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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros JAMBEIRO, O., et al. A volta de Gegê, democrata e nacionalista. In: Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação [online]. Salvador: EDUFBA, 2004, pp. 148-179. ISBN 978-85-232-1241-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Quinto capítulo A volta de Gegê, democrata e nacionalista Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões Eliane Costa Fabiano Brito Sandro Ferreira Suzy dos Santos

miolo tempos de vargas - books.scielo.orgbooks.scielo.org/id/3yd/pdf/jambeiro-9788523212414-06.pdf · Nos œltimos anos do governo Dutra, surgiu no palco de discussªo o problema

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros JAMBEIRO, O., et al. A volta de Gegê, democrata e nacionalista. In: Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação [online]. Salvador: EDUFBA, 2004, pp. 148-179. ISBN 978-85-232-1241-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Quinto capítulo A volta de Gegê, democrata e nacionalista

Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões

Eliane Costa Fabiano Brito

Sandro Ferreira Suzy dos Santos

Quinto CapítuloA volta de Gegê, Democrata e Nacionalista

(1950 � 1954)

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Em 1947, três anos antes da realização de novas elei-ções para a presidência da República, o nome de Vargas jáestava lançado para ocupar mais uma vez o poder. A indi-cação foi concretizada em 1949 e, em meados de 1950,Ademar de Barros, do PSP, foi buscar Vargas em São Borjapara a campanha eleitoral. O PSP, que indicaria o candi-dato a vice-presidência, escolheu o potiguar* Café Filhopara ser o par de Getúlio na disputa. Concorriam comeles o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, que já haviasido derrotado por Dutra, em 1946, e o veterano políticomineiro Cristiano Machado, pelo PSD.

As eleições de 1950 vieram comprovar o imenso prestí-gio de que Getúlio Vargas desfrutava. De 8.254.989 vo-tantes, 3.849.040 escolheram seu nome. Eduardo Gomesrecebeu 2.342.384 votos e Cristiano Machado não chegoua alcançar 1.700.000 votos (Weiss, 1996: 1946). Empossadoem 31 de janeiro de 1951, Vargas constituiu um ministé-rio experimental, com a missão de solucionar os proble-mas deixados pelo Governo Dutra.

Os investimentos realizados pelo governo anterior, so-bretudo na implantação da Companhia Hidroelétrica doSão Francisco, esgotaram as divisas acumuladas pelo Bra-sil durante a guerra e pioraram as relações de trocas co-merciais com países latino-americanos. Também vigora-ra severa restrição de crédito para a agricultura e a indús-tria. Os gastos com o funcionalismo público federal havi-am aumentado intensamente. Além disso, o Brasil passa-va por uma experiência inédita que parecia assustadora:o crescimento exagerado da população, com taxa de au-mento superior à da previsão, fenômeno a que se deu onome de explosão demográfica.

Entre as providências tomadas por Vargas para minimi-zar os problemas econômicos do país, destacam-se a

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extinção do Ceim (organismo do Banco do Brasil desti-nado a regulamentar as exportações e importações), a cri-ação de nova estrutura para o comércio internacional, acriação da Petrobrás, Eletrobrás e do Banco do Nordeste,a duplicação da capacidade de produção da usina de VoltaRedonda, concessão de facilidades para a instalação dassiderúrgicas de Acesita e Mannesmann, e a conversão daFábrica Nacional de Motores para produção de tratores.Apesar das dificuldades econômicas e financeiras, o pro-cesso de industrialização do país se acelerava rapidamen-te. Até o início de 1953, Vargas teve um governo relativa-mente tranqüilo no setor político. Ao apoio do PTB, uniao do PSD e do PSP, além de uma parcela da UDN.

O segundo período constitucional de Vargas foi dividi-do em dois momentos: o primeiro, de 1951 até meados de1953, foi o da conciliação, e o segundo, a partir de 1953, oda radicalização. A política de conciliação com os setoresconservadores evidenciava-se na composição do �Minis-tério da Experiência�, com uma atuação mais ofensiva emrelação aos interesses da indústria, do nacionalismo e dotrabalhismo. Dentro desta política, foi criada a Petrobrás,em outubro de 1953.

Com a intensificação de movimentos de massas popula-res, particularmente na luta pela criação da Petrobrás, alte-rou-se a aliança de classes e a política de conciliação do go-verno passou a ser mais direcionada por uma orientação tra-balhista, voltada para os interesses populares. Dois fatosmarcaram a mudança de posição do governo: a reformaministerial de 1953 e a Instrução 70 da Sumoc, que foi con-siderada um golpe dos grupos favoráveis à industrialização.

A Instrução 70 da Superintendência da Moeda e doCrédito (Sumoc), instituição precursora do atual BancoCentral, foi a medida mais importante do Plano Aranha,

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lançado em 1953. Este plano pretendia estabilizar a eco-nomia, que sofria com a inflação e o desequilíbrio do ba-lanço de pagamentos. A Instrução servia como fonte dearrecadação para o governo. �Elevou os custos internosde muitos produtos importados e, conforme funcionavana prática como nova política de substituição de importa-ções, provou ser um marco importante no protecionismobrasileiro e no suporte político para a industrialização�(D�Araújo, 1992: 165).

Política externaO governo Vargas transcorre no clima de guerra fria que

norteou as relações internacionais nesse período. Seu gran-de mérito foi redefinir a inserção política e econômica emnível internacional, através das negociações para a insta-lação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.

Enfrentando, desde o início de seu mandato, proble-mas para obtenção dos recursos que possibilitariam a im-plantação de uma nova política econômica, Vargas nãodesperdiçou a chance de negociar com os Estados Unidosa formação daquela Comissão. E iniciou também as pri-meiras articulações para a formalização do Acordo Mili-tar Brasil-Estados Unidos.

Getúlio estava disposto a concentrar-se em negociaçõesbilaterais, que colocassem à disposição dos Estados Uni-dos matérias-primas nacionais. Em troca receberia finan-ciamentos e fornecimentos para um programa de indus-trialização e obras públicas. �Dois novos fatores aparecemmais claramente nas conversações: a insistência do Brasilem aumentar em 50 milhões de dólares o valor do em-préstimo e a solicitação explícita do Secretário de Estadoamericano, Dean Acheson, no sentido de que o Brasil envie

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uma divisão militar para combater na Coréia � as despe-sas de equipamento, armamentos e transportes ficariampor conta dos Estados Unidos, e o treinamento, por contado Brasil� (D�araújo, 1992: 162).

Neste contexto, a oposição denuncia a existência de umPacto do ABC, acordo entre os governos da Argentina, Bra-sil e Chile com o propósito de contrapor-se à influêncianorte-americana na região. O episódio pareceu mais umato de oposição contra Vargas, e logo após a denúncia, ossetores nacionalistas lamentaram a inexistência de tal acor-do entre esses países.

Instalada oficialmente em 19 de julho de 1951, a Co-missão Mista Brasil-Estados Unidos terminou os estudose encerrou as atividades em 21 de dezembro de 1953. Paradar continuidade às negociações e execução dos projetosrecomendados, foi criado, em maio de 1952, o Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Segun-do D�Araújo, visando �oficializar as sugestões da Comis-são, fora anunciado, em setembro de 1951, pelo Ministroda Fazenda, um plano qüinqüenal, concentrando o in-vestimento em indústrias de base, energia e transportes�.

Por proposta de Vargas, o Congresso Nacional autoriza-ra a criação do Fundo de Reaparelhamento Econômico, aser administrado pelo BNDE. Implementava-se, assim,uma linha econômica de planos de investimentos à base decapital nacional e estrangeiro, coordenados pelo Estado. Masos empréstimos prometidos não foram concedidos duranteo Governo Vargas e apenas alguns projetos receberam fi-nanciamentos. O que não impediu, contudo, o desenvolvi-mento da industrialização, mesmo com a crise nas relaçõescom os estrangeiros (D� Araújo, 1992: 165).

Foi nesse contexto que o Plano Aranha foi lançado. AInstrução 70 serviu como fonte de receita, elevando os

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custos internos de muitos produtos importados e funcio-nando, na prática, como uma nova política de substitui-ção de importações.

Com a política de conciliação e procurando um equilí-brio nas soluções econômicas, Vargas conseguiu imprimirum caráter industrializante ao projeto de desenvolvimen-to. Dentro dessa perspectiva, vários órgãos estatais foramcriados, como a Petrobrás, marcando o caráter nacionalis-ta do governo.

Premido pela busca da conciliação de visões ideológicasantagônicas, Getúlio abriu mão do auxílio do capital es-trangeiro, em algumas situações, e consentiu na ampliaçãode movimentos sociais hostis à colaboração externa. O pró-prio Governo fez críticas aos efeitos do capital estrangeiro edesempenhou importante papel na criação de uma menta-lidade contrária à participação desse capital no país.

Por meio de denúncias dos mecanismos que desrespei-tavam a legislação vigente, Vargas mostrava as fraudes con-tra a lei que regulamentava a remessa de lucros e juros parao exterior. O art. 6o do Decreto-lei 9025, de 27 de fevereirode 1946, determinava claramente que �as remessas de ju-ros, lucros e dividendos não ultrapassarão 8% do valor docapital registrado, considerando-se transferência de capitalo que exceder a essa percentagem�. O que se observava,contudo, era o total desrespeito a esta disposição legal, for-çando o governo a tomar iniciativas para corrigir e discipli-nar o tratamento privilegiado que esses capitais recebiamdo Brasil e que os tornava onerosos para o país. Em vistadeste quadro, Vargas publicou, em 3 de janeiro de 1952, oDecreto no 30.363, determinando que poderia retornar aoexterior apenas o capital original que efetivamente houves-se ingressado no país e constasse no registro da Carteira deCâmbio do Banco do Brasil (D�Araújo, 1992: 166).

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Petrobrás e EletrobrásA visão de que o segundo Governo Vargas operava com

uma lógica de desenvolvimento autônomo para o Brasiltem como base os projetos de criação da Petrobrás e daEletrobrás. O formato dado àqueles setores da economiaestava ligado a uma tradicional visão nacionalista de con-trole dos recursos naturais, como requisito da soberanianacional.

A preparação das Leis Orgânicas da Petrobrás começounos anos de 1938-39. Foi instituída uma comissão especi-al técnico-econômica e jurídica, no antigo Conselho Fe-deral de Comércio Exterior, para um aprofundado examedo problema do abastecimento nacional dos combustíveislíquidos, como o petróleo.

Deste Conselho surgiram projetos que se transforma-ram nos Decretos-lei números: 366, que declarou de pro-priedade da União as jazidas de petróleo que viessem aser descobertas no território nacional; 395, que decla-rou de utilidade pública o abastecimento nacional depetróleo, nacionalizou a indústria do refino e criou oConselho Nacional do Petróleo; e 595, que estruturouesse órgão, fixou-lhe as atribuições e dispôs acerca dapolítica a ser cumprida, inclusive quanto à unificaçãodos preços de venda dos derivados do petróleo, em todoo país (Vargas, 1964, 34).

Nos últimos anos do governo Dutra, surgiu no palcode discussão o problema da exploração petrolífera. A pro-paganda das multinacionais do petróleo e do governo ame-ricano se fizera, anteriormente, em torno da afirmativa deque o Brasil não tinha petróleo. Após a descoberta dospoços de Lobato, na Bahia, o argumento foi substituído

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pelo de que o Brasil não tinha recursos para explorá-los.Dutra permaneceu contra os argumentos que defendiama exploração estatal dos recursos petrolíferos. Mas Getú-lio, em sua campanha eleitoral, já manifestava interessede intervir nessa área. O caráter nacionalista tinha apelopopular e passou a representar a possibilidade de aliançacom outras classes. Por outro lado, limitava o choque como imperialismo, porque não se tratava de riqueza já ex-plorada por estrangeiros, mas de riqueza potencial.

As discussões se iniciaram em dezembro de 1951, quan-do Getúlio assinou o projeto de criação da Petrobrás. Apartir dali prosseguiram os estudos para o equacionamentotécnico, econômico e político do petróleo, de forma sigi-losa, mas com o presidente Vargas a par dos trabalhos. Aempresa seria ou não estatal? Monopolizaria ou não a ex-tração de petróleo? A manutenção do sigilo sobre o cami-nho e a estratégia a serem seguidos na criação da empresapetrolífera tornava-se a cada dia mais difícil, inclusiveporque implicava em gestões de natureza política. O se-gredo começou a desfazer-se com a promulgação da Lei1.749, de 28 de novembro de 1952, que permitiu vincularo imposto único, que antes se vinculava apenas a obrasrodoviárias, também ao petróleo. A vinculação se efetiva-ria a partir da Lei de Orçamento, relativa ao exercício de1953. Estava associada a partir de então a expansão da in-dústria petrolífera ao poder estatal, mudança que provo-cou o acirramento do debate sobre a questão, já extrema-mente carregado de visões econômicas, ideológicas e po-lítico-partidárias.

Algumas ironias foram registradas nos bastidores destecenário. Inicialmente, um dos maiores incentivadorespúblicos da estatização da exploração do petróleo era umproprietário de empresa petrolífera, o também banqueiro

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paraibano Drault Ernanny, que se aproximou de Vargas,após empreender uma campanha pública de defesa dosplanos para a criação da Petrobrás. Ernanny era tambémamigo próximo de Assis Chateaubriand e foi coadjuvantena entrada do empresário no Congresso Nacional.

Segundo Fernando Morais, Chateaubriand decidiu quequeria ser senador, em 1951, após várias recusas anterio-res aos diversos convites que recebia para candidatar-se acargos públicos. Morais aponta, na fala de Chateaubriand,o foco de interesse do empresário: �...O que falta ao timedos Diários Associados é uma tribuna convencional, umacaixa de sabão onde eu possa subir e falar em nome danossa cadeia...� (1994, p. 517).

Como as próximas eleições estavam previstas para 1954e Chateaubriand queria ser senador imediatamente, fo-ram necessários alguns arranjos políticos. Após consultarVargas e com apoio do genro do presidente, o governadordo Rio de Janeiro, Ernâni do Amaral Peixoto, DraultErnanny conseguiu que o senador Vergniaud Wanderley,do PSD da Paraíba, renunciasse em troca de uma vaga noTribunal de Contas da União. O mesmo dispositivo detroca de cargo foi utilizado para convencer o suplenteAntônio Pereira Diniz a renunciar.

Foram, então, convocadas eleições suplementares e, emabril de 1952, Assis Chateaubriand tomou posse comosenador, tendo como suplente Drault Ernanny, ambos peloPSD. Segundo Morais, o mandato de Chateaubriand(1952-1954) foi pautado por duas características: ausên-cia em plenário, por conta de suas viagens ao exterior, ediscursos inflamados (1994: 517-536).

Ironicamente, Chateaubriand usou o seu mandato con-tra os interesses dos dois personagens que articularam asua eleição. Instaurou uma campanha em seus veículos

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de imprensa, proferiu dezoito discursos na tribuna doSenado e votou contra o monopólio estatal do petróleo.Nas viagens ao exterior, o empresário provocava escânda-los que respingavam em Vargas, como o ostensivo baileque ofereceu na França, em agosto de 1952, onde a esposae a filha do presidente foram fotografadas. A festa, quecustou US$ 205 mil, incluía o fretamento de 76 aviões bra-sileiros e a participação da Orquestra Tabajara e da canto-ra Elizeth Cardoso. Os jornais de oposição como A Tri-buna de Imprensa, de Carlos Lacerda, e O Estado de SãoPaulo, da família Mesquita, denunciavam os desmandosde Chateaubriand e sua proximidade com Getúlio.

Outro exemplo de constrangimento provocado peloempresário ao presidente foi o �furo� de reportagem sobrea doença de Eva Perón, primeira-dama da Argentina. Emmaio de 1952, O Cruzeiro destacava as imagens obtidasnum evento onde Chateaubriand era recebido pelo presi-dente Perón com a manchete �Os últimos dias de Eva Perón�.Perón, também conhecido por seu controle estreito e forteuso da mídia como instrumento de propaganda, tinhaescondido o câncer de sua mulher do público argentino eeste �furo� dos brasileiros causou um estremecimento nasrelações diplomáticas entre os dois países.

Em meio a este confuso cenário, a tramitação do proje-to da Petrobrás no Congresso foi minando as forças dopresidente, visto que não seria possível empreender, notempo de governo que restava, a criação da empresa. Apósa sanção da Lei no 2.004, de 3 de outubro de 1953, havia-se perdido boa parte do seu governo e ainda restava a ins-talação da grande empresa estatal. Repetia-se, assim, o queocorrera com o Plano do Carvão Nacional, para o qual oCongresso reduzira os recursos pedidos e ampliara os en-cargos da entidade oficial responsável pela execução do

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programa. A luta nos bastidores contra o projeto daPetrobrás denunciava idêntica ou mais acirrada batalhaem torno da energia elétrica, que se travaria em 1954(Vargas, 1964,47-48).

A pressão das multinacionais do petróleo e do governoamericano aumentava internamente devido ao andamen-to do problema do petróleo no Congresso. Era necessárioacabar com a parcela nacionalista da política de Vargas eisso implicava em campanhas anti-nacionalistas das agên-cias de publicidade, visando impossibilitar a solução esta-tal do problema do petróleo.

Em 1953, quando as emendas nacionalistas da Petrobráseram votadas, sob regime de urgência, na Câmara, ototal da publicidade paga e distribuída por companhiasamericanas nos jornais, no rádio e outros veículos depropaganda oposicionista, foi de 3 bilhões 506 milhõesde cruzeiros. Desse total, um bilhão e 197 milhões fo-ram dados aos jornais e 869 milhões às empresasradiofônicas (Sodré, 1977, 463).

Mas, contra todas as previsões, a nova empresa estatalinstalou-se no dia 10 de maio de 1954. Os serviços queeram dirigidos até então pelo Conselho Nacional do Pe-tróleo passaram para a responsabilidade da Petrobrás. Apartir de 1o de agosto, as unidades de pesquisa e produçãoda Bahia sairiam da órbita administrativa do CNP parase incorporarem à nova estatal.

Nessa mesma época, iniciam-se os investimentos esta-tais em energia elétrica, com a construção da usina dePaulo Afonso, no Rio São Francisco. A incapacidade dasconcessionárias de ampliar o suprimento de energia elé-trica levou à estatização do setor, que culminou com a

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proposta de constituição da Eletrobrás. O bloqueio inici-al à criação pode ser interpretado como uma manifesta-ção das concessionárias estrangeiras que se viramameaçadas pela proposta. Passada esta fase, a Eletrobrásoperava, simultaneamente, como holding e órgão de fi-nanciamento das empresas estaduais de energia elétrica,que se multiplicaram a partir dos anos cinqüenta.

Com a criação da Petrobrás e da Eletrobrás, Vargas inau-gura o setor monopolista do capitalismo industrial brasi-leiro, que operava substituindo importações e viabilizandoa continuidade da industrialização, apesar das pressõesexternas. Com o fim da guerra da Coréia, o intercâmbiocom os Estados Unidos tornou-se cada vez mais desfavo-rável para o Brasil, que participava da divisão internacio-nal do trabalho como exportador de produtos primários.A partir de então, entra na pauta nacional o desafio deacelerar o crescimento das importações, já que a crescentesubstituição de produção artesanal por industrial conti-nuava expandindo a demanda interna (Fausto, 1986, 224).

Crise políticaEram precárias as alianças partidárias no governo Vargas,

assim como era crescente a intransigência da UDN paracom as propostas governamentais. A falta de uma políticamais articulada entre os partidos e o governo foi fundamen-tal para a emergência da instabilidade que marcou o perío-do. Na composição político-partidária do primeiro gabine-te, que ficou denominada de Ministério da Experiência, ti-nham lugar especial a intransigência da UDN e as conse-qüentes frustrações da política de conciliação nacional.

A reforma ministerial substituiu seis dos sete ministroscivis. A partir de junho de 1953, iniciou-se o remane-

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jamento que levou José Américo de Almeida, da UDN,para a pasta de Viação e Obras Públicas; Osvaldo Aranha,simpatizante udenista e amigo pessoal de Vargas, para aFazenda; Tancredo Neves, do PSD, para a Justiça; VicenteRao, simpatizante udenista, para a do Exterior; AntônioBalbino, do PSD, para a da Educação; e João Goulart, doPTB, para a do Trabalho.

Com a reforma, o governo procurava contornar, não só asdificuldades econômicas, mas também a oposição das áreasmilitar e política, e da imprensa. Era também pretensão deGetúlio a busca de um consenso junto aos setores conserva-dores, que se mostrava inviável até aquele momento. As difi-culdades econômicas registradas a partir de 1953 e o tipo deorientação que prevalecia no movimento sindical levaram àeclosão de greves em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os em-presários e a oposição ficaram temerosos das concessões queo governo poderia fazer ao movimento grevista.

O aumento de 100% no salário mínimo, em 1o de maiode 1954, motivou a publicação do Manifesto dos Coronéis,que se constituiu em instrumento de pressão para a depo-sição de João Goulart do Ministério do Trabalho. A inici-ativa de conceder o aumento fez o governo passar por umteste de impeachment, encaminhado ao Congresso Nacio-nal pelo líder da UDN, Afonso Arinos. O impeachment foiderrotado, mas a UDN voltou a exigir a renúncia do pre-sidente, responsabilizando-o pelo assassinato do majorRubens Vaz (voltaremos a este fato mais à frente). A recu-sa de Vargas a renunciar levou a oposição a planejar o afas-tamento, através de imposições militares.

O arranjo político de Vargas era, na verdade, superficiale foi a falta de uma aliança mais articulada entre os parti-dos e o Governo que gerou a instabilidade política do pe-ríodo. O pluripartidarismo, que deveria ordenar a parti-

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cipação dos diversos interesses da sociedade, foi colocadosob suspeição, como fator divisionista e desagregador danação. O imprevisível final do segundo governo Vargasmodificou a visão anterior de jogo de forças. O suicídiodo Presidente revitalizou o populismo getulista e signifi-cou, do ponto de vista partidário, o fortalecimento da ali-ança PSD-PTB, em contraposição à UDN.

SuicídioO atentado contra Carlos Lacerda, no dia 5 de Agosto de

1954, na Rua Toneleros, em que morreu o oficial da Aero-náutica, o Major Rubens Florentino Vaz, representou a maisséria crise política do Brasil, desde 1945, quando Vargas foideposto. Para a opinião pública, a crise tinha como causa oconflito entre as Forças Armadas e o presidente.

A crise política, no entanto, abrangia paralelamente al-guns órgãos de imprensa. Logo após a eleição de Vargas,em 1951, o repórter Samuel Wainer demitiu-se dos DiáriosAssociados e fundou o jornal Última Hora. Para isso, con-tou com o apoio de Getúlio para inaugurar um jornalismode conteúdo e padrão gráfico moderno. Segundo o próprioWainer, o jornal surgira para �quebrar a conspiração de si-lêncio que a grande imprensa fazia em torno do nome deGetúlio�. Com dinheiro emprestado do Banco do Brasil,Wainer planejava, em 1953, implantar uma rede própria decomunicação. Além do sucesso editorial da Última Hora,ele mantinha um semanário ilustrado, O Flan, e pretendiamontar uma emissora de rádio, ainda naquele ano.

Uma denúncia publicada pelo jornal Tribuna da Impren-sa, de Carlos Lacerda, sobre a origem da verba que finan-ciou a fundação da Última Hora, provocou uma verdadeiraguerra entre os maiores veículos de comunicação do país.

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Desde então, o jornal de Lacerda instaurou uma campanhacontra Samuel Wainer que ganhou a adesão de outros veí-culos, como o jornal O Globo e a rádio Globo, de RobertoMarinho, e os Diários e Emissoras Associadas, de AssisChateaubriand, este menos interessado na denúncia em si emais preocupado com a concorrência que Wainer estabele-cia. No Congresso, contaram com o apoio dos deputadosudenistas. A situação foi-se tornando a cada mais complexa.

Wainer tentava defender-se sugerindo a Getúlio a ins-tauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito(CPI) para apurar as relações do Banco do Brasil com to-dos os veículos de imprensa. Além disso, estava certo doapoio da maioria governista da Câmara (Morais, 1994).Mas sua crença era ilusória: obrigaram-no a vender o Úl-tima Hora, e a maioria de governistas assumidos foi desa-parecendo aos poucos do Congresso. Para complicar maisainda a situação, Chateaubriand dava a Lacerda amploespaço nos seus dois canais de televisão e publicava arti-gos diários afirmando que �o plano de Samuel Wainer eradestruir os Diários Associados, a médio prazo, a mandode Getúlio Vargas� (Morais, 1994: 554).

A união de Lacerda e Chateaubriand, além da oposiçãodos grupos Marinho e Mesquita, provocava forte pressãosobre o governo. Vale destacar que, neste momento, a in-dústria cultural brasileira estava se consolidando e a in-fluência da mídia tornara-se bastante significativa. Em1952, havia sido criada a primeira escola de propagandabrasileira, a Revista O Cruzeiro atingia neste mesmo ano amarca de 550 mil exemplares vendidos, as fotonovelassurgiram com grande sucesso (Grande Hotel, 1951, Capri-cho, 1952), as editoras Abril e Bloch começavam a lançarseus primeiros produtos (Pato Donald, em 1951, e a revis-ta Manchete, em 1952, respectivamente), o jornal O Esta-

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do de São Paulo passou por uma profunda reforma, patro-cinada pelo conde Matarazzo e a média de títulos cine-matográficos brasileiros realizados por ano era de 27 fil-mes entre 1951 e 19551 . Além disso, três outras emissorasde TV tinham sido inauguradas e já concorriam com osDiários Associados: TV Paulista, TV Record e TVExcelsior; as telenovelas adaptavam clássicos da literatu-ra e das radionovelas e o rádio já contava com dois mi-lhões e quinhentos mil aparelhos receptores, em 1952(Ortiz, 1988: 42-76; Silveira; Parente, 2002).

Problemas estruturais, contudo, impediam o desenvol-vimento da comunicação e cultura de massa. A imprensa,embora atingisse vendas de mais de 500 mil exemplaresde um único periódico, atuava num país de 15 milhões deanalfabetos, em um total de 50 milhões de habitantes. Atelevisão, em 1954, não passava de 18 mil aparelhos fun-cionando como um objeto de status da elite brasileira. Aempresa cinematográfica Vera Cruz faliu, em 1954. Se, deum lado, o mercado adquiria uma influência cada vezmaior nos rumos da vida política brasileira, por outro nãose podia dizer que a mídia fosse totalmente massiva e opo-sicionista: afinal, o poder de alcance da Rádio Nacionalainda era superior à concorrência.

A presença de Getúlio, porém, ainda concentrava pres-tígio. Em meio às denúncias de corrupção do governo, opresidente recebeu a homenagem dos sambistas RobertoRoberti e Arlindo Marques Júnior, na marcha Se eu fosse oGetúlio, que foi gravada em novembro de 1953, na voz deNélson Gonçalves:

Se eu fosse o Getúlio/ mandava metade dessa gente pralavoura/. Mandava muita loura plantar cenoura/, muitobonitão plantar feijão/ e essa turma da mamata/ eu man-

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dava plantar batata. O Brasil tem muito doutor/, quemtrabalha é que tem razão/. Muito funcionário, muita pro-fessora/. Eu digo e não tenho medo de errar/, se eu fosseo Getúlio/, mandava metade dessa gente pra lavoura/.

O episódio envolvendo Carlos Lacerda e que ficou co-nhecido como �O Crime da Rua Toneleros�, contudo,agravou a crise política. Diretor do jornal Tribuna da Im-prensa e candidato a deputado federal, Lacerda retornavade um comício quando seu carro foi atingido por disparosde arma de fogo. Atingido no pé, Lacerda acusa o governode encomendar o atentado que matou o major da aero-náutica Rubens Vaz, que o acompanhava.

Durante vários dias após o crime, repetiram-se na Capi-tal Federal reuniões de altas autoridades do Governo e deassociações militares e estendeu-se pelos arredores do Rioe por grande parte do país a maior investigação policial-militar aqui já realizada. Durante esse tempo, o destinode Vargas e do seu governo oscilava, para ruir afinal dra-maticamente vinte dias depois, com seu suícidio.(...)O motorista de praça Nélson Raimundo de Sousa apre-senta-se no 4o Distrito Policial, no Catete, de onde é ime-diatamente transferido para o 2o, em Copacabana, emcuja jurisdição ocorrera o crime. Declara ele às autori-dades policiais que o assassino fugira em seu carro. Ten-do sabido que o número do automóvel havia sido ano-tado, e verificando que fora atingido por disparos, deci-dira apresentar-se e confessa que antes do crime trans-portara dois homens, que dizia desconhecer, para as vi-zinhanças da residência de Lacerda e que pouco depoisfugira o pistoleiro no seu carro. Nada quis adiantar so-

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bre a identidade dos seus passageiros. Mas verificando-se que Raimundo era também investigador da Políciado Estado do Rio, �começou-se a ligar ao atentado, porassociação de idéias, pessoal que servia no Palácio doCatete, quer dizer, em frente ao Palácio do Catete, e,ainda mais, servia habitualmente aos homens da Guar-da do Presidente�. (Machado, 1955: 8).

Em meio às denúncias da Tribuna da Imprensa, as For-ças Armadas exigiram a apuração do crime e a puniçãodos culpados. O próprio governo propôs rigor na apura-ção e o inquérito aberto pela polícia aponta o envolvimentodo chefe da guarda pessoal de Getúlio, Gregório Fortunato,como mandante. Ao evidenciar o envolvimento de Vargas,membros do governo propõem sua renúncia, mas ele re-cusa. Como as diligências realizadas trouxeram à tona fa-tos e documentos reveladores de outros crimes, o presi-dente não encontra alternativa e, em 24 de agosto de 1954,suicida-se com um tiro no peito, cumprindo assim a pro-messa que fizera horas antes aos seus ministros de nãosair vivo do Palácio do Catete.

O suicídio de Vargas foi noticiado largamente e a RádioNacional transmitia, em sucessivas edições extras do Re-pórter Esso, a leitura emocionada da carta-testamento, comseu apoteótico final:

Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte.Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no cami-nho da eternidade e saio da vida para entrar na história.

A comoção nacional provocada pelo suicídio de Vargasvendeu 720 mil exemplares de O Cruzeiro, que estava nasbancas no dia seguinte, com uma foto de página inteira

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do rosto de Getúlio morto. A tristeza pelo ato desespera-do do presidente gerou uma onda de protestos, como re-gistra Fernando Morais:

Chegara a hora de dar o troco à virulência com que opresidente morto havia sido tratado pelos jornais da ca-deia e ao �contubérnio entre Lacerda e Chateaubriand�,como gritavam pelas ruas oradores trepados em capo-tas de automóveis. Faixas e palavras de ordem de passe-atas de sindicalistas e estudantes pediam �morte aLacerda e Chateaubriand� pelas ruas das capitais. Car-ros de reportagem e distribuição de O jornal e do Diárioda Noite, no Rio, eram apedrejados, virados de rodaspara cima e incendiados pelas turbas. Em Porto Alegre,depois de apedrejar o consulado americano, a agênciado Citibank, a sede local da Coca Cola e até a BoiteAmericana, as hordas populares invadiram os prédiosonde funcionavam os veículos Associados (...) e trans-formaram em pó o que viram pela frente. Diante de umapolícia impassível, depois de atirar pelas janelas máqui-nas de escrever, teletipos e todos os móveis que encon-traram, os populares desceram de novo à rua e incendi-aram completamente os dois prédios (...) Ao todo, o pre-juízo seria calculado em 50 milhões de cruzeiros (ummilhão de dólares de então, cinco milhões de dólares de1994) (1994, 558).

Além dos incidentes com os Diários Associados, o im-pacto da divulgação da Carta-Testamento gerou atenta-dos às sedes de O Globo, Tribuna da Imprensa, da RádioGlobo; caminhões de distribuição de O Globo incendia-dos; ataques à embaixada dos Estados Unidos e aos pré-dios da Standard Oil, da Light & Power e da Companhia

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Telefônica, entre outros pertencentes a grupos antivar-guistas (Lamarão, 2002). O documento inspirou tambéma última homenagem da MPB a Getúlio Vargas, a cançãoEle disse, de Edgard Ferreira, na qual a voz de Jackson doPandeiro lamentava: �Ele disse muito bem, o povo dequem fui escravo não será mais escravo de ninguém�.

No Ar, o Rádio e a TelevisãoDurante a guerra, o radiojornalismo tinha sido o gran-

de destaque da programação das emissoras, lugar que con-tinuou a ocupar, cumprindo um papel importantíssimono meio rural, levando informação a milhares de pessoase integrando-os à realidade nacional. O rádio também fa-zia um jornalismo de utilidade pública, estabelecendogrande vínculo entre as emissoras e a comunidade. Nocatálogo da Rádio Nacional, uma série de episódios rela-tados ilustra essa ligação. Um deles relata:

Certa vez um avião da FAB encontrou o aeroporto deCampo Grande, em Mato Grosso, às escuras, e não pôdedescer; o seu comandante se comunicou com a estaçãode Santa Cruz, Rio de Janeiro, que por sua vez contactoua (Rádio) Nacional. Imediatamente foi lido ao microfo-ne um apelo: Atenção, Campo Grande, Mato Grosso.O feedback se fez de pronto, quando centenas de carrosque estavam nas ruas ou estacionados nas garagens sedirigiram ao aeroporto e com seus faróis acessos cola-boraram para a aterrissagem incólume da fortaleza vo-adora (Federico, 1982:77).

No período posterior à guerra, o jornalismo cede lugarao entretenimento e o rádio brasileiro começou a definir

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os gêneros que ficariam presentes em toda a história daradiodifusão brasileira. Anunciantes de peso, como aColgate-Palmolive, também atuavam na produção e tive-ram um papel importante na massificação das radionove-las. Estes anunciantes tinham contratos com atores, escri-tores e tradutores, que rapidamente transformaram estegênero em favorito da audiência popular. Em 1947, a ra-dionovela já atingia os mais altos índices de preferênciados ouvintes, seguida pelos musicais e pelo humorismo,restando ao jornalismo o quarto lugar. Somente a RádioNacional produziu, entre 1943 e 1945, 116 novelas, divi-didas em 2.985 capítulos (Saroldi; Moreira apud Ortiz,1988: 40).

O cinema também começou a ter um caráter massivono período que antecede os anos 50. A influência norte-americana, com a política de boa vizinhança e as produ-ções de Hollywood, ajudaram a criar o mercado para queo cinema se transformasse num bem de consumo nacio-nal. A criação da Atlântida, em 1941, e da Vera Cruz, em1949, trouxeram a profissionalização do setor. Os astrosdeixaram de ser apenas vozes para se tornarem imagens,estilos a serem copiados pelos milhares de fãs.

Um dos maiores exemplos da massificação e profissio-nalização da mídia brasileira é a figura do casal VicenteCelestino e Gilda de Abreu. Ele ídolo de rádio e disco,desde os anos 20, ela atriz, escritora e a primeira mulher adirigir filmes no Brasil. As canções de Celestino alimen-tavam primeiro a indústria musical, passando depois aosfilmes e aos livros, dirigidos e escritos por Gilda de Abreu,às fotonovelas, radionovelas e, por fim, às telenovelas.

A canção O Ébrio foi gravada em 1937 e, em 1946, ofilme com o mesmo nome tornou-se uma das produçõescinematográficas de maior sucesso em toda a história do

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cinema nacional, com 500 cópias distribuídas nacional-mente e um público estimado em mais de quatro milhõesde espectadores. Em 1965, a telenovela O Ébrio foi a maisassistida pelos telespectadores da recém-criada Rede Glo-bo. Coração Materno, radionovela gravada em 1936, teveum destino parecido, em 1951, levando milhões de brasi-leiros às lágrimas nos cinemas, com o drama do campo-nês que mata a própria mãe, em nome de um amor.

No início dos anos 50, o império de Assis Chateaubriandestava no auge de sua expansão. Além das emissoras derádio e dos jornais associados, Chateaubriand investiutambém na criação do Museu de Arte de São Paulo(MASP), que lhe rendia lucros entre a captação de doa-ções e a compra das peças de arte para o museu, e na inau-guração da primeira estação de televisão da América Lati-na, quarta de todo o mundo, a PRF-3TV, canal 3, a TVTupi de São Paulo, inaugurada com pompa no dia 18 desetembro de 1950.

Logo na estréia a TV Brasileira teve de mostrar seu po-der de improviso. Eram apenas duas câmeras e horasantes do começo da transmissão uma pifou. Os técnicosamericanos aconselharam que a �festa� fosse adiada, maslá estava o diretor Cassiano Gabus Mendes, outro pio-neiro da TV brasileira, que decidiu ir ao ar mesmo sócom uma câmera. A transmissão foi assistida através de200 aparelhos, que visando popularizar o veículo,Chateaubriand mandou instalar em praças públicas,para que as pessoas pudessem assistir aos programastransmitidos. Logo, com ajuda dos profissionais do rá-dio, jornal e do teatro, as transmissões aconteciam das18 às 23h e foi colocado no ar o primeiro telejornal:Imagens do Dia (Ferreira, 2002: on-line).

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Os aparelhos foram trazidos de contrabando porque aespera pela legalização levaria meses na burocracia alfan-degária. Posteriormente, foram legalmente importados porChateaubriand mais dois mil aparelhos. Entre os apare-lhos contrabandeados, um foi doado ao Presidente EuricoGaspar Dutra como agradecimento pelos favores presta-dos pelo governo ao empresário. Este aparelho era merapeça de decoração, já que a televisão somente chegaria aoRio de Janeiro, onde o Presidente residia, no ano seguin-te. A intimidade de Chateaubriand com o poder não con-figura, neste período, uma novidade. O nível desta convi-vência pode ser observado no seguinte trecho das memó-rias de Samuel Wainer:

Num determinado dia, Chateaubriand levou-me à casado major McCrimmon para que eu contasse ao presi-dente Eurico Gaspar Dutra, também convidado, comoestava Getúlio Vargas. Era impressionante o desemba-raço com que Chateaubriand tratava o Presidente. Emmeio a meu relato sobre as conversas com Getúlio, eledava gargalhadas e, de vez em quando, tapinhas no tra-seiro de Dutra (Wainer, 1998).

Em 1950, existiam 300 emissoras de rádio no país, 200a mais que em 1940. Mas a imprensa ainda pautava o de-bate eleitoral e a formação da opinião pública. As revistassemanais eram o veículo impresso nacional, sendo que OCruzeiro, dos Associados, já tinha batido a marca de 300mil exemplares vendidos nacionalmente. Outras revistasexpressivas eram A Cigarra, A Carioca, a Revista do Rádio,o Fon-Fon, o Jornal das Moças e O Malho. Em 1950, tam-bém tiveram início as operações de outro grupo que viria,posteriormente, ter o domínio do ramo editorial brasilei-

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ro. Com a estréia do Pato Donald, de Walt Disney, em por-tuguês, o grupo Abril iniciava sua trajetória.

Segundo Gomes (1980), o grande sucesso do períodoera o filme musical de Watson Macedo, Aviso aosNavegantes. No Carnaval daquele ano, as marchas prefe-ridas foram Balzaquiana, de Wilson Batista e Nássara,General da Banda, de Sátiro de Melo e José Alcides, e NegaMaluca, de Fernando Lobo e Evaldo Rui. A nota triste foia derrota da seleção brasileira por 2x1 contra o Uruguai,na Copa do Mundo de futebol, que se realizava no Brasil.

Principal jornal de oposição a Vargas, a Tribuna da Im-prensa foi lançada no final de 1949 para representar as pro-postas da UDN contra a articulação em torno de Vargas,combatendo principalmente a violência policial do EstadoNovo. Em julho de 1950, Lacerda foi nomeado membrodo conselho diretor da Associação Interamericana de Im-prensa, com a função de secretariar a organização no Bra-sil. A Tribuna da Imprensa foi responsável pela retirada dopapel-jornal da lista de mercadorias que os EUA exigiamlicença prévia para a comercialização. Representando o jor-nal, Lacerda defendeu uma moção que se transformou naDeclaração de Princípios da Imprensa do Continente Ame-ricano, assinada na VI Conferência Interamericana de Im-prensa, realizada em Nova Iorque (FGV, 2002).

A partir de 1950, aumentou a concentração de capitalnos órgãos de imprensa, favorecendo o desaparecimentode inúmeros jornais e revistas e o surgimento de outros,como a Manchete, do grupo Bloch, em 1952. Esta con-centração se tornou ainda maior com o crescimento dorádio e a implantação da televisão. Um bom exemplo é ocrescimento dos Diários Associados, um conglomeradoque já detinha jornais, revistas e rádios, e foi o primeiro acolocar no ar uma emissora de televisão.

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Nos seus primeiros passos, a televisão se caracterizoupor uma transposição do rádio para o novo meio, em rela-ção aos recursos humanos, aos programas e à exploraçãocomercial, com base na publicidade.

Vargas, que tinha iniciado a regulação da radiodifusão,no Brasil, com os famosos decretos de 1931 e 1932, inter-feriu novamente no setor, provocando importantes alte-rações na relação dos concessionários com o Estado e coma sociedade. Editou, em 19 de julho de 1951, o Decreto no

29.783, estabelecendo novas normas para os serviços deradiodifusão, além de alterar e complementar dispositi-vos do regulamento aprovado no Decreto no 21.111, de 10de março de 1932. Como o país estava vivendo um perío-do democrático, diferente dos primeiros anos da décadade 30, ele não podia impor normas sem apresentar justifi-cativas e explicações. Por isso, o decreto é iniciado comuma série de considerações.

Primeiro, reconhece que houve progresso técnico e,portanto, tornara-se necessário que se complementasse oDec. 21.111, através de nova legislação. Lembra tambémque o Dec. 20.047, de 27 de maio de 1931, que previa aregulamentação do setor de radiodifusão - efetivada noDec. 21.111 � antevia também, em seu artigo 38, parágra-fo único, que este regulamento poderia ser modificado notodo, ou em parte, de acordo com os aperfeiçoamentostécnicos das radiocomunicações.

Em seguida, defende maior centralização do setor nasmãos da Presidência da República, tendo em vista que asconcessões, permissões, distribuição de freqüências, fis-calização e outros serviços relativos à radiodifusão, por-quanto estivessem a cargo do Ministério da Viação e ObrasPúblicas, eram de interesse direto de outros ministérios,tais como Marinha, Aeronáutica e Guerra. Seria conveni-

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ente, portanto, uma regulamentação que permitisse a in-tervenção mais direta do Presidente da República, que era,na verdade, o coordenador e orientador das atividadesministeriais.

Afirma ainda que a organização, competência e atri-buições da Comissão Técnica do Rádio, descriminadasno Decreto no 21.111, tinham sido colocadas de forma ater essa comissão um caráter mais consultivo que executi-vo, necessitando assim de elementos que a transformas-sem num órgão dinâmico, desvinculando seu controle, re-alizado até então pelo Ministério da Viação e Obras Pú-blicas, e pondo-o em estreito contato com a Presidênciada República, órgão orientador da política geral do Go-verno e da política de radiocomunicação em particular.

O primeiro artigo do Decreto define a radiodifusãocomo:

... serviços de radiocomunicação que se destinam a serrecebidos diretamente pelo público em geral, por meiode emissões sonoras, de televisão, de fac-símile, ou poroutros gêneros de emissões.

Assim, já àquela época, o termo radiodifusão era en-tendido tal como o é na legislação atual, isto é, abrangen-do o rádio e a televisão abertas, que qualquer um podeacessar, gratuita e livremente, desde que tenha um apare-lho receptor. Definido como de finalidade educativa e deinteresse nacional, não excluia, contudo, o uso comercial,desde que este não prejudicasse aquela finalidade (art. 2º).

A concentração de poder no Poder Executivo, em especi-al na Presidência da República, é uma característicamarcante de todo o Decreto 29.783, lembrando a forma defazer política de Getúlio dos tempos ditatoriais. No art. 3º,

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que trata do uso dos serviços de radiodifusão, atribui exclu-sividade à União, na exploração desses serviços, diretamenteou mediante concessão ou permissão a particulares:

Os serviços de radiodifusão e de radiocomunicação emgeral poderão ser explorados diretamente pela União,ou mediante concessão ou permissão desta ou aos Go-vernos dos Estados, Territórios e Municípios, à Prefei-tura do Distrito Federal, aos órgãos autárquicos e para-estatais, às empresas incorporadas ao patrimônio daUnião, e também às sociedades nacionais por açõesnominativas, ou por quotas de responsabilidade limita-da, observadas as restrições constantes do artigo 160 daConstituição Federal, as Leis em vigor e as convençõesinternacionais retificadas pelo Governo Brasileiro.

A qualquer tempo, contudo, o Governo Federal podiadesapropriar os serviços dos concessionários ou permis-sionários, ou suspender esses serviços por motivo de or-dem e segurança pública (§1 e 2, art. 3º).

As concessões para os serviços de radiodifusão só podi-am ser outorgadas por Decreto do Presidente da Repúbli-ca, mas o Ministro da Viação e Obras Públicas, com a pré-via autorização do Presidente, podia permitir o uso doespectro eletromagnético a título precário. O prazo para aconcessão nunca deveria exceder 10 anos. As permissõesseriam revistas de 3 em 3 anos, sendo renováveis, a juízodo Poder Executivo (arts. 4º e 5º)

A diferenciação entre o que podia ser �concedido� ou�permitido� estava no valor de potência das estações radi-odifusoras. Assim, precisavam de concessão as estaçõesradiodifusoras que superassem 250 watts, e de permissãoas que tivessem potência menor (§1o. do art. 4o., e §1o. da

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art. 5o. ). Em qualquer caso, a palavra final era do Presi-dente da República. A única coisa que independia de pré-via autorização da Presidência eram as permissões paramontagens de estações radioamadoras (§2o. do art. 5o.).

A busca de concentração de poder fica bem mais explicitano art. 6o., que trata das demais competências do Presiden-te da República em relação ao setor de radiodifusão:

a) declarar, por Decreto, a caducidade, a renovação e aperempção das concessões, em todos os casos previstosem Lei, Decreto, Regulamento ou Portaria;b) homologar a cassação das permissões, mediante des-pacho, em exposição de motivos, do Ministro da Viaçãoe Obras Públicas, nos casos em que for aquela de com-petência deste;c) dar autorização prévia para toda e qualquer transfe-rência de ação ou de cota às sociedades concessionáriasou permissionárias de serviços de radiodifusão ou deradiocomunicação:d) aprovar a distribuição, alteração ou revisão de freqüên-cia, feita pela Comissão Técnica de Rádio, não só nosserviços de radiodifusão, mas em todos os serviços deradiocomunicação em território nacional, e dar instru-ções nesse sentido à mesma Comissão. (Aqui ficam apro-ximadas as ações da Comissão Técnica do Rádio, origi-nalmente ligada ao Ministério da Viação e Obras Públi-cas, ao Presidente da República; observação dos autores).e) determinar a revisão geral das concessões, permis-sões e freqüências das sociedades privadas ou entidadespúblicas exploradoras dos serviços de radiodifusão eradiocomunicação, sempre que o exigirem os compro-missos internacionais assumidos pelo Brasil, o interes-se público ou as conveniências do Governo Federal.

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O artigo e alíneas acima demonstram a preocupaçãodo Governo Vargas em manter em suas mãos o controleda radiodifusão, obviamente por perceber o quão impor-tante era esse serviço, em sua condição estratégica de for-mação de opinião e circulação de informação. Nessa dire-ção vai também o artigo 11º, que vincula a Comissão Téc-nica do Rádio à Presidência da República, recebendo des-ta instruções sobre todos os assuntos que forem de suacompetência. É ainda o Presidente da República quem,por Decreto, investe em suas funções o Presidente e de-mais membros da comissão, além do diretor da Secretariada Comissão Técnica de Rádio (§1o. e 2o.).

A Comissão passa, pois, a ser o Braço de Vargas em todosos setores de radiodifusão, podendo baixar Portarias sobretodos os assuntos relativos a esses serviços, excetuando-seos que invadam a área militar (art. 13 e parágrafo único).

O decreto criou a Comissão de Estudos do Plano Geral deRadiocomunicações, incumbida de elaborar o anteprojeto doCódigo Brasileiro de Radiodifusão e Radiocomunicação (art.15). E dentro da mesma linha de centralização absoluta dodomínio do setor, estabeleceu que seus cinco membros, maiso presidente da comissão, seriam �designados pelo Presiden-te da República, dentre pessoas de comprovada idoneidade ecompetência em assuntos de radiotécnica e legislação deradiocomunicações�. (§1º, art. 15)

Assim, estava criado o embrião do que em 1962 viria aser o Código Brasileiro de Telecomunicações. O art. 8o dodecreto estabelece a obrigatoriedade de todas as socieda-des que detêm concessões ou permissões apresentarem àComissão Técnica de Rádio, no prazo de 60 dias, a listacompleta dos seus acionistas e cotistas. O descumprimentoda norma implicaria em perda da concessão ou cassaçãoda permissão. No inciso 2o do artigo 9o ficava assegurado

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às concessionárias e permissionárias o direito de requerero restabelecimento de suas concessões ou permissõesquando fossem consideradas caducas ou cassadas.

Com relação às freqüências de operação no espectroeletromagnético, o parágrafo único do art. 10o determina-va que a revisão ou substituição de freqüências poderiaser feita, a requerimento das empresas concessionárias oupermissionárias e por conveniência das mesmas, desde quehouvesse motivo justo, a juízo do Governo.

Como vimos, portanto, o segundo governo Vargas ca-racterizou-se por uma política ambígua, ora conciliató-ria, ora radical. Como articulador, o Presidente procuravaformar alianças com diversos setores da sociedade, visan-do realizar uma política nacionalista. Deveu-se a isto acriação da Petrobrás. Com a alteração das alianças, o Go-verno passou a exercer uma política mais radical, com umaorientação acentuadamente trabalhista.

O arranjo político do ex-ditador revelou-se superficiale, devido à falta de uma aliança mais articulada, entre ospartidos e o Governo, gerou-se instabilidade política. Opluripartidarismo, que deveria ordenar a participação dosdiversos interesses da sociedade, foi colocado sobsuspeição, como fator divisionista e desagregador da na-ção. O isolamento de Getúlio foi inevitável diante dessecontexto, juntando-se a isso o protelamento das decisõese o não reconhecimento da gravidade da crise, que culmi-nou com seu suicídio.

O rádio continuou seu desenvolvimento, buscando sefortalecer com a ampliação de serviços, notadamente nointerior do Brasil, onde se consolidara como a principalfonte de informação e entretenimento. Seu aspecto comer-cial consolidou-se, sobretudo por meio dos programas deauditório, que tinham, em sua maioria, patrocínio de gran-

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des empresas nacionais e estrangeiras. O surgimento datelevisão não o ameaçou, uma vez que, devido ao alto custodos aparelhos receptores, ela estava restrita às camadasmais altas da população, e presente basicamente em SãoPaulo e Rio de Janeiro. Somente no final da década é quea TV começou significativa expansão para as outras capi-tais e grandes cidades do país.

Notas* Nome dado a brasileiros nascidos no Rio Grande do Norte.1 �Entre 1935 e 1949, tinham sido produzidos em São Paulo somenteseis filmes�. Dados de Alguns Aspectos da Vida Cultural Brasileira.Rio de Janeiro, MEC, 1956 apud Ortiz, 1988, p. 42).

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