MAYER_Sociedade política e classes governantes_a base do Antigo Regime_in A força da tradição

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    ARNOJ. MAYER

    A FORADA TRADIO

    A PERSISTNCIA DO ANTIGO REGIME(1848-1914)

    Traduo:DENISE BOTTMANN

    Consultor desta edio:FRANCISCO FOOT HARDMAN

    ---~--COl\ I PA;\lHIA DAS LETRAS

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    Os grands bourgeois ascendentes e aspirantes pouco tinhamalm do seu capital econmico para poderem desafiar esse esta-blishment superior abrangente, coeso e formidvel. Estavam emdesvantagem sob todos os aspectos importantes: sociais, culturais epolticos. Reconhecia-se que o futuro seria deles, mas, quanto aopresente, as nobrezas bloqueavam seu caminho. Duvidando de

    sua prpria legitimidade e sem condies para subverter ou conquis-tar as antigas classes dominantes, o.s novos grandes negociantes e

    profissionais liberais decidiram imit-las, bajul-las e se juntar aelas.

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    CAPTULO 3

    SOCIEDADE POLTICA ECLASSES GOVERNANTES

    A BASE DO ANTIGO REGIME

    Em 1914, a Europa era no s predominantemente agrria enobilirquica mas tambm monrquica. O republicanismo era toincomum quanto o capitalismo financeiro. Havia, claro, a invete-rada Confederao Helvtica e a recentssima repblica portuguesa.Mas, entre as grandes potncias, apenas a Frana tinha um regimerepublicano. Embora contestada por monarquistas e catlicos irre-conciliveis, novos e antigos, a Terceira Repblica resistiu como um

    pais sem rei mas com aristocracia. As outras naes possuam am-bos, e as coroas e nobrezas necessitavam e recorriam umas s outras.As nobrezas combinavam seu predomnio social com uma imensainfluncia e poder polticos. Contavam com sua enorme fora pol-tica para frear seu declnio econmico crnico, que, se continuassedesimpedido, ameaaria solapar seu elevado status. Em particulardo ponto de vista das nobrezas fundirias, os sistemas de autoridadedesproporcionalmente receptivos a elas constituam baluartes essen-

    ciais de sua privilegiada posio econmica, social e cultural. in-dubitvel que, sem essa armadura poltica protetora, os anciens r-gimes teriam se contrado antes e mais rapidamente.

    Importantes pensadores sociais trataram da intrincada rela-o entre o poder poltico, a fora econmica e o status social. Longede encararem a dominao de classe em termos puramente econ-micos, Marx e Engels demonstraram a dependncia recproca entreos fatores econmicos, sociais e polticos, em diferentes pocas hist-ricas, para se obter uma percepo poltica das configuraes do

    poder de sua poca. Embora superestimassem a velocidade e exten-so do crescimento do capitalismo manufatureiro e industrial, nunca

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    ignoraram de fato a persistncia de formas anteriores de proprie-dade fundiria e capital. Alm disso, ressaltaram que os governosque mediavam os conflitos entre os proprietrios de diferentes tiposde bens e capitais dispunham de diversos graus de autonomia. Defato, Marx insistiu explicitamente em que o Estado era "uma enti-dade separada, alm efora da sociedade civil" , e que' 'a independn-

    cia do Estado s se encontra hoje em dia naqueles pases onde osestamentos ainda no se desenvolveram completamente em classes,onde os estamentos, eliminados em pases mais avanados, aindatm um papel a desempenhar, e onde existe uma mescla, pases [... Jonde nenhuma parcela da populao consegue uma dominncia

    plena sobre as demais".Por certo, Marx esperava que a burguesia capitalista desafias-

    se em todos os pases o estamento agrrio - cujos membros cadavez mais se comportavam como uma classe poltica -, at um mo-mento em que as burguesias nacionais dominariam todos os gover-nos, num sistema mundial de Estados concorrentes. Mas a julgar

    pelos seus escritos no-filosficos e no-tericos, Marx compreendeuinteiramente que a sociedade poltica no estava em vias de se con-verter num puro instrumento do domnio burgus, pois as fraes declasse pr-burguesas e no-burguesas continuavam a exercer enormeinfluncia e poder polticos. Da mesma forma, Engels reconheceuque os processos de desenvolvimento capitalista industrial "no[eram] acompanhados por nenhuma correspondente alterao ime-diata na estrutura poltica". A seu juzo, "a sociedade se tornavamais e mais burguesa, ao passo que a ordem poltica permaneciafeudal". inegvel que, em sua concepo ideolgica, Marx e En-gels previram sociedades capitalistas onde a burguesia monopoliza-ria e utilizaria o Estado para subjugar o proletariado assalariado.

    Mas, em suas anlises polticas histricas e prxis, nunca deixaramde tratar do papel das sociedades polticas autnomas, que estavamlonge de ser neutras sempre que se tratava de atuarem para contra-

    balanar e conciliar os interesses da nobreza agrria em declnio eda burguesia capitalista em ascenso, em favor da primeira.

    Na onda de 1848, Marx se concentrou sobre a economia docapitalismo em seus escritos tericos, ao passo que abordava os de- .senvolvimentos polticos em seus artigos de jornal, cartas e panfletosde inspirao conceitual, particularmente em O dezoito brumriode Lus Bonaparte. Embora ele e Engels tentassem apreender e ex-por a dinmica das inter-relaes entre a sociedade civil e poltica

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    que desembocou em represso e guerra, fizeram-no mais com con-cretude histrica do que como uma aplicao ou busca de uma teo-ria poltica coerente, que de qualquer forma teriam recusado.

    Max Weber seguiu numa direo praticamente oposta, emparticular depois de sua palestra inaugural em Friburgo, em 1895,onde, como Engels, ressaltou a falta de congruncia entre a socie-

    dade e a poltica no Segundo Imprio alemo. Acentuando os desen-volvimentos sociais e econmicos em seus artigos sobre assuntoscontemporneos, Weber abordou a sociedade poltica em sua obraterica. Especificamente, como parte de sua construo discursivade conceitos e tipos ideais, elaborou uma tipologia de trs formas deautoridade ou dominao pblica: a carismtica, a tradicional e a

    burocrtica. Mas se dedicou pouco s estruturas e processos de sis-temas polticos especficos, provavelmente com receio de descobrirque nenhum deles se adequava ao seu construto. Weber nunca en-frentou as complexidades estruturais de sistemas governamentaismesclados ao extremo e, portanto, perigosamente constringidos.Antes de tudo, recuou sobressaltado, sem propriamente investig-los, ante os impulsos repressivos dos sistemas de autoridade moder-nos e contemporneos. Em vez disso, Weber se concentrou sobre a

    presso pela legitimao simblica e ideolgica por parte dos atorespolticos em cena.

    Thorstein Veblen trouxe ainda uma outra perspectiva para oestudo da esttica social e poltica. Em seu esquema, as classes ocio-sas que eram superadas pelos desenvolvimentos econmicos se con-vertiam em obstculos ao progresso e paladinos da obsolscncia.Embora os interesses materiais tambm alimentassem a resistnciadessa elite rica, eram secundrios em relao ao seu movimento "ins-tintivo" de se opor transformao do "esquema cultural" estabele-

    cido. Veblen considerava esse tecido hegemnico como fundamentalpara os regimes estabelecidos. Para ele, esse tecido constitudo porhbitos de pensamento e ao, maneiras refinadas e antigos rituais

    pblicos e intimamente entrelaados que, por fora do "exemploprescritivo [... ] endurecem a resistncia de todas as outras classescontra a inovao, e fixam os sentimentos dos homens s boas insti-tuies transmitidas pelas geraes anteriores". Em vez de definiresse "instinto" motriz e o "interesse de classe" da classe ociosa, Ve-

    blen delineou o funcionamento e os efeitos de sua direo. Sendo osistema institucional de qualquer cultura "uma totalidade org-nica", a classe ociosa rejeita "qualquer alterao nos hbitos de

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    pensamento dos homens" por medo de "abalar a estrutura social emsua base [... ] reduzir a sociedade ao caos [... ] e subverter os funda-mentos da moralidade". De acordo com isso, a frao hereditria daclasse dominante da Europa perpetuou os "traos, hbitos e ideaisarcaicos [... ] da antiga idade brbara" em seu esquema cultural.Imprimiu-os tambm nas "ordens inferiores", graas sua elevada

    posio social. Embora em tempos normais as classes mdias e pro-letrias sejam pacificas, em pocas de crise assumem o espirito b-lico e predatrio que a casta ancestral sempre exaltou como o com-

    ponente mais honorvel e essencial de sua herana brbara.Tanto a exibio cultural arcaica (espetculo) da elite como

    a disposio de tantos pblicos em se deixarem influenciar porela se mantiveram implantadas com maior solidez naqueles se-tores das sociedades europias que eram "os mais distantes dosprocessos mecnicos da indstria e os mais conservadores tambmsob outros aspectos". Mas a tese central de Veblen a de que oselementos hereditrios do establishment da classe ociosa tinham umalcance prescritivo to extraordinrio entre esses setores pr-moder-

    nos exatamente por serem capazes de "conservar e at reabilitaraquele tipo arcaico de natureza humana e aqueles elementos da cul-tura arcaica que a evoluo industrial da sociedade" afinal iria eli-minar. Na medida em que tratou a classe ociosa hereditria comoum grupo de status elevado cujas fontes e instrumentos de persuasoeram essencialmente psicolgicos e ideolgicos, Veblen estava mais

    prximo do interesse weberiano pela natureza e funcionamento doscredos legitimadores do que da preocupao marxiana com as inter-relaes entre o interesse material, a ideologia e o controle politico.

    Como se observou em captulo anterior, para a anlise dassociedades politicas da Europa, Schumpeter proporciona um arca-

    bouo excepcionalmente til. Foi alm de Marx no esclarecimentoda interpenetrao dos interesses agrrios e burgueses e das elites;alm de Weber na especificao das estruturas de autoridade nossistemas modernos de dominao; e alm de Veblen na delimitaodo aparelho de Estado como um centro aglutinador e operacionalvital para a classe ociosa refratria. Schumpeter caracterizou aclasse dirigente como uma "simbiose ativa" entre a nobreza agrriae a burguesia, mas ressaltou que a classe governante era macia outotalmente feudal. Na maior parte da Europa, todo o aparelho deEstado continuava a estar saturado com "o material humano dasociedade feudal, e esse material ainda se conduzia segundo padres

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    pr-capitalistas". Sob todos os aspectos importantes, as dinastias,cortes reais, conselhos mais representativos, burocracias e exrcitostinham uma consistncia feudal. Decerto, a sociedade politica atra-vessou mutaes considerveis ao acomodar os interesses econmi-cos burgueses e ao assimilar os talentos burgueses e de classe mdia,mas sem com isso afetar sua essncia. Embora a aliana desigual

    entre os dois estratos sociais na sociedade civil no deixasse de terconseqncias para o governo, as nobrezas fundirias e dos serviospblicos, socialmente arcaicas, mantiveram sua primazia politica,em parte por aceitarem a modernizao burocrtica e militar para

    promover seus prprios objetivos conservadores. sua maneira, cada um desses tericos sociais til para os

    historiadores interessados em examinar as classes governantes e asinstituies tradicionais da Europa. Marx e Engels proporcionam

    perspectivas criticas de classe sobre a autonomia, mas tambm aparcialidade, com que os Estados fizeram a mediao entre nobre-zas declinantes e burguesias ascendentes. Desde que dessacralizadoe historicizado, o construto de Weber serve para explorar a depen-dncia reciproca entre as autoridades carismtica, tradicional e bu-rocrtica nos Estados sincrticos dos andens rgimes. Quanto a Ve-

    blen e Schumpeter, dirigem a ateno para a vitalidade continuadadas classes sociais supostamente atvicas e dos componentes politi-cos feudais da antiga ordem.

    Ao tentar explicar por que os mortos continuavam a dominaros vivos, Marx observou que "antigos sistemas sobreviventes de pro-duo [eram] transmitidos com todas as suas relaes sociais e poli-ticas anacrnicas". Acima de tudo, como vimos, era inegvel a im-

    portncia duradoura da agricultura e das elites agrrias. A Ingla-terra foi mais alm, subjugando o setor agrrio e fragmentando e

    transformando a antiga nobreza. Mesmo assim, a classe superioragrria no abandonou a cena politica. Nem, tampouco, subordi-nou-se ou adaptou-se nova plutocracia, ajulgar pela luta em tomoda Cmara dos Lordes e da autonomia para a Irlanda depois de 1905.

    Se o xito da democracia dependia da e1iminao da agricul-tura e da renda fundiria como as principais atividades sociais, en-to no surpreende que a maior parte da Europa ainda fosse gover-nada por sistemas de autoridade no-democrticos. Certamente ofeudalismo passara para a histria. Servido pessoal, justia e prer-rogativas senhoriais, impostos feudais, pedgios locais, cargos esta-tais venais e ttulos eclesisticos eram coisas do passado. Mas abolir

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    direitos politicos, administrativos e jurdicos feudais no signifiQabolir toda a sociedade civil e poltica do antigo regime. Mesmo a . ,Frana, aps a Revoluo, interesses materiais, foras s()ciais, co., ftumes, tradies, cenrios culturais e estruturas mentais que pfOVi,.'nham do passado permaneceram poderosos. Em termos econmi~,cos, sociais e psicolgicos, o feudalismo sobreviveu a() seu desapare.cimento jurdico, mais particularmente entre as elites da Europa,

    Isso em grande parte porque as nobrezas fundirias e do serviopblico, apoiadas pela Igreja, incorporaram e traduziram esses resduos feudais em influncia e poder poltico.

    Apesar de conflitos mortais entre interesses e perspectivas, ()Selementos feudais detiveram um lugar extraordinrio nos sistemasde autoridade da Europa. Suas origens e posies sociais slidas eelevadas lhes proporcionou uma enorme potncia poltica e um aces-so privilegiado s posies institucionais de poder. Em virtude da

    prtica e presuno histricas, as nobrezas agrria e do servio p-blico continuaram a reproduzir uma classe g()vernante que no sfornecia os quadros para a burocracia de Estado como tambm con-tinuava a reabastecer os escales mais altos da liderana poltica.Essa manuteno ininterrupta da direo e equipe poltica, que ti-nha profundas amarras sociais, a responsvel pela sobrevivnciado elemento feudal como mais que um simples revestimento doEstado.

    Em 1914, os reis ainda eram "a pea central" da sociedadecivil e poltica "pela graa de Deus, e a raiz de [sua) posio erafeudal no s no sentido histrico mas tambm sociolgico". Certa-mente inegvel que, aps o "regicdio" preventivo em Sarajevo,os soberanos dos imprios Hohenzollern, Habsburgo e Romanov -Guilherme 11 , Francisco Jos I, Nicolau 11 - desempenharam um

    papel crucial para levar a Europa beira da guerra. Como dirigen-tes autocrticos, os trs dispunham de ministros e conselheiros queeram nobres de uma espcie ou outra e criaturas no de partidos,

    parlamentos ou capitais mveis, mas do estamento do servio p-blico. Quanto a Jorge V, da Inglaterra, e Vtor Emanuel III, da It-lia, eram mais do que figuras decorativas reinantes, embora suasprerrogativas e poderes fossem rigorosa e constitucionalmente limi-tados. Nenhum deles se dedicou a apagar as fogueiras da guerra.Por certo, sendo uma repblica, a Frana no tinha rei, embora o

    presidente em exerccio, Raymond Poincar, cada vez mais agisse

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    com() tal. Apoiado por notables aristocratizados, adotou uma pos-tura militar e belicosa consideravelmente frente da Cmara dosDeputados e d()gabinete ministerial.

    . Mas, elltre 1848 e 1914, quaisquer que fossem as diferenasentre seus poderes e prerrogativas, todos os reis exerceram funesrepresentativas e cerimoniais, circunspectas e impressionantes, quemuito beneficiaram a classe ociosa hereditria e, inclusive, as pr-

    prias dinastias. O rei, o imperador e o czar continuavam a ser o focode rituais pblicos fascinantes e minuciosamente coreografados, quetornavam a inflamar sentimentos monarquistas com razes profun-das, ao mesmo tempo em que exaltavam e relegitimavam a antigaordem como um t()do. A coroao era o mais solene e resplandecentedesses estudados espetculos de poder, e vinha saturada de simbo-lismo histrico e religioso. Embora a relao entre o trono e o altarfosse mantida deliberadamente ambgua nessa cerimnia suprema,um alto eclesistico - indicado ou aprovado pelo soberano - admi-nistrava solenemente o juramento do cargo e consagrava a coroa,o cetro e a espada do iniciado. Ao mesmo tempo, esse elaboradoespetculo cvico inaugural, embora centrado no rei, revelava e rati-ficava o mais alto nvel de status e influncia na sociedade civil epoltica em geral. Havia, decerto, outros ritos de passagem e recon-sagrao com pompa, exibio e mistrio igualmente comparveis:os batismos, os casamentos, os funerais e os jubileus das casas rei-nantes. Em todos esses sociodramas encenados com mincia, osgrandes das nobrezas de sangue, de terras, dos servios pblicos eda religio, vestidos a carter e hierarquicamente alinhados, eclipsa-vam totalmente mesmo os plebeus no-uniformizados mais proemi-nentes. As realezas e nobrezas estrangeiras, que investiam essas oca-sies de uma aura e sano csmicas, tambm os obscureciam.

    Tampouco os reis hesitavam em se apropriar dos maiores fe-

    riados religiosos e nacionais, em prol dos elementos feudais nos an-ciens rgimes. Alm disso, como encarnaes da tradio guerreira,ostentavam seus poderes marciais em manobras navais e de infan- .taria, desfiles militares e troca das guardas de elite. Por fim, masno menos importante, as coroas dominavam a cena social com suasgrandes recepes, soires e caadas. .

    Todos esses rituais civis e sociais revigoravam a monarqUIa,cimentavam as nobrezas discordantes e anunciavam as ltimas alte-raes na ordem de precedncia. Essa rearticulao cerimonial dacoeso reajustada no interior da classe superior era to significativa

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    quanto a promulgao institucional de leis e advertncias para con-trolar as contra-elites e classes inferiores. A plebe, alta e baixa, devia ficar respeitosamente admirada mas no assustada com os uniformes, vesturios e condecoraes refulgentes, que intensificavam amagia e o mistrio dos ritos onde os reis dominavam a fuso entre ocetro, o altar, a espada e a bandeira nacional. Ademais, os reis en-

    carnavam e sustentavam essa potncia multiplicada durante as visitas de Estado que se faziam mutuamente ..Essas sries de cerimnias centradas em torno dos reis podem

    parecer empoladas e artificiais devido ao declnio dos rituais pbli-cos nas ltimas dcadas. Na poca, porm, ainda eram muito vivas eautnticas. Quando menos, o uso de vestes, transportes e esplendo-res do velho mundo intensificava o encanto dos espetculos meticu-losamente encenados em sociedades saturadas de tradio. exceo da Frana, a famlia real e os notveis nobilirquicos domina-vam a agenda cerimonial da nao, que se mantinha vinculada mais alta que baixa cultura. A sucesso de ritos cvicos espetacularesreforava as idias, valores e sentimentos hegemnicos que uniam as

    elites pr-burguesas. Esse ritual poltico tambm integrava as ordensinferiores, atendendo sua nsia por espetculos fascinantes, equi-valente paixo pela hierarquia estrita entre as ordens superiores.

    O funeral do rei Eduardo VII, em maio de 1910, confirmou aautenticidade e influncia continuada da realeza europia. Mesmoantes que os dignitrios estrangeiros e seus squitos chegassem naEstao Vitria, em 18 de maio, de seis a oito filas de consternadoscidados se estendiam lado a lado, por dez quilmetros, at a en-trada de Westminster, onde jazia o corpo no Salo William Rufus.Assim como esta foi a maior congregao popular na capital brit-nica antes de 1914, da mesma forma a reunio de reis, imperadores,

    gro-duques e prncipes da coroa foi nica na histria europia re-cente, exceo, talvez, do Jubileu de Diamante da Rainha Vitriaem junho de 1897. Em 20 de maio, com um total estimado de 2 mi-lhes de pessoas solenemente alinhadas nas ruas, um cortejo fne-

    bre verdadeiramente extraordinrio acompanhou os restos mortaisdo rei Eduardo at a Estao Paddington, de onde um trem levouo caixo at o Castelo de Windsor, para ser enterrado na cripta sob aCapela de So Jorge.

    certo que no havia nada de incomum na escolta rutilanteque acompanhava a carreta de canho que transportava o corpo dorei morto, tampouco no cavalo de batalha preferido do rei-impera-

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    dor que seguia o esquife real com botas viradas amarradas a ambosos lados da sela. Talvez no fosse nada excepcional que, conduzido

    por uma jovem montanhesa, outro acompanhante privilegiado fosseCsar, o amadofox terrierbranco do rei morto. Mas o que vinha aseguir era assombroso e espetacular para qualquer padro: o reiJorge V, a cavalo, conduzia um squito esplndido de monarcas go-

    vernantes, duques reais e prncipes hereditrios, todos igualmente acavalo. Havia nove monarcas, todos sem exceo descendentes deGuilherme, o Silencioso, segundo a ordem de precedncia por pa-rentesco. Na primeira fila, junto com o novo rei ainda no-investido,seguia o duque de Connaught e o imperador Guilherme 11da Ale-manha, respectivamente irmo e sobrinho de Eduardo. Como o ds-

    pota mais arrogante da Europa, o Kaiser Guilherme se destacavapor "montar seu cavalo como um centauro, sua face rgida e impas-svelcomo uma efgie romana". Nas trs filas seguintes vinham Haa-kon da Noruega, Jorge da Grcia, Afonso da Espanha, Ferdinandoda Bulgria, Frederico da Dinamarca, Manuel de Portugal e Al-

    berto da Blgica. Nessa augusta procisso, Nicolau 11estava repre-sentado pelo seu irmo, gr-duque Miguel, Francisco Jos da us-tria-Hungria pelo seu herdeiro presuntivo, arquiduque FranciscoFerdinando e Vtor Emanuel 1 1 1 da Itlia por seu primo, o duque deAosta. Entre os notveis montados havia ainda representantes prin-cipescos e ducais da Holanda, Sucia, Romnia, Montenegro, Sr-via, Turquia, Egito, Japo, Sio, Estados alemes e da famlia realinglesa. O prncipe Tsai Tao da China e seu squito seguiam na s-tima entre as doze carr.llagens estatais, enquanto Theodore Roose-velt, representando o presidente William Howard Taft, dividia o oi-tavo coche com Pichon, o ministro dos Negcios Estrangeiros daFrana, representando o presidente Fallieres. O ex-presidente ame-

    ricano, que outrora fora um Rough Rider, * se destacava como onico alto persongem a no trajar uniforme ou trazer condecora-es. O plenipotencirio da Terceira Repblica estava consideravel-mente menos dissonante com sua sobrecasaca diplomtica engala-nada. O lado feminino das casas reais e principescas, liderado pelarainha-me Alexandra, pela viva-imperatriz russa, Maria, e pela

    (*) Rough Rider: regimento de voluntrios da cavalaria norte-americana, or-ganizado principalmente pelo prprio Theodore Roosevelt, para lutar na GuerraHispano-Americana. (N. T.)

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    rainha Maria, da Inglaterra, juntamente com suas damas de com-panhia, ocupava as outras carruagens.

    No houve uma nica nota falsa ou discordante. Embora 1910marcasse no s o ponto mais alto da feroz batalha pela Cmara dosLordes, como tambm um rpido aumento da agitao trabalhista.irlandesa e sufragista feminina, a policia no precisou prevenir ne-

    nhum distrbio.Enq~anto a coroao de Jorge V em Londres, em 22 de junhode 1910, seguiu um ritual antigo e majestoso, sua proclamao comorei-imperador em Delhi foi uma cerimnia de tipo totalmente novo.

    para a qual sir Edward Elgar comps" A Coroa da ndia". Em 12de dezembro de 1911, numa espetacular audincia pblica em De-lhi, cerca de 100 mil pessoas reuniram-se em torno de um anfiteatro.construdo especialmente para a ocasio, contendo 10 mil convida-dos dispostos numa pitoresca formao de hussardos, artilhariamontada real, cadetes imperiais, lanceiros Tiwana, trompeteiros emcavalos brancos e bandas reunidas. Com quase todos os oficiais uni-formizados, essa reunio foi convocada para testemunhar e legiti-mar a exaltao de Jorge. Vestidos em trajes de coroao, com suascaudas carregadas por pajens de sangue principesco hindu, ricamentevestidos, Suas Majestades Imperiais subiram os degraus de um tabla-do extravagantemente alto no centro do anfiteatro. Sentados em doisresplandescentes tronos rodeados de cetros e emblemas, aceitaram ahomenagem de seus servos e sditos. Lorde Hardinge, o governa-dor-geral, em seu uniforme poltico e nos mantos flutuantes da Or-dem da Estrela da ndia, galgou a elevada plataforma numa posturade reverncia para se ajoelhar e beijar a mo do rei-imperador. De-

    pois que os membros do conselho do vice-rei fizeram suas revern-cias ao p do estrado do trono, foi a vez dos orgulhosos e admirveis,

    mas submissos, marajs dirigentes da ndia e dos chefes tribais dasreas de fonteira prestarem homenagem ao seu soberano.O jubileu de 2S anos do reinado do imperador Guilherme 11

    foi celebrado em junho de 1913, e tambm se destinava a reafirmar aprimazia persistente da antiga classe dominante e governante. EmlS de junho, o chefe da Casa de Hohenzollern chegou de carro parauma missa solene na Garnisonkirche de Potsdam, vestido com ouniforme do primeiro Regimento de Guarda, ostentando a Ordemda guia Negra e acompanhado de sua apagada imperatriz. Segui-ram-se a princesa da coroa, o prncipe e herdeiro presuntivo, Gui-lherme da Prssia, com sua esposa e filhos, os prncipes Hohen-

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    zollem de Braunschweig, Sachsen-Meiningen, Hessen, Schaum-burg-Lippe e Prssia. O squito do imperador inclua o ministro daGuerra von Heering, o chefe do estado-maior conde von Moltke,lorde marechal conde zu Eulenburg, o ajudante-geral baro vonLyncker e o general von Plessen. Antes da chegada desse grupo im-

    perial, praticamente todos os generais e comandantes de regimentos

    tinham tomado seus assentos indicados na igreja.No dia seguinte, 16 de junho, no havia um nico Grossbr-ger. progressista ou social-democrata entre os delegados de cerca deoitenta associaes que tiveram o privilgio de cumprimentar pessoal-mente o Kaiser. Naquela noite, os reis, os gr-duques, os prncipes eos grandes condes dos Estados-membros da Confederao Alemchegaram capital. Apenas Bremen e Hamburgo, cidades livres ehanseticas, estavam representadas por no-nobres.

    A lista especial de honras ofereceu mais uma prova de que oimperador pretendia utilizar seu jubileu para enaltecer o ancien r-gime. Aproveitando a inclinao de Bethmann Hollweg pelas fileirasmilitares, Guilherme 11escolheu essa ocasio para promover o chan-celer do imprio germnico e primeiro-ministro da Prssia de gene-ral-de-diviso a general-de-exrcito. Os trs nobres promovidosa duque tinham graus militares honorrios e eram proprietriosde grandes bens vinculados no leste do Elba, sendo que dois de-les tambm serviam como Kammerherren, ou camareiros: ba-ro von Bodschwingh-Plettenberg (doravante conde von Pletten-

    berg-Heeren), baro von Richthofen e Kleist-Retzow. Das 3S pro-moes para a nobreza hereditria, duas seguiam para geheimeKommerzienrilte e trs para mdicos da corte, e todas as outras paragrandes senhores rurais e oficiais do exrcito e da marinha. As catorzeindicaes para a Herrenhaus foram para nobres, altos funcionrios

    pblicos e conselheiros privados, mas incluram Edward Arnhold,Franz von Mendelssohn e Bernhard Dernburg, trs judeus conver-tidos, sendo o ltimo o controverso ex-ministro das colnias. Quantos condecoraes, tambm se destinavam a recompensar ou estimu-lar a lealdade e conformidade. Wilhelm von Siemens e Georg von.Simson (um membro do conselho da Krupp) receberam a Ordem daCoroa, de 2! l e 3! l classe respectivamente, James Simon e ArnoldGuilleaume a guia Vermelha de 2! l classe, ao passo que Arthur vonWeinberg era designado geheimer Regierungsrat. Membros das

    profisses liberais, incluindo acadmicos e artistas - "os cavaleirosdo esprito" (die Ritter vom Geist) - foram igualmente homena-

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    geados. Mas, outra vez, os niveis mais altos de todas ts ordens ~caram reservados para o almirante da frota von Tirpitz, o capellc>mor da corte Dryander, lorde marechal conde zu Eulenburg, pnn.cipe Frstenberg, prncipe Solms-Baruth e uma srie de general.importantes. Como Theodore Wolf observou no Berliner Tageblatt,o liberalismo foi mantido distncia das "mesas do banquete" e oimperador e seus ministros alegremente exploraram a impotncia do

    Brgertum.Alm disso, o imperador condecorou o doutor Bovenschen,

    presidente do Reichsverband gegen die Sozialdemokratie (Sociedadeimperial contra a Social-Democracia) e o conde Emst von Reventlow, o editor do arqui-reacionrio Deutsche Tageszeitung, assimsublinhando o ostracismo dos social-democratas, que se ausentaramda reunio especial e do jantar de jubileu do Reichstag. Ademais,em vez de tomar conhecimento dos sindicatos livres de inspiraosocialista, a principal entidade operria organizada, Guilherme IIrecebeu delegaes das associaes trabalhistas protestantes, cat-licas e nacionais - rivais, mas dceis. Passou revista, tambm, noque pode ter sido o evento mais colorido do jubileu em Berlim: uma

    procisso de mestres e oficiais de guildas artesanais que variavam depadeiros, ferreiros, limpadores de chamins, sopradores de vidro e

    cocheiros a forradores de paredes, sapateiros, ourives em prata, gar-ons e peruqueiros.

    Extraordinrio tambm foi o jubileu pelo sexagsimo aniver-srio do reinado aparentemente interminvel do imperador Fran-cisco Jos, investido em 1848. Ainda mais que o dirigente Hohen-zollem, o principal Habsburgo, apresentou de forma ostensiva osmembros de sua dinastia e ficou quase isolado entre eles e seus cor-tesos. Nessa ocasio em particular, o imperador rodeou-se de inu-merveis arquiduques, gr-duques e duquesas Habsburgo, alm dosoficiais militares. A noite de gala no Hofoper, em 2 de dezembro de1908, foi um momento particularmente reveladoro A mais alta socie-dade de Viena foi convidada para uma apresentao de O Sonho do

    Imperador pela-condessa Christiane Thun-Solm, pera de um atoespecialmente encomendada para a ocasio, que decorria na pocade Rodolfo de Habsburgo e celebrava a fundao e as realizaes dadinastia. Aps um intervalo, a distinta audincia deleitou-se com

    Aus der Heimat, um musical de Joseph Hassreiter e Josef Bayerque invocava as danas e canes das principais nacionalidades eculminava num quadro alegrico onde todos os povos se uniam para

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    810rlflCBro Impera.dor. Os principais artistas da Staatsoper e doBurgtheater participaram ativamente dessa apoteose.

    Os primeiros a chegarem para essa ocasio festiva foram osoficiais superiores do exrcito e do estado-maior que ficariam de pna parte posterior da platia, sob os balces nobres. A eles se seguiuum imponente grupo de dignitrios, todos em uniforme completo,que ()ClII'aramos lugares seletos da platia: ministros e ex-ministros,os generais mais graduados, funcionrios pblicos superiores, con-selheiros privados, magnatas hngaros e, com trajes coloridos, os

    prelados catlicos. Havia apenas alguns notveis ocasionais, em tra-jes civis, em meio a um oceano de uniformes: dr. Weiskirchen edr. Starzynski, presidente e vice-presidente da cmara baixa do par-lamento, () embaixador baro Gali, o ex-ministro das Finanasdr. von Korytowski, e obaro Albert von Rothschild.

    Os camarotes, evidentemente, ficaram reservados para as ca-madas superiores. Entre os que se encontravam nas frisas do ter-ceiro andar estavam o chanceler baro von Bienerth, o prefeito deViena, dr. Karl Lueger, e o chefe de polcia da capital, Brzesowsky.A aristocracia mais alta ocupava os camarotes do segundo andar,ao lado dos principais embaixadores. Enquanto os servidores da

    corte ocupavam as frisas da platia, os arquiduques Friedrich, Eu-gen, Rainer, Leopold Salvator, Karl Stephan, Josef Ferdinand e Pe-ter Ferdinand se encontravam nas frisas do primeiro andar. Apssua entrada triunfal, o imperador chegou grande frisa imperial nomesmo andar, vestido em seu uniforme de marechal e ladeado peladuquesa Maria Theresa von Wrttemberg e sua filha mais velha,

    princesa Gisela von Bayem. Os outros membros prximos da fam-lia ocuparam os assentos atrs deles. Os 4020 enobrecimentos, pro-moes e condecoraes que marcaram o jubileu confirmaram ple-namente essa antiga hierarquia porstatus da ustria germnica e,

    portanto, do Imprio dos Habsburgo.

    Decorrido um ano de luto prescrito pela morte de Alexan-dre 111, cujo reinado fora marcado por uma reao aristocrtica, emmaio de 1896 Moscou se tornou o cenrio de uma coroao saturadade histria, tradio e religio. Tendo passado vinte e quatro horasno distante Palcio Petrovsky, Nicolau 11 e Alexandra Feodorovnamajestosamente seguiram antes para o Alexandria e, depois, para oKremlin. A procisso at o Kremlin vinha encabeada pelos guardasimperiais, pelos cossacos de elite e pelos nobres moscovitas a cavalo.

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    Seguiam-se, a p, os lacaios da corte, os caadores imperiais e osaltos oficiais do governo. Aps vinha Nicolau. em seu cavalo branco,completamente isolado, seguido a distncia pelos gr-duques daRssia e prncipes estrangeiros, tods a cavalo.

    Embora colorida e imponente, essa longa procisso se eclip-sava em comparao com a curta passagem da Escadaria Vermelha

    do Kremlin at a Catedral Dormition. Em 14 de maio. depois de ocoro da corte ter apresentado Fanfa"a de Tchaikovsky. a impera-triz-viva Maria Feodorovna encabeou o cortejo para a cerimniade coroao no santurio mais sagrado da Rssia. Ela seguiu sobum plio carregado por 16 grandes notveis, com sua cauda de pr-

    pura transportada por quatro camareiros e dois chefes do grupo decaadores. To logo a viva se sentou na catedral, 32 oficiais supe-riores trouxeram um magnfico plio, sustentado por 16 postes, parao p da Escadaria Vermelha, onde foram revezados por 32 generais.Mas, s depois que o protopresbtero Yanyshev espargiu gua benta

    pelo caminho da procisso e dois membros da sede episcopal metro-politana incensaram as insgnias imperiais na entrada da catedral,

    que Nicolau e Alexandra surgiram para tomar seus lugares sob oplio e para a marcha at o grande ofcio. O imperador vestia o uni-forme da Guarda Preobrajensky, condecorado com as ordens deAlexandre e Santo Andr; sua consorte trajava um vestido de bro-cado de prata, bordado pelas irms do Convento de Ivanovsky, enci-mado pela Ordem de Santa Catarina. Uma vez chegados igreja,foram escoltados a dois preciosos tronos consagrados, datados dossculos XV e XVII, para que se iniciasse o ofcio religioso. Tendo

    beijado a cruz erguida pelo Paldio Metropolitano de So Peters-burgo, Suas Majestades foram espargidas com gua benta, e o czarrecitou em vozalta a profisso de f ortodoxa. Depois que Nicolau se

    levantou e se persignou trs vezes, o conde Miliutin levou a coroaimperial, com 4,5 quilos, ao arcebispo metropolitano de Peters-burgo, que por sua vez entregou-a ao czar da Rssia para que estecoroasse a si mesmo. Agora portando a coroa e segurando o cetro e oorbe nas mos, o imperador reocupou o trono. Imediatamente aseguir, liberou as mos para colocar uma pequena coroa na cabeada imperatriz, que se ajoelhou numa almofada frente a ele. Encer-rada a coroao, a Rssia explodiu num paroxismo de alegres recep-es oficiais e festivais populares, desfigurados apenas por uma de-

    bandada atrs de cerveja grtis no Campo Khodynskoe, onde muitagente ficou ferida ou foi pisoteada at a morte.

    14 6

    Treze anos depois, em fevereiro de 1913, a Rssia comemorouo tricentenrio do governo Romanov. Primeiro em So Petersburgoe a seguir em Moscou, Nicolau e Alexandra novamente desempe-nharam o papel central no teatro do poder imperial. No obstante ogrande crescimento industrial e urbano desde o ltimo grandiosoespetculo cvico em 1896, os antigos rituais, smbolos e sacramen-

    tos ainda sobrecarregavam os principais espetculos cerimoniais. Agrandiosa e brilhante procisso desde o Palcio de Inverno at Catedral de Kazan, para o solene Te Deum, arrematou um calen-drio completo de.festividades. No ofcio de ao de graas, a reu-nio de dignitrios era constituda, como antes, de altos nobres, bu-rocratas, oficiais e diplomatas, em sua maioria com espadas cinti-lantes e uniformes resplandecentes cobertos de medalhas e conde-coraes. Caracteristicamente, o autocrata russo escolheu essa oca-sio notvel para promover a conde o baro V. B. Fredericks, mi-nistro da Corte Imperial; presentear com um retrato de si mesmo oseu premi, conde V. N. Kokovtsev; conferir ordens especiais aosseus ministros da Guerra, Marinha e Negcios Estrangeiros; ofere-

    cer uma cruz cerimonial ao arcebispo de So Petersburgo; e confir-mar N. A. Mak1akov, o reacionrio proeminente e cruel, como mi-nistro dos Negcios Internos. Ainda mais que seus parceiros em Ber-lim e Viena, o czar, de modo intencional, praticamente ignorou osrepresentantes eleitos da nao. Mikhail Rodzianko, o presidenteultra-leal da cmara baixa, obteve com enorme dificuldade uns pou-cos lugares para os membros da Duma na catedral, e nenhum deles,como tambm nenhum dos novos homens da Rssia, foi convidadoaos jantares de gala no Palcio de Inverno e apresentao,- napera Imperial, de Uma Vidapelo Czar, de Glinka. A peregrinaoda famlia imperial at Kostroma, sede do primeiro Romanov, e as

    comemoraes em Moscou, capital real da Rssia, foram igual-mente rgidas. O mesmo se verificou quanto s exposies de conesrestaurados, promovidas em carter oficial por ocasio do tricente-nrio, e s encomendas de esttuas e edifcios pblicos.

    Em 4 de junho de 1911, Roma celebrou o qinquagsimo ani-versrio da unificao da Itlia. A cerimnia principal girou emtomo da inaugurao do monstruoso monumento a Vtor Ema-neul 1 1 , o primeiro rei da nova nao. A idia e os fundos pblicos

    para esse monumento j tinham sido aprovados desde 1878, e oconde Giuseppe Sacconi, cujo projeto venceu a concorrncia, foiindicado como arquiteto-chefe em 1885. Significativamente, deci-

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    diu-se colocar o monumento no Monte Capitolino, o prestigiosoponto culminante da cidade. As fUndaes afinal foram terminadasem 1892, quando se iniciou o trabalho acima do solo.

    No dia do jubileu, Vtor Emanuel 1 1 1 e a rainha Helena segui-ram a carter do Quirinal at o local da cerimnia. Retirados os vusda esttua dourada, a comitiva real ocupou a plataforma central

    logo abaixo da imponente esttua eqestre macia de Vtor Ema-nuel 11e do altar da Ptria, acima do nvel da Piazza Venezia. O reie a rainha estavam rodeados pela rainha Margherita, pelo duque eduquesa de Gnova, pelos duques de Aosta e Abruzzi, pela princesaLetitia e pelo prncipe de Udine. Como grupo, eclipsavam os mem-

    bros presidentes das duas casas do parlamento e Giolitti, o primeiro-ministro, que os acompanhavam. Tambm tornavam diminutos ossenadores e deputados reunidos numa plataforma menos destacadadas mltiplas fileiras dispostas no santurio real, abarrotado e su-

    perdecorado com esttuas de bronze, colunas, vestbulos e fontes.

    Mas as coroas no reinavam somente com smbolos e cerim~

    nias. De fato, sua influncia muito devia aos recursos e poderes efe-tivos, que nunca hesitavam em empregar. Vale a pena repetir que asdinastias eram os maiores proprietrios rurais da Europa e, comotal, sentiam-se como primus inter pares no estamento agrrio. Asterras da coroa inglesa estendiam-se por mais de 300 mil acres e in-cluam valiosas propriedades em Londres. Era inteiramente coe-rente que uma famlia real com propriedades to imensas tivessequatro imponentes residncias campestres, alm do Palcio de Buck-ingham. Enquanto os soberanos britnicos eram discretos em rela-o a seus bens rurais e outras propriedades, Guilherme 1 1 , em con-traposio, tranqilizou pessoalmente uma reunio de proprietrios

    rurais junker em Knigsberg, em 1894, afirmando que, como "omaior proprietrio de terras" da Alemanha, partilhava de suas preo-cupaes em tempos que sabia serem difceis para a agricultura.Quanto a Nicolau 1 1 , visto que suas propriedades eram de longe asmaiores da Rssia, no levantou nenhuma objeo ao ser registradocomo "proprietrio rural" no censo de 1897.

    As imensas terras da coroa proporcionavam no s a renda,mas sobretudo a aura apropriada para os soberanos que, alm deserem os principais aristocratas, eram as nicas fontes de honras.Alm dessa prerrogativa tcita para criar e promover nobres, os reis-imperadores da Alemanha, ustria-Hungria e Rssia estavam inves-

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    tidos do poder de indicar e demitir ministros, emitir regulamentos,convocar, suspender e dissolver corpos eletivos, promulgar e decre-tar leis, conceder perdes, comandar as foras armadas, fazer tra-tados e decretar lei marcial. Em teoria, um sistema parlamentar res-trito estava em vigncia nos trs imprios - na Rssia a partir de1905. Na prtica efetiva, os ministros se mantinham responsveis

    exclusivamente perante a coroa, e no perante a cmara popular. certo que as cmaras baixas, aqui e ali, moderavam o arbtrio e aarbitrariedade dos monarcas, mas faltava-lhes no s o poder jur-dico como tambm o critrio poltico para controllos de modo efi-caz e coerente. Como ltimo recurso, os soberanos imperiais sempre

    podiam ignorar as legislaturas rebeldes: armados com poderes deemergncia, podiam suspend-las ou dissolv-las, ou convocar novaseleies, aps alterar, se necessrio, os direitos polticos vigentes. Osimperadores da Alemanha, da ustria-Hungria e da Rssia prima-vam pelo uso dessa ttica, e o herdeiro do trono austraco at pro-meteu super-los em autoritarismo.

    Evidentemente havia diferenas entre os trs imprios, no que

    concerne constituio, costume e prtica do absolutismo monr-quico. O chefe da Casa de Hohenzollern extraa sua panplia de po-deres menos pelo fato de ser o imperador alemo (ele nem sequer era"imperador da Alemanha") do que pelo de ser rei da Prssia, o

    posto avanado senhorial e feudal mais concentrado e famoso daEuropa. No havia nenhum texto constitucional que dissesse ondeterminava sua autoridade como rei e onde comeava seu poder comoimperador. De qualquer modo, por exercer um poder praticamenteilimitado na Prssia, o maior Estado da Confederao Alem e onico com poder de veto, Guilherme I e Guilherme 11 dirigiam anao mais poderosa do continente.

    Francisco Jos I,que ocupou o trono at a idade de 86 anos -mais do que qualquer outro monarca -, possua cerca de vinte t-tulos, mas era primeiro e acima de tudo "Imperador da ustria eRei Apostlico da Hungria". Na virada do sculo, importantes ele-mentos agrrios da classe dirigente e governante magiar tentaramdefender seu prprio poder, reivindicando uma maior autonomia

    para a Translitnia sob o Compromisso dualista de 1867. QuandoFrancisco Jos noconseguiu refre-los com seus poderes imperiais,interveio em Budapeste como detentor de direito da Coroa de SantoEstvo, confiante de que os exrcitos unidos estavam prontos e dis-

    postos a cumprir sua vontade.

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    tisse numa excessiva clemncia para com os abusos dos rebeldes doUlster e seus patrocinadores Tory.

    A coroa tambm tinha voz ativa na seleo dos primeiros-mi-nistros e membros do gabinete. A rainha Vitria escolheu Roseberycontra Harcourt, ao passo que Eduardo VII influenciou Arthur Bal-four e Henry Campbell-Bannerman na escolha de alguns dos seus

    ministros. Ambos, alm de Jorge V, como sabido, indicaram o se-cretrio dos Negcios Estrangeiros, o ministro da Guerra e algunsembaixadores e pr-cnsules. Previsivelmente, os corpos dos servi-os diplomticos, militares, imperiais e coloniais eram feudos espe-cficos da nobreza e dos aspirantes posio e ao poder aristocr-ticos. A monarquia inglesa no empregava a caneta e por certo,tampouco, a mo armada. Do Palcio de Buckingham, onde os cor-redores do poder eram relativamente retos e iluminados, a coroareinava de acordo com o esprito e a letra da lei, com sutileza e inte-gridade, mas tambm sem acelerar a contrao do elemento feudalna sociedade poltica, elemento do qual fazia parte como um compo-nente benigno, mas vital.

    A julgar pelo texto do Statuto, o trono italiano se moldaraoriginalmente pelo ingls. Mas depois de 1870 a instabilidade dogoverno e o divisionismo, expressos e agravados pelas altercaesentre polticos e partidos dominantes, deram ao rei da Itlia muitomais espao de manobra do que dispunha seu parceiro ingls. Coma queda e a freqente reformulao dos gabinetes de coalizo, acoroa podia utilizar com grande vantagem sua prerrogativa de desig-nar os novos primeiros-ministros e sancionar as novas eleies. Em-

    bora a Igreja e o Vaticano mantivessem sua reserva poltica e a aris-tocracia "negra" se aglomerasse em torno da corte papal, boa partedo establishment catlico se reuniu, silenciosa mas solidamente, em

    tomo do Quirinal, aos aristocratas da faco "branca", aos magna-tas ilustres das cidades e aos notveis do funcionalismo pblico.Assim agiram por considerar a monarquia indispensvel para a so-

    brevivncia de uma ordem social estvel, num regime poltico assom-brado pelo espectro do republicanismo mazzinista. Assim, Hum-berto I (1878-1900) e, em especial, Vtor Emanuel III (1900-1946)da casa de Sabia - a mais antiga famlia reinante da Europa -sempre podiam contar com um considervel apoio ao manobrarem,nos interstcios de um sistema constitucional frgil, para consolidare ampliar as prerrogativas reais. Pela virada do sculo, mesmo "li-

    beral" -conservadores importantes, como o baro Sonnino, defen-

    No havia tais ambigidades sobre o lugar constitucional eterritorial da coroa Romanov. certo que Alexandre III e Nicolau IIse gabavam de seu domnio sobre cerca de cinqenta reinos, princi-

    pados e provncias, que gradualmente foram se amoldando num Es-tado centralizado. Mas a clusula de seu interminvel' ttulo queconcedia fora total a sua mo de ferro era a de "Imperador e Auto-

    crata de todas as Rssias".Quanto aos poderes do rei da Inglaterra, com o tempo, evi-dentemente, tinham sido aparados de modo drstico tanto pela leicomo pela prtica costumeira. Mesmo assim no eram inexistentes.Benjamin Disraeli - o nico e mais cabal adepto efetivo do ele-mento feudal no sculo XIX - proclamando a rainha Vitria impe-radora da ndia, na realidade voltou a atribuir peso ao cargo dins-tico. Da por diante, no juramento administrado pelo arcebispo deCanterbury, os imperadores-reis - mais do que reis-imperadores -

    juravam governar legalmente os povos no s do Reino Unido daGr-Bretanha e da Irlanda, mas tambm dos dominios, das colniase do "Imprio da ndia". O rei jurava defender a Igreja Protestante

    Reformada e ser a fonte nominal da justia. Eduardo VII e Jorge Vprometiam tudo isso e muito mais, naquelas que eram, mesmo paraos extravagantes padres da poca, as coroaes mais gloriosas,

    bombsticas e estilizadas da Europa. Os elementos agrrios e aris-tocrticos nunca duvidaram que o bruxuleante e mstico esplendorda monarquia, realado pelo brilho imperial - para no dizer impe-rialista - recm-descoberto, ajudava a compensar a sua diminuiona Cmara dos Comuns, perante a qual eram responsveis os mi-nistros do rei.

    Mas mesmo os soberanos britnicos detinham responsabili-dades executivas e prerrogativas de consultas, alm de suas funes

    cerimoniais, espetaculares e legitimadoras. Devido o apreo sacra-lizado em que eram mantidos, podiam, e o faziam realmente, criti-car, favorecer e at, s vezes, obstruir certas polticas de seus gabi-netes ministeriais. A rainha Vitria apoiava seus ministrios conser-vadores, ao passo que restringia seus governos liberais, e Jorge Vexigiu uma segunda eleio geral em 1910, durante a crise da C-mara dos Lordes, como pr-requisito para concordar - ou concor-dar ameaando - em entulhar a cmara superior com pares dceis.Em julho de 1914, quando estava em ntimo contato com o pri-meiro-ministro Asquith, o rei Jorge, presume-se, favoreceu mais ainterveno que a neutralidade na guerra continental, embora insis-

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    diam o refortalecimento do poder da coroa e do Senado, em detri-mento da Cmara, para aumentar a estabilidade do gabinete de mi-nistros e restringir a reforma social.

    Historicamente, os reis subjugaram e ao mesmo tempo susten-taram as nobrezas. As nobiliarquias agrrias e dos servios pblicos

    precisavam dos reis, da mesma forma que os reis precisavam dasnobiliarquias, mas sua dependncia reciproca no era simtrica. certo que, na segunda metade do sculo XIX, os reis tinham seconvertido em aliados indispen;veis em vez de rivais perigosos paraa nobreza. Por necessidade, tinham continuado a patrocinar poli-ticas de modernizao econmica, militar e burocrtica que acele-ravam a eroso dos privilgios aristocrticos. Mas a coroa tambmse tornara um ponto de unio essencial para o elemento feudal nogoverno, que resistia ao sacrificio das nobrezas agrrias aos interes-ses capitalistas ou burocrticos, ou a uma combinao de ambos.O Estado era agora o principal instrumento da defesa aristocrtica:alm de proteger os bens da nobreza e fidalguia, garantia postos go-vernamentais respeitveis para seus filhos e para seus prprios fra-

    cassos pessoais. Mesmo na Frana, o Estado sem rei continuava adesempenhar essa funo. Assim, a sociedade poltica servia per-

    petuao da alta sociedade nobilirquica da Europa, cuja presunoe estilo de vida ostentatrio, que atravessavam as fronteiras nacio-nais, exigiam castelos de campo e caadas, villas urbanas e sales.

    . No surpreendente que as nobrezas participassem com avi-dez da vida da corte, que no s glorificava o soberano mas tambmfortalecia sua influncia sobre seus aclitos, tanto atuais como po-tenciais. Alm de ser o principal lugar da autoridade e pompa mo-nrquicas, a corte constitua o espao cultural e social, isolado ereverenciado, onde os membros da mais alta nobreza agrria, doservio pblico e do dinheiro se rivalizavam para estabelecer, man-ter e aumentar sua posio junto ao rei e umas em relao s outras.Assim agiam pela mescla usual de razes: poder, riqueza, prestgio.O status e as ligaes com a corte eram a chave para sinecuras cobi-adas na casa real e posies de comando no governo, na burocra-cia, nas foras armadas, na Igreja e no establishment cultural. Paraalguns cargos, a concorrncia ficava restrita aos descendentes dasfamlias aristocrticas mais antigas, puras e ricas; para outros,abria-se a nobres menores e mais recentes, desde que tivessem in-gressado, por si ss ou atravs de ligaes, na sociedade da corte,geralmente aps terem feito grandes doaes pblicas.

    152

    Embora algumas cortes fossem mais exclusivas do que outras- Viena era muito mais seleta e esnobe do que Berlim -, a intriga ea rivalidade marcavam-nas igualmente. Mas esse engalfinhamentoentre cortesos e diversas faces da corte de modo algum diminuaa aura e brilho dessa instituio exemplar da classe ociosa. Essa inte-gridade se mantinha, em parte, atravs da atribuio dos cargosreais ou imperiais mais elevados e distintos a pares ilustres e opu-lentos que se mostrassem to autocrticos quanto incorruptveis.Dessa forma, homens da mais fina linhagem de sangue e terras eramindicados como primeiros-camareiros, primeiros-mordomos, escan-es-mores, ou ainda mestres-de-cerimnias, dos ces de caa, dascavalarias e comandantes dos regimentos de guarda. Decerto, asnobres eminentes consideravam um privilgio nico servirem comodamas de honra, damas de companhia ou camareiras.

    Esse ncleo mais interior da sociedade cortes ao mesmotempo montava e encenava o repertrio real das recepes, jantaresde gala, bailes de caridade e oficios religiosos, sociais e diplomti-cos. Embora os cortesos no se prostrassem perante Suas Majesta-

    des em nenhuma dessas ocasies, seguiam, porm, um rgido proto-colode vnias, trajes e linguagens. Por sua vez, iniciavam e treinavamos nobres inferiores e os simples mortais nesse elaborado cdigo deetiqueta e precedncias.

    Em todas as monarquias, todos os nobres, antigos, novos e as-pirantes, desejavam ser holfiihig, convidados e reconvidados cortee - mirabile dictu - agraciados com uma visita real em sua man-so da cidade ou propriedade rural. Por mais afetado que fosse, esse

    jogo aristocrtico, ritualizado e exclusivo, no era absolutamentevazio. Quem quer que ojogasse tinha de possuir riquezas e dispor decio. Embora as convenes fossem semelhantes em todos os pases,

    havia tambm diversas variaes nacionais ou dinsticas. A corteaustraca era excepcionalmente rgida. Alm da ampla famlia dosHabsburgo, apenas os nobres com linhagem direta de catorze gera-es eram admitidos s funes mais elevadas, que incluam a ex-traordinria cerimnia de lava-ps, quando Suas Majestades se ajoe-lhavam para lavar os ps de doze homens e doze mulheres de idadeavanada. Em So Petersburgo, as barreiras foram diminudas a

    ponto de permitir que os oficiais de Estado dos cinco nveis superio-res - depois de 1908, os quatro nveis mais altos - estivessem pre-sentes s ocasies mais grandiosas. Incidentalmente, entre meados efim do sculo XIX, o nmero de oficiais nos quatro nveis superiores

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    aumentou de 850 para 1850, ao passo que os mestres encarregadosda corte, da caa e das cavalarias dos Romanov aumentaram de 24

    para 213. A coroa e a nobreza continuavam a mutuamente se conce-derem poder simblico e real.

    Nas capitais, as cortes reais e imperiais tambm eram os cen-tros de controle da cultura oficial. Acolhiam e patrocinavam peras,concertos e peas teatrais; compravam, encomendavam e expunham

    pinturas, esculturas e peas de mobilirio; faziam construir edif-cios, monumentos e jardins pblicos. Reis e nobres desempenhavamum papel-chave na promoo e reproduo das artes visuais, plsti-cas e cnicas que - como veremos no captulo 4 - perpetuavamuma persuasiva ideologia corroboradora do ancien rgime.

    Evidentemente, a sociedade e a cultura da corte fortaleciam aposio do trono como a pea central no s da classe ociosa, comotambm do sistema hegemnico de autoridade. Mesmo a nobreza ea fidalguia reacionrias, que vituperavam a promoo da moderni-zao capitalista e burocrtica por parte do Estado, com finalidadesconservadoras, no tinham outra alternativa seno permanecerem

    leais coroa. Enquanto o soberano real personificava e defendia oelemento feudal na sociedade poltica, sua corte encarnava e vali-dava a mentalidade e o estilo de vida arcaicos que constituam seu

    patrimnio comum.

    Alm dos monarcas e suas cortes, as cmaras "altas" eramformidveis postos avanados do elemento feudal ou, como no casoda Frana, dos grands notables, entre os quais se destacavam os no-

    bres e senhores rurais. Como seus fundadores as tinham projetadocomo basties de interesses e privilgios adquiridos contra os reivin-dicantes em ascenso, essas casas seletas, conselhos e senados nunca

    perderam as marcas de sua origem.

    Com a exceo do Senado francs, que na virada do sculo erainteiramente escolhido por eleio indireta, essas segundas cmaraseram no-eletivas. A indicao dos membros se baseava no nasci-mento, riqueza e grau no serviopblico, comum ntido vis a favorde homens de idade avanada. Com as costumeiras excees, osmembros dessas assemblias de notveis eram senhores feudais ounomeados pelo monarca, em contraposio s cmaras baixas elei-tas pelo povo, e que eram constantemente violadas por aqueles. Pra-ticamente em todos os lugares havia uma mescla de hereditariedadee nomeaes reais.

    15 4

    I

    II

    Apenas a Inglaterra tinha uma cmara superior com membrosque, exceo de alguns bispos e juzes, eram inteiramente heredi-trios, .embora a coroa alterasse sua composio com as listas dehonras anuais. Em 1911, apenas 60 a 650f0 dos 570 pares heredit-rios da Cmara dos Lordes eram notveis homens de negcios.Muito embora cerca de 100 fossem pares de primeira gerao e de

    origem no-agrria - principalmente recrutados entre funcionriosdo governo -, os Lordes continuavam a constituir uma cidadela dearistocracia fundiria. Apenas 104pares se declaravam liberais, e 59dentre eles tinham sido investidos ao longo dos ltimos vinte anos.

    No admira que, aps a Segunda Lei de Reforma de 1867, aCmara dos Lordes com maioria conservadora cada vez mais atuassevisando a emendar e rejeitar os projetos de lei progressistas dos go-vernos liberais. Com perodos de menor intensidade durante os go-vernos conservadores, esse confronto entre Lordes e Comuns conti-nuou at 1914, de modo particularmente agudo depois de 1890.

    Entre 1892 e 1895, a cmara superior derrotou medidas refe-rentes autonomia irlandesa, ao governo local escocs, transmis-

    so de imveis e flexibilidade dos empregadores. Mesmo naquelapoca, os lderes liberais requeriam restries em relao aos Lor-des, cujos direitos e responsabilidades estavam consagrados pela

    prtica consuetudinria e no por estatutos. Em 1906, os liberaisvoltaram ao poder para formar o primeiro gabinete na histria dInglaterra onde a maioria dos ministros, inclusive o primeiro-minis-tro, no provinha da aristocracia. Comeando com emendas a um

    projeto sobre educao, os Lordes retomaram sua arrogante obstru-o at afinal, em 1909, vetarem o oramento financeiro por maioriaesmagadora. Com isso, desafiaram intencionalmente a Cmara dosComuns, cujas prerrogativas fiscais tinham se convertido, no sem

    ambigidades, em prtica estabelecida ao longo de trs sculos. Porsua vez, os liberais encaminharam um projeto sobre o parlamento,de modo a reduzir formalmente a proporo entre os pares heredi-trios e ordenados e os representantes eleitos.

    O estopim que disparou a atitude audaciosa dos Lordes foi um .inofensivo imposto sobre a terra que Lloyd George, o chanceler "li-

    beral-radical" do Tesouro Nacional, colocara no oramento, presu-mi~elmente como uma provocao zombeteira contra os Lordes. Eleacusava o governo da Inglaterra de continuar a ser monopolizado

    pelas "classes ociosas que no tinham nada para fazer alm de go-vernar as outras" e que derivavam seu poder de "dez mil pessoas

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    I

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    [que eram os] proprietrios do solo e do restante de ns, e invasoresde nossa terra natal". No de surpreender que o imposto propostoe a retrica irreverente tenham enfurecido o pariato usualmenteponderado. Na Cmara dos Lordes, 112 pares seculares e 2 bisposinsistiram numa demonstrao de fora contra os Comuns, que,com sua mentalidade de sitiados, temiam estar para sempre perdidos para a elite inglesa h longo tempo reinante. Quem eram essesreacionrios que, alm de mobilizar a cmara superior, esperavamgalvanizar o rei, o exrcito e o Partido Unionista,:I

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    tarem uma restrio severa do seu poder privilegiado no-represen-tativo.

    Se a cmara superior da Inglaterra era to intratvel nessesj A .entrados anos do novo sculo, dificilmente se poderia esperar queseu equivalente germnico fosse menos refratrio. Como na prticaa Prssia controlava a Confederao Germnica, suas prprias ins-tituies parlamentares eram to importantes quanto as da DietaImperial. A Herrenhaus prussiana, ou casa dos pares, era de inteiracriao do rei, que era livre para fazer tantas indicaes quantasquisesse, desde que fossem hereditrias ou vitalcias. Em 1913, essacmara tinha 412 assentos, divididos em trs categorias. A primeiracategoria era constituda de 117 prncipes hereditrios de sanguereal (erbliche Berechtigungen): 1chefe da Casa de Hohenzollern,22 chefes das casas principescas do outrora Sacro Imprio Romano,51 pares (Frstein, Grafen und H.erren) e 43 membros de famliasnobres s quais havia sido concedida por ordem real a vinculaohereditria dos bens de raiz. A segunda categoria inclua 105 mem-

    bros vitalcios, entre os quais 4 ocupavam os mais altos cargos es-

    tatais da Prssia, e outras personalidades de destaque excepcional-mente fiis coroa. Os restantes 190 assentos vitalcios eram ocupa-dos por indivduos que, indicados por entidades. associadas, eramdesignados pelo rei: 3 por entidades religiosas, 126 por associaesde proprietrios rurais nobres, 10 pelas universidades e 51 pelascidades.

    Em termos scio-profissionais, 3/4 dos membros da cmarasuperior da Prssia eram nobres. Sem contar nenhum dos 117 mem-

    bros hereditrios, sozinhos os agraristas somavam 71 e os oficiaismilitares 106 (59 da reserva e 47 da ativa). Tal reunio de grandes

    pares, proprietrios rurais e notveis do Estado era com certeza in-tensamente leal ao rei e tradio autoritria da Prssia.

    Essa cmara dos pares prussiana dividia seu poder com umLandtag, ou seja, cmara representativa, que, dado o modo de elei-o e composio, na realidade constitua uma segunda cmara su-

    perior. Embora o princpio do voto popular fosse reconhecido, odireito de voto prussiano, estabelecido em 1849-1853, era obvia-mente desigual, indireto e no-secreto. Em outras palavras, en-quanto o exangue Reichstag federal que tanto inquietava o elementofeudal era eleito pelo voto masculino universal, a cmara baixa daPrssia, que gozava de um poder consideravelmente maior, era com-

    posta por uma lei eleitoral que at Bismarck uma vez caracterizou

    158

    como singularmente "insensata e detestvel" . Mas nem o Chancelerde Ferro nem seus quatro sucessores, que, exceo do interregnosob Cl,\privi,tambm ocupavam o cargo de ministros-presidentes daPrssia, jamais propuseram uma reforma radical dessa extravaganteestrutura eleitoral, justamente por lhes asseg\1rar uma segunda c-mara superior sob o disfarce de assemblia popular.

    Esse sistema de voto era sobretudo desigual, pois em cada dis-

    trito eleitoral todos os eleitores qualificados - eleitores primrios -eram divididos em trs classes segundo o montante de impostos que

    pagavam: a primeira categoria se constitua dos eleitores que paga-vam o primeiro tero da lista conjunta de impostos, a segunda dosque pagavam o segundo tero, e a terceira dos que pagavam o terofinal, incluindo os que no pagavam nenhum imposto. Os eleitoresde cada um desses trs grupos votavam separadamente, por maioriaabsoluta e voto aberto, em 1/3dos eleitores a que o distrito estavaautorizado (um eleitor para cada 250 mil habitantes). Por sua vez,estes eleitores escolhiam os representantes.

    Independentemente do nmero real de votantes primrios em

    cada uma das trs classes eleitorais, cada classe votava no mesmonmero de eleitores. O resultado era uma imensa desproporo afavor da classe dominante rica, em detrimento das ordens inferiores.Tomando o conjunto da Prssia em 1908, de cada 10 mil eleitoresqualificados, 382 votavam na primeira categoria, 1386 na segundae 8232 na terceira (em 1914: 3 a 5%, 10 a 12%,85%). Num total de29 mil distritos eleitorais, havia 2200 distritos onde um nico vo-tante constitua toda a primeira categoria, como no caso de Kruppem Essen. Desde 1848, evidentemente, a Prssia passara por gran-des alteraes e mudanas populacionais, a favor das cidades e dis-tritos industriais. Mesmo assim, houve apenas alteraes mnimasnas propores e divises dos distritos, com a conseqncia de que a

    cmara inferior da Prssia se manteve predominantemente rural eagrria. Em 1913, 140 dos 440 representantes, ou seja, pouco maisde 31%, eram proprietrios rurais, contra 28 industriais e 9 comer-ciantes. A representao dos partidos refletia essa mesma despro-

    poro entre o campo e a cidade: enquanto os 16,6% dos eleitoresprimrios que votavam nos conservadores asseguravam 48,2% darepresentao total, os 23,8% que votavam nos socialistas assegura-vam escassos 1,4%. Ao fim e ao cabo, os principais beneficiriosdesse sufrgio em trs nveis eram os nobresjunker da Prssia orien-tal, pois nas eleies de 1913os partidos Conservador e Conservador

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    Livre, que constituam seus principais veculos politicos, ainda obtiveram 148 e 54 cadeiras, isto , 202 num total de 443 cadeiras.Alm disso, eles tinham interesses comuns com os centristas catlicos, que eram substancialmente agraristas e obtiveram 103 cadeiras,e com os liberais nacionais "industrialistas", com quem tinhamacordos de apoio mtuo, e que obtiveram 73 cadeiras. Quanto aossocial-democratas, conseguiram apenas 10 cadeiras, embora obti-vessem quase a mesma votao popular que os catlicos.

    Em virtude desse sistema eleitoral de trs categorias e da pro-poro e diviso distritais congeladas, o elemento feudal controlavaa cmara prussiana de representantes, alm de dominar a Herren-haus, o conselho de ministros, a burocracia e o exrcito da Prssia,

    bem como o trono e a corte Hohenzollern. Por sua vez, essa socie-dade politica essencialmente coerente formava a delegao prus-siana ao Bundesrat, ou cmara superior do parlamento bicameraldo Segundo Imprio, cuja cmara inferior era o Reichstag. Ao invsde representar o povo dos Estados-membros da confederao, asdelegaes ao Bundesrat representavam os governos desses Estados.

    A constituio imperial atribua a cada Estado um nmero fixo devotos numa proporo aproximada que levava em conta o tamanho,a populao e a importncia geral. Por exemplo, as trs cidadeslivres tinham uma cota de 1 voto para cada uma, Brunswick tinha 2,Baden 3, a Saxnia 4 e a Baviera 6. Embora no fossem proporcio-nais ao seu peso econmico e demogrfico global, os 17 votos daPrssia lhe garantiam de longe a voz mais ativa e decisiva no Bun-desrat. Segundo a constituio, o estado principal tinha absoluto

    poder de veto em assuntos militares e fiscais e um nmero de votossuficiente para bloquear emendas constitucionais. Alm disso, vistoque a Prssia praticamente controlava os 3 votos de Waldeck eBrunswick, bastava-lhe conquistar apenas mais dez votos para dis-

    por de maioria absoluta.O Bundesrat, onde a Prssia tinha supremacia, no era uma

    assemblia deliberativa, mas um conselho de embaixadores dos Es-tados-membros. Cada Estado-membro era previamente represen-tado por uma delegao de oficiais de Estado indicados - em geralincluindo um ministro ou at o ministro-presidente -, que deposi-tavam seus votos num nico bloco, a partir de instrues explcitasdo seu governo local. Alm de contar com a delegao mais pode-rosa, a Prssia gozava de um poder ainda maior, pois o rei-impe-rador indicava o chanceler imperial, que presidia ao Bundesrat e, ao

    160

    mesmo tem}lo, era membro da delegao prussiana. Alm disso, aPrssia dominava os doze comits pelos quais essa cmara superiordespachava, a }lortas fechadas, todos os trabalhos importantes.

    Na medida em que a Alemanha dispunha de um parlamentobicameral, o poder efetivo estava investido mais neste conselho fe-deral do que n() Reichstag. Pois o rei-imperador indicava o chance-

    ler que utilizava sua posio de comando no Bundesrat para levaraq~ela cmara superior a adotar os projetos que, a seguir, apr~~en-tava perante a cmara inferior. Embora fosse altamente deseJavelobter a aprovao do Reichstag eleito por voto popular, ela no eraessencial. Afinal, o chanceler e seus ministros eram responsveisapenas perante a coroa, que, junto com eles e o Bundesrat, gov~r-nava em nome da sociedade civil e poltica feudalista da Prssia.

    No Imprio Austro-Hngaro, as cmaras superiores eramigualmente arcaicas. A Herrenhaus do Reichsrat, ou ~arlamen~o daustria, era composta por prncipes da famlia impenal, arcebiSpose outros altos prelados, chefes de grandes famlias rurais nobres que

    possuam cadeiras hereditrias concedidas pelo imperador, e de 150

    a 170 notveis com mandatos vitalcios. De modo similar, a Mesados Grandes (Forendihaz), ou cmara superior do parlamento hn-garo, era uma assemblia com cerca de 300 magnatas no?re~ ~~i-nentes, que possuam assento hereditrio ao lado dos dlgmtanosmais elevados das igrejas catlica, protestante e greco-ortodoxa,assim como de S O magnatas menores e outras S O personalidades commandato vitalcio. Embora o rei-imperador enobrecesse negociantes,

    . profissionais liberais e acadmicos para as cmaras altas de Vienae Budapeste, estes passavam despercebidos nesses espaos reser-vados da aristocracia agrria.

    A Rssia tambm contava com um Conselho de Estado, ou

    cmara superior. O czar designava metade dos conselheiros de.nt~ealtos funcionrios pblicos, civis e militares. Os grandes propneta-rios rurais, a nobreza, o clero e oszemstvos provinciais, dominadospor uma fidalguia no-progressis~a, ,elegiam a ~u~ra ~etade. No ~o-tal, apenas 18 assentos eram atrlbUldos a notavelS onundos da m-dstria, comrcio e magistrio.

    O Senado italiano partilhava muitos laos de parentesco comtodas essas cmaras superiores. L estavam, inevitavelmente, os

    prncipes da Casa de Sabia que, sendo membros privilegiados, da-vam a essa assemblia sua marca real. Todos os outros membroseram nomeados vitalcios do rei, guiado pelas indicaes do pri-

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    meiro-ministro. Dos 360 a 400 senadores, 100 eram altos oficiaiscivis, militares e jurdicos; 100, ex-deputados (que tivessem servido

    pelo menos por 6 anos); e 100, notveis ricos que pagavam mais de3 mil liras de impostos. Os restantes 60 a 100 senadores eram esco-lhidos entre membros proeminentes de sociedades acadmicas, in-cluindo as universidades, e outros individuos que tivessem prestadoservios de excepcional distino nao. Como no havia limite

    para o nmero de membros, pelo menos 40 novos senadores foramnomeados ao mesmo tempo em trs ocasies diferentes - 1886,1890, 1892 -, a fim de romper o veto ou adiamento do Senadoquanto a matrias de legislao votadas pela Camera (cmara dosdeputados). Nitidamente, entre as duas casas, a cmara superior erade longe a mais conservadora, e ainda mais por contar com um con-sistente elemento feudal.

    Mesmo a cmara .superior da Terceira Repblica francesacontinha vestigios desse legado. Aps a queda de Lus Napoleo e oesmagamento da Comuna, sobretudo os divididos monarquistas fi-zeram presso a favor do estabelecimento de um senado. Preten-

    diam uma cmara superior capaz de refrear os impulsos radicais dacmara inferior e de servir como um cavalo de Tria para subvertero regime nascente, no interesse de uma restaurao monrquica.Reconhecidamente, os ultramonarquistas se tornaram totalmenteirreconciliveis. Mas, impressionada pela influncia estabilizadorados notveis e dos camponeses da Frana rural, a centro-direita em

    particular, liderada pelo duque de Broglie, decidiu apoiar a rep-blica de Thiers, com a condio de que esta fosse moderada por umsenado seguro. desnecessrio dizer que tal cmara e compromissoconstituiram um antema para os ultra-republicanos. Mas, apesardessa oposio radical - ou devido a ela -, a centro-esquerda

    de republicanos pragmticos decidiu aceitar esse senado, em trocada aquiescncia da centro-direita quanto a uma repblica que asduas estavam igualmente determinadas em manter como conser-vadora.

    A lei de fevereiro de 1875, que definia a composio do Se-nado, foi uma das principais transaes constitucionais da recenterepblica, e tambm um de seus pontos de sustentao. Dos 300senadores, 75 eram escolhidos em carter vitalicio pelas duas cma-ras em conjunto (como Assemblia Nacional). Em cada departa-mento, colgios eleitorais especiais selecionariam os outros 225, porum prazo de nove anos, com a substituio de 1/3 dos senadores a

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    cada 3 anos. O colgioeleitoral de cada departamento era compostopor funcionrios pblicos anteriormente eleitos para outros cargospblicos: os membros da Cmara dos Deputados, os membros doConselho Geral, os vereadores dos arrondissements e um delegadode cada um dos conselhos comunais. No conjunto, esse arranjo elei-toral se destinava a garantir a representao injustificvel e excessiva

    das aldeias e vilas em comparao a Paris e outras grandes cidades.O Senado se converteu numa cmara de funcionrios politicos e ad-ministrativos com raizes em pequenas vilas com 600 a 5 mil ha-

    bitantes, que, at 1914, sempre se transformaram com grandelentido e cuja moderao econmica, social e cultural era susten-tada pelos grandes fazendeiros e pequenos camponeses das redon-dezas.

    Tampouco o Senado era puramente decorativo e impotente.Um de seus poderes era o de se sentar em conjunto com a cmarainferior para eleger o presidente da repblica, e, decerto, os impul-sos conservadores do Senado auxiliaram de modo significativo a elei-o de Poincar para o cargo emjaneiro de 1913. Ademais, parte o

    seu poder de iniciativa em quase todos os assuntos fiscais, a cmarasuperior tinha de aprovar os projetos de lei que passavam na cmarainferior. Sob esse aspecto, ela demonstrou uma notvel capacidadede protelar, para no dizer obstruir, o processo legislativo. Especial-mente a partir de 1907, o Senado bloqueava de modo sistemticoreformas sociais, fiscais e eleitorais, e se opunha reduo do tempode servio militar de trs para dois anos, como parte de um movi-mento abrangente para a defesa social, orquestrado por Poincar.Nitidamente, o Senado no s cimentava, como tambm agia vi-sando a preservar a Frana rural e estagnante contra a Frana ur-

    bana dinmica e, como tal, contribuia para o impasse politico, o ro-

    chedo contra o qual os gabinetes incipientes continuavam a so-obrar.

    De todas as instituies da sociedade politica, a cmara baixado parlamento era a nica a registrar e promover as pulsaes daindstria e do comrcio, centrados nas cidades, nas zonas indus-triais e nas bacias de minerao em franco crescimento. Entretanto,numa perspectiva europia, essas cmaras populares eram no sseriamente divididas como tambm assediadas e sitiadas. Fosse odireito de voto universal ou limitado, os arranjos eleitorais em todosos pases concediam um peso desproporcional s reas rurais nas

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    cmaras baixas. Na Inglaterra e na Frana, embora contassem como sufrgio masculino universal, esse vis rural pode ter atenuado ointenso choque entre suas cmaras alta e baixa entre 1910 e 1914.De todo modo, nas cmaras inferiores da Alemanha e da ustria,tambm eleitas por sufrgio universal, o mesmo vis tornou muitomais difcil organizar um desafio efetivo contra o absolutismo. O

    resultado foi que, em meados de 1914, o Reichstag alemo vivianum limbo gangrenoso, ao passo que o Reichsrat austraco, tam-bm sobrecarregado por conflitos tnicos, foi suspenso por tempoindeterminado. Na Hungria e na Rssia, o direito de voto estavamontado de modo deliberado para tornar as cmaras baixas seguras

    para o estamento agrrio. Mesmo assim, em 1914, a Mesa dos De-putados (Kpriselhaz) foi suspensa em Budapeste, ao passo queem So Petersburgo a Duma funcionava com mandatos j vencidos.Em Roma, entrementes, a adoo precipitada, de inspirao pol-tica, do sufrgio masculino universal em meados de 1912, que danoite para o dia quadruplicou o eleitorado, desequilibrou uma C-mara congenitamente frgil.

    O sufrgio masculino universal para as cmaras popularesabriu seu caminho aos poucos. Enquanto a Frana o reconfirmouem 1875, a Inglaterra o efetivou em trs etapas entre 1867 e 1918,a Alemanha em 1871, a ustria em 1907 e a Itlia em 1912. Na Rs-sia, a revolta de 1905 deu inesperadamente ao voto universal umavida efmera e abortada. Na Hungria, nesse nterim, a classe gover-nante magiar se ops de forma resoluta ao voto democrtico, mesmoao preo de prolongar a subordinao de Budapeste a Viena. Ape-nas a Inglaterra, Frana e Alemanha prescindiam, antes da viradado sculo, das qualificaes eleitorais segundo bens, impostos e ins-truo. Mas mesmo nesses trs pases, como em todos os outros, a

    proporo, a diviso por distritos e a delimitao injusta e arbitrriados territrios eleitorais continuavam a inclinar as eleies para ascmaras baixas a favor das aldeias e vilas em detrimento das cida-des, a favor da agricultura contra a indstria. A fora da defernciae da religio tambm aumentava desproporcionalmente o voto rural.As atitudes de dependncia pessoal forjadas nas relaes sociais ex-travasavam para o comportamento poltico. Como a predisposiodas pessoas de origem humilde para venerar e seguir os bem-nasci-dos se mostrava mais pronunciada nas antigas comunidades provin-ciais rurais, pequenas e de lenta transformao, do que nas agita-das cidades, que cresciam e se espraiavam com rapidez, os notveis

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    locais eram os principais beneficirios da converso dessa defernciasocial em submiss() poltica.

    Como membrcs destacados das nobrezas locais, os clrigos -padres, pastores, ministros, rabinos - estavam numa boa posiopara mobilizar e canalizar as preferncias polticas de seu rebanho,geralmente a favor de porta-vozes dos elementos feudais, agrrios e

    pr-industriais. De fato, com a ampliao do direito de voto e o sur-

    gimento de partidos polticos que arrebanhariam os votos da classemdia, da petite hourgeoisie e do proletariado urbanos, os repres~n-tantes de Deus colocaram seu prestgio e suas congregaes a serv1odos conservadores em geral e dos elementos feudais em particular. exceo da Frana, os paladinos polticos do antigo regime po-diam se aproveitar do domnio derivado da inclinao submissa emrelao ao altar e, ainda, coroa, espada e bandeira. E mesmona Frana, a despeito do anticlericalismo da sociedade polt~ca, ,aIgreja Catlica, ao lado do exrcito, do pavilho tricol~r ~ do 1mpe-rio, tornou-se uma fora moderadora cada vez ma1S 1mportanteentre os republicanos.

    A ampliao do direito de voto e as reformas eleitorais dasltimas trs dcadas do sculo XIX certamente aceleraram a contra-o poltica das elites agrrias na Inglaterra. Em 1868, os senhoresrurais, em especial os mais ricos e aristocrticos, ainda ocupavam2/3 dos assentos na Cmara dos Comuns, em especial nas bancadasconservadoras. Em 1886, tinham se reduzido metade das cadeiras,e aps 1906, quando o direito ampliado de voto comeou a ter ex-

    presso, foram reduzidos a pouco mais de 1/10 dos me~bros daCmara. Por certo, esse declnio se acentuou ainda ma1S com asvitrias do Partido Liberal, ao qual a pequena nobreza rural hmuito abandonara, passando-se para os conservadores. De fato, oPartido Unionista Conservador veio a constituir o ponto de encontro

    preferido entre a velha nobreza agrria e a n~va nobreza ~a~ finan-as, da indstria e do comrcio. Embora os mteresses agrar1?s per-dessem sua primazia numrica neste slido amlgama, mant1veram

    boa parte de sua influncia e poder, em parte devido sua forapoltica no campo. Contando com a dependncia dos seus arre~d~-trios, os senhores rurais aristocrticos mantinham seu predommlOnos condados "podres", que continuavam a ultrapassar a votaodos burgos para o parlamento, permitindo aos conservadores, e~

    particular, obterem uma parte excessivamente grande de suas cade1-raso Em 1902, 50% de todos os membros conservadores do parla-

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    menta eram proprietrios rurais, e em 1910, 26%, contra 7% detodos os liberais.

    Mas as classes fundirias no tinham um controle polticoequivalente a esse declnio no nmero de seus candidatos e membrosdos Comuns. Acima de tudo, elas e seus aliados conservavam o co-mando dos gabinetes conservadores. A aristocracia e fidalguia agr-rias forneceram mais da metade dos membros de todos os gabinetes

    at 1905, quando os liberais, liderados por Campbell-Bannerman,comearam a governar sob a permisso dos irlandeses e dos traba-lhistas. Os antigos aristocratas agora haviam sido superados nume-ricamente no governo. Em 1908, afinal, foram tambm afastados docargo de primeiro-ministro, e Asquith foi o primeiro "plebeu",desde Disraeli, a atingir esse topo.

    O Partido Liberal e seus gabinetes eram significativamentemenos aristocrticos, uma vez que muitos dos notveis Whig tinhamse passado para os Tories. Em 1910, apenas 70 ;0 dos membros libe-rais do parlamento eram senhores rurais, enquanto 66% provinhamdo comrcio e da indstria e 23% das profisses liberais e eruditas.

    O partido contava com uma ampla base entre a classe mdia dasmunicipalidades e muitos de seus lderes tinham essa mesma prove-nincia social.

    Mesmo assim, os liberais estavam longe de pertencer exclusivaou majoritariamente classe mdia. Enquanto Campbell-Banner-man era filho de um rico negociante que, aps adquirir uma fazendana Esccia, obtivera o ttulo de James Campbell of Strathcaro, As-quith era um advogado com pretenses aristocrticas. Embora os

    plebeus estivessem em maioria em ambos os governos, de 1906 a1916,49% dos ministros (25 em 51) provinham de famlias com t-tulos hereditrios, e, numa definio mais precisa, 34% descendiamde famlias com ttulos hereditrios que remontavam pelo menos a

    duas geraes anteriores. Alm disso, dos 51 ministros das trs ad-ministraes liberais, 20 tinham estudado em Oxford e 16 em Cam-

    bridge, e 25 tinham seguido para escolas pblicas seletas, sendo 12para Eton e 5 para Harrow. Essas instituies educacionais espe-cializavam-se em integrar os filhos de plebeus bem-sucedidos numaclasse dominante e governante cujo esprito continuava a ser marca-damente mais aristocrtico do que os seus prprios membros. Ade-mais, apesar do relevo de alguns polticos de classe mdia e recursosmodestos, em especial no governo de Asquith, a maioria dos mem-

    bros do gabinete ministerial possua riquezas herdadas ou adquiri-

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    das pelo casamento, o que os convertia em classe mdia alta e signi-ficava que tinham ligaes mais ntimas com o establishment tradi-cional do que com sua base de classe mdia.

    . Na Frana, a preocupao com a moderao e a ordem socialque moldou o Senado em 1875 tambm deixou sua marca sobre osarranjos eleitorais para a Cmara dos Deputados. Mesmo os repu-

    blicanos, para no falar dos centro-direitistas e monarquistas, enca-

    ravam as cidades maiores com cuidado ou, at, apreenso. Como sabido, no final do Segundo Imprio e aps a queda de Sedan, osrepublicanos conseguiram seu cabedal poltico nas regies dinmi-cas da Frana, em especial nas grandes cidades e principalmente emParis. Mas a seguir os communaux surgiram no s na capital, mastambm em Lio, Marselha e Bordus, da resultando o temor e arepugnncia dos republicanos pelas massas urbanas. Sem dvida,Thiers e seus defensores direitistas tiveram uma deliberada reaoviolenta contra a Comuna de Paris, denunciando como insurreiosocialista selvagem e incontrolvel o que sabiam ser uma exploso

    patritica inspirada no republicanismo jacobino. Mesmo assim,

    exceo de poucos, os republicanos se uniram aos versaillais e apro-varam at mesmo seus piores excessos durante e aps a infame se-maine sanglante do final de maio de 1871.

    Em todo caso, presos na lgica da contra-revoluo preventiva,incapazes de prescindirem de Thiers e com receio das plebes urba-nas, os prprios republicanos estavam ansiosos por cercar as cida-des, desequilibrando a cmara baixa em favor da sociedade rural,inclusive da petite bourgeoisie das vilas provinciais. Assim, o sis-tema eleitoral se destinava a aumentar o peso da Frana imvel so-

    bre a Frana dinmica em ambas as casas parlamentares.Efetivamente, o nmero dos grandes e mdios proprietrios

    rurais na cmara baixa declinou de 141 num total de 576 em 1889

    (25%) para 90 num total de 597 em 1910 (15%). Mas, embora essesdelegados do setor comercial da agricultura francesa perdessemmuito terreno, no se pode dizer o mesmo em relao aos represen-tantes dos pequenos proprietrios rurais, dos arrendatrios das al-deias e da classe mdia baixa, intimamente relacionada a eles, dasvilas provinciais. Pois o sistema eleitoral dividia a nao em arron-dissements, cada um com o direito de apresentar um deputado. Seos habitantes desses distritos eleitorais originrios ultrapassassem ototal de 100 mil, poderiam reivindicar mais um representante paracada 100 mil habitantes adicionais ou frao, sendo que os distritos

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    estavam divididos num nmero correspondente de arrondissements.Essa distribuio proporcional e respectiva diviso distrital favore-ciam, como evidente, o excesso de representao rural, visto que ocampo tinha muitos arrondissements com uma populao bastanteinferior a 100 mil habitantes, e vrios tinham apenas poucos milha-res de eleitores. Em 1875, o norte da Frana recebeu apenas 220deputados, embora contasse com uma populao de 19 milhes, ao

    passo que os 16 milhes do sul mais agrrio e rural foram aquinhoa-dos com 280. Por ter trs milhes de habitantes a menos, o sul re-cebeu um bnus de 60 deputados.

    Alm disso, o scrutin d'arrondissement, que, exceo daeleio de 1885, sobreviveu at 1919, favorecia os notveis locais.

    No preciso dizer que os antigos senhores rurais continuavam areinar em virtude da dependncia pessoal, lealdade e mentalidadearraigadas das populaes rurais, contando muitas vezes com a cola-

    borao do clero, que ocupava a invejvel posio de ser capaz deinfluenciar e salvar votos. Mas, com o tempo, os "novos" notveisdo descentralizado Partido Radical ultrapassaram-nos em impor-

    tncia. Esses polticos radicais estendiam seu controle sobre ocampoe as aldeias acessveis graas a suas posies de prestgio nas vilasprovinciais, onde eram profissionais liberais - advogados, notrios,mdicos, veterinrios - ou negociantes de cereais, vinho e gado.Esses "burgueses" de provncia, semelhana dos tradicionais pa-dres e senhores rurais, ocupavam um lugar excepcionalmente favo-recido para entender a mentalidade e os interesses camponeses. Naassemblia, esses senhores rurais, em sua maioria monarquistas la-tentes ou declarados, e esses burgueses no-urbanos, em sua maio-ria republicanos oportunistas, formavam um bloco rural que variavade 300 deputados por volta de 1890 a 200 em torno de 1910.

    Em face do que se percebia como um crescente desafio urbano

    e industrial, em particular depois do caso Dreyfus, os monarquistasse reuniram a contragosto repblica, ao passo que os radicais mo-deravam o seu anticlericalismo. Em tempos normais, esses elemen-tos rurais concediam um apoio fundamental para os governos decentro, que aperfeioavam o status quo com polticas econmicas esociais flexivelmente conservadoras. Mas em pocas de instabili-dade, quando a poltica se polarizava, a aliana agrria se convertianuma fora de inflexvel conservadorismo, para no dizer de reao.Decerto, a geografia eleitoral da Frana no-urbana era muito dife-renciada, havendo imensas diversidades quanto a estrutura econ-

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    mica, pa.dl'esde povoamento, prtica religiosa e tradio poltica:enquaIlto () oeste, o massif central e o leste eram nitidamente direi-tistas e clericais, o sul, o centro, o norte e a rea em torno de Pariser~m republicanos e, quanto religio, moderados. Alm disso,mesmo as regies rurais mais "esquerdistas" eram relativamentemoderadas em termos econmicos, sociais e culturais, tendncia quese acen1uou ainda mais depois da virada do sculo.

    Muito embora o Reichstag na Alemanha vivesse sob rgidoagrilhoamento, seus direitos polticos eram, alm disso, cuidadosa-mente regulamentados de modo a reduzir a voz ativa dos distritosindustriais e urbanos. Desde o incio, em 1871, os 397 distritos elei-torais, com direito a apenas 1 membro, eram desiguais. Como regrageral, cada distrito devia ter 100 mil habitantes, ou seja, cerca de20 mil votantes. Na prtica, muitos distritos eleitorais tinham popu-laes consideravelmente maiores ou menores, e esses desvios danorma aumentavam com o decorrer do tempo. Embora a populaoda Alemanha pulasse de 40 para 6S milhes de habitantes entre1870 e 1914, os distritos eleitorais se mantiveram inalterados du-

    rante toda a existncia do Segundo Imprio. Com slida implanta-o nos campos, os conservadores e centristas catlicos se opunhamcom firmeza redistribuio proporcional e reorganizao distri-tal, no receio de perder sua privilegiada fora eleitoral para as ci-dades, que c