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LUANA ALCIDES MOREIRA
FRANKENSTEIN DE MARY SHELLEY
CURITIBA
2000
LUANA ALCIDES MOREIRA
FRANKENSTEIN DE MARY SHELLEY.
Monografia apresentada como requisito parcial à conclusão do Curso de História,
Da Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Profº. José Roberto Braga Portella.
CURITIBA 2000
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................3 2 MARY SHELLEY............................................................................................................5 3 DESCOBRINDO FRANKENSTEIN............................................................................10 4 O VERÃO DE 1816.........................................................................................................23 5 PROMETEU MODERNO OU FRANKENSTEIN: O QUE HÁ ENTRE O MITO E
O ROMANCE.........................................................................................................34 6 FRANKENSTEIN E OS AUTÔMATOS......................................................................41 7 PRECONCEITOS E PRECIPITAÇÕES DE UM CIENTISTA................................45 8 CONCLUSÃO.................................................................................................................50 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................54
ii
INTRODUÇÃO
O primeiro fato que nos chamou atenção para desenvolver essa monografia, partiu
de uma conversa enquanto cursávamos a disciplina. História da Ciência, na qual
levantávamos uma questão sobre como esse ramo científico se omite em relação aos nomes
femininos do meio científico. E desfiando um pouco mais esse assunto pudemos observar
que também havia muito pouco a ser dito sobre a mulher e a ficção. Nos ocorreu sem ser
uma celeuma que investigar qual, ou quais eram os motivos para que essa omissão fosse
tão determinante, poderia ser algo muito interessante. Daí surgiu o nome de Mary Shelley,
uma mulher que no século XIX, pode muito bem ter sido uma das precursoras da literatura,
abordando temas científicos. Outro fator que nos fez “matutar um pouco mais” se tratou de
somente em 1996, quando assistimos a última versão cinematográfica sobre o monstro de
Frankenstein, notamos como a autora havia formulado o seu pensamento. Construindo um
personagem, o médico ,que gerava um outro ser , de forma artificial.
Vemos nessa obra ela abordou a questão do homem gerar, fora do contexto
feminino, uma abiogenêse .O médico era ao mesmo tempo genitor e deus. Isso tudo num
período no qual se priorizava as ciências matemáticas, a filosofia mecanicista, com o seu
pressuposto, que tudo é matéria em movimento1, somados à química. Apareciam essa
questões como eixo norteador do pensamento racional, aliado ao filosófico, colocando a
razão acima de tudo.
Todos esses arremates da filosofia e da ciência estavam sendo colocados, reunidos nos dois
personagens de Mary Shelley: Dr. Vitor Frankenstein e sua criatura, sem nome próprio,
mas que permitiu a alusão aos leitores e espectadores assimilarem dois em através do
sobrenome do médico. Era algo inusitado uma mulher tão jovem que nunca havia escrito
antes formular uma história, com tantos conceitos inseridos. E foi isso que nos serviu de
problemática, para que déssemos início ao projeto e depois à monografia que inclui esse
tema.
A princípio acreditávamos encontrar uma certa dificuldade, pois não havíamos
percebido o quanto sobre a temática frankensteniana, havia sido escrito, em vários campos
com o da história, da filosofia e da história social. O livro de Mary Shelley; Frankenstein,
foi a nossa fonte subsidiada por autores que são apresentados no decorrer desta.
Com base neles observamos que há infinitas questões a serem reconhecidas em seu
texto. Há na literatura muito o que trabalhar quando nos aliamos de maneira
interdisciplinar. A história não foi: feita para viver em isolamento, e de modo algum o
historiador é um ser que deve apenas se envolver com seus livros, correndo sobre a linha
do tempo. Ela é dinâmica e envolvente se soubermos decifrá-la nos mais recônditos
lugares. Ela está viva, se compreendermos que tudo a todo tempo está mudando, e há
muitas maneiras de se enxergar um mesmo fato. Principalmente aos que se interessam por
literatura, caberá um sem números de paixões, consideramos o ato de ler e ler bem, com
todo o respeito que uma obra merece( há livros e livros, é claro), um processo de
transformação, no qual aquele ser que era você antes de uma determinada leitura, se a si
permitir ,será um outro, apaixonado pela nova forma de olhar a vida, e o mundo no qual a
história faz parte.
1 JAPIASSU, Hilton. As paixões da ciência: estudos da história da ciência. São Paulo: Letras & Letras, 1991.p.106.
MARY SHELLEY.
Antes que falemos de Mary Shelley, ao nosso ver é fundamental que conheçamos
um pouco do que foi a sua vida e de como ela se deu,, durante o tempo em que Mary
Shelley esteve neste mundo. Adiantamos que este trabalho não faz menção a julgamentos
ou preconceitos. Como historiadores nos detemos em analisar primeiro o época em que
Mary Shelley viveu, seu meio social enquanto se formava como mulher junto aos seus
pais, e depois até sua morte. Mary Shelley possuiu como pais: Mary Wollstonecraft
Godwin e William Godwin. Explicitamos que apenas constam na genealogia, em anexo a
este trabalho os nomes dos avós paternos e maternos de Mary Shelley, devido ao pouco
conhecimento que as obras consultadas puderam nos oferecer.
Mary Wollstenocraft Godwin, mãe de Mary Shelley nasceu em 1759 na Inglaterra,
no dia 27 de abril e teve um pai Edward Jonhson Wollstenocraft, que foi considerado pelos
estudiosos de Mary Shelley, como um homem difícil, alcoólatra reincidente, de linguagem
grosseira e mantida a sua família, seis filhos ao todo em freqüentes espancamentos. Sua
mãe era uma irlandesa e se chamava Elizabeth. A educação de Mary Godwin se inicia aos
16 anos em 1775 onde conhece uma jovem senhora, que residem Hoxton perto de Londres,
de nome Fanny Blood. Essa senhora, Fanny é quem instiga a genialidade de Mary Godwin
até 1785, quando falece de parto em Lisboa. Assim Mary ,continuou trabalhando e
mandando dinheiro par sua casa, na qual duas de suas irmãs, Eliza e Everina abrem uma
escola onde Eliza estudará também. Mary Godwin escreveu algumas dúzias de livros mas
ficou conhecida quando em 1792, publicou: A Vindicativos of the Righth of the Woman.
Esse livro é como o próprio título apresenta, revolucionário, evidentemente que ela
era a seu modo uma feminista, ou melhor a primeira feminista inglesa que o século XVIII
apresenta, com a coragem e a capacidade de escrever sobre um assunto tão delicado e
carente de discussões, conclusões e práticas de mudança, sobre o papel da mulher. William
Godwin conheceu Mary nesse mesmo ano no entanto os dois se antipatizaram de
imediato. Nesse mesmo ano em que é editado seu livro ela segue para a França, sozinha e
ilegalmente, onde deseja e vê de perto a decadência da monarquia francesa e toma
conhecimento dos assuntos abordados entre os girondinos e madame Roland. Na cidade de
Neilly onde residiu conhece e se apaixona por um cidadão americano, Gilbert Imaly(1755-
1796). Tiveram um romance e uma filha em 14 de maio 1794. Em abril de 1795, quando
sua filha esta com um ano todos se encontram residindo em Paris. Imaly incumbe Mary de
tratar de seus negócios na Suíça e na Noruega. Consta assim em uma antiga forma de
declaração que: “Saibam todos os homens aqui presentes que eu Gilbert Imaly, cidadão dos
Estados Unidos da América, atualmente residindo em Londres, designo e constituo Mary
Imaly, minha melhor amiga e minha esposa , a única representante diretora dos meus
negócios.”2
Quando Mary retorna a Paris encontra Imaly de romance com uma atriz. Tenta se
suicidar jogando-se ao Tâmisa. Como fracassa volta em 1796 para a Escandinávia e ali
reencontra-se com William Godwin. Ele por sua vez reinterpretou a obra De Mary
Wollstenocraft com maior interesse, conseguindo observar em seus escritos uma grande
paixão da autora para com sua obra. Aos poucos através de uma extensa amizade eles se
apaixonam. Mas como eram ambos adeptos do amor livre, residem em casas separadas até
que Mary, engravida daquela que viria a ser conhecida como Mary Shelley. Em 29 de
2 FLORESCU, Radu. Em busca de Frankenstein: o monstro de Mary Shelley e seus mitos. São Paulo: Mercuryo, 1998.p.34.
março de 1797, casam-se em St. Pancras, numa igreja, tendo cerimônia com pouquíssimos
amigos.
O pai de Mary Shelley, William Godwin nasceu em 3 de março de 1756 em
Cambridgeshire, seu pai era um ministro dissidente religioso, seus irmãos ao todo treze, e
sua primeira formação fora religiosa. Em ele estudou Hoxton College aos sair da faculdade
tornou-se ministro religioso. Em 1783, mudou para Londres e começou a viver do que
escrevia. William Godwin era um forte simpatizante dos princípios da Revolução
Francesa, tornando-se um filósofo radical no fim do século XVIII na Inglaterra.. Por sua
desenvoltura como escritor foi comparado a Voltaire. Sua obra mais famosa é: An Enquiry
Concerning Political Justice and its Influence on General Virtue and Happiness de 1793.
Esse trabalho é tido como um clássico e influenciou toda uma geração durante o século
XVIII, na Inglaterra. Ele escreveu como usa esposa outros livro as que viriam a influenciar
tanto o pensamento de Mary Shelley como sua vida. Uma obra sua de título: Lives of the
Necromancers, de 1834. Relatava a histórias de pessoas famosas que se envolveram com o
poder da magia. Esse livro demonstra que a família de Godwin era conhecedora de
necromancia, alquimia, rosacrucianismo,astrologia e feitiçaria e também continha tópicos
que falavam sobre Alberto Magno, Cornelius Agrippae e Paracelso. Godwin era também
mentor espiritual de pessoas importantes no mundo das letras d das ciências que se
encontravam com ele em sua casa. Pessoas como Samuel Taylor Coledirge e Sir Humphry
Davy filósofo natural e químico.
Em 1703, ano em que Mary Shelley nasce, Godwin fora acusado de subversão pelo
governo britânico ficando economicamente e socialmente em má situação. Sua vida ficou
mais complicada após a morte ,da Sra. Godwin, que morre após o parto de Mary Shelley.
Em 1801, se casa com Mary Jane Clairmont, sua vizinha do lado. Dentre os vários filhos d
casal o que nos importa será Claire Clairmont.. A madrasta de Mary Shelley parecia ter um
temperamento muito difícil mas colaborava com seu esposo ajudando-o com livros de
contos infantis que ela traduziria do alemão para o inglês, melhorando o orçamento da
família( Mary por conta disso conheceu vários contos de outros lugares, chegando a
conhecer também um que falava sobre a estória de um cavaleiro George que havia matado
um grande dragão no castelo da família Frankenstein). Mas mesmo assim com um dinheiro
a mais as coisas entre Mary Shelley e sua madrasta não iam bem e seu pai decidiu mandá-
la para uma viagem para Baxter, com uns amigos dele na Escócia passando os anos de
1812 a 1814.
Devemos nos ater que Mary Shelley gostava muito de ler intelectuais, sobre ciência e
ouvir ao assuntos que os amigos, livres pensadores, de seu pai discutiam em sua casa. Ela
com os seus 17nanos era ousada, com ar imperioso e muito ativa. Assim seu pai a
descrevia. Foi educada estudando literatura, filosofia e as ciências naturais.3 Seu pai
desejava que ela se tornasse uma filósofa. A idolatria que Mary possuía por sua mãe
explica o seu temperamento solitário e o seu gosto pala leitura era a forma de estar próxima
de alguém que tinha demasiada importância. Compreendia na figura ausente materna,
através de seus livros, alguém que havia estado no mundo para servir de luz aos outros. Por
isso começou a mapear, a juntar os traços de sua mãe, suas viagens, etc. Transformando
esse material numa homenagem póstuma.. Há duas faces de Mary Shelley que no mínimo
são bastante curiosas. era educada e polida, ela seria incapaz de ir ler na biblioteca do
Museu Britânico de Londres, pois as mulheres não podiam fazer isso naquele tempo. Um
típico exemplo do quanto o espaço público era limitado para a mulher é o fato de que o
livro de Frankenstein foi editado no anonimato em suas primeiras edições, ou era atribúido
a sua autoria o nome de Percy Shelley.
Toda essa questão com a mãe de alguma forma lhe beneficiou não só pela influên-
3 GIASSONI, Ana Cláudia. O mosaico de Frankenstein. Brasília: UNB, 1999.
cia literária. Mas também por que como gostava de reconhecer os passos dela, foi assim
que Mary helley se deparou com Genebra. Colhendo em suas duas visitas material
suficiente , para que Frankenstein posteriormente viesse surgir, e se tornar um livro
conhecido mundialmente.
DESCOBRINDO FRANKENSTEIN
A viagem de Percy Bysshe e Mary Shelley ,foi algo que marcou a sua vida .Ela foi
significativa não só pela aventura de sua saída da Inglaterra. Mas também por que a fez ao
lado de um homem, que antes de tudo era seu amigo que ,dividia com ela muitas das suas
aspirações, embora emocionalmente de forma confusa ainda estivesse casado. A relação do
casal se aprofundou em solidariedade, somando-se às dificuldades que estavam por vir. A
situação delicada da viagem do casal Shelley, começa, quando estão partindo. Por força
das circunstâncias, o casal Shelley, pediu pouco antes de embarcarem para Dover, que
Claire fosse com eles, pois era hábil no idioma francês, o que não ocorria com os
conhecimentos lingüisticos dos outros viajantes. A resposta de sua irmã foi imediata e
afirmativa. Por muito mais tempo do que eles imaginavam ela permaneceria junto do casal.
Os relatos sobre a viagem do trio se encontram em um dos diários publicados em
1817, escritos por Mary Shelley.4 Há também anotações de Claire5. E pelo que nelas
constam ,a madrasta de Mary Shelley e mãe de Claire, perseguiu os viajantes ameaçando-
os entregá-los denunciando-os, à polícia francesa mais particularmente, à municipalidade
de Paris. Essa ameaça teria sido repassada ao casal através de Claire que se encontrou com
a sua mãe, antes de saírem definitivamente da Inglaterra. A tentativa de lhes impor medo
não deu em nada, pois os três continuaram o seu intento.
A viagem parece conforme descrições nos diários citados, ter sido muito difícil,
uma vez que o grupo contava com pouco recurso financeiro para fazê-la de forma
4 SHELLEY,Mary. The History of a Six Weeks Tour through a Part of France, Switzerland,
Germany, and Holland.Londres:T.Hookman,1817. 5 Memórias de uma campanha pelo Reno ao longo dos anos 1792-1795, citada noDer Frankesnteis de Karl Esselborn(Berlim:1902).
confortável. Ao contrário do que desejavam, aventurar-se foi muito mais difícil do que
imaginavam Eles tiveram de andar cerca de mil e trezentos quilômetros a pé, montados
hora em mula ou cavalo, ou carruagem, utilizando-se do aluguel de canoas ou barcos.
Perfazendo um total de quarenta e oito dias, perpassando por seis alfândegas: França,
Suíça, Baden, Hesse, Prússia e Holanda. A dificuldade foi tanta que Shelley, em Paris teve
de vender o seu relógio de ouro e a corrente também de ouro, obtendo 8 napoleões e 5
francos.
As situações passadas por eles beiraram quase dificuldades extremas .Como por
exemplo, alguns dos lugares em que se hospedaram, eram descritos como de péssima
qualidade, sentiam-se enojados pela falta de higiene do lugar. As hospedarias eram
imundas e a comida, para o paladar refinado desse trio inglês, apresentava-se como uma
porcaria. Num lugar chamado Trois-Maisons, onde ficaram por alguns dias, havia tantos
ratos que Claire para conseguir dormir, subiu à cama de cima, (supõe-se que era um
beliche). Deitando-se ao lado de Mary e Percy, onde os ratos não poderiam, subirem e
molestá-la. Mas qual o leitmotiv que os faria passa por tamanho desconforto? Um sonho,
ou melhor o objetivo, da viagem dos Shelley era chegar à Suíça, e conhecer o país
predileto de Mary Wollstenocraft, local aspirado por ela para viver. A Suíça, na sua
opinião era um lugar perfeito como o paraíso. O roteiro deles se baseou muito nas
informações anotadas pela mãe de Mary Shelley Eles buscavam reviver os pensamentos
por ela descritos. Inclusive a visão que obtivera enquanto passou pela França nos últimos
dias da monarquia.
Em meio a tanto desconforto eles sublimavam as dificuldades com as leituras
poéticas dessa autora. Tanto que acharam disposição em cogitar adoção de uma criança;
Margurite Pascal, de Champlittte. Que residia em uma das hospedarias por onde passaram,
e cujo o consentimento foi negado pelo pai A trilha por terras londrinas, seguiu-se até 27de
julho de 1814. Chegaram à Suíça em 19 de agosto perfazendo um total de vinte e três dias
de viagem. As primeiras impressões que daí tiveram baseou-se na visão dos Alpes, que
tanto seria descritos na obra em que nos fundamentamos. A seu ver pareciam estar num
outro mundo. Ao atravessarem a fronteira observaram que o povo era limpo e as ruas bem
cuidadas. Somente aí passaram pela primeira vez nesses dias todos, uma noite num lugar
habitável. Mais descansados foram conhecer o que havia de mais novo, numa ciência que
nos é conhecida como cibernética. Em Neuchâtel, lugar conhecido por suas relojoarias, os
viajantes puderam apreciar homem mecânico, localizado em uma parte atrativa da cidade,
que possuía seus movimentos coordenados como um relógio, construído por volta do
século XVI. No século XIX Neuchâtel ficaria famosa pela grande indústria que ali seria
implantada. Na qual se construiriam, andróides. Os primeiros espécimes desse tipo de
maquinaria estão expostos hoje no museu de Historia de Neuchâtel, e numa pequena vila
francesa, l’Auberson.
A princípio o grupo de Shelley se estabeleceu em Lucerna, pagando por dois
quartos numa mansão, estimando que sua permanência se daria pelo tempo de seis meses.
Contraditoriamente esse plano de seis meses ficou resumido a dias. Mesmo entusiasmados
com o novo lugar, compreenderam pelo pouco peso de dinheiro em seus bolsos, que não
teriam como ficar muito tempo por lá. Nenhum dos integrantes do seleto grupo de Shelley,
pensou em trabalhar, para se manter. E sem dinheiro nem os poetas sobrevivem. A estadia
em Lucerna foi curta. Desde o primeiro de sua chegada já sabiam que teriam de voltar
muito cedo. Por isso todos foram unânimes em decidir sua volta para a Inglaterra. A
aventura de uma certa maneira continuou, pois voltaram para Londres de barco, descendo
o Reno. O Reno não é só o rio que divide a França e Alemanha. Ele foi o canal para as
primeiras impressões de Mary Shelley, de Frankenstein.
A viagem de barco voltando é feita com sete pessoas o condutor do barco e mais
três alemães. Esses eram ignorados pelo trio que continuavam fazendo leituras em voz alta,
lendo os poemas de Mary Wollstnocarft :Letters Writtenduring a Short Residence in
Sweden, Norway, and Denmark.6. Numa das paradas do barco, o seleto grupo soube de um
pequeno trecho, situado entre Mainz e Roterdã por demais interessante pelas estórias que
acumulava. O trecho dentre essas duas cidades, era onde estava localizado o castelo de
Frankenstein. Pelos dados encontrados nos diários de Claire Clairmont, Shelley e Mary
visitaram o castelo de Frankenstein, embora não haja pormenores sobre esse passeio. Os
relatos desses dois diários não correspondem, e não confirmam hora e local da visitação,
apenas o de Claire evidencia a possibilidade deles terem conhecido o castelo, devido a
demora do barqueiro em colocar o barco novamente no curso da viagem, e a curiosidade
do
casal por contos de horror .Mas nada se confirma em nenhum dos diários de uma maneira
clara. Para nós o interessante é conhecer a história do castelo, principalmente uma que se
refere a um certo indivíduo que com a sua história pode ter influenciado a obra da autora
em questão.
Quando o casal Shelley conheceu o castelo, em 1814 ele já havia sido vendido para
a família Hesses. Muitas das terras ao redor do castelo ainda permaneciam sendo da
família dos Frankenstein. O personagem ao qual nos referimos trata-se de Jonh Konrad
Dippel. Alquimista, nigromante, ( invoca os espíritos para adivinhar as coisas), e teólogo.
Ele julgava ter descoberto o princípio da vida. Há teorias de que o romance de
Frankenstein tenha se baseado na história de Konrad Dippel, personificado na figura do Dr.
Victor Frankenstein. No entanto o que nos retrata a autora no prólogo de seu livro não
coincide com essa teoria .Seu personagem se originou de um pesadelo, resultado das
6 WOLLSTENOCRAFT, Mary. Londres:J.Jonhson, 1796
informações escutadas a dentre as muitas conversas que presenciou entre Byron e Percy.
Mais adiante detalharemos esse episódio.
Descrevendo um pouco sobre a vida de Konrad Dippel, talvez estejamos mais
próximos de compreender o insight da imaginação de Mary. Há várias questões quanto a
probabilidade de ter sido essa ou não a origem que desencadeou o personagem de médico e
do monstro , segundo os estudiosos de Mary Shelley. Conforme já descrevemos cogita-se
a possibilidade de uma nova versão da vida de Dippel, colocando nele a figura de
Frankenstein. Não há dados comprobatórios a esse respeito. O fato é que os viajantes
tiveram tempo suficiente para averiguar. tudo que havia sobre a história do castelo de
Frankenstein. O barco em que viajavam fez uma parada longa, permitindo que seus
passageiros pudessem passar o resto do dia e pernoitando, nas proximidades do castelo
,viajando somente no dia seguinte pela manhã. Junto a história do castelo há ainda um
conjunto de maldições que lhe apregoam, tornando-o um local mais que misterioso.
Querendo ou não poderiam saber sobre isso tudo, indo diretamente ao castelo, ou ouvindo
as histórias pelos moradores do local em que se instalaram ,em Gernsheim. Ou
conversassem com os viajantes que os acompanhavam. De qualquer maneira Mary
Shelley tinha possibilidades múltiplas de exercitar a sua imaginação.
O que nos interessa é saber apontar os dados correlatos sobre o castelo de
Frankenstein e a vida de Konrad Dippel. A fim de que possamos avaliar quais as condições
que contribuíram para o surgimento das figuras mais importantes, do primeiro livro de Ma
ry, que são médico e criatura.. E quais as ligações existentes entre eles e Dippel. Ficção e
realidade, são as marcas fundamentais do romance de Mary Shelley, e essas duas vertentes
da literatura giram em torno do horror, do banimento, e da sede desenfreada de
conhecimento. O próprio cenário retratado por ela.
Para que conheçamos um pouco melhor sobro o castelo e sua lendas,
encontramos o depoimento de um capelão do exército prussiano,7 (que esteve no
castelo alguns anos antes de Shelley,) quando fazia parte de uma campanha contra
os jovens exércitos da República Francesa ,
“a fortaleza medieval conhecida como o castelo de Frankenstein era uma visão
assustadora sob a luz da tarde, aparecendo na distância. Seus muros haviam sido desintegrados e estavam cobertos pelo musgo e mato da montanha. O impacto do castelo, com suas duas torres de comando e suas vigias curvas menores, parecia muito mais impressionante e gótico do que a pequena fortaleza bizantina do Drácula”.8
Havia segundo uma lenda antiga ,algumas advertências das bruxas locais ,
residentes as cercanias do castelo de Frankenstein, quanto a necessidade de se sair dele
antes da meia-noite. Aviso que se mantêm aos visitantes do castelo até os nossos dias,
Passando por lá e melhor não esquecer esquecer o velho ditado: “no creo en brujas, pero
que las hay, las hay”.
Curiosamente encontramos um determinado autor , cuja obra nos serviu de
subsídio, escrita por Radu Florescu, que tece familiaridades entre a família Drácula, e a de
Frankenstein. Em sua obra esse autor nos apresenta por meio da linhagem frankensteniana
determinadas influências que Bram Stoker, utilizaria em sua obra9 a história do conde
Drácula da Transilvânia., argumentadas sobre a rivalidade de poder entre pagãos e cristãos,
respectivamente Drácula e Frankenstein. As duas famílias teriam se encontrado em
batalhas, cujo o oponente dos Frankenstein eram ,familiares de Drácula, que lutavam
contra penetração política e econômica dos alemães na Europa Oriental. Dentre os
Frankenstein houve um cavaleiro que se reuniu- aos cavaleiros teutônicos, uma
organização de caráter militar e monástico composta por cavaleiros alemães, cuja missão
era de cristianizar pagãos e membros de seitas não ortodoxas localizadas na Europa
7 ESSELBORN, Karl. Der Frankenstein. Berlim:1902. 8 FLORESCU, Radu. Em busca de Frankenstein. São Paulo:Mercuryo, 1998.p.63-64. 9 FLORESCU, Radu. Dracula : Prince of Many faces. Boston: Little, Brown,1989.
Oriental. Para atingir seu objetivo, valia tudo ,inclusive o uso da espada. Essa ordem
ergueu várias e fortes estruturas no século XIII. Justamente a época em que o castelo de
Frankenstein foi erguido .Tanto essa como as outras estruturas .foram erguidas entre o mar
Báltico e o planalto da Transilvânia. A rivalidade entre as duas famílias permitiu a Drácula
empalar alguns muitos germânicos10 Ilustramos um pouco mais o assunto sobre a família
Frankenstein, com o intuito de explicar que questões como essa merecem um estudo
aprofundado. Podemos mais tarde levantar parentescos entre as linhagens citadas e
encontrar material para outro trabalho .
Na Alemanha o nome Frankenstein ,possui o significado de castelo ou rochedo dos
francos. E sua origem provem de uma poderosa tribo germânica que também deu origem
ao Ducado de Francônia, na França. Os Frankenstein alemães se dividiram dentre outros
motivos, devido a partilhas de heranças .Seus interesses divergiram tanto que o castelo que
os Shelley :“visitaram” a família passou a ser dividido entre duas partes de uma mesma
família. Elas estavam separadas em alas diferentes no castelo e mantiveram-se assim por
duzentos e cinqüenta anos. É possível observar essa divisão pelo número de túmulos dentro
do castelo, pertencente à linhagem mais antiga, enquanto mais nova é enterrada num lugar
chamado Nieder-Beebach.
Sabendo um pouco mais sobre os mistérios da castelo, e dos que habitaram dentro e
fora dele, podemos finalmente relatar a história de Konrad Dippel,
Dippel requisitava para si o nome de família, Frankenstein, por haver nascido no
castelo deles, e num costume tradicional, isso era possível. Anos mais tarde seu nome
estaria envolvido pelos mistérios do castelo .Ele nasceu em 10 de agosto de 1673, seus pais
foram Anna Eleonor Munchmeyer e Jonhan Philip Dippel, ministro luterano. O casal
refugiava-se nessa época nesse castelo , que havia se transformado num hospital para
10 RAYMOND t. mACnALLY. Dracula: Prince of Many Faces;in Search of Dracula. Londres:
Robson Books, 1995.
feridos de guerra. O castelo serviu também numa outra época, como lugar de prisão
militar, e foi bombardeado. Dippel foi educado para se tornar um teólogo, ou filósofo
natural, médico ou alquimista.. Escreveu vários livros, dos quais setenta deles, forma
salvos de incêndios das guerras do século XVII. Estão agrupados em dois volumes,
Eroffneter Weg11. Seu apelido era coruja, por ser esquisito e gostar de isolar-se. Desde a
mais tenra infância demonstrava ser um ávido leitor. Sempre que podia escondia-se dentro
da maior torre do castelo, para ler a sob a luz de velas. Ao ingressar na Universidade, a de
Giessen em três anos concluiu a sua dissertação: De Nihili(Sobre o Nada).
Além de alquimista ele também foi químico, e assim não poderia deixar de ser pois
a alquimia procede , embora não seja o ponto de vista de todos os cientistas é bom que se
esclareça, da química. Na Universidade de Giessen, ele contestava os seus mestres o os
pressupostos científicos encarados na época como a mais verdadeira das verdades. Como
não conseguiu um lugar nessa universidade como professor, deixou temporariamente a
Alemanha.. Seguiu para a Universidade de Estrasburgo, onde Paracelso ministrou aulas.
Dippel não se resumia somente aos estudos acadêmicos e nem às teorias científicas
vigentes. Suas palestras eram dadas nos recônditos mais comuns: em tabernas, em salões
refinados, em igrejas, a até nas ruas. Dedicava-se integralmente às suas pesquisas e
descobrimentos. Ele era alguém tão apaixonado pelo que fazia,12 que não podemos deixar
de associá-lo, à figura descrita pelo médico Dr. Victor. .Vejamos como Mary Shelley no
início do seu romance , apresenta Victor Frankenstein .Tudo começa em um navio. O
personagem que ela enfatiza é o Sr. Walton, que está a procura de viajar e conhecer os
segredos do Polo Norte. Esse personagem reclama em uma de suas cartas, que escreve para
sua irmã, sobre a sua solidão . Enquanto seu navio se encaminha ao Polo norte, Walton o
11 DIPPEL, Konrad Johann. Eroffneter Weg zum Frieden mit Gott und allen Creaturen,durch die
publication der sammtlichen,schriffen Chhristian Democriti. Amsterdã:1709-1735. 12 ACHERMAN, J.C.G. Das Leben Johann Konrad Dippels. Leipzig:1858.
capitão, e sua tripulação encontram um trenó à deriva sobre pedaço de gelo. Os
marinheiros conseguem resgatar o único passageiro que nele estava; Dr. Victor
Frankenstein. Aos poucos ele e o capitão vão se tornando amigos e diante da sede de
conhecimento que Walton declara possuir, Vitor se vê com a necessidade de lhe contar a
sua própria história. Eis como ele se auto descreve, quando ainda estava no início de seus
estudos científicos: “eu porém com todo meu ardor, era capaz de aplicar-me mais
intensamente e era mais profundamente afligido pela sede de saber”.13
Assim como Konrad, Victor apresentava uma incessante ambição de conhecer
profundamente os mistérios que cercavam a vida humana. Mas no que refere a figura de
Dippel, para sobreviver ele fazia de tudo, inclusive ministrar cursos como o de
quiromancia, assuntos da moda no século XVII. Ao completar dois anos que estava
trabalhando na Universidade de Estrasburgo saiu repentinamente deixando para trás
mistérios. Ao que consta havia sido acusado de roubar cadáveres num determinado
cemitério, das proximidade de onde residia. Volta para a Alemanha, mais propriamente
para a sua cidade natal, Darmsdath. Nessa fase direcionou seus estudos para a alquimia.
Justamente nessa intervalo nas redondezas de Darmsdath, o conde, Ernst Ludwig de Hesse
(1667 –1793), financiaria os próximos trabalhos de Dippel. Devido aos seus gastos
excessivos, esse conde estava falido. A possibilidade de novamente enriquecer seria
encontrar um alquímico que achasse a pedra filosofal. Desse modo serviu de financiador
aos jovens alquimistas. Para atingir o seu desejo, tratou de espalhar pelas
circunvizinhanças dos estados de Seeheim, Dornberg, Arheilgen, Giessen, e próximo às
terras pertencentes ao castelo de Frankenstein, laboratórios. Num desses, já transformado
em pousada, serviu de hospedaria para Mary Shelley e sua comitiva, “uma casa , que
13 SHELLEY,Mary. Frankenstein. Porto Alegre:L&PM, 1997.p.40.
durante o século XVIII, adquiriu fama internacional por experimentar e encorajar o estudo
da alquimia”.14
O motivo que reforçou os estudos alquímicos de Dippel, se deu quando ele
conheceu um determinado encontro m ministro luterano, que dizia carregar consigo obras
inéditas. Pertencentes a alguns dos mais conhecidos experimentadores no ramo alquímico;
Raimundo Lúlio.Catalão, que viveu no século XIII. O ministro apresentou a Dippel uma
coletânea de trabalhos de Lúlio, denominada de Experimentos. Ele insistia para que Dippel
lesse os estudos de Lúlio e de outros que continha. O ministro acreditava que somente os
estudos de Dippel , somado ao desses estudiosos poderia produzir alguma descoberta. Uma
vez que a sorte, ou o destino, fizeram-lhe cruzar com o tal ministro Dippel somou os seus
apontamentos aos estudos de três grandes obras e nomes famosos :Paracelso, Agrippa, e
von Helmont. O mesmo acontece com os primeiros livros que Victor lê, e que cita ao seu
amigo Walton, enquanto narra a sua vida. Victor havia se entusiasmado com, Cornelius
Agrippa,15( De occulta philosophia,1533) Alberto Magnus e Paracelso, para depois afastar-
se dessas leituras considerando-as obsoletas16
Após concluídos seus estudos Dippel se dirigiu ao encontro do conde Ernst,
pedindo auxílio financeiro e um local para praticar com afinco seus apontamentos. E sem
sombra de dúvida deliciou-se com o local que o conde lhe permitiu ficar, no castelo onde
havia nascido, pelo tempo que fosse necessário. Em 1701, depois de três meses ,
arduamente trabalhando, Dippel teria conseguido, misturando prata, mercúrio em
quantidades extraídas de sua fórmula secreta, chegar à pedra filosofal, produzindo ouro
puro.
14 KUNZ, Rudolph. Goldmacher and der Bergststrasse: Drei Alchimistenbriefe.Die Sartkenburg,31,
n6(1954), p.59. 15 AGRIPA, Cornélio. Umanesimo magico-astrologico, Castelli, Pádua,1960. 16 SHELLEY, op. cit., p.57
Dentre as muitas pesquisas feitas e refeitas encontradas pelos vários alquimistas
espalhados por todo o mundo a uma ética no que se refere aos segredos da alquimia. Uma
das prerrogativas que nunca devem ser esquecidas diz respeito a conduta da alquimia e do
alquímico.
Quando se conhece a fórmula da Pedra Filosofal, ela jamais poderá ser utilizada par
fins próprios ou ilícitos, como o de enriquecer a si ou outrem .Dippel esqueceu-se disso e
comprou com o ouro manipulado um grande terreno. Guardou a sua fórmula numa jarra,
que se quebrou esvaindo o que havia nela contido. Por várias vezes Dippel tentou
reencontrar a fórmula antes descoberta . Por três anos suas tentativas consecutivos, suas
tentativas foram evasivas resultando em um insucesso atrás do outro. Até que por fim
desistiu de seu intento alquímico. Partiu novamente partiu, para desta vez se tornar um
peregrino pelas regiões alemãs, durante vinte e cinco anos. Não iremos relacionar os
lugares onde esteve, seria exaustivo. O nosso interesse é de esclarecer os pontos
semelhantes entre a personalidade do Dr. Franeknstein e de Dippel na obra de Mary.
Entre as muitas descobertas, apontadas para Dippel há uma conhecida por azul da
Prússia. Substância composta por ferro e potássio Era utilizado pelos artistas, não sabemos
com que intento, até primeira metade do século XVIII. Com base nela, Schele, um químico
alemão inventou o ácido prússico. Um tipo de veneno que paralisava o coração, e a medula
espinhal quase que instantaneamente. Há entre os que se ligaram a Mary, alguém que se
utilizou do azul prússico. Assunto a ser abordado, mais adiante.
Durante seus anos de peregrinação Konrad tornou-se médico em 1711, na Holanda
Para catorze anos depois ser condenado à prisão perpétua em quando estava na Dinamarca.
O motivo ,foi que ele se colocou em indisposição com os governantes políticos da região
Espalhando panfletos com textos que feriam a ordem política vigente. Seus trabalhos
foram queimados Ele foi subjugado, mãos e pés e encarcerado numa prisão no Mar
Báltico. Lá deveria permanecer até 1726, quando foi requisitado pela sua fama como
médico, pela rainha dinamarquesa, esposa de Frederico IV, a fim de que se tornasse
médico pessoal. Foi enviado posteriormente após ter sido libertado, pela rainha
dinamarquesa a uma outra rainha, a Petersburgo, para a corte de Catarina, chegando a
residir em 1727, na corte de Frederico na Suécia. Em 1729, volta para a Alemanha,
morrendo em abril de1734, de uma apoplexia. Um ano antes havia anunciado, em 1733,
que havia descoberto uma fórmula para prolongar sua vida até 1801, quando contaria com
cento e trinta e cinco anos. Sua morte não foi bem explicada pelos médicos que o
examinaram. O curioso é que seus restos mortais desapareceram, depois que ele foi
enterrado perto do castelo Wittgenstein. Há várias estórias e fatos que versam sobre o
castelo. A de Konrad Dippel sem dúvida, no mínimo deixaria qualquer um de nós, por
menos curioso que fosse, de cabelos em pé.
Passando a tomar conhecimento diretamente, indo até o castelo ou não, essa
história envolvia aos que circundavam Mary e seu grupo naquela viagem. Os outros
tripulantes do barco eram alemães. O assombros do castelo também não passariam
desapercebidos de Percy Shelley, que possuía, como Lorde Byron, interesse por histórias
de horror. As lendas do castelo já haviam chegado aos ouvidos de Mary, quando ainda era
uma criança. Recordemos a história do conde que derrotou um dragão. Trata-se da lenda
do Cavaleiro Georg e do dragão-monstro derrotado por esse cavaleiro no castelo de
Frankenstein. Havia muitos relatos sobre as várias maldições que pairavam sobre o castelo,
e que parecem ter assolado por séculos a família Frankenstein.
Para o casal Shelley que estava acostumado a se encontrar, e namorar na maioria
das vezes no cemitério onde a mãe de Mary havia sido enterrada, a situação de estar
próximo dos fantasmas não era algo tão estranho a esses dois. A continuação de sua
viagem pelo Reno, e a sua paisagem foi um cenário propício para a fertilização de idéias
que mais tarde lhes serviria de base para suas narrativas.
O VERÃO DE 1816
Após a primeira expedição dos Shelley para Genebra Claire, passou a viver com
eles na Inglaterra. E os anos que se seguiram também foram de dificuldade. Principalmente
por que o pai de Mary, William Godwin, continuava sem apoiar o relacionamento da filha,
influenciando negativamente os editores a não publicarem os escritos de Percy Shelley.
Um dos motivos que fizeram com que Mary e Percy prosseguissem novamente para
Genebra ,era o de justamente fugir um pouco dessa situação. mais particularmente. Outro
forte motivo se referia a ex-mulher de Shelley. Harriet que exigia pensão para seus filhos, e
também importunava a vida do casal. Ir para a Suíça e dessa vez passar mais tempo , faria
com que por algum tempo vivessem logicamente longe de credores. Ao mesmo fugir das
cobranças da ex-mulher de Percy, tudo parecia servir de propósito para que a segunda
viagem fosse realmente feita. Sem contar que resgatariam o seu intuito antigo, conhecer
melhor Genebra. No entanto por trás desses interesses, Havia um outro que não podemos
deixar de citar cujo nome era Claire e Byron. Foi ela quem contatou com Byron para que
ele se encontrasse com os Shelley em Genebra. Seu pretexto, fundamentava-se na sua
afirmação de seus antepassados serem da Suíça. Aproveitando-se disso escreveu
confessando-se admiradora de Byron, colocando-se à disposição dele. Há controvérsias
entre os autores que tratam da vida de Mary Shelley, por que alguns dizem que Claire já
mantinha um caso com Byron. E já havia saído da Inglaterra, em 1816, grávida dele .Na
comitiva de Lorde Byron, George Gordon, para sermos mais precisos, estavam John
Polidori, um italiano, médico particular de Byron,e mais três criados e animais. A
excentricidade de Lorde Byron, aparecia muito nos bichos que criava, entre eles girafas. O
escritor maldito, como era denominado pelos que o cercavam havia deixado sua terra natal,
a Inglaterra, para sempre,, havia se tornado um ex-patriado. O visto necessário para sua
entrada na Suíça havia sido negado pelo governo de Luíz XVIII, e assim viajaram por
Flandres, e por estrada ao longo do Reno. Por isso ele só desembarcou no dia 25 de maio
em Mont Blanc ,um vilarejo fora de Genebra , dez dias depois dos Shelley.O motivo para
sua dispensa da terra inglesa se deve (pelo que relatam os vários autores que escreveram
sobre a sua vida), ao seu comportamento, pouco comum para sua época. Dentre outras
facetas ele era acusado de praticar incesto com sua meia irmã Augusta Leigh, e de ter
pedido a uma certa jovem Caroline Lamb, de se vestir, ou melhor de se disfarçar em pajem
a fim de seduzi-lo. Sem contar que era acusado de ter matado uma mulher ,uma amante
turca infiel. Nesse verão ele estava com vinte e oito anos e era admirado como quase um
deus da literatura pelos ingleses. A personalidade dele em alguns aspectos combina com as
características dos escritores românticos como a hipocondria, isso era comum a Percy
também. Um outro aspecto característico do Romantismo, consistia no isolamento ,na
profunda melancolia que tomava conta dos escritores românticos, levando- muitos deles ao
suicídio, ainda jovens.
Um fator em especial nos chamou atenção, o de Lorde Byron acreditar-se
perseguido por uma maldição .Segundo ele, atingiria não somente e a sua vida como as
vidas de todos os seus amigos . Embora isso possa ser interpretado como mais uma faceta
de Byron e seu caráter, de alguém aparentemente supersticioso , de certo modo ele não
estava totalmente incorreto. De fato quando o verão de 1816 acabou e cada integrante dos
dois grupos prosseguiu com a sua vida, em dez anos, muitas tragédias aconteceram aos que
estiveram com Byron em 1816. A vida dessas pessoas, tiveram desfechos bastante
inesperados.
O primeiro desses personagens analisados)será o de seu médico, John Polidori, que
ambicionava tornar-se um escritor renomado com a devida aprovação daquele, a quem
tanto venerava, Lorde Byron. Ansiava obter um relacionamento exclusivo com o poeta.17
O que consta é certamente o oposto. O relacionamento dos dois segundo as anotações de
Polidori baseou-se em desprezo. Byron apenas o tolerava e de longe passava-lhe a idéia de
admiti-lo, como amante. Byron havia lhe levado em sua viagem apenas como seu médico
de confiança. Os Shelley chegaram dia 15 de maio. Durante a sua chegada , o grupo de
Mary havia aumentado, nasceu William, o filho de Mary e Percy e a eles havia se juntado
uma criada, Elize.( o nome de William foi uma homenagem de Mary a seu pai). Como o
encontro deles havia sido arranjado, convém explicitarmos um segundo motivo e talvez o
mais forte que levou os Shlley se encontrarem com o Byron Afora o arranjo de Claire
havia para Lorde Byron uma curiosidade em conhecer pessoalmente o autor de Queen
Mab.
A identificação desses dois grandes poetas ingleses não é difícil de se imaginar se
partirmos do pressuposto que uma de suas maiores paixões era sem dúvida a literatura.
Eles sempre estavam mais juntos que Mary e Percy. Durante essa segunda visita ao
convívio dos suíços ,Mary teria tido uma impressão mais enfática que a sonhadora da
primeira vez . Ela gostou da geografia do lugar, da proximidade de sua casa com lagos e
rios em Chapuis(local que ela repassa ao seu livro Frankenstein quando descreve a
introdução de 1831). No entanto quanto as características dos suíços achava-lhes frios, sem
jovialidade e puritanos quando comparados aos ingleses. Para Byron, que ficou numa casa
ao lado da vila onde os Shelley ficaram ,a vila de Diodati, referia-se à Suíça como um país
maldito, repleto de brutos que residem no lugar mais romântico do mundo. Dentre os dois
grupos as personalidades que se faziam destacar pala sua excentricidade e hipocondria sem
17 ROSSETI, Michael William.The Diary of dr. Jonh William Polidori. Londres Elkin
Mathews,1911.
dúvida eram as figuras de Byron e Shelley. Mary ficava à parte apenas escutando e
pensando nas tantas teorias que eles dois comentavam .( A versão de que ela está sempre
“marginalizada” não é retratada em muitos dos filmes que abordam a história do quarteto,
mas é assim que a autora descreve no prefácio) .Contraditoriamente havia mais dois
personagens que se distanciam bastante da genialidade dos principais; Claire e Polidori.
Não podemos nos esquecer que há uma fina proximidade entre o que é adoração e amor, e
sendo assim afirmar quem e como esses sentimentos transpareciam, entre os três, seria
bastante duvidoso. O que podemos compreender é que Claire e John Polidori amavam de
formas diferentes o mesmo homem. O que nos intriga é que Claire pois ao mesmo tempo
que demostra envolvimento com Byron, não se separa dos Shelley. Por outro lado a
cumplicidade que Byron e Percy sentiam um pelo outro, deixavam lacunas no
relacionamento do casal Shelley. Essas brechas eram de alguma forma preenchidas pelo
convívio mais ameno e próximo dos outros integrantes dos grupos , tais como Mary e Jonh
que vieram a se tornar grandes amigos .Não entraremos em detalhes sob as várias
circunstâncias em que se encontravam esses dois últimos , pois haveremos de tentar
descrever como o trio, Byron, Shelley e Mary Shelley,(embora Polidori estivesse também
presente quando Frankenstein começou a ser escrito ), confabulou suas primeiras idéias e
as transcreveu, cada um com suas particularidades literárias, para o papel.
Frankenstein segundo Samuel Rosemberg18, teria sido escrito entre os dias quinze e
vinte e dois de junho de1816. O desenlace inicial para que ele fosse acordado aconteceu
num desses dias em que a chuva era incessante. Tempestades com grandes clarões e fortes
pancadas de vento rondavam a casa de Byron,. Era costume nesses dias de chuva, o seleto
grupo composto por Byron, Mary, Percy e Polidori encontrarem-se na sala de estar após o
jantar. Ali esperavam que Byron escolhesse em sua estantes um livro para os entreterem. O
18 ROSENBERG,Samuel. The Confessions of a Trivialist. Baltimore: Md Penguin, 1972.
escolhido daquela noite foi Fantasmagoriana: or Collection of the histories of Apparitions,
Spectres, Ghosts, etc 19 A história lida ,conta que um marido beija sua noiva na noite de
núpcias, e descobre que ela havia se transformado no cadáver da mulher que ele havia
amado anteriormente. O suspense se deu por completo diante da atmosfera tempestuosa ,
que permanecia em Diodati.. Após terem terminado de ouvir esse conto, sob a leitura de
Byron, as discussões se encaminharam para um tema curioso a, eletricidade. A esse
assunto envereda outros se interligam, chegando aos científicos, os experimentos
atribuídos, ao cientista Erasmus Darwin.
Dizia-se que ele haveria cortado um verme, preservando-lhe o pedaço dentro de um
vidro, e através de meios que não são apontados, essa pequena parte dilacerada teria se
movido, dias depois ao corte. Shelley nesse ínterim teria tido uma alucinação, e teria se
lembrado um monstro e se assustado saíndo da sala onde todos estavam. Ao voltar ao seu
normal, sem susto, e de novo junto do grupo, Byron propôs que todos os que ali estavam,
escrevesse alguma coisa, que narra-se uma história sobre fantasmas.
Mary Shelley foi dentre todos foi quem mais demorou a escrever algo sobre o tema
proposto. Polidori escreveu sobre uma mulher que tinha por cabeça uma caveira, que havia
sido castigada a viver assim por ter espiado dentro de uma fechadura. Esse texto não foi
considerado por nenhum dos dois literatos. Shelley fundamentou sua estória em
experiências vividas por ele nos seus anos de juventude. E Byron escreveu um conto
colocado ao final de uma de suas obras intituladas Mazeppa. Uma noite se passou até se
desse início na mente de Mary a sua estória. Pelo que consta na introdução de
Frankenstein de 1831, a sua idéia se originou de um pesadelo. Ela o transcreveu para o
papel guardando em sua memória a figura do monstro que havia sonhado
assustadoramente: “ele dorme mas é acordado; abre os olhos; avista a coisa horrorosa de pé
19 Fantasmagoriana ou Recueil d`Histoires d`Apparions, de Spectres, Revenants et. Paris : F,
Schoell, 1812.
ao lado de sua cama., contemplando-o com os olhos amarelos, vazios de expressão, mas
especulativos.”20 essa é a visão, do Dr. Frankenstein tem ao ver sua criatura que também
lhe observa. A primeira vez que lemos essa parte nos perguntamos :quem estaria
investigando quem? Pois a princípio a criatura não sabe a que veio, o que é, ou quem é
aquele que está olhando para ela. E o Dr. Victor estava exausto, devido a sua fadiga
mental, que há mais confusão em suas palavras do que alguma lucidez. Portanto, nós
meros leitores nos perguntamos: quem é o monstro e quem não é ? O que nos faz perceber
essa diferença? Há muitos pontos a tecer que estão intrínsecos ao médico e sua criatura.
Esse começo em que Mary como que de súbito anota suas lembranças letárgicas é somente
um desses tantos pontos, onde se observamos com mais cuidado o texto nas entrelinhas
teremos dúvidas em distinguir criador e criatura.
A influência que acordou os mais assustadores pensamentos de Mary Shelley se
iniciou entre as leituras que nesse verão na casa de Byron, se fazia. O seu contúdo versava
ora pela literatura, como é o caso da Fantasmagoriana, ora pelos ensaios científicos que
eram retratados nas conversas de Byron e Percy. Ciência e horror em forma de literatura.
A geografia do lugar também foi um fator importante, a somar influências na imaginação
de Mary. Com seu marido ela fez uma viagem aos Alpes de Mont Blanc. Durante esse
tempo o casal, voltou a se reunir como dosi amantes da literatura, e isso serviu de reforço
às suas relações, enfraquecidas pela amizade de Byron. Num lugar distante, e se sentindo
mais confiante Mary conseguiu desenvolver um local ideal ,no qual se daria a trama de seu
romance. Enquanto observavam o cume gelado dessa montanha, foi se inspirando e
escrevendo o confronto que norteia toda a sua obra frankensteiniana. O confronto entre
médico e monstro. Após a volta de Mary e Percy, uma calmaria pairou sobre as duas casas.
Jonh Polidori reformulou seu conto sobre a mulher caveira e compôs o seu novo conto
20 SHELLEY ,Mary. Frankenstein. Porto Alegre: L&PM,1997 p.66
intitulado: The Vampyre. Este conto ao que tudo indica foi o precursor de Drácula escrito
por Bram Stoke.r.
Não há provas que confirmem a pessoa que serviu de inspiração para Polidori,
compor “The Vampyre” um conto sobre um vampiro. Mas devido à convivência cheia de
discussões e ciúmes deste para com Lorde Byron, haveremos de encontrar se estudarmos o
caso com detalhes mais minuciosos que muito há da personalidade do ilustre literato para
com o personagem criado por seu médico. Isso é notório de se averiguar quando nos
deparamos com as várias inquietações do médico para com seu principal paciente.
Percy Shelley, por motivos que não nos cabe expor nem analisar, pois
enveredaríamos por outros assuntos que no momento não nos dizem respeito, após essa
viagem com sua esposa desiludiu-se com Byron(o motivo não está implícito nas fontes
pesquisadas). Servindo esse fato para reaproximá-lo mais de Mary. Esse ponto foi
fundamental para que Frankenstein pudesse surgir com força. Percy encorajou Mary a
prosseguir com o seu conto dele produzisse algo maior, em vez de apenas resumi-lo apenas
a um texto feito por uma aposta. Criativamente esse encontro foi lucrativo para todo os
quatro. Frutos literários surgiram extraídos das mentes de Percy e Byron. O primeiro
escreveu o “Hino à Beleza Intelectual”, obra que se destina a transmitir à posteridade a
memória de Rousseau. O segundo conclui o terceiro canto do Childe Harolde e iniciava a
sua outra obra, denominada de Manferd. Percy Shelley intitulou-o o romance de Mary
usando o subtítulo de “Modern Prometheus”. O romance de Mary Shelly só foi publicado
em 1818, e sem autoria declarada, o livro dela foi colocado no mercado como obra
anônima. Por que na primeira edição, os editores se soubessem que se tratava de um
mulher autora daquela ficção, não o teriam editado. De um certo modo essa
impossibilidade de se reconhecer na figura de Mary Shelley, uma escritora desse porte de
literatura, contribuiu para que durante um certo período, a obra fosse vinculada a figura de
Percy Shelley. Principalmente por que o prefácio da segunda edição de 1831 é feito por
Percy. Somente a partir de seu lançamento é que alguns grupos de teatro começaram a
adotá-lo em forma de espetáculos em Londres. E o livro foi tornando-se mais divulgado.
Contudo nossa história não termina pura e simplesmente, com aquela frase: e foram
felizes para sempre. Longe disso, além das páginas escritas por cada um desses nomes
citados no verão de 1816, aconteceram fatos inesperados. A maldição descrita por Byron
serviu de pano de fundo para muitos desastres. De fato mortes no mínimo foram
acontecendo a cada um daqueles que de alguma forma se ligaram à Byron. Um dos casos
se deu com a ex-mulher de Percy Shelley, que se afogou no rio Serpentine em Londres,
encontrado em 10 de dezembro de 1816. Indiretamente ela fez parte daqueles que estavam
com Byron, através de Percy. Mas curioso também foi o fato dera Percy e Mary já estavam
casados há dois anos. Ela engravidou cinco vezes e pariu filhos que iam morrendo em
tempos por motivos diferentes. O único filho sobrevivente foi Percy Florence, nascido à 12
de novembro de 1819. A morte de William, filho que estava junto com eles no verão de
1816, foi também uma das perdas que Mary sofreu . Ele morreu em 7 de junho de 1819,
de uma febre italiana ele, é um dos primeiros que se ligam ao ciclo de mortes.
Um outro integrante não menos importante trata-se de John Polidori. Depois de
terem saído de Genebra, Lorde Byron não necessitou mais dos préstimos médicos de
Polidori, indicando-o a outras pessoas, isso foi para ele um grande desgosto. Mais tarde
desistiria da medicina para viver em isolamento na antiga casa de seus pais em Londres. A
sua morte se deu na residência de seu pai, Gaetano Polidori. Ele ainda esta vivo quando
foi encontrado. Não há provas explícitas sobre a possibilidade de um suicídio mas
investigando a rotina dele é bastante, vemos que ele premeditou algo. Polidori havia
pedido após o seu jantar que não fosse incomodado pela criadagem antes de 12 horas do
dia seguinte, tempo em que o veneno ingerido faria efeito. Em sua autópsia supõe-se ter
sido o ácido prússico, a causa de sua morte. Em dez minutos em que foi ainda socorrido
pelo médico, que tentou tirar do estômago do envenenado a substância ingerida por ele, ele
expirou. Claire que estava grávida deu à luz a uma menina em 1816. Allegra filha dela com
Byron que embora tenha reco hecido a menina como sua filha estava convicto que Allegra
era filha de Percy e Claire. Boa parte de sua infância Allegra esteve com sua mãe. Depois
foi requisitada por seu pai. Permitindo que isso ocorresse sua mãe, enviou Allegra e a sua
criada Elize para a Itália morar na residência de Byron. Allegra morreu aos cinco anos em
1822,num convento italiano de uma febre tifóide. O próximo após Allegra seria Percy
Shelley.
A paixão maior de Percy depois da literatura, era o navegar em barcos. Não é à toa
que ele, Claire e Mary desceram o Reno pela primeira vez quando saíram às escondidas da
Inglaterra em 1814. Embora esse anseio pelo mar fosse mais que um hobby, há um detalhe
muito importante que não pode ser de forma alguma esquecido por aqueles que amam
velejar, que é o ato de nadar. Para quem aprecia esportes, ou aventuras no mar, nadar é
essencialmente necessário. E nadar era justamente que Percy não sabia e nem se
interessava em aprender. Percy e Willims um amigo da família, construíram um barco cujo
o nome era Ariel. Ele naufragou numa tempestade num lugar chamado de Via Reggio, logo
depois de terem ido se encontrar com Lorde Byron ,na Itália. Os dois corpos foram
encontrados em 16 ou 17 de julho de 1822. Maiores detalhes sobre como o barco afundou
não se tem documentado. Sabemos que Percy e Willians foram enterrados pelos
camponeses dessa localidade na areia, como era o costume, do povoado que os encontrou.
Em 16 de julho o corpo foi desenterrado para ser cremado. Junto ao corpo entumecido de
Percy Shelley, queimou-se o livro de poemas Keats, que ele havia carregado o bolso antes
de embarcar no Ariel. Willians foi cremado no dia anterior. O coração de Shelley foi
retirado antes do fogo consumi-lo, entregue posteriormente à Mary Shelley. Suas cinzas
foram transportadas para Roma e enterradas em 21 de janeiro de 1823 num cemitério
protestante , próximo a tumba de William, filho dos Shelley.21
As condições financeiras de Mary Shelley não eram suficientemente adequadas
para criar seu único filho, Percy Florence, no exato momento da morte de seu marido. Ela
não se casou novamente e escrevia cartas para Percy, como se ele ainda estivesse entre
eles. A última pessoa a pertencer a esse círculo catastrófico de mortes foi o próprio Lorde
Byron. Ele viajou para a Grécia no ano de 1823, com o objetivo de participar da luta entre
turcos e gregos, esses últimos ansiavam por sua liberdade. A morte de Byron não teria se
dado em alguma batalha , como era por ele esperado. A sua hipocondria, originou uma
enfermidade que foi se alastrando para algum distúrbio interno, e decorrente a falta de
cuidados verdadeiros, houve o agravamento do quadro patológico. Seu tratamento incluiu a
presença de sanguessugas. Ele tinha vertigens e sentia-se indisposto, chegando a ser
acometido por febre após ter tomado chuva, com dores reumáticas pelo corpo e perda de
apetite. Seu quadro se agravou quando apresentou uma crise espasmódica, que lhe conferiu
descobrir ser epiléptico. O médico foi enviado, este por sua vez determinou o recurso de
uma sangria. O que foi recusado pelo paciente. Acreditava-se médico e paciente que
tratava-se apenas de uma tendência à epilepsia. A negativa de Byron a ser sangrado devia-
se a uma promessa que fez a sua mãe de nunca permitir que ele fosse enquanto vivo
sangrado. Assim mesmo sob a jura de sua promessa, já muito mais febril que de início
,permitiu ser sangrado, e por várias vezes o processo foi repetido. Logo depois a esses dias
que se seguiram entre sangrias e febres, Byron morreu. Os seus restos mortais foram
embalsamados enviados para a Inglaterra.. Mary Shelley que nessa época residia com a sua
inseparável irmã Claire viu o cortejo de seu enterro passar por uma das ruas de Londres.
21 Dowden, Edward. The life of Percy Bysshe Shelley,VolI. Londres : Kegan Paul, Trench & Co,
1886.
Mary terminou os seus dias em Sussex, cercada de um seleto grupo de amigos,
organizando as cartas e os poemas de Shelley para publicar.
O Reno foi um lugar onde Mary Shelley visitou várias vezes, sem Shelley, que já
havia morrido. Em 1840 voltou à Suíça com seu filho Florence para refazer o trajeto feito
no verão de 1816.Inspirou-se nessa viagem para escrever um de seus melhores trabalhos
depois de Frankenstein, o livro chamado Rambles.. Morreu quando contava com cinqüenta
e quatro anos, em Londres, de uma paralisia que foi piorando o seu estado até chegar a
morte. Foi enterrada na mesma sepultura em que estavam William Godwin, seu pai e sua
mãe Mary Wollstenocraft. Sua irmã Claire morreu aos oitenta e um anos. O espírito de
cumplicidade que pairou sobre essa pessoas, não é muito diferente daquele encontrado
junto às pessoas criada por Mary em Frankenstein. O médico Victor, antes da presença da
criatura em suas vidas, antes de se jogar inteiramente sobre o seu objetivo de tornar-se um
Deus, como O Criador, vivia em paz. A maldição de Byron, se é que existiu, ficou muito
mais realçada na literatura dela. Quando lemos sobre a vida de todas essas pessoas, que
durante um certo verão se reuniram, não podemos deixar de relacionar o mito de Prometeu,
e o castigo de Zeus, ao modo com todas elas uma a uma foram morrendo .
PROMETEU MODERNO OU FRANKENSTEIN: O QUE HÁ ENTRE O MITO E O
ROMANCE.
O fogo sempre causou admiração a humanidade, desde os tempos mais antigos. A
possibilidade de dominá-lo representava, poder. A sua indomesticabilidade, trazia mistério
e medo na vivacidade perigosa das chamas. O ato de transformar a mais dura matéria em
cinza, de iluminar a mais forte escuridão, e dela trazer extraordinárias transformações
como as do Fiat Lux , por exemplo, esteve representada num dos mais antigos mitos que se
tem na memória. Trata-se do mito de Prometeu e o fogo. Na mitologia grega o fogo
pertencia, aos deuses. Era de uso divino. Até que Prometeu, filho de Japeto e da Oceânida
Climene. ousou manipulá –lo e entregá-lo aos homens. A figura de Prometeu que significa
o previdente, se atribui o feitio do primeiro homem .Ele acreditava que esse ser seria o
único a utilizar as forças da natureza, a se comunicar com os deuses através do
pensamento, e de com sua inteligência compreender o mundo invisível e visível onde estão
todas as coisas.
Do lodo o formou o homem e Minerva, a deusa da sabedoria, ofereceu-se para
enviar ao homem tudo que viesse servir-lhe na sua perfeição. Prometeu aceitou a oferta,
mas pediu que ele mesmo procurasse e encontrasse o que julgaria ser mais necessário ao
homem. Sendo levado por Minerva as regiões celestes, roubou o fogo dos deuses e
entregou aos homens. Ato que irritou Júpiter). Costumeiramente segundo as mitologias os
deuses tramam suas vinganças. Júpiter tramou uma cilada para Prometeu. E pediu a
Vulcano(Hefestos, filho de Júpiter , deus do fogo e do ferro), que forjasse um ser quase
divino em suas formas .Deveria ser entregue a Prometeu como presente dos deuses, esse
ser era a mulher. Quando Vulcano terminou de forjá-la, ele a levou para o Olimpo, morada
dos deuses, e lá todas as divindades admiraram-se de tamanha beleza, deram-lhe
particularidades para complementá-la, daí seu nome ser Pandora( em grego pan significa
tudo e dora, dom).
Depois de todos a s atributos só restou o presente de Júpiter , que lhe deu uma caixa
hermeticamente fechada, para entregar a Prometeu. Não querendo desdenhar de uma oferta
dos deuses, e nem aceitá-la sem alguma desconfiança, pediu a seu irmão Epimeteu que não
aceitasse o presente. Mas Pandora era uma bela criatura, e Epimeteu apaixonou-se por ela e
a desposou. Costuma-se dizer em uma das versões que quem abriu a caixa, foi justamente a
própria Pandora, ante sua irresistível curiosidade. Mas o mito nos relata que foi Epimeteu
que a abriu, liberando todos os males tão conhecidos da humanidade. Quando quis fechá-
la, a única coisa que lá ficou trancada foi a esperança. Como a caixa não causou
diretamente dano algum a Prometeu, Júpiter, encarregou-se novamente, agora por
intermédio de Mércúrio, que levasse Prometeu ao monte Cáucaso. Amarrando-o num
rochedo, para que uma águia, lhe devorasse seu fígado. Esse suplício deveria perdurar por
trinta mil anos .Para encurtar a história, Prometeu foi solto por Hércules. Para não ser
contradita a palavra de Júpiter, Prometeu usou em sua mão, um anel de ferro com um
pedaço da rocha onde esteve acorrentado, ficando preso a ela pelo resto de sua vida
O mito e criação do médico e do monstro de Mary Shelley, são semelhante a duas
questões, ao conhecimento representado pelo fogo e a questão da força, do poder que
emana na simbologia, do estereótipo da criatura do Dr. Frankenstein. Ao iniciar suas
pesquisas o objetivo de Dr. Victor era o de encontrar os mais recônditos segredos físicos da
medicina. Ele não desejava somente encontrar a pedra filosofal , ou o elixir da vida, mas
principalmente criar um ser que sobrevivesse aos males físicos que afligiam a humanidade.
Para isso ele trabalhava, objetivando não a melhoria de saúde da humanidade, ele desejava
mais, o seu maior desejo era descobrir o segredo da vida, o ato de confeccionar em seu
laboratório a vida. Não um simples homúnculo, maus ser supra humano. De uma forma
mais perfeita do que aquela que o próprio Deus foi capaz de criar, através da ciência
”...mas que glória não desenvolveria a descoberta se eu pudesse banir para sempre a
doença do ser humano e tornasse o homem imune a tudo o que não fosse morte
violenta!22.
O médico e criador do monstro procurava em seus experimentos, muito mais que
uma fórmula para converter alguma coisa em ouro. Isso nos é passado de forma muito mais
explícita nos vários filmes, que abordaram sobre esse tema, do que na literatura de Mary. O
filme que primeiro desenvolveu a figura de Frankenstein foi exibido em1931, por James
Whale. Ele tratava de nos expor um médico beirando a loucura , trabalhando
incessantemente horas a fio, na tentativa de encontrar, de elaborar um líquido próximo ao
líquido aminiótico, onde ficam os fetos enquanto revestidos pela placenta. Esse líquido
possibilitaria, a construção, ou sendo menos infeliz com essa terminologia que beira os
nossos parcos conhecimentos fisiológicos, a manutenção de um indivíduo. Achando a
constituição de tal líquido, o médico colocaria vários pedaços humanos mortos. Essa era a
estrutura do corpo que viria a se tornar a criatura.
Anatomia, fisiologia e principalmente o conceito que o corpo humano era uma
máquina, foram os dados reunidos por Dr. Vitor reuniu , para iniciar o seu projeto. O
mecanicismo ou a filosofia mecanicista se iniciou no século XVI. Ela era fundamenta nos
fenômenos naturais, que se explicariam por meio da matéria em movimento. A realidade
física se apresentava para essa filosofia como algo formado por conjuntos de partículas que
estavam o tempo todo se encontrando e se mudando de lugar, par se reencontrarem
novamente. A afirmação de que o corpo humano era uma máquina provinha do
mecanicismo. Antes o corpo era visto como relógio, e todos os nossos órgãos, eram as
22 SHELLEY ,Mary. Frankenstein. Porto Alegre: L&PM,1997.p.45.
engrenagens. Para a Natureza, matéria e energia cooperavam e interagiam de várias
formas, fazendo com que ela fosse uma máquina complexa. Para que a máquina
funcionasse, essencialmente seria necessário os mecanismos . Que por sua vez deveriam
estar regulados e transformar impulsos em movimento. O mecanismo utilizado para esse
movimento se encontra na forma de como o corpo, através da sua aparelhagem funciona.
Utilizando-se de uma energia que vem do exterior. Há duas formas de compreender
retratado pelo mecanicismo, são elas: a primeira onde ele é visto como um conjunto de leis
gerais, constituindo um sistema, os princípios da mecânica. O segundo trata-se de um
mecanicismo metafísico, no qual o movimento contínuo da matéria exige duração, que é o
princípio de emergência, no qual está deus como criador.
Para Galileu a o livro do mundo era escrito em matemática O nosso personagem
médico deixou para trás os conceitos alquímicos ,por que muitas das vezes eram
confundidos com a magia e não com lógica dos cálculos. Todo e qualquer trabalho que não
se verificasse através dos cálculos, para depois ser experimentado, estaria invalidado de
cientificidade e poderia ser encarado como charlatanismo. Antes da filosofia mecanicista o
que estava em voga era a Escolástica. Que se iniciou no século IX indo até o XVII. Para
Gassendi, Maserna, Harvey e Descartes, a matéria é perfeitamente inerte e desprovida de
toda e qualquer propriedade misteriosa ou de forças ocultas. Anjos e demônios perdem seu
emprego, ou melhor, sua eficácia ante o mundo mortal23. As antipatias e simpatias, os
mistérios da bruxaria todos a partir desse momento, se tornam com o mecaniscismo
inexistentes e ineficazes. Para os mecanicistas, o espírito não constitui uma propriedade da
matéria .E a matéria não possui sensibilidade nem consciência. Vejamos como esse
postulado se encaixa com a criatura de Frankenstein, O médico desejava criar um ser
superior ao humano, mas não contava que ele tivesse sentimentos, nem consciência. Ele
23 JAPIASSU, Hilton. As paixões da ciência: estudos de história das ciências. São Paulo: Letras&
Letras,1991. p 106.
seria superior por seu corpo, por sua imunidade, mas quando ele se viu sendo olhado pela
sua criatura, o que mais o assustou não foram suas feições disformes. Havia algo nele que
nos seus estudos ele não esperava encontrar, Frankenstein não era só matéria, não era
somente um mecanismo superdotado de força, e também não era ,espírito, não possuía
espírito, por que este era imaterial um dom de Deus , mas então o que seria ? Ele não
sabia, mas ali havia vida, e essa dúvida romance foi o seu maior tormento.
A física cartesiana reduz a matéria à extensão. A matéria é homogênea por que é
única e todos os corpos físicos são objetos de cálculo. Quando a física de Descartes
procura explicar a metafísica ela explica que a física metafísica, confere à ciência e a
moral, os fundamentos certos para que a existência humana exista. Para Aristóteles o
homem é racional por que possui a razão. Sendo assim... “seus maxilares abriram-se, ele
murmurou alguns sons inarticulados...”24 Frankenstein também não é homem.
No livro de Mary não estão explícitas as passagens em que o médico relata o que
realmente ele esperava de sua criatura. Ele sabia o que ele esperava. Da criatura, porém
não imaginava que ela poderia esperar algo dele que não fosse adoração Para Descartes o
homem falar por que pensa, então por que sente a necessidade de falar. Por isso ele é o
senhor da Natureza , se a Natureza é matéria, se ela e extensão os homens deveram se
tornar mestres e possuidores dessa Natureza, com o mecanicismo eles possuiriam os meios
de se tornarem os senhores da Natureza e da História. Quando a criatura estivesse feita,
construída deveria também obediência ao Dr. Victor, que seria o seu Senhor, ele não se vê
como Pai, ou Provedor, mas como senhor, essa é a melhor palavra para defini-lo. Na
resolução de um problema científico, duas coisas devem ser sempre lembradas: não
devemos nos precipitar e estabelecer preconceitos, Ora mais foi justamente isso que foi
feito. Ao fugir “(...)nenhum mortal seria capaz de suportar o horror daquele rosto. Uma
24 SHELLEY, op.cit.,p.67
múmia revivida não seria tão horrorosa quanto aquele destroço, ele se tornou uma coisa
que nem Dante poderia ter concebido...”25
Com o Renascimento um corpo vivo não passa de uma mecânica aprimorada por
um artesão divino, ou por um hábil relojoeiro. Quando em 1632, Descartes escreve “O
Tratado do Homem”, ele afirmará que o corpo humano é uma criação artificial, à maneira
dos relógios, das fontes artificiais e dos moinhos de vento, como os autômatos. Nesse
conceito encontramos uma possibilidade de definirmos o que é Frankenstein. Com o tão
conhecido: penso , logo existo, Descartes está reduzindo o ser a uma consciência pensante.
O racionalismo do século XVII indica que o mundo obedece a leis simples, redutíveis às
matemáticas, cognoscíveis apenas pelo raciocínio lógico. Se o homem é um conjunto de
membros, chamado de corpo humano, sob o ponto de vista racional, ele é um monstro.
Achamos uma outra possibilidade de definir Frankenstein. Com o racionalismo todo o
Universo era razão. Somente Deus e o espírito humano não poderiam ser explicados de
maneira quantitativa .O mundo passa ser visto com algo totalmente mecânico, feito de
matéria em movimento. O Cartesianismo permitiu que o intelecto do homem se
distanciasse de sua fé, um corpo sem alma, por que alma não é matéria, é o mesmo que um
cadáver E isso era a própria criatura do Dr. Victor. Um corpo sem alma, um cadáver, e o
médico era um ser mecânico, alguém capaz de transcender a ordem das coisas. A filosofia
mecanicista na qual a criatura foi baseada, era uma nova filosofia que tinha na ciência
experimental uma espécie de ativismo socio-econômico .Ao se substituir a busca pelo
elixir da vida ou a busca pela pedra filosofal, o cientista deixa a alquimia para se
comprometer com a química. E todo esse processo conduz a uma revolução científica, que
se fundamentará no rigor do materialismo. A Natureza pode ser governada por outros
princípios que não sejam intervencionados por outro ser, como Deus. Antes tínhamos o
racionalismo dogmático, quando deus era o relojoeiro, o engenheiro, o construtor do
25 SHELLEY, op. cit.,p.66
Universo. No instante dessa revolução que se iniciou no século XVI, com o mecanicismo,
teremos o racionalismo crítico, no lugar do outro. A ciência se torna empirista e os homens
não podem mais só confiar na razão, ou nos seus pensamentos. Se o homem não precisa
mais da intervenção divina para dominar a Natureza, ele pode então tornar-se seu mestre e
desencadear uma outra revolução, a industrial. Está formado o quadro em que perfila toda
a obra de Mary Shelley. Frankenstein e o Dr. Victor, ambos são formadores desse
processo. Ainda podemos averiguar um outro contexto para a criatura, sob o ponto de vista
dele ser encarado, como um encaixe de peças anatômicas, por meio do automatismo.
FRANKENSTEIN E OS AUTÔMATOS
Dissemos no capítulo anterior que a anatomia fez parte dos planos de elaboração do
médico. Se compreendermos a anatomia, enquanto uma rede de músculos, pele e vasos
sangüíneos, fundamentados por um esqueleto temos um arcabouço. Esse tipo de estrutura
já era conhecida e utilizada pelos gregos da Antigüidade que encaravam os autômatos
como brinquedos, e eles faziam parte da sua cultura.
A história dos autômatos, pessoas que agem como máquinas, sem raciocínio e sem
vontade própria ,ou aparelho que imita os movimentos humanos,26nos aparece
documentada desde a Idade Média. Em 1213 um mago, Virgílio, bispo de Nápoles,
construi uma mosca artificial, para espantar as demais. Seu invento, conforme retrata
Gervásio de Tilbury, em Otia imperialia, durou oito anos. Numa outra época acharemos
Alberto Magno (1193-1280), denominado de doctor universalis, por querer reunir três
saberes num único, o aristotélico, o árabe e o hebraico, criando uma cabeça falante que
nunca se calava, e por isso acabou destroçada. Como não se calava, atormentava e
interferia nos estudos de Tomás de Aquino, que tentava concentrar-se sem o conseguir
fazer com êxito, num mosteiro no qual estava a tal invenção. Eis que num rompante de
raiva, ele a despedaçou a golpes de bengala, podendo estudar mais tranqüilamente. Alberto
Magno teria apenas comentado que durante trinta anos de sua vida, ele havia devotado à
construção daquela cabeça. Um fato curioso é que quando foi interrogado por um monge,
por que não criava um outro exemplar, ele haveria dito que isso era impossível “... nem em
26 LOSANO, Mário. História dos Autômatos: Da Grécia Antiga à Belle Epoque. São Paulo :
Companhia das Letras,1992.p..51
30 mil anos conseguiria reconstruí-la, pois antes disso o planeta propício não retornaria à
posição indispensável à bem sucedida confecção de novo autômato.”27
Em meio ao conhecimento do automatismo, não eram esquecidas as correlações
existentes entre os astros e as construções de cunho inventivo A astrologia e a matemática
nem sempre andaram distantes. Os primeiros autômatos causavam sustos nos espectadores
que os viam passar, ou quando eram vistos na casa de alguém que os colecionava .Isso de
assustar-se com máquinas que imitassem o humano, em seus movimentos é algo que
culturalmente nos foi imposto pela óptica do cristianismo e dos renascentistas. Para o
cristianismo os primeiros os autômatos, eram alvo de uma conotação negativa. Por que
relembravam ,a definição de monstros no final da Idade média. Monstro era aquele a
quem falta algo de essencial, como por exemplo os homúnculos, seres pequenos, sem
corpo, peso ou sexo, dotado de poderes sobrenaturais, que os feiticeiros pretendiam
fabricar. E os alquimistas também.
Há um fato curioso sobre a forma como o monstro do Dr. Victor é retratado, por
que ele não e exatamente um robô, não como um robô que foi apresentado no filme de
1926 “Metrópolis”, de F. Lang. Cujo o nome era Robotrix. .Quando lembramos de robôs,
pelo menos os que nasceram na década de 60, lembramos do robô do Dr. Smith, da série
“Perdidos no Espaço”. A criatura descrita por Mary Shelley, estava mais para monstro que
para robô, embora ele fosse constituído como uma máquina. Talvez a maior das diferenças
entre esse robô e o monstro, está no objetivo do Dr. Victor ,o de criar uma nova espécie
que o abençoaria como o seu criador. Embora não queiramos tecer aspectos psicológicos
da obra de Mary Shelley, não podemos deixar de perceber o quanto a ambição e a vaidade
se equiparam nos meios físicos, mecânicos, e científicos. O fato do médico se isolar pode
ser visto também, como além de obsessão, a necessidade de sua descoberta ser atribuída
somente a ele. A competitividade do meio científico já se instaura no romance de Mary,
27 id.,ibid.,p.51
como algo que visa a glória, a fama através do reconhecimento de uma descoberta. O
intuito maior do médico por vezes aparece como sendo aquele que visa transformá-lo deus
“(...)Uma nova espécie me abençoaria como o seu criador e s sua origem, muitas criaturas
felizes e excelentes passariam a dever sua existência a mim “28. Capaz de gerar uma
espécie, e não só um indivíduo.
Genialidade e loucura, exaustão e obsessão, ambição e vaidade, médico e
experimento ,origem e realização, criador e criatura, primeiro homem e anjo proscrito. Dr.
Victor Frankenstein e Monstro de Frankenstein. Todas essas palavras podem nos servir de
base para uma reflexão, na qual tracemos o perfil desses dois personagens tão próximos.
Quantos de nós não confunde o monstro que nunca foi nomeado nas páginas do livro,e
imortalizado pelo cinema com o nome de seu criador? Quantos de nós se apercebe que este
romance poderia ter sido escrito, e o foi por uma mulher? Fazemos idéia que monstros são
criaturas que geralmente os homens inventam, a história aborda bem esse aspecto quando
descreve o ciclo das grandes navegações nos séculos XV e XVI, por exemplo
O ângulo que distingue mais Frankenstein, dos monstros históricos , é o fato de que
ele nos superaria com o passar dos anos. Com a sua longevidade, permaneceria mais
intacto ao tempo, às intempéries por qual passaria,(se fosse vivo realmente, ultrapassaria
até as guerras, e é claro com o passar dos anos se tornaria cada vez mais resistente a
múltiplas patologias). Nós estaríamos em desvantagem sobre ele. A conseqüência maior
disso seria que ele e toda a sua espécie, caso houvesse uma geração de monstros, eles
dominariam a Terra. E poderiam nos extinguir muito mais cedo que qualquer bomba
atômica. Isso não parece ter sido pensado pelo seu criador. Embora tivesse medo de uma
geração advinda de Frankenstein, não havia em seu remorso uma responsabilidade,
enquanto experimentava seus estudos .Como máquina como autômato teria uma vida
28 SHELLEY, Mary. Frankenstein. Porto Alegre: L&PM,1997.p. 61
limitada, mas como resultado, de uma crescente imunidade ele poderia ser praticamente
invencível.
PRECONCEITOS E PRECIPITAÇÕES DE UM CIENTISTA
Quanto maior o desvario do médico, maior foi o seu desassossego, o seu remorso.
A inquietação da consciência por culpa, do médico só surge quando ele se depara pela
primeira vez com a sua criatura viva, de pé ao seu lado. Depois de muito tempo quando a
revê e sofre ameaças. A sua família por vingança seriam mortos. Somente quando se vê
encurralado, é que nota o quanto há de perigo em construir um ser gigante , mas que
também sabia exigir de seu grande criador, determinadas necessidades. Tais como a de
construir uma companhia, uma parceira do mesmo tipo que ele, uma experiência. O risco
maior , Dr. Victor havia subjugado o do monstro em reverter o quadro, onde o submisso
fosse o médico, que antes se achava o gênio da ciência (não seria esse o medo dos deuses,
no mito citado).No momento em que os papéis estão trocado o texto apresenta um misto,
de medo e arrependimento, que marcam toda a literatura de Mary com pitadas de horror e
compaixão. Não há compaixão, a não ser do monstro com sua própria solidão, até o fim da
história, quando ergue uma fogueira e se coloca nela.
Contraditoriamente ao lermos o livro e nos distanciarmos dos filmes passados que
utilizam a figura de Frankenstein com botas pretas e compridas, cabeça longa com
parafusos no pescoço. Poderemos avaliar que a compaixão fazia mais parte do monstro do
que de todos os personagens. As imagens que nos remetem ao personagem interpretado
pelo ator Boris Karloff, no filme de 1931, nos estimulam a avaliar o quanto os tipos
figurativos sobre Frankenstein não combinam. Não dizem respeito a como na literatura ele
se põe, em seus diálogos com o médico. Ele não é ridículo e nem insensível. Nem bobo ou
medíocre. Parece ter muito mais consciência do que é, do que aquele que o criou. Porque
enquanto o cientista foge de seus medos, deixando para trás, à margem de um total
desconhecimento a sua experiência, ele permitiu que o outro enveredasse pelos caminhos
do tatear, do aprender sozinho, observando e se esquivando. Vivendo nas sombras e das
sobras.Com tantas dificuldades há um impulso maior de viver, de conhecer tudo que está
ao seu redor, que encanta o monstro. Ele aprendeu ler sozinho, e o seu primeiro livro é
diário do Dr. Victor.
É dessa forma que toma conhecimento do que ele não é, um humano. Mesmo
estando impossibilitado de viver entre os humanos nele há uma inerente vontade de saber.
Isso é demonstrável no seu gosto literário, tidos como clássicos ,ele leu Milton e Goethe.
Sua alimentação não se encaminha por desejos carnívoros, tão comuns às feras ,ele; é
vegetariano. Essa característica é no mínimo intrigante, pois estamos acostumados a
pensar, no que se refere ao conceito de imaginário, em monstros que comem inclusive
gente, mas nunca vegetarianos. Mesmo aprendendo a ver um mundo que não lhe pertence,
ele possui os desejos mais comuns que norteiam a vida humana, que é o de evitar a solidão.
Há nele o desejo de obter para si uma companheira, feita do mesmo modo que ele. E uma
vez que seu desejo tenha sido realizado, promete com ela se isolar, se exilar nas geleiras
mais longínquas e viver por lá até o fim de seus dias. Há um senso, um discernimento do
que ele pode, de quais são os seus desejos e do que nunca poderá ter . É uma coerência
vinda de um espécie, que nem possui classificação. Ele nem é vegetal, nem animal. Quanto
ao fato de isolar-se há um outro mito que pode ser apontado, o mito bíblico, por que esse
isolamento nada mais é do que um banimento . Daí termos associado mais acima palavras
como primeiro homem e anjo decaído. Frankenstein encarna essas duas versões ao mesmo
tempo. Enquanto primeiro de sua espécie, não é homem, pelos conceitos apresentados no
capítulo anterior, mas é proscrito de um reino do qual ele nunca fará parte. Nem o divino e
nem o humano. A sua imagem reflete mais o estereótipo de demônio. Na figura do monstro
não sinais de insanidade mental. Sua figura é obstinada, ao encaminhar-se da Inglaterra à
Genebra a fim de questionar o seu genitor, qual o verdadeiro motivo de sua existência, ele
não desiste. Frankenstein, não se coloca diante do leitor como um ser intransponível, dono
de uma força descomunal. Sente o frio, a fome, a tristeza, o desolamento. Há pouca
semelhança entre ele e o médico, ao observamos o valor que a vida tem para cada um
deles. A criatura não arroga direitos ,com ar de quem é superior, durante o texto do
romance se mostra quase sempre dono de uma inferioridade latente. As idéias de grandeza
que o Dr.Victor conjeturava na sua solidão, não fazem parte do mundo de Frankenstein
Há para quem leu o livro, e para aqueles que só assistiram o filme seja pela
indústria cinematográfica, ou pelos seriados de TV diferenças distantes entre as
características físicas da criatura, e a sua personalidade. Uma coisa que muito nos
intrigava era como nos personagens televisivos esta ausente dele, principalmente nos
primeiros filmes, a sua personalidade. O seu fenótipo, denota um Frankenstein rude,
grotesco, agressivo, um indivíduo que embora tenha sido criado forte, com tamanho
descomunal ante a estatura do homem comum, com 2,40 metros de altura,
proporcionalmente largo, aparece nas telas como alguém que tem dificuldade em se
locomover, que as vezes até arrasta de uma perna ( um alusão talvez ao corcunda de
Notredame).Isso é bem colocado no filme “A Família Adams”. Nela Frankenstein é
chamado de Tropeço, é um empregado dessa família, sem direito a muitas falas,
simplesmente, seu personagem complementa um quadro bizarro de todos os integrantes da
casa,( o que aparece de forma mais sutil na série que começou a ser apresentada ainda esse
ano, por uma emissora de TV, todos os dias úteis, de segunda à sexta, não tendo muita
audiência, logo se acabou).
Há sem dúvida uma grande distância do mito grego colocado num dos capítulos
para as versões que se dão baseadas na criatura de Mary Shelley. Naquela que seu pesadelo
regurgitou. Estamos cientes que diante da indústria cinematográfica a visão de um monstro
do porte que é o Frankenstein, fala muito mais pela a imagem do que pela sua desenvoltura
artística. Inclusive nesse campo da representação plástica ,parece ter sido esquecido, por
que nunca vemos, bonecos Frankenstein, ou estória em quadrinhos. Há uma delas escrita
pelo Maurício de Souza, o criador da “Turma da Mônica”. No qual o monstro se casa com
uma humana, e tem um filho. Ele escreve uma carta para seu pai, dizendo que após o
nascimento de seu filho sabe finalmente o que é ser pai, e o médico se emociona com essa
descoberta.
Os monstros de Hollywood , talvez o mais hediondo durante algum tempo tenha
sido King Kong, estabelecem com o público uma relação de estranheza, uma parceria que
parece inseparável do medo essa é a prerrogativa par se ser um monstro, a outra é que deve
ser morto . Mas quando observamos na figura de Frankenstein em filme, nas telas dos
cinemas, há momento em que torcemos por ele, ficamos indecisos até com a questão do
bem e do mal. Talvez isso se dê, acreditamos por causa dele ser quase humano, de falar, e
de andar Há algo nele com que nos identificamos. Na última versão de 1996,seu
personagem fala pouco. O seu mundo é um mundo muito mais de divagações, de
pensamentos solitários e olhares distantes, daquilo que ele é e do que não há para ele. É
pelo silêncio que parece mais nos envolver. No entanto no livro ele é alguém, como já
frisamos cheio de dúvidas e questões, capaz de se embebecer com a lua “ logo a seguir,
uma luz suave filtrou-se do céu e me comunicou uma sensação de prazer. Pus-me de pé e
contemplei uma forma radiante que se elevava por entre as árvores. Mirei-a meio
maravilhado.” 29.O médico por sua vez é duplamente apontado com dois grandes erros que
para os filósofos do século XVIII eram inviáveis a qualquer cientista. Julga
preconceituosamente o monstro, e assim lhe denomina e também por que agiu o tempo
29 SHELLEY Mary. Frankenstein. Porto Alegre:L&PM,1997.p.120
todo em que narra a sua história sobre forte precipitação sem calcular os riscos de seu
intento.
CONCLUSÃO
Quando achamos que acabamos uma determinada coisa, é realmente quando a
estamos começando a fazer. Principalmente se nos permitimos nos deixar envolver,
buscando sempre um pouco mais que essa coisa fale por si só. A essa coisa, denominamos
de literatura . Foi assim que nos sentimos ao fechar as últimas páginas desse trabalho.
Apreendemos muito mais quando permitíamos que o texto, a fonte nos falasse, do que
quando achávamos que mais nada havia a ser analisado. Parece que o fato do médico
querer ter dominado o monstro, nos fez ser próprio refém desta obra. O monstro de
Frankenstein, saiu do papel e apareceu sobre várias outras perspectivas, enquanto
discutíamos com o nosso orientador. Por vezes quando já estávamos exaustos de tantas
leituras, e ligávamos a TV para assistir qualquer coisa, onde nossos neurônios pouco, ou
nem precisassem pensar ,Em poucos instantes ;lá estava ele o monstro de Frankenstein,
numa nova versão, onde morava em Nova York, dividindo o apartamento com um
fantasma. Ou quando sentávamos numa livraria para buscar um livro, com outro assunto
que não o da nossa fonte, nos deparávamos com a versão do Maurício da “Turma da
Mônica”. Na qual o monstro casava-se e era feliz , enquanto o médico empilhava há meses,
taças de champanhe trancafiado no seu laboratório, com a plaqueta pelo lado de fora
escrita: “Não perturbe”. O que queremos dizer com isso ?
É que quando escolher uma fonte , não resista nunca a ela por que ela vai tentar lhe
envolver por todos os lados. É muito importante para o desenvolvimento do nosso trabalho
estar sempre atento aos pormenores informadores. Pois deles é que surgiram os capítulos e
as longas conversas com o seu orientador, que no mínimo deve se interessar pelo assunto
também, para que a “coisa flua “.No caso de Mary Shelley, tudo foi se arrumando aos
poucos. E algo que pensamos em apenas utilizar para um término de curso, um trabalho a
mais, tomou um outro rumo. Pois averiguamos que há muito mais a destrinçar do que essa
simples monografia.
E um outro ponto que nos foi assimilado é o de que todos os que escrevem passam
por dificuldades, na sua maneira de escrever. E por mais que beiremos a linguagem
científica, cada um que escreve tem em seu texto formas , trejeitos lingüísticos que
identificam-se com a sua personalidade. Talvez por isso essa autora de nossa fonte tenha
sido tão criticada no século XIX. Sempre quem ousa se expõe, por menor que sejam as
suas diferenças , para com o mundo se ousar demonstrá-las, as críticas apareceram. Cabe a
você saber utilizá-las. E no nosso caso, examinar, como foi construído esse romance, em
muito nos possibilitou completar essa proposição. Por que percebemos que até par ao
autores renomados há dificuldades semelhantes às nossas, um estímulo que muito nos
serve para os momentos em que a tela do computador parece nos ser tão ingrata, pois está
em branca, a nossa espera com ar de quem está nos zombando. Mary Shelley me mostrou
com o seu romance de como literatura e história são antigas e sábias amigas. Trabalhar
com essas duas vertentes é mais que um filão é saboroso, é algo que nos dá prazer.
Escrever e ler não devem ser incógnitas para um estudante das Ciências Humanas. Esses
dois atos devem tornar-se quase um hábito, a ser desmontado e reconstruído, como foi o
próprio Frankenstein.
FONTE: SHELLEY, MARY. Frankenstein. Porto Alegre :L&PM, 1997 SUBSÍDIOS DA FONTE: 1. GIASSONE, Cláudia Ana .O mosaico de Frankenstein: o medo no romance de Mary
Shelley. Brasília: UNB, 1999. 2. LECERCLE, Jean-Jacques. Frankenstein: mito e filosofia. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1991 3. FLORESCU, Radu. O monstro de Mary Shelley e seus mitos. São Paulo: Mercuryo,
1998. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 1. JAPIASSU, Hilton. As paixões da ciência: estudos de história das ciências. São Paulo
: Letras & letras,1991. 2. KAPPLER, Claude .Monstros, demônios e encantamentos no fim da Idade Média.
São Paulo : Martins fontes,1993. 3. LOSANO, MÁRIO GIUSEPP. História de autômatos :da Grécia Antiga à Belle
Époque. São Paulo : Companhia das Letras, 1992.