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Relatório Final de Estágio Mestrado Integrado em Medicina Veterinária MEDICINA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA Joana Catarina Dias Cardoso Orientador Dr. Miguel Augusto Soucasaux Marques Faria, DVM, PhD Co-Orientadores Dr. Alfred Legendre (University of Tennessee Veterinary Teaching Hospital) Dr. Jordi Manubens Grau (Hospital Veterinari Molins) Porto 2012

MEDICINA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA · Dr. Jordi Manubens Grau (Hospital Veterinari Molins) Porto 2012 . 2 Relatório Final de Estágio Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

MEDICINA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA

Joana Catarina Dias Cardoso

Orientador Dr. Miguel Augusto Soucasaux Marques Faria, DVM, PhD Co-Orientadores Dr. Alfred Legendre (University of Tennessee Veterinary Teaching Hospital) Dr. Jordi Manubens Grau (Hospital Veterinari Molins)

Porto 2012

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

MEDICINA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA

Joana Catarina Dias Cardoso

Orientador Dr. Miguel Augusto Soucasaux Marques Faria, DVM, PhD Co-Orientadores Dr. Alfred Legendre (University of Tennessee Veterinary Teaching Hospital) Dr. Jordi Manubens Grau (Hospital Veterinari Molins)

Porto 2012

iii

Este relatório final de estágio tem como objectivo a apresentação e discussão de 5 casos

clínicos em que estive directamente envolvida durante o estágio curricular. Este decorreu em

duas instituições: o Hospital Veterinário da Universidade do Tennessee durante 12 semanas e

no Hospital Veterinari Molins durante 4 semanas.

No Hospital Veterinário da Universidade do Tennessee participei das rotações de

Medicina Interna, Neurologia, Oftalmologia, Oncologia e Anestesia. Nas primeiras 4 rotações

fui responsável por realizar história e exame físico dos pacientes, exames dirigidos, estabelecer

uma lista de problemas e diagnósticos diferenciais e propor exames complementares e

também me inteirar da terapêutica adequada a cada caso. Quando os pacientes ficavam

internados tinha que escrever ordens diárias, elaborar relatórios diários com a actualização dos

casos e manter contacto telefónico com os proprietários com vista a actualizá-los da

progressão do seu animal. Quando estes deixavam o hospital tinha que elaborar instruções de

alta para os proprietários e explicá-los pessoalmente. Em todas as rotações pude executar

procedimentos práticos de rotina e cuidados básicos nos pacientes. Na rotação de anestesia fui

responsável por programar anestesia, onde previa os riscos anestésicos inerentes a cada caso,

e elaborar um plano para a pré-medicação, indução e manutenção, escolha de fluidos

adequados, realização de anestesia local quando era aplicável e analgesia pós-operatória.

Além disso tinha que monitorizar as anestesias elaborando relatórios anestésicos e propondo

soluções durante as complicações das mesmas.

No Hospital Veterinari Molins pude assistir a consultas e cirurgias e me envolver no plano

diagnóstico e terapêutico. Realizei também alguns procedimentos práticos e cuidados aos

pacientes internados.

Quando elaborei o meu plano de estágio defini como objectivos melhorar o raciocínio

clínico, adaptar e aplicar conhecimentos teóricos obtidos durante o curso na prática clínica,

estabelecer planos de diagnóstico, realizar exames complementares adequados e implementar

tratamentos, melhorar a capacidade de comunicação com proprietários e colegas e

desenvolver o trabalho em equipa, executar procedimentos práticos de rotina e ganhar

autonomia e responsabilidade.

Após estes 4 meses de estágio posso concluir que atingi todos esses objectivos.

RESUMO

iv

Aos meus pais e avós por todo o amor, apoio e carinho.

Ao Ivo por me apoiar e por acreditar sempre mim. Pelo amor, paciência e amizade

principalmente nesta etapa final.

A toda a minha família.

Aos meus meninos, Gigi e Pepe e aos de sempre Ted e Simba por me inspirarem e por

me terem feito escolher este caminho.

À Tuna Feminina de Biomédicas por todos os momentos vividos, as actuações, festivais e

digressões, queimas, Flowers e fantásticos ICTUNAS!

Aos amigos do ICBAS: Ana Cristina, Ana Sofia, Sofia, Ricardo, Estefânia, Ana Catarina,

Andreia e Ana Maria.

À Fia pelas noites no ICBAS e em ambulatório e pela amizade nestes anos de curso.

À Família de Knoxville, Joana, Ivone, Jayne, Jamie, Derek, Nellie e Summit.

Aos meus amigos de sempre e aos de Turim.

Ao Professor Miguel pelas correcções e ajuda dispensada na elaboração deste relatório.

A todo o corpo docente do ICBAS pela exigência de ensino e por me fazerem sentir que

todo o esforço valeu a pena.

Ao Dr. Legendre por nos ter acolhido de forma tão calorosa em Knoxville e pela amizade

e ensinamentos. Por fazer de tudo para que a nossa estadia fosse a melhor possível. À Mrs.

Betty Young pela ajuda e amizade. A toda a equipa do hospital da Universidade do Tennessee,

pela excelência da Medicina praticada e por me fazerem sentir em casa e me tratarem como

um dos seus.

À equipa do Hospital Veterinari Molins, em especial ao Dr. Jordi, à Dra. Montse pela

fabulosa recepção e ao Dr. Pedro pelas dicas na elaboração deste relatório.

AGRADECIMENTOS

v

%: Percentagem

<: Menor que

>: Maior que

± : Mais ou menos

®: Produto registado

⁰C: Graus Celsius

AINE: Anti-inflamatório não esteroide

BHA: Barreira hemato-aquosa

BID: Duas vezes ao dia

CAAF: Citologia aspirativa por agulha fina

CGR: Células ganglionares da retina

cm: Centímetro

dL: Decilitro

DNA: Ácido desoxirribonucleico

ELISA: Enzyme-Linked Immunoabsorbent

Assay

ELP: Enterite linfocítica-plasmocítica

EMC: Ehrlichiose monocítica canina

EUA: Estados Unidos da América

FelV: Vírus da leucemia felina

FIV: Vírus da imunodeficiência felina

fL: fentolitro

fTLI: feline trypsin-like immunoreactivity

g: Grama

GEE: Gastroenterocolite eosinofílica

GN: Glomerulonefrite

IBD: Doença inflamatória intestinal

IFA: Indirect Fluorescent Antibody test

IM: Via de administração intramuscular

IRC: Insuficiência Renal Crónica

IRIS: International renal interest society

ITU: Infecção do trato urinário

IV: Via de administração intravenosa

kg: Quilograma

L: Litro

m2: Metro quadrado

MCV: Volume corpuscular médio

mg: Miligrama

mm: Milímetro

mmHg: Milímetro de mercúrio

ng: Nanograma

OD: Olho direito

OE: Olho esquerdo

PCR: Polymerase chain reaction

PD: Polidipsia

PGF2 alfa: Prostaglandina F2 alfa

PIO: Pressão intra-ocular

PO: Via de administração oral

Ppm: Pulsações por minuto

PU: Poliúria

QID: Quatro vezes ao dia

RM: Ressonância magnética

Rpm: Respirações por minuto

RT: Radioterapia

RT-PCR: Reverse transcription polymerase

chain reaction

SC: Via de administração subcutânea

Seg.: Segundos

SID: Uma vez ao dia

spp.: Espécies

SRAA: Sistema renina-angiotensina-

aldosterona

T4: tetraiodotironina

TAC: Tomografia axial computorizada

TID: Três vezes ao dia

TRC: Tempo de repleção capilar

U: Unidades

UPC: Ratio proteína:creatinina urinária

VAFSTF: Vaccine-Associated Feline

Sarcoma Task Force

ABREVIATURAS

vi

Resumo iii

Agradecimentos iv

Abreviaturas v

Caso clínico nº1: Neurologia 1

Caso clínico nº2: Gastroenterologia 7

Caso clínico nº3: Oftalmologia 13

Caso clínico nº4: Oncologia Clínica 19

Caso clínico nº5: Urologia 25

Anexos

Caso clínico n.º1: Neurologia 31

Caso clínico n.º2: Gastroenterologia 33

Caso clínico n.º3: Oftalmologia 34

Caso clínico n.º4: Oncologia Clínica 35

Caso clínico n.º5: Urologia 36

ÍNDICE

1

Caracterização do paciente e motivo da consulta: A Birdie é uma cadela esterilizada, de

raça Dachshund, de 4 anos de idade e 5,7 kg de peso, que veio referenciada ao serviço de

Neurologia por “imobilidade dos membros posteriores”. História clínica: No dia anterior o

proprietário reparou que a Birdie apresentava alguma incoordenação motora nos membros

posteriores. Não associou a nenhum trauma ou outro evento recente. Este dirigiu-se ao seu

Médico Veterinário regular e este administrou à Birdie uma dose de um anti-inflamatório

esteróide desconhecido. A Birdie foi de seguida para casa medicada com Prednisona (5 mg

SID PO), Tramadol (12,5 mg, TID PO), Amoxicilina (100 mg BID PO) e Famotidina (10 mg SID

PO), no entanto não ocorreu nenhuma melhoria e ao final do dia já não andava. A Birdie estava

vacinada contra esgana, adenovírus tipo 2, parvovirose, parainfluenza e raiva. Não estava

desparasitada. Era alimentada com uma ração seca de qualidade desconhecida. Para além da

ovariohisterectomia eletiva, quando tinha 1 ano de idade, nunca foi submetida a nenhuma outra

cirurgia e o seu histórico médico não apresentava outros problemas. A Birdie habitava no

interior de uma habitação no estado do Tennessee, EUA e tinha livre acesso ao exterior

privado e não tinha histórico de viagens recentes. Coabitava com outros dois cães, que se

encontravam saudáveis. Não tinha o hábito de escavar, nem acesso a tóxicos ou lixos. Nas

perguntas por sistemas a única alteração indicada pelo dono foi que não urinava desde o dia

anterior. Exame de estado geral: A Birdie apresentava um estado mental normal e um

temperamento equilibrado. O grau de desidratação era <5 % e a condição corporal era de 3

numa escala de 5 pontos (normal). Os movimentos respiratórios eram costo-abdominais, de

profundidade normal, relação inspiração-expiração 1:1,3, regulares e sem uso de músculos

acessórios e frequência 40 rpm. O pulso era forte, bilateral, regular, simétrico, sincrónico,

rítmico e com uma frequência de 140 ppm. A temperatura era de 38,6⁰C, com tónus anal e

reflexo perineal adequados, sem parasitas ou sangue. As mucosas eram brilhantes, rosadas e

húmidas com um TRC <2 seg. Os gânglios linfáticos mandibulares, pré-escapulares, e

poplíteos eram palpáveis e com características normais, os restantes gânglios não eram

palpáveis. Não se detectaram alterações à auscultação torácica. O exame da cavidade oral,

auricular e pele apresentava-se normal. Durante a palpação abdominal verificou-se que a

bexiga estava distendida e acidentalmente provocou-se o esvaziamento desta, verificando-se

que a urina apresentava uma coloração acastanhada. Exame Neurológico (ver anexos

tabelas 1 e 2): Comportamento e estado mental normais. Postura normal. Marcha: paraparésia

não-ambulatória. Pares cranianos sem alterações. Reacções posturais: Ataxia proprioceptiva

com reacções posturais ausentes nos membros posteriores (ligeiramente pior no lado

esquerdo). Os reflexos miotáticos eram normais nos membros anteriores mas aumentados nos

posteriores (patelar e tibial cranial). Os reflexos flexores nos membros pélvicos estavam

diminuídos. A Birdie apresentava hiperestesia ao nível de T11-L1 e ausência de reflexo

panicular caudal a T11-T12. Mantinha sensibilidade superficial e profunda. Após o exame

CASO CLÍNICO N.º 1 : NEUROLOGIA

2

neurológico localizou-se a lesão no segmento medular T3-L3. Lista de problemas:

Paraparésia não ambulatória, urina acastanhada, incontinência urinária. Disfunção

Diagnósticos diferenciais: Vascular: Tromboembolismo fibrocartilagíneo.

Inflamatório/Infeccioso: Discoespondilite, Discite. Trauma/Tóxicos: Fractura, luxação

vertebral. Imuno-mediado: Meningoencefalite granulomatosa. Neoplasia: extradural

(vertebrais e metastáticos), extradural-intramedular (meningioma). Degenerativo: Hérnia Discal

Hansen I. Exames complementares: Hemograma completo: sem alterações. Bioquímica

sérica e eletrólitos: sem alterações. Urianálise: Recolhida por cistocentese. Densidade urinária

1.040, sangue (3+) e neutrófilos 5 a 10 num campo de 400x. Cultura urinária: Negativo para a

coloração de gram. Sem crescimento bacteriano em 3 dias. Radiologia espinal latero-lateral e

ventro-dorsal da região toraco-lombar (ver anexos figura 1): Discos mineralizados na coluna

vertebral toraco-lombar (espaços L1-L2, L2-L3, L4-L5, L5-L6 e T2-T3). Estreitamento dos

espaços intervertebrais T10-T11 e T13-L1, com estreitamento do foramen intervertebral em

T13-L1. Todos os outros espaços intervertebrais e estrutura da coluna toraco-lombar

apresentavam-se normais. Foi recomendada a realização de Tomografia axial computorizada

(TAC) para identificar o local exacto da herniação do disco. TAC entre T9 e L6 (ver anexos

figura 2): Herniação do disco intervertebral em T13-L1 causando moderada compressão

extradural na espinal medula; o material do disco extrudiu predominantemente em sentido

cranial e à esquerda da espinal medula. Diagnóstico: Hérnia Discal Hansen I em T13-L1.

Tratamento: Logo após o diagnóstico a Birdie foi submetida a uma hemilaminectomia do lado

esquerdo com vista a eliminar o material extrudido e descomprimir a espinal medula no espaço

T13-L1. Para além disso, foram realizadas fenestrações dos espaços intervertebrais T12-T13 e

T13-L1. Não houve qualquer complicação cirúrgica e anestésica. Como analgesia pós-

operatória a Birdie recebeu infusão contínua de lidocaína e fentanilo (0,14 mg de lidocaína por

minuto e 0,02 mg de fentanilo por hora) durante 24 horas. Foi também realizada crioterapia no

local da incisão a cada 6 horas para diminuir o edema e a dor. A bexiga foi esvaziada a cada 6

horas e o decúbito alternado a cada 4 horas. Após 24 horas da cirurgia, a Birdie começou a ser

medicada com Gabapentina (20mg/kg TID PO) e Tramadol (5mg/kg TID PO). Após 24h da

cirurgia, o exame neurológico mostrava que a Birdie apresentava paraplegia mas mantinha

percepção de dor superficial. Foi lhe dada alta 2 dias após a cirurgia e indicação para continuar

com a medicação oral iniciada no hospital. Foi também dada indicação aos donos para

restringirem o exercício da Birdie durante 4 a 6 semanas mantendo-a em jaula permitindo

somente passeios com trela para urinar e defecar e para evitar saltar para o colo dos donos ou

do mobiliário para o resto da vida, verificação diária da sutura e no caso de aparecer edema,

vermelhidão ou descargas anormais contactar imediatamente o Médico Veterinário. Foi dada

indicação para esvaziar a bexiga 3 vezes por dia e para monitorizar para sinais de infecção

(como mau cheiro e hematúria). Para além disso foi aconselhado fazer movimentos passivos

CASO CLÍNICO N.º 1 : NEUROLOGIA

3

das articulações 2 a 3 vezes por dia em todos os membros. O seguimento foi feito pelo Médico

Veterinário que a referiu, ao qual a Birdie compareceu após 14 dias da cirurgia para remover as

suturas. Evolução: Duas semanas após a cirurgia o médico veterinário que referiu o caso ligou

para dar uma actualização e referiu que a Birdie recuperou função motora mas permanecia não

ambulatória. No entanto, já teria recuperado o controlo da micção.

Discussão do caso clínico: A herniação do disco intervertebral é uma causa comum de

disfunção neurológica em cães. Os discos intervertebrais localizam-se entre cada corpo

vertebral excepto na primeira e segunda vertebras cervicais e sacro. Estes permitem estabilizar

os movimentos da coluna e suportar e distribuir o peso durante o movimento. São compostos

por um anel fibroso que rodeia o núcleo pulposo, sendo o anel fibroso mais grosso (1,5 a 2,8

vezes) ventralmente que dorsalmente1. O anel fibroso é composto de camadas de fibras de

colagénio e as mais exteriores ligam-se aos ligamentos longitudinais ventrais e dorsais, já as

camadas mais internas ligam-se ao núcleo pulposo. Este último é o remanescente

embriológico do notocórdio e constitui um centro gelatinoso amorfo e excêntrico altamente

hidratado. Estas características permitem que o disco funcione como uma almofada

hidroelástica que absorve as forças compressivas2. O que separa o núcleo pulposo do anel

fibroso é uma zona de transição ou perinuclear. Esta zona é mais estreita nas raças não

condrodistóficas e consiste em fibrocartilagem, enquanto nas raças condrodistróficas esta zona

é desorganizada e mais grossa, ocupando grande parte do anel fibroso. Só as camadas mais

superficiais do anel fibroso têm suprimento sanguíneo directo e acredita-se que as camadas

mais interiores são nutridas através de difusão das cartilagens. O terço mais superficial do anel

fibroso também parece ser inervado enquanto as camadas mais profundas do disco não o são.

O ligamento longitudinal dorsal é extensivamente inervado, o que faz com que o alongamento e

deslocamento de material dos disco contra esse ligamento resulte em dor1. Além disso a dor na

herniação deve-se a compressão das meninges e das raizes dos nervos1. Mudanças

degenerativas nos discos intervertebrais podem resultar em herniação e existem dois tipos

diferentes de processos degenerativos que ocorrem nos cães: a degeneração condróide

(associado a raças condrodistróficas) e a degeneração fibróide (associado a raças não

condrodistróficas). A degeneração condróide é caracterizada pela perda de

glicosaminoglicanos, no aumento do conteúdo em colagéneo e na diminuição do conteúdo em

água, resultando na perda das características hidroelásticas e, consequentemente, na perda da

capacidade de se opôr à pressão. Ao 1 ano de idade 75 a 90% dos animais de raças

condrodistróficas têm já o seu núcleo pulposo transformado numa substância hialina1. A

degeneração fibróide é mais comum em raças não condrodistróficas com 7 anos de idade ou

mais, e resulta na diminuição de proteoglicanos que leva à perda de água no núcleo pulposo e

no anel fibroso e à alteração da proporção de glicosaminoglicanos2. A herniação discal pode

resultar da protrusão do anel fibroso ou extrusão do núcleo pulposo para o canal vertebral.

CASO CLÍNICO N.º 1 : NEUROLOGIA

4

Estes dois mecanismos são classificados como Hansen tipo I (extrusão) ou Hansen tipo II

(protrusão). Hérnias discais Hansen I resultam normalmente em raças condrodistróficas e

desenvolvem-se em animais jovens (2 a 9 meses de idade), e os sinais clínicos desenvolvem-

se com 3 a 6 anos de idade. O fraco anel fibroso com movimentos normais da coluna pode

rupturar e deixar o conteúdo degenerado do núcleo pulposo invadir o canal vertebral

(extrusão). Esse fenómeno pode resultar primariamente numa mielopatia focal compressiva e

aguda. Por vezes pode ocorrer, uma severa e progressiva mielopatia, com mielomalácia

ascendente-descendente, após uma severa e aguda extrusão. As hérnias discais Hansen II

ocorrem em raças não condrodistróficas e normalmente caracterizam-se pela cronicidade dos

sinais clínicos e afectam animais mais velhos, entre 5 e 12 anos de idade. A degeneração

fibróide pode levar a protrusão do anel fibroso e núcleo pulposo, no entanto, neste caso, o

conteúdo do núcleo mantém-se intacto2. Num terceiro tipo, Funkquist tipo III, ocorre extrusão

aguda, a alta velocidade, do núcleo pulposo, o que resulta em contusão da espinal medula, no

entanto não resulta em compressão permanente porque o conteúdo dispersa-se no canal

vertebral. Este fenómeno só pôde ser documentado graças à ressonância magnética (RM)1,1. A

extrusão ou protrusão do disco produz vários graus de mielopatia compressiva e isquémia,

resultado da interferência com o suprimento sanguíneo da espinal medula. A severidade da

lesão normalmente é maior em extrusões agudas do que em protrusões de carácter crónico

progressivo. Mais de 65% das hérnias discais Hansen I ocorrem entre T11 e L2 (antes de T10

é raro dada a protecção do ligamento inter-capital)2. A Birdie tinha perdido o controlo da

micção. Este é um processo complexo que envolve reflexos somáticos e viscerais na espinal

medula lombar e sacral. Quando há lesões do tipo motoneurónio superior há perda da

capacidade voluntária e pode existir falha na unidade vesico-uretral, parálise da bexiga,

retenção de urina, dissinergia vesico-esfincteriana e incontinência urinária4. O diagnóstico

definitivo de herniação do disco intervertertebral é dado por imagiologia. A radiologia pode

permitir distinguir outras patologias como discoespondilite, neoplasia ou trauma. No caso de

herniação discal verifica-se diminuição do espaço intervertebral, diminuição do espaço entre as

apófises articulares, diminuição do tamanho ou aumento da opacidade do foramen

intervertebral, presença de material do disco mineralizado no canal vertebral e fenómeno de

vácuo1. No entanto este meio de diagnóstico não tem a precisão necessária para identificar o

local exacto da extrusão, nem dá informação acerca da extensão, lateralização, grau de

compressão da espinal medula nem presença de outras lesões1,2. Raramente a calcificação do

disco no espaço intervertebral é notado aquando o diagnóstico de herniação discal. No entanto,

a presença de discos calcificados actua como um factor de prognóstico e é, de facto, um factor

de risco de recorrência de herniação após cirurgia1. A Birdie apresentava diversos discos

mineralizados e diminuição do espaço intervertebral em T10-T11 e T13-L1 com diminuição do

foramen intervertebral também nesse espaço. Deve-se referir que o espaço T10-T11 é

CASO CLÍNICO N.º 1 : NEUROLOGIA

5

normalmente mais estreito que os outros espaços na coluna toraco-lombar2. Isto fez com que

se suspeitasse do local T13-L1 para o mais provável, o que se veio a confirmar através da

realização da TAC. Para determinar o local exacto da compressão deve-se recorrer a

mielografia, TAC ou ressonância magnética. A mielografia foi o método de diagnóstico standard

para doenças degenerativas do disco1. Ao administrar contraste no espaço subaracnoide

permite obter determinados padrões dependendo da lesão: extradurais (padrão obtido com

herniação), intradurais/extramedulares e intramedulares. Este método tem vindo a ser

substituído pela TAC e RM. A TAC pode ser usada como adjuvante da mielografia ou usada

por si só e assim evitar os efeitos secundários da mielografia (por exemplo convulsões). É um

método não invasivo e com menos complicações que a mielografia e é mais rápido que a

mielografia ou RM. Estudos revelam que a TAC e mielografia têm sensibilidades e capacidades

de detectar lateralização semelhantes. Apesar de a TAC gerar boas imagens de tecido ósseo,

o mesmo não se pode dizer de tecidos moles (como por exemplo neoplasias intramedulares) e

nesse caso a RM é o método de escolha. Esse é considerado o melhor método diagnóstico

para detectar precocemente degeneração discal em cães e para diagnóstico de lesões da

coluna cervical. É mais preciso do que a mielografia para determinar o local e o lado da lesão e

é também superior à mielografia em distinguir compressões extradurais causadas por

hemorragias. No caso da Birdie e já que os donos queriam fazer cirurgia no caso de o

diagnóstico de hérnia de disco se confirmasse, optou-se pela radiologia da coluna toracolombar

em 2 projecções e pela TAC, dado este ser menos invasivo, mais rápido e menos dispendioso

e permitir detectar a lateralização com vista a escolher o lado do acesso cirúrgico. O

tratamento das hérnias de disco pode ser cirúrgico ou conservativo. No caso da Birdie, como

esta apresentava paraparésia não ambulatória, optou-se pela cirurgia, em concordância com

as recomendações da literatura (ver anexos, tabela 3). O tratamento conservativo consiste em

repouso em jaula, fármacos anti-inflamatórios, relaxantes musculares, analgésicos e

fisioterapia. Destes o mais importante é o repouso em jaula com vista a evitar a contínua

extrusão do material do núcleo pulposo, promover a cicatrização dos tecidos ligamentosos e

prevenir outros traumas provocados pela ataxia. Este está indicado em animais ambulatórios,

que apresentam pela primeira vez sinais agudos, mas também pode ser usado em casos em

que os proprietários têm problemas financeiros ou em que haja elevado risco anestésico. As

técnicas cirúrgicas indicadas para hérnias discais toracolombares são a hemilaminectomia,

laminectomia dorsal e pediculectomia. A hemilaminectomia está associada a uma melhor

descompressão do disco por melhor acesso ao material extrudido, maior taxa de recuperação

após cirurgia, diminuição do risco de formação de membrana de laminectomia e menor

instabilidade biomecânica que a laminectomia dorsal. Esta técnica também permite aceder ao

espaço intervertebral para proceder a fenestração1. Esta última técnica é indicada para

prevenir, no período pós-cirúrgico extrusão de outros discos o que pode levar à recorrência dos

CASO CLÍNICO N.º 1 : NEUROLOGIA

6

sinais clínicos. Também produz um processo inflamatório agudo que estimula a fagocitose e a

formação de fibrose que ajuda à estabilização do disco2. Estudos publicados sugerem que a

taxa de recorrência após cirurgia descompressiva com fenestração é de 0% a 24%, contra

2,7% a 42% sem fenestração profiláctica2. Quanto ao prognóstico (ver anexos, tabela 3), a

taxa da compressão medular parece estar directamente ligada com a recuperação da função

motora e com a capacidade de micção funcional. O tempo de recuperação da mobilidade após

uma cirurgia descompressiva em cães não ambulatórios paraparésicos ou que apresentem só

dor anda à volta dos 10 dias e nos animais paraplégicos 52 dias2. O prognóstico mais

importante após cirurgia é a presença de função motora voluntária. O espaço intervertebral na

coluna toracolombar correspondente ao disco herniado não parece ter factor prognóstico. No

entanto, em estudos verificou-se que pacientes com extrusão do disco em L3-L4 ou caudal a

este, parecem recuperar a capacidade motora mais cedo que os pacientes com lesão em T10-

L3. Também pacientes que na pré-cirurgia não teriam percepção da dor profunda demoram

mais tempo a recuperar capacidade ambulatória e têm 1.7 vezes menos probabilidade de voltar

a andar5. A Birdie foi medicada para casa com Tramadol e Gabapentina. Ambos têm eficácia

comprovada para a dor neuropática2. As outras recomendações visaram a prevenção de

úlceras de decúbito, infecções do tracto urinário (ITU) e atrofia muscular. Cães que são sujeitos

a fisioterapia têm tempo de recuperação mais curto. Como a Birdie tinha disfunção vesical, o

esvaziamento da bexiga foi recomendado. Um incompleto esvaziamento da bexiga pode

predispor os animais a ITU e de facto, há uma elevada prevalência de ITU nos 3 meses após

cirurgia descompressiva4.

Referências Bibliográficas:

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America. 40, 829-858.

2. Lorenz MD, Coates J, Kent M (2011). Handbook of Veterinary Neurology. 5th Edition.

Elsevier Saunders, 109-136, 421-430

3. de Lahunta A, Glass E (2009). Veterinary Neuroanatomy and Clinical Neurology. 3rd

Edition. Saunders Elsevier, 243-283

4. Olby NJ, MacKillop E, Cerda-Gonzalez S, Moore S, Muñana KR, Grafinger M, Osborne JA,

Vaden SL. (2010). “Prevalence of Urinary Tract Infection in Dogs after Surgery for

Thoracolumbar Intervertebral Disc Extrusion”. Journal of Veterinary Internal Medicine. 24,

1106-1111.

5. Ruddle TL, Allen DA, Schertel ER, Barnhart MD, Wilson ER, Lineberger JA, Klocke NW,

Lehenbauer TW. (2006). "Outcome and prognostic factors in non-ambulatory Hansen Type I

intervertebral disc extrusions: 308 cases". Veterinary and Comparative Orthopaedics and

Traumatology. 19, 29-34.

CASO CLÍNICO N.º 1 : NEUROLOGIA

7

Caracterização do paciente e motivo da consulta: O Tass é um gato macho castrado, de

raça “American Domestic Shorthair”, de 12 anos de idade e 3,5 kg de peso, que veio

referenciado ao serviço de Medicina Interna por “vómito crónico e perda de peso”. História

clínica: O Tass tinha uma história de 8 meses de vómito que recentemente aumentou de

frequência para 3 a 4 vezes por dia. Esses episódios ocorriam a qualquer altura do dia, por

vezes associados às refeições, mas outras vezes não. Era acompanhado de esgar e prensa

abdominal e o conteúdo eliminado aparecia digerido, mas outras vezes só era eliminado um

líquido amarelado. Após os episódios de vómito o Tass perdia interesse pela comida mas na

maioria das vezes o apetite mantinha-se normal. O dono também notou que nesses últimos

meses a caixa da areia continha fezes mais moles, no entanto como tem outro gato era difícil

perceber a qual dos dois pertencia. O Tass perdeu peso (há 1 ano atrás pesava 4,5kg). Numa

consulta no seu Médico Veterinário regular 2 meses antes, foi-lhe realizado os seguintes

exames complementares: hemograma, bioquímica, eletrólitos, urianálise, medição da hormona

T4 e coprologia. Destes, a única alteração observada foi um ligeiro aumento da amilase (1438

U/L referência: 100-1200 U/L). O Tass foi medicado com um desparasitante interno

desconhecido e com Famotidina (5 mg PO SID), no entanto dada a dificuldade de medicá-lo

este não foi correctamente administrado e a frequência do vómito não diminui. O Tass estava

vacinado somente contra a raiva. Era desparasitado regularmente com Selamectina. Era

alimentado com uma ração seca Royal Canin SO diet® desde que teve cristais de estruvite na

urina com cerca de 1 ano de idade. O alimento e a água estavam disponíveis ad libitum. Para

além da castração eletiva, quando tinha cerca de 1 ano de idade, nunca foi submetido a

nenhuma outra intervenção cirúrgica. O Tass habitava no interior de uma habitação no estado

do Tennessee, EUA, mas, tinha livre acesso ao exterior público. Tinha como coabitante outro

gato que se encontrava saudável. Sem outras alterações nas perguntas por sistemas. Exame

de estado geral: O Tass apresentava um estado mental normal e um temperamento

equilibrado. O grau de desidratação era <5 % e a sua condição corporal era de 2 numa escala

de 5 pontos (magro). Os movimentos respiratórios eram costo-abdominais, de profundidade

normal, relação inspiração-expiração 1:1,3, regulares e sem uso de músculos acessórios e

frequência 42 rpm. O pulso era forte, bilateral, regular, simétrico, sincrónico, rítmico e com uma

frequência de 180 ppm. A temperatura era de 38,0⁰C, com tónus anal e reflexo perineal

adequados, sem parasitas ou sangue. As mucosas eram brilhantes, rosadas e húmidas com

um TRC <2 seg. na mucosa oral. Os gânglios linfáticos mandibulares, pré-escapulares, e

poplíteos eram palpáveis e com características normais. Os restantes gânglios não eram

palpáveis. Não se detectaram alterações à auscultação torácica. Apresentava algum tártaro

nos dentes molares mas a restante cavidade oral estava normal. Os ouvidos e pele

apresentavam-se normais. A palpação abdominal não revelou anomalias. Apresentava atrofia

muscular generalizada nos membros e músculos epaxiais. Lista de problemas: vómito

CASO CLÍNICO N.º 2 : GASTROENTEROLOGIA

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crónico, perda de peso, atrofia muscular, possível diarreia. Diagnósticos diferenciais:

Vascular: Linfangiectasia Inflamatório/Infeccioso: Doença inflamatória intestinal (IBD)

(linfocítica-plasmocítica, eosinofílica, neutrofílica e granulomatosa), pancreatite, hepatite,

parasitismo gastro-intestinal, sobrecrescimento bacteriano, infecção crónica (Giardia,

Histoplasma, Toxoplasma) Metabólico: Hipertiroidismo, Insuficiência Renal Crónica, Diabetes

Mellitus, Insuficiência hepática, insuficiência pancreática exócrina

Neoplasia/Nutricional:.Linfoma alimentar, adenocarcinoma, tumor pancreático, intolerância

alimentar, alergia alimentar. Exames complementares: Hemograma completo:

hipoproteinémia (6,1 g/dL Referência: 6,5-8,6 g/dL) Bioquímica sérica e eletrólitos:

Hipoproteinémia (5,6 g/dL Referência: 6,7-8,3 g/dL), hipoalbuminémia (2,7 g/dL Referência:

2,9-4 g/dL), Gap aniónico (14 Referência: 17-25). Urianálise: Urina colhida por cistocentese,

Densidade: 1.046 sem alterações. Serologia FIV/FelV: Negativo para ambos. T4 Total: dentro

dos limites normais. Pressão arterial sistólica: 105 mmHg Radiologia abdominal projecções

ventro-dorsal e latero-lateral (ver anexos figuras 3 e 4): Observaram-se ansas intestinais

proeminentes e preenchidas com fluido sugerindo engrossamento da parede intestinal

compatível com doença infiltrativa. Sem evidência de obstrução. O cólon apresentava-se

dilatado, com gás e matéria fecal não formada, consistente com indigestão ou diarreia. Os

outros órgãos apresentavam características normais Ecografia abdominal (ver anexos figuras 5

e 6): Espessamento da muscular em toda a extensão do intestino delgado com marcada

linfoadenopatia mesentérica e escassa efusão peritoneal. Sem outras anormalidades.

Laparotomia exploratória com biópsias: Verificou-se espessamento do intestino delgado em

toda a sua extensão, pronunciado no jejuno, íleo e no bordo mesentérico do duodeno. O

pâncreas apresentava quistos de 1mm de diâmetro e o fígado massas achatadas de 1 mm de

diâmetro. Várias biópsias (toda a espessura) foram recolhidas do fígado (lobo quadrado e lobo

medial direito), fundo do estômago, pâncreas, gânglios linfáticos mesentéricos, duodeno (lado

antimesentérico), jejuno (bordo mesentérico e antimesentérico) e íleo. Histopatologia das

biópsias: Fígado: Ligeira colestase centrolobular. Pâncreas: Quisto ductal com hiperplasia

nodular multifocal. Gânglios linfáticos mesentéricos: Moderada hiperplasia linfoide

paracortical. Estômago (fundo): Colonização das glândulas fúndicas com Helicobacter spp.

Duodeno, jejuno, íleo: Lâmina própria dilatada com moderado infiltrado inflamatório composto

predominantemente de linfócitos, células plasmáticas, neutrófilos e aumento de fibroblastos.

Diagnóstico: Moderada enterite linfocítica-plasmocítica (IBD) e colonização das glândulas

gástricas com Helicobacter spp.Tratamento: Foi aconselhado mudar a dieta do Tass para uma

ração hipoalergénica (Hill´s® d/d). Apesar de a presença de Helicobacter spp. nas glândulas

gástricas não estar acompanhada de inflamação aconselhou-se instituir terapia empírica para

helicobacteriose durante 4 semanas com Amoxicilina (100 mg PO BID), Metronidazol (62,5 mg

PO BID) e Omeprazol (2,5 mg PO SID). Também se instituiu terapia desparasitante com

CASO CLÍNICO N.º 2 : GASTROENTEROLOGIA

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Fenbendazol (180 mg PO SID) durante 3 dias. Se o tratamento descrito não melhorasse os

sinais clínicos em 3 a 4 semanas, aconselhou-se começar tratamento com prednisona (1,5

mg/kg BID PO). Se os sinais resolvessem podia-se diminuir 25% da dose a cada 2-4 semanas

até à dose mínima efectiva, mas nunca menos de 0,5mg/kg/dia. Com vista a diminuir a dose de

prednisona também foi aconselhado combinar a terapia com clorambucilo (2 mg PO cada 3

dias) ou ciclosporina (3 mg/kg SID PO) no caso de o clorambucilo não ser bem tolerado. No

caso de iniciar terapia com clorambucilo, um hemograma deveria ser realizado cada 1-2

semanas no inicio da terapia e depois cada 1-3 meses para monitorizar supressão da medula

óssea. Um painel bioquímico, urianálise e cultura urinária deveriam ser realizados a cada 6

meses enquanto estivesse em tratamento com prednisona. Evolução: Após a alta hospitalar o

Tass foi assistido na clínica veterinária que o referiu. O tratamento descrito foi o aconselhado

ao seu Médico Veterinário e sabe-se que o proprietário preferia começar com o tratamento

empírico de helicobacteriose, desparasitação e dieta e dependendo da resposta iniciar ou não

o tratamento imunosupressor. No entanto a sua evolução é desconhecida até à data.

Discussão do caso clínico: IBD é um termo colectivo que descreve desordens caracterizadas

pela persistência ou recorrência dos sinais clínicos gastrointestinais com evidência de

inflamação intestinal na análise histopatológica1. É uma das causas mais comuns de vómito

crónico e diarreia em cães e gatos2. O termo IBD não é muito esclarecedor, visto que muitas

doenças estão associadas com inflamação intestinal crónica (ver anexos, tabela 4). No caso

das IBDs idiopáticas, a nomenclatura reflecte o principal tipo celular presente e destas a

Enterite linfocítica-plasmocítica (ELP) é a mais comum seguida da gastroenterocolite

eosinofílica (GEE). A granulomatosa é rara e a enterite neutrofílica por vezes é encontrada na

espécie felina1. A etiologia da IBD idiopática é, como o nome indica, desconhecida. No entanto

pensa-se que a patogénese está relacionada com um distúrbio na imunidade da mucosa do

intestino, com perda da tolerância desta para antigénios como bactérias comensais ou

componentes da dieta devido à ruptura da barreira mucosa, desregulação do sistema imune ou

distúrbios no microbioma1. As IBDs afectam normalmente animais de meia-idade a velhos, mas

ocasionalmente são diagnosticados em animais jovens. Não foram identificadas predisposições

para sexo ou raça2. Um dos sinais mais comuns em gatos com IBD idiopática é o vómito,

ocorrendo normalmente de forma intermitente durante semanas, meses ou anos, contudo, à

medida que a doença progride, há um aumento na sua frequência e aparecimento de outros

sinais clínicos2. A natureza dos sinais clínicos está relacionada com o local afectado e pode

estar relacionado com o tipo histológico. Sinais gástricos estão presentes se o estômago ou o

duodeno estão afectados. Por outro lado diarreia de intestino grosso está presente na

inflamação do cólon ou então pode ser secundária após diarreia de intestino delgado. A

presença de hematemese, melena, hematosquezia, perda de peso, hipoproteinémia e ascite

estão normalmente associados a doença severa e a GEE. O apetite é variável, a polifagia pode

CASO CLÍNICO N.º 2 : GASTROENTEROLOGIA

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estar presente na consequência da perda de peso, enquanto a anorexia ocorre na presença de

severa inflamação. Na presença de inflamação moderada o apetite pode permanecer

inalterado, mas a dor pós prandial pode ser significativa1. Para o diagnóstico de IBD idiopática

é necessário excluir todos os diferenciais até chegar ao diagnóstico final através da análise

histopatológica de biópsias intestinais. Os exames complementares que devem ser realizados

para descartar as causas de sinais gastrointestinais crónicos não idiopáticas em gatos são:

hemograma, bioquímica e electrólitos, urianálise, coprologia, hormona T4 e testes para FIV e

FelV2. No hemograma de animais com IBD pode-se encontrar neutrofilia com ou sem desvio à

esquerda, eosinofilia no caso GEE (não sendo nem patognomónico, nem frequente), anemia se

inflamação crónica ou perdas de sangue crónicas e muito raramente trombocitopénia1.

Também não existem alterações patognonómicas na bioquímica porém, hipocolesterolémia,

hipocalcémia e hipomagnesiémia podem sugerir má absorção. Hipoalbuminémia e

hipoglobulinémia são características de ELP e a hipoalbuminémia está relacionada com um

pobre prognóstico1. A hipoproteinémia ocorre muito menos frequentemente em gatos do que

em cães e normalmente indica moderada a severa lesão intestinal. Em gatos a hipoproteinémia

(<5,0 g/dL) é mais comum na presença de linfoma intestinal2. Pacientes com diarreia crónica

devem ser testados para parasitas intestinais como Giardia, Cryptosporidium e enterotoxicose

por Clostridium perfringens2. A medição de folato e cobalamina permite localizar a inflamação

no intestino delgado distal (diminuição da concentração em cobalamina), no proximal

(diminuição do folato) ou em ambos e assim planear o local a biopsiar. Gatos com deficiência

em cobalamina devem ser suplementados para responderem adequadamente à

imunosupressão e melhorar o ganho de peso e os sinais clínicos1,2. Dado que gatos com IBD

podem ter ao mesmo tempo pancreatite, o teste de fTLI deve ser submetido especialmente se

for detectado desconforto à palpação abdominal no exame físico ou se existirem imagens de

pancreatite na ecografia3. Os diagnósticos por imagem são úteis para determinar se a patologia

é local ou difusa e se existem outras patologias concomitantes. A ecografia é melhor a

diagnosticar lesões focais do intestino delgado do que as radiografias. Permite medir a

espessura da parede intestinal e detectar linfoadenopatia mesentérica, permitindo também

realizar CAAF ecoguiadas1. O diagnóstico final de IBD idiopática e a caracterização do tipo

histológico presente é dado pela análise histopatológica de biópsias intestinais. A técnica

menos dispendiosa e invasiva é através de endoscopia, no entanto as amostras geralmente só

atingem a mucosa e só permite obter amostras do estômago e duodeno. As biópsias a toda a

espessura atingem a mucosa, submucosa e muscular e são o método indicado para

diagnosticar IBD e diferenciar de linfoma. Nesse caso o acesso é realizado através de

laparotomia exploratória ou laparoscopia o que permite recolher amostras de outros órgãos1.

No entanto, esses métodos são mais dispendiosos, requerem maior tempo de hospitalização,

podem ocorrer complicações e podem estar contra-indicados em animais severamente

CASO CLÍNICO N.º 2 : GASTROENTEROLOGIA

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hipoproteinémicos1. O diagnóstico histopatológico do Tass foi ELP e as biópsias foram

realizadas via laparotomia exploratória o que permitiu recolher amostras dos outros orgãos.

Antes de realizar este procedimento os diagnósticos diferenciais mais prováveis para o Tass

seriam IBD idiopática e linfoma intestinal. A ELP e o linfoma alimentar são difíceis de distinguir

mesmo histologicamente. As duas patologias podem estar presentes ao mesmo tempo, a

inflamação intestinal crónica pode levar a transformação maligna e os linfomas de baixo grau

podem ser, ao início, confundidos com ELP1. Em gatos, o fígado e os linfonodos mesentéricos

estão muitas vezes envolvidos e daí a importância das biópsias a órgãos extraintestinais4. O

Tass também foi diagnosticado com helicobacteriose porém, não se verificou inflamação

associada. A falta de conhecimento da patogenicidade da Helicobacter spp. Leva ao dilema

entre os veterinários de tratar ou não tratar animais infectados por Helicobacter com sinais de

gastrite e vómito crónico. No entanto, dada a patogenicidade em Humanos, é prudente realizar

tratamento para Helicobacter spp. antes de iniciar tratamento imunossupressor1. Os protocolos

de tratamento usados em Medicina Veterinária são baseados de Medicina Humana para o

tratamento de Helicobacter pilori. Esses consistem no uso de metronidazol combinado com um

antibiótico (tetraciclina, amoxicilina, azitromicina) em combinação com um fármaco antisecretor

(antagonista dos receptores H2, inibidor da bomba de protões) e/ou um composto contendo

bismuto2. No entanto, esses protocolos parecem suprimir e não erradicar Helicobacter spp. em

gatos naturalmente infectados e sem sinais clinicos5. Num estudo realizado, um protocolo

consistindo de amoxicilina, metronidazol e famotidina mostrou ter eficácia de 90% em reduzir

os sinais clínicos de cães e gatos com gastrite e 74% não mostraram evidência de Helicobacter

spp. em biopsias, após tratamento1. Outros estudos mostram que os efeitos do uso combinado

de um inibidor de bomba de protões com 2 antibióticos diferentes podem ser melhorados se

usados para além de 14 dias e se combinado com um terceiro antibiótico como por exemplo

claritromicina (consegue erradicar Helicobacter a nível intracelular)1,5. O tratamento para IBD

idiopática em gatos deve iniciar com dietas de eliminação, expondo o paciente a novas

proteínas. As dietas comercializadas para esse efeito (hipoalergénicas e hidrolizadas) contém

uma nova fonte proteínas (pato ou veado por exemplo), são livres de leite, milho e trigo, são

altamente digeríveis, e contêm uma quantidade moderada de fibras solúveis. Também se

podem utilizar dietas caseiras. Espera-se que a mudança para este tipo de dieta tenha uma

resposta favorável nos gatos com IBD em 2 ou 3 dias3. Quando não há resposta à dieta

deverão ser adicionados imunosupressores ao tratamento. A prednisona/prednisolona está

indicada em pacientes com sinais clínicos moderados a severos e evidência histológica de ELP

ou GEE. A prednisolona consiste na forma activa da prednisona e é a mais indicada em gatos

visto que a conversão de prednisona a prednisolona é pobre. A dose recomendada ao início é

1-3 mg/kg/dia, contudo a dose pode ser diminuída a cada 3 ou 4 semanas até obter a dose

mínima que controla os sinais clínicos. A gatos, que sofram de severa má absorção, uma dose

CASO CLÍNICO N.º 2 : GASTROENTEROLOGIA

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subcutânea de dexametasona (um sétimo da dose de prednisolona) pode ser administrada. A

budesonida é um glucocorticoide que sofre biotransformação hepática (90%) e que provoca

mínimos efeitos secundários3. Se os sinais recorrerem após diminuição da dose de

corticosteroides, podem-se adicionar fármacos citotóxicos à terapia. O clorambucilo é eficaz em

gatos com IBD refractária e em gatos com linfoma. Logo pode ser usado em casos de severa

inflamação linfocítica cujo diagnóstico histoplatológico não consegue diferenciar claramente de

linfoma de baixo grau. Normalmente é bem tolerado mas, como a leucopénia é possível devem

se realizar hemogramas antes das 3 primeiras doses e depois a cada 2 ou 3 meses. A dose

indicada é 2 mg/gato a cada 48-72 horas ou 20 mg/m2 a cada 14 dias3. Alternativamente,

poderá se usar a ciclosporina. Este fármaco inibe especificamente os linfócitos T e é efectivo

na dose 5mg/kg SID ou BID. Observam-se menos efeitos secundários que em cães no entanto,

pode despoletar infecções latentes como toxoplasmose e herpesvirus3. O uso de probióticos e

prébióticos como moduladores da flora entérica parecem apresentar benefícios em Humanos,

no entanto são necessários mais estudos em cães e gatos1. O metronidazol é um

antimicrobiano com excelente espectro anaeróbico e antiprotozoário e actua como

imunomodulador. O seu uso é justificado para o tratamento empírico de sobrecrescimento

bacteriano e porque actua como imunomodulador na imunidade mediada por células, na dose

15 mg/kg/dia1,3. Outra opção adjuvante ao tratamento consiste no uso de aminoácidos

polinsaturados, omega-3. Estes apresentam propriedades anti-inflamatórias3. A resposta ao

tratamento de IBD idiopática em gatos é melhor que nos cães e a remissão é normalmente

mais prolongada. A dificuldade em manter remissão dos sinais clínicos pode indicar

desenvolvimento de resistência aos esteroides, um linfoma inicialmente mal diagnosticado ou

uma inflamação crónica que evolui para linfoma1.

Referências Bibliográficas:

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Saunders Elsevier, 1519-1520,1560-1565

2.Tams TR (2003) Handbook of Small Animal Gastroenterology. 2nd Edition. Saunders, 177-

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3. Trepanier L (2009). “Idiopathic Inflammatory Bowel Disease in Cats- Rational treatment

selection”. Journal of Feline Medicine and Surgery. 11, 32-38.

4. Kleinschmidt S, Harder J, Nolte I, Marsilio S, Hewicker-Trautwein M. (2010). “Chronic

inflammatory and non-inflammatory diseases of the gastrointestinal tract in cats: diagnostic

advantages of full-thickness intestinal and extraintestinal biopsies”. Journal of Feline Medicine

and Surgery. 12, 97-103.

5. Khoshnegah J, Jamshidi S, Mohammadi M, Sasani F (2011). “The efficacy and safety of

long-term Helicobacter species quadruple therapy in asymptomatic cats with naturally acquired

infection”. Journal of Feline Medicine and Surgery. 13, 88-93.

CASO CLÍNICO N.º 2 : GASTROENTEROLOGIA

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Caracterização do paciente e motivo da consulta: O Chaco é um cão macho inteiro, de raça

Labrador Retriever, de 10 anos de idade e 43 kg de peso, que veio referenciado ao serviço de

Oftalmologia por “glaucoma do olho esquerdo”. História clínica: Uma semana e meia antes a

dona do Chaco reparou que a conjuntiva do olho esquerdo (OE) estava vermelha e na visita ao

seu Médico Veterinário, este medicou o Chaco com uma pomada oftálmica contendo sulfato de

neomicina, sulfato de polimixina B e dexametasona. Porém o Chaco não melhorou e uma

semana depois o olho começou a aumentar de tamanho. No presente dia a proprietária levou-o

de novo ao seu Veterinário que diagnosticou glaucoma do OE e referiu o caso. O Chaco já

tinha tido outros episódios de conjuntivite durante a sua vida mas todos resolveram sem

complicações. O Chaco manteve um apetite normal, no entanto estava mais letárgico desde há

uma semana. O Chaco foi sempre saudável e o no seu passado médico existe história de

dermatite alérgica actualmente controlada. Estava vacinado contra raiva, esgana, adenovírus

tipo 2, parvovírus e parainfluenza. Era desparasitado regularmente contra pulgas e carraças e

fazia prevenção contra dirofilariose. O Chaco era alimentado com uma ração seca de qualidade

Premium. Vivia no interior de uma habitação no estado do Tennessee, EUA, mas tinha livre

acesso ao exterior privado e não tinha coabitantes. Sem outras alterações nas perguntas por

sistemas. Exame de estado geral: O Chaco apresentava um estado mental normal e um

temperamento equilibrado. O grau de desidratação era < 5 % e a sua condição corporal era de

4 numa escala de 5 pontos (obeso). Os movimentos respiratórios eram costo-abdominais, de

profundidade normal, relação inspiração-expiração 1:1,3, regulares e sem uso de músculos

acessórios e frequência 44 rpm. O pulso era forte, bilateral, regular, simétrico, sincrónico,

rítmico e com uma frequência de 95 ppm. A temperatura era de 38,7⁰C, com tónus anal e

reflexo perineal adequados, sem parasitas ou sangue. As mucosas eram brilhantes, rosadas e

húmidas com um TRC <2 seg. na mucosa oral. Apresentava linfoadenomegália dos poplíteos e

pré-escapulares, cerca de 2 vezes o tamanho normal. Os gânglios linfáticos mandibulares

apresentavam dimensões e consistência normais e os restantes não eram palpáveis. Não se

detectaram alterações à auscultação torácica. O exame oral, da pele e dos ouvidos

apresentava-se normal. A palpação abdominal não revelou anomalias. Exame Oftalmológico

(ver anexos figura7): O exame do olho direito (OD) estava normal. O OE não apresentava

reflexo de ameaça, nem pupilar directo, nem consensual. Era evidente uma buftalmia e os

vasos episclerais estavam congestionados. A Pressão intra-ocular (PIO) foi medida através de

tonometria por aplanamento e estava ligeiramente aumentada (26 mmHg). O resultado do

Teste de Schirmer foi 15 mm em 60 seg. A córnea apresentava ligeiro edema. A câmara

anterior apresentava hifema, flare aquoso e sinéquias (posteriores). O cristalino apresentava-se

transparente. Na oftalmoscopia indirecta não se verificou inflamação no fundo do olho mas este

apresentava-se hiperreflectivo. Com o exame dirigido verificou-se que o Chaco apresentava

uma uveíte anterior com glaucoma secundário no OE. Lista de problemas: letargia,

CASO CLÍNICO N.º 3 : OFTALMOLOGIA

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obesidade, lindoadenopatia poplíteos e pré-escapulares, cegueira OE, uveíte anterior OE,

glaucoma do OE. Pela história clínica e exame dirigido conclui-se que a uveíte seria o

problema primário e o glaucoma a consequência. A cegueira e a letargia dada a história e o

exame oftalmológico seriam consequência do glaucoma. Diagnósticos diferenciais para

uveíte: Vascular: coagulopatias. Inflamatório/Infeccioso: Bactérias: Brucelose, borreliose,

leptospirose. Fungos: Blastomicose, aspergilose, histoplasmose, criptococose. Protozoários:

toxoplasmose, neosporose. Rickettsias: Ehrlichiose, rickettsiose. Vírus: adenovirose,

herpesvirose Metabólico: Diabetes mellitus, hiperlipidémia, hipertensão arterial sistémica.

Imuno-mediado/idiopático: trombocitopénia ou vasculite imuno-mediada, idiopático.

Neoplasia/Nutricional:. melanoma da íris, sarcoma, linfosarcoma, carcinoma metastático

Exames complementares: Hemograma completo: dentro dos valores de referência normais.

Bioquímica sérica e eletrólitos: Normal à excepção de uma ligeira hiperproteinémia (7,0 g/dL

Referência: 5,4-6,8 g/dL), hipoalbuminémia (3,0 g/dL Referência: 3,2-4,1 g/dL) e

hiperglobulinémia (4,0 g/dL Referência: 2-3,2 g/dL) e fosfatase alcalina elevada (627 u/L

Referência: 15-164 u/L) Urianálise: Urina colhida por cistocentese, Densidade: 1.036 sem

alterações. Pressão sanguínea sistólica: 130 mmHg CAAF dos gânglios linfácticos poplíteos e

pré-escapulares: Moderada hiperplasia linfoide reactiva. Radiologia torácica projecções latero-

lateral e ventro-dorsal: Ligeira linfadenopatia esternal. Teste de blastomicose na urina:

Negativo. Títulos de doenças transmitidas por carraças: Febre das montanhas rochosas

anticorpos: <20. Ehrlichiose IFA: 160 (positivo). Borreliose IFA: <20. Diagnóstico: Glaucoma

secundário a uveíte anterior (provavelmente por ehrlichiose) Tratamento e Evolução: O

Chaco foi medicado com acetato de prednisolona em suspensão oftálmica a 1% (1 gota OE

QID) e voltou passado 4 dias para consulta de acompanhamento. A dona referiu que o Chaco

estava mais activo. O exame físico não revelou alterações. Porém no exame oftalmológico o

OE apresentava diminuição da PIO (21 mmHg) e o edema da córnea teria melhorado, o OD

permanecia normal. Nesse dia o título positivo de Ehrlichia já era conhecido e medicou-se o

Chaco com Doxiciclina (300 mg PO BID durante 4 semanas) além das gotas de prednisolona.

Teve uma consulta de acompanhamento após um mês onde o exame oftalmológico

permanecia inalterado e foi dada indicação para reduzir a dose de prednisolona (1 gota no OE

TID durante um mês e depois BID até indicação contrária). Após essa consulta o Chaco foi

seguido pelo médico veterinário que referiu e foi dada a indicação para ter o OE removido

cirurgicamente se este se mostrar doloroso e enviado para análise histopatológica. Além disso

foi sugerido que repetisse a serologia para ehrlichiose em 1 ou 2 meses, mas o seguimento é

desconhecido.

Discussão do caso clínico: Dado que a história mostra que a inflamação apareceu primeiro e

depois surgiu um aumento do globo ocular e sinais de glaucoma (aumento de PIO e

engurgitação dos vasos episclerais), além de apresentar na consulta sinais evidentes de uveíte

CASO CLÍNICO N.º 3 : OFTALMOLOGIA

15

(sinéquias, flare aquoso, hifema), diagnosticou-se glaucoma secundário a uveíte anterior. Para

a determinação da causa de uveíte realizaram-se alguns exames complementares que

permitiriam descartar algumas das etiologias mais prováveis. Não foi possível testar, por

exemplo, contra todos os agentes infecciosos por restrições financeiras do proprietário.

Decidiu-se testar a blastomicose e as doenças transmitidas por carraças porque são doenças

infecciosas comuns no estado do Tennessee. Para isso, além da pesquisa de anticorpos de

blastomicose na urina realizou-se radiologia torácica para descartar lesões pulmonares

associadas a esse fungo. O facto de o Chaco apresentar linfoadenopatia, hiperglobulinémia e

elevada fosfatase alcalina, além do título positivo de Ehrlichia (apesar de não ser muito alto) fez

com que a causa provável fosse ehrlichiose. Glaucomas são um grupo de doenças oculares

em que há aumento da PIO, fundamental para a manutenção da visão e saúde do olho. Uma

característica comum a todos os glaucomas é a morte progressiva das células ganglionares da

retina (CGR) e dos seus axónios. Os glaucomas ocorrem em 5 fases: um evento inicial envolve

normalmente as vias de drenagem do humor aquoso havendo mudança estrutural que provoca

obstrução deste, a PIO aumenta ao ponto de provocar diminuição do fluxo sanguíneo e fluxo

axoplásmico do nervo óptico, há disfunção das CGR resultando na degeneração e atrofia do

nervo óptico e consequentemente há perda do campo de visão e cegueira. Os glaucomas são

classificados em primários, secundários ou congénitos (raro em cães)1. Nos glaucomas

primários a elevação na PIO ocorre sem patologia ocular concorrente, é hereditária em muitas

raças de cães, tem potencial para se desenvolver bilateralmente e são do tipo ângulo aberto ou

fechado (mais comum) dependendo do exame gonioscópico. A displasia dos ligamentos

pectíneos ou a consolidação dos mesmos é várias vezes descrito em glaucomas de ângulo

fechado. Os métodos usados para baixar a PIO consistem em cirurgia ou tratamento com

fármacos hipotensores, no entanto estes muitas vezes não são bem sucedidos resultando num

olho doloroso e cego. O tratamento profiláctico do olho contralateral saudável deve ser sempre

efectuado para aumentar o tempo de sobrevivência desse olho. Porém a perda bilateral de

visão em muitos cães é inevitável2. Os glaucomas secundários acontecem por obstrução física

das vias de drenagem do humor aquoso por uma patologia ocular prévia ou concorrente1. Não

são hereditários, no entanto a causa pode ser (por exemplo cataratas ou subluxação da lente).

Podem ser uni ou bilaterais dependendo da causa primária. Ao contrário do glaucoma primário,

o glaucoma secundário pode ser prevenido com sucesso se o processo primário é detectado e

tratado a tempo. Num estudo realizado com uma amostra de 156 pacientes as causas

primárias mais comuns foram, por ordem decrescente: uveíte anterior (não associada a cirurgia

intra-ocular), uveíte anterior associada a facoemulsificação, deslocamento do cristalino, tumor

intraocular, uveite anterior associada com extração do cristalino intracapsular, hifema e

cataratas2. Os sinais clínicos encontrados em animais com glaucoma dependem do nível e da

duração da elevação na PIO, e nos casos de glaucomas secundários além dos sinais idênticos

CASO CLÍNICO N.º 3 : OFTALMOLOGIA

16

aos glaucomas primários (desde ausentes a midríase, edema e estrias da córnea, congestão

episcleral, buftalmia, sinéquias, cegueira e degeneração da retina) encontram-se também

sinais associados à causa primária. O diagnóstico de glaucoma realiza-se através de

gonioscopia, tonometria e oftalmoscopia. A gonioscopia permite classificar os glaucomas de

acordo com base na visualização da morfologia do ângulo iridocorneal e da fenda ciliar e é um

exame particularmente importante para os glaucomas primários. A tonometria é essencial para

o diagnóstico e seguimento e existem três tipos diferentes: Schiotz, aplanamento e impacto

(rebound). O aparelho usado neste caso clínico foi de aplanamento (TonoPen-Vet®) e em um

dos estudos realizados foi estimado que a PIO normal em cães com esse aparelho é 18,7±5,5

mmHg. A oftalmoscopia (directa e indirecta) também deve ser utilizada para avaliar o nervo

óptico e retina. As uveítes são inflamações da úvea, sendo esta composta pela íris, corpo ciliar

e coroide. A inflamação da úvea é comum visto ser altamente vascularizada, devido à sua

imunosensibilidade e à proximidade a outras estruturas. Podem ser classificadas em uveítes

anteriores, quando o corpo ciliar e a íris estão afectados, uveíte posterior quando só a coroide

está afectada e panuveíte, quando as 3 estruturas da úvea estão afectadas1. A úvea permite

regular a quantidade de luz que entra no olho através da pupila, produz humor aquoso, que

hidrata e remove resíduos da córnea e cristalino e fornece nutrientes para as camadas mais

superficiais do olho3. A uveíte pode ocorrer independentemente de patologias em outras

estruturas do olho, ou pode ocorrer secundariamente a doença da córnea, do cristalino, da

esclera, ou secundário a neoplasias ou doenças infecciosas. As causas podem ser divididas

em exógenas e endógenas. As causas exógenas têm origem fora do olho e frequentemente

envolvem traumas, mas também exposição a radiação ou químicos. As causas endógenas

originam-se do interior do olho, desde a circulação sanguínea ou de estruturas contagiosas.

Estas incluem a maioria das causas de uveíte e incluem doenças infecciosas, neoplásticas,

tóxicas, metabólicas e doenças auto-imunes. O diagnóstico mais comum é a uveíte idiopática.

Este diagnóstico é estabelecido quando uma causa não é descoberta mesmo depois de

realizar vários exames complementares. Um estudo revelou que a seguir a esta causa as mais

comuns são por ordem decrescente neoplasias, agentes infecciosos, reacções a vacina ou

síndrome uveo-dermatológico1. A uveíte ocorre após dano do tecido da úvea, ruptura da

vasculatura da barreira hemato-aquosa (BHA) ou da barreira hemato-retiniana. A BHA tem a

função de prevenir o movimento de moléculas através da superfície do endotélio vascular,

resultando numa concentração de proteínas no humor aquoso 200 vezes inferior ao plasma.

Com a quebra da BHA há aumento da concentração das proteínas no humor aquoso

resultando num fenómeno patognomónico de uveíte, o flare aquoso. A fase inflamatória aguda

de uveíte começa com uma breve vasoconstrição arteriolar, seguida de uma vasodilatação

(mediado por prostaglandinas e leucotrienos) o que leva ao aumento da permeabilidade

vascular e à quebra da BHA. As prostaglandinas induzem também hiperémia e diminuição da

CASO CLÍNICO N.º 3 : OFTALMOLOGIA

17

PIO porque aumenta o fluxo de humor aquoso nas vias de drenagem. A PGF2α também causa

constrição do músculo do esfíncter da íris resultando em miose e dor. A quebra da BHA

também permite o movimento de proteínas, células e mediadores da inflamação no estroma

iridal e no humor aquoso o que leva ao agravamento da inflamação devido aos factores

quimiotáticos. Os sinais não específicos de uveíte são: blefarosespamo, fotofobia, epífora,

enoftalmia e hiperémia. Já os específicos de uveíte anterior são: o flare aquoso, hipopion,

hifema, precipitados na córnea, miose e diminuição da PIO. Para avaliar os sinais de uveíte

posterior é necessário realizar exame oftalmoscópio. Nesse caso pode verificar-se

descoloração cinzenta da região tapetal, e zonas acizentadas a brancas na zona não tapetal,

edema da retina e infiltração celular, hemorragias e descolamento de retina em casos de maior

extensão da inflamação. A uveíte pode levar a sequelas como angiogénese corneal, formação

de sinéquias anteriores e posteriores, glaucoma secundário, cataratas, luxação do cristalino e

no caso de corioretinite pode levar a degeneração da retina (áreas de hiperreflectividade,

alterações da coloração do fundo, atenuação dos vasos retinais e phthisis bulbis). O

diagnóstico faz-se através da interpretação da história e exame físico, exame oftalmológico,

com o hemograma, bioquímica e urianálise3,4. Citologias através de cetense do humor aquoso

podem ser realizadas com vista a encontrar o agente etiológico, células neoplásicas ou o

Coeficiente de Goldman-Witmer (ratio entre o título de anticorpos do humor aquoso e do soro

sanguíneo). Esta técnica tem poucos riscos se for realizada por um oftalmologista experiente,

no entanto incluem a formação de cataratas se contactar com a cápsula anterior do cristalino,

hifema e exacerbação da uveíte3. A Ehrlichiose monocítica canina (EMC) é uma doença

transmitida por carraças (Rhipicephalus sanguineus) e causada pela ricketsia Ehrlichia canis,

no entanto outras espécies de Ehrlichia foram identificadas1. Esta doença está difundida

mundialmente, particularmente em regiões tropicais e subtropicais. A Ehrlichia spp. é uma

bactéria intracelular obrigatória com tropismo para as células hematopoiéticas. A doença pode-

se manifestar através de diversos sinais clínicos como depressão, febre, letargia, perda de

peso, anorexia, linfoadenomegália, esplenomegália, sinais oculares e hemorragias. Pode ser

categorizada em aguda (1-3 semanas), subclínica (média de 11 semanas) e crónica, no

entanto em regiões endémicas é difícil estabelecer estádios para os diferentes casos clínicos.

No hemograma pode-se encontrar trombocitopénia, ligeira anemia e leucopénia durante a fase

aguda, ligeira trombocitopénia na fase subclínica, e pancitopénia em estádios crónicos. Na

bioquímica encontra-se frequentemente hipoalbuminémia e gamopatia mono ou policlonal1,5.

Num estudo retrospectivo 37% dos cães com EMC apresentavam sinais oculares5. Estes

podem ocorrer tanto em fases agudas como crónicas de infecções naturais ou induzidas

experimentalmente. O sinal mais comum é a uveíte anterior e bilateral. Outros sinais

encontrados incluem conjuntivite, petéquias conjunctivais ou na íris, opacidade da córnea,

glaucoma secundário, panuveíte (com hifema, retinite difusa ou vasculite), corioretinite,

CASO CLÍNICO N.º 3 : OFTALMOLOGIA

18

descolamento da retina, papiledema, neurite óptica, engurgitação dos vasos retinais e esclerite

necrosante1,6. As hemorragias oculares associadas com ehrilichiose estão relacionadas com a

trombocitopénia, disfunção plaquetária ou hiperviscosidade1. O diagnóstico faz-se através dos

sinais clínicos, anormalidades hematológicas e de testes serológicos (IFA), PCR ou

visualização de mórulas em esfregaços de sangue ou buffy-coat1,5. Num estudo em que o

diagnóstico foi realizado recorrendo a ELISA, cães com lesões no segmento posterior

(panuveíte ou uveíte posterior) apresentaram um título contra E. canis de 1:320, enquanto os

outros animais com um título inferior a esse apresentavam unicamente sinais de uveíte

anterior5. O tratamento consiste em administrar Doxiciclina na dose de 10 mg/kg/dia durante 1

mês. Está também reportado resultados favoráveis com o uso concomitante de prednisona

sistémica em doses anti-inflamatórias (0,5 mg/kg BID PO)3,5. O tratamento do glaucoma

uveítico consiste em tratar a uveíte e baixar a PIO para minimizar o dano no nervo óptico e na

retina1. O tratamento de uveíte consiste em tratar a causa, controlar a inflamação, prevenir

sequelas e aliviar a dor 4. Nesses casos estão indicados anti-inflamatórios esteroides e não

esteroides (AINES) tópicos ou sistémicos. Os corticosteroides tópicos devem começar a ser

administrados logo após o diagnóstico de uveite anterior, se na ausência de úlceras da

córnea1,4. Os AINES tópicos (flurbiprofeno, suprofeno e diclofenac) diminuem a inflamação

mediada por prostaglandinas e podem ser usados com os anti-inflamatórios esteroides tópicos

pois os seus efeitos são aditivos1. O uso de midriáticos de curta duração também pode ser

indicado para prevenir a formação de sinéquias posteriores. Os inibidores da anidrase

carbónica podem ser usados para manter a PIO nos limites normais1.

Referências bibliográficas:

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6. Komnenou AA, Mylonakis MF, Kouti V, Tendoma L, Leontides L, Skountzou E, Dessiris A,

Koutinas AF, Ofri R (2007), “Ocular manifestations of natural canine monocytic ehrlichiosis

(Ehrlichia canis): a retrospective study of 90 cases” in Veterinary Ophthalmology, 10,

137-142

CASO CLÍNICO N.º 3 : OFTALMOLOGIA

19

Caracterização do paciente e motivo da consulta: O Duke é um gato macho castrado, de

raça “American Domestic Shorthair”, de 14 anos de idade e 4 kg de peso, que veio

referenciado ao serviço de Oncologia por “fibrossarcoma vacinal felino”. História clínica: Seis

meses antes da consulta foi removida cirurgicamente uma massa na pele do flanco abdominal

esquerdo de duração e dimensões desconhecidas e cuja análise histopatológica revelou ser

um fibrossarcoma. Nesse local o Duke teria recebido anos antes a vacina da FelV. Uma massa

voltou a crescer no mesmo local e foi removida passados 2 meses após a primeira cirurgia e a

análise histopatológica voltou a diagnosticar um fibrossarcoma, cujo relatório, muito

semelhante ao primeiro, revelava uma massa com infiltração do tecido subcutâneo e fibras

musculares adjacentes por células com forma fusiforme não encapsuladas organizadas numa

matriz fibrovascular e fibromatosa. Apresentava 28 figuras de mitose num campo 400x, formas

de mitose bizarras, moderada presença de anisocitose e anisocariose com células gigantes

multinucleadas dispersas. Havia necrose multifocal e agregados de linfócitos dentro e na

periferia o que, segundo o histopatologista era um indício de reacção vacinal e, como era

semelhante à primeira massa excisada, representava provavelmente uma recorrência da

primeira. Três meses após, a massa recorreu e foi removida cirurgicamente mas voltou a

crescer, apresentando-se à presente consulta de referência 2 meses após a última cirurgia,

para discutir opções de tratamento. Para além deste problema o Duke foi sempre um gato

saudável e, para além das cirurgias descritas, foi sujeito a uma orquiectomia quando tinha

cerca de 1 ano de idade. As vacinas estavam atrasadas e não estava desparasitado. Era

alimentado com ração seca de qualidade superior. Vivia no interior de uma habitação na cidade

de Knoxville (Tennessee, EUA), mas tinha livre acesso ao exterior privado e público e não tinha

coabitantes. Sem outras alterações nas perguntas por sistemas. Exame de estado geral: O

Duke apresentava um estado mental normal e um temperamento nervoso. O grau de

desidratação era < 5 % e a condição corporal era de 2 em 5 pontos (magro). Os movimentos

respiratórios eram costo-abdominais, de profundidade normal, relação inspiração-expiração

1:1,3, regulares e sem uso de músculos acessórios e frequência 52 rpm. O pulso era forte,

bilateral, regular, simétrico, sincrónico, rítmico e com uma frequência de 180 ppm. A

temperatura era de 38,5⁰C, com tónus anal e reflexo perineal adequados, sem parasitas ou

sangue. As mucosas eram brilhantes, rosa claro e húmidas com um TRC < 2 seg. Os gânglios

linfáticos mandibulares, pré-escapulares e poplíteos apresentavam dimensões e consistência

normais e os restantes não eram palpáveis. Não se detectaram alterações à auscultação

torácica. O exame oral e dos ouvidos apresentava-se normal. A palpação abdominal não

revelou anomalias. Apresentava 1 massa (M1) no flanco caudal esquerdo firme, imóvel, com as

dimensões de 55mmx44mmx27mm. Uma segunda massa (M2) na zona medial do joelho

esquerdo de dimensões 22mmx13mmx9mm de consistência mais branda e imóvel. E uma

terceira massa (M3) na zona do fémur distal medial esquerdo de dimensões

CASO CLÍNICO N.º 4 : ONCOLOGIA CLÍNICA

20

17mmx16mmx7mm de características semelhantes à primeira. Exames complementares:

Hemograma: ligeira anemia normocrómica macrocítica (hematócrito 32,8% Referência 34-48%,

MCV 47,1fL Referência 36-46 fL) Bioquímica e electrólitos: todos os parâmetros dentro dos

limites de referência normais. Urianálise: Urina recolhida por cistocentese. Densidade: 1.055.

Sem alterações. Radiologia abdominal nas projecções ventro-dorsal e lateral direita: A massa

no flanco esquerdo não parecia invadir a parede abdominal. Os outros órgãos apresentavam

dimensões e morfologias normais. Radiologia tórax ventro-dorsal, lateral direita e lateral

esquerda: múltiplas massas de densidade de tecido mole de forma irregular e mal delimitadas,

mais pronunciadas na porção dorsal do lobo caudal esquerdo do pulmão. Massas mais

discretas estavam presentes nos lobos caudal direito e médio direito. Estas correspondiam

provavelmente a metástases pulmonares. Ecografia abdominal: O gânglio linfático ilíaco medial

esquerdo estava moderadamente aumentado e irregular, medindo 0,63 cm x 2,18 cm. Sem

mais alterações. Diagnóstico: Fibrossarcoma vacinal felino com metástases pulmonares.

Tratamento e Evolução: No mesmo dia o Duke recebeu a primeira dose do protocolo de

Doxorubicina (25mg/m2) IV a cada 3 semanas, num total de 5 doses. Essas doses foram

precedidas por difenidramina (1,1mg/kg IM 20 minutos antes) para evitar reacção anafilática. O

plano para cada visita seria realizar exame físico, hemograma, bioquímica, densidade urinária

e quimioterapia. A localização dos tumores nesse momento não permitiu realizar cirurgia visto

haver dificuldade em obter margens limpas. Além disso, o facto de ter massas nos pulmões

consistentes com doença metastática, colocou o Duke como um pobre candidato anestésico,

logo a radioterapia também não foi uma opção. Três semanas após, na visita para a 2ª dose do

protocolo as massas estavam mais pequenas (M1: 47mmx43mmx22mm M2:

20mmx14mmx5mm M3: 14mmx14mmx5mm) e não se verificaram nenhuns efeitos

secundários. No estadiamento da doença para a 3ª dose, nas radiografias torácicas, as massas

pulmonares apresentavam-se mais pequenas e menos densas (ver anexos figuras 8-11). Os

fibrossarcomas apresentavam sensivelmente o mesmo tamanho que na visita anterior. O

restante seguimento é desconhecido.

Discussão do caso clínico: Os sarcomas de tecidos moles são uma população heterogénea

de tumores com origem nos tecidos mesenquimatosos que constituem 15% e 7% de todos os

tumores da pele e tecido subcutâneo de cães e gatos, respectivamente. A sua classificação é

baseada no facto de apresentarem comportamentos clínicos e aparência patológica similares.

Esses tumores originam-se no tecido muscular, adiposo, neurovascular, fascial e fibroso. No

início dos anos 90 os sarcomas de origem vacinal em gatos foram descritos pela primeira vez,

quando a incidência destes começou a aumentar. Estudos epidemiológicos nessa altura

demonstraram uma correlação entre a administração de vacinas inactivadas como a da FelV e

da raiva e o aparecimento de sarcomas de tecidos moles, além disso, outros autores referiram

que administrações sucessivas no mesmo local aumentavam o risco1. Estudos mais recentes,

CASO CLÍNICO N.º 4 : ONCOLOGIA CLÍNICA

21

mostram que o aparecimento dessas neoplasias está relacionado com inflamação crónica dos

tecidos subcutâneo e muscular provocados, não só pela administração de vacinas, mas

também por outros materiais, tais como antibióticos, esteróides de longa duração, microchips

ou suturas não absorvíveis, tendo por isso, surgido o termo de sarcomas de locais de injecção

em substituição de sarcoma vacinal felino2. O tumor pode surgir após vacinação em média

entre 4 semanas e 10 anos mas, assim que o processo se inicia, o tumor pode atingir vários

centímetros em poucas semanas1,2. As vacinas com adjuvantes parecem ser capazes de

provocar maior reacção, não existindo estudos, porém, que demonstrem que as não adjuvadas

sejam mais seguras1. A administração de vacinas a baixas temperaturas parece aumentar

significativamente o risco, enquanto que as outras práticas vacinais, tais como a grossura da

agulha, o tipo de seringa, o massajar a zona e a administração IM não parecem ter relação.

Também não foi demonstrada relação entre a infecção concomitante com FelV ou FIV2. Os

sarcomas de locais de injecção mais comuns em gatos são os fibrossarcomas (que se originam

dos fibroblastos) porém, também foram descritos o histiocitoma fibroso maligno, o

condrosarcoma, o osteosarcoma, o rabdomiossarcoma e o sarcoma indiferenciado. A

inflamação crónica parece provocar a proliferação e transformação descontrolada de

fibroblastos e miofibroblastos através de múltiplas citoquinas e factores de crescimento, como o

factor de crescimento derivado das plaquetas, além do aumento da expressão de mutações de

oncogenes e genes supressores de tumores1,2. O diagnóstico começa com a história clínica

onde se deve tentar saber se o local do tumor corresponde ao local de administração de

vacinas ou outros fármacos injectáveis2. A citologia da massa não é normalmente suficiente

para o diagnóstico dado que os falso-negativos são comuns porque, os sarcomas de tecidos

moles não esfoliam facilmente, muitas vezes é difícil distinguir entre tecido reactivo fibroso e

tecido neoplásico e as amostras, por vezes, não são representativas quando só se atingem

áreas de necrose1. No caso dos fibrossarcomas vacinais a citologia só diagnostica 50% dos

casos. A “Vaccine-Associated Feline Sarcoma Task Force” (VAFSTF) recomenda que cada

massa que persista por mais 3 meses após a injecção, cresça mais que 2 cm e aumente de

tamanho 1 mês após a injecção deva ser biopsiada. As biopsias devem ser incisionais pois o

tumor pode ter uma estrutura heterogénea e com biopsias “tru-cut” pode não se obter uma

amostra significativa2. Há diferenças significativas entre os sarcomas de locais de injecção e os

não associados a vacina/injecção. Os tumores que se desenvolvem secundariamente a

vacinação são normalmente mais agressivos e microscopicamente verifica-se um marcado

pleomorfismo celular e nuclear, necrose tumoral, actividade mitótica elevada e presença de

infiltrados de células inflamatórias na periferia consistindo de macrófagos e linfócitos. Áreas de

transição entre inflamação e desenvolvimento de tumor são frequentemente observadas1,

como no caso do Duke que se verificou a presença de agregados linfoides na periferia da

massa, além da necrose multifocal devido ao rápido crescimento do tumor2. Os macrófagos na

CASO CLÍNICO N.º 4 : ONCOLOGIA CLÍNICA

22

periferia da massa apresentam muitas vezes no interior um material estranho acizentado que

foi identificado como hidróxido de alumínio, um dos adjuvantes usados nas vacinas1. O

estadiamento é muito importante para o sucesso do tratamento pois, se o paciente tiver

metástases à distância, o tratamento local só irá ser paliativo. Os outros exames usados para

estadiamento do tumor são hemograma e bioquímica sérica de rotina, urianálise, testes FIV e

FelV, imagiologia local do tumor a 3 dimensões, radiologia torácica a 3 projecções ou

imagiologia avançada, radiologia e ecografia abdominal e CAAF dos gânglios linfáticos

regionais1,2. Os parâmetros avaliados nas análises de sangue, normalmente, estão dentro dos

limites normais. As modalidades de imagem a 3 dimensões como a tomografia axial

computorizada (TAC) ou Ressonância Magnética (RM) são recomendados para o

estadiamento do tumor, mas também permitem planear a cirurgia e a radioterapia. O volume do

tumor obtido por TAC contrastada é, aproximadamente, o dobro do volume medido usando o

“compasso de calibre” durante o exame físico. Além disso, são tumores muito invasivos e,

frequentemente, estão localizados em áreas cuja anatomia regional não permite uma cirurgia

agressiva (como por exemplo na parede abdominal) e têm uma elevada taxa de recorrência,

especialmente se incompletamente excisados. Apesar de os fibrossarcomas vacinais felinos

serem muito invasivos, só entre 15 a 24% metastizam, mais comummente para os pulmões, via

hematógena, sendo o tempo médio de metastização de 265 dias. A imagiologia abdominal é

recomendada quando o sarcoma se localiza nos membros pélvicos1. Um tratamento efectivo

ainda não foi encontrado, mas uma abordagem multimodal (cirurgia, radioterapia e

quimioterapia) parece levar a melhores resultados2. No entanto, o pilar do tratamento continua

a ser a cirurgia excisional com amplas margens. Estas devem ser de 3-5 cm de tecido

macroscopicamente saudável e deve atingir, pelo menos, um plano fascial em profundidade.

Estudos mostram que o intervalo médio livre de doença quando a excisão é praticada pelas

margens do tumor é de cerca de 79 dias versus os 325 a 419 dias quando se pratica a cirurgia

radical1. Apesar dos esforços realizando cirurgia mais radicais, a recessão completa só é obtida

em menos de 50% dos gatos. O sucesso do tratamento é maior em animais com

fibrossarcomas nas extremidades dos membros, pois as margens são superiores com a

amputação1. O tratamento pré e pós-operatório com radioterapia apresentam também

vantagens. O intervalo médio livre de doença em tumores excisados com margens limpas e

radioterapia pré-operatória aumenta para uma média de 700 a 986 dias e em tumores

incompletamente excisados para 112 a 292 dias. Os resultados para radioterapia pós

operatória são semelhantes1. Estudos também mostram prolongamento do intervalo médio livre

de doença com o uso adicional de doxorubicina para além da radioterapia e cirurgia em

tumores incompletamente excisados (15,4 versus 5,7 meses), no entanto não há

prolongamento do tempo médio de sobrevivência. O objectivo de adicionar quimioterapia

durante, e após a radioterapia, é eliminar células tumorais remanescentes no local e

CASO CLÍNICO N.º 4 : ONCOLOGIA CLÍNICA

23

micrometástases não encontradas, no exame físico, ou pela radiologia3. Porém, ainda não há

estudos suficientes que permitam avaliar o papel da quimioterapia no tratamento de

fibrossarcomas vacinais, apesar de a doxorubicina, ciclofosfamida e a carboplatina serem

comummente usadas2. Clinicamente, foram reportadas respostas completas e parciais à

doxorubicina sozinha, ou em combinação com a ciclosfosfamida, em 39 a 50% de gatos com

tumores grandes, mas essas respostas foram muitas vezes curtas e com uma duração média

de 84 a 125 dias. O tempo médio de sobrevivência é significativamente prolongado (com 242

dias) em gatos que respondem à quimioterapia, sendo de 83 dias para os que não respondem.

Num estudo, a doxorubicina e a doxorubicina liposoma-encapsulada prolongam

significativamente o intervalo médio livre de doença após cirurgia, com um intervalo médio livre

de doença de 393 dias para gatos que receberam versus 93 dias para gatos que não

receberam1. Num outro estudo comparando a taxa de recorrência e a taxa de metastização de

gatos com sarcomas de locais de injecção tratados só com cirurgia radical e cirurgia radical

mais quimioterapia com doxorubicina (4 ciclos a cada 3 semanas), não mostrou diferenças

significativas, no entanto, o intervalo médio livre de doença e o tempo médio de sobrevivência

não foram obtidos. Apesar disso, os autores consideraram que, o uso de doxorubicina poderá

aumentar a esperança de vida em animais com massas inoperáveis4. Actualmente novas

terapias estão sendo estudadas, nomeadamente com os inibidores da tirosina quinase

(Imatinib mesylate bloqueia o receptor para o factor de crescimento derivado das plaquetas),

imunoterapia (com interferon-ω felino recombinante) e ifosfamide (demonstrou efeito anti-

tumoral, mas a nefrotoxicidade limita o uso rotineiro em gatos), mas mais estudos são

necessários para avaliar a sua eficácia2. No Duke, encontraram-se nódulos pulmonares

consistentes com doença metastática. Assim que esta se desenvolve, o tratamento é dificil e

as remissões são raras. Estes são mais comuns que tumores primários do pulmão. Os

sintomas podem incluir perda de peso, inapetência, tosse, letargia, intolerância ao exercício,

hemoptise e dispneia. Alguns pacientes podem apresentar sinais hiperagudos devido a

hemotorax, pneumotorax ou efusão pleural maligna. As síndromes paraneoplásicas são raras

em cães e gatos mas, a mais comum, é a osteodistrofia hipertrófica. O diagnóstico definitivo é

feito através de citologia, no entanto, pacientes com história de um tumor primário com

múltiplas massas pulmonares, como o Duke é o suficiente para o diagnóstico presuntivo de

doença metastática. A ressecção cirúrgica de metástases é utilizada em medicina humana,

mas em veterinária o seu benefício ainda não foi avaliado em gatos com fibrossarcomas. A

selecção da quimioterapia deve ter por base o tipo de tumor primário. O tratamento paliativo

desses animais tem como objectivo aumentar o apetite, diminuir a tosse e reduzir os efeitos

das síndromes paraneoplásicas5. Em humanos com sarcomas de tecidos moles o factor

prognóstico mais importante é o grau histológico, no entanto, em Medicina Veterinária a

mesma escala é utilizada para todos os sarcomas de tecidos moles. Consiste em 3 graus

CASO CLÍNICO N.º 4 : ONCOLOGIA CLÍNICA

24

histológicos, sendo o 1 o menos agressivo e o 3 o mais agressivo (ver anexos tabela 5).

Baseia-se no grau de diferenciação, na actividade mitótica e na necrose, no entanto, mesmo

realizando o estadiamento e sabendo o grau histológico, o comportamento desses tumores é

difícil de prever6. A presença de anticorpos contra o p53 (gene supressor tumoral) parece ter

também um papel no prognóstico da doença1. A VAFSTF recomenda que nenhuma vacina

deva ser administrada na região interescapular a vacina da raiva deve ser administrada no

membro pélvico direito o mais distalmente possível; a vacina da FelV deve ser administrada no

membro pélvico esquerdo também o mais distal possível e todas as outras devem ser

administradas no ombro direito. O facto de aparecer um fibrossarcoma associado a vacina na

região distal de um membro irá permitir obter margens mais amplas com amputação. O local da

injecção, o tipo de vacina, o fabricante e o número de série devem ser documentados na ficha

do paciente para informação futura. Esses dados servem para informação epidemiológica e

não como prevenção. A VAFSTF também recomenda vacinar individualmente não mais

frequente do que o necessário, vacinar unicamente contra os agentes infecciosos em que haja

risco real de exposição e de consequente desenvolvimento de doença. Para a administração

de outros fármacos através de injecção IM ou SC o uso deve ser limitado aos membros na sua

parte mais distal ou à parte lateral do corpo (longe da coluna vertebral)1,2.

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American Veterinary Medical Association, 232, 1193-1199

CASO CLÍNICO N.º 4 : ONCOLOGIA CLÍNICA

25

Caracterização do paciente e motivo da consulta: O Axel é um cão macho inteiro, de raça

Boxer, 4 anos de idade e 26,5 kg de peso que veio à consulta por problemas de pele

recorrentes e perda de peso. História clínica: O proprietário referiu que o Axel apresentava

piodermas há cerca de 6 meses, as quais foram tratadas por 3 vezes, num outro Veterinário

com antibióticos (amoxicilina e ácido clavulâmico). Após esses tratamentos as piodermas

resolviam mas, acabaram sempre por voltar. Além disso, parecia que tinha perdido peso desde

então (pesava 30 kg), apesar de o apetite se manter inalterado. O outro veterinário realizou um

teste rápido para leishmaniose o qual deu negativo. O Axel estava vacinado contra esgana,

adenovírus tipo 2, parvovirose, parainfluenza, leptospirose e raiva. Estava desparasitado

internamente com pirantel, praziquantel e febantel e externamente com um produto spot-on

contendo fipronilo. Era alimentado com uma ração seca de qualidade Premium. Nunca foi

submetido a nenhuma intervenção cirúrgica e o seu histórico médico não apresentava outros

problemas. O Axel habitava no interior de uma habitação nos arredores da cidade de Barcelona

mas, tinha livre acesso ao exterior privado e público e não tinha histórico de viagens recentes.

Não apresentava coabitantes. Não tinha o hábito de escavar, nem acesso a tóxicos ou lixos.

Nas perguntas por sistemas, a proprietária referiu que o Axel começou a beber mais água e a

urinar mais desde há cerca de 1 mês. Exame de estado geral: O Axel apresentava um estado

mental normal e um temperamento equilibrado. O grau de desidratação era <5 % e a sua

condição corporal era de 3 numa escala de 5 pontos (normal). Os movimentos respiratórios

eram costo-abdominais, de profundidade normal, relação inspiração-expiração 1:1,3, regulares

e sem uso de músculos acessórios e frequência 36 rpm. O pulso era forte, bilateral, regular,

simétrico, sincrónico, rítmico e com uma frequência de 92 ppm. A temperatura era de 38,3⁰C,

com tónus anal e reflexo perineal adequados, sem parasitas ou sangue. As mucosas eram

brilhantes, rosadas e húmidas com um TRC <2 seg. na mucosa oral. Os gânglios linfáticos

mandibulares, pré-escapulares, e poplíteos eram palpáveis e com características normais, os

restantes gânglios não eram palpáveis. Não se detectaram alterações à auscultação torácica.

O exame da cavidade oral e auricular apresentava-se normal. Ao exame da pele verificaram-se

crostas e eritema nas orelhas. A palpação abdominal não revelou anomalias. Lista de

problemas: crostas e eritema nas orelhas, perda de peso, possível poliúria, polidipsia (PU/PD).

Diagnósticos diferenciais: Inflamatório/Infeccioso: Leishmaniose, Ehrlichiose Metabólico:

Hiperadrenocorticismo, Diabetes Mellitus, Insuficiência renal crónica (IRC) Imuno-mediado:

Lupus Eritematoso Sistémico Neoplásico: linfoma Exames complementares: Hemograma:

normal Bioquímica: hipoalbuminémia (2,7 g/dL Referência: 3,2-4,1 g/dL), hiperproteinémia (7,4

g/dL Referência: 5,4-6,8 g/dL), urémia (41,2 mg/dL Referência: 8-32 mg/dL). Urianálise:

Cistocentese, densidade urinária 1.024, 3+ de proteína, 4+ sangue, sedimento inactivo. Cultura

Urinária: negativa Ratio Proteína Creatinina Urinária (UPC): 2,6. Pressão arterial sistólica

(PAS): 190 mmHg. Punção de medula óssea: Verificou-se a presença de parasitas do género

CASO CLÍNICO N.º 5 : UROLOGIA

26

Leishmania spp. no interior de macrófagos. Diagnóstico: Glomerulonefrite por possível

Leishmania spp. Tratamento e evolução: O Axel foi medicado com enalapril 0,5 mg/kg BID

PO para a hipertensão arterial sistémica, alopurinol 10 mg/kg BID PO e miltefosina 2 mg/kg PO

SID para o tratamento de leishmaniose e foi recomendado mudar a ração para uma dieta renal.

Para a pele foi receitado amoxicilina e ácido clavulâmico (10 mg/kg BID PO) e banhos com

clorexidina. Na consulta de acompanhamento passados 15 dias as lesões de pele estavam

melhores e repetiu-se o hemograma, bioquímica, urianálise, ratio UPC e medição da PAS.

Estes mantiveram-se inalterados, à excepção do ratio UPC diminui para 1,75 e a PAS estava

nos 220 mmHg e adicionou-se à terapia amlodipina (0,1 mg/kg SID PO).

Discussão do caso clínico: As doenças do glomérulo são uma causa comum de doença e

insuficiência renal em cães e menos comum em gatos1. Pensa-se que muitas doenças

glomerulares estão associadas à deposição de imunocomplexos nas paredes dos capilares

glomerulares, provocando as chamadas glomerulonefrites (GN). Outras doenças incluem

anomalias estruturais, hemodinâmicas e amiloidose2. Existem diferentes formas de GN:

glomerulopatia membranosa, GN membranoproliferativa e GN proliferativa. Outras mais raras

são as nefrites hereditárias e GN por lesões mínimas. O glomérulo é um emaranhado de

capilares, modificado, que funciona como um filtro através do qual se forma um ultrafltrado de

plasma. A barreira de filtração é composta por 3 camadas: um endotélio fenestrado, uma

membrana glomerular basal e células epiteliais viscerais ou podócitos. O filtrado passa pelo

endotélio fenestrado, atravessa a membrana glomerular basal e passa depois através de

fendas de filtração das células epiteliais até o espaço urinário. Esta estrutura complexa é

permeável à água e pequenos solutos dissolvidos, mas retém células e a maioria das

macromoléculas como as proteínas. O factor mais determinante para a filtração é o tamanho

(passa até 60000-70000 daltons) e o menos importante é a carga iónica. A albumina, uma

molécula com carga eléctrica negativa e de peso molecular de 69 000 daltons, é normalmente

excluída do filtrado. Acredita-se que as moléculas carregadas negativamente são retidas e não

são filtradas porque o endotélio e a membrana basal contém glicoproteínas carregadas

negativamente. No entanto, há sempre pequenas quantidades de albumina e outras proteínas

que são encontradas no filtrado, contudo são degradadas em pequenos fragmentos de

péptidos, os quais são excretados, mas não são passíveis de serem detetados em exames de

rotina. Esses péptidos e proteínas também podem ser reabsorvidos a nível tubular1. A

deposição de complexos imunes previamente formados resulta num padrão imunocitoquímico

ao longo da membrana glomerular basal. Também se podem formar imunocomplexos in situ

quando anticorpos circulantes reagem com antigénios glomerulares endógenos ou depositam

antigénios não glomerulares na parede capilar glomerular. Estes últimos podem se localizar no

filtro glomerular devido a atracção das cargas ou por afinidade bioquímica. Esses complexos

imunes estimulam a produção de mediadores bioactivos como citoquinas pró-inflamatórias,

CASO CLÍNICO N.º 5 : UROLOGIA

27

substâncias vasoactivas, factores de crescimento e proteínas e proteases de matriz

extracelular, que contribuem para danificar o glomérulo. Essas substâncias podem ser

produzidas por células glomerulares endógenas, plaquetas, macrófagos e neutrófilos que são

atraídos pela inflamação. A activação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) leva

a efeitos hemodinâmicos, como a vasoconstrição da artériola eferente, resultando em

hipertensão intraglomerular e aumento da pressão hidrostática nos capilares glomerulares

ajudando a passar a albumina no plasma através do filtro lesado. A angiotensina e a

aldosterona estimulam também a proliferação celular e fibrogénese. Além da activação do

SRAA, o dano glomerular leva a activação do sistema complemento, a agregação plaquetária,

a activação do sistema de coagulação e à deposição de fibrina, o que contribui para agravar a

lesão glomerular. Uma vez que o glomérulo é irreversivelmente danificado, todo o nefrónio se

torna afuncional. Os nefrónios viáveis compensam a diminuição do número de nefrónios

funcionais aumentando as taxas de filtração glomerular individuais. Essa hiperfiltração em

conjunto com hipertensão, se presente, leva a hialinização e esclerose glomerular. Há também

evidência em animais de laboratório e em humanos que a proteinúria por si só pode provocar

dano glomerular e tubulointersticial, provocado por obstrução dos túbulos por cilindros

proteináceos. Baseado nesses acontecimentos, um dos objectivos principais do tratamento

será atenuar a proteinúria. Muitas doenças infecciosas, inflamatórias e neoplásicas foram

associadas com a presença de imunocomplexos glomerulares. Quando a doença primária não

é identificada a GN é classificada como idiopática. Uma das doenças infecciosas responsáveis

pela GN é a leishmaniose2. A leishmaniose canina provocada por Leishmania infantum é uma

zoonose com distribuição mundial potencialmente fatal para humanos e canídeos, os quais

representam o principal reservatório deste parasita para humanos. É endémica em mais de 70

países no mundo, entre os quais os países da bacia do mediterrâneo e Portugal3. As

Leishmanias completam o seu ciclo de vida em dois hospedeiros, uma mosca, o flebótomo que

funciona como vector e transmite a forma promastigota flagelada infectante e um mamífero,

onde a forma amastigota intracelular se desenvolve e se replica. Outras formas de transmissão

são as transfusões sanguíneas, vertical e venéreas. A leishmaniose canina segue

frequentemente um padrão insidioso e crónico de infecção. Esta infecção nos cães pode ser

subclínica, ou manifestar-se como auto-limitante ou por vezes severa ao ponto de ser fatal. As

infecções subclínicas podem não ser permanentes e factores como a imunossupressão ou

doenças concomitantes podem quebrar o equilíbrio e levar a progressão da doença clínica em

cães, como o observado em humanos coinfectados com o vírus da imunodeficiência humana.

Essas diferenças na manifestação devem-se a diferentes respostas imunológicas. Em animais

infectados mas clinicamente saudáveis predomina a resposta Th1 com baixa serologia,

predomínio da imunidade celular e uma baixa carga parasitária, enquanto em animais com

manifestação da doença verifica-se resposta predominante Th2 com elevada serologia, baixa

CASO CLÍNICO N.º 5 : UROLOGIA

28

imunidade celular e uma carga parasitária elevada3. Com este espectro, a doença clínica pode

variar desde uma ligeira dermatite papular associada com imunidade celular específica e baixa

resposta humoral a uma doença severa caracterizada por dano renal com glomerulonefrite por

deposição de complexos imunes associada com uma massiva resposta humoral e elevada

carga parasitária4. Alguns factores predisponentes foram descritos como a raça (os Boxers,

Cocker Spaniel, Rottweiler e Pastor Alemão parecem ser mais susceptíveis a desenvolver

doença), a genética (genes associados a maior susceptibilidade) e a idade (a distribuição da

doença é bimodal sendo mais prevalente em cães com menos de 3 anos e com mais de 8

anos)3. A leishmaniose canina é uma doença sistémica que pode potencialmente afectar

qualquer órgão, tecido ou fluido biológico e manifesta-se por sinais não específicos como

lesões na pele, linfoadenomegalia generalizada, perda de peso progressiva, atrofia muscular,

intolerância ao exercício, inapetência, letargia, esplenomegalia, PU/PD, lesões oculares,

epistaxis, onicogrifose, claudicação, vómitos e diarreia4. Os sinais clínicos associados a GN

dependem da severidade da proteinúria (letargia, perda de peso em casos ligeiros a edema e

ascite, hipercoaguabilidade e tromboembolismo pulmonar em casos mais severos) e da

presença ou ausência de IRC e urémia (PU/PD, anorexia, vómito, hálito urémico)1,2. As

proteinúrias persistentes também podem levar a sinais clínicos de síndrome nefrótico, uma

combinação de proteinúria, hipoalbuminémia, ascite e edemas e hipercolesterolémia. Uma

outra complicação frequente é a hipertensão arterial sistémica2. Um estudo concluiu que a

hipertensão arterial sistémica é prevalente em cães com doença renal secundária a

leishmaniose, não só nos estádios mais severos mas também nos estádios mais precoces,

quando a azotémia ainda não é aparente. Nesse estudo 61 % dos cães com GN por

leishmaniose tinham hipertensão arterial sistémica5. Dado que a leishmaniose é associada com

uma elevada prevalência de doença renal, é essencial avaliar a função renal e efectuar o

estadiamento usando as recomendações da International Renal Interest Society (IRIS)4.

Proteinúria persistente com um sedimento urinário normal ou contendo cilindros hialinos é o

sinal clinicopatológico de doença glomerular2. Deve-se determinar o ratio UPC e se este for

>0,5 numa urina livre de inflamação e hematúria macroscópica considera-se anormal1. Se isso

se verificar é indicado realizar uma biopsia renal para estabelecer um diagnóstico definitivo, no

entanto antes disso, devem ser realizados outros testes menos invasivos para se possível

encontrar uma causa como hemograma, bioquímica, urianálise, quantificação da proteinúria,

radiologia abdominal, ecografia renal e provas de coagulação2. No caso do Axel, visto que este

habitava numa região endémica de leishmaniose e apresentava lesões de pele recorrentes,

GN, pois apresentava proteinúria sem sinais de inflamação no sedimento urinário, PU/PD

consistente com uma urina pouco concentrada, ratio UPC elevado e disproteinémia realizou-se

uma punção de medula óssea como tentativa para diagnosticar leishmaniose como causa de

GN. O diagnóstico de leishmaniose necessita uma abordagem consistindo numa análise

CASO CLÍNICO N.º 5 : UROLOGIA

29

clinicopatológica e testes laboratoriais específicos. A história clínica, exame físico e testes

diagnósticos de rotina como os acima mencionados para o diagnóstico de GN devem ser

realizados para levantar a suspeita da doença. Os métodos diagnósticos para leishmaniose

incluem a detecção de amastigotas em citologias de aspirados de lesões cutâneas, gânglios

linfáticos, medula óssea e baço e apesar de ser um método rápido o número de parasitas

detectados é baixo mesmo em cães com elevada carga parasitária sendo pouco sensível3,4.

Quando este método falha pode-se recorrer a imunohistoquímica para tentar confirmar a

presença de Leishmanias no tecido. A cultura e isolamento de parasitas em tecidos afectados

apresenta menor sensibilidade que o PCR e a serologia e pode demorar um mês a ter os

resultados. Os métodos mais úteis para o diagnóstico de leishmania em animais doentes e

clinicamente saudáveis são a detecção e quantificação de anticorpos específicos anti-

leishmania por diversas técnicas serológicas (ELISA e IFA) e a demonstração do DNA em

tecidos aplicando técnicas moleculares como o PCR o que permite o diagnóstico sensível e

especifico da infecção. O RT-PCR permite detectar a carga infectante nos tecidos, o que é útil

para o diagnóstico e seguimento durante o tratamento. Um elevado nível de anticorpos num

animal com sinais clínicos e anomalias clinicopatológicas diagnostica a doença e permite

estabelecer um prognóstico. No entanto, se o nível de anticorpos é baixo, não é indicativo de

doença e outros métodos diagnósticos como PCR são necessários para o confirmar. Existe um

teste rápido qualitativo que detecta a presença de anticorpos, mas que só dá resultados

positivos e negativos e deve ser interpretado com precaução3,4. O tratamento da Leishmaniose

consiste em associar alopurinol (10 mg/kg BID PO no mínimo 6-12 meses) com antimoniato de

meglumina (75-100mg/kg SID ou 40-75 mg/kg BID durante 4 semanas SC) ou miltefosina

(2mg/kg SID durante 28 dias). A resposta ao tratamento pode variar de pobre a boa

dependendo do status clínico inicial e da resposta individual à terapia. Espera-se que animais

com IRC tenham uma taxa de recuperação mais baixa do que aqueles que apresentam uma

ligeira proteinúria ou nenhuma lesão renal. A terapia com fármacos anti-leshmania leva muitas

vezes a cura clínica, contudo esses animais continuam a ser uma fonte de infecção para os

vectores, mas numa extensão menor do que antes do tratamento3. Espera-se uma melhoria

clínica no primeiro mês de tratamento com a terapia descrita4. Um estudo recente testou o uso

de domperidona, um antagonista dos receptores D2 da dopamina em cães com leishmaniose.

Este fármaco aumenta os níveis de prolactina a qual apresenta um papel importante na

resposta imune, mas cujo mecanismo de acção é desconhecido. Conclui-se desse estudo que

a domperidona sozinha (1mg/kg BID PO durante 1 mês) foi efectiva a controlar e reduzir os

sinais clínicos e o titulo de anticorpos e a aumentar a imunidade celular, actuando assim como

imunomoduladora. As vantagens desse fármaco prendem-se com o facto de ser barato, pode

ser administrado oralmente e no presente estudo não demonstrou efeitos secundários,

permitindo tratar animais com insuficiência renal. Dado o facto que os protocolos com

CASO CLÍNICO N.º 5 : UROLOGIA

30

alopurinol e antimoniato de meglumina mostraram eficácia, o próximo passo seria adicionar um

fármaco imunomodulador a esses protocolos. Apesar de que com a domperidona não se atinge

a cura parasitológica completa, o melhoramento clínico e a diminuição dos anticorpos poderá

indicar diminuição da infectividade6. Para reduzir a resposta do glomérulo aos

imunocomplexos, para além do tratamento da causa, usa-se tratamento inespecífico. Para

reduzir a agregação de plaquetas e a inflamação usa-se aspirina (0,5 mg/kg SID ou BID PO).

Os inibidores da enzima convertora da angiotensina reduzem a proteinúria e a pressão

sanguínea sistólica e atrasam a progressão da doença renal (enalapril 0,5 mg/kg SID ou BID

PO)2. Se a pressão sanguínea não reduzir para <170 mmHg poderá ser necessário adicionar

outro agente anti-hipertensor como um bloqueador dos canais de cálcio1. A restrição de

proteína na dieta diminui a proteinúria e o uso de dietas renais em cães com glomerulenefrite

parecem apresentar benefícios, pois restringem o sódio e fósforo e contêm uma fonte de

ácidos gordos polinsaturados ómega 3 e 61. Como prevenção da leishmaniose devem ser

usados repelentes em spot-on, ou em colares, para prevenir a picada por flebótomos

infectados em animais saudáveis e para prevenir a picada em animais infectados para reduzir a

transmissão. Outras medidas são manter os cães dentro de casa do anoitecer ao amanhecer

nas épocas de maior actividade do mosquito (início da Primavera ao fim do Outono), usar

insecticidas dentro de casa e evitar microhabitats favoráveis aos flebótomos. Na Europa uma

vacina já foi aprovada para cães e baseia-se em culturas de L. infantum com antigénios

excretados/secretados3,4. O prognóstico está resumido nos anexos, na tabela 6.

Referências Bibliográficas:

1. Vaden SL (2010) “Glomerular diseases” in Ettinger SJ, Feldman EC (Ed.) Textbook of

Veterinary Internal Medicine.7th Edition, Saunders Elsevier, 2021-2036

2. Grauer GF (2007) “ Management of glomerulonephritis” in Elliot J, Grauer GF (Ed.) BSAVA

Manual of Canine and Feline Nephrology and Urology. 2nd Edition, BSAVA, 231-237

3. Solano-Gallego L, Miró G, Koutinas A, Cardoso L, Pennisi MG, Ferrer L, Bourdeau P, Oliva

G, Baneth G (2011), “LeishVet guidelines for the practical management of canine

leishmaniosis” in Parasites and Vectors, 4,1-16

4. Solano-Gallego L, Koutinas A, Miró G, Cardoso L, Pennisi MG, Ferrer L, Bourdeau P, Oliva

G, Baneth G (2009), “Directions for the diagnosis, clinical staging, treatment and prevention

of canine leishmaniosis” in Veterinary Parasitology, 165, 1-18

5. Cortadellas O, Palacio MJF, Bayón A, Albert A, Talavera J (2006), “Systemic hypertension in

dogs with Leishmaniasis: prevalence and clinical consequences” in Journal of Veterinary

Internal Medicine, 20, 941-947

6. Gómez-Ochoa P, Castillo JA, Gascón M, Zarate JJ, Alvarez F, Couto CG (2009), “Use of

domperidone in the treatment of canine visceral leishmaniasis: a clinical trial” in The

Veterinary Journal, 179, 259-263

CASO CLÍNICO N.º 5 : UROLOGIA

31

Caso Clínico n.º1: Neurologia

Tabelas 1 e 2. Parte da ficha do exame neurológico da Birdie (Reações posturais, Reflexos espinais e

sensibilidade).

Figura 1. Radiologia da coluna toracolombar da Birdie na projecção latero-lateral. Observa-se diminuição do espaço

intervertebral em T13-L1 e T10-T11 e numerosos discos mineralizados (L1-L2, L2-L3, L4-L5, L5-L6, T2-T3).

Reacções Posturais

Esquerdo Direito

Prova do Salto “Hopping”

Membros Torácicos 2 2

Membros Pélvicos 0 0

Hemipostura e Hemimarcha

Membros Torácicos 2 2

Membros Pélvicos 0 0

Carrinho-de-mão

Membros Torácicos 2 2

Membros Pélvicos 0 0

Posicionamento Proprioceptivo “Knuckling”

Membros Torácicos 2 2

Membros Pélvicos 0 0

Extensor Postural

Membros Pélvicos 0 0

Reacção Táctil “Placing reaction”

Membros Torácicos 2 2

MembrosPélvicos 0 0

Placing Visual

Membros Torácicos 2 2

Membros Pélvicos 0 0

Reflexos espinais

Esquerdo Direito

Miotáticos

Patelar 3 3

Gastrocnémio 2 2

Tibial Cranial 3 3

Tricípede 2 2

Bicípede 2 2

Extensor Carpo-Radial

2 2

Flexores Membros Torácicos 2 2

Membros Pélvicos 1 1

Cruzado posterior

Membros Torácicos 2 2

Membros Pélvicos 2 2

Perineal 2 2

Panicular Bilateralmente

ausente caudal a T11-T12

Sensibilidade

Hiperestesia Ao nível de T11-L1.

Dor superficial 2 2

Dor profunda 2 2

ANEXOS

32

Figura 2. TAC da coluna toracolombar ao nivel de T13-L1. Observa-se material mineral hiperatenuado no aspecto

ventral da espinal medula em T13-L1. O material extrudiu cranialmente e estava localizado nos aspecto ventral e para a esquerda da espinal medula.

Classificação Neurológica Tratamento inicial

recomendado

Prognóstico com tratamento

conservativo

Prognóstico com tratamento cirúrgico

Paraplegia sem percepção de dor profunda

< 24-48 horas descompressão

cirúrgica. > de 48h cirurgia não

recomendada

<12 horas >5% >48 horas < 5%

<12 horas 45-76% >48 horas 6-33%

Paraplegia com percepção de dor profunda e sem

percepção de dor superficial

Descompressão cirúrgica

50% 86-89%

Paraplegia com percepção da dor intacta

Descompressão cirúrgica

51% 79-96%

Paraparésia não-ambulatória

Descompressão cirúrgica

55-85% 83-95%

Paraparésia ambulatória Tratamento conservativo

55-85% 83-95%

Hiperestesia espinhal Tratamento conservativo

55-85% 83-95%

Tabela 3. Tratamento recomendado e correspondente prognóstico de hérnias discais toracolombares. Adaptado de Lorenz et al, 2011.

.

ANEXOS

33

Caso Clínico n.º 2: Gastroenterologia

Figuras 3 e 4. Radiologia abdominal nas projecções latero-lateral e ventro-dorsal. Observam-se ansas intestinais

proeminentes e preenchidas com fluido sugerindo engrossamento da parede intestinal compatível com doença infiltrativa. Sem evidência de obstrução. O cólon apresentava-se dilatado, com gás e matéria fecal não formada, consistente com indigestão ou diarreia. Os outros órgãos apresentavam características normais.

Figura 6. Imagem da ecografia abdominal do Tass.

Verificou-se marcada linfoadenopatia mesentérica e escassa efusão peritoneal.

Figura 5. Imagem da ecografia abdominal do Tass.

Verificou-se espessamento da muscular em toda a extensão do intestino delgado.

ANEXOS

34

Infecção crónica por:

Giardia sp. Histoplasma sp. Toxoplasma sp, Mycobacteria sp. Protothecose, Pythiose Bactérias patogénicas (Campylobacter, Salmonella spp., estirpes patogénicas de Escherichia Coli)

Alergia alimentar

Inflamação do intestino delgado associado a outras doenças gastrointestinais primárias:

Linfoma Linfangiectasia

Causas idiopáticas:

Enterite linfocítica-plasmocítica (ELP) Gastroenterocolite eosinofílica (GEE) Enterite granulomatosa.

Tabela 4: Causas de Doença Infamatória intestinal crónica (IBD). Adaptado de Ettringer & Feldman, 2010.

Caso Clínico n.º 3: Oftalmologia Figura 7. Fotografia do OE do Chaco. Observa-se a presença de vasos episclerais congestionados, hifema e

sinéquias posteriores.

ANEXOS

35

Caso clínico n.º 4: Oncologia clínica

Figuras 8,9,10 e 11. Radiologia torácica nas projecções latero-lateral e ventro-dorsal. A- antes da quimioterapia.

Verificam-se múltiplas massas, com formas irregulares e contornos mal definidos, mais notáveis na porção dorsal do lobo caudal esquerdo do pulmão. Massas adicionais discretas estão presentes nos lobos caudal direito e médio direito. B- após 2 doses de doxorubicina, as massas descritas anteriormente diminuíram de extensão e severidade.

Pontuação Diferenciação Mitose Necrose

1 Mantém tecido mesenquimatoso adulto

normal 0-9 Não

2 Subtipo histológico específico 10-19 <50%

3 Indiferenciado >20 >50%

Tabela 5: Sistema de classificação dos sarcomas de tecidos moles. Grau I: pontuação cumulativa de ≤ 4 para as 3

categorias. Grau II: Pontuação cumulativa de 5 a 6. Grau III: Pontuação cumulativa de ≥ 7. As mitoses são calculadas por 10 campos de grande aumento. Adaptado de Liptak & Forrest, 2007.

A

A

B

B

ANEXOS

36

Caso clínico n.º 5: Urologia

Estádio clínico

Serologia Sinais clínicos Achados laboratoriais Terapia Prognóstico

I

Níveis de anticorpos negativos a

baixos

Moderados: linfoadenomegalia

periférica ou dermatite papular

Sem anormalidades clinicopatológicas. Perfil renal normal.

Creatinina < 1,4 mg/dl. UPC<0,5

Negligência científica/alopuri

nol ou antimoniato de meglumina ou

miltefosina/alopurinol+

antimoniato de meglumina ou

alopurinol+ miltefosina

Bom

II

Níveis de anticorpos baixos a elevados

Além dos presentes no estádio I, lesões

cutâneas simétricas ou difusas como dermatite

exfoliativa, onicogrifose, ulceração

(plano nasal, almofadas plantares,

proeminências ósseas, junções muco-

cutâneas), anorexia, perda de peso, febre,

epistaxis.

Ligeira anemia não regenerativa,

hiperglobulinémia, hipoalbuminémia, hiperviscosidade

sérica. Subestádios:

A. Perfil renal normal

Creatinina < 1,4 mg/dl. Ratio UPC<0,5 B. Creatinina <1,4

mg/dl. UPC: 0,5-1

Alopurinol+antimoniato de

meglumina ou alopurinol+miltef

osina

Bom a reservado

III

Níveis anticorpos médios a elevados

Os mesmos dos estádios I e II, mais

vasculite, artrite, uveíte, GN.

Os mesmos do estádio II mais Insuficiência renal crónica IRIS

estádio I com UPC>1 ou estádio II (creatinina

1,4-2 mg/dl)

Alopurinol+ antimoniato de meglumina ou

alopurinol+miltefosina Seguir

guidelines da IRIS se IRC

Reservado a pobre

IV

Níveis anticorpos médios a elevados

Os mesmos do estádio III. Tromboembolismo pulmonar ou síndrome

nefrótico e doença renal terminal

Iguais ao estádio II. IRC IRIS III (creatinina

2-5mg/dl) e IV (creatinina >5 mg/dl). Síndrome nefrótico

UPC >5

Alopurinol

Seguir guidelines da IRIS se IRC

Pobre

Tabela 6: Estadiamento clínico da leishmaniose canina baseada no status serológico, sinais clínicos, achados

laboratoriais, tipo de terapia e prognóstico para cada estádio. Adaptado de Solano-Gallego et al, 2011.

ANEXOS