25
MÓDULOS RURAIS ASPECTOS PRÁTICOS PARA O PROPRIETÁRIO RURAL Eduardo Agostinho Arruda Augusto Diretor de Assuntos Agrários do IRIB Instituto de Registro Imobiliário do Brasil Registrador Imobiliário em Conchas-SP Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Fadisp SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 2 1. RESERVA LEGAL ................................................................................................ 3 1.1 SITUAÇÃO ATUAL ............................................................................................. 3 1.2 PROJETO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL ............................................................ 6 2. PARCELAMENTO DO IMÓVEL RURAL .............................................................. 7 3. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL POR ESTRANGEIRO .................................... 9 4. MÓDULO ............................................................................................................. 11 4.1 MÓDULO RURAL (MR) .................................................................................... 11 4.2 MÓDULO FISCAL (MF) .................................................................................... 13 4.3 MÓDULO DE EXPLORAÇÃO INDEFINIDA (MEI) ................................................... 14 4.4 FRAÇÃO MÍNIMA DE PARCELAMENTO (FMP) .................................................... 14 4.5 DEFINIÇÃO DOS MÓDULOS .............................................................................. 17 4.5.1 Zona Típica de Módulo ............................................................................... 17 4.5.2 Como consultar as tabelas.......................................................................... 18 4.6 EXCEÇÕES À REGRA DA FMP: UM EXEMPLO NA RETIFICAÇÃO DE REGISTRO........ 20 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 25

Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Artigo jurídico intitulado "Módulos Rurais; Aspectos Práticos para o Proprietário Rural". Trata das principais limitações existentes sobre a propriedade rural que são facilmente identificadas pelos dados de seu cadastro rural (CCIR).

Citation preview

Page 1: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

MMÓÓDDUULLOOSS RRUURRAAIISS AASSPPEECCTTOOSS PPRRÁÁTTIICCOOSS PPAARRAA OO PPRROOPPRRIIEETTÁÁRRIIOO RRUURRAALL

Eduardo Agostinho Arruda Augusto

Diretor de Assuntos Agrários do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil Registrador Imobiliário em Conchas-SP Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Fadisp

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 2

1. RESERVA LEGAL ................................................................................................ 3

1.1 SITUAÇÃO ATUAL ............................................................................................. 3

1.2 PROJETO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL ............................................................ 6

2. PARCELAMENTO DO IMÓVEL RURAL .............................................................. 7

3. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL POR ESTRANGEIRO .................................... 9

4. MÓDULO ............................................................................................................. 11

4.1 MÓDULO RURAL (MR) .................................................................................... 11

4.2 MÓDULO FISCAL (MF) .................................................................................... 13

4.3 MÓDULO DE EXPLORAÇÃO INDEFINIDA (MEI) ................................................... 14

4.4 FRAÇÃO MÍNIMA DE PARCELAMENTO (FMP) .................................................... 14

4.5 DEFINIÇÃO DOS MÓDULOS .............................................................................. 17

4.5.1 Zona Típica de Módulo ............................................................................... 17

4.5.2 Como consultar as tabelas .......................................................................... 18

4.6 EXCEÇÕES À REGRA DA FMP: UM EXEMPLO NA RETIFICAÇÃO DE REGISTRO ........ 20

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 25

Page 2: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

2

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em seu artigo 186, estabelece que a

propriedade rural cumpre sua função social quando atende, simultaneamente, aos

seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos

recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das

disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-

estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Em decorrência desse mandamento constitucional, o proprietário e o

possuidor de imóvel rural possuem uma enorme responsabilidade social, devendo

estar atentos para que não descumpram seus deveres, situação que ocorre muitas

vezes devido ao desconhecimento da lei.

Algumas das principais obrigações do proprietário rural são o

cadastramento do imóvel no Incra, o pagamento do imposto sobre a propriedade

territorial rural (ITR) e a instituição e conservação da reserva legal.

Todo imóvel rural deve estar cadastrado no Incra, sendo o CCIR

(certificado de cadastro do imóvel rural) o comprovante do cumprimento desse dever

legal. No CCIR, estão estampados alguns dados relativos ao imóvel rural, sendo

alguns deles de grande importância para o seu titular, pois é por intermédio deles

que são determinados alguns limites no direito de o proprietário dispor de seu bem e

outros direitos e deveres incidentes sobre o bem imóvel.

Dos dados relativos ao cadastramento rural, é importante a

compreensão dos conceitos de módulo rural (MR), de módulo fiscal (MF), de módulo

de exploração indefinida (MEI) e de fração mínima de parcelamento (FMP), motivo

pelo qual se tornou importante concentrar, num único texto, as explicações

necessárias sobre essas classificações relativas ao imóvel rural que afetam os

direitos e deveres de seus titulares.

Page 3: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

3

A fração mínima de parcelamento (FMP), que veda o

desmembramento de imóvel rural que resulte em gleba de dimensão abaixo de certo

limite, é facilmente obtida pela simples leitura do CCIR. No entanto, tal certificado

não traz expresso os valores do módulo de exploração indefinida, importante para

saber dos limites para que o estrangeiro possa adquirir imóvel rural no Brasil, nem

do módulo fiscal, que garante, por exemplo, isenção de custas do levantamento

georreferenciado a determinados imóveis. Esses dados somente são identificados

mediante consulta aos atos normativos do Incra.

Este artigo tem por objetivo demonstrar, de forma simples e direta, o

conceito, funções e fundamentação legal de cada um desses índices qualificadores

do imóvel rural, apresentando as principais situações afetadas por esses índices

apenas para facilitar a compreensão dos maiores interessados, que são os

proprietários e possuidores dos imóveis rurais. Por esse motivo, os temas ligados à

reserva legal, à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros e ao parcelamento rural,

necessários para demonstrar a importância dos conceitos cadastrais do imóvel rural,

foram aqui tratados apenas superficialmente.

1. RESERVA LEGAL

1.1 Situação atual

Nos termos da legislação em vigor, todo imóvel rural deve possuir

uma área de reserva legal, cuja definição consta do §1º do artigo 1º do Código

Florestal (Lei nº 4.771/1965):

§1º - Para os efeitos deste Código, entende-se por:

III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou

posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao

uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação

dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao

abrigo e proteção de fauna e flora nativas;

Page 4: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

4

Não se deve confundir a reserva legal (RL), uma limitação do imóvel

rural, com a área de preservação permanente (APP), que incide tanto sobre os

imóveis rurais como urbanos. O conceito de APP é o seguinte:

§1º - Para os efeitos deste Código, entende-se por:

II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos

artigos 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a

função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a

estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e

flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações

humanas.

As áreas de preservação permanente mais comuns são as margens

dos rios e cursos d’água (uma faixa que varia de 30 a 500 metros de acordo com a

largura do rio) e o redor das nascentes (em um raio mínimo de 50 metros).

A APP, portanto, é determinada pelas características físicas do

imóvel, enquanto que a reserva legal é uma outra área, não coincidente com aquela,

a ser escolhida pelo proprietário e aprovada pelo órgão ambiental.

Compete ao proprietário ou possuidor do imóvel rural a delimitação,

a oficialização e a conservação (ou a restauração) da reserva legal, cuja dimensão

depende da localização do imóvel rural:

a) Amazônia Legal, áreas de formação florestal: 80%;

b) Amazônia Legal, áreas de cerrado: 35%;

c) Amazônia Legal, áreas de campos gerais: 20%; e

d) demais regiões do país: 20%

Portanto, num imóvel rural de 100 hectares, deverá ser delimitada

uma reserva legal de 20 ha, mesmo que exista uma APP de 13 ha, que não entrará

na contagem daquela área:

Page 5: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

5

Na hipótese de o imóvel configurar pequena propriedade rural ou

posse rural familiar, poderá ser computada a APP na hipótese de o somatório da

APP com a Reserva Legal ultrapassar 25% de sua área total, mas apenas no que

exceder esse limite, desde que não implique em conversão de novas áreas para o

uso alternativo do solo.

Nos termos do §2º do art. 1º do Código Florestal, pequena

propriedade rural ou posse rural familiar é aquela explorada mediante o trabalho

pessoal do proprietário (ou possuidor) e de sua família, admitida a ajuda eventual de

terceiro, e que, no mínimo, 80% de sua renda bruta sejam provenientes da atividade

agroflorestal ou do extrativismo, cuja área total do imóvel não supere:

a) 150 hectares na Amazônia Legal e no Pantanal;

b) 50 hectares no polígono das secas e na parte leste do Estado do

Maranhão; e

c) 30 hectares nas demais regiões do país.

Page 6: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

6

1.2 Projeto do novo Código Florestal

Está em trâmite no Congresso Nacional um novo Código Florestal,

formado por 11 projetos de lei (PL nº 1876/99 e apensos), cujo substitutivo foi

apresentado pelo Deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP) em 8/6/2010.

As principais novidades trazidas por esse projeto são as seguintes:

a) a reserva legal somente será obrigatória para os imóveis com

área superior a 4 módulos fiscais (MF); e

b) a APP entrará no cômputo da reserva legal, desde que não

implique em sua diminuição e que o proprietário ou possuidor

cumpra algumas obrigações acessórias.

Caso esse projeto de lei seja aprovado pelo Congresso e

sancionado pelo Presidente da República, o proprietário daquele mesmo imóvel rural

do exemplo anterior, teria que delimitar, além da APP de 13 hectares, apenas uma

área específica de reserva legal de 7ha, para inteirar os 20% exigidos pela lei.

Quanto à situação da pequena propriedade rural, o projeto foi além

ao isentar da obrigatoriedade da reserva legal todos os imóveis com área total não

superior a 4 módulos fiscais. Ou seja, no município de Corumbá-MS, no Pantanal,

estariam isentos dessa obrigações os imóveis rurais com área de até 440 hectares;

Page 7: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

7

e, no município de Arujá, em São Paulo, os imóveis com dimensão não superior a 15

hectares.

Para melhor compreender os reflexos do projeto do novo Código

Florestal nos imóveis rurais, há que se conhecer o significado de Módulo Fiscal

(MF), conceito que será analisado na última seção deste artigo.

2. PARCELAMENTO DO IMÓVEL RURAL

Para que seja feito qualquer desmembramento de lote urbano, o

registro imobiliário deve exigir o alvará municipal, devido à competência

constitucional do Município no ordenamento das cidades.

A competência cadastral dos imóveis rurais, em que pesem algumas

excelentes teses contrárias de parte da doutrina, é hoje exercida pelo Incra,

autarquia federal ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Portanto, aplicado o mesmo raciocínio, todo desmembramento rural,

por mais simples que seja, deveria ser precedido de autorização do Incra, em

decorrência de sua competência legal para o cadastramento e fiscalização dos

imóveis rurais.

Entretanto, o artigo 8º da Lei nº 5.868/72 criou uma anuência

automática quando da transmissão de parcela desmembrada de imóvel rural, sem

necessidade de autorização estatal, desde que respeitada a fração mínima de

parcelamento.

Art. 8º - Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do

artigo 65 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum

imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de

tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração

mínima de parcelamento fixado no parágrafo primeiro deste artigo,

prevalecendo a de menor área.

Page 8: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

8

O conceito de “transmissão a qualquer título” engloba a divisão

amigável, em que um imóvel é parcelado em glebas para extinguir o condomínio,

atribuindo-se cada parcela com exclusividade a cada um dos ex-condôminos.

Ou seja, não pode o proprietário rural requerer, no registro

imobiliário, o parcelamento de seu imóvel rural em várias glebas sem o concomitante

registro da alienação que justifique o parcelamento. Nessa hipótese, somente será

possível o parcelamento com a prévia autorização do Incra.

Não configurando empreendimento rural, bastaria uma simples

autorização do Incra. No entanto, como não há clara definição legal distinguindo

“empreendimento imobiliário” de “simples desmembramento”, o Incra poderá negar

tal autorização pela total falta de interesse do proprietário em efetuar o

parcelamento. Isso porque, se for para alienar as glebas resultantes, basta que se

requeira isso diretamente no registro imobiliário quando da efetiva alienação

(hipótese que a autorização do Incra é dispensada pela lei); se for para manter as

glebas em nome próprio, não há porque autorizar seu desmembramento no registro

imobiliário, uma vez que o cadastro rural não poderá ser desmembrado, haja vista

continuarem as glebas em poder do mesmo titular.

Mas, há casos em que tal parcelamento se justifica, como no

interesse de se hipotecar apenas uma parte do imóvel, deixando a outra livre de

ônus. Apesar de não configurar transmissão, o pedido de desmembramento com o

concomitante registro da escritura de hipoteca parece atender bem o espírito da lei,

o que dispensaria a autorização do Incra. Mas, como hipoteca não é uma forma de

alienação (diferentemente de alienação fiduciária em garantia), talvez a melhor

opção seja exigir a autorização do Incra.

No entanto, se a pretensão configurar “empreendimento imobiliário”,

o proprietário deverá cumprir uma série de exigências legais, constantes do Estatuto

da Terra (artigos 60 e seguintes), do Decreto-Lei nº 58/37 e da Instrução Especial do

Page 9: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

9

Incra nº 17-B/1980 (de um rigor bem acentuado). Serão necessários inúmeros

levantamentos, projetos, certidões, autorizações e outras exigências técnicas

voltadas para a finalidade socioeconômica do imóvel rural. Além disso, ao contrário

do que muitos pensam, no loteamento rural não pode haver lotes com área inferior à

fração mínima de parcelamento (FMP – que, no Estado de São Paulo, varia de 2 a 3

ha). Portanto, não é esse o caminho para a criação de “chácaras de recreio”, tanto

pela diminuta área dos lotes como pela finalidade (lazer) incompatível com as

exigências legais (finalidade rural).

Diante do exposto, será necessária autorização do Incra para o

parcelamento do imóvel rural nas seguintes hipóteses:

a) para os empreendimentos imobiliários rurais (desmembramento

ou loteamento rural);

b) para desmembramento de parcela de imóvel rural sem que haja

título de transmissão que justifique o parcelamento; e

c) para desmembramento que resulte em área inferior à FMP

(hipóteses especiais permitidas pela lei).

Para melhor compreender as regras do parcelamento dos imóveis

rurais, há que se conhecer o significado de Módulo Rural (MR) e de Fração Mínima

de Parcelamento (FMP), conceitos que serão analisados mais ao final.

3. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL POR ESTRANGEIRO

O estrangeiro residente no Brasil e a pessoa jurídica estrangeira

autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural nos termos da

legislação especial (Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, regulamentada pelo

Decreto nº 74.695/1974).

Page 10: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

10

As principais regras referentes ao estrangeiro pessoa física estão no

artigo 3º:

Art. 3º - A aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não

poderá exceder a 50 módulos de exploração indefinida, em área

contínua ou descontínua.

§1º - Quando se tratar de imóvel com área não superior a 3 módulos,

a aquisição será livre, independendo de qualquer autorização ou

licença, ressalvadas as exigências gerais determinadas em lei.

§2º - O Poder Executivo baixará normas para a aquisição de área

compreendida entre 3 e 50 módulos de exploração indefinida.

§3º - O Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança

Nacional, poderá aumentar o limite fixado neste artigo.

Quanto às pessoas jurídicas estrangeiras, as principais regras estão

expressas no artigo 5º:

Art. 5º - As pessoas jurídicas estrangeiras referidas no artigo 1º

desta Lei só poderão adquirir imóveis rurais destinados à

implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de

colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários.

§1º - Os projetos de que trata este artigo deverão ser aprovados pelo

Ministério da Agricultura, ouvido o órgão federal competente de

desenvolvimento regional na respectiva área.

§2º - Sobre os projetos de caráter industrial será ouvido o Ministério

da Indústria e Comércio.

Além dessas limitações, a Lei nº 5.709/1971 impõe dois outros

limites:

a) a soma das áreas registradas em nome de estrangeiros não

poderá superar 25% da área do município; e

b) a soma das áreas registradas em nome de estrangeiros de uma

mesma nacionalidade não poderá superar 10% da área do

município.

Portanto, no município de Conchas, cuja superfície territorial é de

46.500 hectares, a soma de imóveis rurais em nome de estrangeiros não poderá

Page 11: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

11

ultrapassar 11.625 hectares (em janeiro de 2010, apenas 71 ha estavam em poder

de estrangeiros), nem poderá a soma de imóveis rurais em nome de uma mesma

nacionalidade ser superior a 4.650 hectares (no poder de espanhóis estavam

apenas 19 ha).

Para melhor compreender as regras referentes à aquisição de

imóvel rural por estrangeiro, há que se conhecer o significado de Módulo de

Exploração Indefinida (MEI), conceito que será analisado na próxima seção.

4. MÓDULO

Segundo o Dicionário Aurélio, uma das definições de módulo é

“quantidade que se toma como unidade de qualquer medida”. Assim, o metro é

módulo das medidas de comprimento, litro é módulo das medidas de capacidade e

watt é módulo das medidas de potência.

No direito agrário, o imóvel rural é dividido em módulos, de várias

espécies, cada qual com uma finalidade específica. Módulo Rural (MR) é o gênero,

dos quais se extraem as demais espécies:

a) Módulo Fiscal (MF)

b) Módulo de Exploração Específica (MEI)

c) Fração Mínima de Parcelamento (FMP)

4.1 Módulo Rural (MR)

O módulo rural (MR) é estabelecido pelas dimensões da propriedade

familiar e representa uma área mínima de terra calculada para cada imóvel rural,

conforme estabelece o Estatuto da Terra:

Page 12: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

12

Estatuto da Terra (ET) - Lei nº 4.504, de 30 de Novembro de 1964.

Art. 4º - Para os efeitos desta Lei, definem-se:

II - Propriedade Familiar, o imóvel rural que, direta e pessoalmente

explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de

trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e

econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de

exploração, e eventualmente trabalhado com a ajuda de terceiros;

III - Módulo Rural, a área fixada nos termos do inciso anterior;

Portanto, módulo rural é a dimensão máxima de um imóvel rural

caracterizado como propriedade familiar. Tal dimensão é fixada para cada região e

tipo de exploração. Além desse limite de área, a propriedade familiar deve

caracterizar-se pela exploração, direta e pessoalmente, pelo agricultor e sua família

(e eventualmente com a ajuda de terceiros), absorvendo-lhes toda a força de

trabalho, para a garantia da subsistência e do progresso socioeconômico.

Essa unidade de medida é fixada com base nos critérios

determinados pelo artigo 11 do Decreto nº 55.891, de 31 de março de 1965:

Art. 11. O módulo rural, definido no inciso III do artigo 4º do Estatuto

da Terra, tem como finalidade primordial estabelecer uma unidade de

medida que exprima a interdependência entre a dimensão, a

situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu

aproveitamento econômico.

Parágrafo único. A fixação do dimensionamento econômico do

imóvel que, para cada zona de características ecológicas e

econômicas homogêneas e para os diversos tipos de exploração,

representará o módulo, será feita em função:

a) da localização e dos meios de acesso do imóvel em relação aos

grandes mercados;

b) das características ecológicas das áreas em que se situam;

c) dos tipos de exploração predominantes na respectiva zona.

Sendo assim, o módulo rural varia não apenas quanto à localização

do imóvel, mas também com relação ao tipo de exploração nele existente, podendo

o imóvel ser hortigranjeiro, de cultura permanente, de cultura temporária, de

exploração pecuária, de exploração florestal ou de exploração indefinida. É do

Page 13: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

13

módulo rural que se extraem os outros tipos de módulo que diretamente afetam a

vida do proprietário rural.

4.2 Módulo Fiscal (MF)

Nos termos do artigo 50 do Estatuto da Terra, o módulo fiscal é

determinado por município, cujo valor é obtido levando-se em consideração o tipo de

exploração predominante (hortigranjeiro, de cultura permanente, de cultura

temporária, de exploração pecuária ou de exploração florestal), a renda obtida por

essa exploração, as demais explorações existentes quando expressivas e o conceito

local de propriedade familiar.

Para determinar o número de módulos fiscais (MF) de um

determinado imóvel rural, deve-se dividir a sua área aproveitável total pelo módulo

fiscal fixado para o município de sua localização.

A área aproveitável nem sempre coincide com a dimensão total do

imóvel, pois deve-se descontar as áreas consideradas não aproveitáveis (não

passíveis de exploração agrícola, pecuária ou florestal), relacionadas no §4º do

artigo 50 do Estatuto da Terra:

§4º - Para os efeitos desta Lei, constitui área aproveitável do imóvel

rural a que for passível de exploração agrícola, pecuária ou florestal.

Não se considera aproveitável:

a) a área ocupada por benfeitoria;

b) a área ocupada por floresta ou mata de efetiva preservação

permanente ou reflorestada com essências nativas;

c) a área comprovadamente imprestável para qualquer exploração

agrícola, pecuária ou florestal.

O módulo fiscal (MF) é medido em hectares e é definido por

Município, cuja tabela está anexa à Instrução Especial Incra nº 20, de 1980. Os

municípios que foram criados após 1980 tiveram o valor de seu módulo fiscal fixado

por outros atos normativos daquela autarquia federal.

Page 14: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

14

São dois pontos relevantes para o proprietário rural envolvendo o

módulo fiscal:

a) a previsão da gratuidade dos trabalhos técnicos

georreferenciados aos proprietários de imóveis rurais com área

total não excedente a 4 módulos fiscais (Lei dos Registros

Públicos, artigo 176, §3º, e artigo 225, §3º); e

b) a isenção da obrigatoriedade da reserva legal para os imóveis

com área não superior a 4 módulos fiscais no projeto do novo

Código Florestal (substitutivo ao PL nº 1876/99 e apensos).

4.3 Módulo de Exploração Indefinida (MEI)

Nos termos do Decreto nº 74.965, de 1971, o valor do módulo de

exploração indefinida é determinado por ato administrativo do Incra:

Art. 4º. Compete ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA) fixar, para cada região, o módulo de exploração

indefinida, podendo modificá-lo sempre que houver alteração das

condições econômicas e sociais da região.

A Instrução Especial/Incra nº 5-A, de 1973, traz todas as espécies

de módulos rurais classificados quanto ao tipo de exploração existente no imóvel,

inclusive o módulo de exploração indefinida (MEI).

4.4 Fração Mínima de Parcelamento (FMP)

A fração mínima de parcelamento é a menor dimensão que um

imóvel rural poderá ter, salvo situações especialíssimas previstas em lei.

A regra foi inicialmente estampada no artigo 65 do Estatuto da Terra:

Page 15: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

15

Art. 65 - O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior

à constitutiva do módulo de propriedade rural.

§1º - Em caso de sucessão "causa mortis" e nas partilhas judiciais ou

amigáveis, não se poderão dividir imóveis em áreas inferiores às da

dimensão do módulo de propriedade rural.

Nesse dispositivo legal, onde se lê “módulo de propriedade rural”

leia-se “fração mínima de parcelamento”, denominação atual segundo a legislação

posterior (Lei nº 5.868/1972 – Sistema Nacional de Cadastro Rural):

Art. 8º - Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do

artigo 65 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum

imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de

tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração

mínima de parcelamento fixado no parágrafo primeiro deste artigo,

prevalecendo a de menor área.

A fração mínima de parcelamento é um dos tipos de módulo rural da

respectiva zona típica de módulo (ZTM), conforme a seguinte situação:

a) todas as capitais dos Estados: módulo de exploração

hortigranjeira;

b) demais municípios das ZTM “A”, “B” e “C”: módulo de exploração

de cultura permanente;

c) demais municípios da ZTM “D”: módulo de exploração pecuária.

No entanto, o §2º do artigo 8º permite ao Incra estender a outros

municípios, no todo ou em parte, a fração mínima de parcelamento prevista para a

capital do respectivo Estado-membro. Atualmente, o Incra estendeu a todos os

municípios das ZTM “A”, “B” e “C” a fração mínima de parcelamento prevista para as

capitais dos Estados, ou seja, equiparar a FMP ao módulo de exploração

hortigranjeira da respectiva ZTM (Instrução Especial/Incra nº 50/1997 c/c a Instrução

Especial/Incra nº 26/1982). Apenas nos municípios localizados na ZTM “D”, a fração

mínima de parcelamento equivale ao módulo de exploração pecuária da referida

zona; nos demais, vale o módulo de exploração hortigranjeira.

Page 16: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

16

Os parcelamentos efetuados com infração às regras da fração

mínima de parcelamento são nulos e ineficazes, não podendo ser lavrada a escritura

nem efetuado o registro em desconformidade com a lei.

§3º - São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que

infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais

lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos

Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa,

civil e criminal de seus titulares ou prepostos.

A lei, no entanto, prevê algumas exceções à vedação de

parcelamento abaixo da FMP, sendo a hipótese mais comum a seguinte:

§4º - O disposto neste artigo não se aplica aos casos em que a

alienação da área se destine comprovadamente a sua anexação ao

prédio rústico, confrontante, desde que o imóvel do qual se

desmembre permaneça com área igual ou superior à fração mínima

do parcelamento.

§5º - O disposto neste artigo aplica-se também às transações

celebradas até esta data e ainda não registradas em Cartório, desde

que se enquadrem nas condições e requisitos ora estabelecidos.

O Decreto nº 62.504/68 traz outras hipóteses mais específicas de

mitigação da regra da fração mínima de parcelamento, como, por exemplo, na

criação, por desmembramento, de imóvel de pequena dimensão para a instalação

de posto de combustível na beira de estrada (artigo 2º, inciso II, letra a, nº 1).

De tudo que foi aqui exposto, pode-se extrair o seguinte resumo:

a) não se pode dividir o imóvel rural com dimensão inferior à FMP

fixada para a respectiva localidade;

b) exceção: “transferência de área ao imóvel vizinho”, que não

resulte em imóvel com dimensão abaixo da FMP;

c) a FMP é definida pelo Incra por ato normativo (o valor consta do

CCIR do imóvel e pode ser consultado no site daquela autarquia);

Page 17: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

17

d) sob pena de responsabilização criminal, cível e administrativa, o

tabelião não pode lavrar escritura de ato jurídico que infrinja a

referida norma; e

e) sob as mesmas penas, não pode o registrador praticar atos

registrais que infrinjam essa regra.

4.5 Definição dos Módulos

Para localizar o valor das várias espécies de módulo de um

determinado imóvel rural, deve-se consultar a Instrução Especial/Incra nº 5-A, de

1973, que depende da atenta leitura da Instrução Especial/Incra nº 50, de 1997. Os

dois atos normativos trazem anexos que devem ser interpretados conjuntamente.

4.5.1 Zona Típica de Módulo

Dessa legislação, são extraídas as zonas típicas de módulo (ZTM),

designadas “A”, “B”, “C” e “D”:

a) ZTM “A”: zonas homogêneas com potencial demográfico médio

superior a 100 mil habitantes/Km;

b) ZTM “B”: zonas homogêneas com potencial demográfico médio

entre 60 mil e 100 mil habitantes/Km;

c) ZTM “C”: zonas homogêneas com potencial demográfico médio

entre 30 mil e 60 mil habitantes/Km;

d) ZTM “D”: as demais zonas homogêneas.

As Zonas Típicas de Módulo “A” e “B” são subdivididas em três

subgrupos:

a) “A1” e “B1”: zonas homogêneas que contêm núcleos urbanos com

mais de 500 mil habitantes;

Page 18: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

18

b) “A2” e “B2”: zonas homogêneas que contêm núcleos urbanos com

mais de 50 mil habitantes e não superior a 500 mil habitantes; e

c) “A3” e “B3”: as demais zonas homogêneas das ZTM “A” e “B”.

A Zona Típica de Módulo “C” é subdividida em “C1” e “C2”:

a) “C1”: zonas homogêneas que contêm núcleos urbanos com mais

de 5 mil habitantes ou que a ela sejam contíguas;

b) “C2”: as demais zonas homogêneas da ZTM “C”.

O conceito de “zona homogênea” está, atualmente, baseado nas

“microrregiões geográficas”, estabelecidas pelo IBGE pela Resolução PR 51, de 31

de junho de 1980. Nessa atual classificação, nenhuma microrregião do país

classificou-se como ZTM “D” nem como ZTM “B1”.

4.5.2 Como consultar as tabelas

Do único anexo da Instrução Especial/Incra nº 50, de 1997, deve-se

buscar o a classificação em ZTM da microrregião a que o imóvel faça parte.

Na hipótese de não se saber a qual microrregião pertence o

município de interesse, basta pesquisar no site do IBGE

(http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/territorio), escolhendo a opção “Município” ou uma

outra mais adequada para a pesquisa.

Identificada a ZTM, deve-se consultar a Tabela III da Instrução

Especial/Incra nº 5-A, de 1973. Nela estão todas as espécies de módulos rurais

classificados quanto ao tipo de exploração existente no imóvel.

Page 19: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

19

ZTM hortigranjeira cultura

permanente cultura

temporária pecuária florestal

exploração indefinida

A1 2 10 13 30 45 5

A2 2 13 16 40 60 10

A3 3 15 20 50 60 15

B1 3 16 20 50 80 20

B2 3 20 25 60 85 25

B3 4 25 30 70 90 30

C1 4 30 35 90 110 55

C2 5 35 45 110 115 70

D 5 40 50 110 120 100

Para a identificação do módulo fiscal (MF) do município de interesse,

deve-se consultar o anexo à Instrução Especial/Incra nº 20, de 1980 (atualizado por

vários outros atos administrativos, sendo o mais recente a Instrução Especial/Incra

nº 3, de 2005).

O município de Conchas (cód. mun. 3512308) pertence à

microrregião geográfica de Botucatu-SP (código nº 35023), classificada como Zona

Típica de Módulo “A2” (ZTM “A2”).

UF cód-mrg microrregião ZTM

SP 35023 BOTUCATU A2

Por integrar a ZTM “A2”, os imóveis rurais localizados no município

de Conchas possuem os seguintes módulos, que são de interesse direto de seus

proprietários:

fração mínima de parcelamento (FMP): o módulo de exploração

hortigranjeira da ZTM “A2”, que é de 2 hectares;

módulo de exploração indefinida (MEI): 10 hectares; e

módulo fiscal (MF): 30 hectares.

Page 20: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

20

Portanto, um imóvel rural localizado em Conchas está subordinado

às seguintes regras:

a) não poderá ser desmembrado em área inferior a 2ha;

b) estrangeiros residentes no país somente podem adquirir, sem

prévia autorização do Incra, imóvel de até 30 hectares (3 MEI), e,

com prévia autorização, até o limite de 500 hectares(50 MEI); e

c) os imóveis com área inferior a 120 hectares (4 MF) estão isentos

de custas para os trabalhos técnicos de georreferenciamento e,

caso seja aprovado o novo Código Florestal, esses mesmos

imóveis também estarão isentos da constituição de reserva legal.

4.6 Exceções à regra da FMP: um exemplo na retificação de registro

Uma situação muito comum que tem sido alvo de questionamento:

Um imóvel matriculado cortado por uma rodovia, que seja

representado por duas glebas, sendo uma com dimensão inferior à

FMP, pode resultar em duas matrículas distintas?

Resposta:

Devido à existência de um bem público (imóvel público) entre as

duas glebas, cada qual DEVERÁ ser descrita e qualificada em

matrícula própria, pois existem ali dois imóveis e não apenas um,

como ainda consta da matrícula a ser retificada.

Primeiramente, deve-se analisar o caso da interceptação do imóvel

por uma estrada.

Page 21: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

21

-SP

300

Sítio Romagnoli

Mat. 452

Sítio Damião

Matrícula 1.874

4,5 hectares

Posse de

Natal Cicote

Fazenda Trevisano

Mat. 10.872

Seneval Veloso

Mat. 13.871

Kelly Souza

Mat. 978

SP

300

Sítio Damião

Gleba B

1,8 hectare

Sítio Romagnoli

Mat. 452

Posse de

Natal Cicote

Fazenda Trevisano

Mat. 10.872

Seneval Veloso

Mat. 13.871

Kelly Souza

Mat. 978

Sítio Damião

Gleba A

2,4 hectares

Com a passagem da estrada, que indubitavelmente é um bem

público de uso comum do povo, o imóvel original passou a ser formado por duas

glebas, distintas, separadas por um outro imóvel, que é a estrada.

De acordo com a legislação registral imobiliária, todo imóvel deve

ser descrito em uma matrícula e esta deve conter tão-somente um único imóvel.

Este é o princípio da unitariedade da matrícula, previsto no §1º do artigo 176 da Lei

dos Registros Públicos.

Considerar essas duas glebas como um único imóvel encontraria

duas barreiras lógicas.

A primeira: a estrada não poderia ser incluída como área privada,

sendo imperativa a separação do bem público do patrimônio privado.

Uma das maiores responsabilidades do registrador, hoje em dia, é

impedir que áreas públicas sejam incluídas em títulos particulares. Isso tem ocorrido

muito nas últimas décadas, mas não pelos motivos que costumam ser divulgados

pelo Governo (“fraude em cartórios”), mas por uma série de outras situações, das

quais pode-se destacar a “perda de controle dos dados registrados”.

Muitas áreas públicas foram incluídas em matrículas em ações

judiciais de usucapião e retificação. Também ocorreu pela alteração unilateral, sem

qualquer controle, das descrições dos imóveis quando das alienações,

Page 22: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

22

parcelamentos e unificações. Na maioria dos casos, sem qualquer dolo por parte do

registrador ou de terceiros, mas o erro ocorreu e muitos deles estão gerando

problemas nos dias de hoje.

Uma das justificativas para criar a legislação do georreferenciamento

foi a necessidade de separação do bem público do particular. Isso deixou de ser

apenas uma aspiração; agora, isso é a regra a todos imposta.

A segunda barreira: optando-se pela simples averbação da

existência da estrada no interior do imóvel, estariam aí sendo violando vários

princípios, dentre eles o da especialidade objetiva, pois não seriam descritas de

forma correta as duas glebas, e o da unitariedade da matrícula, pois o fólio real

estaria representando dois imóveis e não apenas um.

Defender essa tese seria aceitar o fim do princípio da unitariedade da

matrícula, que aperfeiçoou o complicado sistema anterior das transcrições e trouxe a

necessária clareza para o registro público imobiliário.

Superada essa discussão e sendo aberta uma matrícula para cada

gleba resultante, surge outra questão: o fato de uma das glebas (a Gleba B, com 1,8

hectare) ter dimensão inferior à fração mínima de parcelamento (que, em Conchas, é

de 2 hectares). O que fazer neste caso?

Toda essa explicação sobre o princípio da unitariedade da matrícula

serve apenas para destacar a lógica do sistema e da necessidade de abertura de

matrícula para a área isolada. Isso porque a própria legislação agrária não impede

essa providência. No tocante a imóvel com dimensão inferior à FMP, a proibição

legal resume-se a apenas duas situações:

a) a divisão do imóvel em partilhas judiciais e amigáveis (Estatuto da

Terra, artigo 65); e

Page 23: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

23

b) a transmissão, a qualquer título, de parcela de imóvel rural

(SNCR, artigo 8º).

Ambas as hipóteses se referem à intenção do proprietário em

parcelar o imóvel rural, ou seja, a lei proíbe o parcelamento voluntário sem a

observância da fração mínima de parcelamento.

Além disso, essa regra da não-divisão do imóvel em área menor que

a FMP não é absoluta. O Decreto nº 62.504/68 traz hipóteses de mitigação da regra

do artigo 65 do Estatuto da Terra.

Art. 2º - Os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir

unidades com destinação diversa daquela referida no Inciso I do

Artigo 4º da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, não estão

sujeitos às disposições do artigo 65 da mesma lei e do artigo 11 do

Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, desde que,

comprovadamente, se destinem a um dos seguintes fins: [...]

O Decreto enumera várias hipóteses permissivas do parcelamento

de área menor à FMP, que dependem de prévia autorização do Incra, como a

instalação de estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços comunitários

(postos de combustível, indústrias, escolas, igrejas e templos em geral, cemitérios, etc.).

Além das hipóteses de desmembramento por interesse privado, há

também as hipóteses de parcelamento decorrentes da supremacia do interesse

público sobre o privado. É o que ocorre nas desapropriações de parcela de imóvel

rural, deixando remanescer com o expropriado área com dimensão menor à fração

mínima de parcelamento.

O referido decreto nem precisaria tratar do assunto, haja vista a

presença do “fato do príncipe”, a força maior que se sobrepõe ao particular, o “jus

imperii” justificador da criação do imóvel rural com dimensão abaixo da legalmente

permitida.

Page 24: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

24

Mesmo sem essa necessidade, o decreto tratou do assunto com

bastante coerência:

Art. 2º - Os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir

unidades com destinação diversa… (à atividade rural)…, não estão

sujeitos às …(regras da FMP e do loteamento rural)… desde que,

comprovadamente, se destinem a um dos seguintes fins:

I - Desmembramentos decorrentes de desapropriação por

necessidade ou utilidade pública, na forma prevista no Artigo 590, do

Código Civil Brasileiro de 1916, e legislação complementar. […]

Art. 3º - Os desmembramentos referidos no inciso I do Artigo 2º

deste decreto independem de prévia autorização do …Incra,

devendo o desapropriado:

a) apresentar nova Declaração de Propriedade de Imóvel Rural,

referente a área remanescente;

b) juntar à nova Declaração, certidão atualizada da transcrição

imobiliária, em que conste a averbação do ato expropriatório,

referido, expressamente, a área desmembrado.

Exemplo: um imóvel rural, inicialmente de área contínua, sobre o

qual passou uma estrada. Como a estrada é um bem público, ocorreu uma

desapropriação, independentemente de ter ou não observado o devido processo

legal, pois o bem já se torna público pela sua destinação sem a necessidade de

qualquer formalidade.

A lei aceita essa forma irregular de desapropriação, tanto que

garante ao expropriado apenas um único direito: o de ajuizar uma ação de

desapropriação indireta, para requerer apenas a justa indenização, uma vez que o

bem não poderá ser recuperado, salvo em raríssimas situações. Além disso, esse

direito do expropriado não é eterno, havendo um prazo prescricional de 15 anos (20

anos na vigência do Código Civil de 1916).

Sendo assim, uma retificação da descrição tabular do imóvel

interceptado por via pública deverá gerar a abertura de duas ou mais matrículas,

independentemente de um dos imóveis ter dimensão inferior à FMP. A atuação do

registrador, nessa hipótese, não configura a infração prevista no §3º do artigo 8º da

Page 25: Módulos Rurais - Aspectos Práticos (Eduardo Augusto)

25

Lei nº 5.868/72, pois seu ato registral não estará dividindo o imóvel (a divisão

ocorreu bem antes, em decorrência do “fato do príncipe”), mas apenas retificando o

dado incorreto/defasado que consta do registro público imobiliário.

BIBLIOGRAFIA

AUGUSTO, Eduardo Agostinho Arruda. A qualificação registral na retificação de

registro e no georreferenciamento. In: Sérgio Jacomino; Luciano Lopes Passarelli;

Marcelo Salaroli. (Org.). Revista de Direito Imobiliário nº 64. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2008.

________. Imóvel rural: conceitos de módulo fiscal, módulo rural, módulo de

exploração indefinida e fração mínima de parcelamento. Boletim Eletrônico do

IRIB nº 3280, 3/4/2008. São Paulo: IRIB, 2008.

________. Registro de imóveis; essencialidade para o estado democrático de

direito. Dissertação de mestrado da Faculdade Autônoma de Direito. São Paulo:

Fadisp, 2010.

BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; Página oficial da

Autarquia. (site da Internet). <www.incra.gov.br>

CARNEIRO, Andréa Flávia Tenório. Cadastro imobiliário e registro de imóveis.

Porto Alegre: IRIB e Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.

JACOMINO, Sérgio. Cadastro & registro: conexão e interdependência. in

Registro de imóveis; estudos de direito registral imobiliário; XXV e XXVI encontros

dos oficiais de registro de imóveis do Brasil. Porto Alegre: IRIB e Sergio Antonio

Fabris Editor, 2000.

PHILIPS, Jürgen. Conceito de imóvel e parcela no cadastro georreferenciado. in

Boletim do IRIB em Revista nº 325. Mar-Abr2006. São Paulo: IRIB, 2006. Disponível

em http://www.irib.org.br/birib/birib325x.asp.