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OS DOIS MÉTODOS DA TEORIA ECONÔMICA Luiz Carlos Bresser-Pereira Paper apresentado ao Encontro Nacional de Economia Política, Florianópolis, 19-20 de junho de 2003. Abstract. Economic theory deals with a complex reality, which may be seen through various perspectives, using different methods. The ambition of developing a unique and comprehensive theory is vain and dangerous. Economics’ three major branches – development economics, macroeconomics, and microeconomics – cannot be unified because the former two use preferentially a historical-deductive, while the later, an essentially hypothetical-deductive or aprioristic method. Smith, Marx and Keynes used an essentially the method of the new historical facts, while Walras, a prioristic one to devise the neoclassical general equilibrium model. The historical-deductive method looks for the new historical facts that condition the new economic reality. Economic theory remains central, but it is more modest, or less general, as the economist that adopt principally this method is content to analyze stabilization and growth in the framework of a given historical phase or moment of the economic process. As a trade off, his models are more realistic and conducive to more effective economic policies, as long as he is not required to previously abandon, one by one, the unrealistic assumptions required by a excessively general theory, but already starts from more realistic ones. A maioria dos economistas, independentemente das escolas de pensamento a que estejam filiados, supõe que a teoria econômica constitui um grande modelo, que, com pequenas adaptações, pode ser aplicado a economias de mercado as mais diversas. O conceito de economia de mercado que adotam pode ser mais amplo do que o de capitalismo, incluindo qualquer sistema econômico baseado na competição entre agentes individuais através da qual se alocam recursos, se distribui a renda entre salários, lucros e juros e se determinam o nível de investimento, renda e consumo. Para fazerem essa afirmação pressupõem que a economia, como a física ou a biologia, seja uma ciência natural, e, portanto, sujeita a leis naturais, independentes do sistema econômico e social que ela procura explicar. 1 Outros economistas, mais realistas, negam que a economia seja uma ciência natural, já que seus agentes agem com algum grau de liberdade, e, mais modestos, afirmam que a _____________ Luiz Carlos Bresser-Pereira ensina economia na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. www.bresserpereira.org.br [email protected] Este paper foi escrito a partir do curso de Metodologia Científica para Economistas, que venho ensinando desde 1989. Agradeço a meus alunos desse curso, e particularmente a José Márcio Rego, que vem dividindo comigo a responsabilidade por ele nos últimos anos. Agradeço a seus comentários, e aos de Adam Przeworski, Robert Nicol, Yoshiaki Nakano, e Paulo Gala. Esta versão é ainda provisória, aberta a comentários que, peço, enviem a meu e-mail.

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OS DOIS MÉTODOS DA TEORIA ECONÔMICA

Luiz Carlos Bresser-Pereira Paper apresentado ao Encontro Nacional de Economia Política, Florianópolis, 19-20 de junho de 2003.

Abstract. Economic theory deals with a complex reality, which may be seen through various perspectives, using different methods. The ambition of developing a unique and comprehensive theory is vain and dangerous. Economics’ three major branches – development economics, macroeconomics, and microeconomics – cannot be unified because the former two use preferentially a historical-deductive, while the later, an essentially hypothetical-deductive or aprioristic method. Smith, Marx and Keynes used an essentially the method of the new historical facts, while Walras, a prioristic one to devise the neoclassical general equilibrium model. The historical-deductive method looks for the new historical facts that condition the new economic reality. Economic theory remains central, but it is more modest, or less general, as the economist that adopt principally this method is content to analyze stabilization and growth in the framework of a given historical phase or moment of the economic process. As a trade off, his models are more realistic and conducive to more effective economic policies, as long as he is not required to previously abandon, one by one, the unrealistic assumptions required by a excessively general theory, but already starts from more realistic ones.

A maioria dos economistas, independentemente das escolas de pensamento a que estejam filiados, supõe que a teoria econômica constitui um grande modelo, que, com pequenas adaptações, pode ser aplicado a economias de mercado as mais diversas. O conceito de economia de mercado que adotam pode ser mais amplo do que o de capitalismo, incluindo qualquer sistema econômico baseado na competição entre agentes individuais através da qual se alocam recursos, se distribui a renda entre salários, lucros e juros e se determinam o nível de investimento, renda e consumo. Para fazerem essa afirmação pressupõem que a economia, como a física ou a biologia, seja uma ciência natural, e, portanto, sujeita a leis naturais, independentes do sistema econômico e social que ela procura explicar.1 Outros economistas, mais realistas, negam que a economia seja uma ciência natural, já que seus agentes agem com algum grau de liberdade, e, mais modestos, afirmam que a _____________ Luiz Carlos Bresser-Pereira ensina economia na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. www.bresserpereira.org.br [email protected] Este paper foi escrito a partir do curso de Metodologia Científica para Economistas, que venho ensinando desde 1989. Agradeço a meus alunos desse curso, e particularmente a José Márcio Rego, que vem dividindo comigo a responsabilidade por ele nos últimos anos. Agradeço a seus comentários, e aos de Adam Przeworski, Robert Nicol, Yoshiaki Nakano, e Paulo Gala. Esta versão é ainda provisória, aberta a comentários que, peço, enviem a meu e-mail.

teoria econômica é uma ‘caixa de ferramentas’ para ajudar o economista a pensar. Dada a variedade dos sistemas de mercado, sua crescente complexidade, a relativa liberdade dos agentes ao tomarem decisões econômicas, e o fato de que esses sistemas estão em permanente mudança histórica, não existiria ‘o modelo’ econômico, mas muitos modelos.

Os economistas contam com ferramentas úteis para conhecer os sistemas econômicos, mas essas ferramentas ou modelos são sempre parciais e imprecisos. Não há uma única teoria econômica, mas um conjunto de conceitos e de modelos, nem sempre perfeitamente coerentes entre si, que nos permitem estudar sob diversos ângulos o sistema econômico. Meu pressuposto é o de que a economia, ao contrário da física ou da biologia, não é uma ciência natural, mas uma ciência social, e, como todas as ciências sociais, uma ciência moral. A estratégia retórica de considerar a economia uma ciência natural foi útil a Adam Smith, na A Riqueza das Nações, para fundar nossa ciência em bases sólidas, para distinguir sua visão científica e por isso revolucionária da perspectiva normativa e equivocada dos economistas mercantilistas, mas essa identificação para o autor da Teoria dos Sentimentos Morais era mera metáfora. Nas ciências naturais os seus elementos básicos – os átomos e as moléculas – não têm escolha nem seguem normas que eles próprios elaboram e modificam: seu comportamento, ainda que não plenamente determinado, é altamente previsível porque segue leis naturais. Já a economia é uma ciência social que tem por objeto o comportamento relativamente livre de seres humanos e as próprias normas ou políticas que eles estabelecem para dirigir seu comportamento. É uma ciência social, e, como acentuou Boulding, uma ciência moral.2 Ainda que possamos estabelecer pontes, encontrar analogias, entre as ciências naturais e as sociais, a natureza das duas realidades que procuram compreender é diversa e, portanto, a essência dos dois tipos de ciência é diferente. Compreendo que os economistas, e mais amplamente os cientistas sociais, queiram se identificar com as ciências naturais – esta foi uma pretensão clássica do positivismo –, mas esta é uma situação na qual a retórica é mera retórica: conflita com a verdade científica.

O fato de que os cientistas sociais tenham que ser mais modestos em suas ambições científicas do que os cientistas naturais – que, por sua vez, não têm alternativa senão serem mais modestos do que os matemáticos e os lógicos, que lidam com puras abstrações – não significa que eles deixem de ser cientistas. Se o cientista é quem busca a verdade através do uso da razão, os cientistas sociais são tão cientistas quanto os cientistas naturais. Só não seriam cientistas – como aliás também não o seriam os dedicados às ciências naturais e às matemáticas ou lógicas, se adotassem uma atitude relativista radical: a própria verdade seria relativa, e, portanto, inatingível. O cientista só o é se, nos termos de Popper, desenvolve e busca demonstrar proposições falseáveis. Entretanto, conforme salientou Lakatos, será legítimo que ele envolva o núcleo de idéias de sua teoria por um escudo protetor, desde que tenha um compromisso com a verdade, e, portanto, desde que a esteja

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‘honestamente’ buscando.3 O cientista não precisa adotar um falsificacionismo ingênuo, mas, no momento em que as anomalias em relação às idéias centrais que defende se acumulam, que suas verdades que forem falseadas ou refutadas pelas pesquisas ou pelos próprios fatos, ele deve estar disposto a abandoná-las.

Ainda que seja legítimo distinguir uma teoria positiva de uma teoria normativa ou moral, uma situada no campo do ser, a outra, do dever ser, as duas perspectivas estão intimamente relacionadas. Em primeiro lugar, porque a ciência é uma prática humana e, portanto, sujeita a princípios éticos. Para que alguém possa ser considerado cientista é preciso que use a razão de forma rigorosa, que ele esteja honestamente buscando a verdade. Segundo, porque a busca de relações positivas entre variáveis econômicas está sempre norteada pela preocupação normativa: é impossível, por exemplo, discutir inflação sem ter como objetivo a estabilidade; não faz sentido estudar a acumulação de capital e o progresso técnico se o objetivo não for promover o desenvolvimento econômico; grande parte dos modelos econômicos são motivados por economistas que querem demonstrar como os mercados alocam eficientemente recursos, ou, em que medida falham em alcançar esse objetivo normativo. Terceiro porque, como salienta Hausman, “o trabalho empírico tem com freqüência que levar em conta questões morais porque os compromissos éticos estão entre os fatores causais que influenciam o comportamento econômico”.4 Em outras palavras, é impossível separar completamente o critério científico do ético porque a ciência supõe o comportamento ético do cientista, porque o cientista é motivado por questões morais, e porque os agentes econômicos que ele estuda também pautam seu comportamento por razões morais, além das puramente econômicas.

A busca científica do conhecimento verdadeiro é incompatível tanto com um relativismo radical quanto com um positivismo ingênuo. Os pragmáticos americanos, freqüentemente acusados de relativismo, recusam esse nome, ainda que, paradoxalmente, recusem também que o objetivo da ciência seja a verdade entendida como o “aquilo que corresponde à natureza intrínseca da realidade”.5 Compreendo que se insurjam com o platonismo, mas, se eliminassem a palavra ‘intrínseco’ da frase anterior, e se enfatizassem a necessidade de modéstia em relação às próprias idéias, estaríamos sendo realistas ao invés de positivistas, e não precisaríamos substituir a epistemologia pela hermenêutica como o faz Rorty, mas adotá-la sem necessidade de radicalizar seu pensamento.6 A hermenêutica, na medida em que lida com problemas de difícil interpretação, com o ‘discurso anormal’, seria valorizada. E poderíamos, pragmaticamente, concordar com Rorty que, principalmente em relação às ciências sociais e à própria filosofia, “a investigação humana não é uma tentativa de descrever perfeitamente a realidade, mas sim de alcançar objetivos transitórios e resolver problemas transitórios”.7

A incompatibilidade do trabalho científico com o relativismo é, inclusive, de caráter moral. Se não acredito que a verdade possa ser alcançada, não faz sentido buscá-la, ou defendê-la. Por outro lado, se entendo que há critérios simples e claros

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que distinguem o verdadeiro do falso, corro o risco moral da arrogância, uma paixão que cega quem por ela é dominado. É importante o adjetivo ‘radical’ aposto ao relativismo, porque há muitos defensores do relativismo que não são realmente relativistas: são críticos do positivismo – ou seja da radicalização do pensamento realista ocorrida no final do século XIX, impulsionada pelo progresso das ciências naturais, que supunha existirem critérios objetivos e cristalinos para definir a verdade. O realismo no qual acredito inclusive para as ciências naturais – o que dizer, então, das ciências sociais? – é o realismo razoável, modesto.8 A verdade existe mas não é facilmente alcançável, e, o que é mais importante, não pode ser demonstrada com a segurança e a certeza de um teorema ou de um silogismo. Existem critérios para separar o verdadeiro do falso, mas esses critérios não são jamais plenos, já que para o mesmo conjunto de dados é possível encontrar mais de uma teoria explicativa satisfatória. Por isso, o cientista deve ser modesto. Deve afirmar suas verdades e nelas crer até que sejam refutadas, ou até que surja um modelo explicativo melhor. As verdades a que chegar o serão na medida em que, nos termos de Kuhn, tenham o consenso da comunidade científica, ou, nos termos de Habermas, decorram da ação comunicativa, da qual o elemento moral é inseparável.9 Conforme este último já afirmava em 1972, nove anos antes de publicar a Teoria da Ação Comunicativa, “que um estado de coisas seja efetivo ou não não se decide por evidências experimentadas mas pelo jogo da argumentação. A idéia de verdade não pode ser exposta senão em relação a debates nos quais as pretensões de validade sejam defendidas”.10

No caso dos economistas, esta segunda qualidade moral – a modéstia – é uma condição do fazer científico, não apenas porque se trata de uma ciência social, mas porque, no Século XX, o objeto dela deixou de ser a realidade econômica ‘dada’ por agentes que buscam seus interesses, para incluir a realidade construída pelos agentes na medida em que eles definem normas e políticas públicas para orientar o comportamento econômico. Nos séculos anteriores as leis já existiam, mas eram gerais e relativamente estáveis. Não assumiam, como passou a acontecer a partir de meados do último século, o caráter de políticas públicas específicas, que mudam com relativa freqüência, e que são poderosas em modificar o comportamento. No plano da economia, a partir da criação dos bancos centrais e do desenvolvimento da teoria macroeconômica, essas políticas públicas tornaram-se particularmente poderosas. Em conseqüência, as instituições e, particularmente, as políticas econômicas deixaram de ser mero instrumento para se tornarem o próprio objeto da ciência econômica. Por outro lado, o grau de escolha dos agentes, entre os quais agora se incluem os governantes, aumentou substancialmente. Tudo isto apenas contribuiu para diminuir a possibilidade de certeza, antes já precária, dos modelos econômicos.

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A teoria neoclássica como‘grande modelo’ Quando estudamos uma ciência, um pressuposto comum que também é um objetivo é o de que estamos em busca de um grande modelo explicativo – de uma generalização simples e universal – que dê resposta à maioria dos problemas. Os economistas clássicos imaginaram ter alcançado esse modelo com as teorias do desenvolvimento capitalista e do comércio internacional de Smith e Ricardo; os marxistas, com as teorias do próprio Marx sobre o mesmo desenvolvimento capitalista e sobre a mais-valia.11 Os neoclássicos, a partir das contribuições fundadores de Walras, Jevons, Menger e Marshall desenvolveram a teoria do equilíbrio geral e do equilíbrio parcial, e ficaram seguros de haverem alcançado o grande modelo econômico explicativo de tudo.12 Keynes e Kalecky, com suas teorias das flutuações macroeconômicas cíclicas e de como estabilizá-las, foram mais modestos. O nome do livro fundamental de Keynes começa por Teoria Geral, mas não se trata da teoria geral da economia, mas da Moeda, dos Juros, e do Emprego. Alguns de seus seguidores, entretanto, se sentiram ou se sentem tentados pela idéia do grande e único modelo.

Nesta seção vou fazer a análise e a crítica dessa ambição tomando a teoria neoclássica como objeto. Os neoclássicos foram os mais ambiciosos, e são hoje ainda dominantes, apesar dos problemas que vêm se acumulando sobre sua teoria.13 Suas idéias tornaram-se dominantes menos porque representassem um avanço do conhecimento, já que as teorias concorrentes também envolvem avanços, e principalmente porque, no plano da ciência, possuíam um nível de abstração muito elevado, e porque, no plano político, no quadro de um capitalismo triunfante, constituíam um instrumento ideológico para a defesa de um sistema de mercado. Inicialmente, com as teorias de Walras sobre o equilíbrio geral, e de Marshall, sobre o equilíbrio parcial, representaram avanços extraordinários em áreas antes pouco navegadas pelos economistas. Mais tarde, porém, na segunda metade do século XX, quando seus epígonos com a extensão imperialista dessa teoria para a teoria do desenvolvimento econômico e para a macroeconomia, pretenderam com seu ‘grande modelo’ abarcar todo o processo econômico.

No último quartel do Século XX, no contexto da crise do Estado do bem-estar, nos países desenvolvidos, e do Estado desenvolvimentista, nos países em desenvolvimento, e da crise final do Estado comunista, e da onda ideológica neoliberal que ganhou então força, a teoria econômica neoclássica tornou-se o que seus próprios seguidores chamam de ‘mainstream’ econômico, ou de ‘teoria ortodoxa’. Subordinada a ela, existe uma teoria adotada por economistas acadêmicos, jornalistas econômicos, empresários preocupados com política econômica, e pelas agências internacionais como o Fundo Monetário Internacional, que chamo de ‘teoria convencional’, que simplifica a teoria neoclássica, e constitui parte importante da ideologia dominante no mundo contemporâneo.

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A teoria neoclássica arrogou-se à condição de grande modelo capaz de tudo explicar. Essa teoria tem o direito à qualificação ‘grande teoria’ na medida em que, através do equilíbrio geral walrasiano e do equilíbrio parcial marshalliano, explica de forma intelectualmente atrativa (porque redutível a fórmulas matemáticas) o funcionamento estático de uma economia de mercado: explica como nela, através do sistema de preços, se alocam os fatores, e como se distribui a renda. Na medida, entretanto, em que pretendeu se transformar esse modelo microeconômico no único fundamento de toda a ciência econômica, e, portanto, também da macroeconomia e da teoria do desenvolvimento econômico, transformou-se em mito intelectual, em obstáculo perigoso ao pensamento.14

O modelo de equilíbrio geral é uma explicação de grande simplicidade e alto nível de abstração, mas é um modelo limitado porque é abstrato demais: não explica como opera uma economia capitalista, mas, mais genericamente, uma economia de mercado; porque não inclui no modelo o Estado e a política; porque não mostra como o desenvolvimento capitalista começa historicamente e tende a se tornar auto-sustentado; porque não leva em conta a natureza particular das diversas classes ou tipos de agentes econômicos e suas respectivas ‘lógicas’ – proprietários de terras e minas, arrendatários, empresários burgueses, capitalistas burgueses, administradores e tecnocratas profissionais, camponeses, operários, consumidores – supondo um único agente econômico que realiza todas essas tarefas; porque ignora os fatos históricos novos decorrentes de novas tecnologias e de novas instituições.

No processo de estabilização macroeconômica, a economia neoclássica não tem espaço para as crises cíclicas endógenas de realização, para as crises financeiras ou bancárias, e para as crises de balanço de pagamentos e liquidez internacional, como não tem, nem admite que exista, desemprego. As economias de mercado estariam permanentemente em pleno emprego, ou, mais precisamente, ostentando a ‘taxa natural de desemprego’... Não considera, no processo de distribuição de renda e de desenvolvimento econômico, o papel do sistemas constitucional e de propriedade sobre os quais está baseada toda a organização da sociedade, nem leva em consideração o complexo sistema de instituições que se ergue em cima dessas bases, nem ainda o da superestrutura ideológica que busca legitimá-lo. E não nos diz como o processo mudança ocorre, nem como as crises se sucedem, porque dá absoluta precedência à hipótese de tendência de longo prazo para o equilíbrio. Não contém, portanto, uma teoria do desenvolvimento capitalista. Pretende, a partir do modelo de Solow, contar com uma teoria não do desenvolvimento, mas do crescimento econômico. Entretanto, verificaremos que essa contribuição é pouco significativa se não subordinarmos toda pesquisa econométrica usando funções de produção ao modelo de Solow ou aos modelos endógenos que o seguiram. Funções do tipo Cobb-Douglas apresentam potencialidade de pesquisa econométrica, mas só serão neoclássicas se supuserem a perfeita substitutibilidade de fatores. Em geral, as funções de produção são ferramentas úteis como o são muitas outras que fazem

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parte do ‘núcleo teórico econômico básico’ que é comum a todas as escolas econômicas.

As anomalias crescentes e as limitações, no sentido dado por Kuhn ao termo, não impediram, porém, que a economia neoclássica continuasse a ser considerada pelos seus praticantes o único paradigma econômico legítimo. Não creio que o conceito de paradigma seja aplicável à teoria econômica. Dada a falta de consenso existente no campo econômico, não há nenhuma teoria que mereça essa denominação – nem a ortodoxia neoclássica, que imperou desde of final do século XIX até 1930, e depois, de meados dos anos 70 até meados dos anos 90, nem a macroeconomia keynesiana, que se tornou dominante nos anos 40, entrou em crise nos anos 70, e está de volta, ainda que bastante modificada como é próprio de uma teoria que adota um método histórico, desde os anos 90. Um paradigma no sentido de Kunh só merece esse nome quando a teoria que ele afirma se torna absolutamente dominante dentro da respectiva comunidade científica. Ora, isto jamais aconteceu com qualquer teoria econômica.

Para fazer frente a essas anomalias, os economistas neoclássicos adotaram diversas estratégias retóricas. A mais geral foi a de tentar identificar sua própria escola com o ‘núcleo’ ou ‘core’ da teoria econômica. Conceitos que não pertencem a nenhuma escola, mas fazem parte do patrimônio comum da teoria econômica, passaram a ser implicitamente considerados por eles como parte de sua escola. Penso em conceitos e relações econômicas como, por exemplo, os de que os bens econômicos são os bens escassos, ou que a oferta e a procura são essenciais na determinação dos preços, e que estes são decisivos na alocação dos fatores e a distribuição de renda, ou que existe uma elasticidade-preço da oferta ou da demanda de cada bem, como também existem produtividades, receitas e utilidades marginais,15 ou que produto, renda e despesa são contabilmente iguais, ou que a produção depende do capital empregado, da mão de obra, e da tecnologia incorporadas em ambos, ou que o investimento produtivo depende do diferencial entre a taxa de lucros esperada e a taxa de juros, etc.

Uma segunda estratégia da escola neoclássica foi a de incorporar ou cooptar as contribuições das outras escolas, subsumindo-as, com diversos graus de radicalidade, às teorias que lhe são específicas. No campo da macroeconômica keynesiana, o processo começou, paradoxalmente, com um avanço promovido por Hicks, que simplificou o modelo keynesiano ao desenvolver os modelo das curvas IS e LM. Outro avanço significativo ocorreu com Mundell, que fundou a macroeconomia aberta aparentemente adotando uma perspectiva neoclássica, mas, na verdade, usando um método histórico e um pressuposto básico – o do desemprego – que são tipicamente keynesianos.16 A única grande contribuição aparentemente neoclássica à teoria macroeconômica – a teoria de Friedman de que os agentes econômicos prevêem e parcialmente neutralizam as políticas econômico através da formação de expectativas adaptativas – adotou também um método antes

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histórico e pragmático do que apriorístico para fazer a partir dos fatos a respectiva inferência – um método que não é neoclássico.17 Friedman fez efetivamente macroeconomia. Quando, porém, sua teoria foi levada ao seu limite hipotético-dedutivo ou apriorístico por Lucas, com o uso do pressuposto das expectativas racionais plenas, ela, que havia sido um avanço, transformou-se na negação da própria teoria macroeconômica, na medida em que os ciclos e as crises, sem os quais não há teoria macroeconômica, passaram a ser exógenos.18 Continua, entretanto, a ser ensinada nas universidades uma teoria macroeconômica suposta ou parcialmente neoclássica, embora os praticantes dessa ciência pragmaticamente não adotem o método apriorístico neoclássico. Desistem de forma realista de buscar um único microfundamento para a macroeconomia, e contentam-se em buscar motivos racionais ad hoc para cada modelo. Sua ‘teoria macroeconômica geral’, entretanto, não considera a história na medida em que os modelos que apresentam em geral supõem explicita ou implicitamente a economia americana. A história fica reservada para os ‘casos particulares’ dos países em desenvolvimento, ou, de alguma forma, ‘exóticos’, como se o caso americano não fosse também um caso particular.

A ‘macroeconomia monetarista’, ortodoxamente neoclássica, originada em Friedman e Lucas, é uma ficção, ou uma não-teoria, não apenas porque torna o ciclo necessariamente exógeno, mas porque todas as pesquisas que tentaram substanciar a tentativa de tornar a equação de trocas em uma teoria da inflação determinada pela oferta de moeda, embora pudessem apresentar altos índices de correlação, não indicavam qual a relação causal: se da moeda para a inflação, como pretendiam os neoclássicos, ou da inflação para a moeda, como afirmaram os neo-estruturalistas inercialistas latino-americanos.19 Mais grave, porém, foi o que ocorreu quando afinal os monetaristas, depois de haverem dominado a universidade americana, convenceram os bancos centrais a utilizar uma política de estabilização de preços compatível com essa teoria: a política das metas monetárias. Depois de cerca de dez anos de tentativas, principalmente nos anos 80, o fracasso dessas políticas foi tão grande que os bancos centrais não tiveram outra alternativa senão abandoná-las, adotando uma política um pouco mais pragmática embora ainda freqüentemente equivocada: a política das metas de inflação.20

No campo da teoria do desenvolvimento econômico, a teoria neoclássica também chegou tardiamente e procurou integrar no seu modelo mais geral as idéias desenvolvidas anteriormente. O caso mais conspícuo foi o do modelo de Solow, baseado em uma crítica do modelo keynesiano Harrod-Domar, e na tentativa de aliar o progresso tecnológico de Marx, menos do que a teoria das inovações de Schumpeter, em um modelo matemático abstrato.21 Os resultados continuam a encantar os próprios neoclássicos, que viram nesse modelo múltiplas qualidades: primeiro, era consistente com a hipótese do equilíbrio geral neoclássico; segundo, permitia avanços matemáticos como aqueles que se materializaram nos modelos endógenos de crescimento; terceiro, abria a possibilidade de usar funções de

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produção e, particularmente, a função Cobb-Douglas, em pesquisas empíricas, que passavam, assim, a contar com um ‘modelo teórico rigoroso’. Na verdade, o modelo usava um pressuposto incompatível com os modelos neoclássicos de longo prazo – os rendimentos decrescentes – e não revelava nada que os economistas já não soubessem. Seu principal pressuposto, o do equilíbrio automático, naturalmente jamais se confirmou. Sua principal ‘descoberta` – a de que o progresso técnico é importante no processo de desenvolvimento – já era há muito conhecida. Sua grande tese (não de Solow, mas de seus seguidores) – a de que o progresso técnico seria ‘mais importante’ do que a acumulação de capital, confirmou-se não porque se tratava de uma qualidade em si das economias de mercado, como a própria teoria neoclássica sugeriria, mas porque, conforme Galbraith afirmou pioneiramente, e o conhecimento ou o capital humano se transformava então no novo fator estratégico de produção das economias capitalistas em lugar do capital. Estas continuavam capitalistas, porque controladas pelo mercado, e orientadas para a acumulação de capital e o lucro, mas agora a acumulação de capital humano tornava-se estratégica.22

Outra prática dos melhores economistas neoclássicos – e há alguns muito bons – foi a de inovar na busca de restrições ao funcionamento dos mercados. Nesse campo, as contribuições de Bhagwati e Ramaswami, Bardhan, Greenwald e Stiglitz, Krugman, estão entre os melhores exemplos.23 Não há nelas uma explicação efetiva de como e porque ocorre o processo de desenvolvimento, mas é feita uma brilhante crítica interna da teoria neoclássica, mostrando como neste, naquele, e naquele outro caso, os mercados são mal alocadores de recursos e piores distribuidores de renda. Pranab Bardhan, ele próprio um socialista democrático e um crítico do pensamento neoclássico, mas ele próprio um neoclássico, escreveu duas resenhas da teoria do desenvolvimento econômico, após a Segunda Guerra Mundial, em que praticamente todos os autores citados e seus respectivos modelos fizeram crítica interna elegante, rigorosa, da visão neoclássica, mas que pouca acrescentava à compreensão dos fenômenos econômicos: afinal, apenas demonstrava o que os economistas não-ortodoxos já sabiam há muito, e, por saberem-no, partem, em seus próprios modelos, desses pressupostos.24 Na verdade, as questões sobre o desenvolvimento que a teoria neoclássica tentou explicar desde que nos anos 70 se tornou dominante, e explicou mal ou apenas formalizou, idéias que foram antes desenvolvidas de forma original por Adam Smith, Marx, Schumpeter, e os ‘pioneiros do desenvolvimento’, como Rosenstein-Rodan, Prebisch, Furtado, Lewis, e Myrdal, com muito mais criatividade e poder explicativo, e constituem até hoje o cerne da teoria do desenvolvimento econômico.25 Em muitos casos, tivemos simples embora interessantes formalizações do que já se sabia. Uma exceção é a teoria do capital humano desenvolvida inovadoramente por dois economistas rigorosamente neoclássicos, Schultz e Becker.26

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Um caso interessante é o do neo-institucionalismo de North. Sua intuição, certamente originária de sua formação como historiador econômico, e dos seus conhecimentos da contribuição de Marx, era a de que as instituições fazem uma diferença no desenvolvimento econômico. Ora, instituições e história são alheias ao modelo neoclássico. Não obstante, para ser aceito pela ortodoxia dominante, North adotou a estratégia retórica de usar toda a uma linguagem neoclássica, e de citar autores neoclássicos, procurando tornar sua teoria consistente com o modelo neoclássico. Entretanto, como se trata de um notável intelectual, não hesitou em assumir a contradição em que estava se envolvendo, ao usar longamente a crítica notável de Nelson e Winter a esse modelo.27 Afinal, North só consegue incluir as instituições no grande modelo neoclássico descaracterizam-no ou, mais diretamente, refutando-o.

Ao buscar abarcar toda a ciência econômica subordinando-a ao modelo do equilíbrio geral, a teoria neoclássica deixa de ser uma teoria aberta, sujeita ao debate e à argumentação, para se transformar em uma ideologia, no sentido que Morin dá a esse termo: em uma idéia que se transforma em mito, que passa a se proteger irracionalmente, que, embora emprestando da filosofia a idéia de um núcleo coerente, perdem a idéia da complexidade, que é própria do verdadeiro conhecimento científico, e se transforma em uma simplificação dogmática e redutora.28 Isto não aconteceu apenas com a teoria econômica neoclássica, aconteceu também com o marxismo, e com o keynesianismo. É o destino de toda grande teoria dada por seus epígonos, que ambicionam dar a ela uma abrangência tal, e uma tal capacidade de resposta a todos os problemas, que acabam por dogmatizá-la. Esse tipo de marxismo, porém, já foi suficientemente desmascarado, como também o foi o keynesianismo ingênuo transformado em populismo econômico. A teoria neoclássica, entretanto, dado seu caráter dominante nas universidades dos países centrais, continua a aspirar a total abrangência, e merece, portanto, atenção especial.

Três escolas, dois métodos A teoria neoclássica apresentou uma contribuição fundamental para a teoria econômica quando Jevons, Menger, e Walras desenvolveram a abordagem marginalista, quando este último concebeu o modelo de equilíbrio geral, e quando Marshall deu praticidade à teoria ao mesmo tempo em que desenvolvia o modelo do equilíbrio parcial. Da mesma forma, a teoria clássica do desenvolvimento, fundada por Smith e Ricardo, teve em Marx e em Schumpeter, quando este não é neoclássico mas histórico, evolucionário, dois grandes continuadores. Por outro lado, a teoria macroeconômica fundada por Keynes e Kalecky, teve continuadores de alto nível, como Harrod, Hicks, Minsky e Davidson.29

Quando eu faço referência à pelo menos três grandes escolas de economia – a clássica, a neoclássica, e a keynesiana – e vejo nelas três grandes contribuições,

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como posso ser coerente? Na medida em que essas três teorias apresentam conflitos importantes entre elas, não seria eu obrigado, por uma questão de rigor metodológico, de consistência lógica, a adotar apenas uma delas e rejeitar as demais? Embora estas sejam boas perguntas, a resposta a elas se torna relativamente simples se rejeitarmos, como eu rejeito, a existência de qualquer grande teoria abrangente para a economia ou mais amplamente para as ciências sociais. Podemos ter e temos três grandes teorias econômicas – as três acima citadas –, e algumas teorias menores, como a neo-estruturalista latino-americana. Essas teorias, embora não sejam coerentes entre si, explicam, de forma melhor do que as outras, determinados aspectos do sistema econômico. A escola neoclássica estuda melhor do que qualquer outra o equilíbrio de uma economia abstrata de mercado; a escola clássica é insuperável em analisar e mostrar os fatos estilizados do desenvolvimento do capitalismo; a escola keynesiana, é de longe aquela que melhor explica o funcionamento no curto prazo dos grandes agregados econômicos, e a que melhores instrumentos oferece para conduzir a política macroeconômica. Seria, portanto, pouco científico da minha parte rejeitar duas delas e ficar apenas com uma apenas por uma questão de consistência abrangente. Contento-me com uma consistência menos abrangente.

Isto significa que temos não uma mas três verdades na economia? A verdade é uma só. Ela está na realidade dos seres e das relações que os seres humanos estabelecem entre si, não nas próprias idéias, que são a forma através da qual a expressamos. A verdade não é nem transcendental – não está nas próprias idéias –, nem instrumental – não depende do uso que lhe demos –, nem relativa: não depende de quem a veja ou de como se a veja. A ‘nossa verdade’ pode assim ser, mas isto apenas sugere a dificuldade em desvendarmos a verdade. A dificuldade da tarefa de descobrir a verdade não justifica o relativismo, justifica apenas a modéstia em afirmá-la, e a tolerância em relação à verdade dos outros.

Entretanto, a verdade sobre o funcionamento dos sistemas econômicos pode ser vista legitimamente sob vários ângulos. Há, pelo menos, o ângulo abstrato e estático do modelo de equilíbrio geral; o ângulo dinâmico de longo prazo e histórico da teoria do desenvolvimento econômico; e o ângulo histórico e de curto prazo do ciclo e da estabilização macroeconômica. O sistema econômico, visto sob cada uma dessas perspectivas, perde um pouco da complexidade que lhe é inerente porque a observação passa a ser por definição parcial, mas mesmo assim continua extremamente complexo para quem o observa.

No caso das duas abordagens históricas – a teoria do desenvolvimento econômico e a macroeconômica – esta complexidade é muito maior, porque a realidade estudada varia de lugar para lugar, de cultura para cultura, e principalmente varia no tempo. Neste caso, a realidade varia em função dos ‘fatos históricos novos’ de caráter tecnológico, institucional, e político, que produzem, em

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diversos graus, descontinuidades históricas, e exigem que as teorias explicativas sejam alteradas, adaptadas, senão completamente renovadas.

Mas por que não unificar as três teorias? Por que não buscar e encontrar o microfundamento da macro – esse santo graal buscado pelos neoclássicos? Já se deram muitas respostas a esta pergunta, das mais simples – como a de que de que a microeconomia se ocupa do comportamento dos agentes econômicos individuais, enquanto a macroeconomia, dos agregados econômicos – até as mais complexas, geralmente relacionadas com uma oposição ontológica entre o individualismo metodológico e concepções holistas da sociedade e do sistema econômico.

A resposta que venho desenvolvendo há cerca de dez anos tem alguma relação com o segundo tipo de resposta, mas dele se distingue essencialmente na medida em que não põe em questão a legitimidade do individualismo metodológico, menos ainda a do holismo metodológico, mas, ecleticamente, aceita os dois métodos, que poderão ser mais ou menos úteis dependendo da forma pela que estejamos vendo uma determinada realidade social, e que certamente poderão, em muitos casos, serem combinados. Minha resposta é a de que é impossível reduzir a teoria macroeconômica e a teoria do desenvolvimento econômico à teoria microeconômica dos equilíbrios geral e parcial, porque enquanto as duas primeiras utilizam um método principalmente empírico ou histórico-dedutivo, que chamarei de ‘método do fato histórico novo’, a terceira usa um método radicalmente apriorístico a partir da perspectiva do individualismo metodológico.30

Isto significa que não possamos encontrar para os problemas macroeconômicos e da teoria do desenvolvimento econômico bases no comportamento racional. Não significa que no caso da macroeconomia e da teoria do desenvolvimento econômico não possamos usar os ‘mecanismos sociais’ de que nos fala Elster para relacionar o comportamento aos interesses, e, no caso da política mais do que no da economia, também aos valores.31 Sem dúvida, podemos e devemos, sempre que possível, encontrar os mecanismos sociais. Isto apenas dará maior consistência às teorias que os economistas desenvolverem. Mas no caso da macroeconomia esta busca não se confunde com a pressuposição de que ele já foi encontrado, que é própria da teoria do equilíbrio geral. Essa terá que ser uma busca ad hoc, depois de observado o fenômeno econômico, já que o pesquisador começará sua indagação observando a realidade histórica, passada ou presente, buscará nela os traços distintivos, os fatos estilizados, e as regularidades. E a partir dessa observação, generalizará, desenvolverá seu modelo.

A tese que estou aqui desenvolvendo, de que no caso da macroeconomia e da teoria do desenvolvimento a análise inicial tem que ser histórica, mas, uma vez definido este quadro, pode e deve ser complementada por uma análise racional tem alguma semelhança com a distinção metodológica feita por Weber entre compreensão e explicação. O cientista social deve, em primeiro lugar, buscar a compreensão dos fenômenos econômicos sociais, encontrar suas regularidades, seus

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traços distintivos, a partir de uma análise essencialmente histórica. Em seguida, porém, ou conjuntamente, deverá formular teorias gerais explicativas para as quais existam motivações racionais.32

O macroeconomista, portanto, usará principalmente o método do fato histórico novo, que parte da observação de regularidades para a generalização, e holista, que supõe que o todo não é a simples soma das partes, que entre os elementos de um todo se estabelecem relações, sinergias, externalidades positivas e negativas, que dão ao fenômeno social especificidade. E depois buscará as motivações racionais por trás do comportamento observado, para lhes dar consistência. É claro, portanto, que partindo da indução, o combinará com a dedução. Sabemos bem que indução e dedução são dois métodos intrinsecamente complementares: um é impossível sem o outro. Entretanto, o que estou afirmando é que é possível distinguir escolas de pensamento, abordagens teóricas, a partir do fato de que se privilegie um ou outro método. A macroeconomia prioriza definitivamente o método histórico histórico-dedutivo. Ela não existiria se Keynes e Kalecki não houvessem adotado esse partido inicial. Que, aliás, foi o partido inicial dos dois maiores economistas do desenvolvimento, Smith e Marx.

Este método é muito diferente daquele utilizado pelo microeconomista. Enquanto o método da macroeconomia e da teoria do desenvolvimento econômico começa pela observação dos fatos novos, e é, portanto, principalmente, histórico-dedutivo, o da teoria microeconômica é essencialmente apriorística ou hipotético-dedutivo. Para pensar sua teoria maior – a do equilíbrio geral, o microeconomista senta-se em sua poltrona, pressupõe que o agente econômico busca maximizar seus interesses econômicos, e a partir desse pressuposto simples ele deduz lógica e matematicamente todo o seu modelo. Como o seu pressuposto é uma aproximação razoável da realidade do comportamento econômico, e como ele trabalha em um alto nível de abstração, os resultados que alcança são interessantes: logram desenvolver uma teoria com capacidade de previsão de um comportamento econômico também muito abstrato ou geral. Esse pressuposto, porém, não se aplica ao comportamento político e social, porque os seres humanos levam aí outras considerações além das econômicas, e, no próprio plano econômico, apresenta problemas quando se baixa o nível de abstração e se deixa de trabalhar com a lei dos grandes números. Para os objetivos de uma teoria simples e geral do equilíbrio de economias de mercado, porém, o modelo microeconômico neoclássico é uma grande realização do pensamento humano, é uma maravilhosa realização científica.

A teoria do equilíbrio geral que está no cerne da teoria microeconômica neoclássica é a teoria mais radicalmente hipotético-dedutiva de que tenho conhecimento entre as teorias substantivas, que buscam descrever a realidade (em oposição às metodológicas, como a matemática e a estatística), consideradas inclusive as ciências naturais. Embora meus conhecimentos de física sejam muito limitados, sei que a microeconomia neoclássica é ainda mais hipotético-dedutiva do

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que essa ciência já tão matematizada e, portanto, submetida ao raciocínio principalmente dedutivo. Ainda que boa parte do esforço de pesquisa do físico seja empregado na dedução de teorias, esse trabalho tem um compromisso com a observação da realidade, e está sempre construindo aparelhos cada vez mais poderosos e exatos para auxiliar suas pesquisas empíricas. No modelo de equilíbrio geral não há compromisso com a realidade. É esta que deverá se adaptar ao modelo. Quando isto não acontecer, nem por isso o modelo estará precisa ser alterado: apenas estará havendo um fator perturbador dos pressupostos do modelo, como um poder de monopólio, uma externalidade, uma path dependency, uma assimetria de informações. Apesar da tentativa de Friedman de demonstrar que a economia seria uma ‘ciência positiva’, na verdade o aspecto da ciência econômica para o qual ele estava implicitamente reivindicando essa positividade – a teoria o do equilíbrio geral – não é positivo porque sujeito a demonstração empírica, mas apriorístico e, em última análise, independente dessa comprovação.

Ao fazer esta afirmação não estou exagerando. Basta ler um dos mais notáveis defensores desse tipo de abordagem, Mises, para quem a ciência econômica, ao contrário da histórica, é essencialmente uma praxeologia apriorística. Enquanto a história seria “a organização sistemática dos dados da experiência relativos à ação humana”, o objetivo da praxeologia, entre as quais se situa a ciência econômica, “é a explicação da ação humana; tudo que necessita para a dedução dos teoremas praxeológicos é o conhecimento da essência da ação humana...” Ora, continua Mises, essa essência é lógica ou racional e imutável. Nestes termos, apenas o “apriorismo metodológico” e o individualismo metodológico” são aplicáveis à ciência econômica, porque só elas dão conta da “imutabilidade e universalidade das cateorias do pensamento e da ação... O objetivo da ciência é conhecer a realidade... Entretanto, essa referência à experiência não prejudica o caráter apriorístico da praxeologia e da teoria econômica. A experiência apenas dirige nossa curiosidade para certos problemas e desvia-a de outros... Não existe tais coisas como um método histórico de ciência econômica ou como uma disciplina de ciência econômica institucional”. E, conclui Mises, as relações lógicas fundamentais não são sujeitas a prova ou desprova”.33

Embora pretenda ser muito geral porque extraordinariamente abstrata, a teoria microeconômica neoclássica é uma realização parcial. Vê o sistema econômico apenas por um ângulo, como uma economia de mercado descarnada, a-espacial e ahistórica. Entretanto, especialmente os matemáticos e os físicos, e, em geral, os espíritos matemáticos, quando travam conhecimento com essa teoria, ficam fascinados. Sem dúvida, o economista, como qualquer outro cientista, desenvolverá modelos, teorias explicativas da realidade econômica, que, quanto mais simples forem, melhor. E se, para se alcançar essa simplificação, a formalização matemática for adotada, ótimo. Ao contrário, entretanto, do que pensa a grande maioria dos economistas ortodoxos, aplicados ao desenvolvimento de uma ciência normal, a formalização não se confunde com o próprio trabalho científico. Na economia, como

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em qualquer outra ciência, o trabalho mais importante é o de observar os fatos novos econômicos, relacionar com os demais fatos sociais e políticos, desenvolver novas idéias, novas explicações, e, em seguida, buscar justificação empírica, prática, para elas. A formalização é um mero expediente para facilitar – jamais para complicar – a comunicação do modelo.34

O fascínio provocado pela teoria microeconômica neoclássica não deriva, porém, apenas da possibilidade de formalização coerente e abrangente. Na medida em que ela pressupõe um sistema econômico de mercado, ela deriva da existência da competição no mercado resultados logicamente ótimos quanto à alocação de recursos. Dessa forma, a teoria se constitui em um poderoso instrumento ideológico a serviço de uma burguesia liberal no plano econômico que ainda julga necessário ‘demonstrar’ a superioridade das economias de mercado sobre as economias estatais ou de comando, embora isto já esteja claro para os economistas de todas as escolas.

Não é legítimo identificar a ideologia neoliberal com a teoria econômica neoclássica, já que é possível ser neoclássico sem ser neoliberal, mas as relações entre a teoria e a ideologia são muito próximas, como a teoria macroeconômica keynesiana é próxima da ideologia social-democrática. Nos anos 70, no momento em que se configurou a crise do Estado do bem-estar e a onda neoliberal ganhou força, também a visão neoclássica da economia, que havia entrado em recesso com a revolução keynesiana, voltou a tornar-se dominante, e buscou abranger e subordinar a macroeconomia e a teoria do desenvolvimento. Entretanto, mais recentemente, quando as crises financeiras sucessivas nos anos 90 e as baixas taxas de crescimento em quase toda parte enfraqueceram a onda neoliberal, ao mesmo tempo que as anomalias se acumulavam sobre as teorias neoclássicas aplicadas à realidade, voltou a ficar claro para um número cada vez maior de economistas que a proposta de um único método e de uma única teoria econômica era senão inaceitável pelo menos pouco realista.

O modelo do equilíbrio geral com seu sistema de otimização matemática voltou a perder parte do seu brilho, apesar de toda a fascinação que exerce sobre os amantes das teorias ‘puras’. Um dos sinais dessa perda de poder persuasório do modelo foi à invasão dos livros textos de microeconomia pela teoria dos jogos. Por dois motivos. Primeiro, porque a teoria dos jogos é uma teoria da decisão em regime de incerteza, e, na teoria neoclássica pura, não há espaço para a decisão: os agentes sempre maximizam, sempre escolhem a alternativa ótima. Segundo, pela razão inversa: porque dessa forma a teoria do equilíbrio geral estaria perdendo o seu estatuto de sistema geral de compreensão de um sistema econômico substantivo de mercado, para se constituir em parte de uma teoria da decisão. Seu ato fundador deixaria de ser os trabalhos de Walras, Jevons e Menger, para ser o de Newmann e Morgenstern.35 Nas palavras de Habermas, “poder-se-ia compreender a teoria econômica como uma teoria específica da decisão, relativa a situações de escolha

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econômica”.36 Não endosso totalmente essa crítica, mas vejo nela um argumento a mais para demonstrar a indeterminação e a parcialidade do modelo neoclássico.

Existem, portanto, dois métodos em economia, ambos legítimos. O método principalmente hipotético-dedutivo ou apriorístico que levou ao surgimento dos modelos do equilíbrio geral e do equilíbrio parcial de uma economia de mercado, e o método do fato histórico novo, histórico-indutivo, que permitiu a formulação do modelo clássico de desenvolvimento econômico e do modelo macroeconômico. Não há razão para nos limitarmos a um ou ao outro. Temos grandes economistas que se dedicaram principalmente a um ou a outro método, e foram grandes porque o fizeram bem. Em alguns momentos, percebiam que o uso dos dois modelos levava a contradições, mas foram grandes o suficiente – este foi tipicamente o caso de Schumpeter e de Keynes – para viver suas contradições ao invés de tentar impor teorias abrangentes e absolutamente coerentes.

A convivência de dois métodos não é exclusiva da teoria econômica. Existe também na filosofia e na teoria política. Embora houvesse o precedente abstrato de Platão, os pensadores clássicos, a partir de Aristóteles, pensam a política em termos principalmente prático e histórico-dedutivo. Esse é o caso de Maquiavel, Vico, Hegel, Marx, e dos pragmáticos americanos. O Estado era visto como o resultado de uma evolução histórica, como o resultado de um processo de crescente divisão do trabalho, da passagem da tribo para o clã, a aldeia, a cidade, a nação, a cidade-estado, e o império. Entretanto, com Hobbes e o contratualismo surge uma perspectiva radicalmente nova. O Estado é deduzido logicamente do pressuposto teórico da existência de um estado de natureza, em que a guerra entre todos era a única realidade, e da decisão dos homens, em um determinado momento, de estabelecerem um contrato através do qual renunciavam à sua liberdade original em troca da ordem legal imposta pelo Estado. Não importa que o estado de natureza não tivesse correspondente na história, nem que fosse possível encontrar o momento em que homens e mulheres livres decidiam trocar sua liberdade pela proteção do soberano. Com o contratualismo tornava-se possível deduzir logicamente o Estado da sociedade, substituía-se a legitimidade do monarca provinda da tradição por uma nova política, proveniente do contrato social. Como dizem os italianos, “si non è vero, è bene trovato”. Ainda que Hobbes pretendesse com sua teoria fortalecer o poder do monarca absoluto, o que ele e seus grandes sucessores iluministas fizeram foi abrir espaço para a cidadania. Ao tornar o rei legítimo perante os cidadãos, ele estabelecia uma base racional de legitimidade ainda maior para o próprio cidadão. O contratualismo, ainda que não fosse realista, estabelecia bases normativas poderosas para o futuro desenvolvimento político dos estados-nação. Enquanto o pensador histórico-dedutivo só pode chegar ao liberalismo e depois à democracia a partir da análise dos eventos e lutas políticas e sociais e da ‘lógica’ que esses eventos de alguma forma obedecem, o teórico hipotético-dedutivo espera inferir a lógica desses eventos usando apenas a razão que supõe os agentes obdecem.

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Mais tarde, na segunda metade do Século XIX, quando o modelo hipotético-dedutivo do equilíbrio geral é desenvolvido pelos economistas, ele já tinha como precedente o contrato social. Mais tarde ainda, já na segunda metade do Século XX, quando surge no plano da ciência política a teoria da escolha racional, de caráter essencialmente hipotético, sua base será a teoria microeconômica neoclássica. Sou um crítico dessa teoria quando ela, na linha de seu fundador, Anthony Downs, supõe radicalmente que os agentes políticos se comportem de forma igual aos agentes econômicos, buscando maximizar seus interesses pessoais, e faz uma perfeita analogia entre o mercado e a política.37 Da mesma forma, porém, que acredito que, no estudo da economia real realizado pela macroeconomia e a teoria do desenvolvimento econômico, depois de situar os problemas no campo histórico e de buscar as regularidades que permitam definir fatos estilizados e modelos teóricos, seja desejável submeter o modelo à crítica das motivações racionais, o mesmo procedimento pode ser usado pelo cientista político. Apenas ele deverá levar em conta, como sugere Elster, que seu conceito de racionalidade deverá ser mais amplo incluindo considerações de interesse público, já que as leis que presidem o mercado não são as mesmas que governam o fórum.38

Os riscos do ‘grande modelo’

O pressuposto central da teoria econômica, e não apenas da teoria neoclássica, é o da racionalidade dos agentes.Os economistas de todas as escolas sabem, porém, que nem sempre os agentes econômicos agem racionalmente, maximizando seus interesses. Não estou, portanto, discutindo a validade do pressuposto do homo economicus, de que os agentes econômicos sejam racionais. Trata-se de um pressuposto ‘razoável’ para a teoria econômica como um todo. Muito mais razoável do que para outras ciências sociais, como a política, por exemplo, do que a aplicação desse mesmo pressuposto na política pela escola da escolha pública. Da mesma forma que, em um plano muito geral, partem do pressuposto da concorrência perfeita, devem também partir do pressuposto da racionalidade, para depois poder relaxar ambos os pressupostos. Há, porém, uma diferença fundamental nesse processo de relaxamento dos pressupostos. Como a teoria microeconômica utiliza essencialmente o método hipotético-dedutivo, a-histórico, para pensar, os pressupostos da racionalidade e da competição perfeita estão sempre na base de todos os modelos, e há dificuldade em relaxá-los. Já na macroeconomia e na teoria do desenvolvimento a forma de pensar e pesquisar é diferente. O economista já trabalha com modelos históricos nos quais aqueles pressupostos foram devidamente abandonados.

O método econômico que proponho envolve o uso de dois métodos. Apenas no caso das teorias do equilíbrio geral e parcial a precedência e o domínio cabem ao método apriorístico. Estas teorias, entretanto, já estão desenvolvidas, restando pouca

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coisa para fazê-las avançar. Já no caso da macroeconomia e da teoria do desenvolvimento econômico, o método fundamental de pesquisa é o método d fato histórico, que usa também a dedução, mas parte da análise da realidade. O macroeconomista analisa a economia real – uma economia que existe aqui e agora e está em constante mudança. Sua busca de microfundamentos, com o uso principalmente de um instrumental hipotético-dedutivo, deverá ocorrer em um segundo momento, para que se possam estabelecer os mecanismos explicativos das relações macroeconômicas observadas.

A grande maioria dos economistas, ortodoxos ou heterodoxos, tem dificuldade de aceitar a existência de dois métodos de pensar. Como só há uma verdade, deduzem que também só pode haver um modelo, e concluem que logicamente só pode haver um método. Este monismo metodológico e teórico é comum a todas as ‘grandes teorias’: a clássica, a neoclássica e a keynesiana. Entretanto, na medida em que a realidade econômica, social e política é muito mais complexa – e cada vez mais complexa – do que esses modelos podem explicar, o monismo metodológico e teórico torna-se um grande obstáculo à compreensão dos problemas econômicos, e envolve grandes riscos de erros de política econômica.

Vou discutir apenas os obstáculos e erros relacionados à escola neoclássica, embora todas as escolas que pretendem arrogantemente tudo explicar incorram em problemas semelhantes. O grande problema que deriva de se pensar na teoria neoclássica como ‘o grande modelo’ está no fato de que, assim, os economistas imaginam terem encontrado ‘uma forma de pensar’, mas, na verdade, encontraram um substituto para o pensamento, estão economizando aquilo que cientistas jamais podem economizar: o próprio pensamento. Embora saibam que a concorrência perfeita não existe, em seus modelos partem quase invariavelmente desse pressuposto, e dos pressupostos que lhe são aparentados como o do pleno emprego, da taxa de juros e da taxa de câmbio de equilíbrio, da poupança determinada pela taxa de juros, etc.. Em conseqüência, seus modelos tornam-se em grande parte irrelevantes. Meros exercícios matemáticos. Existem, entretanto, em meio a isto pesquisas empíricas, algumas extremamente relevantes, mas que em geral não confirmam os modelos teóricos gerais.

Para construir um modelo relevante o economista neoclássico, ao invés de pressupor que os respectivos mercados sejam imperfeitos, deve elencar expressamente todas as restrições ao bom funcionamento do mercado que está estudando. Terá que dizer, por exemplo: admitirei desemprego, admitirei rigidez de salários, admitirei poder monopolista das empresas, admitirei externalidades, admitirei assimetria de informações, admitirei moral hazard, admitirei path dependency, e assim por diante. Só depois de completar essa complexa operação ele estará em condições de analisar com o realismo necessário a realidade econômica que ele está observando e quer estudar.Como fazer todas essas admissões de imperfeição é custoso em termos de pensamento, e conflita com a ideologia do

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mercado livre, o economista resiste em fazê-las. Prefere manter-se fiel aos modelos gerais que aprendeu baseados na capacidade ótima dos mercados alocarem eficientemente recursos, e afinal não logra relevância para o modelo que está desenvolvendo. O problema agrava-se quando alguns desses modelos são transferidos para os livros-texto.

Conforme observam Nelson e Winter em sua crítica clássica da teoria neoclássica, a ortodoxia é mais sutil do que os livros-texto de economia. Não obstante, eles verificam que mesmo os textos intermediários tendem a por de lado as sutilizas e dificuldades do conhecimento econômico avançado, e supor a eficiência dos mercados. Ainda que seja para simplificar um pensamento rico e complexo, afirmar que a teoria neoclássica limita-se à análise de equilíbrios estáticos e informação perfeita, “não é caricatura observar que a permanente dependência da análise de equilíbrio, mesmo em suas formas mais flexíveis, mantém a disciplina econômica cega aos fenômenos associados à mudança histórica”. Por outro lado, nos estudos históricos avançados o pressuposto da racionalidade dos atores, que otimizam, jamais é abandonada.39

Os resultados desse tipo de pensamento, especialmente quando aplicado aos problemas concretos da estabilização macroeconômica e do desenvolvimento são com freqüência desastrosos. Tome-se, em primeiro lugar, o exemplo de Keynes. Enquanto os economistas continuavam a pensar em termos de pleno emprego, e de flexibilidade para baixo dos salários, e da oferta criando automaticamente sua própria procura, não compreendiam a natureza da grande depressão dos anos 30. Keynes abandonou esses pressupostos, escreveu a Teoria Geral, e assim abriu todo um campo novo para a política econômica. Outro exemplo é o da alta inflação sob a forma de inflação inercial que se constituiu em um flagelo para as economias latino-americanas e, particularmente, para a brasileira nos anos 80. Enquanto os economistas neoclássicos continuavam a pensar em termos de mercados livres, e discutiam entre si se era o aumento da oferta de moeda, ou então os economistas estruturalistas, já mais ligados à realidade, mas ainda referindo-se a um estágio anterior daquelas economias, falavam em estrangulamentos dos preços causando o aumento persistente dos preços, foram incapazes de compreender o que estava se passando. Foi apenas depois que alguns economistas neo-estruturalistas ou novo-desenvolvimentistas perceberam que a indexação formal e informal da economia, que algumas das economias latino-americanas, principalmente a brasileira e a argentina, mudara substancialmente a natureza dos contratos econômicos e, portanto, o comportamento dos agentes, é que lhes foi possível formular uma teoria adequada para entender a inércia inflacionária, e, em seguida, desenhar uma forma eficiente de neutralizar a inércia sem se esperar que o mecanismo de mercado – a hiperinflação – resolvesse o problema da alta inflação.

Um último exemplo: os desastres financeiros ocorridos durante os anos 90 na Ásia, na Rússia, e na América Latina. Eles decorreram essencialmente da proposta

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originária no governo americano e nos mercados financeiros internacionais, e devidamente adotada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, de que os países em desenvolvimento, ou os ‘mercados emergentes’ como eles preferiam chamar, de promover seu crescimento com base na poupança externa e na plena mobilidade de capitais. Como pressupunham o funcionamento eficiente dos mercados, não puderam prever que a entrada maciça de capitais valorizaria as taxas de câmbio dos países recipientes, elevaria os salários e o consumo, inviabilizando o aumento da taxa de acumulação de capital: a poupança externa que entrava era compensada pela diminuição correspondente da poupança interna, e o resultado era apenas o crescimento do endividamento externo. Além disso, certos de que os mercados financeiros se equilibrariam automaticamente, não consideraram que esses mercados obedecem a um princípio geral de profecias auto-realizadas, ou de reflexividade, que produz o efeito-manada tanto para a compra como para a venda dos títulos de um país.40

Em um outro plano, temos o problema dos jovens economistas que precisam fazer seu doutoramento. A estratégia que adotam, para satisfazer seus maiores, é buscar fundamentos microeconômicos para determinados fatos, e construir modelos matemáticos a partir daí. Ou então aplicar modelos já existentes a uma determinada realidade. Dessa forma eles praticam a ‘ciência normal’ de que nos fala Kuhn. Mas não avançam nada no verdadeiro conhecimento da realidade econômica. Apenas se acostumam, ou se viciam, em pensar no particular ao invés de tentar compreender o todo.

O método do fato histórico novo

A alternativa mais geral ao método neoclássico de partir do equilíbrio e dos mercados eficientes para analisar realidades econômicas complexas seria evidentemente a de abandonar esses pressupostos e procurar fazer uma análise mais realista. Nesse caso, porém, ainda não se poderia falar no uso de um método do fato histórico novo. Para que isto realmente ocorra é necessário que o observador identifique os fatos históricos novos que mudaram a realidade anterior, que a teoria anterior explicava ou procurava explicar. Identificados esses fatos novos que tornaram necessário um novo modelo, o pesquisador busca empiricamente as novas regularidades que devem ter surgido, indaga-se sobre as motivações racionais dos novos comportamentos, e então estará em condições de construir a nova teoria e de testá-la.

Os fatos históricos novos podem ser de diferentes naturezas. Em geral ou serão inovações tecnológicas, ou inovações institucionais, ou revoluções políticas. Podem, por outro lado, ter diferentes profundidades. Uma coisa é a mudança tecnológica representada pela primeira, a segunda, e a terceira revoluções

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industriais, que ocorreram respectivamente no final dos séculos XVIII, XIX, e XX, outra coisa é uma mudança tecnológica pontual cujo efeito em alterar os modelos econômicos é muito menor. Da mesma forma, as reformas institucionais e as revoluções políticas podem ter diferentes profundidades e repercussões. A Revolução Capitalista, que abrangeu os três tipos de inovações, permitiu o próprio surgimento da teoria econômica, mais especificamente da teoria clássica do desenvolvimento. Seria difícil pensar em uma teoria econômica keynesiana nos quadros de um estado liberal do século dezenove cuja despesa girava entre 5 e 10 por cento do PIB, e na qual os sindicatos de trabalhadores não tinham importância. Mudanças dessa magnitude levaram a mudanças igualmente grandes na teoria econômica. Há entretanto fatos históricos menores, eventualmente localizados, que exigem novos modelos. O da inflação inercial é um bom exemplo.

No método do fato histórico novo, o economista pode pensar que o desenvolvimento capitalista passa por grandes fases ou etapas, e que, para cada etapa é necessário uma teoria algo diferente. A teoria continua a ser fundamental. Portanto, é preciso não confundir esse tipo de abordagem metodológica com a escola historicista ou institucionalista clássica de um Schmoler ou um Veblen. Eles rejeitavam a teoria, enquanto que ela é valorizada. O que se rejeita é a teoria absolutamente geral e, por isso, a histórica.

É preciso também não confundir o método do fato histórico novo com a busca de uma teoria da mudança econômica, na forma que Nelson e Winter pretendem. A grande crítica destes economistas à teoria neoclássica é a de que esta não dá conta dos processos de mudança econômica. Por isso propõem em substituição uma teoria evolucionária. A grande crítica que faço à teoria econômica neoclássica é mais simples e mais comum: falta-lhe realismo, porque é geral demais, porque, querendo explicar todos os processos econômicos, acaba não explicando adequadamente nenhum. E a proposta alternativa que faço é a do método dos fatos novos, que permita ao economista identificar as características próprias daquela fase ou daquele momento histórico que está sendo analisado e para o qual se precisa de um modelo explicativo. Também se busca uma teoria de mudança, mas, modestamente, se reconhece que a dificuldade da teoria econômica, e, mais amplamente, de qualquer teoria das ciências sociais de explicar a mudança é enorme.

O ponto de partida – mercados imperfeitos – é fundamental. Quando os mercados são perfeitos, não há nada de novo a analisar, nem há nenhuma política que precise ser proposta. Em segundo lugar, a definição dos fatos históricos novos é invariavelmente uma necessidade. O problema pode existir há muito e não foi resolvido, mas mesmo nesse caso, haverá o fato novo, já que o fato novo define-se como sendo aquele que alterou a realidade, criou novos constrangimentos ou novas liberdades para a ação econômica, e assim exigiu novas teorias para dar conta da

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realidade. O fato novo no campo das ciências sociais dá origem ao problema a ser resolvido no plano científico e prático.

Na grande maioria dos casos a solução do problema não se deverá a uma mente brilhante apenas, mas a um conjunto de pessoas pensando e debatendo aquele problema. Esse debate será fundamental para se definir o problema, para se encontrar um modelo explicativo razoável para ele, e, finalmente, para validá-lo cientificamente através do consenso dos pares.

Esta validação, entretanto, não ocorrerá do nada. Dependerá de pesquisas, que o demonstrem. Geralmente de pesquisas econométricas. Os resultados dessas pesquisas, entretanto, são muitas vezes decepcionantes. Por maiores cuidados que o pesquisador tome, causas e conseqüências não são claramente distinguidas. Para cada problema é comum arrolarem-se evidências econométricas justificando teorias opostas. Por isso, além do teste econométrico, é importante o teste que deriva da utilização prática do modelo na previsão e na formulação de política econômica. Não há melhor validação para uma teoria econômica do que dela poder se derivar previsões confiáveis. Ou dela poderem ser deduzidas políticas econômicas que, na prática, se revelam efetivas. A política de estabilização do Plano Real, por exemplo, estava baseada em uma teoria clara, que foi validada convincentemente pelo êxito do plano. Mas a validação final enquanto dure ocorrerá graças ao razoável consenso que for possível alcançar.

Nem o método apriorístico da economia neoclássica, nem o método do fato histórico novo são relativistas, já que pressupõem a possibilidade de se alcançar a verdade através da análise e da pesquisa empírica. Entretanto, enquanto o método hipotético-dedutivo filia-se filosoficamente a uma perspectiva positivista idealista, o método do fato histórico novo é realista. Para merecer esse atributo o uso de pressupostos realistas ou a busca de fatos históricos novos é essencial, a validação racional a posteriori é importante, e a comprovação empírica através da pesquisa e do acerto das previsões, necessária. Quando, além disso, a teoria permitir a formulação de políticas públicas eficientes e efetivas, a teoria estará em princípio validada.

Ao ser realista, não estaria sendo também positivista, no sentido que Friedman deu ao termo? Friedman buscou justificar o modelo microeconômico neoclássico (ele não havia ainda desenvolvido seu modelo macroeconômico) com a tese de que, embora seus pressupostos não fossem realistas, as previsões o eram, e a confirmação das mesmas tornava o modelo ‘positivamente’ verdadeiro. Esta é uma argumentação antes pragmática do que positivista no sentido filosófico do termo, embora tenha origem no trabalho de Popper. Este afirmou a impossibilidade de se provar a veracidade uma determinada hipótese científica, e a considerou válida na medida em que, sendo falseável, não houvesse sido falseada. Friedman, e com ele a economia ortodoxa, entendeu que, com essa tese, Popper não se preocupava com o

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realismo ou a veracidade dos pressupostos, mas apenas com a falseabilidade das hipóteses, que identificou com a capacidade de previsão dos modelos. Como os modelos do equilíbrio geral e do equilíbrio parcial permitem, em um nível muito geral, previsões corretas sobre o comportamento dos agentes, ele a entendeu que a teoria econômica neoclássica estaria validada positivamente. Agia assim pragmaticamente, seguindo a lição do fundador do pragmatismo, Charles Peirce, para quem a verdade de uma idéia estava na sua capacidade de previsão e de orientação da ação.41 Ignorou que essa capacidade de previsão é geral demais de forma que sua utilidade é limitada, principalmente para orientar política econômica. Serve para entendermos em termos muito gerais como o mercado coordena um sistema econômico, mas nada nos diz sobre como prever e evitar as crises econômicas e todas as demais distorções que afligem as economias reais. Afinal, ela se transforma em um modelo perigoso quando pretende se transformar no quadro de referência a partir do qual os modelos macroeconômicos e da teoria do desenvolvimento econômico devem ser construídos políticas econômica formuladas.

Horkheimer, fazendo sua crítica da razão subjetiva e instrumental, que se torna dominante a partir da era industrial e da identificação generalizada da razão com o interesse pessoal, observa que há uma significativa proximidade entre o positivismo e o pragmatismo. Ao perder a autonomia que lhe era própria enquanto pressupunha a existência de uma razão objetiva, a razão além do caráter instrumental, o formal. Enquanto o formalismo da razão, geralmente expresso através do abuso da matemática, foi acentuado pelo positivismo, seu caráter instrumental foi reforçado pelo pragmatismo.42 transformou-se em um instrumento que

Conclusão Em conclusão, sugiro neste paper que existe uma verdade sobre as relações econômicas; ela pode ser alcançada mas é complexa, e pode ser vista sob vários ângulos. A comprovação dos modelos ou teorias econômicas depende do teste empírico a que sejam submetidos, da sua capacidade de previsão prática, da efetividade das políticas econômica que neles se baseiam, e do grau de consenso que sobre eles se forma. Para desenvolver modelos, não existe apenas um método básico mas dois: o método hipotético-dedutivo, que foi efetivo em desenvolver os modelos de equilíbrio microeconômico, mas é perigoso quando quer se estender para outras áreas, e o método do fato novo. Este método tem sido aplicado com êxito na solução dos problemas macroeconômicos e da teoria do desenvolvimento. O primeiro método está baseado no individualismo metodológico, o segundo em uma perspectiva holista segundo a qual o todo não é a simples soma das partes. Todavia, como é possível e necessário combinar a indução e a dedução, é possível combinar a

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perspectiva histórica compreensiva com a busca dos mecanismos sociais racionais explicativos.

Neste quadro, a busca de microfundamentos para modelos macroeconômicos e de desenvolvimento econômico é legítima, mas será uma busca ad hoc dos motivos racionais por traz dos comportamentos agregados que estão sendo estudados. É legítima, na medida em que justifica, dá uma explicação racional, para o fenômeno observado. Mas isto deixa claro o motivo pelo qual os economistas neoclássicos falharam em lograr para a macroeconômica ‘o fundamento microeconômico’. É impossível lográ-lo. Ou, na hora em que isto for logrado, o modelo macroeconômico terá ficado de tal maneira abstrato e geral, que haverá perdido poder explicativo.

Para pensar a economia, formular as hipóteses explicativas de seu funcionamento e propor as políticas econômicas necessárias aos fins socialmente acordados (estabilidade, crescimento, distribuição) o economista, cujos problemas hoje são fundamentalmente macroeconômico e do desenvolvimento econômico, deve observar a realidade, verificar como os fenômenos ocorrem e se repetem, e a partir, desse processo inicialmente indutivo, mas na verdade indutivo-dedutivo, ele infere seu modelo ou sua explicação. A objeção cética de que toda inferência indutiva não é justificada – o célebre ‘problema da indução’ de Hume – embora interessante não pode ser aceita. Não apenas porque ela vai contra o bom senso que nos diz que boa parte do conhecimento é resultado de inferências indutivas. Também porque, como argumenta Foster, a inferência indutiva se justifica quando ela se constitui na “melhor explicação” para o problema que está sendo examinado.43 O economista, portanto, nestas duas grandes áreas, adota a forma clássica de pesquisa científica das ciências naturais: examina a realidade, e busca regularidades. Mas o faz com muito mais modéstia. Ele usa principalmente a indução, mas naturalmente também a dedução. O que o pesquisador faz é essencialmente generalizar a partir do estudo da realidade, que, no caso das ciências sociais, é sempre uma realidade histórica. O próprio sistema de mercado é uma realidade histórica.

Este trabalho não pretende ser uma crítica da teoria neoclássica, mas do uso de um único método, e da busca de uma única teoria abrangente para a ciência econômica. Fiz a crítica da teoria neoclássica porque essa adota de forma dominante o método hipotético-dedutivo. Se fosse obrigado a usar um único método em economia, não teria dúvida em adotar o método do fato novo, porque é mais realista. Essa escolha, porém, não é necessária. Podemos e devemos usar os dois métodos. Em segundo lugar, escolhi a economia neoclássica para criticar porque sua pretensão de perfeita abrangência e coerência é mais acentuada do que a existente nas outras grandes escolas. Keynes, por exemplo, quando desenvolveu sua teoria, não se preocupou em refutar todo o pensamento clássico e neoclássico, e substituí-lo por uma teoria igualmente abrangente. Refutou apenas aqueles aspectos do modelo que

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lhe permitiram fundar a macroeconomia.Todavia, muitos dos seus seguidores, como os seguidores dos grandes economistas clássicos, estão permanentemente tentados a alcançar o mito da perfeita abrangência e perfeita coerência.

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NOTAS:

1 A busca do interesse próprio, pressuposta no homo economicus, não seria um fenômeno social mais um fenômeno natural, que independeria da própria vontade ou escolha do ser humano. 2 Boulding, 1969. 3 Popper, 1934; Lakatos, 1974. 4 Hausman, 1984: 255. 5 Rorty (1980, 1994) nega que esteja propondo a substituição da epistemologia pela hermenêutica, “porque ‘hermenêutica’ não é o nome de uma disciplina , nem de um método para alcançar o tipo de resultados que a epistemologia falhou em alcançar” (Rorty, 1980; 315) mas está claro que ele propõe uma substituição desse tipo ainda que imperfeita.

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6 Rorty, 1980: Capítulo VIII. Não tem, por exemplo, nada de radical, mas é muito razoável a afirmação de Rorty que “devemos ser hermenêuticos quando não entendemos o que está acontecendo mas somos suficientemente honestos para admiti-lo” (p. 321). 7 Rorty, 1994: 122. 8 O realismo assim entendido tem origem em em Aristóteles e Sto. Tomás de Aquino, ainda que os filósofos aristotélico-tomistas, como Jacques Maritain, tenham usado o termo principalmente como uma perspectiva intermediária entre o idealismo e o materialismo. 9 Kuhn, 1962; Habermas, 1981. 10 Habermas, 1972: 284. Entre as condições que Habermas estabelece para se validar a verdade pelo menos uma delas, a sinceridade, é essencialmente moral. Sua obra fundamental, A Teoria da Ação Comunicativa, é de 1981. 11 Smith, 1776; Ricardo, 1817/21; Marx, 1867, 1894. 12 Jevons, 1871-79; Menger, 1872; Walras, 1874/1900; Marshall, 1890/1920. 13 Keynes, 1936; Kalecki, 1933a, 1933b, 1942, republished in Kalecki, 1971. 14 Sapir (2000: 10) refere-se muito apropriadamente ao “mito intelectual de uma ciência das ciências” que se propaga a partir das grandes universidades americanas. 15 A escola neoclássica é freqüentemente chamada de marginalista, porque foi a primeira a utilizar o conceito de marginalidade. A denominação, porém, é inadequada, porque se trata de um conceito útil, que pode ser utilizado por qualquer escola de pensamento econômico. 16 Mundell, 1963. 17 Friedman, 1968. 18 Lucas, 1981. 19 Bresser-Pereira e Nakano, 1983; Resende e Arida, 1984; Lopes, 1984. 20 A política das metas de inflação seria corretamente pragmática se deixasse os meios para se alcançar a meta em aberto, se definisse uma meta de médio prazo, e se não considerasse as inflações provocadas por variações na taxa de câmbio. Entretanto, os economistas treinados em escolas neoclássicas, não resistiram muito tempo: logo adotaram modelos macroeconômicos para prever a taxa de inflação que roubou todo o pragmatismo à estratégia. 21 Solow, 1956, 1957, 1970; Harrod, 1939; 1966; Domar, 1946, 1947; Marx, 1967, 1894; Schumpeter, 1911. 22 Galbraith, 1967; Bresser-Pereira, 1972. 23 Bhagwati, 1971; Bardhan, 1984; Krugman, 1981, 1987; Greenwald e Stiglitz, 1986. 24 Bardhan, 1988, 1993. 25 Rosenstein-Rodan, 1943, 1961; Prebisch, 1949; Furtado, 1961; Lewis, 1954; Myrdal, 1968.

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26 Schultz, 1961, 1980; Becker, 1964/93. 27 North, 1990; Nelson e Winter, 1982. 28 Morin, 1991, 1994. 29 Minsky, 1975, 1986; Davidson, 1972/78, 1978. 30 Desenvolvi inicialmente essa idéia em um paper no qual, entretanto, ela acabou apenas sendo esboçada (Bresser-Pereira e Lima, 1995). Nesse paper, ao invés de falar em método histórico-dedutivo eu falava em método histórico-indutivo, e ao invés de hipotético-dedutivo falava em lógico-dedutivo. Ao mudar os nomes não mudei em nada os conceitos, apenas os tornei mais claros, eliminando um elemento tautológico que prejudicava as denominações anteriores, e deixando claro que o método histórico a que estou me referindo é, como todo processo de construção de teorias, dedutivo. 31 Elster, 1998. 32 Weber, 1922: Capítulo 1. Habermas (1967: 19) examina esta abordagem metodológica de Weber lembrando que o mesmo começa seu livro de 1922 afirmando: “Chamamos sociologia uma ciência que se propõe compreender pela interpretação a atividade social e a partir daí explicar causalmente seu desenvolvimento e seus efeitos”. E Habermas (1967: 19) resume sua visão metodológica de Weber declarando: “Max Weber analisou sobretudo a articulação entre explicação e compreensão... As teorias gerais permitem deduzir hipóteses relativas às regularidades empíricas. Essas leis hipotéticas têm uma função explicativa. Diferentemente dos processos naturais, porém, as regularidades da atividade social apresentam a particularidade de serem compreensíveis. As atividades sociais fazem parte da categoria de atividades intencionais que nos entendemos reconstruindo seu sentido”. 33 Mises, 1949/1966: 30, 34,-35, 64-66. Mises não é exatamente um economista neoclássico no sentido limitado desse termo, mas da escola austríaca de Menger e Hayek. Em um sentido mais amplo, porém, que é o que estou usando aqui, a escola austríaca faz parte e representa uma contribuição fundamental para o pensamento neoclássico. O apriorismo rigoroso de Mises é o único compatível com a teoria o do equilíbrio geral, mas, dadas as tradições empíricas dos economistas ingleses, e pragmática dos americanos, os economistas com essas origem, que dominam a teoria econômica, têm dificuldade em compreender os princípios e o método que estão adotando. 34 A tese de que a formalização é uma condição indispensável do pensamento econômico é adotada inclusive por economistas neoclássicos que não se limitam a fazer ciência normal. Este é o caso, por exemplo, de Krugman (1999), que não hesitou em afirmar que o verdadeiro trabalho científico de inserir as externalidades na teoria do desenvolvimento desenvolvendo econômico através do modelo do big-push – um dos modelos centrais da teoria do desenvolvimento econômico – não foi realizado por Rosenstein-Rodan (1943), que o criou, mas por Murphy, Shleifer e Vishny (1989), que o formalizaram. 35 Newmann e Morgenstern, 1947. 36 Habermas, 1967: 71.

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37 Downs, 1957. 38 Elster, 1997. 39 Nelson e Winter, 1982: 7-8. 40 A reflexividade foi descrita com brilho por um grande operador do mercado financeiro, George Soros, 1998. Ainda que os economistas não gostem de admitir que um praticante possa ter contribuições significativas para a teoria econômica, isto pode perfeitamente ocorrer. Na verdade, hoje, dificilmente um economista puramente teórico tem condições de fazer contribuições inovadoras. 41 Peirce, 1958 (data de publicação de seus papers selecionados). Embora fundador do pragmatismo, Peirce não pode ser considerado um relativista. Ver Wiener,m 1958, e Hoover, 1994. 42 Horkheimer, 1947: 30. 43 Foster, 1982: 334.

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