ao invés do outro. Ou talvez eles passem ao redor de todo o

vilarejo antes... olhe, eles estão todos uniformizados. E estão tocando aquela coisa que a Sra. Palk estava

cantando essa manhã, a Floral Dance.”

“Temos uma boa visão, de qualquer jeito,” Simon saltou para sentar na parede ao lado dela.

Lentamente a multidão foi se aproximando deles pelo cais da frente, crianças correndo e pulando na

frente da banda com rosto vermelho. Atrás deles, ladeada pela multidão de visitantes encantados que se

empurravam, surgiu uma fila dançante de figuras fantásticas que eles tinham visto através do porto, as

cabeças montruosas balançando e saltando em uma lenta paródia de dança, e outras, mascaradas e

fantasiadas, ondulando para dentro e para fora das multidões. Aqui e ali elas se lançavam sobre os

espectadores, levando bonitas garotas pela mão, fingindo atacar com uma varinha com fitas velhas senhoras

que gritavam, guiando os visitantes e pessoas do vilarejo para juntar as mãos e dançar com eles em colunas

pela extensão da rua. “Pom ... pom ... di-pom-pom-pom ...” a música ecoava nos ouvidos das crianças na

parede onde eles estavam sentados, e as multidões turbilhonavam ao redor deles na esquina, amontoando-se

subindo a colina assim com descendo.

Jane, rindo de prazer para os topos das cabeças gigantes sorridentes, de repente olhou através da

multidão. Ela apontou, e gritou alguma coisa no ouvido de Simon.

Simon não conseguiu ouvir nada a não ser a música, ecoando ao redor dele até que a parede parecia

tremer. “O quê?” ele gritou em resposta.

Jane baixou sua cabeça perto do ouvido dele. Lá está a Sra. Palk! Veja! Bem ali, com plumas em sua

cabeça, atrás do homem coberto de folhas. Depressa, vamos alcançar ela!” E antes que Simon pudesse

100

impedir ela havia escorregado descendo da parede e estava na beira da multidão.

Simon pulou atrás dela e segurou no braço dela justamente quando ela estava prestes a abrir caminho

pela multidão entre duas filas dançantes e sorridentes. “Agora não, Jane!” Mas ele também foi arrastado por

muitas jardas pela multidão dançante antes que conseguisse arrastá-la de volta para um espaço livre. Eles

ficaram parados encostados contra a longa parede da estrada, longe do porto, envolvidos por outros que

ficavam observando a procissão de carnaval passar dançando.

E foi por isso que eles não viram Barney, que estava seguindo seu caminho descendo a estrada da

colina passando pela Casa Cinza, esquivando-se entre as pernas das pessoas para fazer a volta na esquina,

ignorando a procissão; e correu tão rápido quanto podia pelo cais interno até o lugar onde eles tinham

combinado se encontrar.

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CAPÍTULO DOZE

Barney levou bastante tempo para abrir caminho descendo a colina passando pela casa. Não havia

sinal algum de tio Merry no promontório. Na estrada, grupos de pessoas perambulando estavam espalhados

loucamente em seu caminho, e três vezes ele teve que ficar de lado enquanto um carro surgiu subindo a

íngreme ladeira estreita. Barney desviou impaciente para frente e para trás, para dentro e para fora, com

Rufus em seus calcanhares.

Meio caminho descendo a colina ele ouviu música vindo do outro lado do porto, e através das

cabeças ele avistou a procissão dançante se movendo em frente pelo cais. Enfiando seu dedo dentro da

coleira de Rufus, ele se afastou para o lado através da multidão que diminuia e desceu a colina tão rápido

quanto ele podia, disparando através de cada brecha visível como um camarão em uma poça. Mas quando

chegou na esquina do porto a procissão estava sobre ele, e não conseguia ver nada a não ser uma parede

impenetrável de pernas e costas. Ele fez um zigue-zague por trás deles, o barulho da música ecoando em seus

ouvidos, até que finalmente estava fora da multidão e sobre o cais. Com um suspiro de alívio ele largou a

coleira de Rufus, e correu com ele em direção da esquina deserta onde acertou encontrar com Simon e Jane.

Não tinha ninguém lá.

Barney olhou ao redor nervoso. Não conseguia ver nada que pudesse dar a ele a menor pista para

onde os outros tinham ido. Raciocinando um pouco, ele imaginou que eles deviam ter avistado a Sra. Palk.

Ela havia sido muito intensa com a idéia do carnaval e com a dança; ela devia estar na procissão. E tinha sido

trabalho de Simon e Jane encontrá-la, assim como tinha sido dele o de ir examinar o promontório. Devem ter

ido atrás dela, sabendo que ele adivinharia onde eles foram.

Satisfeito, Barney saiu para encontrar o carnaval. Ele seguiu a última das multidões que ainda subia a

estrada. Até mesmo lá embaixo no porto protegido o vento estava soprando do mar, mas de vez em quando

ele diminuia por um momento, e Barney ouvia um trecho de música atormentante surgir flutuando sobre os

telhados de algum lugar no vilarejo. Pom... pom... di-pom-pom-pom...” Ao redor dele pessoas estavam

caminhando a esmo, conversando preguiçosamente... “Para onde eles foram?”... “Podemos encontrar eles no

chão...” “Mas eles ainda estão dançando muito nas ruas” ... “Oh, vamos lá.”

Ignorando eles, Barney foi descendo por uma pequena curva lateral, com Rufus ainda saltando

pacientemente no calcanhar dele. Ele perambulou de uma alameda a outra, descendo passagens estreitas

onde os telhados quase de tocavam acima, passando por portas da frente limpas com seus puxadores de metal

dourados cintilando sob o sol, através de vielas pavimentadas onde portas se abriam não sobre uma calçada

mas diretamente na rua. Para um lugar pequeno, Trewissick parecia ser um extraordinário labirinto sem fim

de pequenas ruas sinuosas. Forçando seus ouvidos o tempo todo, Barney seguiu o som da música através do

labirinto.

Ele fez uma ou duas curvas erradas, perdendo o som. Então a banda foi ficando gradualmente mais

alta, e com ela começou a escutar o sussurro de vozes e o confuso arrastar de pés. Ele estalou os dedos para

Rufus, e saiu em um trote, movendo-se de uma pequena passagem deserta para a seguinte. E então de repente

o ruído explodiu sobre ele como uma tempestade, e ele tinha saído da abafada rua estreita e entre as

multidões, para os raios de sol que enchiam uma rua larga onde a procissão sacudia e dançava. “Vamos lá,

meu garoto de cabeça branca,” alguém gritou para ele, e as pessoas próximas se viraram e riram.

Barney não conseguiu ver Simon e Jane entre os dançarinos, e parecia haver pouca chance de chegar

até eles mesmo se tivesse visto. Ele observou fascinado as cabeças gigantes que saltavam ao seu redor, os

corpos debaixo delas fantásticos e alegres de jaquetas apertadas e calças vermelhas, amarelas e azuis. Ele viu

figuras fantasiadas em toda parte, um homem dançando rígido como uma árvore, uma sólida massa de folhas

verdes, piratas, marinheiros, um cavaleiro de vermelho claro com um chapéu alto. Garotas escravas, bobos

da corte, um homem em uma longa toga de seda azul maquiado como uma dama de pantomima; uma garota

102

toda de preto, girando sinuosamente como uma gata, com uma cabeça de gata com pelos nas bochechas e no

queixo. Garotinhos vestidos de verde como Robin Hood, garotinhas com longos cabelos como Alice;

saqueadores de estrada, dançarinos, vendedores de flores, gnomos.

Isso não parecia com nada que ele já tinha visto. Os dançarinos giravam para dentro e para fora da

multidão na beira da rua onde ele estava; e então de repente, antes que Barney soubesse o que estava

acontecendo eles estavam dançando ao redor dele.

Ele sentiu alguém agarrar sua mão, e ele foi arrastado para o centro da multidão que dançava, entre

as fitas, plumas e brilhantes cabeças saltitantes, de modo que seus pés entraram em compasso com os outros.

Sem fôlego, sorrindo, ele olhou para cima. A mão de luva preta segurando a dele pertencia a figura

da gata, girando na roupa negra apertada com uma cauda longa balançando atrás, e fios de bigode compridos

e retos da máscara sobre as bochechas. Ele viu os olhos cintilarem através das fendas da máscara, e os dentes

brilharem. Por um momento, entre as figuras dançantes ao redor, ele viu perto dele alguém com um grande

cocar indígena cheio de plumas, com o rosto assustado como o da Sra. Palk. Mas quando ele abriu sua boca

para chamar, a gata negra agarrou suas duas mãos e o levou girando e girando em uma vertiginosa espiral

através das filas da multidão. Pessoas olhavam para ele e sorriam enquando ele passava, e Barney, tonto com

a música, a velocidade e os membros da gata que giravam diante de seus olhos, lançou-se rindo para onde ela

o girou...

... Até que ele foi parar de repente contra as longas vestimentas de uma figura vestida como um

xeque Árabe, movendo-se com os outros de modo que os robes estavam balançando largamente e sendo

soprados pela brisa. E olhando através de um mundo que girava com sua vertigem, Barney só teve tempo de

vislumbrar uma figura delgada e um rosto fino de pele escura, antes que a gata o girasse pelas mãos

lançando-o diretamente para o interior das roupas brancas do homem.

O manto girou ao redor dele quando ele cambaleou, ainda rindo, na súbita escuridão. E então, tão

rapidamente que ele nem teve tempo de sentir-se assustado, o braço do homem o envolveu como uma cinta

de ferro e o ergueu do chão, e a outra mão tapou sua boca com as dobras da roupa, e Barney sentiu que era

carregado.

Antes que ele pudesse lutar, foi balançando em um momento tumultuado através da música que rugia

e pela multidão. Empurrando inutilmente contra o peito do homem, ele o sentiu correr alguns passos e de

repente escutou o barulho das vozes e da banda começando a ficar mais fraco. Ele chutou cegamente e sentiu

seus dedos baterem nas canelas do homem. Mas ele estava usando apenas sandálias, e não podia causar

nenhum grande dano: o homem soltou um palavrão abafado mas não parou, sacudindo ele por mais alguns

passos até que Barney sentiu-se girar mais alto no ar e ser largado em um assento estofado que protestou com

o barulho de molas.

O manto caiu de sua boca. Ele gritou, e continuou gritando até que a mão voltou e apertou forte

contra seu rosto.

A voz de uma garota disse depressa: “Rápido! Leve ele embora!”

Uma voz quase tão suave quanto a da garota, porém masculina, disse de modo curto: “Entre. Você

terá que dirigir.”

Barney ficou imóvel de repente, todos os seus sentidos alertas. Tinha algo familiar na segunda voz.

Ele sentiu um frio por trás do pescoço. Então a pressão da mão sobre a sua boca relaxou um pouco através

das dobras de algodão, e a voz disse suavemente, perto do ouvido dele, “Não faça nenhum barulho,

Barnabas, e não se mexa, e ninguém vai se machucar.”

E de repente Barney reconheceu a figura com a máscara negra de gata, e o homem escuro com as

roupas de xeque. Ele sentiu o assento vibrar levemente enquanto o barulho do motor poderoso de um carro

tossiu e então cresceu em um rugido pulsante. Então a nota ficou mais profunda, e ele sentiu um solavanco, e

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soube que estava sendo levado embora.

Rufus saltou nervosamente no meio dos pés que se arrastavam e dançavam que tinham envolvido

Barney na multidão. Experimentalmente, ele colocu seu nariz para seguir, uma, duas vezes, mas sempre um

calcanhar surgia no caminho com um chute acidental, e ele tinha que se esquivar. De uma distância mais

segura, ele latiu, alto. Mas o som se perdeu na música estrondosa e no clamor da multidão. Assustado com o

barulho perturbador e o alvoroço que súbitamente enchia seu pequeno mundo, ele baixou as orelhas

apertando-as contra os lados de sua cabeça; sua cauda estava enfiada entre as pernas, e ele arregalou os

olhos.

Ele recuou procurando se afastar do barulho, aguardando em um canto da rua com a esperança de

que Barney reaparecesse. Mas não havia sinal algum dele. Rufus se moveu inquieto.

Então enquanto a banda foi diretamente para o lado oposto, soprando e batendo apenas algumas

jardas de distância, estremecendo cada canto com o aumentar e diminuir da música que para um cão era um

ameaçador barulho de rugido, de repente Rufus não conseguiu mais agüentar. Ele desistiu de qualquer

esperança de encontrar Barney, e virou as costas para o clamor do carnaval, ele caminhou descendo o beco

com a ponta de sua cauda arrastando no chão e seu nariz abaixado, farejando seu caminho para casa.

Simon e Jane reuniram-se no canto do porto, agora calmo novamente na tarde ensolarada.

“Bem, voltei até o lugar onde falamos. Ele não está lá.”

“Dei uma boa olhada dentro da casa. Ele também não estava lá.”

“Você acha que ele poderia ter ido atrás da Sra. Palk?”

“Continuo dizendo, poderia não ser a Sra. Palk que você viu.”

“Não vejo por que não. Se pelo menos você não tivesse me impedido eu poderia ter agarrado ela.”

“Como poderíamos encontrar com Barney aqui se você...” Simon começou.

“Oh, tudo bem, tudo bem. Mas não encontramos ele.”

“Bem, então, ele pode ainda não ter descido do promontório.”

A expressão de Jane mudou. “Oh, Deus. Talvez esteja com problemas lá em cima.”

“Não, não, não fique se preocupado quando não é necessário. Provavelmente ele encontrou tio Merry

depois de tudo e os dois ainda estão lá em cima.”

“Bem, vamos lá então, vamos dar uma olhada.”

O carro balançava e rugia como se estivesse vivo. Barney jazia enrolado como um embrulho no

manto que o Sr. Withers havia tirado dos próprios ombros quando o colocou dentro do carro. Ele imaginou

que devia ser um lençol; o cheiro dele sob o seu nariz era como o da limpeza de lavanderia das camas em

casa. Mas ele não estava em casa. Ele resmungou nervosamente de modo abafado, e chutou o lado do carro.

“Agora, agora,” disse o Sr. Withers. Ele segurou as pernas de Barney e virou ele de modo nem um

pouco gentil para uma posição sentado, ao mesmo tempo arrancando o lençol do rosto dele. “Acho que

talvez possamos deixar você emergir agora, Barnabas.”

Barney piscou, ofuscado pela luz do sol repentina. Antes que ele pudesse abrir seus olhos direito

104

para olhar a estrada o carro girou guinchando por uma abertura em uma parede alta, e diminuiu, suas rodas

rangendo sobre o cascalho, através de um passeio ladeado por árvores.

“Quase lá,” Sr. Withers disse placidamente.

Barney inclinou sua cabeça para olhar para ele. Ele mal conseguia reconhecer o rosto do Sr. Withers

através da mancha marrom escura que o transformava em um Árabe; os olhos e dentes cintilaram com um

branco incomum, e por trás da maquiagem o homem parecia distante e satisfeito consigo mesmo, quase

arrogante.

“Onde estamos? Para onde vocês estão me levando?”

“Você não sabe? Ah, não” – a cabeça escura balançou sabiamente – “é claro que não saberia. Bem,

você saberá em breve, Barnabas.”

“O que vocês querem?” Barney perguntou.

“Queremos? Nada, meu querido garoto. Só estamos levando você para um pequeno passeio, para

conhecer um amigo nosso. Acho que vocês se darão muito bem juntos.”

Barney viu, através das árvores, que eles estavam indo para uma casa. Ele olhou para o lençol ainda

enrolado nele, e se balançou para soltar os braços. O Sr. Withers se virou depressa.

“Tire essa coisa estúpida de mim. Me sinto idiota.”

“Apenas uma pequena brincadeira nossa,” O Sr. Withers disse. “Onde está o seu senso de humor,

Barnabas? Pensei que você estava gostando.”

Ele se inclinou e começou a soltar o lençol enquanto o carro se aproximava da descascada porta da

frente de uma grande casa de aparência deserta. “Você vai ter que saltar, se puder. Não posso soltá-lo direito

aqui dentro.” Ele falou casualmente, suavemente, com nenhum traço de ameaça em sua voz, e enquanto

Barney olhava para ele de modo suspeito os dentes brancos brilharam de novo levemente em um sorriso.

A garota deslizou do assento do motorista, se movendo como uma cobra com sua roupa colada, e deu

a volta para abrir a porta do lado de Barney. Ela o ajudou a sair, e o girou para retirar o lençol. Barney

estremeceu, seus braços e pernas tão rígidos de cãibra que ele mal podia se mover.

Polly Withers riu. A cabeça dela ainda era uma visão fantástica na apertada máscara negra de gato,

cobrindo todo o seu rosto a não ser os olhos e a boca. “Sinto muito, Barney,” ela disse amigavelmente. “Nós

realmente exageramos um pouco, não foi? Você dançou muito bem, eu acho, quase fiquei triste em parar.

Mesmo assim, deixa pra lá, agora vamos tomar um pouco de chá, se não for cedo demais para você.”

“Não tive almoço algum,” Barney disse de modo irrelevante, lembrando de repente.

“Bem, nesse caso certamente podemos conseguir alguma coisa para você comer. Minha nossa, sem

almoço? E é tudo culpa nossa, eu acredito. Norman, toque a campainha, devemos alimentar o pobre rapaz.”

O Sr. Withers, fazendo um barulho preocupado com a língua, caminhou do carro e apertou a

campainha perto da grande porta. Ele ainda estava todo de branco, mas em mangas de camisa e calças

brancas sem seu manto Árabe. Seus braços nus estavam manchados com o mesmo marrom escuro de seu

rosto.

Barney, que o seguia lentamente com a mão da garota repousando suavemente em seu ombro, estava

surpreso com o tratamento amigável deles. Começou a imaginar se tinha visto tudo de modo errado. Afinal

de contas, talvez isso fosse apenas uma brincadeira, parte da diversão do dia de carnaval. Talvez os Withers

fossem pessoas perfeitamente comuns... na verdade eles não tinham feito nada para provar sem sombra de

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dúvida que eram os inimigos... talvez ele, Simon e Jane tivessem entendido tudo errado...

Então ele ouviu passos ecoando levemente dentro da casa, pisando mais perto gradualmente, e a

porta se abriu. A princípio ele não reconheceu a figura de jeans preto colado e camisa verde. Então ele viu

que era o garoto Bill Hoover, que tinha perseguido Simon por causa do mapa. E em um momento ele

lembrou da cena em Kemare Head naquele dia, e da avidez no rosto da Srta. Withers quando ela olhou para o

mapa, e soube que não estavam enganados de modo algum.

O rosto de Bill se acendeu saindo de seu mau-humor quando viu Barney, e ele sorriu para a Srta.

Withers.

“Então, vocês o pegaram?” ele disse.

O Sr. Withers o cortou rapidamente, caminhando em frente e quase empurrando o garoto para fora

do caminho. “Alô, Bill,” ele disse suavemente “trouxemos um amigo nosso para uma visita. Acho que

ninguém vai se importar. Todos nós poderíamos ter algo para comer, corra e veja se arruma alguma coisa,

está certo?”

“Se importar?” o garoto disse, “eu diria que não.” Ele olhou para Barney de novo com o mesmo

desagradável sorriso ansioso, então se virou e desapareceu descendo o comprido corredor, gritando alguma

coisa em uma porta aberta enquanto passava.

“Vamos entrando, Barney,” a garota disse. Ela o conduziu gentilmente pela porta e a fechou atrás de

si. Barney olhou ao redor na longa passagem vazia, para as marcas de umidade no papel de parede

desbotado; e ele se sentiu muito pequeno e solitário. Ouviu uma voz profunda gritar de algum lugar dentro da

casa: “Withers? É você?”

O Sr. Withers, que estivera inspecionando Barney com um leve sorriso, deu um pulo e colocou sua

mão de modo semi-consciente em seu colarinho. “Venha,” disse rapidamente. Pegou Barney pela mão e o

levou descendo o corredor, os passos deles ecoando no chão de madeira sem carpete, até a porta de um

quarto no lado mais distante.

Era um quarto grande, escuro depois dos raios de sol do lado de fora. Janelas compridas estendiam-

se do chão até o teto em uma parede, com longas cortinas de veludo surradas semi-abertas, e a luz que

projetava-se entre elas caía sobre uma grande escrivaninha quadrada no centro do quarto, seu topo cheio de

papéis e livros. O quarto parecia vazio. Então Barney pulou quando viu um homem alto se mexer na sombra

além da luz do sol.

“Ah,” disse a voz profunda, “Vejo que você trouxe o mais jovem deles. A criança de cabelos

brancos. Estou muito interessado em conhecer ele. Como vai você, Barnabas?”

Ele estendeu a mão, e Barney, surpreso, apertou-a. A voz não era desagradável, e era um tanto

quanto gentil.

“Como vai você?” ele disse baixinho.

Olhou para o homem alto, mas na meia-luz ele teve apenas uma vaga impressão de profundos olhos

sombreados debaixo de sobrancelhas pesadas e escuras, e um limpo rosto barbeado. A ponta suave de uma

jaqueta de seda esfregou em sua mão.

“Eu estava prestes a tomar uma bebida gelada, Barnabas,” o homem disse, tão educadamente quanto

se estivesse falando com alguém mais velho do que ele mesmo. “Você vai me acompanhar?” Ele balançou

sua mão em direção às sombras, e Barney viu o cintilar de prata e um tecido branco sobre uma mesa baixa ao

lado da escrivaninha.

O garoto não comeu nada, sir,” A Srta. Withers disse atrás de Barney, com uma peculiar voz

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reverente apressada. “Pensamos que talvez Bill pudesse trazer algo...” A voz dela foi morrendo. O homem

olhou para ela, e grunhiu.

“Muito bem, muito bem. Polly, pelo amor de Deus, vá vestir algumas roupas normais. Você está

ridícula. Acabou a necessidade de usar fantasia, agora você não está no carnaval.” Ele falou friamente, e

Barney ficou surpreso com o jeito submisso com que a Srta. Withers respondeu a ele.

“Sim, Sir, é claro...” Ela se afastou por dentro da passagem, suave e inumana com a pele de gata

negra.

“Vamos entrando, meu garoto, e sente-se.” Ele falou de modo delicado novamente, e Barney foi

lentamente para dentro do quarto e sentou-se em uma cadeira com braços. Ela rangeu com o som de um

trabalho feito de vime, e de repente ele sentiu por um instante que estivera no quarto antes. Olhou ao redor,

seus olhos se acostumando com a luz fraca, para as paredes escuras e as estantes de livros elevando-se até o

teto. Tinha alguma coisa... mas ele não conseguia definir. Talvez a sala simplesmente fizesse ele lembrar um

pouco da Casa Cinza.

Como se lesse os pensamentos dele, o homem disse: “Ouvi dizer que você está passando o feriado na

Casa Cinza, lá em cima do porto.”

Barney disse, surpreso com sua própria ousadia, “Essa deve ser uma casa muito interessante. Isso

parece ser a única coisa que todo mundo sempre diz para nós.”

O homem se inclinou para frente, repousando sua mão na ponta da mesa. “Oh?” A voz profunda se

elevou um pouco com ansiosidade. “Quem mais perguntou a você sobre ela?”

“Oh, ninguém importante,” Barney falou depressa. “Depois de tudo, é uma boa casa. Você mora

aqui, Sr...?”

“Meu nome é Hastings,” o grande homem disse, e com o som do nome Barney sentiu a centelha da

familiaridade de novo, desaparecendo tão cedo quanto surgiu. “Sim, eu moro. Essa é minha casa. Você gosta

dela, Barnabas?”

“É parecida com a Casa Cinza, para dizer a verdade,” disse Barney.

O homem se virou em direção a ele novamente. “Mesmo? Agora o que faz você dizer isso...”

“Bem…” Barney começou; mas então a porta se abriu de novo e o garoto Bill entrou carregando

uma enorme bandeja com uma grande jarra de leite e algumas garrafas de cerveja, copos, e um prato cheio de

sanduiches. Ele cruzou a sala indo até onde o homem alto estava e colocou a bandeja sobre a escrivaninha;

nervosamente, apenas dentro do alcance, como se estivesse com medo de chegar perto demais. “Srta.

Withers pediu algo para comer, Sir,” ele disse, rudemente, já virando em direção à porta. O homem acenou

para ele sem falar.

A visão dos sanduiches fez Barney perceber quanto tempo fazia desde o café-da-manhã, e ele se

sentiu mais alegre. Encostou-se na cadeira que rangia e olhou ao redor. Poderia ter sido pior, ele pensou. O

misterioso parecia não significar perigo algum, e ele estava começando a desfrutar da visão de todos os

inimigos deles mostrando terror diante de outra pessoa. Ele pegou um sanduiche da bandeja estendida para

ele e o mordeu com felicidade. O pão estava macio e novo, com bastante manteiga, e no meio tinha algum

tipo delicioso de carne de conserva. Ele começou a sentir-se ainda melhor.

O Sr. Withers se moveu silenciosamente até a escrivaninha e serviu-se de um pouco de leite, então

começou a abir as garrafas de cerveja. O grande homem chamado Hastings sentou-se na cadeira atrás da

escrivaninha e balançou suavemente de um lado para outro, observando Barney pensativamente debaixo de

suas pesadas sobrancelhas. Ele disse suavemente, puxando conversa, “Está enterrado debaixo da Casa Cinza,

Barnabas, ou de uma das pedras monolíticas?”

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No meio de um gole de leite, Barney sufocou de repente. Ele tateou procurando a escrivaninha e

colocou seu copo com uma batida, e se inclinou para frente, tossindo e cuspindo. O Sr. Withers, pisando

macio, foi bater nas costas dele. “Minha nossa, Barnabas,” ele murmurou, “tem alguma coisa errada?”

Barney, sua mente trabalhando loucamente, continuou tossindo por mais tempo do que precisava.

Quando ergueu o olhar ele refugiou-se instintivamente na inocência. “Sinto muito, eu me engasguei,” ele

disse. “Você falou alguma coisa?”

“Acredito que você ouviu perfeitamente o que eu falei,” disse o Sr. Hastings. Ele ficou de pé

novamente, erguendo-se bem alto sobre Barney na pequena cadeira, e caminhou até a janela com uma

garrafa de cerveja em sua mão. A suavidade surgiu em seu rosto pela primeira vez, e observando, Barney

sentiu um leve calafrio de inquietação com a permanente seriedade das sobrancelhas e as linhas severas

descendo pela boca. Era um rosto forte e distante, algo parecido com o de seu tio, mas com uma assutadora

frieza por trás dele nem um pouco parecida com tio Merry. Barney estava desejando muito que houvesse

alguém para dizer a tio Merry onde ele tinha ido.

Sr. Hastings ergueu sua garrafa para a janela. O sol brilhou através dela claro e dourado. “Uma

garrafa de cerveja comum,” ele disse, distraidamente, “até que você a segure contra a luz. E então ela se

torna quase transparente, você consegue ver através dela...” Ele se virou para Barney e assim ficou com uma

silhueta escura e ameaçadora contra a janela novamente. “...Tão transparente como cada coisa que vocês

crianças estiveram fazendo, nesses últimos dias. Você acha que nós não vimos através de tudo isso? Você

acha que não estivemos observando?”

“Não sei o que você quer dizer,” Barney falou.

“Você pode ser um pequeno garoto estúpido,” o Sr. Hastings disse, “mas acho que não tão estúpido

assim... vamos lá. Sabemos que vocês encontraram um mapa, e isso com a ajuda de seu estimado tio,

Professor Lyon” – sua boca se torceu com as palavras como se ele estivesse provando algo desagradável –

“vocês estiveram tentando traçar o lugar para o qual ele leva. Sabemos que chegaram muito perto do fim

dessa trilha. E desde então, meu querido Barnabas, não podemos nos dar ao luxo de arriscar que vocês

chegem ao fim dela, nós finalmente decidimos entrar na rede e colocar um fim em sua pequena busca. É isso

que você está fazendo aqui.”

Barney estremeceu com a ameça na fria voz profunda. Sua boca parecia muito seca. Ele se esticou e

pegou o copo de leite novamente, e deu um longo gole. “Sinto muito,” ele disse piscando de olhos

arregalados para o Sr. Hastings por cima da borda do copo e lambendo um bigode de leite do seu lábio

superior. “Não sei o que você quer dizer. Posso comer outro sanduiche, por favor?”

Ouviu atrás dele o suspiro agudo do Sr. Withers, e por um segundo uma voz muito baixa bem fundo

dentro de seu cérebro gritou de triunfo. Mas ele observou a figura alta perto da janela apreensivamente.

Pareceu crescer por um momento e elevar-se ainda mais ameaçadora sobre ele. E então se moveu

abruptamente, de volta para dentro da sombra do resto da sala.

“Dê a ele outro sanduiche,” Sr. Hastings disse. “E então você pode ir, Withers. Você sabe o que deve

fazer. Não temos muito tempo. Volte quando eu chamar.”

Sr. Withers, seu rosto escuro manchado malmente visível na escuridão, empurrou o prato de

sanduiches até o cotovelo de Barney. Ele disse servilmente, “Sim, Sir,” e baixando a cabeça em uma

reverência saiu da sala.

Barney pegou outro sanduiche, sentindo fantasticamente que seja lá o que fosse acontecer, ele

deveria comer mesmo assim. “Por que todos eles chamam você de Sir?” ele disse curioso.

O homem alto andou e sentou-se perto da escrivaninha novamente, brincando com um lápis entre

seus dedos. “Quem está lá que você chamaria de Sir?”

108

“Bem, ninguém realmente. Apenas os mestres na escola.”

“Talvez eu seja um dos mestres deles,” Sr. Hastings disse.

“Mas eles não estão na escola.”

“Acredito que você realmente não entenderia, Barnabas. Na verdade tem uma grande quantidade de

coisas que você não entende. Fico imaginando que histórias aquele tio de vocês colocou dentro de suas

cabeças. Ele disse a vocês que somos maus e perigosos, sem dúvida, e que ele é um homem bom?”

Barney piscou para ele, e deu outra mordida em seu sanduiche.

Sr. Hastings sorriu severamente. “Ah, mas é claro que você não sabe do que eu estou falando. Você

não tem a menor idéia.” A forte ironia na voz fez Barney franzir o nariz. “Bem, vamos esquecer isso, só por

um momento, e fingir, apenas fingir, que você sabe o que eu quero dizer. Você foi levado a acreditar, eu

imagino, que meus amigos e eu somos tudo que é mau. Que nós queremos seguir as pistas no mapa porque

podemos fazer coisas ruins com o que encontrarmos. Você não tem nada para acreditar nisso a não ser a

palavra de seu tio, e talvez uma ou duas coisas estranhas que Polly ou Sr. Norman Withers podem parecer ter

feito.”

A voz diminuiu até que ficou macia e muito gentil. “Mas apenas pense, Barnabas, nas coisas

estranhas que seu tio faz. Surgindo do nada e desaparecendo de novo... ele sumiu outra vez hoje, não foi?

Bem, não, é claro, você não pode me responder, porque estamos apenas fingindo que você sabe sobre o que

eu estou falando. Mas essa não é a primeira vez que ele desapareceu inesperadamente, eu acredito, e não será

a última.”

Ele olhou para Barney, olhos escuros penetrantes e firmes por debaixo da sobrancelha saliente.

Barney comeu seu sanduiche um pouco mais devagar, incapaz de desviar o seu próprio olhar. “Quanto a nós

sermos maus... bem, agora, Barnabas, eu pareço ser um homem mau para você? Fiz algum mau a você?

Você está sentado aí, comendo e bebendo completamente feliz, certamente não está parecendo assustado.

Você está com medo de mim?”

“Você me sequestrou,” Barney disse secamente.

“Oh, vamos lá, isso foi apenas uma pequena brincadeira de Polly. Eu queria conversar com você, só

isso.”

Sr. Hastings encostou-se em sua cadeira e abriu bem os braços, com as pontas de seus dedos apenas

tocando a borda da mesa. “Agora veja, meu garoto, farei uma barganha com você. Vou contar o que na

verdade está por trás de tudo que tem acontecido nesses últimos dias, e você vai parar de fazer esse jogo de

não ter visto o mapa.”

Ele não esperou que Barney falassse coisa alguma. “De fato estamos caçando a mesma coisa que seu

tio, meus amigos e eu. Mas seja qual for a história que ele tenha contado a você sobre isso é, muito

francamente, um monte de bobagem. Seu tio é um estudioso, e um estudioso excelente. Ninguém poderia

contestar isso, e eu provavelmente sei disso melhor do que você. O problema é que ele mesmo sabe disso, e

pensa demais sobre isso.”

“O que você quer dizer?” Barney falou indignado.

“Quando um homem é famoso por ser um grande estudioso ele quer muito continuar sendo famoso.

Você encontrou esse antigo manuscrito, você, seu irmão e irmã, e quando contou a seu tio sobre isso ele

percebeu, assim como você não percebeu, o quão importante ele era. Quando ele o viu ele teve muito mais

certeza disso. Agora eu, Barnabas, sou o curador, que significa ser o diretor, de um dos mais importantes

museus no mundo. Eu venho procurando o manuscrito que você encontrou, e especialmente aquilo para o

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qual ele conduz, por muito tempo. Ambos são muito importantes para pessoas que estudam tais coisas, e

poderia fazer muita diferença para todo o conhecimento que existe no mundo. E seu tio sabia que eu estava

procurando por eles.”

“Mas quando você encontrou o manuscrito ele viu que tinha a chance de concluir a busca ele mesmo.

Quanto mais ele pensou nisso, mais a idéia pareceu atrativa. Ele sempre foi famoso como um homem que

sabe muito a respeito da parte da história com a qual essas coisas estão conectadas. Se ele as encontrasse,

saberia mais do que qualquer outro no mundo. As pessoas diriam, que homem incrível o Professor Lyon é,

para saber tanto, não tem ninguém como ele em parte alguma...”

“O quanto ele sabe?” falou Barney.

“Você não entenderia os detalhes,” O sr. Hastings disse brevemente. Então sua voz reduziu outra vez

para o mesmo tom persuasivo. “Não percebe, Barnabas? Seu tio está preocupado apenas com sua própria

fama. Acha por um momento que quando você tiver terminado a caçada, alguma parte do crédito irá para

vocês crianças? Tudo irá para ele... Enquanto que eu, meu museu, e as pessoas que emprego, acreditamos

que todo conhecimento deveria ser compartilhado, e que nenhum homem tem o direito a receber isso

sozinho. E caso você nos ajudasse, providenciaríamos que você tivesse qualquer crédito que lhe fosse

devido. O mundo todo deveria saber o que você tinha feito.”

No que diz respeito ao próprio Barney, ele tinha esquecido seu sanduiche e o leite. Ficou sentado

escutando, preocupado; tentando entender a verdade ele mesmo. Sim, tio Merry era estranho, muitas vezes,

diferente de outros homens; mas do mesmo jeito...

Ele disse, lento e perplexo, “Bem, eu não sei – tudo isso simplesmente não soa como tio Merry.

Certamente ele não poderia fazer alguma coisa assim?”

“Mas eu asseguro a você…” Sr. Hastings ficou de pé e começou a andar para frente e para trás entre

a escrivaninha e a porta. Ele parece incapaz de manter distância. “Muitas pessoas que alguém conhece bem,

muitas vezes as pessoas mais excelentes, podem provar serem capazes dos atos mais curiosos. Realmente

percebo que você deve estar surpreso, e chocado. Mas essa é a verdade, Barnabas, e isso é muito mais

simples do que você foi levado a crer.”

Barney disse: “Então devemos entregar o mapa a você, e deixar você encontrar o...” Bem a tempo ele

segurou a palavra “Graal”. Durante toda a conversa não houve menção daquilo para que o mapa conduzia.

Talvez eles soubessem menos do que diziam saber. Talvez essa fosse uma das coisas que eles queriam

arrancar dele.

Sr. Hastings fez uma pausa por um segundo. “Sim?” ele disse.

“Bem, e deixar você encontrar seja lá o que for que ele indica.”

Barney pegou seu copo de leite novamente e bebeu pensativo. “Porque então você colocaria seja lá o

que isso for em seu museu e todos poderiam saber a respeito dele.”

O Sr. Hastings assentiu de modo sério. “É isso mesmo, Barnabas. Todo conhecimento é sagrado,

mas ele não deveria ser secreto. Acho que você entende. Isso é algo que você deveria fazer – que nós

deveríamos fazer – em nome do conhecimento.”

Barney olhou dentro de seu leite, balançando-o suavemente no copo. “Mas não é isso que tio Merry

está fazendo?”

“Não, não!” O Sr. Hastings se balançou impaciente em seus calcanhares, caminhando inquieto e

bastante tenso para cima e para baixo na sala. “O que quer que ele faça está fazendo em nome do Professor

Lyon, e isso é tudo. Por que mais ele faria qualquer coisa?”

110

Mais tarde Barney jamais soube o que colocou as palavras em sua cabeça; falou antes de pensar,

quase como se outra pessoa estivesse falando através dele. Ele ouviu a si mesmo dizendo claramente, “Em

nome do Rei Arthur, e do antigo mundo antes que o escuro surgisse.”

A alta figura escura parou abruptamente, ficou completamente imóvel, com as costas ainda viradas.

Por um momento houve silêncio absoluto na sala. Foi como se Barney tivesse apertado um interruptor que a

qualquer momento faria descer trovejando uma avalanche. Ele estava parado sentado na cadeira e quase sem

fôlego. Então muito lentamente a figura se virou. Barney engoliu em seco, e sentiu um arrepio na raiz de seu

cabelo. O Sr. Hastings estava na parte mais escura da sala, perto da porta, e seu rosto estava escondido na

sombra. Mas pareceu ficar mais alto e mais ameaçador do que havia parecido, e quando ele falou houve uma

vibração diferente na voz profunda que paralisou Barney de pavor.

“Você descobrirá, Barnabas Drew,” disse suavemente, “que o escuro sempre vai aparecer, e sempre

vence.”

Barney não disse nada. Sentiu como se tivesse esquecido como falar, e sua voz tivesse morrido para

sempre com suas últimas palavras.

O Sr. Hastings não tirou os olhos dele. Ele se esticou ao lado dele e puxou duas vezes em uma corda

pendurada no teto ao lado da porta. Dentro de segundos a porta se abriu e o Sr. Withers deslizou para dentro

silenciosamenmte. Ele tinha lavado o tingimento marrom escuro de seus braços e do rosto.

“Está tudo pronto?” disse a voz profunda.

“Sim, Sir,” O Sr. Withers sibilou servilmente. “O carro está na porta ao lado. A garota se trocou. Ela

vai dirigir novamente.”

“Você vai dirigir com ela. Eu seguirei no carro fechado com o garoto. Bill já aprontou ele?”

“O motor já está funcionando...”

“Aonde você está me levando?” A voz de Barney elevou-se com um som agudo de medo, e ele pulou

da sua cadeira. Mas ele não conseguiu correr para fora da sala, passando pela figura alta que ainda prendia

seu olhar.

“Você virá conosco até o mar,” disse a voz por trás dos olhos intensos. Você não causará problema, e

fará tudo que eu disser. E quando estivermos no mar, Barnabas, você vai nos contar sobre o seu mapa, e

mostrará aonde ele conduz.”

111

CAPÍTULO TREZE

A Casa Cinza estava tão calma e vazia quanto estivera quando eles partiram. “Barney!” Simon gritou

escada acima. “Barney?” Sua voz diminuiu de modo incerto.

“Ele não pode estar lá dentro,” Jane disse. “A chave ainda estava em seu esconderijo. Oh, Simon, o

que pode ter acontecido com ele?” Ela se virou ansiosamente para a porta da frente aberta, e olhou descendo

a colina. Simon desceu voltando para o escuro corredor para se juntar a ela na poça de luz do sol. “Ele deve

ter perdido agente no porto.”

“Mas certamente ele voltaria aqui depois disso? Agora não tem nenhuma alma lá embaixo, todos

foram atrás da banda. Aquele Bill horroroso passou por nós – você não acha...”

“Não,” Simon disse depressa. “De qualquer jeito, Barney tem Rufus com ele. Ele não pode se

envolver em muito problema. Espere só, ele voltará logo. Espero que ele tenha encontrado tio Merry e eles

estejam procurando por nós.”

Ele estava virando de volta para dentro da casa quando de repente Jane gritou alegremente: “Veja!

Você tem razão!”

Rufus estava subindo a colina em direção a eles, um traço veloz de vermelho na estrada cinza. Mas

eles não conseguiam ver ninguém atrás dele. Jane gritou, e ele ergueu seu focinho e trotou mais rapidamente

subindo os degraus, entre as pernas deles e para dentro da casa. Então ele ficou encarando eles, sua longa

faixa de língua balançando sobre a sua mandíbula. Mas a cauda dele estava abaixada, e ele não estava

pulando, latindo com alegria com a qual ele geralmente voltava para casa.

“Nenhum sinal de Barney.” Jane entrou lentamente vindo da porta. Ela olhou para Rufus. “Então o

que foi? O que aconteceu?”

O cão nem notou a presença dela. Ele ficou ali apático, seus olhos brancos. Mesmo quando eles

tinham dado a ele um pouco de água e levado ele para dentro do quarto de onde se avistava o porto, ele ainda

não dera sinal algum de que sabia que estava em casa. Era como se ele estivesse pensando em alguma coisa

completamente diferente.

“Espero que seja o calor,” Simon disse. Ele não pareceu muito convencido. “Vamos lá, não tem nada

que possamos fazer a não ser esperar. O iate ainda está lá embaixo no porto, de qualquer jeito.”

“Isso não significa nada,” Jane falou desanimadamente.

“Bem, não significa…” Mas Simon não teve chance alguma de explicar. Jane tinha agarrado o braço

dele nervosamente. Ele viu que ela estava olhando para Rufus.

Depois eles nunca conseguiram explicar isso. Era como se Rufus tivesse ficado ali esperando ouvir

alguma coisa, e finalmente tivesse captado a coisa por que estava esperando; embora soubessem que não

tinham escutado som algum. Ele levantou sua cabeça, seus olhos tão arregalados que o branco deles estava

aparecendo, e levantou lentamente de um jeito mais parecido com o de um homem idoso do que o de um

cão. Suas orelhas estavam erguidas e seu focinho levantado bem alto, apontando diretamente para alguma

coisa que eles não conseguiam ver. Ele começou a andar, muito lentamente e com cuidado, em direção à

porta.

Hipnotizados, Simon e Jane o seguiram. Rufus foi pelo corredor até que chegou na porta da frente, e

ficou esperando. Ele não virou sua cabeça. Simplesmente ficou ali rígido, olhando em frente para a porta,

como se estivesse completamente certo de que eles sabiam o que ele queria que eles fizessem.

112

Simon se esticou para frente, olhando de modo nervoso descendo pela costa vermelha longa e reta, e

abriu a porta; e eles ficaram no degrau observando em completa perplexidade quando Rufus disparou com a

mesma confiança direto em frente pela estrada. Quando alcançou o outro lado saltou rapidamente para ficar

ereto na parede que separava a estrada da queda íngreme de sessenta pés até o lado do porto. Ele parecia

estar olhando para o mar.

“Ele não vai pular, vai?” Jane falou assustada, mas percebeu que estava sussurrando.

E então eles ouviram o barulho que mais tarde nunca mais esqueceram.

Barney soube, vagamente, que tinha sido tirado da grande casa silenciosa e levado para longe em um

carro; e que agora eles estavam caminhando em um grupo com o barulho do mar em algum lugar próximo.

Mas ele não tinha certeza de quantos deles havia, ou para onde eles o estavam levando. Desde o momento na

sala sombria quando aqueles olhos escuros brilhantes tinham ofuscado seu rosto, ele não tinha consciência de

nada a não ser que faria o que lhe fosse dito. Ele não tinha mais nenhum pensamento próprio; era uma

sensação relaxadora estranha, como se ele estivesse confortavelmente semi-desperto. Agora não poderia

haver nenhum argumentação. Nenhuma luta. Ele sabia apenas que a figura escura alta caminhando ao seu

lado, usando um chapéu preto de aba larga, era seu mestre.

“Mestre... quem mais usou a palavra naquele dia?”

“Venha, Barnabas,” disse a voz profunda acima dele. “Temos que nos apressar. A maré está

baixando, temos que chegar até o iate.”

“Chegar até o iate”, Barney disse sonhadoramente para si mesmo, estamos indo para o mar... aquele

era o mar que ele conseguia sentir o cheiro, a água batendo ao lado deles na borda do porto de Trewissick.

Distante, como se viesse de uma grande altura, ele ouviu a voz de Polly Withers falar depressa:

“Qualquer um poderia nos ver da estrada subindo até a casa. Eles vão nos ver, sei que vão...”

“Polly,” disse a voz profunda lentamente, “Eu sou aquele que vê. Se nosso velho amigo de Cornwall

fez seu trabalho direito, não haverá ninguém lá. E se as outras duas crianças tiverem escapado... Bem, eles

são páreo para nós?”

Em algum lugar o Sr. Withers riu, suave e sinistro.

Barney caminhou, como uma máquina. O ar estava quente e espesso; ele podia sentir o sol ardente

em seu rosto. Ele tinha escutado eles falando desde que deixaram a casa, mas nada que eles diziam parecia

ter significado para ele. Não estava assustado; tinha esquecido de Simon e Jane. E de algum modo ele estava

flutuando fora de si mesmo, observando com leve interesse enquanto seu corpo caminhava, mas sem sentir

nada.

E então, como o súbito estalar de um arco, surgiu o ruído. Dentro do ar acima de suas cabeças, um

cão uivou: uma longa nota estranha tão inesperada e angustiada que por um momento todos eles ficaram

imóveis. O som ecoou lentamente através do porto, uma lamúria inumana apavorante que possuia todo o

alerta e horror que já houve no mundo. Até mesmo o Sr. Hastings ficou escutando, imóvel.

E o Barney que estava do lado de fora de Barney, flutuando meio solto no ar, sentiu o barulho

acordá-lo com um forte solavanco. Ele olhou para cima, e viu Rufus parado acima dele, contornado em

vermelho contra o céu, com o som ainda vibrando de sua cabeça. E de repente ele soube onde estava, e que

devia fugir.

Ele virou nos calcanhares, se abaixou sob os braços que tentaram agarrá-lo muito tarde, e correu pelo

cais em direção à estrada. A colina estava vazia, pois a procissão de carnaval tinha levado todas as pessoas, e

ele estava a vinte e cinco jardas do confuso grupo no cais antes que eles pudessem começar a perseguição.

113

Ouviu os gritos e pés batendo atrás dele, e correu subindo a colina em direção à Casa Cinza.

Simon e Jane olharam surpresos dos degraus. De repente houve o uivo de gelar o sangue de Rufus;

agora súbitamente Barney, com quatro figuras ameaçadoras em seus calcanhares. Eles correram

instintivamente descendo os degraus em direção a ele, e então viraram de volta assustados com o som mais

horroroso de todos. Atrás deles, a porta da Casa Cinza tinha batido; e a chave estava dentro.

Barney cambaleou até eles, e Rufus desceu saltando da parede. Jane disse, dominada pelo pânico:

“Para que lado?”

Simon virou freneticamente para a grande porta de madeira na parede que era a entrada lateral da

Casa Cinza; muitas vezes ela era mantida trancada. Ele pressionou o trinco, seu coração saltando. Alívio

espalhou sobre ele em uma onda quando a porta se abriu, e ele a empurrou. “Depressa!” ele gritou.

As quatro figuras terríveis pisando decididas nos calcanhares de Barney estavam apenas a poucos

passos atrás. Jane e Barney dispararam através da porta com Rufus, uma veloz bola de pêlos vermelhos entre

os pés deles. A própria parede pareceu tremer quando Simon bateu a porta e rapidamente fechou os três

grandes ferrolhos de ferro. Ele subiram correndo a passagem fria e estreita entre o lado da Casa Cinza e a

casa vizinha, e pararam no final dela. Do lado de fora, passos ecoaram até a porta. Eles viram o trinco se

erguer quando alguém do outro lado o pressionou. Ele chocalhou furiosamente, e veio o som de uma batida

contra a porta. Então houve silêncio.

“Suponham que eles subam pela parede?” Jane sussurrou amedrontada.

“Eles não poderiam,” Simon sussurrou de volta. “É alta demais.”

“Talvez eles derrubem a porta!”

Aqueles ferrolhos são bem fortes. De qualquer modo as pessoas veriam e iriam suspeitar... Escutem.

Eles foram embora.”

Todos forçaram os ouvidos. Não houve som da porta no outro extremo da passagem. Rufus olhou

para eles de modo inquisitivo e choramingou, assobiando queixoso através do nariz.

“O que eles estão fazendo? Eles devem estar aprontando alguma coisa...”

“Rápido!” Simon disse decidido. “Temos que nos afastar da casa antes que eles tenham tempo de dar

a volta por trás. Eles vão rodeá-la logo.”

Eles correram em pânico dentro do pequeno jardim traseiro, e subiram através da grama alta até a

cerca no topo. Rufus saltava ao redor deles alegremente, pulando para lamber o rosto de Barney. Ele parecia

ter esquecido o misterioso impulso que o fez emitir aquele longo uivo e agora ele estava se comportando

como se tudo fosse apenas um jogo.

“Espero que esse cão fique quieto,” Jane disse ansiosa. Simon olhou pela fenda na cerca.

“Ele vai,” Barney disse. Ele se curvou e colocou gentilmente uma das mãos sobre o longo focinho

vermelho de Rufus, murmurando para ele de modo suave.

Simon se levantou. “Está tudo limpo. Vamos lá.”

Um por um eles deslizaram saindo do jardim indo para a estrada que fazia a curva por trás das casas

a partir do porto, pela borda de Kemare Head.

“Oh,” Jane disse com angústia repentina, “Se ao menos agente soubesse para onde tio Merry foi.”

114

Barney disse, horrorizado, “Vocês não encontraram ele? E quanto a Sra. Palk?”

“Não, não encontramos ele. Nós vimos a Sra. Palk, mas não conseguimos chegar perto dela na

multidão. Você não viu ele? Por que eles estavam perseguindo você? De onde você veio? Pensamos que algo

ruim devia ter acontecido quando Rufus voltou sozinho, mas não sabíamos onde procurar por você.”

“Espere um minuto,” Barney disse. O choque de acordar de seu torpor enfeitiçado estava se

transformando em uma enorme sensação de urgência. Uma dúzia de coisas que tinha ouvido na última hora

estavam saltando em sua mente; e quando começou a ver o significado delas estava sentindo-se mais e mais

assustado.

“Simon,” ele disse com seriedade, “temos que pegar o Graal. Agora. Mesmo sem tio Merry. Não há

tempo para procurar por ele, ou esperar, ou qualquer outra coisa. Acho que eles estão muito perto dele. Só

que não com certeza, é por isso que eles me queriam.”

“A primeira coisa é cair fora daqui.” Simon olhou para ele descontrolado. “Eles poderiam subir do

porto por qualquer lado. Teremos que sair da estrada e nos esconder naquele campo nos fundos do

promontório. A terra não tem declives ali, acho que podemos ficar escondidos.”

Eles cruzaram a estrada e sairam dentro dos campos no fundo de Kemare Head. O sol brilhava alto

no céu parado, atingindo-os com um calor que pressionava como uma mão gigante. Mas agora nem mesmo

Jane estava se preocupando com as chances de insolação.

Quando alcançaram a cerca no extremo do primeiro campo, ouviram vozes. Eles passaram depressa

através da cerca, sem parar para olhar ao redor, e deitaram dentro da grama alta do outro lado. Barney passou

seu braço apreensivamente sobre a costa de Rufus, mas o cão ficou deitado quieto, com sua comprida língua

pendurada.

Ninguém viu exatamente de onde eles vieram, mas de repente as figuras estavam paradas ali na

estrada. O Sr. Withers, magro e um pouco curvado, movendo sua cabeça de um lado para outro como uma

doninha; o garoto Bill, caminhando alerta e hostl em sua camiseta clara; e elevando-se acima de ambos, a

alta figura ameaçadora vestida de preto, uma mancha escura através do quente dia de verão. Observando,

Simon pensou de repente no dia desesperado quando pés ameaçadores estavam ecoando atrás dele, descendo

uma estrada solitária; e ele virou seus olhos para longe do homem.

“A garota não está lá,” Barney sussurrou. “Ela deve estar vigiando a frente, para o caso de nós

terntarmos sair por aquele caminho de novo.”

Descendo a estrada o pequeno grupo ficou indeciso por um momento. Bill virou e olhou pelo campo,

diretamente em direção da cerca. As três crianças se espremeram contra o chão com mais força, malmente

ousando respirar. Mas Bill olhou para longe de novo, aparentemente satisfeito. Withers olhou para o campo

também, e disse alguma coisa para ele. O garoto balançou a cabeça.

A figura alta de preto tinha ficado um pouco afastada, imóvel. Era difícil dizer para que lado ele

estava olhando. Súbitamente ele ergueu seu braço, apontando em direção ao mar para o volume do Kemare

Head que se erguia. Ele pareceu estar falando de modo determinado.

“O que eles vão fazer?” Jane sussurrou. A cãibra estava começando a incomodar de modo

agonizante em sua perna direita, e ela estava querendo se mexer.

“Se eles forem para o fim do promontório estamos acabados,” Simon disse, baixo e com esforço.

“Quantos mais deles estão ali, pelo amor de Deus? Aquele homem alto...” Jane olhou para ele

através das aberturas aleatórias no meio da folhagem na cerca. Ela não conseguia ver o rosto dele, mas uma

fria sensação de familiaridade estava começando a crescer em sua mente. Então, enquanto ela observava, ele

tirou seu largo chapéu negro por um momento para passar sua mão pela testa, e de repente ela conheceu a

115

forma da cabeça com o espesso cabelo negro. A imagem de galhos, grama e raio de sol girou diante dos seus

olhos, e ela agarrou o braço de Simon.

“Simon! É ele de novo! É…”

“Eu sei disso,” Simon falou. “No momento em que ele virou na esquina eu soube. Pensei que você

sabia.”

“Ele é o chefe de todos eles,” Barney sussurrou no mesmo tom apressado. “O nome dele é Hastings.”

“Isso mesmo,” Jane disse suavemente. “Hastings. O vigário.”

Barney se mexeu um pouco na grama para olhar para ela. “Ele não é o vigário.”

“Ele é. Eu vi ele na paróquia. Oh, você lembra...”

“É um tipo de casa velha grande, mal cuidada?” Barney disse lentamente. “Com um longo passeio, e

uma sala cheia de livros?”

Foi a vez de Jane refletir. “Eu lembro de falar sobre os livros, mas não sobre o passeio. Como

você…”

Barney disse, com extrema convicção: “Não me importo com o que você diz, ele não é o vigário.

Não sei o que ele é, mas ele não é isso. Não pode ser. Tem algo perfeitamente cruel a respeito dele. Ele é

como tudo que tio Merry disse sobre o outro lado, você meio que pode sentir isso, olhando para ele. E ele diz

coisas...”

“Fiquem abaixados!” Simon disse de repente. Eles abaixarm suas cabeças dentro da grama, e ficaram

deitados em silêncio por um longo momento enquanto o sol batia em suas costas e queimava a pele por trás

de seus joelhos, e a fria grama longa pela borda da cerca espetava suas bochechas. Rufus tremeu, grunhiu e

ficou quieto novamente. Ele tinha caido no sono.

Em pouco tempo Simon ergueu sua cabeça nervosamente algumas polegadas do chão, não escutando

nada a não ser o grito de uma gaivota distante bem alto no céu. Ele tinha visto as três figuras virarem e se

moverem pelo campo e por um momento pensou que eles tinham sido pegos em uma armadilha. Mas agora

não tinha mais ninguém na estrada onde eles estiveram, e ninguém na silenciosa extensão do campo.

“Eles foram embora!” ele sussurrou exultante. Barney e Jane ergueram suas cabeças também, lenta e

cautelosamente.

“Vejam!” Jane apoiou-se sobre um cotovelo, e apontou para a costa. Lá iam eles, a alta figura negra

e as duas menores, um de cada lado, saltando para fora da vista pelo lado de Kemare Head.

“Oh!” Barney rolou sobre sua costa e grunhiu em desespero. “Estamos ferrados! Como vamos

conseguir sair no promontório agora?”

Jane sentou, estremecendo enquanto esticava suas pernas doloridas. Ela disse sem esperança, “Não

vejo qual o motivo para se preocupar com isso. Não podemos fazer nada. Descobrimos onde o Graal está,

mas não podemos chegar até ele de qualquer jeito. Se houver uma entrada no fundo, é debaixo do mar, e o

buraco que encontramos no topo é estreito demais para atravessar mesmo se tivéssemos uma corda.”

Barney disse, gritando, “Mas eles vão conseguir. Sei que vão conseguir. Aquele homem pode fazer

qualquer coisa, ele parece ter as coisas planejadas antes mesmo que saiba que elas vão acontecer. E se eles

encontrarem o buraco nas rochas...”

“Mas eles não poderiam descer mais do que nós,” Jane disse sendo razoável. “E não podem entrar

116

por baixo também, a não ser que tenham roupas de mergulho no iate. De qualqer jeito,” ela adicionou sem

muita convicção, “não temos certeza se o Graal realmente está lá.”

“Mas nós temos, sabe que temos!” A frustração ansiosa de Barney estava ficando insuportável.

“Temos que impedir eles. Mesmo que não possamos fazer nada nós mesmos, temos que impedir!”

“Não seja um garotinho bobo,” Jane disse, irritada pelo desapontamento. “Só teremos que deixar eles

irem, e ficar fora do caminho deles até encontrarmos tio Merry. Não tem nada que possamos fazer.”

“Tem uma coisa,” Simon disse. Sua voz soou abafada e meio áspera, como sempre ficava quando ele

estava tentando não ficar excitado. Eles olharam para ele, e Jane ergueu uma sobrancelha descrente. Simon

não disse nada. Ele estava sentado segurando seus joelhos, olhando pelo campo com o rosto franzido.

“Bem, então vamos lá.”

“A maré.”

“A maré? O que você quer dizer?”

“A maré está baixa.”

“Bem, o que isso tem de tão maravilhoso? Eu sei que está,” Barney disse, surpreso. Você poderia ver

a lama lá embaixo no porto.”

Mas Simon não estava escutando. “Jane, você lembra o que o Sr. Penhallow disse lá embaixo no

porto. Sobre a maré estar baixa?”

“Oh, sim.” Jane começou a parecer menos triste. Sim, está certo. Ela baixa muito hoje, ele disse...

maré da primavera... logo ao redor da rochas...”

“Você pode caminhar ao redor das rochas,” Simon disse.

“E daí?” Perguntou Barney.

“Se pudermos caminhar ao redor das rochas,” Simon disse com cuidadosa paciência, “poderemos

caminhar pelo fundo de Kemare Head.”

Jane interrompeu, continuando para ele, “E a caverna, a entrada debaixo d´água – quando nós

ouvimos o barulho do mar subindo no buraco essa manhã, a maré estava alta. Então as ondas ainda estavam

cobrindo a entrada. Mas não percebe, Barney, com essa maré baixa especial – se ela mostra todas as rochas

lá embaixo, também pode mostrar a entrada da caverna, e nós poderíamos entrar.”

O rosto de Barney era uma cômica mistura de expressões; vazio transformando-se em excitação, e

então em espanto. “Deus! Então vamos lá, vamos descer!” Ele ficou de pé com um salto, e então resmungou.

“Mas não podemos! Tem um deles observando o porto, e os outros três lá fora no promontório – como

poderemos descer até lá sem sermos vistos?”

“Também pensei nisso.” Simon estava sentindo-se importante.

“Faz apenas um minuto. Tem o outro lado. A baía do outro lado do promontório, de onde nos

mergulhamos. Daqui podemos atravessar os campos até chegar a ela sem que eles nos vejam, a não ser que

de fato estejam lá em cima perto das pedras monolíticas olhando para baixo naquela direção. Se eles olharem

para baixo estamos ferrados, mas é o único jeito que consigo ver.”

“Eles não estarão,” Jane disse confiante. “Eles não estariam esperando que nós fóssemos lá embaixo.

Estarão vigiando o lado do porto.”

117

“Vamos lá, temos que ser rápidos. Agora mais rápidos do que nunca. A maré ainda estava descendo

quando estávamos lá em cima no porto, eu acho, mas pode mudar a qualquer momento. Gostaria que

soubéssemos exatamente quando.”

Barney, com Rufus de pé e saltando ao redor dele novamente, já estava a muitas jardas seguindo pelo

campo. Ele parou de repente, parecendo preocupado, e virou de volta lentamente. “Ainda tem o tio Merry.

Agora ele nunca vai nos encontrar. Ele vai ficar muito preocupado.”

“Ele não se importou muito em nos deixar preocupados quando desapareceu essa manhã,” Simon

disse brevemente.

“Oh, mas do mesmo jeito...”

“Vejam,” Simon disse, “Sou o mais velho, e estou no comando. Temos que procurar por tio Merry

ou pelo Graal, Barney, não há tempo para os dois. E digo que vamos atrás do Graal.”

“Eu também,” Jane disse.

“Oh, bem,” disse Barney, e continuou pelo campo, secretamente aliviado por ser capaz e aceitar

comandos. Ele sentiu que naquele dia já teve a experiência de ser o herói solitário tempo o bastante para

valer por anos – então aqueles sonhos secretos sobre audaciosos cavaleiros em armaduras brilhantes nunca

mais seriam os mesmos novamente.

Os três estavam quentes e sem fôlego no momento em que chegaram até a praia na baía seguinte de

Trewissick, do outro lado de Kemare Head. Mas viram, para seu alívio, que a maré obviamente ainda não

tinha começado a baixar.

O mar parecia estar a milhas de distância, sobre uma vasta extensão de areia branco-prateada sem

uma marca de pegadas sob o sol, e quando olharam ansiosos pelo lado do promontório podiam ver rochas

descobertas aos pés dele. Antes, as ondas sempre tinham quebrado contra o penhasco, mesmo na maré mais

baixa.

Os pés deles afundavam dentro da areia seca macia no topo da praia. Barney se agachou e começou a

desamarrar um sapato. “Esperem um minuto, quero tirar meus sapatos.”

“Oh, vamos lá,” Simon falou impaciente, “você só vai ter que colocar eles de novo quando

chegarmos até as pedras.”

“Não me importo, vou tirar eles agora mesmo assim. Além disso, estou cansado.”

Simon grunhiu, e bateu o estojo do telescópio contra seu joelho, inquieto. Agora, mais do que nunca,

ele estava determinado a carregar o manuscrito aonde quer que eles fossem, e o estojo estava quente e úmido

na palma da mão dele.

Jane sentou-se na areia ao lado de Barney. “Vamos lá, Simon, descanse só por uns cinco minutos.

Isso não vai doer, e estou com muito calor também.”

Não completamente disposto, Simon deixou seus joelhos afrouxarem e deitou-se sobre as costas. O

sol ardia em seus olhos, e ele se virou depressa. “Nossa, que dia. Eu poderia nadar um pouco.” Ele olhou

desejoso para o mar; mas seus olhos viraram rapidamente de volta para as rochas.

“Tem mais pedras aparecendo do que eu pensei. Vejam, vai ser muito fácil caminhar ao redor do

penhasco. Parece um pouco molhado em alguns lugares, onde a maré deixou um pouco de água para trás,

mas podemos atravessar facilmente.”

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“Então você também vai ter que tirar os seus sapatos,” disse Barney triunfante. Ele pendurou seus

sapatos no seu pescoço pelos seus cadarços e enfiou os pés na areia de modo prazeroso, olhando para as

gaivotas gritando e girando bem alto acima da praia. Então ele ficou tenso. “Escutem!”

“Eu ouvi também,” Simon disse, olhando para cima curiosamente. “Engraçado, pareceu uma coruja.”

“Era uma coruja,” Barney disse, olhando para cima, para o lado alto do promontório. “Veio lá de

cima. Achava que só poderíamos escutar corujas durante a noite.”

“Isso mesmo. E se elas saem durante o dia elas são atacadas por todos os outros pássaros, porque

elas comem os filhotes deles. Aprendemos isso na escola.”

“Bem, as gaivotas parecem não estar percebendo nada,” Barney disse. Ele olhou para as manchas

escuras navegando preguiçosamente para frente e para trás pelo céu. Então ele olhou ao redor da praia. “Ei,

onde está Rufus?”

“Oh, ele está por aí em algum lugar. Ele estava aqui só faz um minuto.”

“Não, não está.” Barney ficou de pé. “Rufus! Rufus!” Ele assobiou, com a longa nota alegre que o

cachorro sempre respondia. Ouviram um latido atrás deles, e olharam pela praia em direção do campo

inclinado para ver Rufus na beira da grama, voltado para longe do mar mas com sua cabeça virada para olhar

para eles.

Barney assobiou de novo, e bateu em seu joelho. O cão não se mexeu.

“Qual é o problema com ele?”

“Ele parece assustado. Será que ele se machucou?”

“Espero que não.” Barney correu subindo a praia e pegou Rufus pela coleira, acariciando seu

pescoço. O cão lambeu sua mão. “Vamos lá, garoto,” Barney disse suavemente. “Então vamos lá. Não tem

nada errado. Vamos lá, Rufus.” Ele puxou a coleira gentilmente, movendo-se de volta em direção a Simon e

Jane. Mas Rufus não iria se mexer. Ele choramingou, fazendo força para se afastar da praia; suas orelhas

estavam erguidas de modo inquieto, e quando Barney puxou a coleira com mais impaciência ele virou a

cabeça e deu um um rosnado baixo de aviso.

Confuso, Barney afrouxou sua pegada. Quando ele o fez, o cão deu um puxão repentino como se

tivesse escutado alguma coisa, rosnou de novo, e escapuliu de seu aperto para trotar para longe pela grama

velozmente. Barney gritou, mas ele continuou sem parar, cabeça curvada, cauda entre suas pernas, saltando

para longe em uma linha reta até que ele desapareceu pelo lado do promontório.

Barney voltou descendo para a praia lentamente. “Vocês viram aquilo? Alguma coisa deve ter

assustado ele – aposto que ele está correndo o caminho todo até a casa.”

“Talvez tenha sido aquela coruja,” Simon disse.

“Acho que deve ter sido – ei, escutem, lá está ela de novo!” Barney olhou para cima. “Está lá em

cima do promontório.”

Dessa vez todos eles escutaram; o longo grito lamurioso descendo suavemente: “Whooo-oo...”

Enquanto ela escutava, Jane sentiu todos os seus instintos de advertência resmungarem fundo em sua

mente. Por um momento ela não conseguiu entender. Olhou para cima, preocupada, para a massa crescente

do Kemare Head, e as pontas das pedras monolíticas delineadas contra o céu.

119

“Pássaro estúpido,” Simon disse preguiçosamente, deitando novamente sobre as costas. Acha que é

noite. Digam para ela voltar para cama.”

Como se alguma coisa explodisse dentro da cabeça dela, Jane lembrou. “Simon, depressa! Não é

pássaro nenhum. Não é uma coruja. São eles!”

Os outros ficaram olhando para ela.

Jane se levantou com um salto, o calor do sol e a areia esquecidos com um súbito pânico novo.

“Você não lembra – naquela noite, lá em cima no promontório, perto das pedras monolíticas. Nós ouvimos

algumas corujas gritarem, e foi por isso que Gumerry saiu para olhar, porque achou que elas não soavam

direito. E não eram corujas, era o inimigo. Oh, rápido, talvez tenham nos visto! Talvez aquilo fosse um sinal

de um deles para dizer aos outros que estamos aqui!”

Simon estava de pé antes que ela tivesse terminado. “Vamos lá, Barney. Rápido!”

Longe do vazio revelador da praia eles dispararam em direção ao lado rochoso do promontório, a

areia rangendo contra seus pés enquanto corriam. Os sapatos de Barney saltavam sobre o seu peito, batendo

nele. Jane perdeu a fita de cabelo do seu rabo de cavalo, e seu cabelo esvoaçava solto, espetando a costa de

seu pescoço. Simon correu segurando o estojo do telescópio firmemente como um bastão de um corredor.

Eles foram direto para o penhasco, e pararam sob sua grande altura cinza para olharem assustados de volta

para a ladeira gramada que se erguia por trás da praia. Mas não havia sinal algum de qualquer pessoa vindo

atrás deles, e não escutaram nenhum piado de coruja.

“Talvez não tenham visto agente afinal de contas.”

“Aposto que eles não conseguem ver essa praia de qualquer lugar lá em cima do promontório.”

“Bem, temos que nos apressar de qualquer jeito. Vamos lá, ou a maré vai mudar e nos arrastar com

ela.”

Eles ainda estavam correndo na areia, pelo lado do penhasco, em direção ao fim do promontório e

para o mar. Então chegaram nas rochas, e começaram a escalar.

As rochas eram perigosas de se atravessar. No início elas eram secas, e suaves, e era fácil escalar de

um cume cinza irregular para o próximo, contornando as pequenas poças onde anêmonas espalhavam seus

tentáculos como pétalas de flores entre folhas de algas-marinhas, e camarões corriam para frente e para trás.

Mas logo eles chegaram até as rochas que ficavam descobertas apenas com as marés mais baixas. Grandes

massas de algas marinhas cresciam ali, brilhando, ainda molhadas ao sol; plantas marrons escorregadias que

eram esmagadas e estouravam sob os pés deles, às vezes podendo, sem aviso, lançá-los dentro de uma poça.

Eles chegaram até uma longa extensão de água que ficou aprisionada entre as rochas. Barney, ainda

determinadamente de pés descalços, estava seguindo algum caminho atrás dos outros dois. Eles esperaram na

beira da água enquanto ele escolhia seu caminho em direção a eles cuidadosamente. “Uau!” ele disse,

quando pisou em um caramujo.

“Coloque seus sapatos,” Jane disse suplicante. “Não se preocupe em molhar eles, os nossos já estão

ensopados. Você pode pisar em qualquer coisa nessa poça e cortar seus pés em pedaços.”

Barney disse, com surpreendente suavidade devido ter batido três dedos, “Tudo bem.” Ele se

empoleirou em uma pedra saliente e tirou seus sapatos do pescoço. “Parece besteira colocar seus sapatos para

ficar patinando, ao invés de tirá-los.”

“Você pode chamar isso de patinar,” Simon disse sombriamente. “Deve ter todos os tipos de peixes

das profundezas esfomeados aqui dentro. O Sr. Penhallow diz que o mar é terrivelmente profundo justamente

no promontório.” Ele olhou dentro da massa de algas marinhas marrons flutuando na superfície da poça.

120

“Oh, bem, aqui vamos.”

Eles pisaram através das plantas, mantendo-se encostados ao penhasco e segurando nervosamente na

rocha para manter o equilíbrio. Simon, primeiro, em fila, esticou cuidadosamente seu pé adiante, agitando a

água de modo que a alga-marinha deslizou fria e viscosa contra sua pele. O fundo da poça parecia bastante

plano, e ele seguiu mais confiante, com os outros seguindo atrás. Então, de repente, seu pé não encontrou

resistência alguma, e antes que pudesse jogar seu peso para trás tinha deslizado para dentro d’água até a

cintura. Jane, última da fila, gritou involuntariamente quando viu ele cair. Barney estendeu uma das mãos

para Simon, de repente uma figura menor do que ele.

“Está tudo bem,” Simon disse, mais surpreso do que ferido. Depois do primeiro choque a água

pareceu agradavelmente fria em suas pernas queimadas pelo sol. Ele se moveu em frente cuidadosamente, e

depois de dois passos sentiu rocha contra seus joelhos debaixo da água da poça. Ele se ergueu, espirrando

água como um peixe encalhado, e em poucos momentos estava com água apenas até o joelho novamente.

“É um tipo de vala submarina. Ela vai subindo até o penhasco. Tenha cuidado, Barney. Verifique

com os seus dedos um pouco mais a frente e veja se tem qualquer apoio para os pés. Deve ter algum tipo de

apoio debaixo d´água, como algumas pedras. Eu afundei antes que tivesse uma chance de sentir. Se não tiver,

vocês terão que atravessar do jeito que eu fiz. Só que mais devagar.”

Barney vasculhou cuidadosamente com um pé debaixo d’água e seu carpete de algas marinhas

ondulantes, mas mesmo mais a frente do penhasco ele só conseguiu sentir apenas a borda do cume

submarino, e além dele, nada. “Não consigo sentir nada para pisar.”

“Então vocês vão ter que descer. Mergulhem nela.”

“Deveríamos ter ido nadar afinal de contas,” Barney disse nervosamente. Ele se agachou com as

duas mãos abaixadas até que estava sentado dentro d’água com suas pernas balançando sobre a fenda

escondida, e deixou-se descer escorregando.

A água estava quase sobre os seus ombros quando ele sentiu seus pés sobre rocha firme; ele tinha

esquecido o quanto Simon era mais alto. Ele atravessou com dificuldade e Simon rebocou ele para dentro da

água rasa. O short de Barney, molhado e escuro, grudou firme em suas coxas, e ele se curvou para arrancar

estranhos pedaços de alga marinha que tinham se enroscado em torno de suas pernas. Quase imediatamente

ele sentiu o calor do sol começar a secar sua pele, deixando para trás apenas uma camada de sal. Jane passou

do mesmo jeito, e juntos eles seguiram através dos últimos trechos rasos da piscina para onde as rochas se

projetavam secas novamente entre os montes marrons de algas marinhas.

“Realmente gostaria que soubéssemos sobre a maré,” Simon disse para Jane ansiosamente. Barney

tinha seguido deslizando e escorregando sobre as rochas diante deles.

Jane olhou para o mar. Ele batia suavemente contra a borda das rochas a poucas jardas de distância,

deixando um caminho natural por todo o fundo do penhasco.

“Com certeza ela não se moveu muito. Deve até mesmo estar parada. Eu ainda não me preocuparia,

devemos estar quase lá.”

“Bem, fiquem de olho. É com aquela parte funda que estou preocupado. Quando a água começar a

entrar ela vai entrar primeiro na poça, e ela não teria que encher muito para que não pudéssemos voltar por

onde viemos. Ela estaria passando da cabeça de Barney em pouco tempo.”

Jane ficou pálida, e olhou em frente para seu irmão mais novo, agora subindo de quatro. “Oh, Simon.

Você acha que deveríamos ter deixado ele para trás?”

Simon sorriu, “Gostaria de ter visto você tentar. Não se preocupe, vai ficar tudo bem. Pelo mesno

enquanto ficarmos de olho na maré.”

121

Olhando para trás, Jane percebeu de repente o quanto eles tinham ido longe. Agora estavam nas

rochas na ponta mais alta do promontório. Os pequenos sons distantes da terra não vinham mais da praia, e

não havia nada a não ser o suave respirar do mar. Era quase como se eles já estivessem isolados.

Então Barney gritou de excitação. “Ei, vejam! Depressa! Venham aqui! Eu encontrei!”

Ele estava parado perto do penhasco, algumas jardas a frente, quase escondido por uma rocha. Eles

podiam ver ele apontando em direção ao rosto do penhasco. Em um instante eles tinham esquecido a maré, e

pularam e escorregaram sobre poças e pedras indo até Barney, algas-marinhas estalando debaixo de seus pés

como tiros de metralhadora.

“Não é muito grande,” ele gritou enquanto subiam. Simon e Jane viram a fenda profunda na rocha só

quando estavam muito perto. Não era o tipo de caverna que tinham imaginado em suas mentes. Estreita e

triangular, ela se erguia nua e suficientemente alta para que Barney ficasse de pé dentro, e eles certamente

teriam que se abaixar para entrar. Pedras ásperas jaziam amontoados ao redor da entrada, e água pingava das

plantas que cobriam o teto. Eles não conseguiam ver muito longe lá dentro.

Jane disse em dúvida, “Vocês tem certeza que é isso?”

“É claro que é,” Barney disse positivamente. “Não poderia ter mais de uma.”

“Não vejo porque não.”

“Nem eu,” Simon disse, “mas acho que essa é a certa. Olhem para cima – você pode ver um tipo de

triângulo verde no topo do penhasco onde a grama cresce sobre a borda perto das rochas. Devemos estar

diretamente alinhados com o lugar onde aquele buraco sai lá em cima.”

Jane olhou, e olhou para baixo de novo rapidamente, assustada pela inquietante altura do rochedo

curvando-se acima deles.

“Acho que sim.”

Barney olhou dentro da escuridão. “Na verdade isso não é uma caverna, apenas um buraco, como lá

em cima. Hum” – ele fungou de modo crítico – “Tem cheiro de alga marinha e sal. E os lados estão todos

molhados, verdes e pingando. É muito bom que já estamos molhados.”

“Não gosto disso,” Jane falou de repente, olhando firme para a entrada escura tão pequena na vasta

massa do rochedo.

“O que você quer dizer com, você não gosta disso?”

“Me dá arrepios. Não podemos entrar ali.”

“Que dizer, você não pode,” Simon disse. Você terá que ficar vigiando para o caso da maré mudar.

Mas eu posso.”

“E quanto a mim?” Barney perguntou indignado. “Eu encontrei.”

“Você quer entrar?” disse Jane com terror.

“Com o Graal lá dentro? Quem não iria? Seria muito melhor se eu tentasse,” ele disse persuasivo

para Simon, “Sou o menor, e ele é estreito. Você pode ficar preso, e nunca mais sair.”

“Oh, não,” Jane disse.

122

“Se você entrar, vou entrar atrás de você,” Simon falou.

“Ok,” Barney disse alegremente. Ele esteve tão inexplicavelmente aliviado desde que encontrou-se

livre das garras do sinistro Sr. Hastings que nada mais, em comparação, parecia assustá-lo. “Gostaria que

tivéssemos trazido uma tocha.” Ele olhou para dentro da caverna pensativo. Dentro de poucos pés da entrada

ela estava negra e impenetrável.

“Queria que tivéssemos trazido uma corda,” Jane disse infeliz. “Então se você ficasse mesmo preso

eu poderia puxar você para fora.”

Simon colocou as mãos em seus bolsos olhando para o céu, e começou a assobiar de modo

indiferente. Eles olharam para ele.

“Bem?”

“Qual é o problema com você?”

“É muito bom que alguém na família tenha cérebro,” Simon disse.

“Quem? Você?”

“Não sei o que vocês fariam sem mim.”

“Oh, vamos lá,” Jane disse impacientemente, “você não tem uma corda ou uma tocha, então não

finja que tem.”

“Na verdade eu quase tenho.” Simon procurou dentro do bolso de seu short. “Vocês sabem quando

procuramos em nossos bolsos lá em cima essa manhã para ver se tínhamos um pouco de linha, e só tínhamos

aquela sua lã? Bem, pensei que deveríamos estar um pouco melhor equipados só pra garantir. Então quando

voltamos até a casa eu peguei um pouco da linha de pescar do Papai. Ele não tinha levado toda ela.” Sua mão

emergiu do seu bolso segurando um rolo bem enrolado de fina linha marrom. “Isso é tão forte como qualquer

corda.”

“Nunca pensei nisso,” Jane disse, com novo respeito.

“Ainda tenho também aquele velho pedaço de vela. Mas aposto que você não tem mais os seus

fósforos.”

Jane grunhiu. “Não, não tenho. Eles estavam em meu casaco, e eu deixei ele em casa. Oh, droga.”

“Pensei que deixaria,” Simon disse, e com o floreado afetado de um mágico ele tirou uma caixa de

fósforos e o toco de vela do bolso de sua camisa. Então seu rosto murchou. “Oh, Deus, eles molharam.

Devem ter sido encharcados quando escorreguei naquela poça. O pavio da vela está molhado, ela não vai ser

muito útil. Mesmo assim, os fósforos ainda estão bons.”

“Eles vão servir,” Barney disse encorajador. Isso é demais. Vamos lá.”

Simon pegou o estojo do telescópio de onde ele tinha enfiado, debaixo do seu braço, e o entregou a

Jane. “É melhor você tomar conta do manuscrito, Jane. Se eu deixar cair lá dentro não encontraríamos ele

nunca mais.”

Ele olhou de novo para o mar. As pedras onde eles ficram eram mais como uma calçada aqui,

estendendo-se quase planas da base do penhasco para dentro da água. Só um amontoado de rocha cinza

ficava sozinho perto da entrada da caverna.

A água ainda saltava suavemente na borda a seis ou sete jardas de distância, nem mais perto nem

123

mais distante do que estivera quando eles deixaram a praia pela primeira vez. Simon ficou imaginando

nervoso quanto tempo restava antes que a maré mudasse. “Eu calculo que temos cerca de meia hora,” ele

disse lentamente. “Depois disso teremos que cair fora depressa antes que a maré nos pegue. Venha aqui,

Barney, e fique parado.”

Ele encontrou a ponta solta do rolo de linha de pescar e o amarrou firme bem seguro ao redor da

cintura de Barney. “Se você for primeiro eu posso segurar a linha atrás de você.”

“Você acha que ele deve ir?” Jane disse.

Barney se virou e olhou para ela.

“Bem, não estou muito contente com a idéia,” Simon disse, “mas ele está certo sobre ser mais

estreito, e ele pode ser o único que pode conseguir chegar lá dentro. Está tudo bem, não vou soltar ele.

Aqui…” Ele entregou o rolo de linha para Jane. “Não deixe ele afrouxar muito.”

“E não mantenha muito apertado,” disse Barney, indo para a entrada, “ou você vai me cortar ao

meio.”

Jane olhou para o relógio dela. “São quase cinco horas. Quando vocês estiverem lá dentro dez

minutos, vou puxar a linha duas vezes para avisar.”

“Dez minutos!” disse Barney com desdém. “Podemos ter que entrar por milhas.”

“Vocês podem sufocar,” disse a pobre Jane.

“É uma boa idéia,” Simon falou depressa, olhando para o rosto dela. “Você vai puxar duas vezes, e

se eu puxar de volta duas vezes, significa que estamos bem mas vamos ficar lá dentro. Se eu puxar três

vezes, significa que estamos saindo.”

“E se eu puxar três vezes significa que você tem que sair, porque a maré mudou.”

“Certo. E quatro puxadas de qualquer uma das pontas significa um sinal de problemas,” Simon

adicionou depressa, “não que vá existir alguma necessidade disso.”

“Está certo,” Jane disse. “Oh, Deus. Não demorem.”

“Bem, teremos que ir devagar. Mas não fique preocupada, nada vai dar errado.” Simon bateu nas

costas dela, e seguiu enquanto Barney, esticando ansioso a linha ao redor de sua cintura como um cão em

uma correia, balançou uma das mãos brevemente e desapareceu dentro da boca da caverna.

124

CAPÍTULO CATORZE

Barney piscou na escuridão. Quando seus olhos foram se acostumando a ficar fora da luz do sol,

vagos objetos tomaram forma no escuro. Ele percebeu que a luz da entrada penetrava mais fundo do lado de

dentro do que eles tinham percebido; e ao menos pelas poucas primeiras jardas ele conseguiu ver o leve

brilho das viscosas plantas verdes cobrindo as paredes e o teto da caverna, e o cintilar da água que jazia pelo

fundo em uma raza corrente imóvel.

Ele se moveu em frente com cuidado, uma das mãos para cima tocando o teto e a outra esticada para

um lado. Ele podia sentir uma leve resistência na linha ao redor de sua cintura pois Simon a segurava atrás

dele. No silêncio enclausurado da caverna ele podia ouvir bem alto o bater dos pés deles através da água, e a

respiração de seu irmão.

“Vá com cuidado,” Simon disse, atrás dele. Ele falou suavemente, quase em um sussurro, mas a

caverna fez sua voz ecoar em um sonoro murmúrio que encheu todo o espaço ao redor deles.

“Estou indo.”

“Pode bater sua cabeça.”

“Você pode bater a sua. Atenção nessa parte aqui, ela é mais baixa. Coloque sua mão para cima, no

teto, e vai sentir.”

“Eu consigo,” Simon disse calorosamente. Seu pescoço estava curvado para baixo de modo

desconfortável; mais alto do que Barney, ele tinha que se inclinar levemente por todo o caminho para evitar

bater sua cabeça na rocha cheia de limo acima. De vez em quando uma grande gota de água gelada

escorregava descendo dentro da gola de sua camisa.

“Está frio?”

“Congelante.” O short de Barney estava grudando e úmido até o topo de suas pernas, e ele sentiu o ar

frio através de sua camisa. Estava achando cada vez mais e mais difícil distingüir qualquer forma ao redor

dele, e logo parou inquieto, sentindo a escuridão se fechar como se estivesse pressionando seus olhos.

Apalpando acima, seus dedos não conseguiam mais sentir o teto. Ele se erguia fora de alcance diante dele, e

ele agarrou o ar.

“Espere um minuto, Simon.” Sua voz retornou para ele de modo estranho vindo de todos os lados.

“Acho que aqui fica mais alto. Mas agora não consigo ver nada. Você tem aqueles fósforos?”

Simon tateou seu caminho até a linha onde Barney estava. Ele tocou o ombro dele, e Barney sentiu-

se mais confortável com o contato do que admitiria até para si mesmo.

“Não se mexa. Estou soltando a linha por um minuto.” Simon procurou pelos fósforos em seu bolso

e abriu a caixa, sentindo as bordas cuidadosamente para ter certeza que estava do lado certo. Os dois

primeiros fósforos estalaram teimosamente quando tentou acendê-los, e nada aconteceu. O terceiro acendeu

mas quebrou ao fazê-lo, queimando os dedos de Simon tanto que ele o largou soltando uma exclamação

antes mesmo que eles pudessem piscar com o ofuscar da luz repentina. Houve um leve chiado quando ele

caiu na água perto dos pés deles.

“Depressa,” disse Barney.

“Estou indo o mais rápido que posso... ah, é isso.”

125

O quarto fósforo estava seco, e ao raspar emitiu uma chama, tremulante. Simon usou as mãos para

protegê-la. “Engraçado, deveria ter uma corrente de ar aqui dentro. Não consigo sentir nenhuma.”

“O fósforo consegue. Isso é bom, significa que deve ter uma abertura em algum lugar na outra ponta.

Então essa é a caverna certa afinal de contas.”

A mão de Simon escondeu o brilho ofuscante da pequena chama, e Barney olhou rapidamente ao

redor na luz ondulante. As sombras deles dançavam enormes e grotescas na parede. Ele olhou para cima, e

deu alguns poucos passos cuidadosos em frente. “Espere um pouco... ei, vamos lá, o teto fica um pouco mais

alto aqui, você vai conseguir ficar de pé.”

Simon caminhou cuidadosamente em direção a ele, curvado sobre o fósforo, e esticou suas costas

com um suspiro de alívio. Então o fósforo queimou seus dedos, e ele o largou. De uma só vez a escuridão os

envolveu como um cobertor novamente.

“Agüente firme, vou acender outro.”

“Bem, espere um minuto, não queremos desperdiçá-los. Consegui ver um pouco do caminho a frente

quando ele apagou, então podemos ir até lá antes que você acenda o próximo.”

Barney fechou seus olhos. De algum modo, mesmo que a caverna estivesse tão escura quanto estava

quando seus olhos estavam abertos, percebeu que fechá-los lhe dava uma sensação de estar mais seguro.

Ainda tocando a parede escorregadia com as pontas de seus dedos, ele se moveu dois ou três passos em

frente. Simon o seguiu com uma das mãos sobre o ombro dele, olhando adiante dentro da escuridão mas

enxergando tão pouco como se uma grossa cortina preta estivesse pendurada em frente a seu rosto.

Eles continuaram entrando na caverna pelo que pareceu ser um longo tempo. De vez em quando

Simon acendia um fósforo, e eles se moviam em frente enquanto a fraca luz durava, e pela pouca distância

lembrada depois que ela se desfazia. Eles tentaram uma vez acender o toco de vela, mas ele apenas chiou

teimosamente, então Simon o colocou de volta em seu bolso.

O ar estava frio, mas fresco em seus rostos. Embora houvesse ao redor deles um cheiro de sal e algas

marinhas, como se eles estivessem sob o mar, não era difícil respirar. O silêncio, como a escuridão, parecia

quase sólido, quebrado apenas pelos seus próprios passos, e por um ocaciosnal “pop” quando em algum

lugar a água caía do teto da caverna.

Enquanto Simon estava parado, remexendo na caixa de fósforos novamente, Barney sentiu a linha ao

redor de sua cintura ficar esticada e enterrar nele; uma, duas vezes. “Dois puxões na linha. Deve ser Jane.

Dez minutos. Deus, Pensei que estivéssemos aqui dentro faz horas.”

“Vou responder,” Simon disse. Ele acendeu um fósforo e viu a linha fina e esticada sob a sua luz.

Agarrando-a bem firme ele deu dois puxões lentos na direção da qual eles tinham vindo.

“É engraçado pensar em Jane na outra ponta,” Barney disse.

“Fico imaginando quanta ainda resta?”

“Deus – você acha que podemos ficar sem? Quanta linha tinha lá?”

“Um monte,” disse Simon, mais otimista do que sentia estar.

“Estivemos seguindo terrivelmente devagar. Uau!” O fósforo queimou descendo até seus dedos, e ele

o largou depressa.

Não teve chiado algum quando ele caiu. Enquanto eles seguiam em frente, apalpando, Simon

percebeu de repente que ficou esperando pelo barulho.

126

“Espere um instante, Barney.” Ele arrastou com um pé no chão e olhou para baixo. “O chão não está

mais molhado.”

“Meus sapatos ainda estão chiando,” Barney disse.

“É a água dentro deles, idiota, não fora.” A voz de Simon ribombou pela caverna, e rapidamente ele

a baixou para um sussurro novamente, com um certo medo de que o barulho pudesse derrubar o teto sobre

eles.

“Aqui os lados também não estão viscosos,” Barney falou de repente. “É rocha seca. Na verdade já

estava assim faz algum tempo, só que eu não tinha notado.”

Outro fósforo se acendeu quando Simon o encostou no que estava se apagando em seus dedos. Ele

segurou a chama perto da parede. Eles viram granito cinza, com nervuras aqui e ali com uma rocha branca

brilhante, e nenhuma alga marinha. O chão, quando Barney se abaixou para tocá-lo, estava coberto com um

tipo de areia fina.

“Devemos estar subindo a colina.”

“O mar nunca consegue entrar tão longe.”

“Mas nós ouvimos o barulho dele lá de cima, de manhã. Isso significa que passamos da parte onde

fica a bertura da chaminé?” Barney esticou o pescoço para trás para olhar para o teto.

“Acho que não,” Simon disse em dúvida. “O barulho seguiria por um longo caminho. Ei, olhe lá na

frente depressa, esse fósforo está apagando.”

Barney olhou adiante para a, agora familiar, imagem que mais tarde ele jamais esqueceria: de

estreitas paredes com sombras dançantes formando um túnel para dentro do escuro, confinando-os em um

aperto nem um pouco amigável. E um segundo antes que a escuridão descesse sobre eles novamente ele

pensou que viu a cortina de sombra ao fundo mais perto do que estivera antes.

Ele se moveu em frente hesitante, e então algum instinto disse a ele para fazer uma parada. Ele

estendeu sua mão na escuridão silenciosa. Ela encontrou rocha sólida a poucas polegadas de seu rosto.

“Simon. É um beco sem saída.”

“O quê?” Incredulidade e desapontamento elevaram-se na voz de Simon. Ele lutou com os fósforos;

agora podia sentir o fundo da caixa através deles, e percebeu que poderia não ter muitos sobrando.

Na luz bruxuleante era difícil diferenciar sombra da escuridão, mas eles viram que na verdade a

caverna não tinha chegado ao fim. Ao invés disso ela se transformou, bem na frente deles, em uma longa

passagem mais estreita: alta e fina, com uma grande pedra enfiada entre seus lados cerca de três pés do chão.

Acima das cabeças deles, fora de alcance, a fenda era aberta até o teto; mas não havia como subir até lá. A

pedra bloqueava o caminho.

“Nunca vamos passar por isso,” Simon falou em desespero.

Deve ter acontecido um desmoronamento desde que o homem de Cornwall passou.”

Barney olhou para baixo, para a ameaçadora abertura que permaneceu no fundo da fenda, irregular e

sinistra através das sombras dançantes, e engasgou. Ele estava começando a desejar muito que eles

estivessem de volta à luz do sol.

Então ele pensou no Graal, e então no rosto do Sr. Hastings. “Posso passar por baixo, se eu rastejar.”

127

“Não,” Simon disse depressa. “É perigoso.”

“Mas agora não podemos voltar.” Barney ganhou confiança quando começou a argumentar.

“Chegamos tão longe, devemos estar apenas a poucos passos dele. Vou sair se for estreito demais. Oh,

vamos lá, Simon, deixa eu tentar.”

O fósforo se apagou.

“Não sobraram muitos,” Simon disse de dentro da escuridão.

“Eles vão acabar logo. Simplesmente temos que fazer aquela vela acender, ou poderemos ficar

presos no escuro. Onde você está?”

Apalpando seu caminho pela linha em direção a Barney, ele pegou a mão dele e colocou a caixa de

fósforos nela. Então procurou pelo toco de vela em seu próprio bolso, esfregando cheio de esperança seu

pavio na camisa para secá-lo. “Agora acenda um dos fósforos.”

Houve um barulho na escuridão atrás deles, como o de uma pedra caindo; o barulho de um rangido e

então silêncio novamente. “O que foi isso?”

Eles ficaram escutando nervosos, mas só conseguiram ouvir o violento bater de seus próprios

corações. Barney riscou um fósforo, sua mão tremendo. A caverna se acendeu ao redor deles novamente,

com apenas a escuridão pressionando da direção do barulho de modo zombeteiro.

“Não foi nada,” Simon disse finalmente. “Só uma pedra solta em que devemos ter esbarrado. Aqui.”

Ele segurou o toco de vela na chama. O fósforo queimou, mas o pavio da vela apenas chiou como antes. Eles

tentaram de novo, prendendo a respiração, e dessa vez o pavio pegou, e queimou com uma longa chama

amarela fumacenta.

“Segure esses,” Barney disse com determinação. “Vou entrar lá.” Ele entregou de volta a Simon os

últimos fósforos e pegou a vela. “Veja,” ele disse, protegendo a chama fumacenta da corrente de ar com sua

outra mão. “Na verdade não é tão baixo, posso seguir em frente de quatro.”

Simon olhou infeliz para a entrada. “Bem... pelo amor de Deus tenha cuidado. E puxe a linha se ficar

preso, vou segurá-la firme.”

Barney se abaixou sobre as mãos e joelhos e rastejou para dentro da abertura escura debaixo da rocha

presa, segurando a vela que tremia perigosamente diante dele. Agora a corrente de ar parecia estar mais forte.

A rocha esfregava em seu corpo por todos os lados, de modo que ele tinha que manter a cabeça baixa e seus

cotovelos para dentro, e por um momento quase entrou em pânico com a sensação de ficar preso.

Mas antes que o pânico pudesse tomar conta, as sombras que se erguiam ao redor do ponto de luz

mudaram suas formas, e ele levantou a cabeça sem bater na rocha. Ele rastejou um pouco mais longe, o chão

áspero e pedregoso debaixo de seus joelho; e descobriu não apenas que podia ficar de pé mas também que a

caverna estava muito mais larga. A poça de luz lançada pela sua cuidadosamente protegida chama nem ao

menos mostrava as paredes em cada lado.

“Você está bem?” A voz ansiosa de Simon surgiu abafada através da abertura atrás dele.

Barney se curvou. “Tudo bem, ela fica mais larga de novo aqui, essa deve ser uma entrada... Estou

seguindo em frente.”

Ele sentiu a linha em sua cintura apertar quando Simon puxou dando uma resposta e ele partiu

lentamente pela caverna. A escuridão se abriu diante dele na pequena luz de seu pedaço de vela, já queimado

e derramando cera quente sobre as suas unhas. Quando olhou para trás sobre seu ombro ele não conseguiu

mais ver a entrada da qual ele tinha vindo.

128

“Alô,” Barney disse experimentalmente dentro da escuridão. Sua voz sussurrou de volta de um modo

sinistro: não ribombando e reverberando como tinha feito no estreito túnel semelhante a uma caverna pelo

qual eles entraram, mas silenciando ao longe, alto no ar. Barney girou em um círculo, olhando em vão dentro

da escuridão. O espaço ao redor dele devia ser tão grande quanto uma casa – e ainda assim ele estava nas

profundezas de Kemare Head.

Ele fez uma pausa, hesitando. “A vela estava queimando, suave entre seus dedos. O pensamento no

homem escuro na sua estranha casa vazia retornou a ele de repente, e com toda a sensação de ameaça que

cercava seus perseguidores, o inimigo, que deseja tão desesperadamente impedí-los de encontrar o Graal.

Barney tremeu de pavor e com um frio inesperado. Foi como se todos eles estivessem ao redor dele

na escuridão silenciosa, maléficos e invisíveis, desejando que ele voltasse. Seus ouvidos zuniram; mesmo no

grande espaço vazio da caverna ele sentiu que alguma coisa o estava pressionando, dizendo a ele

insistentemente para dar meia-volta. Quem é você para intrometer-se aqui, a voz pareceu sussurrar; um

pequeno garoto, xeretando algo que é muito maior do que pode entender, que tem permanecido sem ser

perturbado por tantos anos? Vá embora, volte para onde você está seguro, deixe tais coisas antigas em

paz...

Mas então Barney pensou em tio Merry, para quem eles estavam seguindo nessa misteriosa busca.

Ele pensou em tudo que ele havia dito, bem no começo, sobre a batalha que nunca estava vencida mas nunca

totalmente perdida. E ainda que ele não visse nada a não ser as sombras, e a negritude por todo o redor de

sua pequena e solitária poça de luz amarela, de repente tinha uma imagem vívida do cavaleiro Bedwin que

tinha começado tudo isso quando veio fugindo do leste para Cornwall. Ele ficou na mente de Barney com

toda sua armadura, guardando a última crença de Rei Arthur. Perseguido pelas mesmas forças que agora os

perseguiam.

E Barney lembrou da história de que Bedwin foi enterrado em Kemare Head, talvez diretamente

acima da caverna onde ele estava, e não estava assustado. Agora havia uma certa sensação de amizade assim

como de medo no escuro ao redor dele.

Então Barney não se virou. Ele seguiu em frente, protegendo sua pequena luz moribunda, dentro da

escuridão que devolvia o som de seus próprios passos em ecos sussurrados. E então, acima de sua cabeça, ele

notou um barulho mais estranho do que qualquer coisa que ele tinha ouvido.

Parecia vir de lugar algum, surgindo do ar; um murmúrio sobrenatural rouco, muito fraco e distante,

que mesmo assim preenchia toda a caverna. Ele oscilava para cima e para baixo, alto e então baixo, com o

vento que canta nas árvores e fios telegráficos. Enquanto o pensamento tremulava através da mente de

Barney, ele segurou a vela erguida e viu que acima de sua cabeça o teto se abria em uma espécie de chaminé,

seguindo para cima, para cima e para fora de vista. Por um instante ele pensou que viu um ponto de luz

brilhando, mas a própria luz dele ofuscava seus olhos e ele nunca podia ter certeza. E percebeu que o barulho

que podia ouvir era o vento, distante lá em cima, soprando sobre o buraco nas rochas que eles tinham

encontrado naquela manhã. A cantoria na caverna era a cantoria do vento acima de Kemare Head.

Foi quase por acidente, enquanto ele estava olhando para cima, que viu a saliência. Ela emergia do

lado rochoso da chaminé no final da caverna; uma protuberância de rocha sob uma abertura, como um tipo

de armário natural, bem ao alcance dele. Dentro dele, ele viu o brilho da luz da vela refletir de uma forma

que não fazia parte da rocha.

Mal ousando respirar, ele se esticou e sentiu sua mão tocando o lado de algo liso e curvado. Sob as

suas unhas, ecoou com o som de metal. Ele o agarrou e o desceu dali, piscando com a poeira que levantou da

saliência quando o fez. Era uma taça, pesada e de forma estranha; crescendo a partir de uma base espessa

com forma de sino como os cálices que ele tinha visto ilustrados em seus livros sobre o Rei Arthur. Ele ficou

imaginando como os artistas poderiam saber. Dificilmente podia acreditar que esse, finalmente, devia ser o

Graal.

129

O metal estava frio em sua mão; empoeirado e muito sujo, mas com um leve brilho dourado debaixo

da sujeira. Não tinha mais nada na saliência.

A vela tremulou de repente. A cera pareceu suave e morna, e Barney supôs com um choque que ela

queimaria por apenas mais uns poucos momentos antes que ele fosse deixado sozinho no escuro. Ele se

afastou da saliência seguindo na direção da qual tinha vindo, e percebeu o quão perdido ele estaria sem a

linha amarrada na sua cintura. A vasta câmara arredondada da caverna extendia-se ao redor dele dentro do

escuro; apenas a linha, estendida e fina, indicava a ele o caminho a seguir.

Ele caminhou na direção dela; a linha caiu ao chão e então esticou-se novamente. Simon deve estar

puxando-a. Barney apertou o Graal contra si com uma das mãos e ergueu a vela, agora quase toda queimada,

com a outra. A excitação afastou todos os medos que ele tinha sentido antes. “Simon!” Ele gritou. “Eu

encontrei!”

Não houve resposta alguma a não ser sua própria voz sussurrando de volta da caverna vazia.

“Encontrei... encontrei...” ...uma dúzia de vozes, cada uma delas era a sua própria voz, vindo de todos os

lados.

E a luz estremeceu, e se apagou.

A linha ficou esticada quando Barney colocou sua mão nela e caminhou lentamente em frente.

“Simon?” Ele disse de modo incerto. Ainda não houve resposta. Por um momento ele viu em sua mente uma

terrível imagem de Simon derrotado e desamparado. E no outro lado da estreita passagem na rocha, a figura

alta sarcástica do Sr. Hastings, segurando a linha como se estivesse pegando um peixe em um anzol, e

esperando...

A garganta de Barney ficou seca de repente. Ele segurou o Graal com mais froça na escuridão, seu

coração batendo mais forte. Então ouviu a voz de Simon, baixa na scuridão diante dele e muito abafada.

“Barney!... Barney?”

Barney esticou sua mão e sentiu a rocha onde o teto descia subitamente até a parte mais estreita da

caverna. “Estou aqui... Simon, eu encontrei, eu peguei o Graal!”

Mas tudo que a voz apressada e abafada disse foi, “Saia, depressa.”

Barney se abaixou sobre suas mãos e joelho, estremecendo novamente com a pressão das bordas

pontudas da rocha. Ele rastejou cuidadosamente dentro da fenda que separava as duas partes da caverna,

batendo sua cabeça no escuro no baixo teto irregular. Segurou o Graal de pé diante dele, mas ele bateu contra

o lado da rocha e retiniu, para sua surpresa, com uma longa nota musical tão clara e verdadeira quanto a de

um sino.

Ele viu um leve brilho na parte mais distante da fenda, e então o brilhante cintilar de um fósforo, e

Simon se abaixando e puxando a linha com sua mão livre. As sombras fizeram seus olhos parecerem

grandes, escuros e assustados. Ele observou enquanto Barney emergiu, esquecendo de tudo com a visão da

grande taça.

Simon estivera ficando mais e mais ansioso, e apenas a sensação de Barney ainda se movendo na

outra ponta da linha o tinha impedido de rastejar através do buraco estreito ele mesmo. Ele tinha ficado

sozinho no escuro, tenso a cada som, desejoso por luz mas forçando a si mesmo a manter os seis fósforos

restantes em seu bolso para a jornada de volta. Pareceu um longo tempo.

Ele pegou a taça das mãos de Barney. “Pensei que teria uma forma diferente, de algum jeito... o que

é isso dentro?”

“Onde?”

130

“Veja…” Simon enfiou a mão dentro da taça e retirou o que a primeira vista parecia como um

pequeno galho, quase tão escuro pela idade quanto a própria taça. Ele estivera enfiado entre os lados, e

Barney não tinha visto ele em sua pressa.

“É muito pesado. Acho que é feito de chumbo.”

“O que é isso?”

“Um tipo de tubo. Como o estojo do telescópio, só que muito menor. Não parece que ele desenrosca,

entretanto. Talvez ele simplesmente se encaixe.” - Simon puxou o tubo experimentando, e de repente uma

ponta dele saiu como uma tampa; e enfiado em um rolo dentro eles viram algo muito familiar.

“É outro manuscrito!”

“Então foi isso que ele quiz dizer quando falou...” Simon parou. Ele tinha segurado uma ponta do

pergaminho enrolado em uma tentativa de retirá-lo do tubo, e a borda tinha esfarelado ao seu toque. Com

cautela repentina ele afastou sua mão, e no mesmo instante lembrou por que tinha gritado para que Barney

saísse de modo tão ansioso.

“Não podemos tocá-lo, é antigo demais. E Barney, temos que sair o mais rápido que pudermos. Jane

deu três puxões na linha um pouco antes de você ter voltado. A maré deve estar subindo. Se não sairmos

logo ficaremos presos.”

Assim que os garotos desapareceram dentro da boca da caverna Jane tinha se encostado na rocha

solitária, entre os travesseiros molhados de algas marinhas e a pequena trilha de granito cinza esverdeado ao

redor do penhasco. Ela enfiou o estojo do telescópio debaixo do braço cuidadosamente. Mesmo que ela

sempre estivesse com Simon quando o estava carregando, ela sentiu uma peculiar sensação de

responsabilidade inquietante com o pensamento sobre o que estava dentro dele.

Gradualmente ela esticou a fina linha de pesca do rolo cuidadosamente enrolado em sua mão. A

pressão sobre ela era irregular, como se dentro da caverna os garotos estivessem se movendo para frente e

parando a cada momento. Ela devia se concentrar para evitar que a linha esticasse demais ou caísse frouxa no

chão.

Estava muito quente. O sol caía sobre o penhasco cinza, e ela sentia o calor espetando por sua pele.

Até a pedra na qual ela se encostava era cozida pelo sol, e ela podia sentir o calor dela em sua costa através

da camisa. Atrás dela, a água sibilava suavemente enquanto banhava a borda das rochas descobertas. Não

havia nenhum outro som em lugar algum, no pé solitário do promontório com o mar estendendo-se por todo

redor, e sem a linha se movendo em suas mãos Jane poderia ter acreditado que ela era a única pessoa no

mundo. A terra, e a Casa Cinza, pareciam muito distantes.

Ela ficou imaginando se os seus pais ainda não tinham voltado de Penzance, e o que eles pensariam

quando encontrassem a casa completamente vazia, sem nada que mostrassa aonde todos tinham ido.

Ela pensou nas três figuras que eles tinham visto caminhando sobre Kemare Head, guiadas pelo

assustador Sr. Hastings de preto e com pernas longas como algum inseto gigante. Ela olhou instintivamente

para cima do penhasco. Mas não houve som algum, nenhum movimento, apenas a grande curva cinza de

rocha que inclinava-se sobre ela em permanente ameaça imóvel, com a capa verde de grama do promontório

no topo, duzentos pés acima.

E então tio Merry os seguiu dentro da mente dela. Onde estava ele? Aonde ele tinha ido dessa vez? O

que, tão perto do fim da busca, poderia ter sido importante o bastante para levá-lo para longe? Nunca por um

momento Jane pensou que ele poderia ter se machucado, ou ter sido capturado pelo inimigo. Ela lembrou

claramente demais da completa confiança com a qual tio Merry tinha pego ela nos braços à meia-noite no

promontório: “Eles não ousam seguir se eu estiver aqui...”

131

“Gostaria que você estivesse aqui agora,” Jane disse, bem alto, tremendo um pouco independente do

quente ar parado. Ela não estava feliz com Simon e Barney tão fundo dentro de uma escuridão onde qualquer

coisa poderia estar a espreita, onde eles poderiam se perder e jamais sair, onde o teto poderia cair...

Tio Merry teria garantido que nada como isso pudese acontecer.

Jane olhou para o seu relógio. Passavam doze minutos das cinco, e a linha em suas mãos ainda

estava se movendo lenta e irregularmente para dentro da caverna. Ela deu dois puxões fortes na linha. Depois

de algum tempo sentiu ela se mover duas vezes em resposta; mas fracamente. A linha estava desenrolada

dois terços; ela gostaria de ter medido assim que a soltou. O tempo se arrastava; e a linha ainda era puxada

insistentemente de sua mão, movendo-se para dentro da entrada escura mais lentamente agora. O sol brilhava

imóvel no vazio céu azul, e uma pequena brisa soprava de lugar algum para erguer o longo cabelo solto de

Jane.

Ela se encostou na pedra e deixou seus sentidos vagarem, sentindo o calor do sol sobre a sua pele,

respirando o cheiro de mar das rochas molhadas e algas marinhas, e escutando o leve ondular do mar. Então

em um tipo de torpor sonolento, com apenas os seus dedos despertos, ela percebeu que o som do mar mudou.

Ela se levantou depressa e se virou. Para o seu horror, as pilhas de algas marinhas mais próximas do

mar estavam balançando para cima e para baixo em uma ondulação que antes não estava lá. Ondas estavam

caindo sobre o que tinha sido a borda das rochas; mais perto dela, ela pensou, do que estavam. A maré estava

mudando.

Jane sentiu o pânico começar a se erguer dentro dela. As últimas poucas voltas da linha agora

estavam soltas em sua mão: os garotos devem estar bem fundo dentro da caverna. Ela segurou a linha com

firmeza, enrolando a parte frouxa em sua mão e seguindo até a escura boca da caverna, e a puxou com força

uma, duas, três vezes.

Nada aconteceu. Ela esperou, escutando a batida regular das ondas que se fechavam rastejando.

Então justo quando lágrimas de medo estavam começando a surgir em seus olhos sentiu o sinal de resposta;

três leves puxadas na linha em sua mão. Quase imediatamente a tensão diminuiu, e a linha começou a cair

frouxa. Jane deu um grande suspiro de alívio. A linha veio em sua direção enquanto ela puxava; lentamente

no começo e então com maior facilidade, mais rápido do que ela a esticava. Então finalmente, Simon e

Barney, piscando na luz do dia por trás de mãos erguidas para proteger seus olhos, sairam tropeçando da

entrada estreita da caverna.

“Alô,” Simon disse tolamente, soando meio confuso. Os fósforos dele tinham acabado cinco minutos

antes que eles chegassem até a luz, e a última parte do caminho tinha sido uma jornada de pesadelo na

escuridão total, caminhando cegamente e confiando na sensação da linha para lhes dizer que o caminho a

frente estava livre. Ele tinha feito Barney deixar ele ir primeiro. O tempo todo ele sentia que cada passo

seguinte deveria fazer ele bater contra a rocha, ou deixá-lo cara a cara no escuro com alguma Coisa

inominável, e não teria ficado surpreso se quando emergissem descobrissem que todo o seu cabelo tinha

ficado branco.

Jane apenas olhou para ele com um pequeno sorriso torto e disse do mesmo modo que ele havia dito,

“Alô.”

“Veja!” Barney disse, e levantou o Graal.

Jane sentiu seu sorriso alargar de satisfação. “Então nós vencemos eles! Conseguimos! Deus, queria

que tio Merry estivesse aqui.”

“Acho que é feito de ouro,” Barney esfregou o metal. Sob a luz do sol do lado de fora, o Graal

pareceu muito menos mágico do que na misteriosa escuridão da caverna; mas um claro cintilar amarelo

aparecia aqui e ali através da sujeira em seus lados. Também tem um tipo de escrita espalhada por ele todo,”

ele disse. “Mas você não consegue ver adequadamente, sem limpá-lo.”

132

“É terrivelmente antigo.”

“Mas o que isso significa! Quer dizer, todo mundo está atrás dele como louco, porque ele pode dizer

alguma coisa, mas quando se olha para ele não parece ter nada que pudesse dizer a alguém. A não ser que

aquela escrita seja algum tipo de mensagem.”

“O manuscrito,” Simon disse.

“Oh, Deus, sim.” Barney tirou o pequeno e pesado tubo de chumbo da taça, e mostrou o manuscrito

em seu interior para Jane. “Isso estava enfiado no Graal. Deve continuar de onde nosso manuscrito parou.

Aposto que é tremendamente importante. Aposto que ele explica tudo. Mas ele pára quase ao mesmo tempo

em que você olha para ele.” Ele colocou a tampa de volta no tubo cuidadosamente.

“Temos que levar ele para casa em segurança,” Simon disse. “Fico imaginando se tem espaço...

espere um minuto.” Ele tirou o estojo do telescópio debaixo do braço de Jane e o desatarrachou. O familiar

manuscrito deles ergueu-se da parte menor, preenchendo-a de modo bem apertado. Simon pegou o escuro

cilindro de chumbo e o enfiou cuidadosamente dentro do pergaminho no estojo do telescópio. “Ai está. Tem

um lenço, Jane?”

Jane tirou seu lenço do bolso da camisa dela. “Para que?”

“Para isso,” Simon disse, enfiando o lenço em uma bola apertada dentro da parte de cima do rolo de

pergaminho. “Isso vai manter o novo pergaminho firme. Teremos que correr se formos sair antes que a maré

nos pegue, e ele vai sacudir bastante.”

Automaticamente Jane e Barney se viraram para olhar de novo para o mar. E exatamente no mesmo

momento cada um deles engasgou, com um barulho de puro medo estrangulado. Simon tinha curvado sua

cabeça para juntar novamente as duas metades do estojo. Ele olhou para cima depressa. Agora as ondas

estavam carregando as algas marinhas a seis pés de onde eles estavam. Mas não era isso que estava errado.

Jane e Barney, paralisados no meio do movimento, estavam olhando para mais longe no mar.

Por um momento, a pedra que estava saliente obscureceu a visão de Simon. Então ele também viu as

grandes linhas extensas do iate Lady Mary, navegando a pleno vapor, aproximando-se do fim do

promontório em direção a eles. E ele também viu a figura escura alta parada na proa com um braço erguido,

apontando.

“Vamos lá, depressa!” Ele agarrou Barney e Jane pois eles estavam imóveis com o choque, e os

empurrou em frente a ele. Eles pularam e escorregaram sobre as pedras cobertas de algas marinhas, para

longe da caverna e do iate perseguidor. Barney agarrava o Graal em uma das mãos enquanto corria, seus

braços esticados para manter o equilíbrio, e Simon segurava os manuscritos em seu estojo apertado contra

seu peito. Ele olhou para trás por cima dos ombros e viu a grande vela branca principal do iate descer sobre o

convés, e um pequeno bote sendo baixado pelo lado.

Barney escorregou e caiu, e quase levou os dois para cima dele. Mesmo quando ele caiu o Graal não

escapou de suas mãos, mas bateu na rocha mais uma vez com a mesma nota clara de antes semelhante a um

sino. Ela ecoou acima do som de seus pés apressados.

Com esforço ele se levantou de novo, mordendo seu lábio com o arder do sal entrando em um

arranhão em seu joelho, e eles continuaram correndo. Agora eles estavam pisando através da água o tempo

todo. As ondas haviam crescido, e estavam quebrando bem em cima das rochas a cada pulsar da maré

crescente. A água marcou as poças e buracos com algas marrons que giravam, e cobriu a rocha nua com uma

capa ondulante que se transformaria, em breve, em uma corrente forte o bastante para deslocar os velozes pés

desesperados deles.

Barney correu de novo, e caiu espirrando água.

133

“Deixa eu pegar isso.”

“Não!”

Ele lutou para encontrar um apoio para o pé, Jane erguendo-o pelo seu braço livre, e o pesadelo

frenético de uma corrida os fez correr mais rápido, fazendo zigue zague com loucos saltos cegos sobre as

rocha lavadas pelas ondas. Simon olhou para trás novamente. Duas figuras em um pequeno bote estavam

remando depressa vindo do iate em direção a eles. Ele ouviu os motores do iate ganharem vida.

“Continuem, rápido!” ele engasgou. “Ainda podemos fazer isso!” Eles seguiram em frente depressa,

meio tropeçando, sendo mantidos sobre os pés apenas pela sua velocidade. Ainda não havia sinal algum da

praia ao redor do promontório, mas apenas o mar de um lado e a grande parede do penhasco elevando-se do

outro. E diante deles, submergindo dentro da maré, o longo caminho de pedras e algas.

“Parem!” Uma voz profunda soou através da água atrás deles.

“Voltem! Suas crianças etúpidas, venham aqui!”

“Eles não vão nos pegar,” Simon ofegou, agarrando Barney quando ele quase caiu uma terceira vez,

e colocando-o de pé novamente. Ao lado dele Jane estava soluçando em busca de ar a cada passo, mas

correndo e tropeçando com a mesma pressa desesperada. Então, dando a volta no promontório diante deles

algo mais surgiu em seu campo de visão, e derrubou suas esperanças como pedras no fundo do mar.

Era outro bote, largo como uma banheira, lutando contra as ondas como uma barcaça. O garoto Bill

sentava junto a um barulhento motor na popa, e o Sr. Withers estava inclinando-se para frente ansioso diante

dele, seu comprido cabelo escuro soprando ao vento. Ele os viu e gritou de triunfo, e eles viram um sorriso

desagradável se abrir no rosto do garoto quando ele virou o nariz do bote em direção às pedras no caminho

deles.

Eles pararam bruscamente, assustados.

“Pra que lado?”

“Eles vão nos bloquear!” – “Mas não podemos voltar. Vejam! Os outros estão indo para a terra!”

Com a borda da água rastejando em volta dos seus pés eles olharam loucamente para frente e para

trás. A uma distância inferior a dez jardas a frente, o bote com o Sr. Withers sorrindo maldosamente estava

seguindo para cortar o caminho deles, e atrás o outro bote estava saltando quase na borda das rochas. Eles

foram pegos, certamente, em uma armadilha.

“Venham aqui!” a voz profunda gritou para eles de novo. “Vocês não vão escapar. Venham aqui!”

O Sr. Hastings estava parado de pé em seu bote, uma alta figura negra, um braço estendido em

direção a eles. Com suas pernas afastadas para manter o equilíbrio, balançando com o subir e descer do bote

na maré, parecia como se ele estivesse de pernas abertas sobre o mar.

“Barnabas!” A voz baixou, para uma monotonia hipnótica. “Barnabas, venha aqui.”

Jane segurou o braço de Barney. “Não chegue perto dele!”

“Não tenha medo.” Barney estava aterrorizado, mas não sob a obediência enfeitiçada que estivera

antes. “Oh, Simon, o que podemos fazer?”

Simon olhou para cima do penhasco, imaginando por um louco momento se conseguiriam escalar até

um lugar seguro. Mas a face íngreme do granito erguia-se para cima implacavelmente, longe, bem longe

134

acima de suas cabeças. Eles jamais teriam encontrado apoios para os pés ali nem mesmo para subir até fora

de alcance, e eles teriam caido muito antes de terem chegado ao topo.

“Barnabas,” a voz surgiu novamente, gentil, traiçoeira. “Nós sabemos o que é isso que tem na sua

mão. E você também, Simon. Oh, sim, Simon, especialmente você.”

Simon e Barney apertaram instintivamente os manuscritos e o Graal.

“Eles não pertencem a vocês,” a voz aumentou, mais rude. “Vocês não possuem direito algum sobre

eles. Eles devem voltar para o lugar ao qual pertencem.”

O Sr. Hastings estava observando eles atentamente, equilibrado no bote esperando pelo momento

certo para pular sobre as pedras. Apenas os amontoados de algas marinhas, cobrindo a borda, faziam ele

hesitar. No leme, Polly Withers estava lutando para controlar o bote nas ondas que aumentavam.

Barney gritou de repente: “Não pode ficar com eles. Também não é seu. Por que você quer eles? Na

verdade você não tem um museu, não acredito em todas as coisas que você disse.”

O Sr.Hastings riu suavemente. O ruído ecoou estranho e causando calafrios na espinha acima do leve

murmúrio do mar.

“Você nunca vai vencer totalmente,” Simon gritou desafiador. “Nunca.”

“Venceremos dessa vez,” uma voz mais suave disse atrás deles. Eles se viraram novamente. Era

Withers. O motor tinha parado, e tranqüilamente o outro bote estava chegando mais perto deles enquanto o

garoto Bill tocava a rocha com um remo.

Eles foram se juntando chegando mais perto com as costas contra o penhasco, afastando-se o

máximo que podiam; mas em ambos os lados os botes arrastavam-se chegando mais perto deles. O Lady

Mary estava margeando lentamente pelo promontório. Podiam ouvir os motores batendo levemente, embora

não conseguissem ver ninguém a bordo.

“Se ao menos nós tivéssemos um bote,” Jane falou em desespero.

“Não conseguiríamos nadar?”

“Para onde?”

“Deve ter alguma coisa que agente possa fazer!” A voz de Barney se elevou freneticamente.

“Não há nada que vocês possam fazer.” A voz leve sarcástica de Withers chegou até eles surgindo

por sobre as rochas. Ele estava a menos de cinco jardas de distância na proa do agitado bote. “Entregue o

manuscrito. Entregue-o para nós e levaremos vocês em segurança. Agora a maré está subindo bem depressa.

Vocês devem nos entregar.”

“E se não entregar-mos?” Simon gritou de modo rebelde.

“Olhe para o mar, Simon. Agora não pode voltar por onde veio. Olhe para a maré. Você está preso.

Você não pode sair a não ser que venha conosco.”

“Ele está certo,” Jane sussurrou. “Olhem!” Ela apontou. Um pouco mais longe pelas rochas o mar já

estava banhando o pé do penhasco.

“Onde está o seu barco, Simon?” gritou a voz zombeteira.

“Teremos que nos render,” Simon disse, baixo e com raiva.

135

“Não tenha pressa, Simon. Podemos esperar. Temos todo o tempo do mundo.”

Eles ouviram o garoto debochar do outro lado do bote.

“Eles nos pegaram.”

“Oh, pense – pense – não podemos desistir agora.”

“Pensem no tio Merry. É uma pena que nunca pensamos nele em primeiro lugar,” Simon disse feroz.

“Isso não é bom, vou dizer que desistimos.”

“Não!” Barney disse apressado, e antes que eles percebessem o que estava acontecendo ele tinha

agarrado o estojo do manuscrito de Simon e corrido em frente sobre as pedras molhadas até a beira do mar.

Ele ergueu o comprido estojo cintilante em uma das mãos e o Graal na outra, e olhou furiosamente para o Sr.

Hastings. “Se você não nos pegar e nos deixar levar eles para casa vou jogar eles no mar.”

“Barney!” Jane gritou. Mas Simon a manteve para trás, escutando.

O Sr. Hastings não se mexeu. Ele ficou olhando com imensa e calma arrogância para a pequena

figura, e quando ele falou a voz profunda foi mais fria do que qualquer voz que eles já tinham ouvido. “Se

você fizer isso, Barnabas, deixarei você, seu irmão e irmã aqui para que se afoguem.”

Eles não tinham dúvida de que ele falava a verdade. Mas Barney estava tomado por uma indignação

apaixonada, e ele estava determinado a nunca mais acreditar em nada que o Sr. Hastings dizia. Se uma vez o

fizesse, sabia que estaria sob o feitiço novamente.

“Vou jogar, vou jogar! Se você não prometer, vou jogar!” Ele ergueu o Graal mais alto em sua mão

direita, flexionando seus músculos para jogá-lo. Simon e Jane engasgaram.

O mundo todo pareceu parar e ficar centrado em volta do enorme homem de preto

e do pequeno garoto: uma vontade contra outra, com Barney protegido por sua própria fúria da força total do

olhar controlador que era dirigido para dentro de seus olhos. Então o rosto do Sr. Hastings se contorceu, e ele

deixou escapar um grito estrangulado. “Withers!”

E a partir daquele momento, para as crianças, o mundo se partiu dentro da irrealidade e pareceu não

haver razão alguma em tudo que aconteceu.

De ambos os lados, Norman Withers e o Sr. Hastings deram um mergulho para alcançar Barney.

Simon gritou, “Barney, não!” e correu em direção a ele para agarrar o braço esticado dele. Withers, mais

perto, deu um grande salto de seu bote para cima das rochas, fazendo-o balançar loucamente com Bill se

agarrando freneticamente ao leme. Mas quando o pé dele desceu onde a rocha deveria estar, eles viram a

maldade em seu rosto tranformar-se em surpresa, e ele abriu os braços e desapareceu debaixo d´água.

Ele tinha pulado na piscina escondida entre as rochas: a brecha onde o mar que retrocedia havia

deixado água profunda, e que agora estava cheia de água muito mais funda por causa da maré que estava

enchendo. Jane, encolhendo-se contra o penhasco, tremeu de horror quando percebeu que os três teriam

seguido direto para dentro dela se tivessem corido em frente mais uma jarda.

Withers voltou à superfície de novo, tossindo e cuspindo, e Barney hesitou, o Graal ainda seguro

sobre a sua cabeça. O Sr. Hastings tinha saltado por cima das rochas sem cair, e estava se aproximando dele

pelo outro lado com grandes passadas, suas sobrancelhas escuras uma ameaçadora barra em seu rosto e seus

lábios curvados em um horrível soriso mudo. Simon mergulhou desesperadamente, e foi empurrado para o

lado pelo balançar de um longo braço; mas ao cair ele agarrou na perna do homem mais próxima e o fez cair

esticado nas pedras molhadas ecorregadias.

136

Apesar de todo o seu peso, o Sr. Hastings se movia como uma enguia. Em um momento ele estava

de pé novamente, com uma grande mão agarrando o braço de Simon, e com um rápido movimento cruel ele

puxou o braço para trás das costas de Simon e o moveu para cima de modo que ele gritou de dor. A garota no

bote riu suavemente. Ela não tinha se mexido desde o início. Jane ouviu, e odiou ela, mas ficou apavorada

pela aparência de concentrada maldade no rosto acima dela. Foi como se algo monstruoso cintilasse por trás

dos olhos do Sr. Hastings, algo que não era humano, que a encheu de horror mais vasto e espantoso do que

qualquer coisa que ela já tinha sentido antes.

“Abaixe isso, Barnabas,” Sr. Hastings ofegou. “Abaixe o manuscrito, ou vou quebrar o braço dele.”

Simon se debateu e deu um chute para trás, mas então engasgou e ficou mole quando seu braço foi puxado

mais alto de modo selvagem e a dor correu através dele como água fervendo em seu sangue. Mas antes que

Barney, seu rosto retorcido de preocupação, pudesse ao menos se mover, um enorme grito ecoou sobre a

água vindo do iate. Uma voz rouca gritou, em um aviso angustiado, “Mestre”

No mesmo instante eles ouviram um novo barulho sobre o baixo pulsar dos motores do iate: um

grande zumbido que foi ficando mais alto e mais próximo. De repente, contornando o promontório vindo de

Trewissick, eles viram um arco cintilante de líquido pulverizado jorrando das curvas de uma grande lancha.

Estava se movendo com tremenda velocidade, deslizando ao redor do lado do iate em direção ao local onde

eles estavam. E num piscar de olhos através do borrifo, eles viram a única figura que poderia ser tão altiva

quanto o Sr. Hastings, e em cima dela o familiar monte de cabelo branco.

Jane soltou um grito alto de alívio. “É tio Merry!”

O Sr. Hastings rosnou e largou Simon de repente, dando um bote desesperado para alcançar Barney

onde ele estava acenando na margem. Barney o viu bem a tempo e se esquivou para trás escapando da mão

dele.

Bill, em seu bote, se moveu até o motor e o fez rugir; então pulou, escorregando nas rochas mas

aterrisando em segurança. Volumoso e ameaçador ao lado da altura enorme do homem de preto, ele os

encarou, agachando-se levemente. Como dançarinos, em um minuto os dois se moveram para frente,

saltando lentamente pelos traiçoeiros pontos de apoio, e as crianças se encolheram para trás contra o

penhasco.

A lancha rugiu em uma grande monte de jatos de água. Dentro de segundos ela estava ao lado do

promontório. O som do motor mudou para um profundo pulsar e o barco balançou lentamente para mais

perto. Olhando apavorada por cima dos ombros que avançavam de Bill Jane podia ver tio Merry parado

ereto, ao lado da figura de jersey azul do Sr. Penhallow encolhido sobre os controles.

Esquecendo tudo na avassaladora onda de alívio, ela se jogou para frente até a beira das rochas,

pegando o garoto de surpresa de modo que ele tentou agarrá-la tarde demais e desequilibrou-se contra o Sr.

Hastings. O homem rosnou para ele furioso e fez uma última tentativa de agarrar Barney enquanto ele ficava

parado e olhando desamparado contra o penhasco, agora com os braços abaixados e moles.

Mas Simon, usando suas últimas forças, agarrou o Graal e o longo cilindro do estojo do telescópio de

seu irmão e escapuliu para fora de alcance, esquivando-se ao redor dele até a beira das ondas.

Ele gritou depressa, “Tio Merry!” Quando seu tio se virou, ele ergueu seu braço e jogou o Graal com

toda sua força na direção da lancha, observando em agonia para ver se ele conseguiria cruzar o espaço vazio.

Nos controles, o Sr. Penhallow lutou para manter o barco estável. A estranha taça semelhante a um sino

girou pelo ar, cintilando dourada ao sol, e tio Merry lançou um braço para o lado, como um jogador que

intercepta uma bola no beisebol, e apanhou-a quando ela descia curvando na direção da água.

“Cuidado!” Barney gritou. O Sr. Hastings se moveu em direção a Simon quando ele jogou para trás o

braço para mandar o manuscrito atrás da taça, jogando-se para o lado para se manter fora de alcance. Ele

jogou: mas quando o estojo deixou sua mão o Sr. Withers, se levantou na ponta dos pés no bote, fez um

movimento com um remo em uma rude tentativa de interceptá-lo.

137

Jane gritou.

O remo bateu no estojo no meio do vôo. Withers deu um grito de triunfo. Mas em sua garganta ele se

transformou em um grito de terror, quando o longo estojo saltou do remo com a força do arremesso de

Simon e se abriu no ar. As duas partes rodopiaram para longe do bote, espalhando fragmentos do familiar

manuscrito que eles tinham estudado tanto: eles viram o pequeno estojo de chumbo da caverna cair e espirrar

água como uma pedra dentro do mar; e quase no mesmo momento as duas partes do estojo do telescópio,

com seu pergaminho em decomposição, atingiram a água e desapareceram. Os pedaços do pergaminho não

flutuaram; eles desapareceram no mesmo instante, como se tivessem dissolvido. Nada restou além do lenço

de Jane, balançando abandonado nas ondas.

E o sangue deles parou e congelou, quando o som inumano semelhante ao de um animal ecoou sobre

o mar. Foi o segundo uivo que eles tinham ouvido naquele dia, mas não era o mesmo como da primeira vez.

Sr. Hastings baixou sua cabeça como um cão, e deu um grane guincho de dor, medo e fúria. Com dois longos

saltos ele pulou da beira das rochas, e mergulhou com um forte barulho dentro da água agitada onde o estojo

tinha submergido.

Eles olharam para os raios de sol dançando sobre a água que tinha se fechado sobre a sua cabeça, e a

não ser pelo murmúrio dos motores e do mar não havia som algum. Um movimento do iate chamou a

atenção deles, e eles viram a garota sendo puxada a bordo, com seu bote sendo deixado saltitando logo

abaixo.

Bill ficou tão imóvel quanto as crianças, olhando de boca aberta para o mar que agora ficava dourado

sob o sol. Então Withers gritou para ele, balançando em direção do motor de popa no bote restante, e quando

o bote se moveu o garoto se atirou a bordo.

As crianças continuaram paradas observando. Ninguém se moveu até mesmo a bordo da lancha,

enquanto ela balançou em direção das pedras na maré. O bote partiu, zumbindo como uma vespa furiosa e

então ao lado dele eles viram uma cabeça escura emergir, e ouviram o barulho desesperado de tossidas. O

bote diminuiu a velocidade, e o homem e o garoto nele puxaram a figura negra a bordo. Ela não segurava

nada em suas mãos.

O Sr. Hastings deitou no fundo do bote, tremendo e lutando para respirar, mas enquanto eles

observavam ele ergueu sua cabeça, o cabelo escuro molhado colado sobre a sua testa como uma máscara, e

levantou uma das mãos para que Withers o ajudasse a levantar. Com fúria e ódio contorcendo seu rosto, ele

olhou pata tio Merry.

Tio Merry estava parado na lancha com uma das mãos no pára-brisa da lancha e a outra segurando o

Graal, o sol por trás dele cintilando em seu cabelo branco. Ele ficou tão altivo e ereto que pareceu por um

estranho momento como alguma grandiosa criatura das rochas e do mar. E ele gritou através da água, em

uma voz forte que ecoou pelos penhascos, algumas palavras em uma linguagem que as crianças não

conseguiram entender, mas que possuia uma nota que as fez tremer de repente.

E a figura escura no outro barco pareceu encolher com o som, de uma forma que a ameaça e o poder

desapareceram dele de uma só vez. De repente ele pareceu apenas ridículo nas roupas negras molhadas

coladas, e pareceu menor do que havia parecido antes. Todos os três no bote se encolheram, não fazendo

nenhum som ou movimento, enquanto o bote seguia de volta para o iate.

As crianças se agitaram. “Deus!” Barney sussurrou. “O que ele disse?”

“Não sei.”

“Estou feliz em não saber,” Jane disse lentamente.

Eles observaram enquanto as três figuras subiam a bordo do iate, e quase no mesmo instante o motor

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tossiu mais alto e o casco longo do Lady Mary deslizou para longe. O largo bote com motor seguiu

lentamente atrás, mas o outro ficou, balançando à deriva vazio nas ondas.

O iate se dirigiu pela baía, passando pelo porto de Trewissick e descendo a costa, até que era apenas

uma pequena forma branca no mar dourado pelo sol. E na hora em que todos tinham subido a bordo da

lancha, e olharam novamente, ele havia sumido.

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EPÍLOGO

O som dos aplausos ecoou pelos pilares lustrosos da comprida galeria do museu, e Simon, com o

rosto bastante rosado, abriu seu caminho de volta até Barney e Jane através da multidão de solenes

estudiosos sorridentes e cavalheiros. A multidão começou a se mover novamente, e vozes se elevaram em

uma conversação generalizada ao redor deles.

Um homem jovem de olhos brilhantes com um caderno de anotações materializou-se ao lado deles.

“Aquele foi um discurso muito bom, Simon, se assim posso dizer. Esses são Jane e Barnabas, não é

mesmo?”

Simon piscou para ele, e assentiu.

“Sou da Associação de Imprensa,” falou o jovem de modo breve. “Será que posso apenas perguntar

de quanto foi o cheque com o qual o curador os presenteou?”

Simon olhou para o envelope em sua mão, colocou seu dedo nervosamente nele e abriu-o. Tirou o

cheque cuidadosamente dobrado, olhou para ele por vários momentos, e sem uma palavra o passou a Jane.

Jane olhou para ele, e engasgou. “Aqui diz, cem libras.”

“Deus!” disse Barney.

“Bem, isso é muito bom,” falou o jovem alegremente. “Parabéns. Então agora, o que vão fazer com

isso?”

Eles olharam para ele de modo vago.

“Não sei,” disse Simon finalmente.

“Oh, vamos lá,” o jovem persistiu. Vocês deve ter alguma idéia. Quais são as coisas que vocês

sempre quiseram comprar mais?”

As crianças olharam umas para as outras indecisas.

“Meu jovem,” disse a voz profunda de tio Merry ao lado deles, “se de repente você fosse presenteado

com cem libras, o que você compraria?”

O repórter olhou pego de surpresa. “Bem – hum – Eu…”

“Precisamente,” disse o tio Merry. “Você não sabe. Nem essas crianças. Boa tarde.”

“Só mais uma coisa,” disse o jovem, tranqüilamente, escrevendo rapidamente alguns rabiscos em seu

caderno de anotações. “O que vocês estavam fazendo na verdade quando encontraram a coisa?”

“O Graal, você quer dizer,” Barney disse.

“Bem, sim, é assim que vocês gostam de chamá-lo, não é mesmo?” disse o jovem claramente.

Barney olhou para ele com indignação.

“Aconteceu que estávamos simplesmente explorando uma caverna,” Simon falou rapidamente. “E o

encontramos em uma saliência.”

140

“Não tinha aquela conversa sobre alguém mais estar procurando por ele?”

“Bobagem,” disse tio Merry firmemente. “Agora olhe aqui, meu rapaz, vá falar com o curador, bem

ali. Ele sabe tudo sobre isso. Esses três já tiveram excitação bastante para um dia.”

O jovem abriu sua boca para dizer mais alguma coisa, olhou para tio Merry, e a fechou de novo. Ele

sorriu amavelmente e desapareceu na multidão, e tio Merry levou as crianças para um canto tranqüilo por

trás de um pilar.

“Bem,” ele disse, agora vocês terão suas fotos em todos os jornais amanhã, muitos cavalheiros

estudiosos distintos escreverão sobre vocês em livros por anos que estão por vir, e lhes foi dado cem libras

por um dos mais famosos museus do mundo. E devo dizer que vocês todos merecem isso.”

“Tio Merry,” Simon falou pensativo. “Sei que não teria sentido contar para as pessoas a verdadeira

história por trás da descoberta do Graal, mas não seria uma coisa boa pelo menos avisá-los sobre o Sr.

Hastings? Quer dizer, ele pegou a Sra. Palk e aquele garoto Bill e os prejudicou, e não tem nada que o

impeça de sair por aí fazendo isso pra todo mundo.”

“Ele se foi,” Tio Merry disse. Dois homens parecidos com corujas com pesados óculos, ao passar, se

inclinaram respeitosamente para ele, e ele acenou vagamente.

“Eu sei, mas ele pode voltar.”

Tio Merry olhou pela longa galeria, acima das cabeças, e o velho olhar fechado voltou ao seu rosto.

“Quando ele voltar,” ele disse, “não será como Sr. Hastings.”

“O nome dele não era realmente Hastings?” Simon falou curioso.

“Fiquei sabendo que ele usa muitos nomes diferentes,” tio Merry disse, “em muitos tempos

diferentes.”

Inquieta, Jane esfregou um pé para frente e para trás sobre o suave piso de mármore. “Parece tão

horrível que um vigário fosse tão mau.”

“Ele deve ter enganado todos os bispos e outras pessoas para que pensassem que ele era bom,”

Simon disse. “Do mesmo jeito que ele enganou todo mundo em Trewissick.”

“De modo algum,” falou tio Merry.

Simon olhou para ele. “Mas ele deve ter... quer dizer, eles devem ter ouvido ele pregando sermões

aos Domingos.”

“Ninguém ouviu ele pregar aos Domingos. E eu duvido que ele alguma vez tenha encontrado um

bispo em sua vida.”

Agora todos estavam olhando para ele, com tão grande surpresa que os lados da boca dele se

curvaram em um meio sorriso. “É muito simples. O que eles chamam de poder de sugestão. Nosso Sr.

Hastings não era o vigário de Trewissick, nem tinha nada a ver com ele. Conheço o verdadeiro vigário

vagamente, ele também é um homem alto, embora um um tanto magro e com cerca de setenta anos... seu

nome é Smith.”

“Mas o Sr. Hastings morava no vicariato,” Barney disse.

“Uma vez, aquele foi o vicariato. Agora está ali para qualquer um que queira alugar... o conselho

paroquial decidiu anos atrás que ele era grande demais para que o Sr. Smith morasse ali sozinho como uma

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ervilha em uma vagem, e eles encontraram para ele uma pequena casa do outro lado da igreja.”

“E quando fui encontrar com ele,” Jane disse lentamente, tentando se lembrar, “Não perguntei a

ninguém onde ele morava, só falei para um homem idoso na igreja, aquele é o vicariato, e tudo que ele disse

foi sim... ele era um homem bastante mal humorado, eu acho... E sabe de uma coisa, tio Merry, acho que na

verdade o Sr. Hastings não me disse que era o vigário, eu só deduzi isso quando ele disse alguma coisa sobre

estar substituindo o Sr. Hawes-Mellor ali. Mas ele deve ter percebido que eu pensei que ele era.”

“Oh, sim. Ele não iria desiludir você até que tivesse descoberto o que você pretendia. Ele sabia

perfeitamente bem quem era você.”

“Ele sabia mesmo?”

“Desde o momento em que ele abriu a porta da frente.”

“Oh,” falou Jane. Ela pensou nisso, e sentiu-se gelada. “Oh.”

“Então a partir daquele momento todos nós ficamos pensando que ele era o vigário,” Simon disse, “e

se alguma vez comentamos a respeito dele para qualquer pessoa como o Sr. Penhallow eles devem ter

pensado que falávamos sobre o verdadeiro vigário... mas Gumerry, você não sabia?”

Tio Merry riu. “Não. Foi o que eu tinha pensado também. Por algum tempo – bem, até o final – eu

guardei as mais terríveis suspeitas do pobre e inofensivo Sr. Smith.”

Barney disse inesperadamente: “Mas se você já esteve contra o Sr. Hastings antes, certamente você

não poderia confundir ninguém mais com ele?”

“Ele muda,” tio Merry disse vagamente, olhando novamente para longe deliberadamente. “Não há

como saber qual será a aparência dele...”

E havia uma finalidade no tom da voz dele que proibiu quaisquer outras perguntas; assim como eles

sabiam que sempre haveria quando tentassem perguntar mais sobre o misterioso inimigo dos dias deles em

Trewissick. Essa era uma das coisas do mundo secreto do tio Merry, e embora eles tivessem estado tão

envolvidos, sabiam que ele manteria seus segredos como sempre mantinha.

Simon olhou para o cheque em sua mão. “Nós encontramos o Graal,” ele disse. “E todo mundo

parece tremendamente excitado por causa disso. Mas ele sozinho não tem utilidade alguma, não é? O homem

de Cornwall disse, se qualquer um que o encontrasse tivesse outras palavras dele, no segundo manuscrito que

nós não tivemos nem ao menos chance de olhar, então eles seriam capazes de entender o que foi escrito no

Graal e de saber o segredo de tudo isso. Mas nós jamais saberemos, porque os manuscritos estão no fundo do

mar.”

Barney disse, tristemente, “Nós falhamos, de verdade.”

Tio Merry não disse nada, e quando eles olharam para ele, ouvindo apenas o zumbido das vozes da

multidão, ele pareceu estar elevando-se acima de todos eles tão alto e firme quanto o pilar ao seu lado.

“Falharam?” ele disse, e estava sorrindo. “Oh, não. É isso mesmo que vocês pensam? Vocês não

falharam. A caçada pelo Graal foi uma batalha, tão importante em seu caminho como qualquer batalha que já

foi travada. E vocês a venceram, vocês três. Os poderes por trás do homem que chamava a si mesmo

Hastings chegaram muito perto da vitória, e o que aquela vitória teria significado, se o segredo do Graal

tivesse sido entregue nas mãos deles, é mais do que qualquer um poderia ousar pensar. Mas graças a vocês o

segredo vital que eles precisam ainda está a salvo deles, talvez por tantos séculos quanto esteve antes. Seguro

– não destruído, Simon. O primeiro manuscrito, seu mapa, certamente terá se desintegrado imediatamente no

mar. Mas aquele não tem mais nenhuma utilidade para qualquer um, uma vez que ele o levou até o segundo,

e ao Graal. Isso poderia ter deixado meus colegas muito mais excitados” – Ele olhou ao redor da sala, e riu –

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“mas não importa. O ponto é que o segundo manuscrito, lá no fundo do mar, está selado em seu estojo – que

resistirá indefinidamente na água do mar se ele é feito de chumbo. Então o último segredo está seguro, e

escondido. Tão bem escondido no fundo da Baía de Trewissick que eles jamais poderiam nem ao menos

começar o longo trabalho de procurar por ele sem que nós pudéssemos descobrir, e impedí-los. Eles

perderam sua chance.”

“E nós também,” Simon falou tristemente, vendo novamente a imagem que nunca saiu

completamente de sua mente. Ele pensou no cintilante estojo de metal do telescópio, com os dois preciosos

manuscritos selados dentro, voando de sua mão desesperada e então, apenas algumas jardas da segura pegada

de tio Merry, saltando para longe do remo erguido para se partir e submergir seu conteúdo para sempre

dentro do mar.

“Não, não perdemos,” Jane falou inesperadamente. Ela estava pensando no mesmo momento, e ela

estava fora da vastidão do frio mármore do museu, de volta a Kemare Head na excitação e sob o sol ardente.

“Nós sabemos onde ele está. Eu estava perto da única coisa que poderia indicar isso – aquela poça profunda

nas rochas. Eu estava bem na beira, e o estojo de chumbo desceu bem na minha frente. Então deveremos

saber onde procurar se algum dia voltarmos.”

Por um momento tio Merry pereceu realmente assustado. “Eu nem imaginava isso. Então os outros

terão percebido a mesma coisa – e poderão ir direto até o local, mergulhar atrás do manuscrito, e ir embora

com ele antes que alguém tivesse tempo de ao menos notar que eles estavam ali.”

“Não, eles não vão perceber,” Jane disse, com o rosto rosado e sério. Essa é a melhor coisa de tudo,

tio Merry. Inicialmente nós só notamos aquela poça porque passamos por ela quando a maré estava baixa. Na

hora em que estávamos seguindo nosso caminho de volta até a praia a água tinha coberto ela de novo. O Sr.

Withers caiu dentro dela, mas ele não sabia que tinha caído ali. Então se algum dia tivesse uma maré tão

baixa quanto aquela de novo, nós conseguiríamos procurar pela poça e encontrar o segundo manuscrito. Mas

o inimigo não, porque eles não sabem nada a respeito da poça.”

“Podemos voltar?” Simon disse ansioso. “Podemos voltar, tio Merry, e mergulhar para procurar

ele?”

“Um dia, talvez,” tio Merry disse; e então antes que ele pudesse dizer mais um grupo de homens da

multidão murmurante ao redor deles tinha se virado em direção a ele: “Ah, Professor Lyon! Se você tiver um

momento, posso apresentá-lo ao Dr. Theodore Reisenstatz...”

“Sou um grande, grande discípulo seu,” um homem pequeno e animado com uma barba pontuda

falou para tio Merry enquanto pegou a mão dele. “Merriman Lyon é um nome muito respeitado em meu

país...”

“Vamos lá,” Simon disse baixinho; e as crianças escapuliram para ficar na beira da multidão,

enquanto as cabeças calvas e barbas cinzentas perambulavam e conversavam de modo solene. Eles olharam

através do chão polido para a caixa de vidro solitária onde o Graal permanecia como uma estrela dourada.

Barney estava olhando para dentro do espaço como se ele estivesse saindo de um transe.

“Acorde,” Jane disse alegremente.

Barney falou lentamente, “Esse é o verdadeiro nome dele?”

“Nome de quem?” “Tio Merry – ele se chama mesmo Merriman?”

“Bem, é claro – esse é o nome para o qual usamos essa abreviação, Merry.”

“Eu não sabia,” Barney disse. “Sempre achei que Merry fosse um apelido. Merriman Lyon...”

143

“Nome engraçado, não é?” falou Simon alegremente. “Vamos lá, vamos dar mais uma olhada no

Graal. Quero ver de novo o que está escrito sobre nós.”

Ele se moveu pela beira da multidão com Jane; mas Barney ficou onde estava. “Merriman Lyon,” ele

disse suavemente para si mesmo. “Merry Lyon... Merlion... Merlin...”

Ele olhou através da sala para onde a cabeça branca de tio Merry se erguia acima das outras;

levemente curvado enquanto escutava o que outra pessoa estava dizendo. O rosto moreno angular pareceu

mais do que nunca com uma antiga escultura, olhos profundos sombreados e misteriosos sobre um nariz

feroz.

“Não,” Barney disse bem alto, e ele deu uma balançada. “Não é possível.” Mas quando ele seguiu

Simon e Jane ele olhou para trás por cima dos ombros, imaginando. E tio Merry, como se soubesse, virou sua

cabeça e olhou para ele diretamente por um instante, através da multidão; sorriu muito levemente, e olhou

para longe de novo.

Subindo todo o caminho pela imensa galeria, sobre seu chão de pedra cintilante, fileira sobre fileira

de caixas de vidro idênticas estendiam-se na distância, com potes, adagas, moedas, estranhos pedaços

retorcidos de bronze, couro e madeira todos encerrados no interior delas como borboletas presas em

alfinetes. O expositor que continha o Graal era maior do que os outros; uma alta caixa de vidro em um lugar

de honra no centro da grande galeria, sem nada dentro a não ser uma taça cintilante, agora limpa com um

dourado brilhante, apoiada sobre uma pesada placa negra. Um quadrado prateado abaixo estava gravado com

as palavras: Cálice de ouro de manufatura C éltica desconhecida , considerado como do

século sexto . Encontrado em Trewissick, Sul de Cornwall , e cedido por Simon, Jane e

Barnabas Drew.

Eles se moveram ao redor da caixa, olhando para o Graal. Seu lados curvados e gravados tinham sido

meticulosamente limpos; e agora o ouro batido estava livre da sujeira deixada pelos séculos na caverna sob

Kemare Head, cada linha das gravuras estava clara.

Eles viram que era dividida em cinco painéis, e que quatro dos cinco estavam cobertos por imagens

de homens lutando: brandindo espadas e lanças, agachando-se por trás de escudos, vestindo não armaduras

mas estranhas túnicas que terminavam acima de seus joelhos. Eles usavam elmos sobre suas cabeças; mas os

elmos, curvados para baixo sobre as costas de seus pescoços, não eram parecidos com nenhuma forma que as

crianças já tivessem visto. Entre as figuras, entrelaçando-se como imagens em uma tapeçaria, palavras e

letras estavam gravadas bem próximas. O último painel, o quinto, estava completamente coberto por

palavras, escritas de modo semelhante ao modo como estavam as linhas negras rabiscadas no manuscrito.

Mas todas essas palavras no Graal dourado, as crianças souberam, estavam em uma linguagem que ninguém,

desde tio Merry até os experts do museu, havia sido capaz de entender.

Atrás deles, eles ouviram dois homens da multidão surgirem em uma profunda discussão, olhando

dentro da caixa de vidro.

“...totalmente única. É claro que é difícil de estimar a importância da inscrição. Claramente rúnica,

Eu acredito – estranho, em um ambiente Romano...”

“Mas meu caro colega…” A voz do segundo homem era alta e alegre; olhando ao redor, Barney viu

que ele tinha o rosto avermelhado, enorme ao lado de seu pequeno companheiro que usava óculos. “Enfatizar

o elemento rúnico certamente pressupõe alguma conexão Saxônica, e toda a essência dessa coisa é Céltica.

Céltico-Romana se preferir, mas considere a evidência Arthuriana...”

“Arthuriana?” disse a primeira voz com nasal descrença. “Eu deveria ter prova maior disso do que a

imaginativa suposição do Professor Lyon. Loomis, eu acho, teria sérias dúvidas... mas pelo menos essa é

com certeza uma descoberta memorável, memorável...”

Eles se afastaram novamente dentro da multidão.

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“Que diabos tudo aquilo queria dizer?” falou Jane.

“Ele não acredita que seja a respeito de Rei Arthur?” Barney olhou ressentido na direção do pequeno

homem. Então eles ouviram vozes de outro grupo passando pelo expositor.

“Agora certamente todas as teorias terão que ser revisadas; isso lança uma nova luz em todo o

cânone Arthuriano.” A voz era tão solene quanto as outras, mas mais jovem; e então ela riu. “Pobre velho

Battersby – todas aquelas suas conversas arrogantes sobre analogias Escandinavas, e agora aqui está a

primeira evidência desde Nennuis de um Arthur Céltico – um verdadeiro rei...”

“O Times me pediu um alguma coisa, vocês sabem,” disse uma voz mais profunda.

“Oh, verdade, você fez isso? Um pouco forte, não foi? – “uma descoberta para sacudir todo o campo

do mundo acadêmico Inglês”.

“De modo algum,” disse a voz mais forte. “É indubitavelmente genuino, e indubitavelmente dá pistas

para a identidade de Arthur. E como tal isso não deve ser elogiado exageradamente. Apenas sinto muito pelo

último painel.”

“Sim, a misteriosa inscrição. Uma cifra, eu acredito. Deve ser. Aqueles estranhos caracteres Antigos

Ingleses – rúnicos, o velho Battersby alega, absurdo é claro – pessoalmente tenho certeza que uma vez houve

uma chave para eles. Perdida faz muito tempo, é claro, então jamais saberemos...”

As vozes desapareceram como as outras.

“Bem, aquilo soa melhor,” Simon disse.

Todos eles parecem tratar isso como um tipo de relíquia,” Jane disse tristemente. “Acho que é como

tio Merry disse, que o verdadeiro significado dele não seria conhecido a não ser que o inimigo tivesse

colocado as mãos nele, e então seria tarde demais.”

“Bem, agora os inimigos podem vir e olhar para ele o quanto quiserem,” falou Simon, “mas ele não

terá significado algum para eles sem o manuscrito. Imagino que ele era a chave para as cifras no último

painel sobre o qual o homem estava falando agorinha.”

Jane suspirou. “E não vai significar nada para nós também. Então não saberemos a verdade sobre o

Rei Arthur, sobre o – como ele era chamado no manuscrito? – o Pendragon.”

“Não. Não saberemos exatamente quem ele foi, ou o que aconteceu a ele.”

“Não saberemos qual era o segredo dele, sobre o qual tio Merry falou e o inimigo queria.”

“Não saberemos sobre aquela outra coisa estranha que o manuscrito falava – o dia em que o

Pendragon retornará.”

Barney, escutando eles, olhou de novo para as misteriosas palavras gravadas no lado cintilante do

Graal. E ele ergueu sua cabeça para olhar pela sala até a figura alta de tio Merry, com a grande cabeça branca

e misterioso rosto sério.

“Acho que saberemos,” ele disse lentamente, “um dia.”

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Aqui termina OVER SEA, UNDER STONE, primeiro livro

da série THE DARK IS RISING.

O segundo livro foi chamado THE DARK IS RISING.

O terceiro GREENWITCH. O quarto THE GREY KING

e o quinto SILVER ON THE TREE.