5
ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSIQUIATRIA, NEUROLOGIA E MEDICINA LEGAL — VOL 99 Nº04; OUT/NOV/DEZ 2005 37 O PAPEL DAS NEUROCIÊNCIAS NA COMPREENSÃO DO FUNCIONAMENTO CEREBRAL E DO COMPORTAMENTO RESUMO: O objetivo principal da neurociência moderna é explicar como as células nervosas controlam o comportamento. Nesta revisão descrevemos aspectos básicos da biologia celular e molecular dos neurônios, enfatizando como as atividades elétrica e química permitem estabelecer o fluxo de informações no sistema nervoso. As sinapses comunicam as informações dos potenciais de ação de um neurônio para outro por meio de circuitos neurais. A ativação desses circuitos pode ser vista em humanos com a ajuda de diferentes técnicas de neuroimagem, tais como a tomografia por emissão de pósitrons e a ressonância nuclear magnética funcional. Concluímos esta revisão mostrando como a lateralização cerebral dos circuitos neurais envolvidos com a orientação da atenção visual pode ser observada no cérebro humano, usando a ressonância funcional durante a realização de um teste neuropsicológico de atenção visual por indivíduos normais. ABSTRACT: The main purpose of modern neuroscience is to explain how nerve cells control behavior. In this article we reviewed basic aspects of neuron molecular and cell biology. We emphasized how electrical and chemical activities convey information through the nervous system. Synapses communicate the information carried by action potentials from one neuron to the next in neural pathways. Activation of these pathways may be viewed in humans by means of several different neuroimaging methods such as PET-scan and function magnetic resonance imaging (fMRI). We concluded showing how cerebral lateralization of functions can be observed in the living brain by means of fMRI when normal subjects perform a visual attention neuropsychological test. PALAVRAS-CHAVE: Eletrofisiologia; Neuroimagem; Neurobiologia; Lateralidade. KEYWORDS: Electrophysiology; Neuroimaging; Neurobiology; Laterality. Eliete Bouskela – Médica, mestre e doutora em fisiologia cardiovascular pela UFRJ. Pós-doutorado em fisiologia cardiovascular nos EUA. Livre-docente, professora titular de fisiologia cardiovascular e chefe do Laboratório de Pesquisas em Microcirculação da UERJ. Membro titular da Academia Nacional de Medicina. Pesquisadora nível 1 CNPq. Sergio L. Schmidt – Médico e psicólogo pela UERJ. Mestre e doutor em neurofisiologia pela UFRJ. Pós-doutorado em neuropsiquiatria no Canadá. Livre-docente e professor titular de neurofisiologia e neuropsicologia da UERJ. Chefe do Laboratório de Avaliação Neurocomportamental da UERJ. Pesquisador nível 1 CNPq. THE ROLE OF NEUROSCIENCE ON THE UNDERSTANDING OF BRAIN FUNCTION AND BEHAVIOR Eliete Bouskela e Sergio L. Schmidt RECEBIDO: 19.09.2005 APROVADO:25.11.2005 ARTIGO DE REVISÃO

O PAPEL DA NEUROCIENCIA NA COMPREENSÃO DO FUNCIONAMENTO DA MENTE Eliete Bouskela.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • A R Q U I V O S B R A S I L E I R O S D E P S I Q U I AT R I A , N E U R O LO G I A E M E D I C I N A L E G A L V O L 9 9 N 0 4 ; O U T / N O V / D E Z 2 0 0 5 37

    O P

    APEL

    DA

    S N

    EUR

    OCI

    NCI

    AS

    NA

    CO

    MPR

    EEN

    SO

    D

    O F

    UN

    CION

    AMEN

    TO C

    EREB

    RAL

    E

    DO

    COM

    POR

    TAM

    ENTO

    RESUMO: O objetivo principal da neurocincia moderna explicar como as clulas nervosas controlam o comportamento. Nesta reviso descrevemos aspectos bsicos da biologia celular e molecular dos neurnios, enfatizando como as atividades eltrica e qumica permitem estabelecer o fluxo de informaes no sistema nervoso. As sinapses comunicam as informaes dos potenciais de ao de um neurnio para outro por meio de circuitos neurais. A ativao desses circuitos pode ser vista em humanos com a ajuda de diferentes tcnicas de neuroimagem, tais como a tomografia por emisso de psitrons e a ressonncia nuclear magntica funcional. Conclumos esta reviso mostrando como a lateralizao cerebral dos circuitos neurais envolvidos com a orientao da ateno visual pode ser observada no crebro humano, usando a ressonncia funcional durante a realizao de um teste neuropsicolgico de ateno visual por indivduos normais.

    ABSTRACT: The main purpose of modern neuroscience is to explain how nerve cells control behavior. In this article we reviewed basic aspects of neuron molecular and cell biology. We emphasized how electrical and chemical activities convey information through the nervous system. Synapses communicate the information carried by action potentials from one neuron to the next in neural pathways. Activation of these pathways may be viewed in humans by means of several different neuroimaging methods such as PET-scan and function magnetic resonance imaging (fMRI). We concluded showing how cerebral lateralization of functions can be observed in the living brain by means of fMRI when normal subjects perform a visual attention neuropsychological test.

    PALAVRAS-CHAVE: Eletrofisiologia; Neuroimagem; Neurobiologia; Lateralidade.

    KEYWORDS: Electrophysiology; Neuroimaging; Neurobiology; Laterality.

    Eliete Bouskela Mdica, mestre e doutora em fisiologia cardiovascular pela UFRJ. Ps-doutorado em fisiologia cardiovascular nos EUA. Livre-docente, professora titular de fisiologia cardiovascular e chefe do Laboratrio de Pesquisas em Microcirculao da UERJ. Membro titular da Academia Nacional de Medicina. Pesquisadora nvel 1 CNPq.

    Sergio L. Schmidt Mdico e psiclogo pela UERJ. Mestre e doutor em neurofisiologia pela UFRJ. Ps-doutorado em neuropsiquiatria no Canad. Livre-docente e professor titular de neurofisiologia e neuropsicologia da UERJ. Chefe do Laboratrio de Avaliao Neurocomportamental da UERJ. Pesquisador nvel 1 CNPq.

    THE ROLE OF NEUROSCIENCE ON THE UNDERSTANDING OF BRAIN FUNCTION AND BEHAVIOR

    Eliete Bouskela e Sergio L. Schmidt

    RECEBIDO: 19.09.2005APROVADO:25.11.2005

    ARTIGO DE REVISO

  • 38 V O L 9 9 N 0 4 ; O U T / N O V / D E Z 2 0 0 5 A R Q U I V O S B R A S I L E I R O S D E P S I Q U I AT R I A , N E U R O LO G I A E M E D I C I N A L E G A L A R Q U I V O S B R A S I L E I R O S D E P S I Q U I AT R I A , N E U R O LO G I A E M E D I C I N A L E G A L V O L 9 9 N 0 4 ; O U T / N O V / D E Z 2 0 0 5 39

    Os neurobiologistas consideram que a mente representa uma gama de funes elaboradas pelo crebro e que o comportamento deve ser entendido como resultado do funcionamento cerebral. De acordo com esse ponto de vista, o que acontece no crebro responsvel no somente por comportamentos relativamente simples como andar, mas tambm por funes elaboradas como sentir, aprender, pensar e escrever um poema. Como conseqncia, distr-bios no afeto (emoo) ou cognitivos (pensamentos), que caracterizam o comportamento patolgico, so entendidos como resultado de distrbios da funo cerebral.

    O crebro composto de unidades individuais consti-tudas por clulas nervosas ou neurnios e as clulas da glia. O desafio da neurocincia explicar como essas unidades controlam o comportamento e como so influenciadas pelo comportamento de outras pessoas e pelo meio ambiente.

    A informao proveniente de receptores perifricos analisada pelo crebro e origina as percepes que podem ou no ser armazenadas na memria. O crebro tambm capaz de comandar e coordenar os movimentos dos msculos no corpo, o que feito por intermdio dos neurnios e de suas conexes. Os neurnios so clulas especializadas na trans-misso do sinal eltrico a longa distncia. Estima-se que no crebro humano existam cem bilhes de neurnios.

    Um neurnio tpico tem quatro regies definidas mor-fologicamente: o corpo celular, os dendritos, o axnio e o terminal pr-sinptico do axnio. O corpo celular, centro metablico do neurnio, possui ncleo, retculo endoplas-mtico e o aparelho de Golgi. Os dendritos so os receptores e o axnio, processo tubular que pode chegar a 1 m em hu-manos, a unidade condutora do neurnio. Normalmente, o axnio no possui ribossomos e, portanto, no sintetiza protenas. No corpo celular, essas macromolculas so reu-nidas em organelas que se movem ao longo do axnio para o terminal pr-sinptico pelo movimento axoplasmtico. Os axnios so geralmente envoltos por uma bainha isolante de gordura chamada de mielina, essencial para a conduo do impulso nervoso em alta velocidade. A bainha de mieli-na interrompida em intervalos regulares, os ndulos de Ranvier. Existem diversos tipos celulares, classificados de acordo com a morfologia, a identidade molecular e a ativi-dade: clulas unipolares, bipolares e multipolares.

    Prximo do final do axnio, este se divide em vrios ramos muito finos, os terminais pr-sinpticos, elementos transmissores do neurnio. Por intermdio desses terminais, um neurnio se contata e transmite informaes sobre sua atividade a superfcies receptoras de outros neurnios, ms-culos ou outros tipos de clulas efetoras. O ponto de contato entre essas clulas a sinapse, formada pelo terminal pr-sinptico de uma clula (clula pr-sinptica), a superfcie receptora da outra clula (clula ps-sinptica) e o espao entre essas duas estruturas, a fenda sinptica.

    A sinalizao neuronal depende de mudanas rpidas na diferena de potencial eltrico nas membranas celulares dos neurnios. Cada neurnio tem uma carga eltrica na membrana resultante de camada de ons positivos e nega-tivos espalhados nas superfcies intra e extracelular. Em repouso, o neurnio tem um excesso de cargas positivas

    a transmisso sinptica no ocorre em todos os pontos em que h contato entre um neurnio e outro, mas apenas em pontos crticos nos quais reas especializadas pr-sinpticas so colocadas em aposio a neurnios ps-sinpticos.

  • 38 V O L 9 9 N 0 4 ; O U T / N O V / D E Z 2 0 0 5 A R Q U I V O S B R A S I L E I R O S D E P S I Q U I AT R I A , N E U R O LO G I A E M E D I C I N A L E G A L A R Q U I V O S B R A S I L E I R O S D E P S I Q U I AT R I A , N E U R O LO G I A E M E D I C I N A L E G A L V O L 9 9 N 0 4 ; O U T / N O V / D E Z 2 0 0 5 39

    no exterior e um excesso de cargas negativas no interior (potencial de repouso). A membrana celular mantm a se-parao entre as cargas agindo como uma barreira difu-so dos ons. Para gerar um potencial de ao, o potencial de membrana deve se tornar menos negativo, isto , sofrer uma despolarizao.

    O neurnio gera sinais eltricos abrindo e fechando os chamados canais inicos, que reconhecem e selecionam ons especficos e abrem e fecham em resposta a sinais el-tricos, mecnicos ou qumicos.1,2,3 Cerca de 100 milhes de ons podem passar atravs de um nico canal por segun-do. Os canais inicos podem abrir ou fechar dependendo do gradiente de voltagem da membrana celular e os ons atravessam a membrana com transportadores presentes no canal cuja velocidade depende das caractersticas do on a ser transportado: hidroflico ou hidrofbico, positivo ou negativo etc.

    Os canais inicos podem ser formados por hetero-oli-gopolmeros, homopolmeros ou cadeias de polipeptdeos e podem apresentar ou no subunidades auxiliares. A ca-racterizao eltrica de um canal inico pode ser deter-minada por meio de uma tcnica conhecida como patch clamping, em que uma pequena rea da membrana celular, com cerca de poucos micrmetros quadrados, colocada em contato com a ponta de um microeletrdio de vidro, imerso em uma soluo condutora, em que se aplica uma pequena suco. O contato entre a membrana e o microe-letrdio forma uma juno fechada cuja resistncia extre-mamente alta e a abertura e o fechamento do canal dentro do patch (cerca de 1 a 3 canais por patch) provoca um fluxo de corrente, que registrado por um monitor de corrente extremamente sensvel.3,4,5

    O potencial de ao depende do fluxo de ons sdio e potssio atravs de canais especficos. A permeabilidade da membrana celular durante o repouso mais alta para o K+ do que para o Na+. O potencial de ao inicia com a despolarizao da membrana, o que causa uma mudana transiente na permeabilidade, abrindo os canais de Na+, que normalmente so mantidos fechados por portes sen-sveis variao de voltagem, causando um aumento na entrada de Na+ na clula e produzindo a fase ascendente do potencial de ao. A fase descendente causada pelo fechamento desses portes, com a reduo do influxo de Na+ e abertura dos canais de K+, que causa o aumento no efluxo desse on.

    Outras clulas do sistema nervoso so as clulas da glia, 10 a 50 vezes mais numerosas que os neurnios no sistema nervoso central. So pequenas, no geram sinais eltricos como os neurnios e desempenham seis funes:

    suporte, semelhante ao que faz o tecido conjuntivo; remoo dos restos celulares aps morte ou injria do

    neurnio; secreo de mielina que reveste alguns axnios; regulao da concentrao de K+ no espao extracelular

    e remoo de transmissores qumicos liberados pelos neurnios;

    guia da migrao de neurnios durante o desenvolvi-mento; e

    possvel nutrio das clulas nervosas.

    Essas funes so desempenhadas por clulas diferentes: os astrcitos mantm as condies qumicas para a sinali-zao neuronal; os oligodendrcitos realizam produo de mielina; e as clulas da microglia, semelhante aos macrfa-gos, retiram restos celulares dos locais de injria.

    As clulas nervosas se diferenciam das outras clulas do corpo por sua habilidade de se comunicar rapidamen-te entre si, algumas vezes a longa distncia e com grande preciso. Os neurnios, diferentemente das clulas de glia, so capazes de conduzir potenciais de ao. Essa comunica-o rpida e precisa pode ser feita por meio da conduo do axnio e posteriormente pela transmisso sinptica.6,7,8

    Charles Sherrington introduziu o termo sinapse (do grego synapsis, juno) no incio do sculo passado para iden-tificar a zona especializada de contato entre um neurnio e outro. Na dcada de 30, houve um grande debate entre fisiologistas, liderados por John Eccles, e farmacologistas, liderados por Henry Dale, sobre o mecanismo da transmis-so sinptica. Ambos os lados assumiram que a transmisso sinptica deveria ocorrer por um nico mecanismo. Os fi-siologistas achavam que a transmisso deveria ser eltrica, com o fluxo de corrente eltrica do neurnio pr-sinptico para a clula ps-sinptica, e os farmacologistas defendiam que ela deveria ser qumica, isto , por intermdio de um mediador qumico liberado pelo neurnio pr-sinptico que iniciaria o fluxo de corrente na clula ps-sinptica. Traba-lhos posteriores mostraram que os dois lados estavam cor-retos: a maioria das sinapses utiliza mediadores qumicos, mas existem sinapses puramente eltricas. Mais ainda, a transmisso sinptica no ocorre em todos os pontos em que h contato entre um neurnio e outro, mas apenas em pontos crticos nos quais reas especializadas pr-sinpticas so colocadas em aposio a neurnios ps-sinpticos. H duas classes principais de sinapse: aquelas com pontes de conexo entre os citoplasmas da clula pr-sinptica com o da ps-sinptica (sinapses eltricas) e as sem pontes de conexo (sinapses qumicas).8

    As sinapses qumicas so muito mais numerosas do que as sinapses eltricas e todo o restante deste artigo vai se con-centrar nestas. As clulas pr-sinpticas possuem vescu-las contendo um neurotransmissor. Quando o potencial de ao chega no terminal pr-sinptico, abrem-se os portes dependentes de voltagem dos canais de Ca2+, ocorrendo en-trada de Ca2+ para dentro do terminal. O Ca2+ ao entrar na clula desloca as vesculas para prximo da fenda sinptica, promovendo a liberao do neurotransmissor.9 O nmero de protenas pr-sinpticas envolvidas na liberao de um neurotransmissor enorme. A vescula no boto pr-si-nptico faz uma srie de movimentos at que seja capaz de liberar o neurotransmissor. Inicialmente, uma vescula razoavelmente livre no citoplasma da clula, porm, com a entrada de Ca2+, ela ancora na membrana prxima da sinapse, abre e comea a liberar o neurotransmissor, processo que denominado de exocitose. Dependendo do tipo de receptor

  • 40 V O L 9 9 N 0 4 ; O U T / N O V / D E Z 2 0 0 5 A R Q U I V O S B R A S I L E I R O S D E P S I Q U I AT R I A , N E U R O LO G I A E M E D I C I N A L E G A L A R Q U I V O S B R A S I L E I R O S D E P S I Q U I AT R I A , N E U R O LO G I A E M E D I C I N A L E G A L V O L 9 9 N 0 4 ; O U T / N O V / D E Z 2 0 0 5 41

    na membrana ps-sinptica, poder ocorrer despolariza-o ou hiperpolarizao. Na despolarizao obteremos um potencial ps-sinptico excitatrio (PPSE), ao passo que na hiperpolarizao o potencial ser inibitrio (PPSI).

    Em um mesmo neurnio podem residir diversas subs-tncias que atuam na transmisso sinptica. De fato, a noo de que cada neurnio possui apenas um neurotransmissor (princpio de Dale) foi ultrapassada. Embora no possamos falar atualmente de neurnios exclusivamente colinrgicos, adrenrgicos ou serotonrgicos, esses nomes permanecem consagrados na literatura. Trs tipos qumicos constituem os neurotransmissores:8,10,11,12,13 aminocidos, aminas e pu-rinas. Os aminocidos so normalmente sintetizados nos citoplasma a partir de protenas decompostas (exemplos: glicina e glutamato), mas temos como exceo o cido gama-aminobutrico (GABA), que sintetizado exclusivamente no terminal dos neurnios a partir do glutamato com a participao da descarboxilase do cido glutmico. Entre as aminas podemos citar: a acetilcolina, as catecolaminas (epinefrina, norepinefrina e dopamina), a histamina e a se-rotonina. No grupo das purinas podemos citar: adenosina e trifosfato de adenosina.

    O resultado final da ao de um neurotransmissor a alterao do potencial eltrico da membrana ps-sinp-tica.14 H dois tipos de receptores: ionotrpicos e metabo-trpicos. Os receptores ionotrpicos so canais inicos e seu funcionamento se baseia na mudana de conformao tridimensional do canal decorrente da reao qumica en-tre receptor e neurotransmissor. Como exemplo podemos citar o receptor colinrgico nicotnico da clula muscular esqueltica. J nos receptores metabotrpicos, os efeitos so produzidos indiretamente por intermdio da protena G ou por ao enzimtica intracelular.15,16,17,18 Como exemplo de receptor metabotrpico podemos citar o receptor coli-nrgico muscarnico encontrado na membrana das clulas cardacas.

    H trs tipos de receptores glutamatrgicos, dois iono-trpicos e um metabotrpico.8,13 Os receptores so classifi-cados pela resposta ao agonista glutamatrgico N-metil-D-aspartato (NMDA). Os receptores NMDA de glutamato so formados da associao de vrias subunidades de protenas e permitem a passagem de Na+ e K+ e, em alguns casos, de Ca2+. A abertura do canal requer a presena de um amino-cido (glicina) e que o bloqueio do Mg2+ esteja removido. A correntes ps-sinpticas produzidas tm um potencial re-verso perto de 0 mV, logo a ativao de receptores NMDA produz respostas excitatrias ps-sinpticas.

    H uma diferena importante na velocidade de ao entre receptores metabotrpicos e ionotrpicos.8 Nos io-notrpicos, o potencial sinptico aparece em menos de um milissegundo, ao passo que nos metabotrpicos a ao mais lenta. No entanto, a protena G pode atuar, ainda, no sobre um canal inico, mas sobre uma enzima cuja funo seja produzir um mensageiro qumico intermedirio. Nesses casos, a transmisso sinptica ainda mais lenta e denomi-namos neuromoduladores as substncias qumicas liberadas que influenciam a ao dos neurotransmissores. Entre os neuromoduladores encontramos peptdeos e gases.

    O crebro consome cerca de 20% da glicose disponvel no organismo e podemos medir o fluxo de sangue pelo m-todo da tomografia ou da ressonncia. interessante notar que, em todas as vezes em que uma determinada parte do crebro estimulada, existe um aumento do fluxo sang-neo naquela rea. Os chamados circuitos neuronais so as organizaes para o processamento de uma determinada informao.

    Entre os mtodos de diagnstico por imagem podemos citar a tomografia computadorizada e a ressonncia magn-tica como mtodos anatmicos, que permitem caracterizar as diversas estruturas do encfalo com grande preciso. A melhor resoluo anatmica, a possibilidade de obter cortes em diversos planos e a ausncia de radiao ionizante so algumas das caractersticas da ressonncia que a deixam em vantagem se comparada tomografia.

    A tomografia e a ressonncia s permitem avaliar topo-graficamente um distrbio neuropsiquitrico quando este decorrente de uma leso no tecido enceflico. Portanto, conseguir concluses objetivas e claras de modelos mais complexos do comportamento e funcionamento cerebral mais difcil utilizando-se apenas esses mtodos. A resso-nncia magntica funcional (RMf) permite identificar al-teraes de intensidade de sinais.19 O princpio da RMf se baseia em estudos que revelam um aumento acentuado do teor de oxignio acima das necessidades metablicas basais no tecido cerebral ativado.19 Logo, o tecido cerebral ativado se caracteriza por apresentar um aumento da oxi-hemoglo-bina, com conseqente diminuio da deoxi-hemoglobina. Sendo a deoxi-hemoglobina uma substncia paramagntica, a diminuio de sua concentrao acarreta em um aumento na intensidade de sinal comparando-se ao local no ativado. Esse aumento de oxigenao est diretamente relacionado a um aumento do fluxo sanguneo cerebral regional.

    Quando realizamos alguma atividade, existe um au-mento do fluxo de sangue especificamente na rea que est sendo utilizada no momento. Por exemplo, o hipocampo direito ativado em atividades que envolvem a memria espacial, para aprendermos a nos localizar na vizinhana e lembrarmos rotas de ruas, por exemplo. Quando pensamos em palavras, temos o hipocampo esquerdo.

    Embora a RMf seja um mtodo moderno, h muito tem-po Machado de Assis j havia sugerido que as assimetrias hemisfricas existiam no crebro humano. No Laboratrio de Avaliao Neurocomportamental da UERJ so desen-volvidos estudos para desvendar os mecanismos biolgicos associados ao estabelecimento das assimetrias cerebrais.20,21,22 Mais recentemente, utilizamos a RMf para identificar os circuitos cerebrais que so ativados durante a realizao do teste neuropsicolgico computadorizado de ateno visual23 (TCA Brasil, aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia para avaliao clnica da ateno). Entre os im-portantes resultados que vm sendo obtidos nesse labora-trio, Schmidt et al.23 demonstraram a ativao do crtex parietal posterior direito durante a realizao do teste por pessoas normais.

  • 40 V O L 9 9 N 0 4 ; O U T / N O V / D E Z 2 0 0 5 A R Q U I V O S B R A S I L E I R O S D E P S I Q U I AT R I A , N E U R O LO G I A E M E D I C I N A L E G A L A R Q U I V O S B R A S I L E I R O S D E P S I Q U I AT R I A , N E U R O LO G I A E M E D I C I N A L E G A L V O L 9 9 N 0 4 ; O U T / N O V / D E Z 2 0 0 5 41

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS1. Armstrong CM, Hille B. Voltage-gated ion channels and electrical

    excitability. Neuron 1998;20(3):371-80.

    2. Catterall WA. Structure and function of voltage-sensitive ion

    channels. Science 1988 242(4875):50-61.

    3. Neher E. Nobel lecture. Ion channels for communication between

    and within cells. Neuron 1992;8(4):605-12.

    4. Hamill OP, Marty A, Neher E, Sakmann B, Sigworth FJ.

    Improved patch-clamp techniques for high-resolution current from

    cell-free membrane patches. Pflugers Arch 1981;391(2):85-100.

    5. Sigworth FJ. The patch clamp is more useful than anyone had

    expected. Fed Proc 1986;45(12):2673-7.

    6. Augustine GJ, Burns ME, DeBello WM, Hilfiker S, Morgan JR,

    Schweizer FE, et al. Proteins involved in synaptic vesicle trafficking. J

    Physiol 1999;520:33-41.

    7. Bennett MVL. Electrical synapses, a personal perspective (or his-

    tory). Brain Res Brain Res Rev 2000;32(1):16-28.

    8. Siegel GJ, Agranoff BW, Albers RW, Fisher SK, Uhler MD. Basic

    neurochemistry. Philadelphia: Lippincott-Raven; 1999.

    9. Carafoli E, Klee C. Calcium as a cellular regulator. New York:

    Oxford University Press; 1999.

    10. Barnes NM, Sharp T. A review of central 5-HT receptors and

    their function. Neuropharmacology 1999;38(8):1083-152.

    11. Burnstock G. Current status of purinergic signalling in the ner-

    vous system. Prog Brain Res 1999;120:3-10.

    12. MacKenzie AB, Surprenant A, North RA. Functional and molecular di-

    versity of purinergic ion channel receptors. Ann NY Acad Sci 1999;868:716-29.

    13. Shen K, Meyer T. Dynamic control of CaMKII translocation and

    localization in hippocampal neurons by NMDA receptor stimulation.

    Science 1999;284(5411):162-6.

    14. Unwin N. Acetylcholine receptor channels imaged in the open

    state. Nature 1995;373(6509):37-43.

    15. Brown AM, Birnbaumer L. Ionic channels and their regulation

    by G protein subunits. Annu Rev Physiol 1990;52:197-213.

    16. Graves JD, Krebs EG. Protein phosphorylation and signal trans-

    duction. Pharmacol Ther 1999;82(2-3):111-21.

    17. Hille B. Modulation of ion channel function by G-protein-coupled

    receptors. Trends Neurosci 1994;17(12):531-6.

    18. Kaupmann K, Huggel K, Heid J, Flor PJ, Bischoff S, Mickel SJ,

    et al. Expression cloning of GABA(B) receptors uncovers similarity to

    metabotropic glutamate receptors. Nature 1997;386(6622):239-46.

    19. Ogawa S, Lee TM. Magnetic resonance imaging of blood vessels

    at high fields: in vivo and vitro measurements and imagine stimulation.

    Magn Reson Med 1999;16(1):9-18OK

    20. Schmidt SL, Oliveira RM, Krahe TE, Filgueiras CC. The effects

    of hand preference and gender tapping performance asymmetry by

    the use of a infra-red light measurement device. Neuropsychologia

    2000;38(5):529-34.

    21. Schmidt SL, Oliveira RM, Rocha FR, Abreu-Villaca Y. Influences

    of handedness and gender on the grooved pegboard test. Brain Cogn

    2000;44(3):445-54.

    22. Schmidt SL, Snyder TJ, Rouget AC, Gray E. Empirical analysis

    of the selective attention and associated behavior checklist of the

    Aggregate neurobehavioral student health and educational review. J

    Dev Behav Pediatr 2000;21(3):165-71.

    23. Schmidt SL, Manhes AC. Teste computadorizado da ateno

    visual (TCA Vis). Rio de Janeiro: Ed. Neuropsicologia cognitiva, Rio de

    Janeiro, RJ, 2004.

    Endereo para correspondncia

    Prof. Dr. Sergio L. SchmidtLaboratrio de Neurofisiologia e Avaliao Neurocomportamental Departamento de Cincias Fisiolgicas IBRAGUniversidade do Estado do Rio de JaneiroAvenida 28 de Setembro, 87/fundos/5 andar Pavilho Amrico Piquet Carneiro20551-030 Rio de Janeiro, RJ, BrasilTel.: (21) 2587-6295E-mail: [email protected]