20
SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. O PÃO DO ÍNDIO DOS NUKINI DA AMAZONIA: ESTUDO DE CASO SOBRE O USO DE SUPRIMENTOS ESPECÍFICOS NA DIETA ALIMENTAR INDÍGENA. Claristela Santos 1 Fernanda Emanuela Claudino da Silva 2 Sergio Francisco S. M. da Silva 3 Henry Lavalli Sullasi 3 Aldir Santos de Paula 4 Cláudia Alves Oliveira 3 Neuvânia Curth Ghett 3 Viviane Maria Cavalcante de Castro 3 Resumo: Este estudo apresenta os resultados das análises preliminares, de natureza biológica e físicoquímica, de um alimento de origem indígena conhecido como “pão do índio”, doado como um preparo alimentício feito por mulheres indígenas da etnia Nukini, da família linguística Pano, localizada no estado amazônico do Acre. Esse alimento teria sido produzido à base de milho e macaxeira macerada e revestida com o látex da seringueira (Hevea brasilienses). Os estudos sobre o uso de suprimentos especiais na dieta alimentar, de populações tradicionais da América, têm sido verificados na bibliografia antropológica. Entretanto, são raros os estudos de casos desses ecofatos, antropicamente utilizados, elaborados ou domesticados, sob a denominação de pão do índio. A presente amostra foi examinada quanto a sua estrutura por meio da tomografia computadorizada 3D (TC3D) e da microscopia eletrônica de varredura (MEV) e, quanto a sua composição química, por meio da Espectroscopia na região do infravermelho próximo (IV) e de um teste para a identificação da presença/ausência de amido, para fins de averiguação de sua constituição e natureza. Os resultados das análises indicam que o pão do índio estudado tem características de um fungo comestível de alta resistência, representando um vestígio etnoarqueológico em potencial, diante de condições tafonômicas favoráveis a sua preservação. 1 Núcleo de Estudos Ingigenístas do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 2 Programa de PósGraduação em Ciência de Materiais, CCEN, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 3 Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 4 Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

O PÃO DO ÍNDIO DOS NUKINI DA AMAZONIA: ESTUDO DE CASO SOBRE 

O USO DE SUPRIMENTOS ESPECÍFICOS NA DIETA ALIMENTAR INDÍGENA. 

Claristela  Santos1   

Fernanda  Emanuela  Claudino  da  Silva2   

Sergio  Francisco  S.  M.  da  Silva3 

Henry  Lavalli  Sullasi3 

Aldir  Santos  de  Paula4 

Cláudia  Alves  Oliveira3 

Neuvânia  Curth  Ghett3   

Viviane  Maria  Cavalcante  de  Castro3 

Resumo: Este estudo apresenta os resultados das análises preliminares, de natureza biológica e físico‐química, de um alimento de origem indígena conhecido como “pão do índio”, doado como um preparo alimentício feito por mulheres indígenas da etnia Nukini, da família linguística Pano, localizada no estado amazônico  do  Acre.  Esse  alimento  teria  sido  produzido  à  base  de  milho  e  macaxeira  macerada  e revestida  com  o  látex  da  seringueira  (Hevea  brasilienses).  Os  estudos  sobre  o  uso  de  suprimentos especiais na dieta alimentar, de populações tradicionais da América, têm sido verificados na bibliografia antropológica. Entretanto,  são  raros os estudos de  casos desses ecofatos,  antropicamente utilizados, elaborados ou domesticados, sob a denominação de pão do  índio. A presente amostra  foi examinada quanto a sua estrutura por meio da tomografia computadorizada 3D (TC3D) e da microscopia eletrônica de  varredura  (MEV)  e,  quanto  a  sua  composição  química,  por meio  da  Espectroscopia  na  região  do infravermelho próximo (IV) e de um teste para a identificação da presença/ausência de amido, para fins de averiguação de sua constituição e natureza. Os resultados das análises  indicam que o pão do  índio estudado  tem  características de um  fungo  comestível de  alta  resistência,  representando um  vestígio etnoarqueológico em potencial, diante de condições tafonômicas favoráveis a sua preservação. 

                                                            

1 Núcleo de Estudos Ingigenístas do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 

2 Programa de Pós‐Graduação em Ciência de Materiais, CCEN, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 

3 Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 

4 Universidade Federal de Alagoas (UFAL) 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

Abstract:  This  study  presents  the  results  of  preliminary  biological  and  physic‐chemical  analyzes  of  a Indian  food known as "  Indian bread ", donated as a  food preparation made by   Nukini women, Pano linguistic  family,  located  in  the Amazonian  state of Acre. That  food would have been produced  from macerated corn and manioc and coated with latex from the rubber tree (Hevea brasiliensis). Studies on the use of special supplies  in the traditional diet of populations of America have been observed  in the anthropological literature. However, few studies of such cases ecofacts anthropically used, developed or domesticated under the name of Indian bread. This sample was examined for its structure by means of computed  tomography  (3D  TC3D)  and  scanning  electron  microscopy  (SEM)  and,  as  its  chemical composition  by  means  of  spectroscopy  in  the  near  infrared  (IR)  and  a  assay  for  identifying  the presence/absence of starch for investigative purposes of its incorporation and nature. The results of the analysis  indicate  that  the  bread  of  the  Indian  has  studied  the  characteristics  of  a mushroom  high strength, representing a archaeological vestige with ethnoarchaeological potential, before taphonomic conditions favorable to their preservation. 

 

Introdução 

O pão do índio estudado no presente artigo (figuras 1 e 2) foi cedido para análise por um dos 

autores deste trabalho, que o recebeu de um índio Nukini do Acre. Nukini é uma das etnias da 

família linguística Pano. Este índio relatou ser comum encontrar esse tipo de alimento na mata 

ou em antigos roçados. A memória local remete ao tempo em que os índios guerreavam entre 

si e após a chegada dos não índios durante a época do extrativismo da borracha no século XIX. 

Tratava‐se  de  uma  forma  de  lançar  mão  de  um  recurso  alimentício  numa  situação  de 

emergência. Apesar de  existir  a  tradição oral do pão do  índio  e o  conhecimento dos  locais 

onde  o  mesmo  é  encontrado,  a  sabedoria  do  preparo  é  desconhecida  dos  informantes 

contatados. 

Os  índios  da  família  linguística  Pano  ocupam  atualmente  a  região  sudoeste  da  Amazônia, 

abrangendo  áreas  do  território  amazônico  do  Peru,  da Bolívia  e  do Brasil,  concentrando‐se 

principalmente no estado do Acre, do Amazonas e de Rondônia (Figura 3). 

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SANTI.T. O 

 

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a 1: Pão do ínal esquerda, 5 

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E. C.; SILVA, S. F. S. Nukini do Amazonas

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M.; SULLASI, H. S. Ls: Estudo de Caso So

do: 1 – vista anior e 6 – vista 

do: 1 e 2 – ve Carolina Sá.

L.; SILVA, A. C.; OLIVobre o Uso de Supri

nterior, 2 – viinferior Foto

vista da seção 

VEIRA, C. A.; PAULAimentos Específicos

sta posterior,: Angélica Bor

o  transversal   

A, A. S.; GUETTI, N. Cs na Dieta Alimentar

 3 – vista laterges e Carolina

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C; CASTRO, V. M. C.r Indígena. 

 

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SANTI.T. O 

 

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a 3: Mapa da na, c  ‐ Rio Vaauá, i ‐ Rio Muto Walter, E ‐ s  Indígenas: 1l/ Igarapé Hunawa do Rio Gawá do  Igaraawá  do  Rio  Jawá do Rio Ha,  21  ‐  KulinaMEIDA, 2002, p

m, procuram

arado como 

E. C.; SILVA, S. F. S. Nukini do Amazonas

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os  investiga

uma reserva

M.; SULLASI, H. S. Ls: Estudo de Caso So

 Nukini da A

obre o pão d

entificar  a 

ão  antrópica

esquisas  sob

s de manipu

ônica ilustranRio Juruá‐mirivira; Cidades: aumaturgo, F‐ Poyanawa, 3haninka do RiAshaninka doo, 12  ‐ KatukiÍndios  isolado‐ Kulina do Ré  do  Pau,  22

r neste estu

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L.; SILVA, A. C.; OLIVobre o Uso de Supri

Amazônia re

do índio na t

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F ‐ Jordão, G ‐3  ‐ Jaminawa o Amônia, 7 ‐o Igarapé Primna/ Kaxinawáos  do  Alto  Tio Envira, 19 2  ‐  Kaxinawá 

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VEIRA, C. A.; PAULAimentos Específicos

epresenta um

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nesse  tipo  d

alimentar  i

de raízes, se

ção dos índiosejo, f  ‐ Rio Libima, B ‐ Cruze‐ Tarauacá, H do  Igarapé P‐ Jaminawa/ Amavera, 10 ‐ Ká, 13  ‐ KaxinawTaravacá,  16  ‐‐  Índios  isolaNova  Olinda

ostra em qu

elo índio Nu

A, A. S.; GUETTI, N. Cs na Dieta Alimentar

m primeiro e

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  dessa  amo

e  alimento. 

ndígena  no 

ementes e lát

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uestão  seria 

kini por ocas

C; CASTRO, V. M. C.r Indígena. 

estudo de ca

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Brasil,  bus

tex.  

a ‐ Rio Juruá, Rio Gregório, ‐ Rodrigues Anta Rosa dos ukina CampinBagé, 8 ‐ Katua do Carapanka do Rio Bredo  Rio  Envirane, 20  ‐  Jamidaptado  de  C

o “pão do  í

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aso na 

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índio” 

ção do 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

material,  ou  um  fungo.  Neste  sentido,  se  poderia  pensar  na  domesticação  de  fungos  com 

características alimentícias. A partir, portanto, das  informações orais dos Nukini procurou‐se 

verificar, através da análise bioquímica, a natureza antrópica ou natural dessa amostra. 

Dados antropológicos e etnoarqueológicos sobre o pão do índio 

Poucos foram os estudos e/ou referências  localizadas, que tratam do pão do  índio como um 

preparo alimentício e/ou reserva alimentar, na região amazônica. Góes (2007, 2009) indica que 

o pão do índio era um preparo que era armazenado, enterrado em determinados lugares para 

ser consumido por ocasião dos deslocamentos dos grupos durante as “correrias”5. Baseado na 

descrição do  índio Yawa Yaminawa, Góes  (2007)  relata que o pão do  índio era um preparo 

“composto  pela  mistura  de  vários  tubérculos  e  grãos  cuja  característica  principal  é  se 

conservar  comestível por anos, mesmo em ambientes pouco  favoráveis  (queimadas,  chuvas 

intensas, etc.)”, o que garantia o alimento ante o retorno ao mesmo  local a que o grupo  foi 

levado a abandonar. 

Outra  referência  ao  pão  do  índio  foi  localizada  em  um  relatório  do  Programa  de  Educação 

Patrimonial:  “Caiarí:  Revendo  o  Passado,  Cultivando  o  Futuro”.  Em  uma  das  oficinas 

patrimoniais, há o relato de um operário cujo pai teve contato com povos indígenas da região 

de Jaci‐Paraná (RO), durante seu trabalho como seringueiro. De acordo com este relatório, o 

operário  “falou  sobre  o  “pão  de  índio”  e  de  como  os  índios  distribuíam  os  pães  por  um 

território para seu suprimento”6 . 

                                                            

5 No século XIX a exploração da borracha da seringueira (Havea brasiliensis) na região amazônica trouxe consequências danosas especialmente para as populações indígenas que habitavam áreas onde era abundante essa espécie vegetal. O boom da borracha ocorrido,  sobretudo a partir de 1870  impulsionou a  importação de mão‐de‐obra para essa  região para atender à demanda da produção dessa matéria‐prima. No final do século XIX o alto rio Juruá, habitado por grupos indígenas da família linguística Pano e rico em seringueiras, foi alvo de uma busca acirrada de terras para a exploração das preciosas árvores que forneciam o látex para o fabrico da borracha. Como uma das consequências, muitos grupos indígenas foram extintos ou tiveram uma considerável baixa populacional. Almeida et al.  (2002, p. 108) assinalam que  “(...) a partir de 1890,  capatazes e  caçadores profissionais de  índios estavam exterminando os Yaminawá, Sharanawá, Amahuaca, Kaxinawá, Poyanawá, Kontanawá, Arara e outros grupos de  língua Pano que habitavam as cabeceiras do rio Juruá. Esses episódios ficaram conhecidos como “correrias”, ainda vivamente lembradas, nas quais os homens eram assassinados e algumas mulheres e crianças, raptadas. 

6 Relatório vinculado ao projeto de Arqueologia preventiva na área da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, na cidade de Porto Velho, Rondônia (RO). Relatório Trimestral 3/ Nov.‐Jan. 2009/2010, p.7. 

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E. C.; SILVA, S. F. S. Nukini do Amazonas

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R, 1995 apu

s usos de stonasil  (fonte  deustrália (fonte

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a  o  interesse mo remédios.

M.; SULLASI, H. S. Ls: Estudo de Caso So

noarqueológ

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s  na  literat

arqueológica

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ne fungus peloe  alimento), e de alimento

no Brasil ain

do país seja

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L.; SILVA, A. C.; OLIVobre o Uso de Supri

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o mundo. 1 –4  –  Roma  (fo). 

da são escas

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s  de modo  p

VEIRA, C. A.; PAULAimentos Específicos

o uso de fung

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cológica  e 

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positivo.  Por 

A, A. S.; GUETTI, N. Cs na Dieta Alimentar

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ficado qualq

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C; CASTRO, V. M. C.r Indígena. 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

sociedades  indígenas brasileiras. O mais provável é que existam e existiam  tanto sociedades 

micofílicas como micofóbicas. 

O estudo das  informações etnoecológicas  sobre o emprego de  fungos, animais e plantas na 

alimentação  indígena necessariamente  inclui a compreensão das relações específicas de cada 

etnia com os  tabus de pureza  (micofilia) e perigo  (micofobia)  relacionados a essas  fontes de 

recursos naturais. No contexto das práticas de agricultura, desenvolvidas, por exemplo, entre 

os Uitoto, Andoke e Muinane da região amazônica da Colômbia (VASCO‐PALACIOS et al, 2008), 

os  fungos  domesticados  e  empregados  como  alimentos  desenvolvem‐se  em  substratos 

vegetais  específicos,  de  conhecimento  dessas  etnias.  Fungos  lignícolas8  vinculam‐se,  desse 

modo,  ao  tipo e demanda das práticas  agrícolas. As  respostas das populações  indígenas  ao 

processo de compreensão e integração dos recursos do meio natural circundante resultam na 

produção de um conhecimento tradicional que pode ser acessado pelos antropólogos pela via 

da  tradição  oral.  Esse  discurso  tradicional,  étnico,  caracteriza‐se  por  um  pensamento  de 

integração e síntese, holístico, com conceitos ecológicos sinergeticamente  integrados. Dentre 

os  recursos e  fatores naturais disponíveis, os  fungos  representam, ao  lado dos  insetos, uma 

quantidade de espécies abundantes nas regiões  tropicais e representam sim uma parcela da 

dieta dos povos indígenas.  

O estudo do processamento cultural dos fungos pelos  índios  ‐ e do conhecimento tradicional 

oral  sobre  essa  relação  ‐  constitui  uma  face  da  produção  de  conhecimento 

antropológico/etnológico que possui outro  sentido quando o problema  está na  arqueologia 

indígena. Destituídos de oralidade, os dados arqueológicos sobre dieta e relação homem/meio 

natural são sensíveis no sentido da interpretação científica, tornando‐se inevitável a interação 

interdisciplinar com as Ciências Biológicas, da Química e Física. As histórias de sobrevivência 

das  populações  indígenas  do  Brasil  relatam  inúmeras  extinções,  o  que  demanda  pesquisas 

arqueológicas  interagindo  com  as  históricas  e  antropológicas. Assim,  a  presença  do  uso  de 

fungos  na  dieta  de  populações  indígenas  atualmente  extintas  é  previsível,  entretanto  não 

verificado nos contextos arqueológicos históricos e ou pré‐históricos. Entretanto, os estudos 

etnoecológicos e etnobiológicos, bem como a  recuperação de classificações etnomicológicas 

                                                            

8 Fungos lignícolas são aqueles que se desenvolvem em madeira. 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

resultantes de oralidades étnicas de observação e  coleta de  fungos  (VASCO‐PALACIOS et al, 

2008;  CARDOSO  et  al,  2010)  constituem  tendências  favoráveis  e  animadoras  para  o 

desenvolvimento  da  questão  do  consumo  dietário  e  processamento  cultural  de  fungos  por 

populações pré‐históricas brasileiras. Ao lado da etnomicologia, que estuda a relação entre os 

fungos,  especialmente  os  macromicetos,  com  as  sociedades  tradicionais  (CARDOSO  et  al, 

2010), uma arqueomicologia9 faz‐se necessária quando o interesse na dieta pré‐histórica pode 

incluir os fungos. As classificações taxonômicas tradicionais extensas dos organismos vivos do 

meio  natural  constituem  fontes  etnológicas  de  pesquisa,  podendo  inferir  sobre  relações 

possíveis entre homens e fungos, quer seja no universo das práticas religiosas e/ou da dieta no 

passado. 

As  informações etnobiológicas possuem uma função de favorecer o surgimento de hipóteses 

sobre  ocorrências  no  âmbito  de  populações  extintas,  quer  nos  contextos  arqueológicos 

históricos, quer nos pré‐históricos. Tais informações puderam ser estudadas para os casos dos 

Caiabi, Txicão, Txucarramãe, Tupi‐Guarani e Yanomami (CARDOSO et al., 2010), especialmente 

sobre  as  etnoclassificações  (urupê,  uonchêlá,  amamo,  entre  outros)  e  suas  correlações  no 

âmbito  do  conhecimento  científico  (taxonomia  clássica),  considerando‐se  a  enorme 

biodiversidade  tropical.  Sob  a  perspectiva  arqueológica  são  inexistentes  trabalhos  que 

considerem  a  presença  da  relação  homem/fungo,  mesmo  nos  contextos  nos  quais  os 

processos de preservação dos vestígios  sejam propícios a  tais  considerações. Mesmo, nesse 

sentido,  o  olhar  do  arqueólogo  não  está  absolutamente  certo  da  possível  existência  de 

vestígios  que  não  aqueles mumificados  de  determinadas  espécies  animais  e  vegetais  que 

eventualmente  estejam  presentes  nos  contextos  funerários  e  similares:  a  domesticação  ou 

coleta esporádica de  fungos para uso  alimentar ou  ritual pode deixar  vestígios no  contexto 

arqueológico. Nesse caso, excetuam‐se exemplos arqueológicos do uso de fungos registrado a 

cerca de 13000 no Chile, além de outras informações que remetem à Grécia, à China e à Roma 

imperiais.  

                                                            

9 Sugere‐se aqui como arqueomicologia o estudo de fungos em contexto arqueológico. 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

Materiais e Métodos  

O  pão  do  índio,  objeto  de  análise  do  presente  artigo,  representa  um  bloco  compacto  de 

material amorfo, com aspecto e consistência similar a uma rocha, medindo no comprimento 

maior 33,8cm, altura máxima de 35cm, largura máxima de 20cm, com peso de 10,9 kg.  

Para  efetuar  as  análises,  foram  realizadas  imagens  que  objetivaram  visualizar  a  estrutura 

interna  do  pão  do  índio,  através  de  cortes  transversais  obtidos  por  meio  da  Tomografia 

Computadorizada  3D  (TC3D).  Quanto  à  identificação  da  morfologia  interna  recorreu‐se  à 

preparação  de  uma  parte  macerada  do  material,  e,  posterior  análise  pela  técnica  de 

microscopia  eletrônica  de  varredura  (MEV),  a  qual  permite  a  geração  de  uma  imagem 

decorrente da observação de diferentes interações eletrônicas que ocorrem entre a superfície 

da amostra e o  feixe de elétrons aplicado  sobre ela. Para as análises aplicadas,  foi utilizado 

detector para elétrons secundários. A análise foi realizada utilizando o equipamento Shimadzu 

SS‐550 Superscan®. 

Por sua vez para a determinação da composição química, como parte do processo analítico, a 

amostra  foi  submetida  também  à  técnica  de  Espectroscopia  na  região  do  infravermelho 

próximo  (IR).  Um  espectrômetro  de  infravermelho  determina  as  posições  e  intensidades 

relativas  de  todas  as  absorções,  ou  picos,  na  região  do  infravermelho  e  os  registra 

graficamente.  Podemos  entender  os  espectros  de  infravermelho  como  o  resultado  de 

mudanças  nos  níveis  de  energia  das moléculas  em  virtude  de  alterações  do momento  de 

dipolo ocasionado por vibrações  (SKOOG et al, 2009). O gráfico de  intensidade de absorção 

versus número ou comprimento de onda é chamado de espectro de  infravermelho (PAVIA et 

al, 2010).  

A  absorbância  de  uma  determinada  frequência  do  infravermelho  é  uma  característica  da 

ligação  química  presente  no  composto  analisado.  Para  extrair  informações  estruturais  do 

espectro, devemos nos familiarizar, através de tabelas de correlação, com as frequências, nas 

quais os vários grupos funcionais (proteínas, carboidratos, etc) absorvem. 

Para a determinação da sua composição algumas amostras da parte interna e externa do pão 

do índio também foram analisadas pelo método de espectroscopia DRIFTS. Os espectros de FT‐

IR  foram  registrados com FTLH 2000‐160  (ABB Bomem®), na  faixa entre 14000 cm‐1 e 4000 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

cm‐1, com uma média de 32 digitalizações e uma resolução de 8 cm‐1. De igual modo, alguns 

espectros  foram obtidos  entre 4000  cm‐1  e 400  cm‐1. Os dados  foram plotados usando os 

programas The Unscrambler® e Origin®. 

Parte  da  amostra  ainda  foi  submetida  a  um  teste  físico‐químico  clássico  para  detectar  a 

presença de amido in natura ou hidrolisado10. 

Resultados e discussão 

A utilização do método de Tomografia Computadorizada possibilitou a visualização interna do 

material analisado (Figura 5) em 3D, tendo sido realizados dois cortes longitudinais a partir do 

centro do bloco, que permitiram visualizar as características internas do material. Esta análise 

foi realizada usando um  tomógrafo Toshiba Asteion®, uma  tensão de120 kV, uma corrente x 

tempo de 150m As/corte, uma espessura de corte de 3 mm, afastamento 1.8 e exposição de 

imagem ponto por ponto a 324 mm. 

A  figura 5.1 mostra uma  estrutura  irregular do material  analisado,  enquanto  a 5.2  revela  a 

presença de alguns poros, de uma grande  fissura  interna e de alguns grãos de areia na vista 

interna 3D do pão do índio. 

Em relação à microscopia eletrônica de varredura, utilizada para determinar as características 

estruturais  do  pão  do  índio,  as  imagens mostraram  a  presença  de  poros  e  de  uma  grande 

quantidade de hifas (figura 6). Essa morfologia também é apresentada nos trabalhos de Araújo 

e Sousa (1978, 1981) sobre o Polyporus indigenus.  

                                                            

10 De acordo com Voet e Voet (2006), o amido apresenta‐se como principal tipo de reserva vegetal, sendo composto por amilose e amilopectina e é considerado um importante carboidrato na dieta humana. É encontrado na forma de grânulos nos cloroplastos das  folhas,  em  grãos,  tubérculos  e nas  frutas.  Este  autor  ainda  afirma que  sua  síntese  está  localizada nas  estruturas  vegetais denominadas plastídeos e resulta de reações de polimerização da glicose através da fotossíntese. Entre as peculiaridades desse polissacarídeo, está a diferença entre as moléculas que o compõe, a amilose apresenta estrutura linear e é mais hidrossolúvel que a amilopectina, a qual apresenta estrutura altamente ramificada. Deste modo, torna‐se possível a separação destes componentes após aquecimento. 

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SANTI.T. O 

 

Figuraa pres

Figurahifas. 

OS, C. A.; SILVA, F. Pão do Índio dos N

a 5: Tomografsença dos por

a 6: Micrograf

E. C.; SILVA, S. F. S. Nukini do Amazonas

fia computadoros, fissuras e 

fias de pão do

M.; SULLASI, H. S. Ls: Estudo de Caso So

orizada do magrãos de areia

o índio, mostr

L.; SILVA, A. C.; OLIVobre o Uso de Supri

aterial, mostraa (setas verm

rando a prese

VEIRA, C. A.; PAULAimentos Específicos

ando a estrutuelhas) em um

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A, A. S.; GUETTI, N. Cs na Dieta Alimentar

ura irregular ema vista intern

uras caracterí

C; CASTRO, V. M. C.r Indígena. 

em imagem 3na da amostra 

ísticas de mic

.; WEBER, 

 

D (1) e (2). 

 

célios e 

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SANTI.T. O 

 

Os  re

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com 

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Por s

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OS, C. A.; SILVA, F. Pão do Índio dos N

esultados do

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003; HUANG 

ultado dessa

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ua vez os es

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mido pode se

mido pode s

s colorações 

E. C.; SILVA, S. F. S. Nukini do Amazonas

os  espectros

ção entre 30

ências, os es

et al, 2007; 

a análise apo

os  NIR  da  amdo Pão do Índ

pectros mos

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origem  vege

tra  fonte,  b

ou hidrolisad

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ser caracteri

azul‐escura 

M.; SULLASI, H. S. Ls: Estudo de Caso So

 NIR do pão

000 e 5000 c

spectros NIR

ESTEBAN, 20

onta para a p

mostra.  Espectdio. Azul (as d

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L.; SILVA, A. C.; OLIVobre o Uso de Supri

o do  índio  s

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009; RUIDIAN

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VEIRA, C. A.; PAULAimentos Específicos

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N et al, 2010

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TKOWICS, 20

A, A. S.; GUETTI, N. Cs na Dieta Alimentar

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no padrão de

0). Isto implic

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as  duas  linhas) – amostras 

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007). 

C; CASTRO, V. M. C.r Indígena. 

a  7  e  aprese

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cm‐1 e 2800

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digital 

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mico  – 

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mente 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

 

Figura 8a: Espectros FTIR da amostra externa do Pão do Índio. 

 

Figura 8b: Espectros FTIR da amostra interna do Pão do Índio 

Para  caracterização do  amido que  possivelmente  ainda pudesse  estar presente no material 

analisado, foi planejada uma marcha analítica com três ensaios: Positivo, Branco e Amostra. Os 

ensaios  foram  realizados  em  duplicata.  Em  cada  tubo  (positivo,  branco  e  amostra)  foram 

adicionados 15 ml de água fervente + 2 ml de água fria. A seguir, foram adicionados 2 ml de 

solução  reagente de  Iodo  (Solução  iodo 1%‐iodetado). Como  resultado observou‐se no Tubo 

Positivo (controle) que a solução apresentou coloração azul‐violácea; no Tubo Branco e no da 

amostra formou‐se uma solução de coloração amarela.  

Assim,  constata‐se  que  houve  um  resultado  não  positivo  para  a  presença  de  amido, 

considerando‐se que não ocorreu a  formação da  cor azul, que é  característica do  complexo 

0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500

0.5

0.6

0.7

0.8

0.9

1.0

1.1

Tran

smitt

ance

(%)

Wavenumber (cm-1)

Ext.

0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500

0.3

0.4

0.5

0.6

0.7

0.8

0.9

1.0

1.1

Tran

smitt

ance

(%)

Wavenumber (cm-1)

Int.

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

amido‐iodo.  Não  há,  portanto,  indicativo  de  que  a  amostra  possa  se  tratar  de  alimento 

processado  de  origem  vegetal  e  de  base  amilácea,  de  acordo  com  o  teste  físico‐químico 

específico. 

Para  complementar esses  resultados parte da amostra  será  submetida a uma análise  futura 

para microvestígios – fitólitos ‐ que são minerais de sílica presentes em diversas partes de uma 

planta como folhas, sementes, brácteas, caule, entre outras (FREITAS, 2002).  

Não  obstante  o  pão  do  índio,  objeto  de  estudo  deste  artigo,  ter  sido  reportado  como  um 

alimento  processado,  as  análises  empreendidas  indicaram  que  esse  material  apresenta 

similaridade estrutural com um esclerócio de um fungo de grandes dimensões, de composição 

basicamente polissacarídica. Embora não seja possível identificar a espécie do fungo analisado, 

pode‐se  afirmar que  se  trata de um  fungo  saprófito, que, dentre  aqueles  conhecidos  como 

stone  fungus,  se  compõe de duas partes: uma que  se desenvolve acima do  solo e outra de 

consistência  sólida que  se  forma dentro do  solo,  chamada de  esclerócio  (PEGLER,  2000). O 

estudo do material em questão possibilitou verificar que a  composição do pão do  índio, de 

modo  análogo  ao  descrito  na  literatura  etnográfica,  indica  que  este  alimento  pertence  ao 

grupo dos macromicetos, embora, conforme aludido, de espécie ainda não definida. 

Exemplos  de  fungos  com  este  perfil  são  encontrados  e  cultivados  em  países  de  diferentes 

continentes, tal é o caso de Polyporus tuberaster (Jacq. ex Pers.) Fr.,  localizado em países do 

oeste  da  Europa;  de  Laccocephalum  mylittae  (Cooke  &  Massee)  Núñez  &  Ryvarden  (= 

P.mylittae  Cooke  & Massee)  e  de  Laccocephalum  tumulosum  (Cooke  & Massee)  Núñez  & 

Ryvarden (= P. tumulosus Cooke & Massee), na Austrália, entre outros (PEGLER, 2000). Entre 

os  já citados, a  literatura micológica  traz algumas  referências sobre um  tipo de  fungo muito 

utilizado na China, o Poria cocos, cujo esclerócio apresenta características similares ao material 

descrito neste  artigo  (JIN  et  al., 2003; HUANG  et  al., 2007;  ESTEBAN, 2009; RUIDIAN  et  al., 

2010).  

Alguns  estudos  etnográficos  e  antropológicos  sobre  os  índios  Pano  (SANTOS  e  BARCLAY, 

1994a,  1994b,  1998,  2004,  2005;  NAVEIRA,  2012)  e  sobre  os  indígenas  da  região  acreana 

(ALMEIDA et al., 2002; BISPO, 1994; CASTELO BRANCO, 1950, 1952; TASTEVIN, 1919)  foram 

consultados para efeitos deste  trabalho  com o objetivo de  investigar as  referências  sobre o 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

pão  do  índio,  não  tendo,  contudo,  resultado  satisfatório.  A  coleta  e  consumo  de  fungos 

comestíveis, no entanto, pode  ser  constatada  como uma prática entre  alguns  grupos Pano, 

especialmente na Amazônia peruana (SANTOS e BARCLAY, 1994a, 2005). Mesmo escassas, há 

referências  também  sobre  o  consumo  de  fungos,  encontradas  entre  os  Pano  do  Brasil 

(ALMEIDA et al., 2002) .  

O levantamento bibliográfico sobre o pão do índio ou pão‐de‐índio, grafado com ou sem hífen, 

trouxe  à  tona  dois  artigos  sobre  fungos  que  recebem  a mesma  denominação  (ARAÚJO  e 

SOUSA,  1978,  1981).  Essas  referências  apresentam  uma  nova  espécie  de  fungo  nativo  da 

Amazônia,  denominado  Polyporus  indigenus  I.J.A.  Aguiar  & M.A.  de  Sousa,  conhecido  por 

habitantes da  região como pão do  índio. Neste artigo as pesquisadoras citam a  importância 

econômica  do  esclerócio  desse  fungo,  usado  como  alimento  ou  aperitivo,  referindo  que  o 

fungo é apreciado no preparo de sopas, moído e cortado em pequenos pedaços. A alusão é 

apenas  ao  consumo do  P.  indigenus por populações  amazônicas, não havendo  referência  a 

nenhuma  etnia  indígena.  Atingindo  60  kg,  “O  pão  do  índio”  da  Amazônia  é  amplamente 

distribuído  na  região  onde  encontra  condições  favoráveis  ao  seu  desenvolvimento.  “É 

conhecido e utilizado como alimento pelo caboclo há vários anos.” (ARAÚJO e SOUSA, 1981, p. 

449).  

Os  estudos  na  área  de  etnomicologia  ainda  são  escassos  no  Brasil,  o  que  limita  o 

conhecimento acerca do consumo de fungos comestíveis destinados à alimentação. 

Onze espécies de Polyporus  foram  registradas na  região amazônica brasileira, dentre eles P. 

indigenus  e  P.  sapurema Möller,  espécies  que  apresentam  esclerócio  (GOMES‐SILVA  et  al, 

2012).  

Fungos silvestres comestíveis  têm um papel de destaque na alimentação de populações nos 

mais diferentes países e continentes. No Brasil, no entanto, Prance (1986) refere, com base em 

Fidalgo  (1968)  e  outros  estudos,  que  os  fungos  não  se  constituíam  usualmente  como  uma 

fonte de alimento pelos  índios da região amazônica. Ou seja, os povos  indígenas amazônicos 

não foram considerados micófilos. Nesse quadro, os  índios Yanomami, estudados por Prance 

(op. cit.), foram considerados uma exceção. As espécies mais utilizadas por esses índios são as 

da família das poliporáceas e das agaricáceas, sendo as primeiras as mais consumidas, a saber: 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

Lentinus  crnitus  (L.)  Fr.,  além  de  Favolus  brasiliensis  (Fr.)  Fr.  (=  F.  tenuiculus  P.  Beauv.),  P. 

tricholoma Mont., P. aquosus Henn. e P. stipitarius Berk. & M. A. Curtis (= P. tricholoma). 

Este  autor  nos  dá  uma  informação  sobre  o  sabor  de  alguns  fungos  consumidos  pelos 

Yanomami: 

O fungo Polypous aquosus, grande e macio, semelhante ao  pão  em  consistência,  mas  muito  sem  gosto  para nosso  paladar,  é  comido  cru.  Alguns  dos  fungos,  tais como  Lenitus  critinus,  são  duros  e  rijos,  e  é  difícil compreender  porque  são  apreciados  como componentes da alimentação (PRANCE, 1986, p.120). 

A utilização de espécies de  fungos saprófitos representa para os Yanomami, segundo Prance 

(1986), um útil casamento com a prática agrícola da mandioca, uma vez que o preparo do local 

do plantio, com a derrubada da mata e permanência da vegetação caída para se decompor no 

local, gera um ambiente  favorável para a proliferação dos  fungos. O período que precede a 

colheita  da  mandioca  torna‐se,  assim,  uma  temporada  farta  para  a  coleta  de  fungos, 

importando numa prática sustentável e representando um equilíbrio harmônico do que pode 

ser extraído da natureza. 

No caso do pão do índio fornecido pelos Nukini, estudado neste artigo, cuja análise indicou se 

tratar de um fungo, e não de um alimento processado, podemos considerar duas hipóteses: a) 

o pão do índio como alimento processado, por ser uma prática já extinta entre os Nukini, não é 

mais  reconhecida materialmente por esses  índios, ou; b) o pão do  índio outrora  consumido 

pelos Nukini na realidade era um fungo, tendo havido, no entanto, uma releitura da tradição 

oral  por  esses  índios  em  razão  de  uma  prática  não mais  existente. Nesse  sentido,  talvez  a 

peculiar associação do “cultivo” de fungos saprófitos com o terreno preparado para o plantio 

da mandioca  nos  dê  pistas  para  explicar  o  porquê  supostamente  essa  tradição  oral  tenha 

sofrido uma releitura. Um forte elemento para se pensar na plausibilidade desta hipótese é o 

fato de ter sido reportado pelos índios na atualidade ser comum encontrar o pão do índio em 

“antigos  roçados”.  As  duas  práticas,  na  verdade,  são  plausíveis.  Contudo,  apenas  a 

continuidade das pesquisas sobre a tradição oral dos Nukini e o pão do índio, associada a uma 

investigação  etnoarqueológica  poderão  elucidar  o  contexto  do  uso  do  pão  do  índio. Nesse 

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SANTOS, C. A.; SILVA, F. E. C.; SILVA, S. F. S. M.; SULLASI, H. S. L.; SILVA, A. C.; OLIVEIRA, C. A.; PAULA, A. S.; GUETTI, N. C; CASTRO, V. M. C.; WEBER, I.T. O Pão do Índio dos Nukini do Amazonas: Estudo de Caso Sobre o Uso de Suprimentos Específicos na Dieta Alimentar Indígena. 

 

sentido  essa  pesquisa  apresenta  uma  contribuição  de  fundamental  importância  para  os 

estudos da dieta alimentar indígena na região amazônica. 

Na perspectiva antropológica o pão do índio demonstra a relação homem/fungo. Ao que tudo 

indica  similarmente  às  sociedades  micófilas,  como  os  habitantes  rurais  da  China,  Japão, 

Europa,  Índia e México, alguns grupos Pano relacionavam‐se e ainda se relacionam de forma 

peculiar com os fungos, integrando‐os a sua dieta.  

O uso de  fungos na alimentação  indígena  registrado anteriormente pode ser verificado pelo 

estudo da amostra disponibilizada. Através do uso das técnicas de TC3D, MEV, Espectroscopia 

IV, foram obtidos dados que possibilitaram identificar a composição do pão do índio originado 

dos Nukini.   As análises  realizadas permitiram, portanto,  inferir que o material objeto deste 

estudo  possui  traços  de  natureza micológica  –  presença  de micélios  e  hifas  e  composição 

basicamente  polissacarídica.  Assim,  constata‐se  a  importância  da  aplicabilidade  dessas 

técnicas nos estudos de vestígios etnoarqueológicos dessa natureza.  

Por  fim,  a  descoberta  e  estudo  desse  tipo  de  ecofato,  quando  encontrado  em  sítios  e  no 

entorno  de  áreas  indígenas,  representa  um  novo  viés  para  o  estudo  dos  vestígios 

etnoarqueológicos de povos indígenas, como também pode vir a contribuir na interface com a 

arqueometria.  

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