4
53 perspectivas actuais em bioética NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2004, vol. XIII, n.º 1 zação, esse património único e o sexo do ser que daí se vai desenvolver estão definidos e são, consequentemente, passíveis de qualquer estudo genético. Como a posse de património genético é característica de uma espécie, poder- se-á dizer de um embrião humano que é ser humano; então, por um lado, verifica- se a pertença à espécie (humana) e, por outro, a posse de potencial genético 1 . Esta noção biológica de potencial humano é até um pouco restritiva, na medida em que não nos diz se estamos ou não perante uma pessoa humana ou, sequer, vida humana. Por outro lado, manifestando um ponto de vista estrita- mente médico, há quem defenda que “uma vez ocorrida a concepção, começou a existência de uma vida humana individual, que é um contínuo progressivo permanente, até que a morte natural ou artificial ocorra” 5 , enquanto outros auto- res há que, fazendo a ponte entre a genética e a filosofia, afirmam que a vida humana tem início na fertilização 5 . Em termos biológicos pode, então, depreender-se que é a partir da fertili- zação que se adquire a identidade genética, única para cada indivíduo (excepto nos gémeos idênticos). Mas isto nada diz quanto aos conceitos filosóficos de um “contínuo ontológico individual”; o exemplo é precisamente o caso dos gémeos idênticos que, tendo o mesmo código genético, não têm iden- tidade ontológica equivalente 5 . Indo talvez um pouco mais longe questiona- se ainda se um embrião numa fase inicial é menos uma pessoa em potência que um embrião mais desenvolvido. Do ponto de vista da biologia do desenvolvimento podem tecer-se outras considerações sobre o embrião, tais como “(…) Para se transformar num O Estatuto do Embrião Humano: algumas considerações bioéticas Natália Oliva Teles Assessor, ramo de Genética; Mestre em Bioética e Ética Médica RESUMO Este artigo foca algumas definições úteis e práticas de termos relacionados com o estatuto do embrião humano, tais como “embrião”, “início da vida” e “pes- soa”. Este estatuto do embrião humano é abordado sob diversos enquadra- mentos, incluindo biológicos e filosóficos, contemplando também as posições da Igreja Católica e os problemas actuais em bioética emergentes do contínuo avanço da tecnologia. Algumas das questões levantadas neste artigo são: Será o estatuto do embrião “in vivo” e “in vitro” diferente? Haverá alguma escala de respeito relacionada com a idade do embrião? Palavras-chave: estatuto; embrião humano; início da vida. Nascer e Crescer 2004; 13 (1): 53-56 O ESTATUTO DO EMBRIÃO HUMANO A definição universal de embrião tem sido uma tarefa difícil para as ciências exactas e, em termos filosóficos, é impossível. Sendo o estatuto do embrião um tema actual e nunca esgotado, nesta “era do genoma humano”, qualquer tentativa para o definir poderá parecer incompleta. Autores como Keating consideram que “o estatuto do embrião se refere à questão controversa da protecção moral e jurídica a conceder ao embrião humano em diversos contextos (procriação medicamente assistida, experimentação, etc.), consoante a determinação da sua natureza, que oscila, segundo os casos e as filosofias, entre a de material biológico e a de pessoa1 . Assim, infere-se que a questão do estatuto do embrião deve ser encarada de modo multidisciplinar e colocada em diferentes planos - por exemplo o jurídico, que suscitará perguntas, tais como “Quais os direitos do embrião?” ou o ontológico “O embrião é pessoa?” ETIMOLOGIA A primeira dificuldade da definição de “estatuto do embrião” jaz no facto de, nesta expressão, surgirem dois vocá- bulos diferentes. Estatuto é uma palavra de origem latina, que provém de status, e foi tratada por diversos autores da Antiguidade, à qual foram atribuídos vários sentidos: forma, figura, posição, postura do corpo, etc. 2 . Neste artigo, o conceito mais adequado será, possivel- mente, o modo como um determinado ser ou entidade é tratado pela sociedade que o rodeia, em termos científicos e sociais. Embrião deriva do grego embryon e significa “qualquer coisa que começa, princípio, aquilo que se apresenta primordialmente em estado indefinido ou confuso3 ou, simplesmente, o desen- volvimento humano durante os primeiros estádios de desenvolvimento, mais concretamente até ao final da sétima semana de gestação, segundo os cri- térios da organogénese, passando a partir dessa altura a designar-se por feto 4 . ENQUADRAMENTO BIOLÓGICO Do ponto de vista biológico não há consenso quanto ao conceito de embrião. Em termos genéticos pode dizer-se que, a partir do momento em que há fertili-

O Estatuto do Embriao

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Teles, Natália. 2004. O Estatuto do Embrião Humano: Algumas Considerações Bioéticas. Nascer e Crescer: Revista do Hospital de Crianças Maria Pia. Nº1, 2004, Vol. XIII, Perspectivas Actuais em Bioética.

Citation preview

53perspectivas actuais em bioética

NASCER E CRESCERrevista do hospital de crianças maria pia

ano 2004, vol. XIII, n.º 1

zação, esse património único e o sexo doser que daí se vai desenvolver estãodefinidos e são, consequentemente,passíveis de qualquer estudo genético.Como a posse de património genético écaracterística de uma espécie, poder-se-á dizer de um embrião humano que éser humano; então, por um lado, verifica-se a pertença à espécie (humana) e, poroutro, a posse de potencial genético1.Esta noção biológica de potencialhumano é até um pouco restritiva, namedida em que não nos diz se estamosou não perante uma pessoa humana ou,sequer, vida humana. Por outro lado,manifestando um ponto de vista estrita-mente médico, há quem defenda que“uma vez ocorrida a concepção, começoua existência de uma vida humanaindividual, que é um contínuo progressivopermanente, até que a morte natural ouartificial ocorra” 5, enquanto outros auto-res há que, fazendo a ponte entre agenética e a filosofia, afirmam que a vidahumana tem início na fertilização5.

Em termos biológicos pode, então,depreender-se que é a partir da fertili-zação que se adquire a identidadegenética, única para cada indivíduo(excepto nos gémeos idênticos). Masisto nada diz quanto aos conceitosfilosóficos de um “contínuo ontológicoindividual”; o exemplo é precisamente ocaso dos gémeos idênticos que, tendo omesmo código genético, não têm iden-tidade ontológica equivalente5. Indotalvez um pouco mais longe questiona-se ainda se um embrião numa fase inicialé menos uma pessoa em potência queum embrião mais desenvolvido.

Do ponto de vista da biologia dodesenvolvimento podem tecer-se outrasconsiderações sobre o embrião, taiscomo “(…) Para se transformar num

O Estatuto do Embrião Humano: algumasconsiderações bioéticas

Natália Oliva Teles

Assessor, ramo de Genética; Mestre em Bioética eÉtica Médica

RESUMOEste artigo foca algumas definições

úteis e práticas de termos relacionadoscom o estatuto do embrião humano, taiscomo “embrião”, “início da vida” e “pes-soa”. Este estatuto do embrião humanoé abordado sob diversos enquadra-mentos, incluindo biológicos e filosóficos,contemplando também as posições daIgreja Católica e os problemas actuaisem bioética emergentes do contínuoavanço da tecnologia. Algumas dasquestões levantadas neste artigo são:Será o estatuto do embrião “in vivo” e “invitro” diferente? Haverá alguma escalade respeito relacionada com a idade doembrião?

Palavras-chave: estatuto; embriãohumano; início da vida.

Nascer e Crescer 2004; 13 (1): 53-56

O ESTATUTO DO EMBRIÃO HUMANOA definição universal de embrião

tem sido uma tarefa difícil para as ciênciasexactas e, em termos filosóficos, éimpossível. Sendo o estatuto do embriãoum tema actual e nunca esgotado, nesta“era do genoma humano”, qualquertentativa para o definir poderá parecerincompleta. Autores como Keatingconsideram que “o estatuto do embriãose refere à questão controversa daprotecção moral e jurídica a conceder aoembrião humano em diversos contextos(procriação medicamente assistida,experimentação, etc.), consoante adeterminação da sua natureza, queoscila, segundo os casos e as filosofias,

entre a de material biológico e a depessoa”1. Assim, infere-se que a questãodo estatuto do embrião deve ser encaradade modo multidisciplinar e colocada emdiferentes planos - por exemplo o jurídico,que suscitará perguntas, tais como“Quais os direitos do embrião?” ou oontológico “O embrião é pessoa?”

ETIMOLOGIAA primeira dificuldade da definição

de “estatuto do embrião” jaz no facto de,nesta expressão, surgirem dois vocá-bulos diferentes. Estatuto é uma palavrade origem latina, que provém de status,e foi tratada por diversos autores daAntiguidade, à qual foram atribuídosvários sentidos: forma, figura, posição,postura do corpo, etc.2. Neste artigo, oconceito mais adequado será, possivel-mente, o modo como um determinadoser ou entidade é tratado pela sociedadeque o rodeia, em termos científicos esociais.

Embrião deriva do grego embryone significa “qualquer coisa que começa,princípio, aquilo que se apresentaprimordialmente em estado indefinidoou confuso”3 ou, simplesmente, o desen-volvimento humano durante os primeirosestádios de desenvolvimento, maisconcretamente até ao final da sétimasemana de gestação, segundo os cri-térios da organogénese, passando apartir dessa altura a designar-se porfeto4.

ENQUADRAMENTO BIOLÓGICODo ponto de vista biológico não há

consenso quanto ao conceito de embrião.Em termos genéticos pode dizer-se que,a partir do momento em que há fertili-

54 perspectivas actuais em bioética

NASCER E CRESCERrevista do hospital de crianças maria piaano 2004, vol. XIII, n.º 1

embrião, um ser tem de se construir apartir de uma única célula. Tem derespirar antes de ter pulmões, digerirantes de ter intestino, formar ossosenquanto ainda for mole e ordenararranjos complicados de neurónios antesde saber pensar”6. Uma das razões pelasquais as teorias da biologia do desen-volvimento têm tido bastante aceitação échamarem a atenção para o facto de osorganismos adultos, completamenteformados, não nascerem instantanea-mente, como que do nada; formam-selenta e progressivamente, e é a totalidadedesse processo, que só termina quandoo ser morre, que se designa por desen-volvimento.

Além das citadas vertentes gené-tica, biomédica e da biologia do desen-volvimento, provavelmente as maisdivulgadas na sociedade, várias outrastêm sido apresentadas ao longo dosanos, em que o debate sobre o estatutodo embrião tem tido, ele próprio, umcontínuo aperfeiçoamento. Se bem quepareça haver consenso entre os váriosautores quanto ao facto de o organismohumano se originar a partir do zigotohumano e ao de nenhum zigoto humanopoder desenvolver outra morfologia quenão seja a forma humana - entendendo-se, em termos biomédicos, que zigoto éo óvulo fertilizado - o ponto de discórdiacontinua a ser a determinação exacta domomento de início da vida humana7.Autores há que o consideram, porexemplo, na implantação, apresentandoargumentos tais como não se falar deabortamento in vitro e haver falta decontribuição materna8; ou no desenvolvi-mento do sulco primitivo, visto o embriãonão ter ainda aparência humana5, sendosabido que ao longo de toda a história daciência e investigação científicas, muitosforam os estudos comparativos feitosentre embriões humanos e animais,nomeadamente do fenótipo.

O argumento final, em suma, talcomo refere Rui Nunes, não se devecentrar no facto de estarmos ou não empresença de pessoa humana no sentidofilosófico, mas sim de “uma entidadepossuidora de características tais que,se não surgir nenhum elemento pertur-bador, culmine, com grande probabili-

dade, na constituição de uma novapessoa humana” 9. As discussões debioética quanto ao início da vida pessoalterão obrigatoriamente de recorrer aobservações científicas mas, como asobservações meramente biológicasnunca são suficientes, terá de se utilizarsempre a filosofia como mediador dadiscussão de pessoa para se tentarchegar a um consenso ético sobre amesma, incluindo as vertentes da quali-dade, respeito e, sobretudo, legitimidadede pôr fim a essa mesma vida.

ENQUADRAMENTO ONTOLÓGICOO primeiro biólogo e filósofo de que

houve conhecimento na Antiguidade,capaz de influenciar activamente ascivilizações ocidentais, foi Aristóteles.Durante cerca de 2000 anos, os seusensinamentos serviram de base para oentendimento da origem do ser humanoindividual - o mérito deste grandepensador grego como biólogo foi com-binar as observações empíricas com asinterpretações filosóficas das mesmasenquanto filósofo, do que resultou umametafísica baseada no realismo do sensocomum. Aristóteles pensava haver umaresposta científica directa quanto àquestão do desenvolvimento no feto, devários tipos de alma ou vida, conside-rando a vida racional exclusiva doshumanos. Assim, atribuía ao embriãorecém-formado um tipo de vida apenasvegetal (alma vegetativa), que passariaa animal (alma sensitiva) para, apenasaos 40 e 90 dias, consoante fosse dehomem ou de mulher, o feto ser capaz deadquirir vida racional ou mental; paraAristóteles, a alma racional só se uniriaao embrião se e quando este adquirisseum aspecto humano5.

Na Idade Média, Santo Agostinhoretomou a questão anterior numa abor-dagem já claramente cristã, mas apenaspara fazer a distinção entre feto animadoe não animado10; aproveitou, em certamedida, a filosofia Aristotélica, com adiferença de que os seus pressupostos,em vez de empíricos, eram baseadosespecificamente na ideia religiosa dealma imortal e salva pela fé.

Nesta linha de pensamento a IgrejaCatólica tem, como é do conhecimentogeral, uma posição inequívoca - a vida(ou alma) do ser humano provém deDeus e a vida humana é sagrada desdeo seu início até à morte; esta vida oualma une-se temporariamente à carne,que se torna aparente na altura donascimento e que sobrevive à morte11;assim, como afirma Helena Melo, o serhumano merece respeito como pessoadesde o primeiro momento da suaexistência embrionária10, o que pode serconfirmado pelas duas passagensseguintes: [...]. Ainda em embrião seviam minhas obras e já meus diasestavam marcados no vosso livro [...]” 12

e “Antes que no seio fôsses formado, eujá te conhecia; antes do teu nascimento,eu já te havia consagrado [...]”13. Apesardo profundo respeito pela vida humana,mesmo em estado embrionário, repre-sentantes da Igreja Católica com “algumaabertura à diferença” sugerem, porexemplo relativamente à pesquisa sobreembriões, que esta se poderá justificar,desde que seja para detectar e fazercorrecções terapêuticas nos mesmos,para explícito benefício próprio no pre-sente e no futuro14.

ENQUADRAMENTO FILOSÓFICOA questão mais delicada quanto ao

estatuto do embrião humano, em termosfilosóficos, é a da definição de “vidahumana”. Se, por norma, os problemaséticos relativos ao embrião humanosurgem quando se quer definir exacta-mente o momento em que se inicia a vidahumana, para alguns autores seránecessário entender “vida humana” nosentido de “vida pessoal”, enquantooutros questionarão ainda “Que ser é oembrião humano?”.

Segundo Warnock11, talvez ummodo de simplificar toda esta questão doinício de vida humana ou de pessoafosse estimar em que estádio de desen-volvimento do embrião este adquire oestatuto de “moralmente” significativoou, dito de outro modo, a partir de quealtura é que se deve começar a tratar umembrião com o mesmo respeito com quese trata qualquer outro ser humano.

55perspectivas actuais em bioética

NASCER E CRESCERrevista do hospital de crianças maria pia

ano 2004, vol. XIII, n.º 1

Para Tristram Engelhardt Jr., o inícioda vida humana biológica não é ime-diatamente seguido pelo início da vidade uma pessoa, donde resulta a grandedificuldade de atribuição de estatutomoral a zigotos, embriões, fetos e mesmocrianças; para compreender o estatutomoral do início de uma vida humana, teráde se estimar a importância dessa vidapara outras pessoas15; considerado umneo-kantiano, defende que “quem podeser pessoa no sentido restrito é o serhumano enquanto é efectivamente umagente moral”. Consequentemente, nãoé o facto de pertencer à espécie humanaque atribui valor ao ser humano, mas sima consciência, a racionalidade e o sentidomoral de que são capazes os membrosdessa espécie, embora devam tambémser consideradas pessoas os seres quenão pertencem à espécie humana masque, não obstante, apresentem essascaracterísticas1. Com este tipo de filosofiamoral, Engelhardt é, seguramente, umdos pensadores actuais que assume umaposição diametralmente oposta à daIgreja Católica, considerando frontal-mente que o embrião não é pessoa desdeo momento da concepção e distingueainda dois conceitos que são, habitual-mente, tomados como sinónimos: serhumano e pessoa. Afirmando que“Somente as pessoas escrevem ou lêemlivros de filosofia”16, pensa que para umente ser considerado pessoa, tem de serconsciente, racional, livre, autónomo eresponsável. Se bem que seja razoavel-mente pacífico considerar que “serhumano” signifique pertencer à espécieHomo Sapiens, já o mesmo não acontececom a palavra “humano”. Para Fletcher,por exemplo, só pode ser humano quempossuir certas qualidades, que designapor “indicadores de humanidade, taiscomo autoconsciência, autodomínio,sentido do passado e futuro, entreoutras17.

Além destas duas posições basica-mente opostas sobre o embrião, há outrasintermédias, que valorizam o “potencial”,ou o de “pessoa potencial”. SegundoPaul Ricoeur, a expressão “pessoapotencial”, como resposta à clássicaquestão de “O que é um embrião? permite“escapar ao carácter dicotómico das

considerações ético-ontológicas” o que,em linguagem simples, significa apenasque o embrião não é pessoa nem coisa18.Desta noção de pessoa potencial podeinferir-se que o embrião não é pessoa -durante as primeiras semanas do seudesenvolvimento não possui sensibili-dade, consciência, nem relação com omeio exterior, só à medida que aembriogénese se vai processando é queaquele ser humano vai adquirindo ascondições biológicas e ambientais quelhe permitam vir a ser pessoa; por outrolado, o embrião não pode ser reduzido acoisa, pois tem origem humana e tornar-se-á pessoa, se para isso tiver condiçõesfavoráveis. A posição de que o embriãodeve ser respeitado como pessoa e serhumano potencial desde o momento daconcepção foi também adoptada peloComité Consultatif National d’Éthiquepour les Sciences de la Vie et de la Santéfrancês, que definiu pessoa como “oúnico animal que se recorda do seuavô”10. Um outro autor, Malherbe, consi-dera ainda outra posição: “o embriãomerece respeito absoluto apesar de nãoser pessoa”10; defende que um embriãofruto de fertilização in vitro, não implan-tado, não pode ser considerado nemhumano nem sequer pessoa humanapotencial “porque lhe faltam as condiçõescontextuais necessárias para estabeleceruma relação com os seus semelhantes”;no entanto, em nome da “solidariedadeontológica” entre os seres humanos,considera que merece respeito absoluto.

Em Portugal, a posição que oConselho Nacional de Ética para asCiências da Vida (CNECV) tomou em1997 relativamente ao estatuto doembrião foi “ [...] o embrião não podedeixar de dar origem a um representanteda espécie humana, e nunca desem-bocará num indivíduo de qualquer outraespécie [...] a vida humana merecerespeito, qualquer que seja o seu estádioou fase, devido à sua dignidade essencial.O embrião é, em qualquer fase e desdeo início, o suporte físico e biológicoindispensável ao desenvolvimento dapessoa humana e nele antecipamosaquilo que há-de vir a ser: não há, pois,razões que nos levem a estabeleceruma escala de respeito”19.

Estas transcrições são absoluta-mente claras quanto ao respeito que foiatribuído ao embrião e à vida humanadesde o início da concepção, mas sãoum pouco mais evasivas quanto à pessoahumana, deixando uma certa flexibilidadeterminológica, pois foi reconhecido haverum estatuto evolutivo e uma certa indivi-dualidade de natureza racional.

CONSIDERAÇÕES FINAISEm resumo, pode dizer-se que a

discussão de todos os enquadramentospossíveis do embrião humano é, por-ventura, uma tarefa infindável, devido àgrande diversidade de opiniões sobre oassunto em apreço. Por este motivo, éimportante para a sociedade que, emtermos científicos, se constituam equipaspluridisciplinares, pois só então se poderágarantir, pela reflexão, evolução e multi-plicidade de opiniões, o respeito de todosnós por todos os outros, ainda que nãoconcordemos totalmente com eles. Destemodo, ainda que na maior parte doscasos não seja fácil obter consensosimediatos ou abrangentes, podemos termais esperança de que as novasgerações se tornem mais humanizadase felizes.

THE STATUS OF THE HUMAN EM-BRYO: SOME BIOETHICAL CONSIDE-RATIONS

ABSTRACTThis article gives useful and practi-

cal definitions of terms associated withthe status of the human embryo, such as“embryo”, “beginning of life” and “per-son”. Biological and philosophical as-pects are discussed, which include somehistory from Aristotelian ideas of life, souland common sense, via the views of theCatholic Church to the current problemsbased on advanced technology. Ques-tions arising include: Is the status of theembryo “in vivo” and “in Vitro” diferent?and Is there a scale of respect related tothe age of the embryo?

Key-words: status; human embryo;beginning of life.

Nascer e Crescer 2004; 13 (1): 53-56

56 perspectivas actuais em bioética

NASCER E CRESCERrevista do hospital de crianças maria piaano 2004, vol. XIII, n.º 1

BIBLIOGRAFIA

1 - Keating, B., Estatuto do Embrião, in“Dicionário da Bioética”, Lisboa, InstitutoPiaget, 1998, pp. 197-201.2 - Ferreira, E., Magnum Lexicon Novissi-mum et Lusitanum, Paris, Aillard, Guillardet S., 1883, p. 714.3 - Figueiredo, C., Embryão, in “NovoDicionário da Língua Portuguesa”, 1912,3ª ed., vol. I, Lisboa, Portugal-BrasilLimitada, p. 695.4 - Encyclopaedia Britannica, Inc., 1997,CD 97, Version 1.1.5 - Ford, N., Fertilization and the Begin-ning of a Human Individual, in “When DidI Begin?”, Cambridge University Press,1991,Cap. 4, pp. 102-131.6 - Gilbert, S., Developmental Biology:the Anatomical Tradition, in “Develop-mental Biology”, 6th ed., 2000, U.S.A.,Sinauer Associates, pp. 3-24.7 - Serrão, D., A 3ª Assembleia Plenáriada Academia Pontifícia para a Vida, in“Brotéria”, 1997, Maio-Junho, nº 5/6, pp.604-606.

8 - Bole, T., Metaphysical Accounts ofthe Zygote as a Person and the VetoPower of Facts, in “The journal of Medi-cine and Philosophy”, 1989, nº 14, pp.647-653.9 - Nunes, R., Embrião Humano, in“Dicionário de Bioética”, Vila Nova deGaia, Perpétuo Socorro, 2001, pp. 369-377.10 - Melo, H., Alguns Aspectos doEmbrião Gerado in vitro e Não Implan-tado, in “Brotéria”, 1999, nº 149, pp. 275-302.11 - Warnock, M., Birth, in “An IntelligentPerson’s Guide to Ethics”, 1998, Duck-worth, pp. 40-53.12 - SALMO 138(139), Omnisciência deDeus II 13-16, “Saltério Litúrgico”, Coim-bra, Secretariado Nacional de Liturgia,1983, pp. 426-427.13 - BÍBLIA SAGRADA, Jeremias, Cap.1, Vocação do Profeta 5, Porto-Lisboa,Figueirinhas, 31ª ed., 1981, p. 1032.14 - Domingues, B., A Fertilidade HumanaAssistida nas Religiões Monoteístas, in“Novos Desafios à Bioética”, 2001, Porto,Porto Editora, Cap. 14, pp. 87-92.

15 - Engelhardt Jr., H., The Foundationsof Bioethics, 1986, New York, OxfordUniversity Press, pp. 216-220.16 - Engelhardt Jr., H., Fundamentos daBioética, 1998, São Paulo, Loyola, Cap.4, p. 170.17 - Singer, P., Qual é o Mal de Matar, in“Ética Prática”, 2000, Lisboa, Gradiva,pp. 103-128.18 - Keating, B., Pessoa Potencial, in“Dicionário da Bioética”, Lisboa, InstitutoPiaget, 1993, pp. 301-302.19 - CONSELHO NACIONAL DE ÉTICAPARA AS CIÊNCIAS DA VIDA, 1997,“Relatório-Parecer sobre a Experimen-tação no Embrião”, 15/CNECV/95, pp.98 e 102.

Correspondência:Instituto de Genética Médica Jacinto deMagalhãesUnidade de CitogenéticaPraça Pedro Nunes, 884099-028 PORTOPORTUGALTel. 22 6070308Fax: 22 6070399Email: natá[email protected]