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Meditação a Andar

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Uma das práticas meditativas do budismo Theravada da Floresta.

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  • Meditao a andarAjahn Nyanadhammo

    Traduzido por Jos Megre

  • Coppyright2003 The Sangha, Wat Pah Nanachat

    para distribuio gratuita

    Traduzido do original:Walking Meditation - In the Thai Forest TraditionTraduo de Jos Megre1 Edio - 2013Publicaes Mosteiro Budista Theravada www.mosteirobudista.comE-mail: [email protected]

    Editado a partir de duas palestras de Dhamma oferecidas por Ajahn Nyanadhammo, no Buddhist Centre Dhammaloka, em 31 de Julho de 1992, e no Bodhinyana Forest Monastery, em 22 de Janeiro de 2002, ambos em Perth, na Austrlia.

    As publicaes do Mosteiro Budista Theravada so para distri-buio gratuita. No permitida qualquer forma de reproduo parcial ou total para fins comerciais. Cpias deste livro ou auto-rizao para reimpresso para distribuio gratuita, podem ser obtidas aps notificao a [email protected].

  • o espirito do dana, generosidade, que tem mantido atradio budista viva por mais de 2500 anos

    A oferta de Dhamma supera qualquer outra oferta

    Namo Tassa BhagavatoArahato Sammasambuddhassa

  • 51INTRODUO

    Nesta palestra, vou concentrar-me nos aspetos essenciais da meditao a andar abordando as questes Como?, Quando?, Onde? e Porqu?. Pretendo incluir instrues prticas sobre os aspetos tcnicos da meditao a andar e instrues para culti-var qualidades mentais que levam concentrao, introspeo e sabedoria atravs da atividade fsica da meditao a andar. O Buddha enfatizou o desenvolvimento da plena ateno nas quatro principais posturas: de p, sentado, deitado e a andar (DN22, MN10). Encorajou-nos a estarmos atentos em todas estas posturas, para termos plena conscincia e reconhecimento daquilo que estamos a fazer em qualquer posio. Se lerem acerca da vida dos monges e monjas no tempo de Buddha, percebero que muitos alcanaram certos estgios de iluminao enquanto praticavam meditao a andar. Meditao a andar chama-se cakama em Pi. uma atividade que permite focar e concentrar a mente ou desenvolver conhecimento e sabe-doria introspetiva. Algumas pessoas sentem-se naturalmente mais atradas pela meditao a andar, por a considerarem mais fcil e natural do que a meditao sentada. Quando se sentam, sentem-se aborre-cidas, tensas ou distraem-se facilmente. As suas mentes no se acalmam. Se este o vosso caso, no persistam; faam alguma coisa nova e experimentem mudar de postura.

  • 6 Faam alguma coisa diferente, experimentem a meditao em p ou tentem a meditao a andar. Esta nova postura de me-ditao poder tornar-se numa forma arguta de focar a mente. Todas as quatro posturas de meditao so apenas tcnicas, m-todos para desenvolver e treinar a mente. Experimentem desenvolver a meditao a andar e talvez possam comear a aperceber-se dos seus benefcios. Na Tradio da Floresta, no nordeste da Tailndia, h uma grande nfase na meditao a andar. Muitos dos monges desta tradio praticam--na durante longos perodos, como uma forma de desenvolver concentrao. Por vezes chegam a praticar at dez ou quinze ho-ras por dia! O falecido monge Ajahn Singtong praticava tanto a medita-o a andar que chegava a criar um sulco no caminho de medita-o. Ele chegava a caminhar at quinze horas por dia, tornando o arenoso caminho que usava, cncavo! Outro Monge, Ajahn Kum Dtum, praticava meditao a andar to assiduamente que noite nem se preocupava em entrar na sua cabana. Quando se sentia realmente cansado de caminhar durante todo o dia e toda a noite, dormia mesmo ali, no cho, utilizando as mos como almofada. Adormecia com plena ateno tendo determinado levantar-se assim que acordasse. Assim que acordava, continuava a andar novamente. Basicamente vivia no carreiro de meditao. Ajahn Kum Dtum alcanou rapidamente resultados na sua prtica. No Ocidente no se costuma falar tanto da meditao a an-dar, por isso eu gostaria de descrever o processo e recomend-la como complemento meditao sentada. Espero que estas ins-trues vos ajudem a desenvolver o vosso repertrio de tcnicas

    de meditao tanto em meditao formal como na vida quoti-diana. Como grande parte da vida passada a andar, se souberem como estar conscientes disso, o simples facto de andarem em casa pode tornar-se num exerccio de meditao.

  • 7OS CINCO BENEFCIOS DA MEDITAO A ANDAR

    O Buddha falou sobre cinco benefcios da meditao a an-dar (AN, III, 29). Neste Sutta, ordenou-os da seguinte forma: desenvolve a resistncia para percorrer longas distncias, desen-volve vigor, previne doenas, ajuda a digesto aps a refeio e

    a concentrao adquirida na meditao a andar duradoura.

    1. DESENVOLVE RESISTNCIA PARA CAMINHAR LONGAS DISTNCIAS

    O primeiro benefcio da meditao a andar consiste no de-senvolvimento de resistncia para caminhar longas distncias. Isto era particularmente importante na poca de Buddha, vis-to a maioria das pessoas deslocar-se a p. O prprio Buddha

    deslocava-se regularmente a p, de local para local, chegando a caminhar at dezasseis quilmetros por dia. Desta forma, ele

    recomendava a meditao a andar como forma de desenvolver uma condio fsica saudvel e resistncia para fazer longos per-cursos. Ainda hoje, os monges da floresta fazem grandes caminha-das, s quais se chama Thudong (dhutanga). Agarram nas suas tigelas de oferendas e nos seus mantos e partem procura de lu-gares isolados para meditar. Como preparao antes de partirem, aumentam progressivamente as horas de prtica da meditao a andar at um mnimo de cinco ou seis horas por dia, com o in-tuito de desenvolverem aptido fsica e resilincia. Se andarem cerca de quatro a cinco quilmetros por hora e praticarem cinco

    horas de meditao a andar por dia, o nmero de quilmetros

    vai-se acumulando.

  • 8 2. DESENVOLVE VIGOR O desenvolvimento de vigor, especialmente para superar so-nolncia, o segundo benefcio da meditao a andar. Enquanto praticam meditao sentada, as pessoas notam que existe tendn-cia para entrar em estados tranquilos, mas se estiverem demasia-do tranquilos, sem estarem atentos, podem comear a adormecer, chegando mesmo a ressonar! O tempo passa rapidamente, e ape-sar de ser apaziguador, no existe claridade ou conscincia. Sem plena ateno nem conscincia, a meditao pode tornar-se abor-recida pois dominada por preguia e sonolncia. Desenvolver a meditao a andar pode contrariar esta tendncia. Como exemplo, Ajahn Chah recomendava que, uma vez por se-mana, ficssemos acordados toda a noite, meditando e caminhando.

    Normalmente ficamos bastante sonolentos uma ou duas da madru-gada, por isso, Ajahn Chah recomendava fazermos meditao a andar de costas, para contrariar o sono. No se adormece a andar de costas! Quando estava no Mosteiro Bodhinyana, no oeste da Austr-lia, lembro-me de sair uma manh cedo, por volta das cinco horas, para praticar meditao a andar. Vi um dos leigos que tinha pas-sado o Retiro das Chuvas (vassa) no mosteiro, a fazer um esforo enorme para superar a sonolncia. Ele estava a praticar meditao a andar em cima de um muro com dois metros de altura, que existia em frente ao mosteiro andava muito atentamente para trs e para a frente em cima do muro! Eu estava um pouco preocupado que ele pudesse cair e magoar-se. Contudo, ele estava a fazer um grande esforo para estar atento a cada passo, desenvolvendo um elevado estado de alerta, esforo e empenho para superar a sonolncia.

    3. PREVINE DOENAS O Buddha disse que a meditao a andar mantm-nos saud-veis. o terceiro benefcio. Todos temos conscincia que andar considerado uma tima forma de exerccio fsico. Hoje em dia

  • 9at ouvimos falar sobre power walking (forma de exerccio fsico em que se caminha de maneira rpida e vigorosa). Aqui, estamos a falar de power meditation, ou seja, desenvolver a meditao a andar como exerccio fsico e tambm mental. Desta forma, caminhar no s uma boa forma de exerccio fsico, mas

    tambm nos ajuda a cultivar a mente. No entanto, para usufruir-mos destes dois benefcios, temos que estar atentos ao processo de caminhar, em vez de deixarmos a mente dispersar-se ao pen-sar noutras coisas.

    4. FACILITA A DIGESTO APS A REFEIO O quarto benefcio da meditao a andar ajudar a digesto. Para os monges, que apenas tm uma refeio por dia, este facto particularmente importante. Depois de uma refeio, o sangue flui para o estmago, distanciando-se do crebro, o que pode

    provocar sonolncia. Os Monges da Floresta salientam que, aps

    uma refeio, deve-se praticar algumas horas de meditao a an-dar para facilitar a digesto. Para os praticantes leigos aplica-se o mesmo. Depois de uma refeio pesada, em vez de fazer-se uma sesta, deve-se sair e praticar uma hora de meditao a andar. Ajuda o bem-estar fsico e uma boa oportunidade de exercitar a mente.

    5. A CONCENTRAO ADQUIRIDA NA MEDITAO A ANDAR DURADOURA

    O quinto benefcio da meditao a andar que a concentra-o gerada por esta prtica mantm-se por muito tempo. A pos-tura em andamento na realidade uma postura menos subtil do que a postura sentada no que se refere atividade envolvida. Enquanto sentados, fcil mantermos essa posio; temos os olhos fechados, por isso no estamos sujeitos a estmulos visuais e no estamos ocupados com o movimento do corpo. O mesmo

  • 10

    verdade para as posturas de p e deitado pois estas tambm no implicam movimento. Enquanto caminhamos h muita estimulao sensorial de-vido ao movimento do corpo e de estarmos a ver para onde nos dirigimos (estimulao visual). Portanto, se conseguirmos con-centrar a mente enquanto andamos e recebemos todos estes es-tmulos sensoriais, ento, quando mudamos desta postura para uma mais subtil, ser mais fcil manter a concentrao. Isto , quando nos sentamos, a energia mental e o poder de concentra-o iro facilmente ser transferidos para esta postura. Pelo contrrio, se apenas desenvolvemos a concentrao na postura sentada, quando nos levantamos e iniciarmos movimen-tos corporais mais evidentes, como o andar, difcil mantermos o estado de concentrao. Isto acontece porque estamos a transi-tar de posturas. Assim, a meditao a andar pode ajudar a desen-volver energia, clareza mental e uma concentrao que continua noutras posturas, menos ativas, de meditao.

  • 11

    2PREPARAO PARA A

    PRTICA DA MEDITAOA ANDAR

    ENCONTRAR UM LOCAL ADEQUADO O local, onde o Senhor Buddha praticava a meditao a an-dar depois de atingir a Iluminao, em Bodhgaya, ainda exis-te nos dias de hoje. O trajeto onde ele praticava esta forma de meditao tinha dezassete passos de comprimento. Atualmente, os Monges da Floresta tendem a fazer trajetos mais compridos. Podem ter at trinta passos. Os principiantes podem achar esta distncia um pouco longa, pois ainda no tm a concentrao desenvolvida. Quando chegam ao fim do trajeto, a mente pode j

    ter dado a volta ao mundo e regressado. Lembrem-se que cami-nhar estimulante e que inicialmente a mente tende a dispersar--se. Normalmente, melhor os principiantes comearem com um trajeto mais curto: quinze passos seria uma distncia ideal. Se praticarem meditao ao ar livre, tentem faz-lo num local isolado onde no se distraiam, nem sejam facilmente per-turbados. aconselhvel encontrarem um local que seja ligeira-mente abrigado. Poder ser uma distrao caminhar numa zona aberta com paisagem, pois a mente poder ser atrada pelo cen-rio. Uma zona abrigada especialmente adequada para pessoas que tm tendncia para pensar muito, ajudando-as a acalmar a

  • 12

    mente (Vsm, III, 103). Se praticarem num local fechado, a mente pode a voltar-se para dentro, para o prprio ser, ao encontro da

    paz.

    PREPARAR O CORPO E A MENTE Quando tiverem escolhido o trajeto adequado, coloquem-se num dos extremos. Mantenham-se direitos. Coloquem frente do vosso corpo a mo esquerda e por cima dela a mo direita. No andem com as mos atrs das costas. Lembro-me de um mestre de meditao, que quando visitou o mosteiro e ao ver um dos visitantes a andar para trs e para a frente com as mos atrs das costas, fez o seguinte comentrio: Ele no est a praticar meditao a andar, est a passear. O mestre fez esta observao porque reparou que no havia uma determinao clara de focar a mente na meditao a andar, na qual se coloca as mos frente do corpo para distinguir o que estamos a fazer de um simples passeio. O objetivo primrio da prtica desenvolver samdhi, e isto requer esforo focalizado. A palavra em Pi, samdhi, significa focar a mente, ou desenvolver a mente at esta se encontrar uni-ficada atravs de nveis graduais de ateno e concentrao. Para

    focarmos a mente necessitamos ser diligentes e determinados. Em primeiro lugar, necessrio um certo grau de compostura fsica e mental. Comeamos esta compostura unindo as mos nossa frente, tranquilamente. Uma postura calma do corpo ajuda a compor a mente. Assim, com o corpo tranquilo, devem per-manecer quietos e trazer a conscincia e a ateno para o corpo. Depois, levantem as mos conjuntamente em ajali, um gesto de respeito no qual une-se verticalmente as palmas das mos em frente do peito, e com os olhos fechados reflitam durante alguns

    minutos nas qualidades do Buddha, do Dhamma e do Sangha (Buddhanussati, Dhammanussati e Sanghanussati).

  • 13

    Podem contemplar o facto de terem tomado refgio no Bud-dha, aquele que Sbio, aquele que V e Conhece, o Desperto, o Iluminado. Reflitam por alguns minutos, com o vosso corao,

    nas qualidades do Buddha. Depois recordem-se do Dhamma a Verdade que esto a tentar realizar e desenvolver ao praticarem meditao a andar. Finalmente, tragam mente o Sangha es-pecialmente os Despertos, que realizaram a verdade praticando meditao. Depois ponham as mos em baixo vossa frente e determinem mentalmente durante quanto tempo iro praticar meditao a andar, seja meia hora, uma hora ou mais. Indepen-dentemente do tempo que determinaram para a prtica, mante-nham-no. Deste modo, nesta fase inicial da meditao, esto a alimentar a mente com entusiasmo, inspirao e confiana.

    importante lembrarem-se de olhar para o cho, cerca de um metro e meio vossa frente. Mantenham o olhar fixo, no

    se deixem distrair, seja o que for que acontea vossa volta. Estejam conscientes do que sentem na planta dos ps, e desen-volvendo assim uma ateno mais apurada e sabendo claramente que esto a andar, enquanto andam.

  • 15

    3OBJETOS DE MEDITAO PARA

    MEDITAO A ANDAR

    O Buddha mencionou quarenta objetos de meditao dife-rentes nos seus ensinamentos (Vsm, III, 104), muitos dos quais podem ser utilizados na meditao a andar. Contudo, uns so mais eficazes que outros. Irei examinar aqui alguns desses ob-jetos de meditao, comeando por aqueles utilizados com mais frequncia.

    CONSCINCIA DA POSTURA Neste mtodo, enquanto caminhamos dirigimos toda a aten-o para a planta dos ps, reparando nas sensaes conforme elas surgem e cessam (isto , presumindo que caminham descal-os como faz a maioria dos monges, embora se necessrio pos-sam usar calado com sola fina). Assim que comeam a andar, a

    sensao muda. Quando levantam e pousam o p, pondo-o em contacto novamente com o solo, surge uma nova sensao. Este-jam conscientes desta sensao assim que ela surge na planta do p. Quando o p se levanta de novo, tomem mentalmente nota da nova sensao, assim que ela surge. Sempre que levantam e pousam cada p, estejam conscientes das sensaes. A cada novo passo, novas sensaes surgem e velhas sensaes cessam. Elas devem ser reconhecidas conscientemente. A cada passo, novas

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    sensaes so experienciadas uma sensao surge, uma sensa-o cessa; uma sensao surge, uma sensao cessa. Com este mtodo, dirigimos a ateno para a sensao de andar, para cada passo dado, para vedan (sensaes agradveis, desagradveis ou neutras). Estamos conscientes de qualquer tipo de vedan que surge na planta dos ps. Quando estamos de p, existe uma sensao de contacto com o solo. Este contacto pode originar dor, calor ou outro tipo de sensaes. Dirigimos a nossa ateno para estas sensaes, reconhecendo-as. Quando levan-tamos um p, a sensao muda assim que perdemos o contacto com o solo. Quando baixamos o p, assim que este entra de novo em contacto com o solo, uma nova sensao surge. Enquanto andamos, as sensaes mudam constantemente, umas cessam e novas surgem. Plenamente atentos, reparem no aparecimento e desaparecimento das sensaes na sola dos ps enquanto os le-vantam e pousam no cho. Assim enquanto caminhamos toda a ateno dirigida apenas para as sensaes que surgem. Alguma vez repararam nas sensaes que surgem nos ps enquanto caminham? Acontecem sempre que andamos, mas normalmente no reparamos nestas coisas subtis durante a nossa vida. Enquanto caminhamos a mente normalmente encontra-se noutro lugar qualquer. A meditao a andar uma forma de sim-plificar o que estamos a fazer enquanto o fazemos. Trazemos a

    mente para o aqui e agora, e assim estamos conscientes de estar a andar, enquanto andamos. Ao reconhecermos apenas as sensa-es que surgem e cessam, a mente fica tranquila, tornando tudo

    mais simples. A que velocidade se deve caminhar? Ajahn Chah recomen-dava que andssemos naturalmente, nem muito depressa, nem muito devagar. Se caminharem muito depressa, poder ser di-fcil concentrarem-se nas sensaes que surgem e cessam. Po-dem precisar de caminhar mais lentamente. Por outro lado, h

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    outras pessoas que podem precisar de caminhar mais depressa. Depende de indivduo para indivduo. Encontrem o vosso pr-prio ritmo, aquele que funcionar melhor, seja ele qual for. Podem comear com um ritmo lento e irem aumentando gradualmente, at atingirem o ritmo normal de andamento. Se a vossa ateno fraca (isto , se a mente dispersa-se fa-cilmente), ento andem muito devagar, at conseguirem estar no momento presente a cada passo. Comecem por estabelecer plena ateno, no incio do trajeto. Quando chegarem a meio do trajeto perguntem, Onde est a minha mente? Est atenta s sensaes na planta dos ps? Estou a notar o contacto aqui e agora, no mo-mento presente? Se a mente estiver a vaguear, ento tragam-na de volta, reparando novamente nas sensaes na planta dos ps e continuem a caminhar. Quando chegarem ao fim do trajeto voltem-se devagar e res-tabeleam plena ateno novamente. Onde est a mente? Est a aperceber-se das sensaes na planta dos ps? Ou vagueou? A mente tende a dispersar-se para outros lugares, indo atrs de pensamentos de ansiedade, medo, felicidade, tristeza, preocupa-es, dvidas, prazeres, frustraes e muitos outros que possam surgir. Se no tiverem a ateno plenamente estabelecida no objeto de meditao, restabeleam-na antes de recomearem a andar. Restabeleam a mente no simples ato de andar e voltem para trs caminhando at ao fim do trajeto. Quando chegarem a

    meio devero reparar, Agora estou a meio caminho e confir-mem novamente para se certificarem que a mente est focada no

    objeto de meditao. Depois, quando chegarem ao final do tra-jeto reparem mentalmente, Onde est a mente? Desta forma, andam para trs e para a frente, plenamente conscientes das sen-saes que vo surgindo e cessando. Enquanto caminham, res-tabeleam constantemente a ateno, trazendo a mente de novo para o interior, retomando a ateno plena, estando conscientes e

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    reconhecendo as sensaes a cada momento, assim que surgem e cessam. Enquanto mantemos plena ateno nas sensaes que sen-timos na planta dos ps, notamos que a mente se distrai menos, que no tem tanta tendncia a distrair-se com as coisas que esto a acontecer volta. Ficamos mais calmos e a mente fica tran-quila. Quando a mente fica calma e tranquila, iro reparar que a

    postura de meditao a andar se torna numa atividade demasiado agitada para uma mente com estas qualidades. Vo querer estar quietos. Ento parem e permitam mente experienciar essa cal-ma e tranquilidade. Este estado conhecido como passaddhi, que um dos fatores da Iluminao. Se enquanto andarem, a mente entrar num estado muito tranquilo, podero sentir que impossvel continuar. Para andar necessrio a vontade de se moverem, e possivelmente a vossa mente encontra-se demasiado focada no objeto de meditao para continuar. Ento parem de andar e pratiquem meditao em p. Meditao tem a ver com o trabalho da mente e no com uma postura especfica. A postura fsica utilizada apenas uma forma

    de potencializar o trabalho da mente. Concentrao e tranquilidade funcionam em conjunto com a ateno plena. Juntamente com a energia, investigao do Dham-ma, alegria e equanimidade, estes so os Sete Fatores da Ilumi-nao. Quando meditamos e a mente est tranquila, e devido a esta mesma tranquilidade que surgem os estados de alegria, xta-se e beatitude. O Buddha disse que a beatitude da paz a felicida-de suprema (MN, I, 454), e uma mente concentrada experiencia essa paz. Esta paz pode ser experienciada nas nossas vidas. Tendo desenvolvido a prtica da meditao a andar num contexto formal, ento quando estivermos a andar na nossa vida diria, a ir s compras, a ir de um quarto para o outro, ou mesmo a andar at casa de banho, podemos praticar meditao a andar.

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    Podemos estar conscientes de estar a andar, simplesmente tendo isso presente. As nossas mentes podem estar calmas e em paz. Esta uma forma de desenvolvermos tranquilidade e concentra-o nas nossas vidas dirias.

    DA MEDITAO SENTADA PARA A MEDITAO A ANDAR

    Se a mente ficar tranquila com um determinado objeto de

    meditao enquanto praticam meditao sentada, usem o mes-mo objeto na meditao a andar. Contudo, com alguns objetos de meditao subtis, tais como a respirao, primeiro a mente dever ter atingido um determinado grau de estabilidade nesse estado de calma. Se a mente ainda no estiver estvel e comea-rem a meditao a andar focando-se na respirao, vai ser difcil, pois a respirao um objeto muito subtil. Geralmente melhor comear com um objeto de meditao que seja facilmente reco-nhecido, como as sensaes que surgem na planta dos ps. Para fazer a transio da meditao sentada para a medita-o a andar, h muitos objetos de meditao que podem ser utili-zados, como por exemplo, os quatro estados sublimes da mente: Bondade, Compaixo, Alegria Emptica e Equanimidade. Enquanto caminharem para a frente e para trs, desenvol-vam pensamentos expansivos de bondade, Possam todos os se-res ser felizes, possam todos os seres estar em paz, possam todos os seres estar livres de todo o sofrimento. Pode-se usar a pos-tura de meditao a andar como um complemento da meditao sentada, desenvolvendo a meditao com o mesmo objeto mas numa postura diferente.

    ESCOLHER UM MANTRA Se sentirem sonolncia enquanto praticam meditao a an-dar, ento devem estimular a mente, em vez de a acalmarem,

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    usem um mantra para que ela fique mais focada e desperta. Usem um mantra como Buddho, repetindo contnua e silenciosamente a palavra para vs mesmos. Se a mente continuar a vaguear, ento

    comecem a dizer Buddho rapidamente e andem para trs e para a frente depressa. Enquanto andam, recitem a palavra Buddho, Bu-ddho, Buddho. Desta forma a mente poder focar-se rapidamente. Quando Tan Ajahn Mun, um famoso mestre de meditao da Tradio da Floresta, esteve no norte da Tailndia, com as tribos das montanhas, eles no sabiam nada acerca de meditao ou de monges que meditavam. Contudo, as pessoas dessas tribos so muito curiosas. Quando o viram a caminhar para trs e para a frente, percorrendo o seu trajeto, seguiram-no em fila. Quando ele

    chegou ao fim do trajeto e se voltou, toda a tribo estava ali de p!

    Repararam que Ajahn Mun estava a andar para trs e para a frente com os olhos postos no cho e presumiram que andava procura de alguma coisa. Perguntaram, O que anda procura Venervel Senhor? Podemos ajud-lo a encontrar? Tan Ajahn Mun respondeu astutamente, Estou procura de Buddho, o Bud dha no corao. Vocs podem ajudar-me a encontr-lo andando para trs e para a frente, fazendo os vossos prprios

    trajetos, procurando o Buddha. E com esta instruo simples e bonita muitos deles comearam a meditar, e Tan Ajahn Mun disse que obtiveram excelentes resultados.

    CONTEMPLAR AS COISAS COMO ELAS SO Investigar o Dhamma (Dhammavicaya) um dos fatores de Iluminao, e um tipo de contemplao acerca dos ensinamen-tos e das leis da natureza que pode ser utilizado quando andamos para trs e para a frente, no caminho de meditao a andar. Isto no significa que estejamos apenas a especular ou a pensar sobre

    qualquer coisa antiga. Pelo contrrio, uma reflexo e contem-plao constante sobre a Verdade (Dhamma).

  • 21

    Investigar a impermanncia: podemos, por exemplo, con-templar a impermanncia observando o processo de mudana e perceber que todas as coisas esto sujeitas mudana. Desen-volvemos uma perceo clara do surgir e do cessar de toda a experincia. A Vida um processo contnuo de surgimento e cessao e toda a experincia condicionada est sujeita a esta lei da natureza. Contemplando esta Verdade compreendemos as caractersticas da existncia. Vemos que todas as coisas esto su-jeitas mudana. Todas as coisas so insatisfatrias. Todas as

    coisas so impessoais. Podemos investigar estas caractersticas fundamentais da natureza na prtica da meditao a andar.

    RELEMBRANDO A GENEROSIDADE E A VIRTUDE O Buddha insistiu continuamente na importncia da gene-rosidade (It, 26) e da virtude (SN, V, 354). Enquanto praticamos meditao a andar, podemos refletir sobre a nossa virtude ou atos

    de generosidade. Caminhando para trs e para a frente, pergun-tem-se, Que atos de bondade fiz hoje?

    Um mestre de meditao com o qual pratiquei, comentava frequentemente que uma das razes porque os meditadores no conseguiam estar em paz o facto de durante o dia no terem praticado suficientemente a bondade. A bondade uma almofada

    de tranquilidade, uma base para termos paz. Se a praticarmos du-rante o dia termos dito uma palavra amvel, termos feito uma boa ao, termos sido generosos ou termos tido compaixo en-to a mente experienciar alegria e xtase. Estes atos de bondade e a felicidade da resultante so as condies que determinaro a concentrao e a paz. O poder da bondade e da generosidade conduz felicidade, e esta felicidade saudvel a fundao da concentrao e da sabedoria. Quando a mente est inquieta, agitada, com raiva ou frustra-da, recordarmos as nossas boas aes um objeto de meditao

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    apropriado. Se a mente no est em paz, ento lembrem-se das vossas aes bondosas. O objetivo no alimentar o ego, mas re-conhecer o poder da bondade e da moralidade. Atos de bondade, virtude e generosidade trazem alegria mente, e a alegria um fator de Iluminao (SN, V, 68). Relembrar atos de generosidade, refletir nos benefcios de

    dar, recordar a vossa virtude, contemplar a pureza da no-violn-cia, a pureza da honestidade, a pureza de relaes sexuais cor-retas, a pureza da veracidade, a pureza da mente sem confuso quando se evitam intoxicantes; quando praticamos meditao a andar todas estas memrias podem servir de objeto de meditao.

    RELEMBRANDO A NATUREZA DO CORPO Podemos tambm meditar sobre a morte ou na natureza no atraente do corpo, a partir das contemplaes Asubha de ca-dveres em diversos estados de decomposio. Podemos visu-alizar este corpo separado em partes, tal como um estudante de medicina disseca um corpo. Descascamos a pele e vemos o que est por baixo, as camadas de carne, os tendes, os ossos, os rgos. Podemos mentalmente remover cada um dos rgos do

    corpo para que possa ser investigado e compreendido. De que feito o corpo? Que partes o compem? Isto sou eu? Isto perma-nente? digno de ser chamado eu? O corpo apenas um aspeto da natureza, como uma rvore ou uma nuvem no diferente. O problema fundamental a nossa identificao com ele: quando a mente se apega ideia de

    que este corpo o meu corpo, quando se deleita com este corpo e quando se deleita com outros corpos; quando pensa Isto sou eu. Isto sou eu prprio. Isto pertence-me.

    Podemos desafiar esta identificao com o corpo atravs da

    contemplao e da investigao. Tomamos como objeto os ossos deste corpo. Quando praticarmos meditao a andar, visualiza-

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    mos um osso e compreendemos a sua substncia, vendo-o frag-mentar-se e voltar ao elemento terra. O osso formado por clcio que absorvido pelo corpo atravs do consumo de vegetais e de matria animal. Ele vem da terra. Os qumicos juntam-se para formar o osso, e eventualmente esse osso voltar terra. Clcio apenas clcio, no tem a qualidade de ser o meu clcio ou o de outra pessoa qualquer. Terra apenas volta para a terra, cada elemento volta sua forma natural. Isto no sou eu, isto no meu, isto no digno de ser chamado eu. Meditamos sobre os ossos decompondo-os nos seus elementos e devolven-do-os terra. Voltamos a faz-lo novamente, decompondo-os e devolvendo-os. Continuamos este processo mental at que surja uma compreenso clara. Se estiverem a meditar no corpo e ainda no tiverem de-composto totalmente o objeto de meditao nos quatro elemen-tos (terra, ar, fogo e gua) e o reconstiturem novamente, ento o trabalho da meditao ainda no est concludo. O trabalho no est feito. Continuem. Continuem a andar. Andem para trs e para a frente at estarem aptos a estabelecer a perceo mental de ver asubha no subha, ou seja, verem a no-beleza, a falta de encanto e o no atraente no que partida assumimos como belo, encantador e atraente. Com o objetivo de o vermos como realmente , decompomos este corpo e devolvemo-lo aos seus elementos naturais. O treino da mente na investigao da natureza conduz sabe-doria. Ao repetir o exerccio de decompor o corpo nos seus quatro elementos terra, ar, fogo e gua a mente v e compreende que este corpo no sou eu, no meu, no sou eu prprio. Ela v que

    os quatro elementos que constituem o corpo so apenas aspetos da natureza. a mente que se apega ideia de que este corpo sou eu prprio. Ento, desafiamos esse apego; no o aceitamos cega-mente, pois esse apego que nos causa todo o sofrimento.

  • 24

    OUTRAS CONTEMPLAES Outro objeto de meditao que o Buddha recomendou a reflexo sobre a paz e a sua natureza (Vsm, 197). Ainda outro

    ponderar sobre as qualidades da Iluminao. Alternativamente, podemos andar para trs e para a frente refletindo nas qualidades

    do Buddha, nas qualidades do Dhamma ou nas qualidades do Sangha. Ou podemos trazer memria seres divinos (devas) e as qualidades necessrias para nos tornarmos um ser divino (Vsm, III, 105).

    UTILIZAR A CONTEMPLAO SABIAMENTE No repertrio da meditao budista h imensos objetos de

    meditao. O vosso objeto de meditao deve ser escolhido cui-dadosamente. Selecionem um que estimule a mente quando esta necessita ser estimulada, ou que a pacifique quando ela necessite

    de ser acalmada. No entanto, quando utilizamos estas contempla-es na prtica de meditao necessria alguma prudncia para que a mente no entre em pensamentos especulativos, divagando. Isto muito fcil de acontecer. Temos que estar muito atentos e repararmos no incio, no meio e no final do trajeto: Tenho real-mente o meu objeto de meditao presente ou estou a pensar nou-tra coisa qualquer? Se estiver a andar para trs e para a frente, no trajeto de meditao, durante quatro horas, mas se estiver atento e consciente do que est a fazer apenas durante um minuto dessas quatro horas, terei praticado apenas um minuto de meditao. Lembrem-se de que no a quantidade de horas de medita-o que interessa, mas sim a qualidade. Se a vossa mente estiver a vaguear por outro lado qualquer enquanto anda, ento no es-to a meditar. No esto a meditar no sentido em que o Buddha usou a palavra meditao, como Bhvan ou desenvolvimento mental (AN, III, 125-127). O mais importante no a quantidade

    de horas que cada um medita, mas sim a qualidade da mente.

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    4CONCLUSO

    Ao longo da Histria do Budismo, muitos monges e monjas

    atingiram compreenso, sabedoria e Iluminao enquanto pra-ticavam meditao a andar, investigando a Verdade. Na Tradi-o Monstica da Floresta todos os aspetos das nossas vidas so considerados uma oportunidade de meditao. Meditao no apenas quando estamos sentados nas nossas almofadas de medi-tao. Todos os processos da vida so oportunidade para inves-tigar a realidade. Empenhamo-nos em ver as coisas como elas so, perceber que surgem e cessam, de modo a compreender a realidade tal como ela . Espero que esta palestra sobre meditao a andar, vos tenha dado alguma coisa que amplie o vosso repertrio de tcnicas de

    meditao. Meditao a andar algo que podem utilizar na vida diria, quando esto ativos e tambm quando praticam medita-o formal. A meditao a andar pode ser outra forma de desen-volver a mente. A meditao a andar oferece trabalho mente. Se tiverem problemas com sonolncia, no se sentem, deixando-se estar simplesmente, levantem-se e ponham a mente a trabalhar. Isto kammatthna o trabalho fundamental da mente. Na Tradio da Floresta sempre que um mestre de medita-o vai a um mosteiro, um dos locais que ele observa so os es-paos onde os monges praticam meditao a andar, para verificar

    as pegadas a existentes. Se o cho dos trajetos de meditao a andar estiver muito usado, sinal de ser um bom mosteiro.

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    POSSA O SEU CAMINHO DE MEDITAO SER BEM USADO

  • Abreviaturas

    AN Anguttara Nikya

    DN Digha Nikya

    It Itivuttaka MN Majjhima Nikya

    SN Samyutta Nikya

    Vsm Visuddhimagga

    Meditao a AndarMeditao a andar_2013