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JOSE CARLOS RJ - bcb.gov.br · gerações guiaram os passos da sociedade na senda da prosperidade, ... entendimento de todos os conceitos em jogo, ou, ... adiante os segredos e técnicas

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O atual processo de globalização é, de longe, e quase unanimemente,considerado não apenas como uma marca distintiva do mundo contemporâneo, mas,igualmente, como um divisor de águas capaz de separar, cronologicamente falando,a história das sociedades em dois períodos distintos: um anterior ao referidoprocesso, caracterizado tanto pela bipolarização ideológica quanto por uma série deconceitos estanques, auto-excludentes e, quase sempre, dicotômicos referentes aesferas de atuação social (público YHUVXV privado; social YHUVXV econômico; nacionalYHUVXV internacional, etc.), e outro posterior à globalização, caracterizado justamentepela diluição e pelo esgarçamento de tais conceitos. A conseqüente liberação deenergias represadas por compartimentações muitas vezes artificiais e injustificadaspossibilitou um uso mais intensivo e racional de numerosas forças produtivas etecnologias de ponta, gerando, assim, novas oportunidades as quais foram, no geral,amplamente aproveitadas, engendrando, globalmente, um crescimento econômicoque em muito vem excedendo todas as expectativas e desafiando mesmo antigospostulados. Contudo, ao lado de todo esse conjunto de oportunidades, o abandono(ou, se se quiser, a superação) dos antigos limites, alguns dos quais durante tantasgerações guiaram os passos da sociedade na senda da prosperidade, vem criandoum clima de maiores incertezas e, inevitavelmente, uma atmosfera de riscos maisadensada.

Desse modo, a atual sociedade (e, portanto, o atual mercado financeiro, queé o objeto especial de nossas atenções) equilibra-se, numa série de cambiantesdelicados, entre a tentação de oportunidades inauditas (e tanto mais inauditasquanto mais façam dos antigos limites WDEXOD� UDVD) e o espectro de riscos jamaissonhados (e, igualmente, tanto mais ameaçadores quanto mais se afastem dospadrões até aqui geralmente aceitos). Ainda é cedo para se poder afirmar,categoricamente, se o atual equilíbrio entre oportunidades e riscos há de sersuperado, a partir da construção de novos limites, ou se o mercado financeiro, apartir daqui, tenderá a trabalhar comumente dentro desse novo conceito de equilíbriodinâmico. Qualquer que seja o futuro, porém, o certo é que, ao menos nos próximosanos, é sumamente improvável que um novo conjunto de valores, ou de limites, seerga como consenso e se robusteça a ponto de passar a se constituir num novoparadigma; dessarte, é perfeitamente razoável supor-se, para o curto prazo aomenos (e aqui entende-se curto prazo como um período inferior a cinco anos), umcomportamento por assim dizer errático das forças do mercado, tateando numainfinidade de testes, de tensões, de tentativas e erros, na busca de paradigmas e debalizadores. Tal atmosfera há de se caracterizar por atuações fortementecompetitivas, pelo desprezo de quaisquer limites na busca de maior lucratividade,bem como no retorno desordenado a esses mesmos limites por ocasião dosinevitáveis acidentes de percurso. Nesse ambiente de sucesso potencial e incertezasub-reptícia, sem limites claros para balizamentos, é a transparência e acredibilidade das ações que podem fornecer, ao menos em linhas gerais, pontos deapoio para a avaliação e a interpretação dos fenômenos.

Quanto a isso, nunca poderá ser considerado desnecessário o corretoentendimento de todos os conceitos em jogo, ou, ao menos, dos mais importantes,

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mesmo que tais conceitos digam respeito a atuações superadas, ou em vias desuperação, ou que são, hoje, consideradas como, possivelmente, superáveis nofuturo. Porque mesmo as antigas definições, limites e conceitos tiveram uma origemhistórica e uma razão de ser que, se compreendidas, podem lançar uma luz maispotente sobre aquilo que se está alijando e, portanto, indiretamente, sobre aquiloque se pode vir a alcançar no futuro. Dentro de tal espírito, o presente trabalhoprocura restringir-se a um subconjunto específico dos aspectos econômicos quemais de perto se refletem no comportamento das instituições financeiras, dentrodesse cenário de progressivo esgarçamento de idéias outrora tidas comoincontestes e, nos dias de hoje, diluídas pelo acelerado processo de interligação dosmercados, característico da globalização.

Tal subconjunto centra-se no conceito fundamental do mundo corporativo, emgeral, e das instituições financeiras, em particular, qual seja, na personalidadejurídica. De fato, é elemento basilar do mercado financeiro (como de todo o mundocorporativo) que as empresas (instituições) são capazes de, por si sós, seremtitulares de direitos e de deveres, comportando-se de modo distinto do do conjuntode seus sócios, administradores ou funcionários; dá-se, assim, a uma empresa(instituição) uma personalidade jurídica própria, diferente daquelas das pessoas quea constituem, administram e operam. Nos dias de hoje, tal idéia parece óbvia,normal, indisputável, mas nem sempre foi assim, ou seja, nem sempre o mundo dosnegócios funcionou dessa forma. A personalidade jurídica não é uma idéia inata, é,antes de tudo, uma burilada criação social, e pode variar, se variar a sociedade quea criou. Não é, portanto, uma cláusula pétrea do Direito Empresarial (deve-selembrar que, para a sociedade globalizada, não existem mais cláusulas pétreas, ou,se existem, logo o mercado munir-se-á de uma conveniente marreta para astransformar em pó), um GHXV�H[�PDFKLQD aposto no palco das relações corporativas,sem o qual elas não existiriam. É apenas mais um daqueles limites, contestáveis econtestados, que podem ou não ser retidos pela nova sociedade que se desenha acada instante diante de nossos olhos.

Portanto, todo o presente trabalho estudará esse fundamento (até aqui) domercado financeiro: a instituição financeira como um ente dotado de personalidadejurídica. Procurar-se-á comparar o instituto da personalidade jurídica, de índoleeminentemente legal, com o instituto da entidade, de matiz eminentementepatrimonial, ou seja, contábil; os dois conceitos são muito próximos, tocam-se muitasvezes, mas nunca deixam de ser distintos, sendo que o conceito da entidadeafigura-se, como se há de mostrar, em mais antigo, mais forte e mais coerente que oda personalidade jurídica. Assim no Capítulo II, a seguir, analisar-se-á a origem e aevolução do conceito de personalidade jurídica, a fim de que seus contornos elimitações possam ser melhor apreendidos. No Capítulo III, mostrar-se-á que astécnicas contábeis de avaliação patrimonial são, no geral, mais antigas do que apersonalidade jurídica, e, mais importante, que o princípio contábil da entidade não éo mesmo que o da personalidade jurídica, ou seja, ele pode ser mantidointegralmente mesmo que se atenue aquele. No Capítulo IV, analisar-se-á o casointeressante da nacionalidade das pessoas jurídicas (já que empresas são dotadasde personalidade, elas também, como as pessoas físicas, são dotadas denacionalidade, e, ao contrário do que usualmente ocorre com as pessoas físicas, as

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pessoas jurídicas podem, se quiserem, escolher convenientemente a quenacionalidade pertencem; ou, ao menos, podiam). No Capítulo V, para concluir opresente estudo, falar-se-ão dos limites, nem sempre visíveis, que a transparência ea credibilidade impõem à personalidade jurídica. Para tal, inicialmente, abordar-se-ão seus limites intrínsecos, ou seja, os seus limites próprios, dedutíveis de sua teoria(o principal deles é a dissociação entre acionistas e administradores, de tal formaque a empresa seja, efetivamente, dotada de personalidade própria); a seguir,elencar-se-ão alguns abusos da personalidade jurídica, quando se a usa paraencobrir fraudes, fazendo-a parecer o que não é, isto é, fazendo-a passar por umaempresa com vontade própria quando tal não ocorre; enfim, listar-se-ão alguns dosremédios que existem contra tais fraudes, quando a personalidade jurídica é,simplesmente, ignorada, por, na prática, não existir. Dar-se-ão exemplos nanormatização do Banco Central do Brasil (como a conceituação de ConglomeradoFinanceiro na nova Resolução referente a participações societárias no exterior), noCódigo de Defesa do Consumidor (para o qual as instituições financeiras se obrigama obedecer no que se refere a suas relações com os clientes), e outros casos mais,inclusive no âmbito do Direito Internacional Privado.

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Considerar uma empresa como titular, perante a ordem jurídica, de direitos ede deveres, de forma análoga a um indivíduo, dotando-a, assim, de personalidadedistinta daquelas das pessoas que a constituíram, administram e/ouoperacionalizam, embora possa parecer algo normal nos dias de hoje, é o resultadode uma longuíssima evolução, na qual os interesses da sociedade, corporificadapelo Estado, nunca estiveram ausentes. Nas sociedades da Antigüidade pré-clássica, e, mesmo, na sociedade grega, o instituto da personalidade jurídica nãoexistia, mesmo em forma embrionária. É certo que se encontram, tanto no Códigode Hamurábi quanto no Direito Grego, disposições sobre contratos de sociedade,quer para um determinado tipo de negócios, quer para uma operação específica,mas a sociedade sempre estava ligada indelevelmente às pessoas de seus sócios,não possuindo qualquer resquício de vontade própria. De fato, num ambientejurídico ainda poderosamente influenciado pelo princípio do talião, ou seja, o daretribuição teoricamente igual dos danos sofridos, os objetos finais das sançõesseriam sempre as pessoas físicas.

É, assim, na sociedade romana que se devem buscar as origens dosconceitos de personalidade jurídica, e, quanto a isso, podem ser analisados doiscasos distintos que muita influência iriam ter na futura elaboração do conceito daempresa como um ente dotado de personalidade: as associações e as sociedades.

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As associações (FROOHJLD, singular FROOHJLXP, também chamadas, às vezes, deXQLYHUVLWDWHV, “universalidades” e mesmo, em alguns casos, VRFLHWDWHV,

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“sociedades”) são, indubitavelmente, os primeiros entes que encontram-serelativamente próximos da atual idéia de coletividades dotadas de personalidadejurídica. A palavra latina FROOHJLXP referia-se inicialmente a qualquer conjunto depessoas reunido, ou agindo coordenadamente, para um fim específico. Assim, ossacerdotes de determinado culto, o conjunto de todos os magistrados dedeterminado escalão e denominação, os funcionários de determinada repartição,todos constituíam, entre si, FROOHJLD. A partir dessas origens, os FROOHJLD evoluírampara abarcar primeiramente associações religiosas e cultuais em geral; depois,associações funerárias; por fim, clubes profissionais. Entretanto, e isso deve serbastante frisado, nunca incluíram corporações com cunho comercial, econômico outécnico: podia haver (e havia inúmeras) associações formadas por pessoas queprofessavam um determinado ofício (por exemplo, associações de ourives, debarqueiros, de ferreiros, etc.), mas tais FROOHJLD devem ser sempre entendidos comosociedades recreativas e de mútua ajuda, e não como corporações que passavamadiante os segredos e técnicas das profissões envolvidas, ou como instituições decunho econômico, muito menos como sindicatos.

As pessoas que, ao abrigo da lei, formavam uma associação passavam a“constituir um corpo” (FRUSXV�KDEHUH), e esse “corpo” passou a se chamar FRUSRUDWLR(origem de nossa palavra “corporação”). De longe, as associações mais populareseram as funerárias (FROOHJLD� IXQHUDWLFD, ou FROOHJLD� WHQXLRUXP, literalmente“associações dos pobres”), cujos objetivos eram, mediante modesta contribuiçãomensal dos membros, oferecer um banquete anual a todos os associados eassegurar-lhes um funeral decente, ao qual todos os membros compareceriam e noqual todos chorariam a partida do companheiro.

As associações possuíam estatutos próprios, que eram votados por seusmembros, estatutos esses que regulavam suas atividades, bem como as relações daassociação com seus membros. As associações eram livres para estabelecer osestatutos que julgassem mais convenientes, desde que não ferissem a lei do Estado.Além de estatutos, podiam os FROOHJLD possuir patrimônio próprio, quer em dinheiro(DUFD), quer em bens de raiz (UHV�FRPPXQHV), patrimônio esse que não se confundiacom o patrimônio dos membros. Podiam também agir legalmente, receberheranças e legados, processar e serem processadas, atuando em nome doFROOHJLXP um representante, chamado V\QGLFXV ou DFWRU. Em muitas dessasassociações (especialmente as profissionais e funerárias) albergaram-se os cristãos,que, a partir delas, disseminaram na sociedade romana suas crenças.

Mais importante, a associação tinha existência legal reconhecida e separadada de seus membros: estes morriam, mas os FROOHJLD continuavam a funcionar porgerações e gerações. Essa existência independente era a essência da expressãoFRUSXV� KDEHUH: havia um corpo distinto, com vida própria, pairando acima dosassociados.

Vê-se, assim, que os FROOHJLD possuíam muitas das características que hojesão atributos usuais das pessoas jurídicas, mas o passo teórico decisivo jamais foidado, quer pelas autoridades romanas, quer pelos juristas; de fato, se a constituição

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das associações era relativamente livre desde a Lei das Doze Tábuas (c. 450 a.C.),o uso demagógico que os vários competidores pelo poder, a partir dos finais daRepública, fizeram delas (que podiam ser econômica ou eleitoralmentepoderosíssimas e influentes, especialmente quando congregavam membros de umamesma profissão) fez com que, desde a ditadura de Júlio César, a mão do Estadocaísse poderosamente sobre a organização das associações. De fato, procurouCésar cassar o funcionamento de associações por ele consideradas sediciosas; e oprimeiro Imperador romano, o sobrinho e filho adotivo de César, Augusto (reinou de30 a.C. a 14 d.C.) tomou medidas mais duras, abrangentes e coerentes para regularo funcionamento das associações; de fato, lê-se na obra do historiador Suetônio,“Vida dos Césares”, na biografia de Augusto, parágrafo 32:

�³(OH� FRUULJLX� LQ~PHUDV� SUiWLFDV� QRFLYDV� DR� LQWHUHVVH� H� DR� EHP� S~EOLFRV�TXHU� DV� TXH� KDYLDP� VREUHYLYLGR� GR� SHUtRGR� GDV� JXHUUDV� FLYLV�� TXHU� DVUHFHQWHPHQWH�VXUJLGDV��������SXOXODYDP�LQ~PHUDV�RUJDQL]Do}HV�IDFLQRURVDV�DOEHUJDQGR�VH� VRE� R� PDQWR� GH� DVVRFLDo}HV�� H�� D� HVVH� SUHWH[WR�SHUSHWUDQGR�WRGD�D�VRUWH�GH�YLODQLDV��������HQWmR��WRGDV�DV�DVVLP�FKDPDGDVDVVRFLDo}HV� IRUDP� GLVVROYLGDV�� H[FHWR� DTXHODV� GH� DQWLJD� WUDGLomR� HDPSDUDGDV�SRU�OHL´�

Há, de fato, inúmeros indícios de uma legislação imperial específica, nessaépoca, referente às associações e ligada ao nome de Augusto, mais especialmenteuma “lei Júlia sobre as associações´��OH[�,XOLD�GH�FROOHJLLV). Para além da indicaçãode caráter completamente geral dada por Suetônio mais acima, há evidências tantoliterárias quanto epigráficas a esse respeito. Com efeito, lê-se no Digesto, livro 47,título 22, fragmento 1º, de Marciano, Introdução:

³1DV� LQVWUXo}HV� LPSHULDLV�� RV� JRYHUQDGRUHV� GDV� SURYtQFLDV� VmRDGPRHVWDGRV�D�QmR�DXWRUL]DU�R�IXQFLRQDPHQWR�GH�DVVRFLDo}HV��EHP�FRPRD�QmR�SHUPLWLU�DRV�VROGDGRV�D�FRQVWLWXLomR��QRV�DFDPSDPHQWRV��GH�FOXEHVRX�IUDWHUQLGDGHV���&RQWXGR��SRU�GHFUHWR�GR�6HQDGR��p�SHUPLWLGR�jV�SHVVRDVKXPLOGHV� ID]HUHP� FRQWULEXLo}HV�PHQVDLV�� GHVGH� TXH� VH� UH~QDP� VRPHQWHXPD�YH]�SRU�PrV��H�GHVGH�TXH�QHQKXPD�DVVRFLDomR�LOHJDO�VH�FRQVWLWXD�VREWDO� SUHWH[WR�� � $GLFLRQDOPHQWH�� DV� SHVVRDV� QmR� HVWmR� SURLELGDV� GH� VHUHXQLUHP�SRU�SURSyVLWRV�UHOLJLRVRV��GHVGH�TXH�HP�WDLV�UHXQL}HV�QDGD�RFRUUDHP�FRQWUDYHQomR�DR�GHFUHWR�GR�6HQDGR�TXH�EDQLX�DVVRFLDo}HV�LOtFLWDV���8PUHVFULWR�GR�,PSHUDGRU�6HSWtPLR�6HYHUR [reinou 193-211 d.C., nota do Autor]FRQILUPRX�D�YDOLGDGH�GH�WDLV�GLVSRVLo}HV�QmR�DSHQDV�SDUD�5RPD�H�SDUD�D,WiOLD��PDV�LJXDOPHQWH�SDUD�WRGR�R�,PSpULR�´

Adicionalmente, há as duas conhecidas inscrições, as de códigos ILS 4966(época de Augusto, encontrada em Roma) e ILS 7212 (época de Adriano,encontrada em Lanúvio, Itália). A primeira é suficientemente importante (e breve)para merecer uma citação literal:

DIS MANIBVSCOLLEGIO SYMPHONIACORVM

QVI SACRIS PVBLICISPRAESTV SVNT QVIBVS

SENATVS CCC PERMISIT ELEGE IVLIA EX AVCTORITATE

AVG LVDORVM CAVSA

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³$RV� GHXVHV� 0DQHV� [i.e., aos espíritos dos mortos e dos antepassados.Nota do Autor]�� � �HVWH� PRQXPHQWR� p�� GHGLFDGR� SHOD� DVVRFLDomR� GRVP~VLFRV�TXH�WRFDP�HP�RUTXHVWUDV�H�TXH�HQFRQWUDP�VH�GLVSRQtYHLV�SDUD�RVVDFULItFLRV� S~EOLFRV� H� SDUD� RV� HVSHWiFXORV� GRV� MRJRV�� DVVRFLDomR� HVVDDXWRUL]DGD� SRU� GHFUHWR� GR�6HQDGR� D� RUJDQL]DU� UHXQL}HV�� D� FRQYRFDU� SDUDDVVHPEOpLDV�H�D�UHDOL]DU�WRGRV�RV�GHPDLV�DWRV�VRFLDLV��GH�DFRUGR�FRP�D�OHL-~OLD��SRU�DXWRULGDGH�GH�$XJXVWR�´

A segunda, datada do quinto dia antes dos idos de junho, sob o consulado deLúcio Ceiônio Cômodo e Sexto Vetuleno Cívica Pompeiano (9 de junho de 136 d.C.),muito mais extensa, mostra os detalhados estatutos de uma associação funeráriaque combinava também o duplo culto de Diana e de Antínoo (favorito do ImperadorAdriano, afogado no Nilo); novamente, lê-se que a associação foi autorizada por umdecreto do Senado.

O que o texto legal do Digesto (bem como as duas evidências epigráficas)mostra, nas entrelinhas, além da estrita vigilância que o governo imperial impunha àsassociações, são as próprias limitações vocabulares utilizadas para a definição daexistência das sociedades; note-se que, no texto do Digesto, fala-se mais da açãodas pessoas se reunirem do que da existência de um ente abstrato chamado“associação”. E, nos testemunhos epigráficos, a lei de Augusto e o decreto doSenado não criam uma entidade abstrata, mas apenas permitem a uma associação“organizar reuniões, convocar para assembléias e realizar todos os demais atossociais” (na inscrição romana dos músicos, mostrada acima, toda essa expressãoestá presente nas três letras CCC da antepenúltima linha, que são a abreviatura deFRLUH� FRQYRFDUL� FRJL: as faculdades de organizar reuniões; de convocar osassociados para tais reuniões; de praticar os demais atos FROHWLYRV referentes à vidasocial). A personalidade jurídica, embora longe de embrionária, ainda não estáplenamente desenvolvida.

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Conforme se pôde demonstrar ao longo de todo o item anterior, asassociações, que representam indubitavelmente, no ordenamento jurídico ocidental,a origem, mesmo que embrionária, da personalidade jurídica, não possuíamconotação econômica específica, quer comercial, quer industrial. Na sociedaderomana o antepassado da atual empresa deve ser esquadrinhado no contrato desociedade. A sociedade (VRFLHWDV), no Direito Romano, era um contrato consensual,sinalagmático e de boa-fé. Consensual porque, para a sua eficácia legal, deviahaver o entendimento entre pessoas capazes acerca de um objeto lícito;sinalagmático porque fazia nascer obrigações recíprocas para as partescontratantes; de boa fé porque pressupunha sempre o total consentimento (econhecimento) das partes acerca de seu teor e responsabilidades. Nesse contratode sociedade, duas ou mais pessoas, chamadas sócios (VRFLL) se obrigavam acolocar, em comum, bens (UHV) ou esforços (RSHUDH) para alcançar um fimpatrimonial lícito que lhes fosse proveitoso.

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As sociedades constituídas por tal contrato podiam ser perpétuas,condicionais ou temporárias; todas eram, contudo, personalíssimas (LQWXLWXSHUVRQDH), isto é, levavam explicitamente em consideração as pessoas que asconstituíam; portanto, a morte de um dos sócios acarretava automaticamente adissolução da sociedade, a não ser que a sua continuidade, ocorrendo tal evento,estivesse explicitamente prevista no contrato de constituição, não podendo osherdeiros do sócio falecido tomar seu lugar, conforme se pode inferir diretamente doDigesto, livro 17, título 2, fragmento 65, de Paulo, parágrafo 9º:

³$�PRUWH�GH�XP�GRV�VyFLRV�GLVVROYH�D�VRFLHGDGH� [no original: morte uniussocietas dissolvitur]�� SRLV�� VH� p� QHFHVViULR� R� FRQVHQVR� GH� WRGRV� SDUD� DIRUPDU�� D� SHUPDQrQFLD� GH� WDO� FRQVHQVR� p� LQGLVSHQViYHO� SDUD� VXDVXEVLVWrQFLD�� D� QmR� VHU� TXH� SDFWXDGR� GH� RXWUD� IRUPD� SRU� RFDVLmR� GDFRQVWLWXLomR� GD� VRFLHGDGH [nisi in coeunda societate aliter convenerit]�� � (QHP� PHVPR� RV� KHUGHLURV� GR� VyFLR� ILQDGR� OKH� SRGHP� VXFHGHU� �FRPRVyFLRV��´

Mais ainda, não possuíam as sociedades, nem sequer embrionariamente,personalidade jurídica: elas eram um contrato, não um ente. Seus direitos ouobrigações para com terceiros eram tidos como direitos ou obrigações dos sócios,considerados como pessoas; para terceiros, não havia sociedades, mas sim aspessoas dos sócios. Ocorriam, desse modo, situações especialíssimas ecomplicadas tanto no relacionamento dos sócios entre si quanto no relacionamentodos sócios com terceiros, situações essas que o Direito Romano detalhada eescrupulosamente distinguia e regulava. Assim, por exemplo:

a) na ausência de uma disposição específica no contrato de sociedade, cabiaa qualquer dos sócios gerir os negócios, como mandatário (QHJRWLRUXPJHVWRU) dos demais, sendo-lhe obrigatória a FRPPXQLFDWLR� OXFUL� HW� GDPQL(relatório dos lucros ou perdas resultantes das atividades);

b) as obrigações dos sócios entre si estavam estipuladas no, e eramdecorrentes do, contrato de sociedade, sendo sancionadas por um únicotipo de ação judicial, a DFWLR� SUR� VRFLR. Tal ação possuía trêscaracterísticas particularíssimas: em primeiro lugar, somente podia serintentada por um sócio (ou conjunto de sócios) contra outro (ou outros),em decorrência de descumprimento de obrigações estipuladas no contratode sociedade, ou malversação dos recursos sociais, ou usurpação doslucros; em segundo lugar, o sócio réu somente podia ser condenadoproporcionalmente aos recursos que havia empatado na sociedade(condenação dita LQ� LG� TXRG� IDFHUH� VRFLXV� SRWHVW; chamava-se a issoEHQHILFLXP�FRPSHWHQWLDH); enfim, em terceiro lugar, a DFWLR�SUR�VRFLR nãopodia ser intentada durante a vigência da sociedade, e isso porque osromanos consideravam que um requisito indispensável para a existênciado contrato de sociedade era a confiança que os sócios nutriam entre si(LXV�IUDWHUQLWDWLV), não se concebendo a possibilidade de existência de umprocesso entre eles; a ausência da IUDWHUQLWDV (e o recurso à DFWLR� SURVRFLR), assim, automaticamente dissolvia o contrato de sociedade;

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c) não se concebia a existência de obrigações da sociedade para comterceiros; essas eram sempre consideradas como obrigações dos sóciospara com terceiros, e classificáveis em três grupos: obrigações entre umdos sócios (na gestão dos negócios) e terceiros; ou entre todos os sóciose terceiros; ou entre alguns dos sócios e terceiros. Na primeira hipótese, arelação, à luz jurídica, surgia apenas entre a pessoa do sócio gestor e oterceiro, sendo os lucros ou perdas resultantes regulados separada einternamente entre todos os sócios; na segunda hipótese, as obrigações,para os sócios, eram de natureza fracionária, ou seja, o terceiro, quandocredor, somente podia exigir de cada sócio uma parte proporcional, e,quando devedor, somente estava igualmente obrigado a pagar a cadasócio uma parte proporcional, a não ser que a solidariedade fosseexplicitamente estipulada, ou então nos casos em que a solidariedadefosse imposta por lei, como era o caso nas sociedades formadas porbanqueiros (DUJHQWDULL); na terceira hipótese, por fim, as regras das duashipóteses anteriores se combinavam para regular as relações entreterceiros e alguns dos sócios.

A característica personalíssima do contrato de sociedade torna-se, assim,evidente.

Os contratos de sociedade podiam ser de quatro tipos: D� VRFLHWDV�RPQLXPERQRUXP (sociedade universal de todos os bens, na qual os sócios colocavam emcomum todos os seus bens, presentes e futuros, para a consecução do objetivosocial); E� VRFLHWDV� XQLYHUVRUXP� TXDH� H[� TXDHVWX� YHQLXQW (sociedade universal deganhos auferidos, na qual os sócios somente colocavam em comum o produto deseu trabalho e o rendimento de seus bens); F� VRFLHWDV� XQLXV� UHL (sociedade deoperação única, na qual os sócios se concentram numa operação específica, ou naexploração de um único bem); G� VRFLHWDV� DOLFXLXV� QHJRWLDWLRQLV� (sociedade denegócios, na qual os sócios objetivam a realização de uma série de operações denatureza comercial). Nesse último tipo de contrato de sociedade está a origem dasempresas comerciais.

Havia, contudo, uma espécie particular de sociedade de negócios, D�VRFLHWDVYHFWLJDOLXP ou VRFLHWDV�SXEOLFDQRUXP (sociedade de tributos, ou de publicanos), quepossuía uma série de características próprias as quais em muito a aproximavam deentes dotados de personalidade jurídica.

Publicanos eram cidadãos romanos que obtinham do Estado autorização paraarrecadar tributos (YHFWLJDOLD), mediante adiantamento de determinada soma aoTesouro. De fato, não dispondo o governo da República, com suas magistraturascivis anuais não remuneradas, de aparato administrativo adequado à arrecadaçãodos tributos de um Império em expansão, alugava (terceirizava) o recolhimento dosimpostos a particulares. Desse modo, resolvia (ou, se se quiser, postergava asolução de) uma série de problemas: mantinha o aparato administrativo enxuto;recolhia de antemão, e com garantia, as somas em dinheiro oriundas dos tributos (oscontratos de recolhimento de impostos eram ofertados publicamente a todos, ouseja, eram licitados, sendo contratados os proponentes que oferecessem as

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condições mais vantajosas ao Estado, isto é, que se dispusessem a pagar a maiorquantia pelo direito de recolher os impostos de uma certa região, ou província, numdeterminado exercício fiscal); enfim, as disputas entre os publicanos e oscontribuintes eram resolvidas pelas leis processuais civis comuns, não interferindonelas o Estado, já que se tratava, a seu ver, de questão entre particulares.

Tendo em vista o pagamento antecipado, os publicanos deviam ser homensde posses; era muito comum a íntima associação entre publicanos (SXEOLFDQL) ebanqueiros (DUJHQWDULL�� ����������), embora as duas categorias fossemdistintas. Muitos confiavam suas economias a banqueiros, que as investiam emVRFLHWDWHV�SXEOLFDQRUXP, na expectativa dos lucros (os publicanos eram famosos, eodiados, pela sua crua eficiência na cobrança, pois quanto mais conseguissemrecolher, maior seria o seu lucro). As altas somas envolvidas exigiam, quasesempre, que os publicanos atuassem em conjunto, ou seja, que constituíssem umaVRFLHWDV. Tais VRFLHWDWHV�eram regidas pelas leis gerais concernentes aos contratosde sociedade, já citadas anteriormente; contudo, e no interesse exclusivo do Estado,havia nelas três características singulares.

A primeira delas residia no fato de tais sociedades irem além de um simplescontrato, sendo corporificadas, aproximando-se assim dos FROOHJLD no sentido deque, como os FROOHJLD, constituíam um ente suprapessoal reconhecido por lei. Defato, conforme explicitado na legislação (Digesto, livro 3º, título 4º, fragmento 1º, deGaio, Introdução):

³1HQKXPD� FRUSRUDomR� RX� DVVRFLDomR� GH� TXDOTXHU� WLSR� SRGH� VH� FRQVWLWXLULQGLVFULPLQDGDPHQWH�� GHYHQGR� REHGHFHU� jV�� H� VH� FRQIRUPDU� FRP�� DVSUHVFULo}HV�GDV�OHLV��GRV�GHFUHWRV�GR�6HQDGR�H�GDV�FRQVWLWXLo}HV�LPSHULDLV�e�HVVD�FRQIRUPLGDGH�H��HVVD�REHGLrQFLD�TXH�OKHV�DVVHJXUD�D�H[LVWrQFLD�H�DFRUSRULILFDomR���'D�PHVPD�IRUPD��jV�VRFLHGDGHV�GH�SXEOLFDQRV�p�SHUPLWLGDD� H[LVWrQFLD� FRUSRULILFDGD [ut ecce, vectigalium publicanorum sociispermissum est corpus habere]�´

A segunda delas ligava-se ao fato de que tais sociedades não se extinguiamcom a morte de um dos sócios, podendo sua parte, inclusive, passar em herança; ouseja, a VRFLHWDV� SXEOLFDQRUXP não era mais um simples contrato LQWXLWX� SHUVRQDH,mas, para todos os efeitos práticos, uma autêntica sociedade de capital; essacaracterística é também explícita e cristalina na lei (Digesto, livro 17, título 2º,fragmento 59, de Pompônio, Introdução):

³3DUD�WRGRV�RV�HIHLWRV��FRP�D�PRUWH�GR�VyFLR�GLVVROYH�VH�D�VRFLHGDGH�[adeomorte socii solvitur societas]�� H� QHP� PHVPR� TXDQGR� FRQYHQFLRQDGRLQLFLDOPHQWH�SRGH�R�KHUGHLUR�VXFHGHU�DR�VyFLR�IDOHFLGR���7DO�p��FRP�HIHLWR��RSURFHGLPHQWR� QDV� VRFLHGDGHV� SULYDGDV�� � 1DV� VRFLHGDGHV� GH� SXEOLFDQRV�FRQWXGR��D�PRUWH�GH�XP�VyFLR�QmR�LQWHUURPSH�D�VXD�H[LVWrQFLD��H�VH�D�SDUWHGR�VyFLR�PRUWR�p�DGVFULWD�D�VHX�KHUGHLUR��p�OtFLWR�TXH�HOH�D�WRPH��FRPR�VXDSURSULHGDGH��´

Essa transferência de responsabilidades para os herdeiros, por ocasião damorte de um sócio numa VRFLHWDV� SXEOLFDQRUXP, era, por assim dizer, quasecompulsória, conforme se pode constatar na passagem do Digesto, livro 17, título 2º,fragmento 63, de Ulpiano, parágrafo 8º:

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³$�actio pro socio� FRPSHWH� LJXDOPHQWH� DR� KHUGHLUR� GR� VyFLR� [in heredemquoque socii pro socio actio competit]�� DLQGD� TXH� HVVH� KHUGHLUR� QmR� VHMDVyFLR��SRLV��PHVPR�QmR�VHQGR�VyFLR��p�VXFHVVRU�GRV�GLUHLWRV�� �'R�PHVPRPRGR�QDV�VRFLHGDGHV�GH�SXEOLFDQRV��QHVWDV��DSHVDU�GH�R�KHUGHLUR�GR�VyFLRQmR�VH�FRQVWLWXLU�HP�VyFLR��D�QmR�VHU�TXH�GLYHUVDPHQWH�SDFWXDGR��WRGRV�RVJDQKRV� H� SHUGDV� GHFRUUHQWHV� GD� KHUDQoD� OKH� VmR� DXWRPDWLFDPHQWHWUDQVPLWLGRV��WDQWR�DTXHOHV�RULJLQDGRV�TXDQGR�R�VyFLR�DLQGD�YLYLD�TXDQWR�RVSRVWHULRUHV�j�VXD�PRUWH�´

A terceira característica dizia respeito às quotas, que, por assim dizer,possuíam vida própria, podendo um sócio alienar sua participação, tendo inclusive osócio mais abonado o direito de exigir que lhe fosse transferida a parte do sóciomenos idôneo. Mais ainda, a sociedade de publicanos sequer se dissolvia (comoocorria com as demais sociedades) quando um dos sócios era condenado ou sofriaconfisco dos bens.

Todas essas características tornavam, assim, a sociedade de publicanosmuitíssimo próxima do conceito atual de pessoa jurídica. Contudo, suascaracterísticas especiais prendiam-se aos serviços especiais que prestavam aoEstado, e tais serviços ligavam-se à virtual ausência de aparelho estatal para acobrança de impostos. Com a constituição do regime imperial, o progressivosurgimento de uma estrutura administrativa estável (isto é, de uma autênticaburocracia estatal) fez com que fossem lentamente perdendo importância. Asrelações tributárias passaram a se dar, cada vez mais, entre os conselhosmunicipais e os procuradores da casa imperial. Por volta do século IV, as VRFLHWDWHVYHFWLJDOLXP já tinham, praticamente, desaparecido, o que prova mais uma vez quehaviam sido constituídas como uma concessão do Estado, sendo sua atividaderestrita àquilo que o Estado julgava conveniente para si.

Desse modo, o Império Romano legou às sociedades que o sucederam doisconceitos distintos referentes a agrupamentos de pessoas que unem seus esforçospara um fim específico: as associações, de cunho assistencial, recreativo e religioso,e os contratos de sociedade, de cunho comercial mas ligados especificamente àspessoas que os constituíam.

$�,GDGH�0pGLD�H�D�(PHUJrQFLD�GDV�6RFLHGDGHV�&RPHUFLDLV

Os conceitos distintos de associações e contratos de sociedade, emboraseguindo ainda caminhos substancialmente diferentes ao longo de toda a IdadeMédia e período pré-capitalista, começaram, contudo, a se aproximar em muitas desuas vertentes, gerando entidades corporificadas de tipo inteiramente novo e nãoencontradas nem na antiga sociedade romana, nem nas sociedades não-européiascontemporâneas. Seria na sua progressiva aproximação que se desenharia todo oarcabouço teórico (e jurídico) da personalidade jurídica e, nela, da responsabilidadelimitada. Tal gestação, em si um processo fascinante e esclarecedor, pode seracompanhada didaticamente em três linhas principais de desenvolvimento, as quais,no raiar da Idade Moderna, haviam já tornado possível a evolução futura. Essas trêslinhas serão analisadas nos itens a seguir.

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$�0mR�(FOHVLiVWLFD��D�(YROXomR�GD�$VVRFLDomR�H�DV�³3HVVRDV�)LFWtFLDV´

O desmoronamento da estrutura política e administrativa imperial no Ocidentefez com que a Igreja, relutantemente a princípio, assumisse muitas das funçõesoutrora acometidas ao Estado. Onde antes havia o poder civil imperial pairandoacima de tudo, agora havia a fragmentação política. Mais complicado ainda, agora,pairando acima das frágeis unidades políticas recém-constituídas, estava a Igrejacomo uma inequívoca “corporação”, paralela (e, às vezes, antagônica) aos inúmerosEstados ou feudos. Mas a Igreja não era uma simples corporação, e sim a união detodos os fiéis (o “corpo místico” de Cristo), sendo, ela própria, constituída por umasérie de elementos distintos: arcebispados, bispados, paróquias, ordens religiosas eassociações piedosas. Os princípios dos antigos FROOHJLD da lei romana foram, nogeral, e abstraindo-se algumas situações particulares ou complicadas, aplicados acada um desses entes constituintes do grande Corpo Místico de Cristo, e, portanto,cada elemento do universo eclesiástico passou a constituir, para todos os efeitospráticos, um ente dotado de personalidade própria, análogo aos antigos FROOHJLDinclusive na faculdade de poder possuir propriedade em seu nome.

Tal processo, o qual, para efeitos meramente didáticos, chamar-se-á nestetrabalho de “micro-corporificação” da Igreja teve, evidentemente, seus altos e baixos,seus avanços e recuos, e, sem dúvida, originou-se do problema dos testamentos:muitos, ao morrer, deixavam bens “a Deus”, “à Igreja”, “a Cristo”, ou a determinadosanto. Condições locais variavam, mas, a princípio, nunca se considerou que umlegado a Deus, à Igreja, a Cristo ou a um santo pertencesse a um “fundo comum” detodo o corpo eclesiástico; a destinação tinha que ser específica. Inicialmente,apenas eram consideradas corporificadas, e associadas a FROOHJLD, as comunidadescristãs representadas por seus bispos, isto é, os bispados, sendo todas as doaçõese legados administradas pelos titulares das sés; Justiniano, em seu Código (livro 1º ,título 2º, capítulo 25), foi além, reconhecendo às paróquias e aos mosteiros acapacidade de receber doações e legados especificamente a eles destinados(determinando adicionalmente que, se o legado fosse efetuado em nome de umdeterminado santo, deveria reverter à paróquia mais próxima que atendesse pelainvocação daquele santo). Os precedentes, assim, estavam criados; podendo terpropriedades em seu nome, receber em seu nome doações e heranças e,obviamente, administrá-los, os bispados, as paróquias, as ordens religiosas e asassociações pias (confrarias, fraternidades, sodalícios, etc.) se corporificaram defato, e, com o tempo, de direito, recebendo dos canonistas medievais adenominação de SHUVRQDH� ILFWDH (literalmente: “pessoas fictícias”, ou seja, entescapazes de exercer direitos e deveres como se pessoas fossem, e cuja vidatranscendia a vida de seus membros constituintes). A existência corporativa, assim,esteve unida, desde o início, à capacidade de possuir, adquirir e gerir propriedade.

O primeiro passo na gênese do moderno conceito da personalidade jurídica,assim, foi a “micro-corporificação” da Igreja. O segundo passo ainda se deu naesfera eclesiástica, e consistiu no rompimento da barreira econômica. Nunca édemais recordar que os FROOHJLD da época romana não eram associações de cunhoeconômico. A Igreja, porém, o era; os mosteiros e ordens religiosas, principalmente,eram entes econômicos tanto quanto religiosos, alargaram as fronteiras agrícolas da

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Europa, implementaram novas tecnologias do cultivo do solo, compravam, vendiam,administravam. Algumas ordens, como a dos Templários, exerceram mesmoatividades financeiras e de câmbio, nisso se tornando especialistas e acumulandoenormes fortunas (tal foi, aliás, a razão de sua posterior ruína: os cavaleiros doTemplo chegaram a se constituir como que num banco internacional, com sede emJerusalém, em 1128, até serem extintos pelo Papa em 1313, a pedido do rei deFrança). As SHUVRQDH� ILFWDH da própria Igreja mostraram, assim, que era possíveldar um cunho econômico ao conceito das associações.

O terceiro passo se deu fora da esfera eclesiástica, embora amparado einfluenciado pelas próprias autoridades eclesiásticas, e consistiu no desenvolvimentodas assim chamadas “guildas”. Eram análogas aos antigos FROOHJLD, mas devem suaorigem à influência eclesiástica e à índole associativa e coletivista que aevangelização espalhou nos países do norte da Europa. De fato, no princípioconstituíram-se em associações voluntárias leigas, de cunho beneficente e nas quaiso atendimento religioso era preponderante, sendo como tais registradas naInglaterra anglo-saxã desde as leis de Ina, no séc. VII, sofrendo uma primeira grandecodificação sob Aethelstan (925-940). A própria palavra “guilda” provém do anglo-saxão JLOGDQ, significando “pagar”, “submeter-se”, e tinha o sentido de um grupo acujas regras um conjunto de pessoas se submetia. O mesmo fenômeno repetiu-sena França e nos Países Baixos (no Continente, a palavra “guilda” aparece pelaprimeira vez numa capitulária de 779). Em todos os lugares, a feição era a mesma:os membros constituintes de uma guilda sustentavam um fundo comum ecomprometiam-se a cuidar dos órfãos e viúvas dos companheiros falecidos, bemcomo zelar pela celebração periódica de missas por suas almas. Logo tais guildastranscenderam o cunho meramente beneficente: desde finais do séc. X, com aestabilização política que se seguiu às invasões normandas, houve um sensíveldesenvolvimento das atividades econômicas e, conseqüentemente, do comércio emtoda a Europa, especialmente na Flandres, na Ilha-de-França, no sul da Inglaterra eno norte da Itália. Em todas as grandes cidades da Flandres e da Ilha-de-França,como Ruão, Paris, Bruges, Arras e Saint-Omer, surgiu um novo tipo de guilda, aguilda mercantil, que logo se espalhou até à Alemanha e à Itália do Norte; emLondres, a primeira de que se tem notícia é um pouco posterior, e data do primadode Santo Anselmo como arcebispo da Cantuária (1093-1109). As guildas mercantisarrancavam das autoridades municipais, ou do senhor feudal, o monopólio, para osseus membros, do comércio de determinado item nos limites de jurisdição de suacidade. Apenas o monopólio da venda de produtos alimentícios era proibido pelaIgreja; todos os demais artigos (vestuário, especiarias, produtos artesanais em geral)logo tiveram o seu comércio açambarcado por essas guildas mercantis. Osgovernos cobravam às guildas polpudas somas para conceder (e renovar) taisprivilégios, e a constituição de guildas mercantis logo passou a ser mais uma fontede receita para os sempre necessitados reis e senhores feudais.Compreensivelmente, as guildas mercantis eram, muitas vezes, odiadas pelapopulação urbana, pois cobravam pelas mercadorias objeto de seus monopóliospreços exorbitantes. O seu próprio sucesso engendraria o seu desmantelamento.

Das guildas mercantis, enfim, surgiram, a partir do século XII, as corporaçõesde ofício, como guildas que congregavam os artesãos de determinado ofício (por

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exemplo, ferreiros, carpinteiros, sapateiros, pisoeiros, etc.), não apenas para finsbeneficentes e religiosos, mas também, e principalmente, objetivando zelar pelaqualidade dos produtos, bem como passar adiante as técnicas do ofício. Seusmembros eram cuidadosamente hierarquizados em mestres, companheiros eaprendizes. Como os antigos FROOHJLD, tinham existência reconhecida pelo Estado,podiam ser proprietários e receber legados; possuíam suas bandeiras, distintivos esedes próprias, seus santos protetores e seus dias de festa particulares.Espalharam-se por toda a Europa, sendo particularmente poderosas na Flandres, naItália e na Alemanha (isto é, nos países mais fragmentados politicamente). NaInglaterra, tomaram a dianteira na luta contra as guildas mercantis, obtendo deEduardo III, em 1335, uma lei que permitia a mercadores estrangeiros comerciarlivremente no país.

A partir dos séculos XV e XVI, o sistema de guildas iniciou um lento masvisível declínio, padecendo de progressiva esclerose. Passaram a se constituir nascidadelas dos direitos adquiridos e dos métodos de produção ultrapassados,cuidando mais em manter seus privilégios e impor preços abusivos do que em inovarou desenvolver novas técnicas. Haviam, contudo, sido de importância capital(muitas vezes negligenciada) na formulação do conceito de personalidade jurídica,ligando os conceitos de corporificação e de atividade econômica num conjuntocoerente.

$V�6RFLHGDGHV�&RPHUFLDLV

No item anterior, pôde-se mostrar que a grande contribuição eclesiástica paraa gestação do moderno conceito de personalidade jurídica prendeu-se àFRUSRULILFDomR� GH� HQWHV� HFRQ{PLFRV, ainda influenciada, contudo, pela velha idéiaromana do FROOHJLXP; tais entes econômicos, na acepção da Igreja (ou seja, dentrodos princípios do Direito Canônico), estavam sempre ligados a uma atividadeprodutiva proveitosa a todo o corpo social; assim, puderam os canonistas aceitar,dentro de sua conceituação de SHUVRQDH� ILFWDH, não apenas entes de cunhoreligioso, mas também as guildas mercantis e, mesmo, as corporações de ofício,como corpos que zelavam pela qualidade da produção, regulavam a competiçãoexacerbada e mantinham um alto padrão moral nas transações econômicas (aomenos, essa era a teoria). As atividades de comércio, bem como as atividadeseconômicas de cunho meramente lucrativo, eram toleradas, mas não incentivadas.Nas mentes dos canonistas, jamais se poderia pensar em retirar daqueles cujosganhos advinham da mera intermediação da circulação de valores a suaresponsabilidade integral e pessoal por todos os seus atos de comércio. Assimsendo, quando, a partir da segunda metade do séc. X, o comércio voltou a animar-se na Europa, ligando os dois grandes pólos Flandres e Ilha-de-França, de um lado,com o norte da Itália, de outro, os comerciantes atuavam individualmente, comopessoas; sua atividade consistia em organizar o transporte das mercadorias de umacidade a outra, de uma guilda mercantil de origem a uma guilda mercantil de destino.Eventualmente, com o enfraquecimento das guildas mercantis, a partir daemergência das corporações de ofício, no séc. XII (conforme visto no item anterior),passaram admitir filiais e/ou representantes em várias cidades. O crescimento e acomplexidade dos negócios passou a exigir, assim, que atuassem em conjunto, e

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esse conjunto de mercadores constituía uma FRPSDQKLD, porque estavam todosjuntos numa empreitada, ou seja, comiam todos do mesmo pão (FXP� SDQLV).Conscientemente ou não, tais companhias modelavam-se à imagem e semelhançado antigo contrato de sociedade romano, sendo LQWXLWX� SHUVRQDH e regulando-separa uma única empreitada (é de se notar que muito da nomenclatura dassociedades comerciais, e que chegou até aos dias atuais, deriva diretamente doantigo contrato de sociedade romano, inclusive o termo técnico específico “sócio”para cada um de seus membros constituintes; isso não deve ser apenascoincidência). Como no caso da corporificação da Igreja e das guildas, contudo, asituação evoluiu. Inicialmente, as companhias passaram a ter um caráter maispermanente, menos esporádico; tais companhias, contudo, não possuíampersonalidade jurídica, sequer corporificação, e os sócios eram integralmenteresponsáveis, inclusive com seu patrimônio pessoal, por todos os prejuízos advindosde sua ação. Essa é a origem da VRFLHGDGH�HP�QRPH�FROHWLYR, ainda presente noCódigo Comercial brasileiro. Os lucros obtidos com o comércio, porém,principalmente nas cidades do norte da Itália, atraíram muitos não-comerciantespara esse novo filão. Muitos eram nobres, ou altos funcionários municipais, oumesmo dignitários eclesiásticos, que possuíam capital, mas nenhum conhecimentodas técnicas comerciais; mais ainda, não queriam se ver envolvidos num eventualfracasso ou falência. Em suma: não queriam correr os riscos da solidariedadeilimitada pressuposta nas companhias; contudo, legalmente, não havia outro modode participarem dos ganhos do comércio; para tal, era mister participaremintegralmente de seus riscos. Quando se trata de dinheiro, porém, para tudo hájeito, e surgiu um tipo peculiar de sociedade, tangenciando a lei e os costumes, acomandita. Nela, um grupo de sócios (chamados comanditados) se apresenta comosócios em nome coletivo, gerenciando todas as atividades da sociedade;oficialmente, a sociedade somente se constitui deles, e de ninguém mais; há,contudo, um segundo grupo de sócios (chamados comanditários), os quais,oficialmente, não participam da sociedade (eis a razão de se chamarem “sóciosocultos”), e não o fazem porque estipulam com os comanditados que a suaparticipação em lucros será proporcional à quantia que empataram no negócio, bemcomo que seu eventual prejuízo jamais será superior a essa mesma quantia, sendoresguardados seus bens particulares e sua reputação. São “ocultos” porque se asua ligação com a sociedade fosse descoberta seriam automaticamenteconsiderados como sócios em nome coletivo. Desse modo, a primeira efetivalimitação de responsabilidade em sociedades comerciais originou-se de um logro àlei e aos costumes; apesar disso, a comandita possibilitou a alocação de umagrande quantidade de capital às atividades comerciais, e, depois, às atividadesindustriais. Via de regra, os comanditários respondiam pela maior parte do capital, eesse arranjo (o qual, inicialmente proibido, foi depois tolerado, e finalmentereconhecido legalmente) viabilizou o uso produtivo de largas somas de dinheiroanteriormente empatadas em empreendimentos meramente patrimoniais ousuntuários. Ainda que de forma incompleta e inconclusiva, representou uma novaetapa no desenvolvimento do moderno conceito da personalidade jurídica: aresponsabilidade de uma pessoa diante de um contrato de sociedade podia, naprática inicialmente, no próprio ordenamento jurídico depois, ser limitada à quantiaempatada no empreendimento, proporcionando-lhe segurança em caso de prejuízosou falências. Via-se nisso, aliás, um equilíbrio de direitos e deveres: sendo limitado

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o risco, limitada era a participação nos lucros, e nula a participação na gerência doempreendimento, que sempre ficava nas mãos dos comanditados. Foi esseequilíbrio que justificou, finalmente, a aceitação da comandita no ordenamentojurídico da época.

2�)LVFR�H�DV�6RFLHGDGHV�GH�&DSLWDO

Nos dois itens anteriores, falou-se da “micro-corporificação” da Igreja (a qualresultou na aceitação de aspectos econômicos inequívocos dentro do conceitocanônico da SHUVRQD� ILFWD) e do desenvolvimento progressivo dos contratos desociedade (o qual resultou em sociedades mais estáveis e que acabaramincorporando, pela primeira vez, a noção da responsabilidade limitada, nascomanditas). Uma terceira vertente no processo de maturação do conceito depersonalidade jurídica, bem mais específica, surgiu a partir dos finais da IdadeMédia, nas duas grandes repúblicas mercantis da época: as cidades italianas deVeneza e de Gênova. Trata-se do surgimento das primeiras VRFLHGDGHV�GH�FDSLWDO,os bancos públicos, que foram os primeiros corpos dotados inequivocamente depersonalidade jurídica; ligados exclusivamente a atividades comerciais oufinanceiras, exigiam apenas responsabilidade limitada de seus sócios. Quase todosos ingredientes da moderna empresa dotada de personalidade jurídica, e, mesmo,de limitação de personalidade, neles estavam presentes, e legalmente definidos. Aorigem de tais entes revolucionários ligou-se, como é costume, às prementesnecessidades dos Estados por dinheiro, e suas atividades estavam intimamenteligadas às prioridades do Estado; nelas, o público e o privado se confundiam.

Deve-se começar pela análise do caso mais antigo, o de Veneza. A históriado Banco do Estado, nessa cidade, é bastante complexa, e somente pôde serrazoavelmente reconstituída a partir do relato de Clairac, advogado em Bordéus, naFrança, que escreveu em 1657 e que dispunha de informações bastante precisas efidedignas. O Banco do Estado constituiu-se a partir da união de trêsestabelecimentos diferentes: o primeiro foi o 0RQWH�9HFFKLR (Antigo Monte), fundadoem 1156, sob o doge Vital Michiel; o segundo foi o 0RQWH� 1XRYR (Novo Monte),estabelecido em 1390, sob o doge Antônio Vernier; o terceiro, enfim, foi o 0RQWH1RYLVVLPR (Novíssimo Monte), que data de 1410, no tempo do doge LeonardoLoredan. Todos esses três estabelecimentos foram criados por disposiçãogovernamental para suprir prementes exigências de caixa por parte da República. Oesquema era simples: determinada soma em dinheiro era emprestada ao Estado porum conjunto de capitalistas; essa soma era chamada usualmente PRQV, “monte”;como se destinava a um uso comercial, isto é, não religioso, recebia a denominaçãode PRQV� SURIDQXV (“monte profano”, ou seja, um monte não ligado a atividadespiedosas), para distingui-la de subscrições semelhantes de cunho meramentereligioso ou beneficente (PRQV�SLXV, monte ligado a atividades de cunho piedoso, daía palavra montepio). Em troca da subscrição de capital, os capitalistas recebiamuma certa quantidade de títulos representativos da dívida, igualmente fracionados(chamados ORFD�PRQWL, “lugares no Monte”, ou simplesmente ORFD), negociáveis etransferíveis, bem como privilégios diversos, usualmente de três tipos: participaçãonas receitas alfandegárias do Estado; permissão oficial para receber depósitos eemprestar a juros; garantia do Estado de salvaguarda sobre as propriedades

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privadas dos detentores dos ORFD, sendo sua responsabilidade ante o Banco limitadaà fração do monte representado por seus respectivos ORFD. A dívida estatal, assim,era metamorfoseada numa sociedade corporificada e privilegiada, e os ORFDrapidamente adquiriram todas as características das modernas ações,transformando seus detentores em acionistas e o Banco numa sociedade de capital:eram comprados, vendidos, dados em garantia e passados em herança. Como sevê, a Sereníssima República de Veneza por três vezes constituiu tais Montes, queacabaram se reunindo, pelas leis de 1584 e 1587, num único estabelecimento, oBanco do Estado (apesar do nome, era de particulares). Em outras ocasiões, aoinvés de constituir mais um Monte, o Estado, se tivesse crédito, podia pediremprestado ao próprio Banco, fornecendo como garantias receitas alfandegáriasadicionais ou de impostos, direitos de exploração comercial e privilégios diversos. OBanco do Estado continuou operando nessas linhas, ininterruptamente, até 1797,quando desapareceu ao mesmo tempo que a República, no torvelinho das guerrasnapoleônicas.

O caso de Gênova foi mais singular. A 6LJQRULD de Veneza era famosa porsua administração financeira escrupulosa; a austeridade e a estabilidade tanto dascontas públicas quanto do valor intrínseco de sua moeda, o ducado de ouro, eramproverbiais, e foram mantidas por, pelo menos, seiscentos anos, até 1797, quando aRepública foi extinta por Napoleão e seus fundos saqueados pelos franceses. Asua grande rival, a República de Gênova, por outro lado, embarcou desde o séc. XIInum ambicioso programa de endividamento público, a fim de financiar a construçãodo império comercial de sua oligarquia. Tais empréstimos davam aos credoresdireito a rendas perpétuas ou vitalícias, sob a forma de títulos transferíveis,igualmente fracionados (ORFD, como em Veneza), e garantidos por fundosespecíficos. As perdas com as Cruzadas e os ataques dos turcos ao comérciooriental fizeram a situação da dívida pública genovesa deteriorar-seprogressivamente a partir de finais do séc. XIII; nos inícios do séc. XIV, os próprioscredores tomaram a si a incumbência de gerir os fundos garantidores dos títulos(PRQWHV). Em 1407, enfim, sem ter como pagar as antigas dívidas, e diante danecessidade urgente de mais dinheiro para financiar outra guerra contra Veneza, ogoverno genovês barganhou com os seus credores uma consolidação de todas asdívidas antigas, bem como de um novo empréstimo destinado à guerra veneziana,transformando todos os títulos da dívida pública em poder de particulares (ORFDPRQWL) em títulos, igualmente fracionados, livremente negociáveis e alienáveis (ORFDFRPSHUDUXP, ou seja, ações) de uma nova sociedade, o assim denominado Bancode São Jorge (&DVD�GL�6DQ�*LRUJLR, depois %DQFD�GL�6DQ�*LRUJLR), ao qual concediaprivilégios iguais aos gozados pelo Banco do Estado de Veneza, mais o direito deemitir títulos de crédito, garantidos pelas receitas aduaneiras e de impostos daRepública, bem como pela posse da ilha da Córsega. Converteu-se o Banco de SãoJorge em virtual emprestador do Estado, e a um ponto tal que chegou a controlar-lhetotalmente as finanças, os projetos coloniais e a própria política externa. Funcionouininterruptamente até 1799, quando foi fechado, outra vítima das guerras deNapoleão.

Nota-se, assim, que todos os conceitos necessários à formulação da modernateoria da personalidade jurídica de responsabilidade limitada estavam já

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perfeitamente delineados no final da Idade Média (corporificação de enteseconômicos; responsabilidade limitada dos sócios; noção de sociedade de capital,com quotas alienáveis e negociáveis representativas do capital, e não pessoasinvestidoras de recursos); restava apenas juntá-los, tarefa que coube à progressivaevolução do sistema capitalista, a partir do séc. XVI.

2�&DSLWDOLVPR�H�D�3HUVRQDOLGDGH�-XUtGLFD

O panorama descortinado a partir do séc. XVI era, ao mesmo tempo, de crisee de oportunidades. A noção de personalidade jurídica andava já bastanteavançada, abarcando inclusive entes puramente econômicos, e mesmo financeiros,ligados às necessidades do Estado. Por outro lado, para as empresas comerciais eindustriais, não se tinha evoluído além das comanditas. O enfraquecimento dosantigos entes corporificados de índole econômica, nomeadamente as guildasmercantis e as corporações de ofício, acompanharam o eclipse progressivo,respectivamente, dos antigos monopólios comerciais locais e da antiga produçãoartesanal. Os novos empreendedores, tanto no campo da indústria quanto docomércio, estavam fora do ambiente das guildas, e não dispunham de nenhumapossibilidade legal de constituírem companhias corporificadas, salvo se fossemsócios comanditários. Em toda a parte, o contrato de sociedade nem de longeconferia características de corporificação, muito menos de limitação deresponsabilidade. Como sempre, e no interesse exclusivo do Estado, a exceçãoficava por conta de sociedades ligadas ao recolhimento de impostos ou outrasrendas estatais, numa repetição, nos séculos XV a XVII, das condições que haviamoutrora engendrado as VRFLHWDWHV� SXEOLFDQRUXP na antiga Roma. Com efeito, osEstados Nacionais surgidos a partir do séc. XV não dispunham, como outrora aRepública Romana, de um aparato arrecadador próprio, e, muitas vezes arrendavama particulares tal empreitada. As determinações de Filipe II (III de Espanha, rei dePortugal e Espanha 1598-1621) nas 2UGHQDo}HV� )LOLSLQDV, livro 4º, título 44, “DoContrato de Sociedade e Companhia”, servem de exemplo perfeito da legislação daépoca, não apenas na Espanha e em Portugal, mas em toda a Europa; deve-senotar que as determinações das referidas Ordenações (emitidas em 1603 econfirmadas pelo novo governo independente português em 1643) continuaram emvigor, no Brasil, no campo comercial, até à promulgação do Código Comercial de1850, e, na área civil, até à promulgação do Código Civil de 1916 (a grafia do textooriginal foi atualizada):

³���� PDV�� DLQGD� TXH� VH� IDoD� VHP� OLPLWDomR� GH� WHPSR� (a constituição dasociedade, nota do Autor)�� PRUUHQGR� TXDOTXHU� GRV� FRPSDQKHLURV�� ORJRDFDEDUi�R�FRQWUDWR�GD�&RPSDQKLD��H�QmR�SDVVDUi�D�VHXV�KHUGHLURV��SRVWRTXH�QR�FRQWUDWR�VH�GHFODUH�TXH�SDVVH�D�HOHV��VDOYR�VH�D�&RPSDQKLD�IRVVHGH� DOJXPD� UHQGD� QRVVD�� RX� GD� 5HS~EOLFD�� TXH� DOJXPDV� SHVVRDVKRXYHVVHP�WRPDGR�MXQWDPHQWH��SRUTXH�QHVWHV�FDVRV��DLQGD�TXH�DOJXP�GRVFRPSDQKHLURV� QD� UHQGD� IDOHoD�� SDVVDUi� R� WDO� DUUHQGDPHQWR� D� VHXVKHUGHLURV�SHOR�WHPSR�TXH�HOH�GXUDU��VH�DVVLP�IRL�QR�GLWR�FRQWUDWR�GHFODUDGR�H� R� KHUGHLUR� p� SHVVRD� GLOLJHQWH� H� LG{QHD� SDUD� SHUVHYHUDU� QD� GLWD&RPSDQKLD´�

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As novas realidades econômicas, contudo, logo se fizeram sentir, eproduziram duas tendências que, lentamente, foram convergindo: por um lado, aconstituição das sociedades de ações, ditas anônimas, livres de aprovação prévia doEstado, oriundas da evolução dos bancos públicos nos moldes do Banco do Estadode Veneza e do Banco de São Jorge de Gênova; por outro, a evolução do contratode sociedade, com a sua personificação jurídica e limitação de responsabilidade.Tais tendências serão analisadas a partir de agora.

'RV�%DQFR�3~EOLFRV�jV�6RFLHGDGHV�³$Q{QLPDV´

Uma primeira etapa consistiu na proliferação de companhias comerciais nosmoldes dos bancos públicos de Veneza e de Gênova, e criados em vários Estadospor razões muito semelhantes. Tal foi o caso do Banco de Amsterdã, do Banco daInglaterra e do Banque Royale, de John Law, na França (que soçobrou numaescandalosa falência em 1720). Todas essas instituições eram sociedades decapital de responsabilidade limitada, ou, como passaram a ser depois conhecidas,DQ{QLPDV, porque não estavam especificamente ligadas a pessoas, estando seucapital dividido em parcelas iguais, alienáveis e negociáveis; desde 1608 taisparcelas já eram denominadas comumente de “ações”. Igualmente, todas essasinstituições existiam por decreto do Estado, ou seja, não era lícita a sua constituiçãosem a aprovação das autoridades, e isso porque era tido como certo que somente oEstado lhes podia conceder o privilégio da corporificação e da responsabilidadelimitada. Todas, assim, estavam umbilicalmente ligadas ao Estado: o Banco deAmsterdã financiava o comércio e a expansão colonial das Províncias Unidas daHolanda, em simbiose com as Companhias das Índias Ocidentais e Orientais (dasquais falar-se-á mais adiante); o Banco da Inglaterra, à semelhança do Banco deSão Jorge de Gênova, absorveu as dívidas do governo inglês após a RevoluçãoGloriosa; o Banque Royale fez o mesmo com as dívidas do governo francês durantea Regência, na menoridade de Luís XV, embora de um modo menos eficiente.Todos acabaram se associando com outro tipo de sociedades anônimas, ascompanhias comerciais privilegiadas.

Tais companhias representaram uma extensão do conceito de sociedadeanônima ao mundo do comércio. Eram em tudo semelhantes aos bancos públicos,carecendo também de autorização explícita do Estado para a sua constituição, edele recebendo os seus privilégios, que, aliás, eram muitos: além dos privilégios e,usualmente, monopólio, de comércio com determinada área geográfica, dapersonalidade jurídica reconhecida oficialmente, da divisão do capital em açõesalienáveis e negociáveis e da responsabilidade limitada dos acionistas à proporçãodo capital social representado pelas ações de sua propriedade, recebiamusualmente o poder de celebrar contratos e tratados com governos estrangeiros,organizar e manter esquadras e forças armadas próprias, construir e administrarfeitorias comerciais no ultramar e lá constituir tribunais e aduanas, contratarfuncionários, tripulações e soldados e demiti-los a seu exclusivo critério, emitir títulosde crédito e mesmo, em alguns casos, moeda – enfim, eram verdadeiros Estadosdentro do Estado. Sua estrutura administrativa era proporcionalmente complexa:aparecem, pela primeira vez, os administradores profissionais, muitas vezes distintosdos acionistas, as prestações de contas aos acionistas, os conselhos fiscais e as

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assembléias de acionistas, enfim, todas as características hoje presentes numasociedade anônima. Tais companhias privilegiadas pulularam na primeira metadedo séc. XVII: a Companhia Inglesa das Índias Orientais (1600), a CompanhiaHolandesa das Índias Orientais (1602), a Companhia Inglesa das Índias Ocidentais(1612), a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (1621), as CompanhiasFrancesas das Índias Ocidentais e Orientais (1664), a Nova Companhia das Índias(criada por Law em 1717, e que acabou sofrendo o mesmo destino de seu Banco).A partir de meados do séc. XVIII, contudo, começaram a se enfraquecer.

De fato, tais companhias privilegiadas eram como que braços do Estado,existiam por delegação específica dele, e subordinavam-se a seus fins. Osprivilégios que ostentavam não lhes eram garantidos gratuitamente; ligavam-se àsnecessidades de caixa do Estado, ou às suas esperanças de expansão colonial(veja-se, por exemplo, o caso da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, quepatrocinou as duas invasões no Brasil). Tiveram importância capital nodesenvolvimento da noção de personalidade jurídica e na limitação daresponsabilidade social, quando aliada à livre negociação de ações, mas, a partir demeados do séc. XVIII, com as novas transformações pelas quais passava aeconomia internacional, ou seja, com a Revolução Industrial e sua demanda pormercados livres (isto é, sem monopólios), sua existência estava condenada.

Na Inglaterra, o escândalo provocado pela falência da Companhia dos Maresdo Sul, constituída em 1710 (a 6RXWK�6HD�%XEEOH, “bolha dos mares do Sul”, alusãoa companhias privilegiadas que, num clima de intensa especulação, incham comobolhas de sabão, e, como bolhas de sabão, estouram repentinamente) pareceu darrazão àqueles que consideravam arriscado conceder a companhias comerciais alimitação da responsabilidade, e fez com que o Parlamento votasse o chamado%XEEOH�$FW, definido como ³����DQ�DFW� WR� UHVWUDLQ� WKH�H[WUDYDJDQW�DQG�XQZDUUDQWDEOHSUDFWLFH� RI� UDLVLQJ� PRQH\� E\� YROXQWDU\� VXEVFULSWLRQV� RI� FDUU\LQJ� RQ� SURMHFWVGDQJHURXV� WR� WKH� WUDGH� DQG� VXEMHFWV� RI� WKLV� .LQJGRP´. Os comerciantes (eindustriais) ficavam, assim, reduzidos às SDUWQHUVKLSV (sociedades em nomecoletivo). Como se vê, a exuberância irracional não é, de modo algum, algo novo.Por seus termos, nenhuma nova sociedade que implicasse responsabilidade limitadaa seus sócios poderia ser constituída, e todas aquelas constituídas a partir de 1718deveriam ser extintas. O %XEEOH� $FW permaneceu em vigor até 1825, mas foisomente em 1834, sob Guilherme IV (1830-1837) que o 7UDGLQJ� &RPSDQLHV� $FWatribuiu novamente à Coroa o direito de conceder certos privilégios às companhias,independentemente de intervenção do Parlamento.

Em 1837, sob Vitória (1837-1901), a Coroa foi autorizada a conceder àscompanhias os privilégios da personalidade jurídica, da limitação daresponsabilidade dos sócios e da cessibilidade das ações. Em 1844, contudo, pelo-RLQW� 6WRFN� &RPSDQLHV� $FW, foi abandonado o princípio de que uma companhiasomente poderia adquirir personalidade jurídica mediante ato governamental,podendo a partir de então corporificar-se, bem como transferir livremente apropriedade de suas ações, mediante simples registro numa repartição competente,em Londres; a autorização governamental foi mantida apenas para a aquisição deresponsabilidade limitada, e isso até 1855, quando finalmente a legislação inglesa

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permitiu que, por simples registro, a responsabilidade dos sócios de uma sociedadeanônima fosse limitada ao valor proporcional do capital social representado por suasações, exceto para os bancos e companhias de seguro. A evolução para associedades anônimas modernas estava praticamente concluída.

Na França, o governo revolucionário houve por bem suprimir, em 1793, todasas sociedades por ações; reviveriam no Código Comercial de 1807, que instituiu doistipos de sociedades, as comanditas por ações, cuja constituição não carecia deprévia autorização governamental (já que pelo menos um de seus sócios arcariacom responsabilidade ilimitada), e as sociedades por ações, ou anônimas, as quaissomente se poderiam constituir com autorização governamental prévia (art. 37, “/DVRFLpWp�DQRQ\PH�QH�SHXW�H[LVWHU�TX¶DYHF�O¶DXWRULVDWLRQ�GX�JRXYHUQHPHQW�HW�DYHF�VRQDSSUREDWLRQ�SRXU�O¶DFWH�TXL�OD�FRQVWLWXH”; foi essa a primeira vez, aliás, que se usouoficialmente a expressão “sociedade anônima” para denominar uma sociedade porações e com responsabilidade limitada). O processo de autorização exigido para asanônimas, contudo, era longo e complicado: sua constituição dependia deautorização final expressa do Conselho de Estado, autorização essa que podia serrevogada a qualquer tempo. Isso fez com que, especialmente entre 1820 e 1840,proliferassem as comanditas por ações (a assim denominada “febre dascomanditas”). A concorrência inglesa acabou por modificar a situação. De fato, pelotratado anglo-francês de 1862, as companhias inglesas por ações (as quais, desdeas leis de 1844 e 1855, conforme notado no parágrafo anterior, não dependiam deautorização governamental para a sua constituição) podiam livremente atuar em solofrancês. O óbvio ocorreu: comerciantes e industriais franceses passaram a constituircompanhias em Londres, sob a égide da lei inglesa, para atuar na França; ogoverno, assim, viu-se na contingência de liberar as sociedades por ações da préviaautorização governamental, e o fez pela lei de 1867 (art. 21, ³¬�O¶DYHQLU��OHV�VRFLpWpVDQRQ\PHV�SRXUURQW� VH� IRUPHU� VDQV� O¶DXWRULVDWLRQ�GX�JRXYHUQHPHQW�´ ). A partir deentão, nos dois mais importantes países da Europa, passavam a ter existência livreentes dotados de personalidade jurídica e limitação de responsabilidade.

Nos Estados Unidos, a evolução foi em tudo semelhante à verificada naInglaterra e na França. Inicialmente, a constituição de sociedades por açõesdependia de autorização legislativa de cada Estado (6SHFLDO�$FW). Foi o Estado deNova York o primeiro a permitir a livre incorporação de sociedades por ações, comfins industriais ou comerciais, e isso ainda em 1811 (6HOI�,QFRUSRUDWLRQ�/DZ). OutrosEstados acabaram seguindo o modelo nova-iorquino, inicialmente para sociedadesanônimas ligadas a determinados fins, depois para quaisquer sociedades com finslícitos. A generalização de tais dispositivos, contudo, somente se completou em1875.

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No item anterior, examinou-se a progressiva constituição do primeiro entedotado de personalidade jurídica plena, associada à responsabilidade limitada dossócios que o constituíam: a sociedade por ações, ou anônima. A limitação daresponsabilidade dos sócios somente pôde ser aceita pelo ordenamento jurídico apartir da assunção do divórcio entre os sócios, donos das ações, e os

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administradores da sociedade; a própria pressuposição desse fato era, em si, umanovidade revolucionária, porque as mentes, ainda imbuídas dos conceitos do antigocontrato de sociedade romano, não podiam entender (nem aceitar) que aqueles queempatavam dinheiro numa sociedade pudessem estar divorciados da sua condução.O terreno foi, sem dúvida, preparado pelas sociedades em comandita, e, desde a leifrancesa de 1807, pelo seu tipo mais evoluído, a comandita por ações; mas, mesmonas comanditas, sempre havia, ao menos, um sócio que era pessoal eilimitadamente responsável. O grande receio que perpassava todas as mentes era(e os inúmeros escândalos, como o da 6RXWK�6HD�%XEEOH, pareciam corroborar taltese) duplo: tanto o mau uso que se podia fazer da responsabilidade limitada, pormeio de fraudes na gestão da sociedade, quanto o prejuízo dos credores porocasião de uma falência, mesmo que não fraudulenta. Daí a grande reticência dopoder público em permitir tal tipo de sociedade; e, mesmo ao permiti-la, cercava-a deuma série de formalidades de publicidade, herdadas, aliás, pelas modernassociedades anônimas.

De fato, a existência de Conselhos Fiscais para monitorar os atos daadministração, de Assembléias de Acionistas para eleger os administradores econfirmar todos os seus atos mais importantes e que colocassem em jogo acontinuidade da sociedade, e de toda uma plétora de formalidades, principalmenteligadas ao modo de apresentar as suas demonstrações contábeis e ao grau depublicidade exigido, tudo isso somente se torna compreensível num ambiente decompleta despersonalização da sociedade, com as suas ações podendo serlivremente negociadas e, portanto, com a total irrelevância das pessoas dos sócios(daí, aliás, a denominação “sociedade anônima”). Não estando diretamente ligadosà condução dos negócios, na maioria das vezes nem sequer conhecendo seusdetalhes técnicos, usando as ações como um mero investimento, como qualqueroutro (imóveis, por exemplo), esse acionista tinha que ser protegido; mais do queisso, tinha que ser incentivado. Ao criar a figura das sociedades anônimas comresponsabilidade limitada, puderam ser canalizadas enormes somas da economiapopular para o investimento no setor produtivo.

A questão, porém, continuava em aberto no que se refere a sociedades quenão as sociedades por ações; em todos os lugares, quando um grupo denegociantes, ou industriais, queria constituir uma sociedade, mas não queria abdicarde seus direitos de gestão (ou seja, quando os sócios e os administradores seconfundiam, e não havia Do}HV, mas TXRWDV), ainda vigorava, na prática, o velhoconceito romano do contrato de sociedade; o mais longe que se podia ir era umacomandita. O fecho final da construção da moderna teoria da personalidade jurídicaseria a extensão da limitação da responsabilidade às sociedades de pessoas.Nesse mister, houve um desenvolvimento paralelo na Inglaterra e na Alemanha,sendo que o modelo alemão tornou-se o mais perfeito e pode ser, com justiça,considerado o protótipo de tal tipo de sociedade.

Na Inglaterra, toda a evolução das sociedades por ações havia passado aolargo das sociedades em nome coletivo (chamadas SULYDWH� SDUWQHUVKLSV, ousimplesmente SDUWQHUVKLSV), as quais eram regidas pelo direito consuetudinário(FRPPRQ� ODZ). Basicamente, com relação a tais sociedades, o direito

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consuetudinário determinava três características básicas: responsabilidade solidáriae ilimitada dos sócios; consentimento expresso dos demais sócios para transferênciada parte de um dos sócios para terceiros; ausência de personalidade jurídica.

As leis de 1844 e de 1855, que, conforme visto anteriormente, resultaram naliberdade total para as sociedades por ações, foram consolidadas no &RPSDQLHV$FW, de 1862. Tal lei não mencionou as SDUWQHUVKLSV, dividindo simplesmente associedades em ilimitadas e limitadas. As sociedades ilimitadas podiam ou não terseu capital social dividido em ações. Quanto às limitadas, podiam ser limitadas porações (FRPSDQLHV�OLPLWHG�E\�VKDUHV) ou limitadas por garantia (FRPSDQLHV�OLPLWHG�E\JXDUDQWHH), sendo que, nas últimas (as quais podiam ou não ter seu capital divididoem ações), os sócios eram obrigados, no caso de liqüidação, a pagar as dívidassociais até um montante fixado por ocasião de sua constituição. Para todas essassociedades estabelecia-se um regime de ampla liberdade, podendo ser constituídassem necessidade de prévia autorização governamental, apenas mediante o registrode seus estatutos e a obediência a determinadas condições legais.

Sentindo-se discriminados, os comerciantes associados em SDUWQHUVKLSV (esujeitos à responsabilidade ilimitada) passaram, simplesmente, a transformar suasempresas em FRPSDQLHV. A esse tipo de sociedade se denomina SULYDWH�FRPSDQLHV(em oposição às sociedades reguladas pela lei de 1862, conhecidas por SXEOLFFRPSDQLHV, não por pertencerem ao Estado, mas por negociarem publicamente suasações, ou por subscreverem publicamente seu capital). A existência dessas SULYDWHFRPSDQLHV foi inicialmente reconhecida pela FRPPRQ� ODZ, até ser oficialmentelegalizada pelos atos de 1900 e 1907, culminando no &RPSDQLHV�&RQVROLGDWLRQ�$FW,de 1929.

Na Inglaterra, assim, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada foium subproduto das sociedades anônimas, e sua gestação foi longa e laboriosa. NaAlemanha, contudo, a evolução foi mais rápida e contundente. O país unificou-seem 1870, após a Guerra Franco-Prussiana, e começou a experimentar umcrescimento industrial inigualado no continente europeu. Em 1884, foi promulgadapara o Império uma lei sobre sociedades anônimas, uma das mais rigorosas eformais da Europa, cujo uso era inviabilizado às pequenas empresas. Os pequenosempresários ou aceitavam a responsabilidade solidária e ilimitada ou se submetiamaos demorados e custosos trâmites burocráticos para a constituição de umasociedade anônima.

O ritmo do crescimento industrial e a pressão de pequenos e médioscomerciantes e empreiteiros acabou forçando o governo à criação de um novo tipode sociedade. Em 1888, o deputado Oechelhaeuser, defensor entusiástico daconstituição de uma sociedade por quotas (isto é, uma sociedade de pessoas) deresponsabilidade limitada, dirigiu à Câmara de Comércio Imperial um notávelmemorial, no qual apresentava as vantagens do sistema que propunha:

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³$V�IRUPDV�GH�FRQVWLWXLomR�GDV�VRFLHGDGHV�FRPHUFLDLV�HP�YLJRU�QR�,PSpULRQmR�PDLV�DWHQGHP�jV�QHFHVVLGDGHV�HFRQ{PLFDV��p�YLWDO�TXH�QHODV�VH�LQFOXDR� � SULQFtSLR� GD� UHVSRQVDELOLGDGH� OLPLWDGD�� R� TXDO� DYDQoD� FRP� IRUoDLUUHVLVWtYHO�QD�YLGD�HFRQ{PLFD�H�QDV�VRFLHGDGHV�GH�EDVH�LQGLYLGXDO��QHVWDV�R�FDSLWDO�H�D�LQWHOLJrQFLD�HQWUDP�HP�FRQWDFWR�GLUHWR��FRP�R�YLJRU�GR�FDSLWDODOLDGR�jV� IRUoDV�KXPDQDV��DV�VRFLHGDGHV�GH�SHVVRDV� WRUQDP�VH��PHVPR�VXSHULRUHV�jV�VRFLHGDGHV�GH�FDSLWDO�´

Um projeto foi encaminhado ao Congresso do Império, sendo aprovado a 21de março e sancionado pelo Imperador Guilherme II aos 29 de abril de 1891.Portugal adotou tal tipo de sociedade em 1901, e a Monarquia Dual Austro-Húngara,num projeto consideravelmente melhorado em relação ao modelo alemão, em 1906(essa lei foi republicada em 1924, com nova redação, para a recém-constituídaRepública da Áustria).

A Grande Guerra de 1914-1918 contribuiu sobremaneira para a disseminaçãodesse tipo de sociedade, e fornece também, quanto a isso, materialinteressantíssimo para reflexões acerca da territorialidade das leis. De fato, muitosgovernos dos novos países que emergiram do conflito, com a dissolução dosImpérios Russo e Austro-Húngaro, foram forçados a adotar a sociedade por quotasde responsabilidade limitada, para não prejudicar os habitantes de territóriosincorporados que já a conheciam. Três casos merecem ser analisados: o daPolônia, o da Tchecoslováquia e o da França.

Reconstituída com territórios outrora pertencentes à Rússia (Grão-Ducado deVarsóvia), à Alemanha (Posnânia) e à Monarquia Dual Austro-Húngara (Galícia), anova Polônia exibia um mosaico de legislações; o coração do país, o antigo Grão-Ducado de Varsóvia, não possuía juridicamente sociedades por quotas deresponsabilidade limitada, ao contrário dos antigos territórios alemães e austríacos,porque o Império Russo não reconhecia esse tipo de sociedade. Leis em 1919,1921 e 1923 instituíram nesse território tal tipo de sociedade, num esquema híbridoentre os modelos alemão e austríaco, até que, em 1934, o novo Código Comercialfinalmente unificou toda a legislação. Na Tchecoslováquia, formada por territórios daMonarquia Dual (Boêmia e Morávia, da antiga Áustria; Eslováquia, da antigaHungria) e da Rússia (Ucrânia Sub-Carpática), a antiga legislação austríaca foi, em1920, estendida a todo o país. Enfim, o caso mais célebre foi o da França. Elaadquiriu, do Império Alemão, a Alsácia-Lorena, onde havia cerca de 400 sociedadespor quotas de responsabilidade limitada, tipo de sociedade que não existia no Direitofrancês. Apesar de toda a oposição nacionalista (diga-se, mesmo, chauvinista), oregime da Alsácia-Lorena foi estendido, em 1925, a todo o território francês.

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Foi também o Brasil palco de atuação de companhias comerciaisprivilegiadas, estatuídas nos moldes da Companhia Holandesa das ÍndiasOcidentais. Assim, aqui atuaram a Companhia de Comércio do Brasil (criada em1649, extinta em 1720), a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (constituídaem 1755, extinta em 1778; nela se usa, pela primeira vez, a expressão “acionistas”),

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e a Companhia Geral das Capitanias de Pernambuco e Paraíba (criada em 1779,extinta em 1780).

A primeira sociedade anônima brasileira digna de tal nome foi, contudo, oprimeiro Banco do Brasil, instituído por alvará régio do Príncipe Regente d. Joãodatado de 12 de outubro de 1808. Aí, pela primeira vez, usa-se a palavra “estatuto”como sinônimo da lei reguladora da vida jurídica da sociedade.

Mesmo após a independência (1822), e até 1849, a criação de sociedadesanônimas no país dependia integralmente de uma lei específica do poder público; namaioria das vezes, tais leis serviam ou para conceder privilégios aos apaniguados,ou para dar a existência a sociedades de cunho meramente especulativo. O Decretonº 575, de 10 de janeiro de 1849, pela primeira vez regulou oficialmente associedades anônimas, sendo semelhante, quanto às suas disposições, à lei francesade 1807. Cabia ainda ao governo imperial autorizar o funcionamento de taissociedades, bem como aprovar seus estatutos; nenhuma modificação podia serefetuada nos estatutos sem o prévio consentimento do Governo. As preocupaçõesdo Governo são discerníveis no relatório do Ministério da Justiça a respeito doreferido decreto:

³$�OHJLWLPLGDGH�GHVVD�LQWHUYHQomR�GD�DXWRULGDGH�GHULYD�QmR�GD�QDWXUH]D�GDLQG~VWULD�TXH�VH�SUHWHQGH�H[HUFHU��PDV�GD�IRUPD�GD�VRFLHGDGH�DQ{QLPD��GDQHFHVVLGDGH� TXH� WHP� R� S~EOLFR� GH� FHUWLILFDU�VH� VH� R� ILP� GD� VRFLHGDGH� pOtFLWR��VH�RV�FDSLWDLV�DQXQFLDGRV�H[LVWHP�UHDOPHQWH��VH�VmR�SURSRUFLRQDLV�jHPSUHVD�D�TXH�VH�GHVWLQDP��VH�RV�HVWDWXWRV�GH�WDLV�DVVRFLDo}HV�RIHUHFHPDRV� DFLRQLVWDV�� FXMR� &RQFXUVR� UHFODPDP�� JDUDQWLDV� PRUDLV� H� PHLRVVXILFLHQWHV�GH�ILVFDOL]DomR´�

Seguiram-se uma série de aperfeiçoamentos de detalhes no CódigoComercial (de 1849, que entrou em vigor a 1º de janeiro de 1850) e na lei 1.083, de1860. Esta última determinava que o exame a ser levado a efeito pelo governo porocasião da autorização de funcionamento de uma sociedade anônima devia levarexplicitamente em consideração se o fim social era contrário à moral e aos bonscostumes; se a companhia tinha por fim, ou tendia a, monopolizar determinado ramodo comércio ou da indústria, com especial destaque para o comércio de alimentos;enfim, no caso de parte do capital ser integralizado em bens móveis ou de raiz, setais bens haviam sido corretamente avaliados. A autorização ficava a cargo doPoder Legislativo, sujeita a exame e consulta da Seção de Fazenda do Conselho deEstado, bem como de qualquer outra que o Ministro de Estado julgasse conveniente.

As leis de 1849/1850 (fixando, pela primeira vez, critérios definidos), bemcomo o novo clima de expansão econômica, favoreceram a constituição desociedades anônimas, quase todas ligadas a atividades bancárias e à exploração deserviços públicos (estradas de ferro, navegação marítima e fluvial, transportesurbanos, iluminação pública a gás, etc.). Somente no ano de 1851, onzesociedades anônimas foram constituídas, das quais sete integralizaram capital,incluindo-se aí o novo Banco do Brasil, responsável, aliás, por ¾ do capital totalintegralizado. A cautela do Estado, porém, pareceu justificar-se a partir dos meados

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dos anos 1860, quando faliram os bancos de Antônio José Alves Souto & Ciª, Bahia& Irmãos e o do próprio Visconde de Mauá. Esse clima retardou sensivelmente arecepção, no país, da influência da lei francesa de 1867, que liberara a constituiçãodas sociedades anônimas da prévia autorização do Estado. A posição do governotornou-se, mesmo, mais e mais prudente, como se pode confirmar pelo caso (em1875) da Companhia Mirim, que se constituíra para explorar a navegação a vaporentre os portos de Rio Grande e Santa Vitória, no Rio Grande do Sul. O Conselhode Estado do Império opinava pelo indeferimento do pedido de autorização, pelo fatode a referida sociedade anônima se constituir com apenas cinco acionistas. Osargumentos do Conselho de Estado, mesmo nos dias de hoje, são de molde aconvidar à reflexão. De fato, asseverava o Conselho que:

�³����HPERUD�D�FLWDGD�OHJLVODomR�QmR�IL[DVVH�R�Q~PHUR�GH�DFLRQLVWDV�FRP�TXHGHYHP� RUJDQL]DU� H� IXQFLRQDU� DV� FRPSDQKLDV� RX� VRFLHGDGHV� DQ{QLPDV�GHSUHHQGH�VH� GR� FRPSOH[R� GH� VXDV� GLVSRVLo}HV�� H� SULQFLSDOPHQWH� GDQHFHVVLGDGH�GH�VHUHP�ILVFDOL]DGRV�RV�DWRV�GD�JHUrQFLD�SHODV�DVVHPEOpLDVJHUDLV�� TXH� HVWH� Q~PHUR� QmR� GHYH� VHU� WDO� TXH�� HOLPLQDGRV� RV� DFLRQLVWDVVHXV� DGPLQLVWUDGRUHV�� RV� TXDLV� QmR� SRGHP� MXOJDU� RV� SUySULRV� DWRV�� WRUQHLPSRVVtYHO�D�UHXQLmR�GDV�PHVPDV�DVVHPEOpLDV�´

Foi somente com a lei 3.150, em 1882, que, finalmente, se dispensaram asanônimas da prévia autorização governamental, lei essa que foi, por mais de meioséculo, a norma legal básica para as sociedades anônimas no país. Para aconstituição de sociedades por ações, a partir de então, passou a bastar que fossemcumpridas determinadas prescrições e formalidades legais. A própria constituição ea vida da sociedade, igualmente, passou a transcorrer num clima de amplapublicidade, tendo em vista, principalmente, a garantia de terceiros. Somente paraas sociedades anônimas estrangeiras que pretendessem se estabelecer no país foimantida a necessidade da prévia autorização do Governo.

Mas a própria lei de 1882, contudo, previa a possibilidade de exceções àliberdade de constituição das anônimas; com o passar dos anos, o número de taisexceções aumentou, e, no final do Império, as sociedades por ações que sededicavam a operações bancárias, seguros e capitalização voltaram a serestritamente controladas pelo poder público.

A tendência à liberalização, contudo, já estava estabelecida, e, como sempre,as necessidades financeiras prementes do Estado fizeram a sua parte. A década de1880 foi um período de transição e, portanto, de crise potencial; vivia-se o ocaso doescravismo, e, antes que se pudesse constituir uma nova ordem econômica, a crisedo sistema escravista, culminando na Abolição (lei de 13 de maio de 1888), causourupturas e descontinuidades na produção em algumas das mais importantesprovíncias (como a província fluminense e algumas regiões do Nordeste) e,conseqüentemente, gerou dificuldades de caixa ao governo imperial. Nãosurpreende, assim, que, aos 24 de novembro de 1888, a lei 3.403 permitisse àssociedades anônimas bancárias, mediante prévia autorização do governo imperial, aemissão de bilhetes ao portador e à vista (ou seja, para todos os efeitos, papel-moeda), desde que fosse depositada na Caixa de Amortização, como garantia, umdeterminado valor em apólices da dívida pública do Império.

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Pouco tempo depois, vem a República (novembro de 1889), e as tendênciasse consolidam, talvez numa velocidade rápida demais, em reação ao que seconsiderava como excessiva interferência do antigo regime na condução dosnegócios econômicos. Sempre pressionado por necessidades de caixa, o novogoverno republicano, por um lado, intensificou os incentivos à criação de institutosbancários, e, por outro, adotou uma legislação por demais vaga e frouxa para associedades anônimas, em geral. O resultado foi inevitável: entre 1889 e 1892,constituiu-se um número assustadoramente grande de sociedades anônimas;apenas no ano de 1890 foram constituídos, na praça do Rio de Janeiro, 316 bancose companhias, com capitais totais de quase mil e setecentos contos de réis. Essaeuforia especulativa (mais uma EROKD) foi conhecida como “Encilhamento”, eninguém conseguiu melhor captar a atmosfera da época do que Machado de Assis,no capítulo 73 de sua obra “Esaú e Jacó”:

³$� FDSLWDO� RIHUHFLD� DLQGD� DRV� UHFpP�FKHJDGRV� XP� HVSHWiFXOR� PDJQtILFR�9LYLD�VH�GRV� UHVWRV�GDTXHOH�GHVOXPEUDPHQWR�H�DJLWDomR��HSRSpLD�GH�RXURGD�FLGDGH�H�GR�PXQGR��SRUTXH�D�LPSUHVVmR�WRWDO�p�TXH�R�PXQGR�LQWHLUR�HUDDVVLP�PHVPR��&HUWR��QmR�OKH�HVTXHFHVWH�R�QRPH��HQFLOKDPHQWR��D�JUDQGHTXDGUD�GDV�HPSUHVDV�H�FRPSDQKLDV�GH�WRGD�HVSpFLH��4XHP�QmR�YLX�DTXLORQmR� YLX� QDGD��&DVFDWDV� GH� LGpLDV�� GH� LQYHQo}HV�� GH� FRQFHVV}HV� URODYDPWRGRV�RV�GLDV��VRQRUDV�H�YLVWRVDV�SDUD�VH�ID]HUHP�FRQWRV�GH�UpLV��FHQWHQDVGH�FRQWRV��PLOKDUHV��PLOKDUHV�GH�PLOKDUHV��PLOKDUHV�GH�PLOKDUHV�GH�PLOKDUHVGH�FRQWRV�GH�UpLV��7RGRV�RV�SDSpLV��DOLiV�Do}HV��VDtDP�IUHVFRV�H�HWHUQRV�GRSUHOR�� (UDP� HVWUDGDV� GH� IHUUR�� EDQFRV�� IiEULFDV�� PLQDV�� HVWDOHLURV�QDYHJDomR�� HGLILFDomR�� H[SRUWDomR�� LPSRUWDomR�� HQVDTXHV�� HPSUpVWLPRV�WRGDV�DV�XQL}HV�� WRGDV�DV�UHJL}HV�� WXGR�R�TXH�HVVHV�QRPHV�FRPSRUWDP�HPDLV�R�TXH�HVTXHFHUDP��7XGR�DQGDYD�QDV� UXDV�H�SUDoDV�� FRP�HVWDWXWRV�RUJDQL]DGRUHV� H� OLVWDV�� /HWUDV� JUDQGHV� HQFKLDP� DV� IROKDV� S~EOLFDV�� RVWtWXORV�VXFHGLDP�VH��VHP�TXH�VH�UHSHWLVVHP��UDUR�PRUULD��H�Vy�PRUULD�R�TXHHUD�IURX[R��PDV�D�SULQFtSLR�QDGD�HUD�IURX[R��&DGD�DomR�WUD]LD�D�YLGD�LQWHQVDH� OLEHUDO�� DOJXPD�YH]� LPRUWDO�� TXH� VH�PXOWLSOLFDYD�GDTXHOD� RXWUD� YLGD� FRPTXH�D�DOPD�DFROKH�DV�UHOLJL}HV�QRYDV��1DVFLDP�DV�Do}HV�D�SUHoR�DOWR��PDLVQXPHURVDV�TXH�DV�DQWLJDV�FULDV�GD�HVFUDYLGmR��H�FRP�GLYLGHQGRV� LQILQLWRV�3HVVRDV� GR� WHPSR�� TXHUHQGR� H[DJHUDU� D� ULTXH]D�� GL]HP� TXH� R� GLQKHLUREURWDYD�GR�FKmR��PDV�QmR�p�YHUGDGH��4XDQGR�PXLWR��FDtD�GR�FpX�´

Nas palavras de Heitor Malheiros, ³����WRGRV�MRJDUDP��R�QHJRFLDQWH��R�PpGLFR�R� MXULVFRQVXOWR�� R� IXQFLRQiULR� S~EOLFR�� R� FRUUHWRU�� R� ]DQJmR�� FRP� SRXFR� SHF~OLRSUySULR��FRP�PXLWR�SHF~OLR�DOKHLR��FRP�DV�GLIHUHQoDV�GR�iJLR�H�TXDVH�WRGRV�FRP�DFDXomR�GRV�SUySULRV� LQVWUXPHQWRV�GR� MRJR´. O colapso ocorreu, como usualmenteem tais casos, repentinamente, em 1892; processos judiciais se arrastarampenosamente por muitos anos, já que as sociedades anônimas não eramsubmetidas ao regime falimentar, mas a um instituto próprio da lei de 1882,denominado “liqüidação forçada”. Depois da tempestade, alguns ajustes foramefetuados na legislação: a emissão de debêntures foi regulada (1893); associedades anônimas foram, finalmente, submetidas ao regime falimentar (1908),mas, no geral, a lei de 1882 continuou gerindo a matéria. Após a promulgação doCódigo Civil, em 1916, houve que se esperar até à edição do Decreto-Lei 2.627, de1942, para que os principais pontos referentes às sociedades anônimas fossematualizados e adaptados às novas tendências da industrialização que avançava; tal

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decreto teve vida longa, pois somente cessou de vigir com a nova lei das S.A.’s, a lei6.404, de 1976.

A sombria herança do Encilhamento, de certa forma, ainda domina associedades que, no Brasil, se denominam “anônimas”; a questão da confiabilidadedas demonstrações contábeis, bem como o problema crucial da separação entre ossócios e os administradores, para todos os efeitos, fez com que as sociedadesanônimas no país fossem muito mais uma forma do que uma real substância; a idéiado público em geral de que as ofertas de ações tinham, quase sempre, o intuito deenganar os investidores (pode-se considerar isso como algo incrustado noinconsciente coletivo a partir da terrível experiência que o público sofreu por ocasiãodo Encilhamento), a atração que os títulos da dívida pública exerciam (e aindaexercem), a mentalidade patrimonialista e, mesmo, a constituição da sociedade porquotas de responsabilidade limitada (a qual forneceu aos empreendedoressegurança aliada à possibilidade de gestão do negócio), tudo isso foi responsávelpela deformação do conceito de sociedade anônima, a qual, no Brasil, muitas vezes,nada tem de anônima.

A desconfiança com relação às anônimas e a necessidade que sentiam ospequenos e médios empreendedores (principalmente comerciantes, mas também, ecrescentemente, os industriais, muitos deles imigrantes, nos novos pólos do Rio deJaneiro e de São Paulo) fez com que a definição legal das sociedades por quotas deresponsabilidade limitada seguisse um ritmo relativamente rápido e coerente. As leisalemã (de 1892), portuguesa (de 1901) e austro-húngara (de 1906), bem como oreconhecimento das SULYDWH�FRPSDQLHV inglesas (1900 e 1907) fizeram com que, emsetembro de 1918, o deputado gaúcho Joaquim Luís Osório apresentasse à Câmarados Deputados um projeto de lei versando sobre o assunto, ³D�H[HPSOR�GR�TXH� MiH[LVWH� HP� OHJLVODo}HV� HVWUDQJHLUDV�� QRWDGDPHQWH� QD� ,QJODWHUUD�� 3RUWXJDO� H$OHPDQKD´. Argumentou ainda que não se devia esperar para que o assunto fossetratado por ocasião do novo Código Comercial, porque a aprovação daquele seriafatalmente demorada. O projeto de Osório, aprovado pela Câmara e pelo Senadosem emendas e sem discussão, converteu-se no decreto nº 3.708, de 10 de janeirode 1919.

7pFQLFDV�&RQWiEHLV�H�R�3ULQFtSLR�GD�(QWLGDGH

O autor deste trabalho crê ter podido demonstrar, nos itens anteriores, que oconceito da personalidade jurídica, tal como entendido modernamente, não seconstituiu nem numa idéia inata, evidente desde o princípio dos tempos, e nemnuma construção jurídica H[�QLKLOR, mas sim no resultado final de uma longuíssimaevolução histórica, sempre burilada pelas condições sociais e econômicas vigentesem cada época. Ou seja, crê-se ter-se podido demonstrar que o conceito depersonalidade jurídica é relativo, subjacente e subserviente ao tecido social, nemexistindo de forma independente e nem (muito menos) se opondo às necessidadesdo corpo social. Foram, com efeito, as necessidades sociais que engendraram seudesenvolvimento, e as inumeráveis inovações em relação ao senso comum que sãoimplícitas em seu conceito somente podem se sustentar quando são úteis aoprogresso da sociedade.

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Se, assim, a personalidade jurídica em sua forma mais abstrata é o resultadode evoluções sucessivas, constituindo-se em delicada construção teórica, astécnicas de registro patrimonial das atividades desses entes corporificadosencontram-se, desde há muito, codificadas e aceitas em suas linhas gerais. Não sequer aqui insinuar a ausência de evolução nas técnicas contábeis, o que seria umerro grosseiro; contudo, os SULQFtSLRV� EDVLODUHV da escrituração das variaçõespatrimoniais ocorridas ao longo da vida operacional das sociedades, fossem ou nãofossem elas reconhecidas como entes corporificados, quedam-se já estabelecidos esubstancialmente inalterados desde há muito. Essa característica, a qualprocuraremos demonstrar a partir de agora, fornece, surpreendentemente, uma basemais genérica em que se pode assentar o funcionamento das empresas.

Da mesma forma que é na sociedade romana que se buscam os primeiroselementos formativos do conceito da personalidade jurídica, é nela também que seencontra um arcabouço já complexo de técnicas de escrituração patrimonial. Emmuitos casos, os registros contábeis possuíam fé pública, mesmo quandoconfeccionados por particulares. A partir de agora, analisar-se-ão as práticascontábeis romanas, os contratos chamados “literais” e o papel dos banqueiros(DUJHQWDULL) no estabelecimento de padrões de escrituração contábil; logo após, àguisa de conclusão, falar-se-á da ulterior evolução dos conceitos das partidasdobradas e do princípio da entidade.

$�&RQWDELOLGDGH�5RPDQD

Ao menos os chefes-de-família importantes, os comerciantes, os publicanos eos banqueiros possuíam, em Roma, um cuidadoso acompanhamento dos atos efatos que alteravam o seu patrimônio e/ou negócio, devotando cuidado e importânciaàqueles documentos os quais já podem ser denominados de livros contábeis.

Sobre o diligente e cuidadoso acompanhamento das variações patrimoniaistem-se um testemunho simples e direto, por exemplo, na obra de Catão, o Censor(234 – 149 a.C.), “Sobre as Coisas do Campo” ('H�5H�5XVWLFD); em seu capítulo 2º,faz notar que:

³'HYHUi�VHU�FRQIHFFLRQDGR�R�UHODWyULR�GR�QXPHUiULR��GR� WULJR�DUPD]HQDGR�GH�WRGDV�DV�SURYLV}HV�GH�IRUUDJHP��GRV�YLQKRV�H�GR�D]HLWH��WRPDU�VH�i�QRWDGH� WXGR�R�TXH� IRL�YHQGLGR��EHP�FRPR�GH� WXGR�R�TXH�VH�SDJRX��GH� WXGR�RTXH�VH�WHP�SDUD�UHFHEHU�H�GD�SURGXomR�D�VHU�DLQGD�YHQGLGD�´

Sobre a importância atribuída à escrituração contábil, basta citar Cícero (106– 43 a.C.), que, no seu discurso contra Verres, o corrupto governador da Sicília, paradirigir-lhe o ataque e, com fina ironia, insinuar sua improbidade, asseverou que³RXYLPRV�IDODU�GH�DOJXpP�TXH�MDPDLV�FRQIHFFLRQRX�VHXV�OLYURV�FRQWiEHLV” (“DXGLPXVDOLTXXP�WDEXODV�QXPTXDP�FRQIHFLVVH”). Mas que livros, ou registros (WDEXODH), eramesses?

A partir de uma série de evidências, a maioria delas literárias e legais, podemser reconstituídos tais livros, ao menos em suas linhas gerais. Um deles, com

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certeza, era o assim denominado /LEHOOXP�)DPLOLDH, ou, às vezes, /LEHU�3DWULPRQLL(“Registro Familiar”, ou “Registro Patrimonial”, que mais não era do que uminventário, tornado obrigatório pela reforma tributária do ano 67 a.C., utilizado para ocálculo da incidência dos impostos sobre propriedades); em outros dois podem serpercebidos claramente os antepassados do Diário e do Razão. Mais uma vez,recorre-se a Cícero, e a uma de suas arengas, “Em Defesa de Quinto Róscio, o AtorCômico” �3UR�4XLQWR�5RVFLR�&RPPRHGR), pronunciada em 77 a.C.; pela sua clarezae importância no esclarecimento do assunto, citam-se os parágrafos 5º a 7º dareferida obra:

³>�@�(OH�DOHJD�HVWDU�HX�GHPDVLDGR�SUHRFXSDGR�FRP�RV�UHJLVWURV�>WDEXOLV@��HFRQIHVVD� TXH�� HPERUD� WDO� VRPD� QmR� FRQVWH� HP� VHX� OLYUR� GH� HQWUDGDV� HVDtGDV�� HOD� HVWi� UHJLVWUDGD� HP� VHX�GLiULR� >QRQ� KDEHUH� VH� KRF� QRPHQ� LQFRGLFHP�DFFHSWL�HW�H[SHQVL� UHODWXP�FRQILWHWXU��VHG� LQ�DGYHUVDULLV�SDWHUHFRQWHQGLW@�� �2UD��DFDVR�pV� WX� WmR�VHJXUR�GH� WL�� RX� WHQV�GH� WL� XPD� LGpLD� WmRPDJQtILFD�� D� SRQWR� GH� QRV� SHGLUHV� GLQKHLUR� QmR� EDVHDQGR�WH� HP� WHXVUHJLVWURV��PDV�DSHQDV�HP�WXDV�DQRWDo}HV"�$SHODU�D�UHJLVWURV��DR� LQYpV�GHIRUQHFHU� WHVWHPXQKDV�� Mi� p� DOJR� WHPHUiULR�� EDVHDU�VH� WmR�VRPHQWH� HPPHUDV�DQRWDo}HV� Mi�EHLUD�D� ORXFXUD�� >�@�6H�R�GLiULR� WHP�R�PHVPR�JUDX�GHDXWRULGDGH��H�p�FRQIHFFLRQDGR�FRP�R�PHVPR�FXLGDGR�TXH�RV�UHJLVWURV��SDUDTXr� PDQWHU� XP� OLYUR� GH� HQWUDGDV� H� VDtGDV"� 3DUD� TXr� FRQIHFFLRQDUFXLGDGRVDPHQWH� OLVWDJHQV"� 3DUD� TXr� PDQWHU� QRV� HVFULWRV� XPD� RUGHPFULWHULRVD��RX�FRQVHUYDU�DUTXLYDGRV�RV�UHJLVWURV�GDV�WUDQVDo}HV�SDVVDGDV"6H� DGRWDPRV� R� FRVWXPH� GH� FRQIHFFLRQDU� OLYURV� GH� HQWUDGDV� H� VDtGDV�� pSRUTXH�QmR�SRGHPRV�QRV�ILDU�WmR�VRPHQWH�HP�UHJLVWURV�GLiULRV��H�VHUi�TXHDTXLOR�TXH�p�FRQVLGHUDGR�WHPHUiULR�SRU�VLPSOHV�LQGLYtGXRV�SRGH�VHU�OHYDGRD�VpULR�SRU�MXt]HV"�>�@�3RLV��TXDO�D�UD]mR�GH�FRQIHFFLRQDUPRV�RV�GLiULRV�GHIRUPD� TXDVH� QHJOLJHQWH�� DR� SDVVR� TXH� VRPRV� WmR� ULJRURVRV� QRV� QRVVRVOLYURV�GH�HQWUDGDV�H�VDtGDV"�4XDO�D�UD]mR"�$�UD]mR�p�TXH�DV�DQRWDo}HV�GRVGLiULRV� VmR� IHLWDV� SDUD� GXUDU� XP� PrV�� DR� SDVVR� TXH� DV� GRV� OLYURV� GHHQWUDGDV� H� VDtGDV� VmR� SDUD� WHPSR� LQGHWHUPLQDGR�� DTXHODV� VmRGHVFDUWiYHLV��HVWDV�VmR�SHUPDQHQWHV��DTXHODV�UHIHUHP�VH�D�FXUWRV�SHUtRGRVGH�WHPSR��HVWDV�D�WRGD�XPD�YLGD�KRQHVWD��DTXHODV��DR�ILP�GH�XP�SHUtRGR�VmR� HOLPLQDGDV�� HVWDV� VmR� PDQWLGDV� HP� RUGHP�� � 3RUWDQWR�� QmR� Ki� UD]mRSDUD� VH� OHYDU� HP� FRQWD� RV� GLiULRV� FRPR� SURYDV� GLDQWH� GH� XP� WULEXQDO�VRPHQWH� RV� UHJLVWURV� FXLGDGRVRV�� H� DV� HQWUDGDV� QRV� OLYURV�� SRGHP� VHUFRQVLGHUDGRV�´

A situação torna-se, assim, clara: os registros patrimoniais (WDEXODH), além deinventários de bens (OLEHOOL ou OLEUL), incluíam livros (ou melhor, coleções) deanotações de entradas individuais, DGYHUVDULD, claramente os antepassados do livroDiário, e, mais importante de todos, o livro de entradas e saídas (FRGH[�DFFHSWL�HWH[SHQVL), mais claramente ainda o antepassado do livro Razão. Os próprios nomesempregados são bastante sugestivos. /LEHU é a palavra latina para um rolo depapiro, ou de pergaminho, um documento finito e não muito extenso; OLEHOOXP é odiminutivo de OLEHU (assim, o Registro Patrimonial era uma enumeração, um rol,passado a limpo, do patrimônio da família, ou da associação, ou da sociedade, istoé, dos bens adscritos a uma família, FROOHJLXP ou VRFLHWDV); DGYHUVDULD, um pluralneutro, sem a indicação de um conjunto unificador, denota uma mera coleção ouenumeração DG� KRF, não passada a limpo (e, portanto, sem ser um OLEHU, ou umOLEHOOXP), mas orgânica, continuamente alimentada com dados mais recentes etambém continuamente expurgada dos dados mais antigos, à medida em que estesdeixavam de ter utilidade, pela extinção de suas obrigações; enfim, FRGH[,

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tecnicamente, é a palavra que denotava não papiro ou pergaminho enrolados, maspergaminho cortado (o tamanho de pergaminho padrão, nesses casos, erausualmente cortado em quatro partes, daí a denominação TXDWHUQLXP, origem dapalavra FDGHUQR; um FRGH[ formava-se a partir de vários TXDWHUQLD), constituindo-senuma enumeração cuidadosa, ordenada e progressiva, enfim, um rol cronológicoextenso, passado a limpo e ao qual, progressivamente, acrescentavam-se novosTXDWHUQLD. A própria nomenclatura empregada esclarece o formato e a funçãodesses registros patrimoniais, e coadunam-se perfeitamente com as informaçõesque são obtidas a partir do discurso de Cícero citado mais acima.

Eis, pois, que, na sociedade romana, antes mesmo do regime imperial, já seencontravam, não em forma embrionária, mas em estágio bastante evoluído, osinventários, os relatórios diários e os livros de entradas e saídas (antepassados doRazão). Nesses livros de entradas e saídas eram anotados, em colunas distintas,tudo aquilo que resultasse em aumento patrimonial (coluna das entradas, ou dosrecebimentos, ou das quantias tomadas emprestado, $FFHSWD) e tudo aquilo queresultasse em diminuição patrimonial (coluna das saídas, ou dos pagamentos, oudas quantias emprestadas, ([SHQVD). Dessarte, quando alguém, por exemplo,emprestasse dez sestércios a Tício, anotava na coluna dos ([SHQVD: ([SHQVXP7LWLR�+6�GHFHP�H[�PXWXR. Se, por acaso, recebia de Mévio cem sestércios por umavenda efetuada, anotava na coluna dos $FFHSWD: $FFHSWXP�D�0DHYLR�+6�FHQWXP�H[YHQGLWR. Tais operações comuns, realmente efetuadas, que correspondiam aentradas e saídas efetivas de numerário, eram denominadas QRPLQD� DUFDULD(literalmente: “anotações referentes a numerário”); tais operações não geravamobrigações, sendo apenas de índole comprobatória; mas não eram essas operaçõessimples, contudo, as únicas registradas nos FRGLFHV�DFFHSWL�HW�H[SHQVL.

2V�&RQWUDWRV�/LWHUDLV�QR�'LUHLWR�5RPDQR

De fato, além das operações reais (QRPLQD� DUFDULD) descritas acima, eramregistradas nos livros de entradas e saídas operações de caixa fictícias (QRPLQDWUDQVFULSWLFLD, literalmente “anotações referentes a transferências escritas”) as quais,ao contrário das operações reais, davam origem a obrigações. Esses lançamentosfictícios, verdadeiros jogos contábeis, constituíam os assim denominados contratosliterais (OLWWHUDUXP�REOLJDWLRQHV), isto é, contratos que se originavam de um conjuntode lançamentos escriturais. De acordo com o Direito Romano, uma vez havendocorrespondência entre os lançamentos nos FRGLFHV� DFFHSWL� HW� H[SHQVL das duaspartes envolvidas, estabelecia-se uma relação jurídica de cunho totalmente abstrato,que podia ser celebrada inclusive entre ausentes (bastava que ambas as partesregistrassem devidamente, em seus livros contábeis, os lançamentos convenientes;uma podia estar em Roma, outra em Alexandria, e a avença realizava-se, mesmoassim), susceptível de termo, mas não de condição. Tais características,principalmente o fato de poderem ser celebradas entre ausentes, tornou interessantea muitos, principalmente negociantes, transformar uma série de contratos comunsem obrigações literais; tal metamorfose era efetuada mediante artifícios contábeis,que podiam ser de dois tipos.

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O primeiro era denominado WUDQVFULSWLR� D� UH� LQ� SHUVRQDP, e, por ele,transformava-se um contrato não-literal num contrato literal. Assim: “B” devia a “A”,por um contrato de compra e venda, determinada quantia em dinheiro, “X”. Semreceber nada de “B”, “A” inscrevia na sua coluna $FFHSWD um recebimento de “X” daparte de “B”, proveniente de um contrato de compra e venda, e, ao mesmo tempo,registrava na sua coluna ([SHQVD um empréstimo de “X” ao próprio “B”. O primeirolançamento anulava o empréstimo original de compra e venda; o segundo criava umcontrato literal de empréstimo; desse modo, um contrato de compra e vendatransformava-se num contrato literal de igual valor.

O segundo denominava-se WUDQVFULSWLR�D�SHUVRQD�LQ�SHUVRQDP, e possibilitavaa substituição de um devedor por outro. Assim: “B” devia a “A” uma quantia “X”; poroutro lado, “C” devia a “B” essa mesma quantia “X”. Sem receber de “B” a quantiadevida, “A” registrava na sua coluna de $FFHSWD o recebimento dessa quantia “X” de“B”; esse lançamento anulava a dívida de “B” para com “A”. Imediatamente, “A”registrava na sua coluna de ([SHQVD um empréstimo dessa mesma quantia “X” a“C”. Desse modo, “A”, que antes era credor de “B”, tornava-se agora credor de “C”,e “B” desembaraçava-se de sua dívida para com “A” transferindo-lhe seu créditopara com “C”.

Os contratos literais tiveram uma história semelhante à das VRFLHWDWHVSXEOLFDQRUXP: experimentaram uma lenta decadência a partir do séc. II, conforme sedepreende dos fragmentos conservados das “Instituições” de Gaio, estandovirtualmente já extintos no séc. IV, de acordo com o informado pelo escoliasta deCícero conhecido como o “pseudo-Ascônio”, no seu comentário a respeito dodiscurso “Contra Verres”.

Deve-se, porém, ter em mente que tal declínio dizia respeito ao aspectojurídico do contrato, não às técnicas de registro patrimonial, ou seja, às técnicascontábeis; as REOLJDWLRQHV� OLWWHUDUXP caíram paulatinamente em desuso devido aodesenvolvimento, inicialmente fora do âmbito do Direito Romano, dos chamadoscontratos literais estrangeiros, que podiam ser de dois tipos: as V\QJUDSKDH(���������, literalmente “escritos em conjunto”, subentendendo-se “escritos emvárias cópias”) e os FKLURJUDSKD (����������, literalmente “escritos a mão”,subentendendo-se “escritos com a própria mão”). Esses dois tipos de documentosoriginaram-se no Oriente helênico, onde o grego era a língua da cultura, do comércioe das comunicações, como indicam os seus nomes, que os jurisconsultos romanosnem sequer se deram ao trabalho de traduzir, mas apenas de transliterar. Eram,como se chamariam hoje, contratos particulares, sem o formalismo que o DireitoRomano exigia na celebração dos contratos, a VWLSXODWLR (pacto solene, comtestemunhas, em presença do magistrado); à luz do Direito Romano, quando secelebrava um contrato sem as formalidades da VWLSXODWLR, tal avença tinha apenasvalor comprobatório, mas não era gerador de direitos e nem de obrigações. Aquestão, contudo, era diferente no que tocava aos estrangeiros, isto é, aos que nãoeram cidadãos romanos; os jurisconsultos romanos admitiam que, entre eles, assimples declarações escritas, sem as formalidades da VWLSXODWLR, podiam revestir-senão apenas de caráter comprobatório, mas também gerar efetivamente direitos eobrigações.

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Gaio (Instituições, livro 3º, parágrafo 134) menciona tanto as V\QJUDSKDHquanto os FKLURJUDSKD, admitindo-os como geradores de obrigações e notandoserem apenas próprios de estrangeiros (SHUHJULQL), mas não explica a diferença entreesses dois tipos de contratos. É ao pseudo-Ascônio, no já citado comentário aodiscurso de Cícero “Contra Verres”, que se deve a distinção, confirmada por váriosachados papirológicos no Egito. As V\QJUDSKDH eram documentos formais,redigidos na terceira pessoa, e que listavam detalhadamente o objeto do contrato eos direitos e obrigações de todas as partes, ficando cada parte com uma cópia; osFKLURJUDSKD eram documentos redigidos na primeira pessoa, pelo próprio punho dodevedor, ou, ao menos, por ele assinados, nos quais este confessava uma dívida;possuíam apenas uma via, que ficava em poder do credor, e o objeto ou a razão dadívida não precisavam ser discriminados, mas tão-somente o valor da dívida e adata (ou datas) e formas de pagamento.

O destino desses dois institutos foi diferente: as V\QJUDSKDH desapareceramapós a Constituição Antoniniana, de 212 d.C., quando a cidadania romana foiestendida a todos os homens livres do Império, passando os contratos a ser regidosexclusivamente pelo Direito Romano; os FKLURJUDSKD, por outro lado, foram aceitos eabsorvidos pelo Direito Romano, sendo igualados à VWLSXODWLR e funcionando comonotas promissórias, dando origem a partir daí aos títulos de crédito. A expressão“credores quirografários”, ainda hoje utilizada, surgiu de tal evolução.

Desse modo, os lançamentos contábeis foram perdendo terreno no campojurídico, não porque o registro patrimonial se tornasse menos importante ou menossofisticado, mas porque aos registros contábeis aliaram-se os títulos de crédito(FKLURJUDSKD), que muito agilizaram as transações. Que o grau de complexidade ede sofisticação dos registros patrimoniais (inventários, diários e livros de entradas esaídas) não apenas se manteve, mas até mesmo avançou, é confirmado pelareforma tributária levada a efeito pelo Imperador Diocleciano (284 – 305 d. C.): osimpostos deixaram de ser cobrados em valores absolutos, mas em função daqualidade do solo e do tipo de cultivo nele desenvolvido, bem como em função dotipo e da complexidade do serviço prestado. Novos cadastros foram levantados, nosquais toda a técnica dos inventários e dos livros de entradas e saídas foi aplicadapara o equilíbrio entre receitas (DFFHSWD) e despesas (H[SHQVD). A própriamanutenção das técnicas contábeis ao longo de todo o Império é tambémconfirmada não apenas nos novos usos burocráticos (que, sem dúvida, após asgrandes invasões bárbaras que, no Ocidente, desmantelariam o Estado imperialcentralizado, legar-se-iam aos administradores dos bens eclesiásticos, os quais,posteriormente, as transmitiriam aos novos governos locais e aos novoscomerciantes), mas também pela atividade ininterrupta, ao longo de todo o Império,e até aos inícios da Idade Média, dos banqueiros

2�3DSHO�GRV�%DQTXHLURV��$UJHQWDULL�

Quando, no presente trabalho, apresentou-se a VRFLHWDV� SXEOLFDQRUXP,comentou-se rapidamente acerca dos banqueiros (���������� em grego;DUJHQWDULL ou WUDSH]LWDH, essa última palavra simples transliteração, em latim), como

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homens de negócios que se dedicavam à administração do dinheiro; na ocasião,fez-se questão de diferenciar DUJHQWDULL de SXEOLFDQL, embora o inter-relacionamentoentre as duas categorias fosse bastante freqüente. Esses DUJHQWDULL eramempresários privados, que, via de regra, realizavam, concomitantemente, quatrotipos distintos de serviços: D� SHUPXWDWLR, ou câmbio, trocando moeda romana pormoeda estrangeira, ou moeda emitida pelo governo romano por moeda emitidapelas várias cidades ou reinos-clientes que tinham tal privilégio, e vice-versa; E�guarda e administração de recursos de terceiros, do qual falar-se-á mais abaixo; F�SUREDWLR� QXPPRUXP, ou seja, verificação do teor de metal precioso nas moedas,atestando-lhes o valor intrínseco; o veredicto de um DUJHQWDULXV, a esse respeito, erareconhecido como o parecer de um especialista; G� VROLGRUXP� YHQGLWLR, ou seja, aobrigação que o Estado lhes impunha de trocarem o numerário antigo pelo recém-cunhado, fazendo-o circular pelo público; seria como que um serviço de renovaçãodo meio circulante.

Essa última obrigação, em tempos difíceis, podia gerar situaçõesconstrangedoras. Na crise do séc. III, com a rápida e contínua desvalorização damoeda (redução do teor de prata do denário), os banqueiros recusavam-se a trocaras moedas antigas pelas novas, a não ser com ágio, o que sempre acabavamconseguindo. Mas, de todas as atividades dos DUJHQWDULL, a mais importante era a daguarda e administração dos recursos de terceiros.

De fato, uma pessoa podia confiar uma determinada soma à guarda de umDUJHQWDULXV, como um depositário seguro, ou para que este fizesse um pagamentofuturo, em seu nome; nesse caso, a soma chamava-se GHSRVLWXP, não haviapagamento de juros, podendo mesmo o banqueiro cobrar uma taxa deadministração, geralmente muito pequena. Ou então (o que era mais comum) umapessoa podia confiar a um DUJHQWDULXV determinada soma, para que ele a aplicasse.Nesse caso, a quantia chamava-se FUHGLWXP; o banqueiro pagava ao depositantejuros pactuados de antemão, e tinha o direito de empregar o dinheiro em qualqueratividade lucrativa lícita que julgasse conveniente. Enfim, um DUJHQWDULXV, naadministração do dinheiro de seus depositantes, podia emprestá-lo a outros,mediante pagamento de juros. Nota-se que, para levar a efeito todas essasoperações, tinha que possuir uma escrita contábil cuidadosa, ordenada e detalhada.Muitos autores romanos (Cícero, Suetônio, Plínio o Velho, Aulo Gélio, Aurélio Vítor,apenas para citar alguns) repetidamente fazem menção aos seus registros contábeis(WDEXODH) meticulosos e confiáveis, bem como elogiam a sua honestidade, prudênciae eficiência ao lidar com os recursos a eles confiados. Tudo isso soaria incrível nosdias de hoje, se não se dispusesse, além desses testemunhos literários dos autoresclássicos, confirmações adicionais de outras duas fontes: a legislação e os Padresda Igreja.

De fato, os registros contábeis (WDEXODH) mantidos pelos DUJHQWDULL eramconsiderados documentos de fé pública, servindo como meios comprobatóriosinquestionáveis de uma dívida; mais ainda, a apresentação desses registros emtribunal, quando solicitados ou citados por alguém (mesmo que não fosse cliente deum DUJHQWDULXV), tendo por objetivo a sua defesa numa causa, era obrigatória (obanqueiro não podia negar-lhes publicidade), e o ato de defender-se com uma prova

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assim apresentada era chamado HGHUH (Digesto, livro 2º, título 13, fragmento 1º, deUlpiano, parágrafo 1º) ou SURIHUUH�FRGLFHP (Digesto, livro 2º, título 13, fragmento 6º,de Ulpiano, parágrafos 7º e 8º).

No próprio Evangelho de Mateus, na parábola do homem rico que confiadinheiro a seus empregados, para que o apliquem, o serviçal preguiçoso, quesimplesmente enterra a soma a ele confiada, é asperamente recriminado pelopatrão, na sua volta, com a lembrança de que bastava-lhe confiar a quantia a umbanqueiro, para que a recebesse depois com juros (Mateus, cap. 25, vers. 27; vertambém Lucas, cap. 19, vers. 23). Essa confiança perpassa igualmente em váriosdos escritos dos Padres da Igreja, quer gregos, quer latinos, e de várias épocas: SãoJerônimo (c. 347-420 d.C.) a eles se refere como SUREL� WUDSH]LWDH (“banqueiroshonestos”) e SUXGHQWLVVLPL� WUDSH]LWDH (“os muitíssimo prudentes banqueiros”); SãoCirilo de Alexandria (c. 380-444 d.C.) usa a expressão������������������� (“banqueiros sensatos”); o místico São JoãoClímaco (c. 525-606 d.C.), mestre da perfeição espiritual, fala do������O�����������O (“banqueiro excelente”); São João de Damasco(morreu c. 749 d.C.) os chama ������������������ (“banqueiroshonestos”); São Teodoro, abade do mosteiro de Estúdio, em Constantinopla (759-826 d.C.), a eles se refere como ���������������� (“banqueirosconfiáveis”); esses exemplos devem bastar.

$�(PHUJrQFLD�GD�0RGHUQD�&RQWDELOLGDGH�H�R�3ULQFtSLR�GD�(QWLGDGH

Crê-se ter demonstrado no item anterior, quase à exaustão, o fato de que astécnicas contábeis já se encontravam singularmente evoluídas na sociedaderomana; desde o séc. III a.C. há evidências de cuidado e método na elaboração deregistros que espelhem as mutações patrimoniais; no séc. I a.C., época de Cícero, jádispunha a sociedade romana de livros contábeis específicos e bastante próximosdos atuais (inventários, ocorrências diárias, livro de entradas e saídas); essa técnicae esses registros passaram progressivamente dos comerciantes e banqueiros àburocracia estatal que se constituiu a partir do estabelecimento do regime imperial,sob Augusto, e evidencia-se no fato de, logo após a superação da crise do séc. III, oImperador Diocleciano poder realizar uma profunda reforma fiscal, tornando amáquina arrecadadora mais profissional e mais técnica. Paralelamente, aininterrupta atividade dos banqueiros, com seus registros contábeis complexos,detalhados, confiáveis e mesmo reconhecidos juridicamente como meios de prova,atividade essa que se estendeu desde, pelo menos, o séc. II a.C. até ao séc. VIII ouIX d.C., mostra que tais técnicas puderam ser não apenas mantidas, mas tambémpassadas adiante no início da Idade Média.

Assim, as técnicas contábeis já estavam suficientemente maduras numaépoca em que a personalidade jurídica ainda engatinhava e se mostrava, na melhordas hipóteses, embrionária. De fato, todos os seus elementos constituintes já seencontravam bastante desenvolvidos no final do Império Romano. A grandecontribuição do período seguinte foi a união de todas essas técnicas num novoprincípio, o da entidade, o qual desenvolveu-se paralela e distintamente ao conceitoda personalidade jurídica dos entes corporificados.

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Se, em geral, os registros (WDEXODH) de um negociante comum podiam seconfundir (e, de fato, quase sempre se confundiam) com o seu patrimônio pessoal,todas as inferências parecem se dar em sentido contrário com relação aos DUJHQWDULL,e isso porque seus registros diziam respeito, quase que exclusivamente, a dinheirode terceiros a eles confiados. Essa separação potencial entre os bens pessoais dosDUJHQWDULL e os seus registros, essa posição dos livros contábeis dos banqueirosnuma posição neutra e não tendenciosa com relação a seus clientes, é quejustificava, no fundo, a confiança de que gozavam (e da qual se forneceram váriostestemunhos no item anterior) e a faculdade de servirem como meio de provainconteste nos tribunais. Nos registros dos DUJHQWDULL, bem como, indubitavelmente,nos dos FROOHJLD, mantidos por seus membros ou elaborados em seu nome porDUJHQWDULL (não se deve esquecer que os FROOHJLD podiam possuir propriedades ereceber legados, bem como coletar contribuições de seus membros; nada maisnatural que pusessem seus recursos monetários para render, utilizando os serviçosde DUJHQWDULL; os banqueiros, aliás, tinham permissão do Estado para se reuniremnum FROOHJLXP, suficientemente rico para construir um monumento no Velabro, emRoma: um arco de mármore conhecido como 3RUWD�$UJHQWDULRUXP) – enfim, nessesregistros e nos das associações encontra-se a origem e o desenvolvimento, jábastante adiantado, do conceito de um corpo econômico como DOJR�TXH�H[LVWH (istoé, uma HQWLGDGH) de pleno direito e que pode, da mesma forma que uma pessoa, ede maneira independente de seus membros, ou clientes, possuir WDEXODH. Muitoantes que se pudesse sonhar com a personalidade jurídica, finca raízes o princípiode que um ente corporificado, ao existir, pode possuir registros próprios paracontrolar suas variações patrimoniais – ou seja, registros contábeis.

Destruído o Império no Ocidente, dispersada sua burocracia, eliminados osseus cadastros fiscais, desorganizado o comércio, cessada ou muito reduzida aatividade dos banqueiros, a transição dos processos de registro contábil passa paraa Igreja; o processo de “micro-corporificação” de seus vários entes constituintes abreamplo campo à aplicação das velhas regras. Não pode ser simples coincidência ofato de, mesmo na Alta Idade Média, mesmo nos séculos VIII e IX, as ordensreligiosas se constituírem nos agentes econômicos mais eficientes e organizados,administrando a escassez de modo extraordinariamente eficaz, sabendo quantoplantar e quanto colher, investindo no longo prazo no aumento das fronteirasagrícolas, na construção de pontes, moinhos e lagares. Mais ainda, não pode sersimples coincidência a manutenção, mesmo nessas épocas de escassez de metalprecioso e de cunhagens caóticas e nada confiáveis, de um sistema fictício de contabaseado em moedas virtuais, definidas em termos de múltiplos e sub-múltiplos depesos em ouro (o sistema libra-soldo-dinheiro). Assim, não pode ser apenascoincidência a manutenção de tantas técnicas sofisticadas numa época tãoturbulenta.

Da Igreja, as técnicas de registro das variações patrimoniais percolaram paraa administração civil, bem como para os comerciantes, os novos comerciantes que,a partir do séc. XI, estavam se associando em companhias em nome coletivo e,depois, em comanditas. Não mais agindo individualmente, mas em conjunto,passaram a ter a necessidade de separar o patrimônio da companhia do patrimônio

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pessoal: DQWHV� GH� VHTXHU� YLVOXPEUDU� D� SRVVLELOLGDGH� GH� UHFRQKHFLPHQWR� GDSHUVRQDOLGDGH� MXUtGLFD�� D� FRPSDQKLD� SDVVRX� D� FRQWDU� FRP� UHJLVWURV� FRQWiEHLVSUySULRV�H�GLVWLQWRV�GRV�UHODWLYRV�DR�SDWULP{QLR�GH�VHXV�VyFLRV��PXLWR�DQWHV�GH�VHUXPD� SHVVRD� MXUtGLFD�� IRL� XPD� HQWLGDGH. Esse processo, evidentemente, nãoseguiu sem altos e baixos, mas sua tendência é inequívoca.

Também não pode ser simples coincidência o fato de tal processo se dar commais rapidez na região que aliava um desenvolvimento comercial e econômicodinâmico a uma herança profunda da antiga civilização romana, mediatizada pelaIgreja: a Itália do Norte. Lá, principalmente na região da Toscana, da qual Florençaera a mais importante cidade, bem como na Sereníssima República de Veneza, já seencontram nos governos municipais livros de receitas e despesas organizados, quepermitem inclusive que sejam efetuadas previsões orçamentárias, e, nascompanhias, OLEUL� GHOOH� UDJJLRQL (“livros de contas”, que registravam os aportes decapital, os ganhos, as retiradas e os empréstimos; eram livros de interesse exclusivodos sócios, e por isso também denominados OLEUL� VHJUHWL, “livros secretos”), OLEULGHOO¶HQWUDWH�H�GHOO¶XVFLWD (“livros de entradas e saídas”: a expressão é uma traduçãoliteral do antigo�FRGH[�DFFHSWL�HW�H[SHQVL romano; seria isso mais uma coincidência?)a partir da segunda metade do séc. XIII, dos quais logo se separaram os OLEUL�GHOOHFRPSHUH�H�YHQGLWH (“livros de compras e vendas”, para controle das mercadorias, ou,nas indústrias, das matérias-primas).

A partir dos inícios do séc. XIV, aparecem, pela primeira vez, evidências deregistros contábeis que separam os direitos das obrigações, as origens dos recursosdas suas aplicações, enfim, o $WLYR (aquilo que estava ativado, isto é, empregado) eo 3DVVLYR (aquilo que estava disponível, inerte, passivo, para aplicação); o que sepode afirmar com alguma certeza é que, por volta de 1300, Rinieri Fini,representante de uma casa bancária florentina nas feiras da Champanha, bem comoos comerciantes toscanos que operavam através de Nîmes, no sul da França, jáseparavam o Ativo e o Passivo; começava a surgir a escrituração por partidasdobradas. As contas do Ativo eram contas GHYHGRUDV, porque deviam sua existênciaa uma origem de recursos; as contas do Passivo eram FUHGRUDV, pois elasrepresentavam a origem dos recursos, acreditavam em outras contas, por assimdizer, fornecendo-lhes recursos. Pelos meados do séc. XIV, os algarismos arábicospassam, cada vez mais, a ser utilizados nos registros contábeis, logo deixando delado os números romanos e a escrituração narrativa. Em 1366, os cambistas deBruges passaram a dispor o Ativo e o Passivo em colunas paralelas, lado a lado,disposição essa que, muito provavelmente, copiaram dos italianos, já que, emFlorença, tal método de disposição do Ativo e do Passivo era conhecido como DOODYHQH]LDQD (“ao modo de Veneza”). Pelos finais do séc. XIV, a escrituração empartidas dobradas já era comum na Itália do Norte e na Flandres.

Assim, quando o frade franciscano Lucas Pacioli publicou, em Veneza, no anode 1494, sua célebre 6XPPD� GH� $ULWKPHWLFD�� *HRPHWULD�� 3URSRUWLRQL� H3URSRUWLRQDOLWi, já estava pisando terreno firme, sedimentado e conhecido. Suacontribuição foi a de um compilador e consolidador, não a de um inventor, o que,aliás, em nada diminui o seu mérito. Na parte que tratava de escrituração contábil,Pacioli fazia iniciar o registro contábil pelo inventário completo dos bens e direitos,

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registrando-se todas as variações patrimoniais subseqüentes em três livros, o livrode apontamentos (que consistia num livro a ser sempre deixado sobre o balcão, e noqual seriam transcritas todas as transações, com o maior número de detalhespossível), o livro diário (uma enumeração datada, cronológica e simplificada do livrode apontamentos, com todas as transações expressas numa mesma moeda) e olivro razão (onde se realizava a escrituração por partidas dobradas, sendo cadaocorrência do livro diário lançada duplamente). O inventário ligava-se DR� OLEHOOXPSDWULPRQLL romano; o livro de apontamentos e o diário ligavam-se aos DGYHUVDULD,sendo o diário um DGYHUVDULXP retocado e melhorado, um elo intermediário entre osimples registro e a escrituração; enfim, o livro razão ligava-se ao FRGH[�DFFHSWL�HWH[SHQVL, embora, obviamente, fosse muito mais complexo e poderoso do que o seuantecessor. Mas a ligação existia, e estava lá, até mesmo no modo como astransações eram registradas, com o uso da preposição denotando a origem dosrecursos (antepondo-se às contas credoras), da mesma forma que, nos diasromanos, a preposição era usada, nos $FFHSWD, denotando a origem das entradasde caixa.

Toda a moderna técnica contábil estava já estabelecida nos inícios do séc.XVI, resultado de uma evolução ininterrupta e coerente desde a época romana.Além disso, não apenas os entes legalmente corporificados, mas também asempresas ainda despersonalizadas legalmente eram entidades, seres especiais comvida própria, que podiam possuir (e possuíam) uma contabilidade distinta daquelaque pudessem ter as suas pessoas físicas constituintes. Quando se recorda que associedades anônimas apenas se libertaram da tutela do Estado nos meados do séc.XIX, e que as sociedades por quota de responsabilidade limitada somente surgirama partir dos finais daquele mesmo século, pode-se perceber o quão mais antigo,mais poderoso e mais coerente é o princípio da entidade, reconhecendo enteseconômicos como seres dotados de patrimônio e capazes de registrar metódica eordenadamente as suas mutações. As empresas não deixaram de existir, porséculos, apesar de lhes ser negada a personalidade jurídica e/ou a responsabilidadelimitada a seus sócios; sem o registro contábil, contudo, por mais simples ouprimitivo que fosse, nenhuma delas sobreviveria por muito tempo.

$�1DFLRQDOLGDGH�GDV�3HVVRDV�-XUtGLFDV

Quando se associa a uma empresa a personalidade jurídica, a ela igualmentese associam, por analogia, uma série de características oriundas de seu protótipo, apessoa física. As pessoas físicas nascem: as empresas são constituídas, ouincorporadas; as pessoas físicas morrem: as empresas são dissolvidas, ouliqüidadas. E, da mesma forma que uma pessoa física, a pessoa jurídica tambémpossui uma nacionalidade.

A nacionalidade é, para uma pessoa física, a garantia de direitos e a fonte dedeveres para com o Estado. Muito mais do que numa pessoa física, porém, anacionalidade, numa pessoa jurídica, deriva diretamente do reconhecimento de suapersonalidade por um Estado. Assim sendo, o princípio geral referente ànacionalidade das empresas é o seguinte: VRPHQWH�VH�SRGH�DWULEXLU�D�XPD�HPSUHVDD� QDFLRQDOLGDGH� GH� XP�(VWDGR� FXMDV� OHLV� D� UHFRQKHoDP. À luz desse princípio, é

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possível que uma pessoa jurídica possua várias nacionalidades, ou nenhuma, tendoem vista os diferentes critérios que os vários Estados podem utilizar para fixar anacionalidade. Igualmente à luz desse princípio, um determinado Estado podereconhecer a uma sociedade nacionalidade estrangeira, o que é algo extremamenteinteressante, e que não ocorre no caso das pessoas físicas. O Estado “X” podedefinir quem é cidadão desse país, mas não pode atribuir a determinada pessoauma outra nacionalidade; ele dirá apenas se alguém é ou não cidadão de “X”; temliberdade, tem autoridade, tem soberania, para definir, do modo que julgar maisconveniente, a quem concederá a cidadania; no caso de uma empresa, contudo,dependendo das circunstâncias, o Estado “X” pode não apenas decidir sedeterminada empresa tem ou não a nacionalidade de “X”, mas, igualmente, TXHQDFLRQDOLGDGH a empresa possui.

Tome-se um exemplo simples: um país “A” define a nacionalidade de umaempresa através do local de constituição e registro dos atos constitutivos; um país“B”, por outro lado, define a nacionalidade de uma empresa a partir da nacionalidadede seus sócios. Considere-se agora uma empresa “E”, formada por cidadãos de “B”,mas constituída em “A”. Essa empresa “E” será considerada, quer por “A”, quer por“B”, quer por um terceiro Estado “C”, como portando a nacionalidade do Estado “A”,porque lá se constituiu, e as leis de “A” definem a nacionalidade em termos deconstituição; também será considerada, quer por “A”, quer por “B”, quer por umterceiro Estado “C”, como portando igualmente a nacionalidade do Estado “B”,porque seus sócios são cidadãos de “B”, e as leis de “B” definem a nacionalidade emtermos de nacionalidade dos sócios; a empresa “E” teria, no caso, duasnacionalidades. Suponha-se agora que a empresa “E”, ao contrário, fosse formadapor cidadãos de “A”, mas constituída em “B”. Ela não poderia ser considerada, pornenhum Estado, como nacional de “A”, porque ela não se constituiu em “A”, e as leisde “A” definem a nacionalidade em termos de constituição, e não de nacionalidadedos sócios; igualmente, ela também não poderia ser considerada, por nenhumEstado, como nacional de “B”, porque seus sócios não são cidadãos de “B”, e as leisde “B” definem a nacionalidade em termos da nacionalidade dos sócios, e não delocal de constituição; nesse caso, a empresa “E” não teria nenhuma nacionalidade,porque nenhum Estado pode considerar uma empresa nacional de um outro emcontrariedade às leis desse outro.

Vários são os critérios utilizados para a fixação, por parte de um Estado, danacionalidade de uma empresa; todos eles têm pontos positivos e negativos. Trêsdeles, contudo, costumam ser os mais referidos e utilizados na prática: o critério daincorporação, o critério da sede social e o critério do controle. Tais critérios serãoanalisados a partir de agora.

2�&ULWpULR�GD�,QFRUSRUDomR��RX�&RQVWLWXLomR��RX�6HGH

De acordo com esse critério, a nacionalidade de uma sociedade é definidapelo local onde a sociedade se constituiu, ou seja, onde foi incorporada e legalmenteregistrada (e onde, usualmente, embora nem sempre, foram realizadas assubscrições de capital e elaborados os estatutos) . Esse princípio deriva,principalmente, da noção de que uma sociedade, embora podendo ser dotada de

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personalidade jurídica, é um ente fictício, que somente existe ao abrigo da lei (teoriadita “da ficção”, e cujo principal representante foi Friedrich Karl von Savigny,professor em Berlim e membro do Instituto de França; suas considerações a respeitoda personalidade jurídica encontram-se no 8º e último volume de sua obra 6\VWHPGHV� KHXWLJHQ� 5|PLVFKHQ� 5HFKWV, “Sistema do Direito Romano Atual”, de 1849).Sendo um ente fictício, cuja existência liga-se umbilicalmente a um ordenamentojurídico, a existência de uma empresa prende-se indelevelmente ao local onde seconstituiu, onde foi incorporada (isto é, onde ganhou corpo, onde passou a existirdentro do ordenamento jurídico). O Reino Unido e os Estados Unidos, com seusrespectivos matizes, seguem, em linhas gerais, esse critério.

No Reino Unido, a noção de nacionalidade ligada a uma empresa é bastanteantiga, sendo considerada nacional qualquer sociedade que tenha sido constituída(incorporada) de acordo com as leis inglesas. Desde inícios do séc. XVIII, o Direitoinglês reconhece, para fins postulatórios ativos nas cortes inglesas, a existência desociedades estrangeiras (somente em fins do séc. XIX, contudo, estendeu-se-lhes acapacidade postulatória passiva). Mais ainda, como a ligação a um determinadoordenamento jurídico define a existência da sociedade, se esta é extinta no país emque se constituiu, automaticamente cessa de existir também no Reino Unido. Deve-se notar, contudo, que, na lei inglesa, os direitos pessoais derivam muito mais dodomicílio do que da nacionalidade; uma empresa incorporada de acordo com as leisde um país “X” é considerada como residente nesse país, mas criou-se a noção de“domicílio comercial”, como o lugar (ou lugares) onde a empresa realiza seusnegócios. Assim sendo, uma empresa estrangeira (isto é, incorporada noestrangeiro) pode ter “domicílio comercial” no Reino Unido, se lá realiza negócios, econsidera-se que a capacidade de uma empresa realizar negócios é regida atravésda combinação de suas disposições estatutárias com as da lei do local onde serealizavam as transações. O fato de uma empresa possuir domicílio comercial noReino Unido é fator importante para que ela tenha que se sujeitar à legislaçãotributária britânica.

Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), passou-se a se levar emconsideração o controle na fixação do domicílio comercial, conforme se mostrarámais adiante.

O estudo da posição norte-americana a respeito da nacionalidade da pessoajurídica é bastante interessante e esclarecedor, não apenas pela importância do seusistema econômico, mas também pela maneira com que esse sistema vem podendose adaptar a sucessivas mudanças, sem abandonar seus princípios.

De acordo com a FRPPRQ� ODZ norte-americana, considera-se uma empresacomo SHUVRQ (pessoa), mas não como FLWL]HQ (cidadã), do modo como esses termossão empregados na Constituição Federal. Apenas em certas ocasiões, tendo entreseus sócios cidadãos, pode ser equiparada aos cidadãos. Assim sendo, via deregra uma empresa jamais gozará dos privilégios que a Constituição dos EstadosUnidos, ou as dos Estados, outorgam aos cidadãos; contudo, poderá fruir de todasas garantias que a Constituição Federal, bem como as diversas constituições

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estaduais, garantem às pessoas, inclusive as cláusulas do GHYLGR� SURFHVVR e daLJXDO�SURWHomR da 14ª Emenda Constitucional.

Partindo da teoria ficcional da personalidade jurídica, a FRPPRQ� ODZ norte-americana postula que a existência de uma sociedade não ultrapassa as fronteirasdo Estado (Estado federado, membro dos Estados Unidos) em que ela se constituiu.Conforme o precedente do juiz Taney, da Suprema Corte, no caso %DQN�RI�$XJXVWDYV��(DUOH (1839):

³,W� LV� YHU\� WUXH� WKDW� D� FRUSRUDWLRQ� FDQ� KDYH� QR� OHJDO� H[LVWHQFH� RXW� RI� WKHERXQGDULHV� RI� WKH� VRYHUHLJQW\� E\� ZKLFK� LW� LV� FUHDWHG�� � ,W� H[LVWV� RQO\� LQFRQWHPSODWLRQ�RI�ODZ��DQG�E\�IRUFH�RI�WKH�ODZ��DQG�ZKHQ�WKDW�ODZ�FHDVHV�WRRSHUDWH��DQG�LV�QR�ORQJHU�REOLJDWRU\��WKH�FRUSRUDWLRQ�FDQ�KDYH�QR�H[LVWHQFH�,W� PXVW� GZHOO� LQ� WKH� SODFH� RI� LWV� FUHDWLRQ�� DQG� FDQQRW� PLJUDWH� WR� DQRWKHUVRYHUHLJQW\�´

Esse pronunciamento, chamado “voto Taney”, consagra os quatro princípiosfundamentais que, até hoje, regem a nacionalidade para o ordenamento jurídiconorte-americano: ��� a empresa não existe além das fronteiras do Estado em que seconstituiu; ��� os atos de uma empresa limitam-se àqueles contemplados por seusestatutos ou pelas leis do Estado em que se constituiu; ��� um Estado da federaçãopode recusar o seu reconhecimento a uma empresa estrangeira (isto é, umaempresa constituída em outro Estado da federação), bem como proibi-la de atuar emseu território; ��� um Estado da federação pode recusar a uma empresa privilégiosque normalmente concede a pessoas físicas que sejam cidadãs, já que umaempresa é SHUVRQ, mas não é FLWL]HQ.

Pelo fato de existir juridicamente apenas no Estado em que é criada, lá, esomente lá, possuirá a sociedade o seu domicílio: pois, não tendo existênciareconhecida em nenhum outro lugar, em nenhum outro lugar poderá ter domicílio;dentro do mesmo princípio, exigia a FRPPRQ� ODZ que todos os atos societáriosfossem efetuados no seu domicílio, ou seja, no Estado em que havia sidoincorporada. O ato de negociar no território de um Estado não torna uma empresaresidente desse Estado; tem aí um mero “domicílio comercial”, adquirido pelo fato derealizar negócios num determinado local, mas que não é o verdadeiro domicílio dasociedade.

Uma empresa autorizada por um dos Estados federados é consideradaestrangeira (IRUHLJQ) com relação a todos os outros Estados. No caso do governofederal, deve-se notar que o Congresso Nacional norte-americano pode autorizar acriação de companhias quer atuando como o corpo legislativo do Distrito deColúmbia, quer como corpo legislativo da Federação; no primeiro caso, a empresa éconsiderada estrangeira diante de todos os Estados federados; no segundo caso, éconsiderada nacional (GRPHVWLF) em todos os Estados federados. Entretanto, parafins processuais, admite-se que uma empresa possa ser alcançada pela jurisdiçãode outro Estado que não o de sua incorporação, se lá possui domicílio comercial, ouse, de algum modo, possa lá ser achada (IRXQG). De fato, assim se pronunciou ojuiz Curtis, da Suprema Corte, no caso 7KH� /DID\HWWH� ,QVXUDQFH� &R�� YV��0D\QDUG)UHQFK��RWKHUV (1855):

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³$�FRUSRUDWLRQ�FUHDWHG�E\� ,QGLDQD�FDQ� WUDQVDFW�EXVLQHVV� LQ�2KLR�RQO\�ZLWKWKH�FRQVHQW�� H[SUHVV�RU� LPSOLHG��RI� WKH� ODWWHU�6WDWH�� �7KLV� FRQVHQW�PD\�EHDFFRPSDQLHG�E\�VXFK�FRQGLWLRQV�DV�2KLR�PD\�WKLQN�ILW�WR�LPSRVH��DQG�WKHVHFRQGLWLRQV�PXVW�EH�GHHPHG�YDOLG�DQG�HIIHFWXDO�E\�RWKHU�6WDWHV��DQG�E\�WKLVFRXUW�� SURYLGHG� WKH\� DUH� QRW� UHSXJQDQW� WR� WKH� FRQVWLWXWLRQ� RU� ODZV� RI� WKH8QLWHG�6WDWHV�� RU� LQFRQVLVWHQW�ZLWK� WKRVH� UXOHV� RI� SXEOLF� ODZ�ZKLFK� VHFXUHWKH�MXULVGLFWLRQ�DQG�DXWKRULW\�RI�HDFK�6WDWH�IURP�HQFURDFKPHQW�E\�DOO�RWKHUV�RU� WKDW� SULQFLSOH� RI� QDWXUDO� MXVWLFH� ZKLFK� IRUELGV� FRQGHPQDWLRQ� ZLWKRXWRSSRUWXQLW\�IRU�GHIHQVH�´

O mesmo espírito perpassa no pronunciamento do juiz Waite, da SupremaCorte, no caso 5DLOURDG�&RUSRUDWLRQ�YV��.RRQW] (1872):

�³$�FRUSRUDWLRQ�FDQQRW�FKDQJH�LWV�UHVLGHQFH�RU�LWV�FLWL]HQVKLS���,W�FDQ�KDYH�LWVOHJDO�KRPH�RQO\�DW�WKH�SODFH�ZKHUH�LW�LV�ORFDWHG�E\�RU�XQGHU�WKH�DXWKRULW\�RILWV� FKDUWHU�� EXW� LW� PD\� E\� LWV� DJHQWV� WUDQVDFW� EXVLQHVV� DQ\ZKHUH�� XQOHVVSURKLELWHG� E\� LWV� FKDUWHU� RU� H[FOXGHG� E\� ORFDO� ODZV�� � 8QGHU� VXFKFLUFXPVWDQFHV�� LW� VHHPV� FOHDU� WKDW� LW� PD\�� IRU� WKH� SXUSRVH� RI� VHFXULQJEXVLQHVV��FRQVHQW�WR�EH�µIRXQG¶�DZD\�IURP�KRPH��IRU�WKH�SXUSRVH�RI�VXLW�DVWR�PDWWHUV�JURZLQJ�RXW�RI�LWV�WUDQVDFWLRQV�´

Tradicionalmente, não se admitia a existência jurídica de uma empresa forade seu Estado de incorporação; a tendência moderna, contudo, é reconhecer aexistência da pessoa jurídica em todo o território nacional, uma vez que tenha sidoincorporada num dos Estados da federação; esse reconhecimento da existênciajurídica, contudo, é ato meramente formal, que não interfere com a aplicação dosprincípios do “voto Taney”, nem com o VWDWXV de estrangeira que uma empresapossui fora de seu Estado de incorporação. Note-se também que, modernamente,vem sendo admitida a possibilidade de uma empresa incorporar-se em váriosEstados da federação (multi-incorporação), desde que obedeça, simultaneamente,às leis de todos no que se refere a organização societária, finalidade social,membros e condução dos negócios.

Uma empresa que tenha sido incorporada (constituída) fora dos EstadosUnidos é denominada DOLHQ�FRUSRUDWLRQ; ela é considerada FLGDGm�do país onde foiconstituída; a ela se aplicam todos os princípios discriminados anteriormente, com odetalhe adicional de que é considerada residente, para fins processuais, emqualquer Estado da federação norte-americana no qual possua escritório ou realizenegócios.

A entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, em 1917, levou àpromulgação, seis meses depois, em outubro, do 7UDGLQJ�ZLWK�WKH�(QHP\�$FW, o qualproibiu aos residentes ou empresas norte-americanas o comércio com pessoas ouempresas inimigas, impondo-lhe severas penalidades. Na definição de “inimigo”,mais uma vez, o critério da incorporação predominou; os princípios então definidosforam os seguintes: D� uma companhia constituída nos Estados Unidos jamaispoderia ser considerada inimiga, mesmo que seus sócios ou administradores fossemsúditos de país inimigo; E� qualquer empresa constituída em país inimigo seriaconsiderada inimiga, independentemente da nacionalidade de seus sócios ouadministradores; F� qualquer companhia constituída fora dos Estados Unidos, mas

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que comercializasse com inimigos, passaria a ser considerada como inimiga. Essalegislação permaneceu em vigor mesmo depois da guerra.

Para terminar esta brevíssima exposição, deve-se notar que consideraçõesacerca da nacionalidade dominante dos sócios controladores e/ou da administraçãovêm ganhando força na legislação norte-americana a partir da Segunda GuerraMundial. A própria seção 213 do 5HVWDWHPHQW� �7KLUG�� RI� )RUHLJQ� 5HODWLRQV� /DZ(1986), que estabelece como critério de nacionalidade o Estado onde a sociedadese constituiu, reconhece que o controle acionário e/ou administrativo é umfundamento alternativo para a definição da nacionalidade, e isso vem sendo levadoem consideração numa série de leis regulatórias versando sobre comunicações,aviação, navegação costeira e bancos.

2�&ULWpULR�GD�6HGH�6RFLDO��RX�5HDO

De acordo com esse critério, a nacionalidade de uma sociedade é definidapelo local onde ocorrem os seus atos sociais, onde se reúne a sua diretoria, onde seencontra a sua administração, onde, enfim, são tomadas as decisões referentes àsua vida. Tal local é definido como a sede social, ou real, para distingui-la da sedelegal, que é o lugar onde foi constituída, incorporada. Os defensores de tal critérioapontam-lhe como vantagens o realismo, a sinceridade e a previsibilidade. Tratar-se-ia de um critério realista por unir a nacionalidade e, portanto, o ordenamentojurídico a ser aplicado, ao efetivo centro de decisões da empresa; seria igualmenteum critério sincero, já que evitaria manipulações com o objetivo de se fraudar a lei,principalmente as normas fiscais; enfim, seria um critério previsível, já que o eloentre a sociedade e a sua nacionalidade seria simples e estável. Essas mesmaspessoas apresentam o critério da incorporação como não sendo nem realista e nemsincero, muitas vezes divorciado das realidades econômicas ou operacionais.Igualmente, fazem notar a superioridade de tal critério sobre aquele que define anacionalidade da companhia como ligada ao local onde se encontra sua principalatividade ou exploração, já que tal local pode ser modificado com o tempo, sendo,além disso, muitas vezes, múltiplo e, portanto, imprevisível. A França, com algunsmatizes importantes, principalmente referentes a considerações de controle, segue,em geral, este critério.

Na França, nem o Código Comercial de 1807 e nem a legislação posteriorhaviam estabelecido critérios para que se definisse a nacionalidade de umacompanhia, estes foram construídos progressivamente, pela jurisprudência. Esta,inicialmente, inclinou-se pela teoria do centro de exploração do negócio dasempresas, mas, paulatinamente, o critério da sede social foi ganhando terreno,passando a ser, a partir de cerca de 1890, o principal critério para a determinação danacionalidade de uma empresa; o local da exploração e o controle não foramabandonados, mas relegados a um papel secundário.

Sendo a pedra de toque para a determinação da nacionalidade, a “sedesocial” de uma empresa tinha que ser cuidadosamente pesquisada. Os tribunaisfranceses insistiam em que deveria ser uma sede social “real” e “séria”, de onde osnegócios fossem efetivamente comandados, geridos e administrados. Para garantir

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a autenticidade da sede social, uma série de itens passaram a ser levados emconsideração: local da gerência, origem do capital, nacionalidade dos fundadores,lugar de emissão das ações, entre outros.

Desde a Primeira Guerra Mundial, o critério do controle ganhou terreno,conforme analisar-se-á mais adiante, sendo hoje um importante elemento auxiliar nadeterminação da nacionalidade das pessoas jurídicas. O critério da sede social,contudo, ainda permanece dominante. A lei de 1966 que rege as sociedadescomerciais dispõe, no seu art. 3º, que qualquer empresa cuja sede social se situeem território francês está submetida às leis francesas; o art. 1.837 do Código Civilfrancês, com a redação dada pela lei de 1978, repete a mesma frase. Embora nãose refiram especificamente à nacionalidade, essas disposições são interpretadastanto pela doutrina quanto pela jurisprudência francesas como atribuindo àssociedades a nacionalidade do país de sua sede social.

2�&ULWpULR�GR�&RQWUROH��RX�GD�1DFLRQDOLGDGH�GRV�6yFLRV�H�RX�$GPLQLVWUDGRUHV

De acordo com esse critério, a nacionalidade de uma sociedade é definidapelos interesses nacionais que a dominam, caracterizando-se o controle quer pelanacionalidade dos sócios, quer pela dos administradores (o primeiro critério é maisindicado para as sociedades de pessoas, enquanto o segundo o é para associedades de capital). Os defensores de tal critério argumentam que ele é o únicoque permite, efetivamente, testar a lealdade da sociedade, salvaguardando o Estadodos riscos resultantes do influxo desordenado de capitais estrangeiros na economianacional.

Deve-se notar que, até à Primeira Guerra Mundial, o critério do controle foimuito pouco utilizado; esse conflito bélico, e, mais especialmente, a Segunda GuerraMundial, com os seus imperativos de segurança nacional e a necessidade real de seidentificarem as sociedades controladas por potências inimigas, as quais podiamatuar como “quintas colunas” e comprometer o esforço de guerra, em muitocontribuíram para a emergência desse critério, o qual manteve influência mesmoapós cessadas as hostilidades. Assim, por exemplo, o art. 297 do Tratado deVersalhes (1919) autorizou as potências aliadas a liqüidar e a dispor dos bens dassociedades que, domiciliadas em qualquer uma delas, estivessem controladas porcapitais alemães; mesmo no Brasil, as empresas de súditos das potências do Eixoforam expropriadas, sendo sua direção entregue a brasileiros. Analisar-se-á, a partirde agora, a influência do critério do controle na França, no Reino Unido e nosEstados Unidos, a partir das duas conflagrações mundiais, e em que graupermaneceram ou influenciaram seus ordenamentos jurídicos após a cessação dashostilidades.

Na França, logo após o início das hostilidades, foi baixado um decreto peloExecutivo, aos 27 de setembro de 1914, que: D� proibia o comércio com súditos ouresidentes da Alemanha e da Monarquia Dual Austro-Húngara, proibindo igualmenteque súditos ou residentes desses Estados comerciassem em território sujeito àautoridade francesa, mesmo que por pessoa interposta (art. 1º); E� considerava nuloqualquer contrato concluído após o início das hostilidades com súditos ou residentes

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desses países, até ao fim da guerra (art. 2º); F� considerava nula, até ao fim dashostilidades, a execução de qualquer obrigação derivada de contratos concluídoscom o inimigo, mesmo que tivessem sido celebrados antes do início das hostilidades(art. 3º). Apesar desse decreto referir-se apenas a pessoas físicas (súditos ouresidentes), foi logo interpretado pelos tribunais franceses como referente também apessoas jurídicas. Indo além, os juristas utilizaram a figura da “pessoa interposta”presente no decreto para aplicar as suas disposições às sociedades que, nãoobstante fossem consideradas francesas, por possuírem sede social na França,exibiam, quer entre os sócios, quer entre os administradores, súditos dos, ouresidentes nos, Estados com os quais a França se encontrava em beligerância.Desse modo, as sociedades eram consideradas como formalmente francesas (porpossuírem sede social na França), mas, sendo controladas e/ou administradas porinimigos, tenderiam fatalmente a favorecer os interesses inimigos, não mais seconstituindo, em realidade, do que em meras pessoas interpostas, servindo apenaspara que súditos inimigos comerciassem na França, burlando o espírito da lei.

Assim, embora o conceito da sede social continuasse dominante, e definissea nacionalidade da sociedade à luz da lei francesa, o critério do controle assumiuuma nova importância, chegando-se, muitas vezes, à liqüidação e à expropriaçãodos bens de sociedades com sede social na França (e, portanto, de nacionalidadefrancesa) mas consideradas sob influência inimiga, quer pelo controle acionárioexercido por inimigos, quer pela nacionalidade dos diretores.

Mesmo após a guerra, as considerações acerca do controle mantiveramalguma importância, embora subsidiária, para a definição da nacionalidade dasempresas. A Segunda Guerra Mundial não mais fez do que fortalecer tal tendência,robustecendo-se a legislação da época da Primeira Guerra, numa série de decretos(1939); o país não teve muito tempo, contudo, para aplicá-los, visto ter sido invadidoe ocupado pelos alemães em 1940; a libertação da França, em 1944, trouxe de voltatoda essa legislação, que, dessa vez, exerceu uma influência bem maior mesmoapós o fim do conflito.

Com efeito, foi sendo elaborada toda uma construção doutrinária e, mesmo,jurisprudencial, a qual assevera cindir-se a nacionalidade em dois aspectos: oprimeiro deles define qual a lei aplicável para o funcionamento da sociedade (critérioda sede social, definindo a nacionalidade da empresa e o ordenamento jurídico aoqual teria de se submeter), ao passo que o segundo disciplina determinadosaspectos do funcionamento da sociedade, tendo em vista a existência de atividadesvedadas aos estrangeiros, no interesse nacional (critério do controle, definindo oescopo possível das atividades da companhia, tendo em vista o resguardo dosinteresses nacionais). Na prática, essa tendência vem tendo ocmo resultado dividiras sociedades consideradas de nacionalidade francesa em dois grupos: um desociedades plenamente francesas, e outro de sociedades que não gozam de todosos privilégios concedidos às primeiras, em razão do controle.

Também na Inglaterra, a Grande Guerra de 1914-1918 levou consideraçõesrelativas a controle ao critério de incorporação até então exclusivamente utilizado.Como na França, foi editado, logo no início das hostilidades (18 de setembro de

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1914) o 7UDGLQJ�ZLWK�WKH�(QHP\�$FW, proibindo a súditos britânicos ou residentes noReino Unido ou no Império o comércio com inimigos; suas disposições, contudo,eram muito vagas:

³)RU�WKH�SXUSRVH�RI�WKLV�$FW�D�SHUVRQ�VKDOO�EH�GHHPHG�WR�KDYH�WUDGHG�ZLWKWKH�HQHP\�LI�KH�KDV�HQWHUHG�LQWR�DQ\�WUDQVDFWLRQ�RU�GRQH�DQ\�DFW�ZKLFK�ZDV�DW� WKH� WLPH� RI� VXFK� WUDQVDFWLRQ� RU� DFW�� SURKLELWHG� E\� RU� XQGHU� DQ\SURFODPDWLRQ�LVVXHG�E\�+LV�0DMHVW\�GHDOLQJ�ZLWK�WUDGLQJ�ZLWK�WKH�HQHP\�IRUWKH�WLPH�EHLQJ�LQ�IRUFH��RU�ZKLFK�DW�FRPPRQ�ODZ�RU�E\�VWDWXWH�FRQVWLWXWHV�QDRIIHQFH� RI� WUDGLQJ� ZLWK� WKH� HQHP\�� SURYLGHG� WKDW� DQ\� WUDQVDFWLRQ� RU� DFWSHUPLWWHG� E\� RU� XQGHU� DQ\� VXFK� SURFODPDWLRQ� VKDOO� QRW� EH� GHHPHG� WR� EHWUDGLQJ�ZLWK�WKH�HQHP\�´

A jurisprudência iria arcar com o ônus de definir melhor a situação, sendo ummarco nesse aspecto o caso &RQWLQHQWDO�7\UH��5XEEHU�&RPSDQ\�/WG��YV��'DLPOHU&RPSDQ\� /WG�� julgado no Tribunal de Apelação em janeiro de 1915, sendo adecisão reformada pela Câmara dos Lordes em junho de 1916. A &RQWLQHQWDO�7\UHera uma companhia incorporada na Inglaterra, com sede em Londres, contudocontrolada de uma empresa alemã, e dedicava-se a vender no Reino Unido pneusde fabricação alemã. Das 25.000 quotas em que se dividia o seu capital, 23.398eram possuídas pela empresa controladora alemã; 1.600 eram de propriedade detrês cidadãos alemães, residentes na Alemanha; as duas últimas quotas erampropriedade, respectivamente, de um indivíduo alemão residente na Inglaterra e dosecretário da companhia, alemão que se havia naturalizado britânico em 1910. Osecretário, em outubro de 1914 (a guerra havia começado em agosto), embora semprocuração dos controladores (devido à cessação das comunicações), entrou comação contra a 'DLPOHU, para que a &RQWLQHQWDO dela recebesse uma dívida comercialque a 'DLPOHU se recusava a pagar; a 'DLPOHU alegava que a &RQWLQHQWDO era, defato, uma empresa estrangeira, e pagar a dívida eqüivaleria a comerciar com oinimigo, o que era proibido pelo 7UDGLQJ�ZLWK�WKH�(QHP\�$FW. Além disso, argüía queo secretário não possuía procuração dos controladores que lhe conferisse poderpara entrar com a ação. A Corte de Apelação deu razão à &RQWLQHQWDO,considerando que, sendo sociedade incorporada no Reino Unido, era britânica,mesmo que seus sócios fossem estrangeiros. A Câmara dos Lordes, contudo,reverteu a decisão: asseverou, inicialmente, que o secretário não possuía, pelosestatutos da sociedade, poder de entrar com a ação, e impôs o princípio de que,embora fosse de nacionalidade britânica, por ter sido incorporada no Reino Unido, aresidência comercial era explicitada pelo controle.

Os lordes, aqui, iam além do já estabelecido no 7UDGLQJ� ZLWK� WKH� (QHP\$PHQGPHQW�$FW, de 27 de janeiro de 1916, que definia um súdito inimigo como ³����DVXEMHFW�RI�D�6WDWH� IRU� WKH� WLPH�EHLQJ�DW�ZDU�ZLWK�+LV�0DMHVW\��DQG� LQFOXGHV�D�ERG\FRUSRUDWH� FRQVWLWXWHG� DFFRUGLQJ� WR� WKH� ODZV� RI� VXFK� D� 6WDWH”. Tal entendimentopassou à legislação, no novo 7UDGLQJ�:LWK� WKH� (QHP\� $FW, de 1918, que definiucomo inimiga qualquer sociedade que possuísse em sua direção maioria de súditosinimigos, ou que tivesse controle acionário de súditos inimigos, ou que tivesse comodirigentes uma corporação controlada pelo inimigo, ou por ele apontada.

Enfim, o 7UDGH�ZLWK�WKH�(QHP\�$FW de 1939 exarou os seguintes princípios: D�uma companhia é residente onde possui seu domicílio comercial; assim, é

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considerada inimiga se tem domicílio comercial em país inimigo, ou ocupado peloinimigo; E� uma companhia com sede em território ocupado pelo inimigo, mas quetransferiu seu domicílio legal e a direção de seus negócios para território amigo ouneutro não é considerada inimiga; F� uma companhia incorporada no Reino Unido aípossui seu domicílio e nacionalidade, não os perdendo mesmo que controlada porinimigos, o que não a exime do cumprimento das leis inglesas.

Mesmo nos Estados Unidos, as numerosas e criativas técnicas utilizadaspelos inimigos para esconder sua propriedade ou o controle que exerciam sobrecompanhias ensejaram o )LUVW�:DU� 3RZHUV� $FW, no ano de 1941, emendando asseções 5ª e 6ª do 7UDGH�ZLWK�WKH�(QHP\�$FW, concedendo ao Presidente o poder deconfiscar propriedade de qualquer país ou nacional estrangeiro no interesse dasegurança nacional. Enquanto no texto original do 7UDGH�ZLWK� WKH�(QHP\�$FW (de1917) o VWDWXV de inimigo baseava-se na residência em território inimigo ou ocupado,o )LUVW�:DU�3RZHUV�$FW levantou a bandeira do controle: companhias que estivessemem território inimigo, ou ocupado, seriam tidas como inimigas, se fossem denacionalidade inimiga, ou se fossem controladas ou agissem em favor dos mesmos,ou se o interesse nacional assim as considerasse.

2�&DVR�%UDVLOHLUR

No Brasil, a questão da nacionalidade de uma companhia somente recebeuuma primeira resposta do ordenamento jurídico no Código Civil, de 1916; de fato, alegislação anterior, quando tratava da matéria (lei nº 1.083, de 1860; lei nº 3.150, de1882; decreto nº 164, de 1890; decreto nº 434, de 1891), estabelecia apenas, paraas sociedades anônimas estrangeiras que quisessem atuar no país, a necessidadede autorização governamental (implicitamente, isso significava que o governoreconhecia qualquer sociedade que se tivesse constituído segundo as leis de umoutro país; a autorização dizia respeito à permissão de funcionamento no país, nãoao reconhecimento da existência da sociedade).

Na Lei de Introdução do Código Civil, de 1916, dispunha-se que “sãoreconhecidas as pessoas jurídicas estrangeiras” (art. 19) e que “a lei nacional daspessoas jurídicas determina-lhes a capacidade” (art. 21). Por outro lado, eramusualmente tidas como brasileiras, seguindo uma longa tradição, as sociedades queno país possuíssem sede, registradas nas juntas comerciais, e que aqui exercessema sua atividade.

Tendia-se a se definir, assim, um tanto vagamente, a empresa brasileira emtermos da sede social no Brasil; a capacidade da empresa estrangeira, contudo, eradefinida em termos de sua “lei nacional”, expressão aliás totalmente vaga, pois nãose determinava um critério objetivo para o estabelecimento da nacionalidade dapessoa jurídica: postulava-se que a pessoa jurídica derivaria sua capacidade de sualei nacional, mas não se forneciam ferramentas para que sua nacionalidade fosseinquestionavelmente determinada.

Como em outros países, a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial(1917) resultou numa maior importância do critério do controle. A lei 3.393, de 16 de

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novembro de 1917, chegou mesmo a ser draconiana: estatuía em seu art. 6º que “osestabelecimentos comerciais ou industriais, associações, sociedades, inclusive asanônimas, bancos, usinas ou armazéns, serão considerados de propriedade inimigasempre que a totalidade do respectivo capital, ou a sua maior parte, pertencer asúditos inimigos, qualquer que seja a respectiva sede, no Brasil ou no estrangeiro”.Isso significaria uma aceitação total do critério do controle, mas o entendimentoposterior foi o de que a citada lei tratava não da nacionalidade das companhias, massimplesmente da definição de seu caráter de inimiga.

No período que se estende da promulgação do Código Civil (1916) até àedição do Decreto-Lei 2.627, de 1940 (que, até à lei 6.404/76, regulou associedades por ações), a doutrina e a jurisprudência tendiam a aplicar os seguintesprincípios para definir uma sociedade como brasileira: D� as sociedades de pessoasconstituídas no Brasil; E� as sociedades de pessoas estabelecidas por brasileiros noexterior, mas com contratos arquivados e firmas inscritas no Brasil, além de gerentebrasileiro; F� as sociedades de capital constituídas no Brasil; G� as sociedades decapital organizadas no exterior, desde que, autorizadas pelo governo brasileiro aaqui funcionarem, mudassem a sua sede para o Brasil, e tivessem brasileiros comodiretores ou sócios-gerentes.

O Decreto-Lei 2.627, de 1940, consagrou, em suas linhas gerais, oentendimento doutrinal; suas disposições quanto à nacionalidade das sociedadespor ações são as seguintes:

$UW������6mR�QDFLRQDLV�DV�VRFLHGDGHV�RUJDQL]DGDV�QD�FRQIRUPLGDGH�GD� OHLEUDVLOHLUD� H� TXH� WrP� QR� SDtV� D� VHGH� GH� VXD� DGPLQLVWUDomR�� 3DUiJUDIRÒQLFR��4XDQGR�D�OHL�H[LJLU�TXH�WRGRV�RV�DFLRQLVWDV�RX�FHUWR�Q~PHUR�GHOHVVHMDP�EUDVLOHLURV��DV�Do}HV�GD�FRPSDQKLD�RX�VRFLHGDGH�DQ{QLPD�UHYHVWLUmRIRUPD� QRPLQDWLYD�� � 1D� VHGH� GD� VRFLHGDGH� ILFDUi� DUTXLYDGD� XPD� FySLDDXWrQWLFD�GR�GRFXPHQWR�FRPSUREDWyULR�GD�QDFLRQDOLGDGH�

$UW�� ���� $V� VRFLHGDGHV� DQ{QLPDV� RX� FRPSDQKLDV� HVWUDQJHLUDV�� TXDOTXHUTXH�VHMD�R�VHX�REMHWR��QmR�SRGHP��VHP�DXWRUL]DomR�GR�*RYHUQR�)HGHUDO�IXQFLRQDU� QR� SDtV�� SRU� VL� PHVPDV�� RX� SRU� ILOLDLV�� VXFXUVDLV�� DJrQFLDV� RXHVWDEHOHFLPHQWRV� TXH� DV� UHSUHVHQWHP�� SRGHQGR�� WRGDYLD�� UHVVDOYDGRV� RVFDVRV�H[SUHVVRV�HP�OHL��VHU�DFLRQLVWDV�GH�VRFLHGDGHV�DQ{QLPDV�EUDVLOHLUDV�DUW������

$UW������$V�VRFLHGDGHV�DQ{QLPDV�HVWUDQJHLUDV�DXWRUL]DGDV�D�IXQFLRQDU�VmRREULJDGDV� D� WHU� SHUPDQHQWHPHQWH� UHSUHVHQWDQWHV� QR� %UDVLO�� FRP� SOHQRVSRGHUHV� SDUD� WUDWDU� GH� TXDLVTXHU� TXHVW}HV� H� UHVROYr�ODV� GHILQLWLYDPHQWH�SRGHQGR� VHU� GHPDQGDGR� H� UHFHEHU� FLWDomR� LQLFLDO� SHOD� VRFLHGDGH�3DUiJUDIR� ÒQLFR�� 6y� GHSRLV� GH� DUTXLYDGR� QR� 5HJLVWUR� GR� &RPpUFLR� RLQVWUXPHQWR� GH� VXD� QRPHDomR� SRGHUi� R� UHSUHVHQWDQWH� HQWUDU� HP� UHODomRFRP�WHUFHLURV�

$UW�� ���� $V� VRFLHGDGHV� DQ{QLPDV� HVWUDQJHLUDV� DXWRUL]DGDV� D� IXQFLRQDUILFDUmR� VXMHLWDV� jV� OHLV� H� DRV� WULEXQDLV� EUDVLOHLURV� TXDQWR� DRV� DWRV� RXRSHUDo}HV�TXH�SUDWLTXHP�QR�%UDVLO�

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$UW������$�VRFLHGDGH�DQ{QLPD�HVWUDQJHLUD��DXWRUL]DGD�D�IXQFLRQDU�QR�SDtV�SRGH�� PHGLDQWH� DXWRUL]DomR� GR� *RYHUQR� )HGHUDO�� QDFLRQDOL]DU�VHWUDQVIHULQGR�D�VXD�VHGH�SDUD�R�%UDVLO�

Tais artigos são importantes, e merecem citação especial, pelo fato decontinuarem em vigor, já que o art. 300 da lei 6.404/76 (que substituiu o Decreto-Lei2.627/40 como lei das sociedades anônimas) manteve explicitamente todo oCapítulo VII (que inclui os artigos 59 a 73) do antigo Decreto-Lei de 1940, disposiçãonão modificada pela Lei 9.457/97, que alterou vários pontos da lei das S.A.’s.

Entretanto, a nova Lei de Introdução do Código Civil, Decreto-Lei 4.657, de1942, que substituiu a de 1916, estabeleceu, em seu art. 11, FDSXW e parágrafo 1º,critérios para a atribuição da nacionalidade a uma sociedade:

$UW������$V�RUJDQL]Do}HV�GHVWLQDGDV�D� ILQV�GH� LQWHUHVVH�FROHWLYR��FRPRDV� VRFLHGDGHV�H� DV� IXQGDo}HV�� REHGHFHP�j� OHL� GR�(VWDGR� HP� TXH� VHFRQVWLWXtUHP���3DUiJUDIR�����1mR�SRGHUmR��HQWUHWDQWR��WHU�QR�%UDVLO�ILOLDLV�DJrQFLDV� RX� HVWDEHOHFLPHQWRV� DQWHV� GH� VHUHP� RV� DWRV� FRQVWLWXWLYRVDSURYDGRV�SHOR�*RYHUQR�EUDVLOHLUR��ILFDQGR�VXMHLWDV�j�OHL�EUDVLOHLUD�

Apesar de não se referir explicitamente a “pessoas jurídicas”, como o art. 21da antiga Lei de Introdução, a perífrase “organizações destinadas a fins de interessecoletivo, como as sociedades e as fundações” é unanimemente interpretada comosinônimo de “pessoa jurídica”. Desse modo, a Lei de Introdução ao Código Civilconsidera que o reconhecimento da personalidade jurídica e a determinação dacapacidade das empresas decorre da sua lei nacional, sendo a nacionalidadedeterminada pelo país de sua constituição; é um sistema idêntico ao britânico. Alémdisso, separa, como coisas distintas, o reconhecimento da pessoa jurídicaestrangeira e o seu funcionamento no Brasil: o reconhecimento derivaexclusivamente da lei de sua nacionalidade, reconhecendo-se automaticamente noBrasil quaisquer sociedades que tenham sido registradas no país de suaincorporação; o funcionamento no Brasil, contudo, liga-se à aprovação de seusestatutos por parte do governo brasileiro, bem como à sua submissão às leisbrasileiras (ou seja, à autorização, por parte do governo brasileiro, para que aquifuncione, implicando tal autorização a subordinação total às leis brasileiras). Oparágrafo único do art. 11 do Decreto-Lei 4.657/42 liga-se, assim, ao art. 68 doDecreto-Lei 2.627/40.

No que tange à nacionalidade da pessoa jurídica, o disposto no art. 11 da Leide Introdução do Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42), aparentemente, contraria oestatuído no art. 60 da (antiga) lei das sociedades por ações (Decreto-Lei 2.627/40).De fato, o art. 11 utiliza cristalinamente o critério da LQFRUSRUDomR para fixar anacionalidade de uma pessoa jurídica estrangeira, ao passo que o art. 60 (ao exigirque a VHGH�GD�DGPLQLVWUDomR se situe no Brasil) utiliza claramente o critério da VHGHVRFLDO para definir uma sociedade como brasileira. Após prolongadíssimos debates,a tendência tanto da doutrina quanto da jurisprudência foi no sentido de nãoconsiderar as duas normas como conflitantes, conciliando-as da forma que segue:as disposições dos artigos 11 e 60 não devem ser encaradas como conflitantes, massim como complementares; o art. 11 fixa a nacionalidade da pessoa jurídica no planodo Direito Internacional Privado, adotando o critério da incorporação; o art. 60

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estabelece que, para ser considerada brasileira, a empresa, além de se constituir noBrasil, deverá estabelecer em território nacional a sede de sua administração.Assim, por exemplo, uma empresa que se tenha incorporado no país “A” mas queestabeleça sua sede social no país “B” será considerada, pelo Brasil, como umasociedade do país “A”, daí derivando sua nacionalidade e sua capacidade; contudo,uma sociedade que se constitua no Brasil mas que aqui não possua a sua sedesocial não será considerada brasileira, e esse raciocínio se coaduna com aconstatação de que as autoridades brasileiras jamais registrarão uma sociedade noBrasil se ela não fixar sua sede social em território nacional. Há, assim, um critériodualista que, por um lado, define a nacionalidade das pessoas jurídicas, em geral,de acordo com o critério da incorporação, e, por outro, outorga a nacionalidadebrasileira à empresa que no Brasil se constitua e aqui tenha a sua sede social. Talentendimento foi confirmado pela posterior legislação, visto a nova lei dassociedades por ações (lei 6.404/74), em seu art. 300, manter expressamente emvigor os artigos 59 a 73 do antigo Decreto-Lei de 1940.

Note-se apenas que o parágrafo único do art. 60 do Decreto-Lei de 1940perdeu seu objetivo diante da nova legislação nacional, que não mais admite açõesao portador.

Além do duplo critério mencionado acima, o do local de incorporação paradefinir a nacionalidade de uma sociedade estrangeira e o da sede social paraconsiderar uma sociedade como brasileira, estão presentes na legislação nacionaluma série de dispositivos relativos ao critério do controle. Tais dispositivos podemser, didaticamente, divididos em dois conjuntos: um com o objetivo de impedir ourestringir a atividade de empresas controladas por capitais estrangeiros emdeterminadas áreas consideradas como imprescindíveis à segurança nacional; outrocom o objetivo de mitigar possíveis abusos que uma aceitação incondicional docritério da incorporação poderia trazer à correta determinação do PRGXV�RSHUDQGL deuma sociedade, tendo em vista coibir fraudes à lei ou abusos de direito.

Do segundo conjunto falar-se-á no Capítulo V. Com relação ao primeiro,deve-se notar que muitas de suas disposições vêm sendo erodidas pelas novasrealidades econômicas de um mundo globalizado, bem como pela necessidadesempre premente do país de investimentos estrangeiros, especialmente os de infra-estrutura e de longo prazo, tais que impulsionem e sustentem de maneira equilibradao seu desenvolvimento. O mais contundente exemplo dessa nova tendência dizrespeito ao art. 171, parágrafos 1º e 2º, da Constituição Federal de 1988, onde sefixavam regras de proteção e benefícios às empresas brasileiras de capital nacional,distinguindo-as das empresas brasileiras cujo capital era controlado por estrangeiros(situação análoga à tendência jurisdicional francesa): a Emenda Constitucional nº 6,de 15 de agosto de 1995, revogou o art. 171, terminando tal distinção.

$�1DFLRQDOLGDGH�FRPR�3HUFHSomR�GR�0HUFDGR

Ao longo do presente Capítulo, ao se tratar da nacionalidade da pessoajurídica, sempre se a ligou à interpretação soberana do Estado, que poderiaescolher, para definir a nacionalidade de uma companhia, qualquer critério que

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julgasse razoável (incorporação, sede social, controle, ou qualquer outro); maisainda, uma determinada sociedade poderia possuir várias nacionalidades, ounenhuma. Quer-se aqui falar brevissimamente acerca de um novo ator, igualmentecapaz de conceder a uma pessoa jurídica uma nacionalidade: o mercado, maisespecificamente o mercado transnacional globalizado.

Tal “ente” (e trata-se de um ente, já que existe, embora não se tenha aindacorporificado – eis aí mais uma entidade sem personalidade...) opera por consenso,mas é dotado de uma percepção da realidade que, de longe, ultrapassa a dequalquer instituição, ou mesmo governo, mercê da estupenda interligação dosmercados e do espantoso desenvolvimento das tecnologias de informação e deprevisão. Lida corriqueira e quotidianamente com uma imensidade de dados, osquais rápida e rotineiramente organiza numa enorme quantidade de informações. É,assim, perfeitamente capaz de atribuir, se quiser, nacionalidade às pessoasjurídicas; e há de querer, porque, mesmo sendo supra e transnacional, a percepçãoda maioria das pessoas que o compõem ainda é moldada por ordenamentosjurídico-político-ideológicos de índole nacional; de tal herança não se escapafacilmente, como as guerras e os preconceitos dos dias atuais tão tristementeconfirmam.

Partindo-se da racionalidade e do pragmatismo que caracteriza o mercado noseu conjunto (ao menos nos seus bons momentos), parece ser razoável supor-seque este seguirá dois princípios basilares no estabelecimento da nacionalidade dapessoa jurídica:

����(VWDEHOHFHUi�XPD�~QLFD�QDFLRQDOLGDGH�SDUD�FDGD�HPSUHVD��SRUTXH�VHQGR�HVWD�FRQWURODGD�SRU�VHUHV�KXPDQRV��VyFLRV�RX�DGPLQLVWUDGRUHV���HVHQGR�VHPSUH�RV�VHUHV�KXPDQRV�DQLPDLV�VRFLDLV��KDYHUi�XPD�IRUPDomRVRFLDO� TXH� PHOKRU� UHSUHVHQWD� RV� DQVHLRV� H� RV� LQWHUHVVHV� GHVVHVFRQWURODGRUHV�H��SRUWDQWR��RV�GD�SHVVRD�MXUtGLFD�

���� $R� FRQWUiULR� GR� (VWDGR�� TXH� DWULEXL� QDFLRQDOLGDGH� D� XPD� SHVVRDMXUtGLFD� D� ILP� GH� GHOLPLWDU�OKH� GLUHLWRV� H� GHYHUHV�� DJUHJDQGR�D� D� XPRUGHQDPHQWR� MXUtGLFR� HVSHFtILFR�� R� PHUFDGR� DWULEXLUi� QDFLRQDOLGDGH� DXPD� SHVVRD� MXUtGLFD� FRPR� XP� FULWpULR� DGLFLRQDO� SDUD� DYDOLDU�OKH� RVULVFRV�

Por agora, será suficiente o lançamento desta idéia, a qual espera-seexplicitar no próximo Capítulo.

2V�/LPLWHV�j�3HUVRQDOLGDGH�-XUtGLFD

Até ao presente instante, pôde-se apresentar a personalidade jurídica emtoda a sua evolução e com todas as suas características, inclusive comcomparações geográficas, contrapondo-se tal conceito ao da entidade dotada depatrimônio próprio e, portanto, de escrituração distinta. Toda a exposição anteriorprocurou mostrar que o conceito contábil da entidade é não apenas distinto do dapersonalidade jurídica, mas mais geral do que ele, sendo capaz, por si só, depermitir a vida das sociedades comerciais; mostrou-se, igualmente, que apersonalidade jurídica é uma construção teórica de tessitura muito mais delicada e

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artificial do que o robusto princípio do ente econômico corporificado dotado deescrituração própria para o registro de seu patrimônio e de suas variações. Paraconcluir o presente trabalho, analisar-se-ão, a partir de agora, os limites aos quais sedeve submeter o instituto da personalidade jurídica, em razão da sua históriaconstitutiva e das concessões que os Estados houveram por bem lhe conceder.

/LPLWHV�,QWUtQVHFRV�j�3HUVRQDOLGDGH�-XUtGLFD

Um primeiro grupo constitui-se de limites que são intrínsecos às pessoasjurídicas, e de tal modo aderentes ao seu corpo social que, muitas vezes, passamdespercebidos. Todos esses limites podem ser definidos numa única frase: DHPSUHVD� GRWDGD� GH� SHUVRQDOLGDGH� MXUtGLFD� GHYH� VHU�� GH� IDWR�� DTXLOR� TXH� SURFODPDVHU��D�ILP�GH�FXPSULU�R�VHX�SDSHO�QR�(VWDGR�TXH�D�DOEHUJD.

VI.1.a) Um Princípio Geral: a Relevância Social das Empresas, o Predomínio daForma sobre o Conteúdo e a Submissão à Lei:

Aqueles que defendem a separação entre a personalidade das empresas e ados seus sócios sempre começam suas arengas por citar o art. 20 da Lei deIntrodução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42), FDSXW: “as pessoas jurídicas têmexistência distinta da dos seus membros”. Tal princípio é verdadeiro, e, espera-se,sempre aplicável nas condições normais; contudo, não é, e nem pode ser, umprincípio absoluto, pois nessa mesma lei, no art. 5º, pode-se ler que “na aplicação dalei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bemcomum”. Assim sendo, toda lei tem um fim social (isto é, tem que atender a umademanda do corpo social, da nação), e sempre objetiva o bem comum. Quando oordenamento jurídico (em última análise, o Estado) outorga às pessoas jurídicasuma existência separada e distinta da dos seus sócios e/ou administradores, não ofaz graciosamente, mas para que utilizem tal prerrogativa contribuindo para odesenvolvimento da nação e para o aprimoramento do bem comum. Desse modo,qualquer uso da personalidade jurídica que prejudique o desenvolvimento da nação,ou comprometa o bem comum, não pode ser tolerado; nesses casos, a mesma mãoque concedeu retira a concessão mal utilizada. A personalidade jurídica não é umdom gratuito, assim como a limitação da responsabilidade não é uma dádiva do céu– ambos configuram-se como concessões condicionais das nações, personificadaspelo Estado concedente.

Tanto é assim, tanto se devem subordinar as empresas às suas funções nasociedade que as alberga, que inúmeros dispositivos legais, no caso em que asempresas mostram-se incapazes de cumprir as obrigações para com o bem comum,dissolvem as fronteiras da personalidade jurídica e da responsabilidade limitada;podem ser considerados, a título meramente ilustrativo, os exemplos elencados aseguir.

Na Consolidação das Leis do Trabalho, reza o parágrafo 2º do art. 2º:

³6HPSUH� TXH� XPD� RX� PDLV� HPSUHVDV�� WHQGR�� HPERUD�� FDGD� XPD� GHODV�SHUVRQDOLGDGH� MXUtGLFD� SUySULD�� HVWLYHUHP� VRE� D� GLUHomR�� FRQWUROH� RXDGPLQLVWUDomR� GH� RXWUD�� FRQVWLWXLQGR� JUXSR� LQGXVWULDO�� FRPHUFLDO� RX� GHTXDOTXHU�RXWUD� DWLYLGDGH� HFRQ{PLFD�� VHUmR�� SDUD� RV� HIHLWRV� GD� UHODomR�GH

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HPSUHJR��VROLGDULDPHQWH�UHVSRQViYHLV�D�HPSUHVD�SULQFLSDO�H�FDGD�XPD�GDVVXERUGLQDGDV�´

Na Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661/45, atualizado até à lei 9.462/97):

�³$UW�� ���� $� UHVSRQVDELOLGDGH� VROLGiULD� GRV� GLUHWRUHV� GDV� VRFLHGDGHVDQ{QLPDV� H� GRV� JHUHQWHV� GDV� VRFLHGDGHV� SRU� FRWDV� GH� UHVSRQVDELOLGDGHOLPLWDGD�� HVWDEHOHFLGD� QDV� UHVSHFWLYDV� OHLV�� D� GRV� VyFLRV� FRPDQGLWiULRV�&yGLJR�&RPHUFLDO�� DUW�� ������ H� D� GR� VyFLR� RFXOWR� �&yGLJR�&RPHUFLDO�� DUW�������VHUmR�DSXUDGDV��H�WRUQDU�VH�mR�HIHWLYDV��PHGLDQWH�SURFHVVR�RUGLQiULR�QR�MXt]R�GD�IDOrQFLD��DSOLFDQGR�VH�DR�FDVR�R�GLVSRVWR�QR�DUW������SDUiJUDIR���� �3DUiJUDIR�ÒQLFR��2� MXL]�� D� UHTXHULPHQWR� GR� VtQGLFR�� SRGH�RUGHQDU� RVHT�HVWUR�GH�EHQV�TXH�EDVWHP�SDUD�HIHWLYDU�D�UHVSRQVDELOLGDGH�´

No âmbito fiscal, dispõe o Código Tributário Nacional, no inciso II de seu art.135, que “... são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes aobrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ouinfração da lei, contrato social ou estatutos (...) os diretores, gerentes ourepresentantes de pessoas jurídicas de direito privado.”

Na esfera previdenciária, dispõe o art. 13 da lei 8.620/93, com seu parágrafoúnico, que “... o titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas deresponsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelosdébitos junto à Seguridade Social. (...) Os acionistas controladores, osadministradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente esubsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto a inadimplemento dasobrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.”

A lei 8.884/94 (Lei de Proteção da Concorrência, ou Lei Antitruste, ou Leicontra o Abuso do Poder Econômico) exibe uma série de dispositivos da mesmaordem:

$UW������(VWD�/HL�GLVS}H�VREUH�D�SUHYHQomR�H�D� UHSUHVVmR�DV� LQIUDo}HVFRQWUD�D� RUGHP�HFRQ{PLFD�� RULHQWDGD�SHORV� GLWDPHV� FRQVWLWXFLRQDLV� GHOLEHUGDGH�GH�LQLFLDWLYD��OLYUH�FRQFRUUrQFLD��IXQomR�VRFLDO�GD�SURSULHGDGH�GHIHVD� GRV� FRQVXPLGRUHV� H� UHSUHVVmR� DR� DEXVR� GR� SRGHU� HFRQ{PLFR�3DUiJUDIR�ÒQLFR��$�FROHWLYLGDGH�p�D�WLWXODU�GRV�EHQV�MXUtGLFRV�SURWHJLGRVSRU�HVWD�/HL�

$UW�� ���� $SOLFD�VH�HVWD�/HL�� VHP�SUHMXt]R� GH� FRQYHQo}HV�H� WUDWDGRV� GHTXH�VHMD�VLJQDWiULR�R�%UDVLO��jV�SUDWLFDV�FRPHWLGDV�QR�WRGR�RX�HP�SDUWHQR�WHUULWyULR�QDFLRQDO�RX�TXH�QHOH�SURGX]DP�RX�SRVVDP�SURGX]LU�HIHLWRV�3DUiJUDIR�ÒQLFR��5HSXWD�VH� VLWXDGD�QR�7HUULWyULR�1DFLRQDO� D� HPSUHVDHVWUDQJHLUD� TXH� RSHUH� RX� WHQKD� QR� %UDVLO� ILOLDO�� DJHQFLD�� VXFXUVDO�HVFULWyULR��HVWDEHOHFLPHQWR��DJHQWH�RX�UHSUHVHQWDQWH�

$UW�� ���� (VWD� /HL� DSOLFD�VH� jV� SHVVRDV� ItVLFDV� RX� MXUtGLFDV� GH� GLUHLWRS~EOLFR�RX�SULYDGR��EHP�FRPR�D�TXDLVTXHU�DVVRFLDo}HV�GH�HQWLGDGHV�RXSHVVRDV��FRQVWLWXtGDV�GH�IDWR�RX�GH�GLUHLWR��DLQGD�TXH�WHPSRUDULDPHQWH�FRP�RX�VHP�SHUVRQDOLGDGH�MXUtGLFD��PHVPR�TXH�H[HUoDP�DWLYLGDGH�VREUHJLPH�GH�PRQRSyOLR�OHJDO�

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$UW������$V�GLYHUVDV�IRUPDV�GH�LQIUDomR�GD�RUGHP�HFRQ{PLFD�LPSOLFDP�DUHVSRQVDELOLGDGH� GD� HPSUHVD� H� D� UHVSRQVDELOLGDGH� LQGLYLGXDO� GH� VHXVGLULJHQWHV�RX�DGPLQLVWUDGRUHV��VROLGDULDPHQWH�

$UW������6HUmR�VROLGDULDPHQWH� UHVSRQViYHLV� DV�HPSUHVDV�RX�HQWLGDGHVLQWHJUDQWHV� GH� JUXSR�HFRQ{PLFR�� GH� IDWR� RX�GH�GLUHLWR�� TXH� SUDWLFDUHPLQIUDomR�GD�RUGHP�HFRQ{PLFD�

$UW������$�SHUVRQDOLGDGH�MXUtGLFD�GR�UHVSRQViYHO�SRU�LQIUDomR�GD�RUGHPHFRQ{PLFD� SRGHUi� VHU� GHVFRQVLGHUDGD� TXDQGR� KRXYHU� GD� SDUWH� GHVWHDEXVR�GH�GLUHLWR��H[FHVVR�GH�SRGHU��LQIUDomR�GD�OHL��IDWR�RX�DWR�LOtFLWR�RXYLRODomR� GRV� HVWDWXWRV� RX� FRQWUDWR� VRFLDO�� $� GHVFRQVLGHUDomR� WDPEpPVHUi� HIHWLYDGD� TXDQGR� KRXYHU� IDOrQFLD�� HVWDGR� GH� LQVROYrQFLD�HQFHUUDPHQWR� RX� LQDWLYLGDGH� GD� SHVVRD� MXUtGLFD� SURYRFDGRV� SRU� PDDGPLQLVWUDomR�

Por fim, tem-se a disposição do art. 25 (FDSXW e parágrafo 5º) do Código deDefesa do Consumidor (lei 8.078/90):

³2� -XL]� SRGHUi� GHVFRQVLGHUDU� D� SHUVRQDOLGDGH� MXUtGLFD� GD� VRFLHGDGHTXDQGR��HP�GHWULPHQWR�GR�FRQVXPLGRU��KRXYH�DEXVR�GH�GLUHLWR��H[FHVVR�GHSRGHU�� LQIUDomR� GD� OHL�� IDWR� RX� DWR� LOtFLWR� RX� YLRODomR� GRV� HVWDWXWRV� RXFRQWUDWR�VRFLDO��$�GHVFRQVLGHUDomR� WDPEpP�VHUi�HIHWLYDGD�TXDQGR�KRXYHUIDOrQFLD�� HVWDGR� GH� LQVROYrQFLD�� HQFHUUDPHQWR� RX� LQDWLYLGDGH� GD� SHVVRDMXUtGLFD�SURYRFDGRV�SRU�Pi�DGPLQLVWUDomR���3DUiJUDIR�����7DPEpP�SRGHUiVHU�GHVFRQVLGHUDGD�D�SHVVRD�MXUtGLFD�VHPSUH�TXH�VXD�SHUVRQDOLGDGH�IRU��GHDOJXPD� IRUPD�� REVWiFXOR� DR� UHVVDUFLPHQWR� GH� SUHMXt]RV� FDXVDGRV� DRVFRQVXPLGRUHV�´

Deve-se notar a progressiva sedimentação do entendimento do SuperiorTribunal de Justiça a respeito de a relação entre os bancos e seus clientes tambémse submeter ao Código de Defesa do Consumidor, conforme julgamento do RecursoEspecial nº 57.974-0, publicado no Diário da Justiça aos 29 de maio de 1995, bemcomo outros julgados posteriores. De fato, entendeu o Superior Tribunal de Justiçaque “... os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados noart. 3º, parágrafo 2º, estão submetidos às disposições do Código de Defesa doConsumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através deoperação bancária, transferindo-a a terceiros, em pagamento de outros bens ouserviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelobanco.”

$�'LVVRFLDomR�HQWUH�$FLRQLVWDV�H�$GPLQLVWUDGRUHV�QDV�6RFLHGDGHV�GH�&DSLWDO

Quando a pessoa jurídica é caracterizada como uma sociedade de capital, ouseja, no caso brasileiro, quando é uma sociedade anônima regida pela lei 6.404/76,com as modificações nela introduzidas pela lei 9.457/97, o elemento basilar de suaconstituição é a distinção entre os acionistas, detentores dos títulos livrementenegociáveis (ações) e os administradores, que são os que conduzem os negócios dasociedade. Tal distinção, aliada à relativa pulverização de ações que se esperaocorrer, à constatação de que os sócios não interferem, via de regra, na conduçãodo dia-a-dia dos negócios, sendo, além disso, muitas vezes, pouco versados nosassuntos técnico-administrativos da operação social, é que justifica a limitação de

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sua responsabilidade ao montante das ações por eles adquiridas (art. 1º da lei6.404/76). É, aliás, essa característica que lhe justifica o nome “anônima”. Numasociedade anônima, muito mais importantes para a condução dos negócios são osadministradores e fiscais, e suas responsabilidades são, assim, proporcionalmenteelevadas. Deve-se notar, contudo, que a distinção entre acionistas eadministradores, embora a razão de ser da sociedade anônima, não impede queacionistas sejam membros da administração; nesse caso, suas responsabilidadesserão as dos administradores.

Prevendo a possibilidade, mesmo nas sociedades anônimas, da concentraçãodas ações, ao invés da desejada pulverização, a lei 6.404/76 criou a figura doacionista controlador, o qual responde também por danos causados por abuso depoder (art. 117), quais sejam, entre outros: o desvio da finalidade da companhia,levando-a para fim estranho ao objeto social, ou lesivo ao interesse nacional; aliqüidação de sociedade próspera; a eleição de administrador ou fiscal que saibainepto, moral ou tecnicamente, ou que deveria saber, pela notoriedade do fato, etc.Tanto a doutrina quanto a jurisprudência estabelecem que, nesse campo, também ocontorno à lei caracteriza-se como abuso do poder. A doutrina, adicionalmente,entende que a responsabilização do acionista controlador por abuso de poderindepende de prova de intenção.

O administrador de uma sociedade anônima não é pessoalmente responsávelpelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular degestão (art. 158); contudo, responde civilmente pelos atos que praticar quandoproceder com culpa ou dolo, mesmo dentro de suas atribuições e poderes, ouquando proceder com violação à lei ou aos estatutos da companhia (art. 158, incisosI e II). Adicionalmente, o administrador de uma sociedade anônima está preso aochamado 'HYHU�GH�'LOLJrQFLD (art. 153), devendo empregar, no exercício de suasfunções, “... o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregarna administração dos seus próprios negócios”; no exercício do Dever de Diligência,determina a lei que o administrador “... exerça suas atribuições com vistas àrealização dos fins e interesses da companhia, VDWLVIHLWDV� DV� H[LJrQFLDV� GR� EHPS~EOLFR�H�GD�IXQomR�VRFLDO�GD�HPSUHVD” (art. 154, grifos nossos).

Além do Dever de Diligência, está o administrador de uma sociedade anônimapreso ao 'HYHU�GH�/HDOGDGH (art. 155), não podendo utilizar, em proveito próprio oude terceiro, informação pertinente aos planos ou interesse da Companhia, aos quaispossa ter tido acesso em virtude do cargo que ocupa, agindo sempre com lealdadepara com aquela; deve ainda (art. 156) abster-se de intervir em qualquer operaçãosocial em que tiver interesse conflitante com o da Companhia, bem como nadeliberação que a respeito tomar o órgão no qual tenha assento.

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No caso das sociedades de pessoas, interessa ao presente estudo asociedade por quotas de responsabilidade limitada. Nesse tipo de sociedade, nãohá dissociação entre os sócios e os administradores; teoricamente falando, todas asvezes que um sócio quiser manter controle pessoal, bem como atuar diretamente, nacondução dos negócios de uma companhia, a ela ligando o prestígio de seu nome,deve optar pela constituição de uma sociedade por quotas de responsabilidadelimitada. E, não havendo dissociação entre propriedade e administração, a sualimitação de responsabilidade afigura-se muito mais claramente do que nasanônimas como uma concessão do Estado, a ser utilizada, além do lucro individual econtinuidade da companhia, para o bem comum.

Formalmente, a responsabilidade da companhia para com dívidas ouobrigações assumidas é ilimitada; a responsabilidade dos sócios, contudo, é limitadaao total do capital social, desde que este tenha sido totalmente integralizado; se estetiver sido totalmente integralizado, nada mais se poderá exigir dos sócios parapagamento das dívidas sociais (Decreto 3.708/19, art. 2º).

Tal sociedade é administrada por um ou mais sócios, que são denominadossócios-gerentes, cabendo-lhes executar a vontade da pessoa jurídica como sefossem órgãos sociais; se o contrato social nada dispuser a respeito, todos os sóciossão considerados gerentes. Não é permitido que pessoas estranhas à sociedadeexerçam a gerência. O sócio-gerente é responsabilizado pessoalmente (ou seja,transforma-se num sócio de responsabilidade ilimitada) quando praticar atoscontrários aos seus deveres, à lei ou ao contrato social, e que não foram autorizadosou ratificados pelos demais sócios, isto é, quando violar a lei ou o contrato social, ouextrapolar os poderes que lhe foram confiados.

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O conceito da personalidade jurídica distinta da dos sócios e/ouadministradores não é absoluto, conforme os poucos exemplos listados no itemanterior devem ter deixado claro. Às limitações que o ordenamento jurídico impõeàs atividades das empresas, procurando direcioná-las para o bem comum, somam-se as várias medidas de relativização de sua independência como entes distintosentre si, ou com relação a seus controladores ou administradores, em situaçõesespeciais. As precauções da legislação não são exageradas; neste item, analisar-se-ão os tipos mais comuns de abusos que podem ser cometidos sob a égide daspessoas jurídicas, com especial ênfase às instituições financeiras, por serem estasas que, mais expostas à globalização da economia e ao extraordinário crescimentodos fluxos monetários transnacionais, expõem-se mais facilmente a assumir umcomportamento anti-social e comprometedor da própria prosperidade do Estado.Com efeito, se é difícil, por exemplo, a uma indústria (seja ela extrativa, seja de bensde produção, seja de bens de consumo), ou a um empreendimento agro-pastoril,parecerem algo diferente daquilo que são, empresas não diretamente ligadas ao quese convencionou chamar “setor produtivo”, muito mais por sua própria flexibilidade e

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suas características operacionais do que por qualquer maldade intrínseca, podem vira se utilizar do instituto da personalidade jurídica para fins não previstos noordenamento jurídico. Quanto a isso, os abusos a serem analisados são,usualmente, de três tipos.

3ULPHLUR�7LSR�GH�$EXVR��RX�$EXVR�,QWUtQVHFR�D�)RUPD�&RQVWLWXWLYD�FRPR�,UUHDOLGDGH

Um primeiro tipo de abuso é constituir-se uma pessoa jurídica de umadeterminada forma apenas por simulacro. A principal modalidade de tal abuso sãoas sociedades anônimas que se comportam como sociedades por quotas deresponsabilidade limitada, ou, mais ainda, como comanditas. Nunca é demaislembrar que as sociedades anônimas têm tal nome por se constituírem emsociedades de capital, e não de pessoas; nelas, há uma nítida clivagem entre ossócios e os administradores. Dentro de tal óptica, a sociedade anônima que mais seaproxima do arquétipo para o qual foi criada, e que representa o mais sublime esteioda livre iniciativa, é aquela com o capital pulverizado e negociado em Bolsas deValores, e com administradores profissionais, que não são sócios; quanto mais elase afasta desse arquétipo, mais a forma se torna uma casca oca, um simulacro semsubstância. Elas, com efeito, deixam de ser anônimas, passam a ficar, mais e mais,ligadas a nomes, a pessoas, e não administradores, mas sócios-administradores.Quando tal ocorre, todo o complexo e delicado edifício legislativo, erguido parasalvaguardar os interesses dos sócios, em contraposição aos possíveis abusos daadministração, bem como para informar o público potencialmente investidor(assembléias, conselhos, forma de publicidade e publicação dos demonstrativoscontábeis, etc.) perde a razão de ser: para quê assembléias, se um pequeno gruposempre decidirá o que quiser, e há de eleger quem achar conveniente para osórgãos da administração? Para quê ampla publicidade das demonstrações, se asações, muitas vezes, nem sequer são negociadas em Bolsa? Para quê conselhosfiscais, se eles, muitas vezes, são formados pelos próprios acionistas-controladores-administradores, ou por pessoas de sua inteira confiança? São anônimas no nome,e em mais nada. Ouve-se, amiúde, a expressão “sócios minoritários”, e sempre sealardeia que tudo é feito para os proteger. Esquece-se que a melhor proteção paraos minoritários é que todos sejam minoritários, é que o capital seja pulverizado.Qualquer medida efetiva para a proteção dos minoritários, se é isso que se quer,passa por incentivos sérios à pulverização e à abertura do capital, bem como àprofissionalização da administração – em suma, passa por fazer com que asociedade anônima realmente opere como uma sociedade anônima.

Pode-se sempre argumentar que não há nada de absolutamente ilegal numasociedade anônima de capital fechado, constituída de poucos sócios que, emconjunto, controlam a maioria das, ou todas as, ações com direito a voto; mais ainda,pode-se argüir que, muitas vezes, a forma anônima é imposta por lei, e independedo desejo daqueles que a constituem. Tudo isso é certo, mas cumpre ressaltar que:D� o silêncio da lei, ou a sua tolerância, não significa, necessariamente, a aprovaçãoilimitada; quando uma coisa tem a aparência daquilo que não é, perde-se muito dasua transparência e credibilidade, para não falar dos mecanismos de controle que asociedade possa vir a ter sobre tal ente; e E� se a legislação impôs, para certas

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atividades, que as empresas haveriam de se constituir como anônimas, não o fez,certamente, com a intenção de criar aberrações, mas sim para que, nesses campos,julgados de vital importância para a nação, as empresas que neles atuassempudessem se constituir dentro das formas mais modernas e transparentes que osistema capitalista e o regime da livre iniciativa pudessem vir a oferecer.

No seu comportamento, muitas dessas anônimas mais se remetem às antigassociedades por nome coletivo, ou às comanditas, do que, mesmo, às sociedades porquotas de responsabilidade limitada. Se é possível tolerar tal prática em condiçõesnormais da atividade econômica (e o Estado que o faz, o faz por sua conta e risco),em condições de crise essas sociedades de índole teratológica são um perigo e umaameaça muito maiores que as suas congêneres antecessoras, porque passam poraquilo que não são, gerando uma falsa impressão de segurança e de conformidadeàs determinações do ordenamento jurídico.

Pois, numa sociedade em nome coletivo, as coisas são claras: é umasociedade em que há tudo a ganhar e tudo a perder; ao menos esta últimapossibilidade serve, de algum modo, como freio. Nas comanditas, o comanditáriosabe exatamente qual é o seu lugar, o que pode e o que não pode esperar; ele nãoé enganado nem aliciado; é um sócio de segunda classe, e sabe disso; não interferenos negócios da empresa, e, em contrapartida, sua responsabilidade é limitada. Se,diante da responsabilidade ilimitada, muitos ainda cometiam loucuras, quanto maisnão cometerão quando podem erguer entre si e a sociedade o muro de“personalidades” distintas?

E agora, nos dias de hoje, há sociedades que se apodam de “anônimas”, masque são formadas por um pequeno grupo de pessoas (ou, pior, de empresas departicipação, ligadas, por sua vez, a outras empresas de participação, e assim até aoinfinito, sem que, muitas vezes, se consigam vislumbrar as pessoas físicas por trásdisso), as quais controlam virtualmente todas as ações com poder de voto, bemcomo, muitas vezes, uma parte não negligenciável das ações sem direito a voto,ditas preferenciais; e uma plétora de “sócios” com pequenas participaçõesindividuais em ações preferenciais, sem direito a voto. Isso, diga-se o que se quiserdizer, para todos os efeitos práticos é uma comandita, não uma sociedade anônima.Numa crise, comportar-se-á como uma sociedade de pessoas; de fato, estátotalmente à mercê de um grupo de pessoas. O mínimo que se poderia esperar,nesses casos, é que sua responsabilidade fosse ilimitada.

6HJXQGR�7LSR�GH�$EXVR��RX�$EXVR�2SHUDFLRQDO��&RQJORPHUDGRV�H3DUWLFLSDo}HV�FRPR�/DELULQWRV�VHP�6DtGDV

Um labirinto é uma construção cuja finalidade é enganar; sua arquiteturasubordina-se inteiramente a essa função. Assim, encontram-se corredores que dãoem outros corredores, sem levar a nenhum destino; becos sem saída além dos quaisé impossível prosseguir; inúmeras simetrias em salas, escadas e passagens, nãopara fins estéticos, mas para enganar e tornar difícil saber-se exatamente em queparte se está.

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Um segundo tipo de abuso ao princípio da personalidade jurídica é entreteceruma série de empresas num labirinto ao qual se dá o nome de Conglomerado;nesses Conglomerados não hão de se encontrar apenas empresas efetivamenteligadas entre si, e que para isso possuam uma boa e sólida razão, unindo esforçospara a consecução mais eficaz de finalidades lícitas (empresas coligadas; empresascontroladas e controladoras; subsidiárias integrais e suas controladoras integrais),mas também empresas que participam umas nas outras, e as outras nas primeiras,passando por várias intermediárias; e, até mesmo, essa quintessência do nada, as“holdings” puras, empresas cujo único objeto social é a participação no capital deoutras, quaisquer que sejam elas. Lá também podem se albergar empresas que nãosão formalmente ligadas a outras (sejam coligadas, controladas ou subsidiáriasintegrais), mas cujo vínculo se dá apenas pela figura de sócios comuns, sóciosesses que também podem ser empresas, inclusive “holdings” puras; mais ainda,podem também lá aninhar-se empresas que, formalmente, não são ligadas entre sinem formalmente, nem por sócios comuns, nem sequer por administradorescomuns, mas sim por sócios que, por sua vez, são indiretamente ligados, por alguminstrumento legal (promissórias, empréstimos, ou o que seja), aos sócios dasprimeiras... As possibilidades são infinitas, como infinita é a criatividade daquelesque constróem essas redes.

Quando a legislação não impõe nenhuma limitação à constituição deconglomerados (por exemplo, quando a legislação permite que empresas financeirase não-financeiras possam fazer parte de um mesmo Conglomerado), a situaçãotorna-se proporcionalmente muito mais complexa. Deve-se notar que, se alegislação não impõe limites ao modo como serão constituídos Conglomerados, enem ao tipo de empresas que os podem compor, não o faz, certamente, paraestimular a confusão e a simulação, mas sim para incentivar a livre iniciativa,dotando-a de poderosos instrumentos com os quais possa promover a prosperidadeda nação e o bem social, mercê de união de esforços e economias de escala.

No caso específico das instituições financeiras, e tendo em vista a liberdadeque vem sempre caracterizando, no país, a constituição de Conglomerados, nosquais podem coexistir instituições financeiras, empresas não-financeiras, “holdings”puras e empresas ligadas apenas por sócios e/ou administradores comuns, tanto olegislador quanto a autoridade monetária sempre procuraram certificar-se de queesses conjuntos cumprissem a sua função social, quer limitando alguns tipos detransações entre empresas ligadas, quer procurando sempre mapear tais conjuntosda forma mais fiel possível.

De fato, a legislação pertinente ao Sistema Financeiro Nacional sempreproibiu o empréstimo a ligadas, no interesse não apenas da transparência doSistema, mas também como um meio eficaz de controlar riscos indesejáveis einjustificáveis. Entende-se por “empréstimo a ligada”, a conduta tipificável por umadupla capitulação legal, nomeadamente a da lei 4.595/64 (Lei do Sistema FinanceiroNacional), art. 34, incisos IV e V, e a da lei 7.492/86 (Lei dos Crimes contra oSistema Financeiro Nacional, dita Lei do Colarinho Branco), artigos 17 e 25. Osincisos IV e V do art. 34 da lei 4.595/64 vedam às instituições financeiras concederempréstimos ou adiantamentos às pessoas jurídicas de cujo capital participem com

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mais de 10% (dez por cento) elas mesmas, ou quaisquer dos diretores ouadministradores da própria instituição financeira, bem como seus cônjuges erespectivos parentes, até ao segundo grau. O art. 17 da lei 7.492/86 define comoum dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (com pena de reclusão de doisa seis anos, e multa) tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no art.25 daquela lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo acontrolador, a administrador, a membro de conselho estatutário, aos respectivoscônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até aosegundo grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por elaexercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas; o art. 25,adicionalmente, assevera que são penalmente responsáveis o controlador e osadministradores de instituição financeira, assim considerados os diretores egerentes, e que se equiparam aos administradores de instituição financeira ointerventor, o liqüidante ou o síndico.

Deve-se notar, adicionalmente, que os empréstimos a ligadas ferem,potencialmente, três outros dispositivos da lei 7.492/86, configurando, para aquelesque os tornaram possíveis, três crimes contra o Sistema Financeiro Nacional:divulgação de informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituiçãofinanceira (art. 3º); gerência fraudulenta de instituição financeira (art. 4º); indução emerro a sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operaçãoou situação financeira, sonegando-lhes informação ou prestando-a falsamente (art.6º). Com efeito: D� ao se não caracterizar, nas demonstrações financeiras ou nasinformações prestadas ao público, a receptora do empréstimo como ligada (e,obviamente, tal não será feito), divulga-se informação prejudicialmente incompletaacerca das operações da instituição financeira; E� ao se deferirem empréstimos aligadas, atitude, para além de ilegal, arriscada a um nível insuportável para aharmonia do Sistema Financeiro Nacional (e ilegal justamente por serdemasiadamente arriscada), arma-se um ardil (elemento subjetivo da fraude) cujoobjetivo último é lesar a poupança popular (elemento objetivo da fraude), estandopresentes, assim, tanto o HYHQWXV�GDPQL quanto o FRQVLOLXP�IUDXGLV; enfim, F� comoconseqüência de informações incompletas e gestão fraudulenta, são induzidos aerro (por falsa apreensão da realidade operacional da instituição) não apenas sóciosou a autoridade monetária, mas, principalmente, os que investem seus recursos nainstituição (ou seja, põe-se a risco a poupança popular). Adicionalmente, é de senotar que a concessão de empréstimo a ligadas constitui-se claramente em abusode poder (art. 117 da lei 6.404/76) e em falta ao Dever de Diligência (art. 153 docitado diploma legal), já comentados.

Essa preocupação está presente nos normativos emanados da autoridademonetária, eis que a alínea “a” do item IX da Resolução 1.559/88 veda àsinstituições financeiras a realização de operações que não atendam aos princípiosde seletividade, garantia, liqüidez e diversificação de riscos; o empréstimo a ligadas,obviamente, fere tal dispositivo.

A aplicação dos princípios legais e normativos citados supra sofreriairreparavelmente se não se dispusesse de um aparato normativo adicional quepossibilitasse à autoridade monetária efetivamente mapear os Conglomerados, a fim

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de identificar as empresas, financeiras ou não, que pudessem ser consideradasligadas entre si. Tal preocupação, fundamental para a transparência e credibilidadedo Sistema Financeiro Nacional, vem sendo perseguida de há muito; de fato, desdea confecção das Normas Básicas do Plano Contábil das Instituições do SistemaFinanceiro Nacional, conhecidas como COSIF. O item 21 de tais normas, daqui emdiante denominado COSIF 1.21, versa sobre justamente sobre a ConsolidaçãoOperacional das Demonstrações Financeiras, ou seja, sobre o modo de se obter umúnico conjunto de demonstrações contábeis que espelhem a situação patrimonial deum Conglomerado; de fato, nas palavras do próprio COSIF, tal consolidação tem porobjetivo (COSIF 1.21.1.1) “... apurar informações contábeis de duas ou maisinstituições integrantes de conglomerado financeiro, como se em conjuntorepresentassem uma única entidade”; logo a seguir (COSIF 1.21.1.2) é definido oConglomerado Financeiro, para os fins da referida consolidação operacional:

³&RQJORPHUDGR� ILQDQFHLUR�� SDUD� R� ILP� GD� FRQVROLGDomR� RSHUDFLRQDO� GDV'HPRQVWUDo}HV� )LQDQFHLUDV�� p� R� FRQMXQWR� GH� HQWLGDGHV� ILQDQFHLUDVYLQFXODGDV��GLUHWDPHQWH�RX�QmR��SRU�SDUWLFLSDomR�DFLRQiULD�RX�SRU�FRQWUROHRSHUDFLRQDO�HIHWLYR��FDUDFWHUL]DGR�SHOD�DGPLQLVWUDomR�RX�JHUrQFLD�FRPXP�RX�SHOD�DWXDomR�QR�PHUFDGR�VRE�D�PHVPD�PDUFD�RX�QRPH�FRPHUFLDO�´

Tal definição é por demais clara, tendo sido, inclusive, objeto de estudo detrabalho anterior. Deve-se notar que os contornos de atuação dados à supervisãobancária pelo COSIF 1.21, no que se refere a Conglomerados, são abrangentestanto no tipo de instituição (conforme se depreende da definição acima) quanto naárea geográfica; de fato, o COSIF 1.21.1.4, reportando-se ao art. 8º da Circular2.397/93 e ao art. 2º da Circular 2.571/95, estabelece que “... as demonstrações doconsolidado operacional devem ser elaboradas incluindo dependências eparticipações societárias em instituições financeiras, subsidiárias e controladas, nopaís e no exterior”. Como principal fonte de informações a esse respeito, dispõe asupervisão bancária do item 17 do Anexo II da Circular 2.502/94. Tal item obriga,para os casos de permissão de funcionamento de nova instituição financeira,transferência de controle acionário, fusão, cisão ou incorporação, que seja informadaà autoridade monetária a existência de participação societária do(s) controlador(es)e/ou administradores em outras empresas, quando superior a 10% (dez por cento)do capital votante. A abrangência de tal item é geral, ou seja, compreende, paracada controlador ou administrador, as participações tanto no país quanto no exterior.

Como se pode depreender de todas as considerações traçadas neste item atéao presente ponto, ao conceder plena liberdade de constituição aos Conglomerados,tanto a legislação quanto o arcabouço normativo sob a guarda do Banco Central doBrasil, responsável pelo mapeamento dos mais complexos e arriscados de todos, osConglomerados Financeiros, ou Econômico-Financeiros (sendo estes últimosconsiderados como aqueles nos quais se encontra presente ao menos umainstituição financeira, como tal definida pela lei 4.595/64, ou uma empresa que, parafins penais, a ela se possa equiparar, conforme estatuído pela lei 7.492/86),procuraram inequivocamente erigir, de modo simultâneo, leis e normativos queprocurassem impedir ou, ao menos, minorar até ao limite do aceitável, o uso de

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complexas estruturas com o fito de fraude à lei. Quanto a isso, a situação torna-semais complexa, mas, ao mesmo tempo, infinitamente mais fascinante e digna deaprofundados estudos, quando partes do Conglomerado encontram-se noestrangeiro, isto é, potencialmente fora do alcance das medidas profiláticas daautoridade monetária brasileira e beneficiando-se, muitas vezes, de concessão denacionalidade alienígena pelo critério da incorporação; tal situação será analisada noitem a seguir.

7HUFHLUR�7LSR�GH�$EXVR��RX�$EXVR�*HRJUiILFR�D�7HUULWRULDOLGDGH�GDV�/HLV�FRPR�(VFXGR�GD�,OHJDOLGDGH

Tal tipo de abuso vem se tornando mais freqüente, devido à dificuldade queas supervisões bancárias possuem, no mundo todo, de detectá-lo e, detectando-o,suprimi-lo. De fato, não se estendendo a autoridade do Estado além de suasfronteiras, sua mão não poderia alcançar empresas constituintes de Conglomeradosque se situassem no exterior. Se uma dessas empresas pudesse estabelecer-senum país cujo critério para determinação da nacionalidade fosse a incorporação, ese as leis desse país proibissem a abertura, para quaisquer autoridadesestrangeiras, das informações referentes às suas captações e aplicações, ter-se-iaela transformado, legalmente, numa inacessível “caixa preta”. Países que registramempresas nesses termos são usualmente conhecidos como “paraísos fiscais”.

Deve-se notar que, nesse caso, a empresa sequer existe fisicamente noparaíso fiscal, mas nele é somente incorporada (a fim de lhe ganhar anacionalidade). No caso brasileiro, tal situação é potencialmente grave, pois,conforme já se demonstrou neste trabalho, a nacionalidade de uma empresaestrangeira é aqui determinada pelo critério da incorporação, sendo a capacidade dapessoa jurídica definida por sua nacionalidade. A título de exemplo, imaginem-seduas empresas financeiras, “A” e “B”. A empresa “A” tem sua sede no Brasil; seussócios decidem criar uma nova empresa, “B”, escolhendo para sede um paraísofiscal “X”. Tendo sido incorporada em “X”, preenchendo todas as formalidadeslegais, “B” passa a ter, aos olhos da lei brasileira, a nacionalidade de “X”, sendo suacapacidade regida pelas leis daquele paraíso fiscal. A partir de tal situação, criam-seinfinitas possibilidades de fraude. Se os sócios se dignarem informar à autoridademonetária brasileira a existência de “B” (pois podem simplesmente não o fazer), nostermos do disposto no item 17 do Anexo II da Circular 2.502/94, fazendo-a constardo Conglomerado, ainda assim podem se negar a prestar certas informações aosencarregados da inspeção bancária, alegando necessidade de obediência àlegislação de “X”. Está criado um impasse.

Note-se que, no exemplo acima citado, há, teoricamente, duas empresas, “A”e “B”, de nacionalidades distintas e de distintas personalidades jurídicas, regidasinclusive por leis distintas. Na prática, o que existe é um mero braço de “A”incorporado em “X”, mas sequer aí presente (usualmente sua presença em “X”restringe-se a uma caixa-postal e a um procurador local), cuja única função, além dese beneficiar de eventuais incentivos fiscais, é acobertar uma série de operaçõesilícitas à luz da legislação brasileira, ou lesivas ao interesse nacional. Um outroaspecto, mais terrível, dessa situação diz respeito à proveniência dos recursos de

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“B”: não sendo objeto de investigação por parte da autoridade monetária brasileira,não há sequer como validar a sua proveniência.

Diante de uma situação tão ingrata, os responsáveis pela supervisão dosistema financeiro, em todos os países, bem como a autoridade monetária brasileira,não se têm em absoluto mostrado inertes. No âmbito geral, podem ser citadas asnovas análises e interpretações dos princípios da área criminal e penal do DireitoInternacional Privado, bem como as atividades do Comitê de Supervisão Bancáriada Basiléia, ligado ao Banco Internacional de Compensações; no âmbito nacional, édigna de menção a absorção dessas tendências na edição de normativos defundamental importância para o mapeamento de Conglomerados Econômico-Financeiros de índole transnacional, nomeadamente a Resolução 2.302/96,substituída (e melhorada) pela Resolução 2.674/99.

Inicialmente, podem ser sucintamente apresentadas e analisadas as novastendências concernentes aos princípios de jurisdição territorial, no âmbito do DireitoInternacional Privado. A comunidade internacional compõe-se de um conjunto deEstados soberanos; a cada um deles podem ser aplicados uma série de princípiosreferentes à sua jurisdição, isto é, à sua capacidade de impor o seu ordenamentojurídico; tais princípios podem ser subdivididos em duas grandes áreas: os princípiosligados à jurisdição territorial e os ligados à jurisdição extraterritorial. O primeirogrupo analisa a ligação entre um ato ilícito, um crime, e o local (ou locais) onde talcrime se desenrola, em todas as suas etapas: do seu início (aí incluído oplanejamento do mesmo, bem como todas as condições que propiciaram oufacilitaram tal planejamento) até à sua execução ou consumação (aí incluídas,igualmente, todas as condições que tornaram-na possível ocorrer onde ocorreu).Compõe-se tal grupo de três princípios, um geral e de mais antiga feitura, ligado àautoridade absoluta de um Estado soberano dentro de suas fronteiras, e doisrelativos, que contemplam crimes iniciados e/ou planejados num país e terminadose/ou executados em outro; esses dois últimos derivaram, em última análise, doinstituto da cortesia internacional, e relativizam o exclusivismo territorial do primeiro:

3ULQFtSLR� *HUDO�� RX� GD� 7HUULWRULDOLGDGH� $EVROXWD� Cada Estado soberanotem o direito de impor suas leis em todo o seu território, exigindo também que,dentro de suas fronteiras, apliquem-se tão-somente as suas leis.Conseqüentemente, cada Estado soberano tem competência para punir crimescometidos em seu território, de forma exclusiva e absoluta.

3ULQFtSLR� GD� 7HUULWRULDOLGDGH� 6XEMHWLYD� Cada Estado soberano temcompetência jurisdicional para punir um crime que tenha sido iniciado em suasfronteiras territoriais, mesmo que se tenha completado ou consumado além delas

3ULQFtSLR� GD� 7HUULWRULDOLGDGH� 2EMHWLYD� Cada Estado soberano temcompetência jurisdicional para punir um crime que tenha sido consumado dentro desuas fronteiras territoriais, mesmo que tenha sido iniciado além delas.

De fato, a relativização do rígido princípio da territorialidade não é nova;desde há muito as cortes de justiça possuem prerrogativas de extraterritorialidade

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em casos como traição, assassinado e bigamia, além de inúmeros outros crimes; anoção de que todo o crime é local, assim, nunca foi absoluta no âmbito do DireitoInternacional. De fato, no chamado &DVR� /RWXV, envolvendo França e Turquia(1927), a Corte Permanente Internacional de Justiça, embora explicitamentereconhecesse o princípio de que a primeira e maior restrição que a lei internacionalimpunha a um Estado soberano era a incapacidade de este exercer sua autoridadealém de suas fronteiras nacionais, também estatuía que:

³������QmR�VH�FRQFOXL�GDt�TXH�HVVD�PHVPD�OHL�LQWHUQDFLRQDO�SURtED�XP�(VWDGRGH�H[HUFHU� MXULVGLomR�HP�VHX�WHUULWyULR�D�UHVSHLWR�GH�TXDOTXHU�FDVR�TXH�VHUHILUD�D� Do}HV�SUDWLFDGDV�QR�H[WHULRU� ������� � /RQJH�GH� LPSRU� XPD�SURLELomRFDWHJyULFD�D�TXH�(VWDGRV�VREHUDQRV�QmR�SRVVDP�HVWHQGHU�D�DSOLFDomR�GHVXDV� OHLV� H� D� MXULVGLomR� GH� VXDV� FRUWHV� D� SHVVRDV�� SURSULHGDGHV� H� Do}HVIRUD�GH�VHX�WHUULWyULR��D� OHL� LQWHUQDFLRQDO��D�HVVH�UHVSHLWR�� OKHV�GHL[D�DPSORJUDX�GH�GLVFULFLRQDULHGDGH��DSHQDV� OLPLWDGR�HP�FHUWRV�FDVRV� ������� �$SHVDUGR�IDWR�GH��HP�WRGRV�RV�VLVWHPDV�OHJDLV��R�SULQFtSLR�WHUULWRULDO�GR�FULPH�VHUIXQGDPHQWDO��p�LJXDOPHQWH�YHUGDGHLUR�TXH�WRGRV�HVVHV�VLVWHPDV�HVWHQGHPVXD� DomR� D� DWRV� LOtFLWRV� FRPHWLGRV� IRUD� GH� VXDV� UHVSHFWLYDV� IURQWHLUDVWHUULWRULDLV�� H� ID]HP�QR� GH� YiULRV� PRGRV�� TXH� YDULDP� GH� (VWDGR� SDUD(VWDGR�� � $� WHUULWRULDOLGDGH� GD� OHL� FULPLQDO�� SRUWDQWR�� QmR� p� XP� SULQFtSLRDEVROXWR�GR�'LUHLWR� ,QWHUQDFLRQDO��H�QHP�VHTXHU�FRLQFLGH�FRP�D�VREHUDQLDWHUULWRULDO�´

Note-se, aliás, que os princípios da Territorialidade Absoluta e Relativaencontram-se presentes no art 2 º da lei 8.884/94 (lei antitruste).

O segundo grupo diz respeito a princípios de jurisdição extraterritorial, quandoa comunidade internacional, como um todo, é afetada; não se consideram, aqui, oslimites ou extensões da jurisdição de um determinado Estado soberano, mas sim osimples fato de que determinados atos ilícitos são, por suas próprias características,crimes internacionais, cuja apuração e punição não podem ser restringidas porconsiderações nacionais – já que afetam toda a comunidade dos Estadossoberanos. Nesse grupo, há quatro princípios:

3ULQFtSLR�GD�1DFLRQDOLGDGH� Sendo a nacionalidade uma marca inequívocade demonstração, ou de escolha, de fidelidade, cada Estado soberano tem jurisdiçãosobre os seus nacionais, sem qualquer limite territorial; por extensão, pode vir a ter,igualmente, jurisdição sobre estrangeiros que, em virtude de residência prolongada,sub-repticiamente tornam-se obrigados a essa mesma fidelidade.

3ULQFtSLR� GD�3HUVRQDOLGDGH�3DVVLYD� Cada Estado soberano tem o direitode punir estrangeiros por atos ilícitos, mesmo praticados no estrangeiro, queatentem contra os seus nacionais. Muitos têm visto nesse princípio um abuso dedireito, mas tal não é o caso, já que ele aplica-se apenas a atos ilícitos.

3ULQFtSLR�GD�3URWHomR��RX�GD�6HJXUDQoD�1DFLRQDO� Cada Estado soberanotem o direito de exercer jurisdição extraterritorial no caso de ilícitos praticados porestrangeiros que atentem à sua segurança nacional, crédito, soberania ouintegridade territorial, tendo em vista que não se pode tomar por garantido que todosos Estados soberanos possuam em seus respectivos ordenamentos jurídicos leispróprias que restrinjam, nos seus territórios, atividades subversivas contra seus

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vizinhos, ou contra quaisquer outros Estados soberanos. A pedra de toque de talprincípio foi a decisão de uma corte inglesa (caso -R\FH�YV��'33, 1946) segundo aqual um estrangeiro que deixou o Reino Unido munido de um passaporte britânicofoi culpado de traição, por ter, subseqüentemente, espalhado propaganda anti-britânica para o inimigo, em tempo de guerra.

3ULQFtSLR�GR�,QWHUHVVH�8QLYHUVDO� Toma-se como presunção absoluta o fatode que a supressão do crime é desejada por todos os Estados soberanos, bemcomo por toda a Humanidade. Desse modo, crimes contra a Humanidade, quer osdiretamente afetando as pessoas físicas (como o genocídio, a escravidão, o tráficode mulheres ou crianças, ou o tráfico de drogas), quer os que afetam a própriaordem econômica mundial e, portanto, o equilíbrio entre as nações, são,intrinsecamente, de jurisdição supranacional.

O posicionamento dos responsáveis pela supervisão das instituiçõesfinanceiras, internacionalmente, vem seguindo nitidamente tais tendências; aemergência de um mercado financeiro global em muito aumentou as dimensões e acomplexidade dos Conglomerados Financeiros, ou Econômico-Financeiros, deíndole transnacional. Tendo em vista o conseqüente aumento dos riscos globaisenvolvidos, tanto pela referida complexidade das teias organogramáticas e de fluxosde recursos quanto pela emergência de novos tipos de operações financeiras(nomeadamente, as ligadas a mercados derivativos), o Comitê de SupervisãoBancária do Banco Internacional de Compensações, também conhecido por Comitêda Basiléia (pelo fato de a sede do Banco Internacional de Compensações situar-senessa cidade da Suíça) emitiu, em setembro de 1997, sua publicação de nº 30,intitulada “Regras Gerais para uma Supervisão Bancária Eficaz” (&RUH�3ULQFLSOHV�IRU(IIHFWLYH�%DQNLQJ�6XSHUYLVLRQ), na qual elenca e comenta vinte e cinco princípios aserem seguidos nas atividades de supervisão bancária com o objetivo de fortalecer osistema financeiro internacional e diminuir-lhe o risco, tendo em vista a constataçãode que ³�����Z�HDNQHVVHV�LQ�WKH�EDQNLQJ�V\VWHP�RI�D�FRXQWU\��ZKHWKHU�GHYHORSLQJ�RUGHYHORSHG��FDQ�WKUHDWHQ�ILQDQFLDO�VWDELOLW\�ERWK�ZLWKLQ�WKDW�FRXQWU\�DQG�LQWHUQDWLRQDOO\�7KH� QHHG� WR� LPSURYH� WKH� VWUHQJWK� RI� ILQDQFLDO� V\VWHPV� KDV� DWWUDFWHG� JURZLQJLQWHUQDWLRQDO�FRQFHUQ” (op. cit, Preâmbulo). O vigésimo princípio do referido elencolida diretamente com a necessidade de conhecimento dos ConglomeradosFinanceiros: “Um elemento essencial na supervisão bancária é a capacidade dossupervisores de analisar os Conglomerados numa base consolidada”��³$Q�HVVHQWLDOHOHPHQW� RI� EDQNLQJ� VXSHUYLVLRQ� LV� WKH� DELOLW\� RI� WKH� VXSHUYLVRUV� WR� VXSHUYLVH� WKHEDQNLQJ� JURXS� RQ� D� FRQVROLGDWHG� EDVLV´). O comentário tecido a respeito desseprincípio é ainda mais esclarecedor:

³$Q�HVVHQWLDO�HOHPHQW�RI�EDQNLQJ�VXSHUYLVLRQ�LV�WKH�DELOLW\�RI�WKH�VXSHUYLVRUVWR�VXSHUYLVH�WKH�FRQVROLGDWHG�EDQNLQJ�RUJDQLVDWLRQ��7KLV�LQFOXGHV�WKH�DELOLW\WR�UHYLHZ�ERWK�EDQNLQJ�DQG�QRQ�EDQNLQJ�DFWLYLWLHV�FRQGXFWHG�E\�WKH�EDQNLQJRUJDQLVDWLRQ��HLWKHU�GLUHFWO\�RU�LQGLUHFWO\��WKURXJK�VXEVLGLDULHV�DQG�DIILOLDWHV��DQG�DFWLYLWLHV�FRQGXFWHG�DW�ERWK�GRPHVWLF� DQG� IRUHLJQ�RIILFHV��6XSHUYLVRUVQHHG�WR�WDNH�LQWR�DFFRXQW�WKDW�QRQ�ILQDQFLDO�DFWLYLWLHV�RI�D�EDQN�RU�JURXS�PD\SRVH� ULVNV� WR� WKH� EDQN�� 6XSHUYLVRUV� VKRXOG� GHFLGH� ZKLFK� SUXGHQWLDOUHTXLUHPHQWV�ZLOO�EH�DSSOLHG�RQ�D�EDQN�RQO\��VROR��EDVLV��ZKLFK�RQHV�ZLOO�EHDSSOLHG� RQ� D� FRQVROLGDWHG� EDVLV�� DQG� ZKLFK� RQHV� ZLOO� EH� DSSOLHG� RQ� ERWKEDVHV��,Q�DOO�FDVHV��WKH�EDQNLQJ�VXSHUYLVRUV�VKRXOG�EH�DZDUH�RI�WKH�RYHUDOO

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VWUXFWXUH� RI� WKH� EDQNLQJ� RUJDQLVDWLRQ� RU� JURXS� ZKHQ� DSSO\LQJ� WKHLUVXSHUYLVRU\�PHWKRGV�� �%DQNLQJ�VXSHUYLVRUV�VKRXOG�DOVR�KDYH� WKH�DELOLW\� WRFRRUGLQDWH�ZLWK�RWKHU�DXWKRULWLHV�UHVSRQVLEOH�IRU�VXSHUYLVLQJ�VSHFLILF�HQWLWLHVZLWKLQ�WKH�RUJDQLVDWLRQV�VWUXFWXUH�´

A preocupação do Comitê da Basiléia com relação ao tema, bem como aimportância que a ele atribui, justificou a emissão (fevereiro de 1999) da publicaçãonº 47, intitulada “Supervisão em Conglomerados Financeiros” (6XSHUYLVLRQ� RI)LQDQFLDO� &RQJORPHUDWHV), em conjunto com a Organização Internacional dasComissões de Valores Mobiliários (,QWHUQDWLRQDO� 2UJDQLVDWLRQ� RI� 6HFXULWLHV&RPPLVLRQV��,26&2) e com a Associação Internacional de Supervisores de Seguros�,QWHUQDWLRQDO� $VVRFLDWLRQ� RI� ,QVXUDQFH� 6XSHUYLVRUV�� ,$,6). Enfim, em outubro de1999, o Comitê lançou a público sua publicação nº 61, “Metodologia dos PrincípiosGerais” (&RUH�3ULQFLSOHV�0HWKRGRORJ\), explicitando, para cada um dos vinte e cincoprincípios, condições tanto essenciais quanto adicionais que devem estar presentesno ambiente de supervisão bancária, objetivando a plena e correta aplicação dosreferidos princípios; tais condições referem-se tanto aos padrões de atuação aserem exigidos dos próprios órgãos de supervisão quanto aos meios e poderes,especialmente legais e normativos, que a esses órgãos devem ser fornecidos, a fimde que possam cumprir a contento suas funções. Quanto ao princípio nº 20, citadoacima, referente à supervisão consolidada, oito condições essenciais são elencadas:

�� A supervisão deve conhecer a estrutura do Conglomerado, bem comsuas atividades, inclusive das partes eventualmente sob supervisão deoutros agentes;

�� A supervisão deve ter condições de avaliar o grau de risco dasatividades não-financeiras conduzidas pelo Conglomerado;

�� A supervisão deve ter autoridade legal para examinar todas asatividades de uma instituição financeira, tanto aquelas por eladiretamente conduzidas (incluindo as agências no exterior) quanto asconduzidas por intermédio de subsidiárias ou afiliadas;

��� Não deve haver impedimento à fiscalização de afiliadas ousubsidiárias, quer se trate de supervisão direta, quer de indireta;

�� Deve ser estabelecido explicitamente na legislação, ou à supervisãodeve ser delegada autoridade para, a imposição de padrõesprudenciais de comportamento a todo o Conglomerado, em baseconsolidada, tais que incluam adequação de capital, exposição aorisco e limites de endividamento;

�� Deve ser possível a coleta de informações financeiras consolidadaspara cada instituição;

�� Deve haver, se relevante, relacionamento entre os órgãos desupervisão e a auditoria interna das instituições, de modo a agilizar o

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recebimento de informações concernentes à sua saúde financeira e àadequação do seu gerenciamento de risco;

�� A supervisão deve ter autoridade para limitar ou circunscrever oespectro de atividades do Conglomerado além das suas fronteirasnacionais, assegurando-se de que as atividades permitidas sejamadequadamente supervisionadas, não comprometendo a segurança ea hidigez do mesmo.

Além disso, listam-se condições adicionais, a serem implementadas noscasos em que for permitido que empresas (pessoas jurídicas) sejam sócias, oucontroladoras, de instituições financeiras (caso do Brasil):

D� a supervisão deve ter autoridade para analisar as atividades dascontroladoras, bem como as relações das controladoras com suassubsidiárias, a fim de aferir a segurança e a solidez das instituiçõesfinanceiras;

E� a supervisão deve ter autoridade para tomar as medidas corretivasnecessárias, tanto nas instituições financeiras quanto nas suassubsidiárias não financeiras, com o objetivo de garantir a segurança ea solidez das instituições financeiras;

F� a supervisão deve ter autoridade para estabelecer e exigir padrõesapropriados aos quais devam se submeter sócios e administradores dealto escalão das instituições financeiras.

A possibilidade de, acoplando-se o conceito da personalidade jurídica (comoente distinto de seus sócios e/ou administradores) com o da territorialidade das leis,encobrirem-se condutas ilícitas, arriscadas e nocivas ao interesse público é, assim,explicitamente reconhecida no âmbito do Direito Internacional Privado, bem comopelos organismos internacionais representantes das agências encarregados dasupervisão bancária (aqui subentendendo-se supervisão bancária como fiscalizaçãodo sistema financeiro). Quanto a isso, editou a autoridade monetária brasileira,sucessivamente, dois normativos, inicialmente a Resolução 2.302/96, e depois aResolução 2.674/99, que a substituiu e aperfeiçoou, mas que não alterou asistemática e nem o escopo da consolidação exigida para os ConglomeradosFinanceiros, conforme se verá a seguir.

A Resolução 2.302/96 estabelecia normas e procedimentos para a instalaçãode dependências e para a participação societária, direta ou indireta, no exterior, deinstituições financeiras. No que se referia ao controle dos Conglomerados, suasprincipais disposições eram as que se seguem:

�� A instalação de dependência e a participação societária, direta ou indireta,no exterior, continuavam a depender de prévia autorização do Banco Central doBrasil (art. 2º, FDSXW);

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�� O Banco Central do Brasil somente autorizaria a instalação de dependênciae a participação societária, direta ou indireta, no exterior, mediante a declaração daautoridade de supervisão estrangeira garantindo o acesso do Banco Central doBrasil, para fins de supervisão global consolidada, a informações, dados edocumentos referentes às operações e aos registros contábeis da dita dependênciaou participação, se se tratasse de instituição financeira ou assemelhada (art. 2º,inciso III, alínea “a”), ou de declaração, firmada por quem de direito, garantindo ofornecimento, sempre que solicitado pelo Banco Central do Brasil, de informaçõesreferentes às operações e aos registros contábeis, se se tratasse de participação emempresa não-financeira (art. 2º, inciso III, alínea “b”), bem como, em ambos oscasos, de apresentação de estudo de viabilidade econômico-financeira dadependência a ser instalada ou do investimento a ser efetuado (art 2º, inciso III,alínea “c”);

�� Era tornada explicitamente obrigatória a elaboração e o envio ao BancoCentral do Brasil, na forma que este solicitasse, das demonstrações financeirasconsolidadas, nos termos do COSIF 1.21, de todas as instituições integrantes doConglomerado Financeiro, inclusive as instituições financeiras e assemelhadas dasquais participasse a instituição, direta ou indiretamente, com 25% ou mais do capitalsocial (art. 3 º, inciso IV).

Nota-se que as regras de consolidação das demonstrações contábeis porparte dos Conglomerados Financeiros eram obtidas a partir da aplicação simultâneado COSIF 1.21 e da Resolução 2.302/96; uma primeira leitura das disposições daResolução poderia levar à interpretação de que a consolidação das dependênciasou participações no exterior dava-se apenas via participações de empresas emempresas, já que a referência ao COSIF 1.21 no art. 3º era oblíqua: referia-se aomodo de se realizar a consolidação ou à própria definição de ConglomeradoFinanceiro (COSIF 1.21.1.2)? Obviamente, a referência era a todo o COSIF 1.21,logo, incluía a lata definição de Conglomerado Financeiro nele contida; de fato, oefeito principal da Resolução 2.302/96 foi estender inequivocamente os conceitos eprocessos consolidativos do COSIF 1.21 às participações societárias, diretas ouindiretas, mantidas por instituições financeiras nacionais no exterior.

No bojo da nova edição dos Princípios da Comissão da Basiléia (1997), bemcomo da edição da Metodologia dos Princípios Gerais (publicada em outubro de1999, mas em estudo e maturação desde há muito), tornou-se oportuna uma revisãoda Resolução 2.302/96, não para modificar a sua linha de atuação, que era,conforme se comentou no parágrafo anterior, a extensão do COSIF 1.21 àsparticipações societárias, diretas ou indiretas, mantidas por instituições financeirasnacionais no exterior, mas sim para tornar mais explícita tal relação, aproveitando-seigualmente a ocasião para incluir num único normativo as dependências eparticipações societárias no país. Dentro desse espírito foi publicada, aos 21 dedezembro de 1999, a Resolução 2.674/99, mais ampla em seu escopo, pois passoua estabelecer normas, FRQGLo}HV e procedimentos para a instalação dedependências e para a participação societária, direta ou indireta, QR� SDtV� RX� QRH[WHULRU, de instituições financeiras. No que tange especificamente ao mapeamentodos Conglomerados Financeiros, suas principais disposições são as que seguem:

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�� A instalação de dependência e a participação societária, direta ou indireta,no país ou no exterior, continuam a depender de prévia autorização do BancoCentral do Brasil (art. 2º, FDSXW);

�� As instituições financeiras devem elaborar demonstrações financeiras deforma consolidada, incluindo as participações em empresas localizadas no país e noexterior em que detenham, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjuntocom outros sócios, inclusive em função da existência de acordo de votos, direitos desócio que lhes assegurem, isolada ou cumulativamente: I – preponderância nasdeliberações sociais; II – poder de eleger ou destituir a maioria dos administradores;III – controle operacional, caracterizado pela administração ou gerência comum, oupela atuação no mercado sob a mesma marca ou nome comercial; IV – controlesocietário, representado pelo somatório das participações detidas pela instituição,independentemente de percentual, com as de titularidade de seus administradores,controladores e empresas ligadas, bem como daquelas adquiridas, direta ouindiretamente, por intermédio de fundos de investimento (art. 3º, FDSXW e I-IV);

���O Banco Central do Brasil somente concederá autorização para instalaçãode dependências no exterior, e a participação societária, direta ou indireta, eminstituições financeiras ou assemelhadas, no exterior, se puder dispor deinformações, dados e documentos necessários à avaliação das operações ativas epassivas daqueles investimentos no exterior, de forma a assegurar a supervisãoglobal consolidada (art. 2º, parágrafo 2º); tal autorização implica a autorização deacesso livre e irrestrito, por parte do Banco Central do Brasil, às informações no quese refere aos riscos assumidos pelas participações, independentemente de suaatividade operacional. (art. 2º, parágrafo 3º);

�� Somente serão admitidas participações societárias em empresas sediadasem países com tributação favorecida, conforme definição da legislação tributária, noscasos em que fique assegurado o controle por parte da instituição participante (art.2º, parágrafo 4º).

O simples exame dos itens elencados acima, comparando-se-os com os itensrespectivos da antiga Resolução 2.302/96 e com os ditames do COSIF 1.21, jácomentados, mostram que, em essência, nada mudou; apenas os termos ficarammais explícitos, e mais clara e imediata a sua aplicação. Relendo-se com cuidado eatenção as quatro disposições elencadas supra a respeito da Resolução 2.674/99, ecomparando-as com o vigésimo princípio do Comitê da Basiléia, bem como com osseus comentários e condições de aplicação, tanto essenciais quanto adicionais,nota-se claramente que o normativo da autoridade monetária nacional mais não fazdo que operacionalizar, no ambiente específico do Sistema Financeiro Nacional, o lápreconizado. Adicionalmente, uma leitura bastante atenta das disposições daResolução 2.674/99 à luz das novas tendências a respeito da jurisdição territorial eextraterritorial mostra que ela possibilita, se necessário, que o Estado soberanobrasileiro, a partir de seus órgãos de supervisão bancária, exerça de modo efetivo asprerrogativas que lhe são próprias referentes aos Princípios da TerritorialidadeSubjetiva, Territorialidade Objetiva, Segurança Nacional e Interesse Universal.

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Desse modo, todo um arcabouço normativo está construído, pelo menosdesde 1996, o qual impede que qualquer membro de um Conglomerado Financeiro,nos termos do art. 3º da Resolução 2.674/99, se negue a realizar a consolidação deseus demonstrativos contábeis, nos termos do COSIF 1.21, ou a permitir ao BancoCentral do Brasil acesso a todas as informações, dados e documentos necessários àavaliação de suas operações ativas e passivas, de forma a assegurar a supervisãoglobal consolidada, trate-se de que instituição for, esteja onde estiver, diga o quedisser a legislação do país onde se encontre (condições necessárias nº 5 e nº 8, econdições adicionais, para a aplicação do vigésimo Princípio do Comitê da Basiléia;princípios da Segurança Nacional e do Interesse Universal referentes à jurisdiçãoextraterritorial sobre ilícitos no âmbito do Direito Internacional Privado); a negativa,ou a procrastinação, configuram claramente embaraço à Fiscalização(descumprimento do art. 37 da lei 4.595/64, que assim determina: “As instituiçõesfinanceiras [...] ficam obrigadas a fornecer ao Banco Central, na forma por eledeterminada, os dados ou informes julgados necessários para o fiel cumprimento desuas obrigações”), bem como crime contra o Sistema Financeiro Nacional (art. 6 º dalei 7.492/86, que define como um dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional“induzir ou manter em erro sócio, investidor ou repartição pública competente,relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ouprestando-a falsamente”): não se podem escudar em prescrições de legislaçãoalienígena, pois têm as instituições a obrigação de conhecer tanto a legislação doBrasil quanto a do país onde pretendem estabelecer uma dependência, ou adquiriruma participação, direta ou indireta, ligada por controle operacional ou societário (jáque é um princípio universalmente aceito que ninguém pode deixar de cumprir umalei alegando ignorância da mesma); assim, deve ser presumido que conhecem tantoas normas da autoridade monetária brasileira quanto as da autoridade monetária dopaís onde se querem instalar; se há conflito entre tais normas, ou tomam asprovidências para resolver tais conflitos ou, se isso é impossível, optam ou por nãoinstalar a dependência, ou adquirir a participação, ou por abandonar as atividadesno Brasil e transferirem suas operações para o citado país.

Crê-se já se ter comentado o suficiente acerca dos diferentes tipos de abusosdo instituto da personalidade jurídica, bem como uma série de remédios para oscombater. Tais remédios são todos de índole especificamente legal ou normativa,ou seja, estão explicitamente presentes na legislação ou nas normas, e todosapontam na mesma direção, qual seja, a da relativização do conceito dapersonalidade jurídica, da responsabilidade limitada de seus sócios e/ouadministradores e do caráter local, ou territorial, do ilícito. Para concluir o presentetrabalho, analisar-se-á a seguir o remédio mais radical que pode ser utilizado,quando a personalidade jurídica não é apenas relativizada, é ignorada.

$�ÒOWLPD�)URQWHLUD��D�'HVFRQVLGHUDomR�GD�3HUVRQDOLGDGH�-XUtGLFD

A desconsideração da personalidade jurídica é um instituto segundo o qual apersonalidade jurídica de uma empresa é momentaneamente ignorada, para umcaso concreto e durante um período determinado, a fim de se alcançar diretamente apessoa do sócio, seja ele pessoa física ou jurídica, responsabilizando-o por fraudes

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ou outros ilícitos praticados em nome da instituição. Tal instituto não anula, nemextingue, uma pessoa jurídica, mas apenas trata-a como se não existisse, e issoapenas no limite necessário para que sejam extintas fraudes, ou remediadasinjustiças.

Tal instituto, de origem norte-americana, é conhecido no Direito norte-americano como GLVUHJDUG� RI� OHJDO� HQWLW\ (desconsideração da personalidadejurídica); como OLIWLQJ�WKH�FRUSRUDWH�YHLO (levantamento do véu corporativo) no ReinoUnido; FRPR�GXUJKJULII� GHU� MXULVWLVFKHQ�3HUVRQ� (penetração da pessoa jurídica) naAlemanha; como WHRUtD�GH�OD�SHQHWUDFLyQ (teoria da penetração) na Argentina; comoVXSHUDPHQWR� GHOOD� SHUVRQDOLWi� JLXULGLFD (superação da personalidade jurídica) naItália. Decorre como aplicação de um princípio conhecido como Regra daInstrumentalidade (,QWUXPHQWDOLW\� 5XOH): a partir do momento em que umadeterminada empresa (dita “subsidiária”) é de tal modo organizada e controlada emseus assuntos por um grupo de sócios ou, mais comumente, por uma outra empresa(dita “mãe” ou “matriz”) de modo a torná-la tão-somente um apêndice, uminstrumento desse grupo de sócios, ou empresa-mãe, sendo, na realidade, deles, oudela, indistinta, então a personalidade jurídica da subsidiária é desconsiderada, se asua retenção significar a manutenção de uma fraude ou de uma injustiça. O juristanorte-americano Wormser (1912), o primeiro a desenvolver tal idéia, expressou-senesses termos:

�³4XDQGR� R� FRQFHLWR� GH� SHVVRD� MXUtGLFD� [corporate entity]� p� XWLOL]DGR� SDUDIUDXGDU� RV� FUHGRUHV�� SDUD� GHVHPEDUDoDU�VH� GH� XPD� REULJDomR� H[LVWHQWH�SDUD� GHVYLDU�VH� GD� DSOLFDomR� GD� OHL�� SDUD� FRQVWLWXLU� RX� FRQVHUYDU� XPPRQRSyOLR�RX�SDUD�SURWHJHU�YHOKDFRV�RX�GHOLQT�HQWHV��RV�WULEXQDLV�SRGHUmRLJQRUDU� D� SHUVRQDOLGDGH� MXUtGLFD� H� FRQVLGHUDU� TXH� D� VRFLHGDGH� p� XPFRQMXQWR� GH� SHVVRDV� ItVLFDV� TXH� SDUWLFLSDP� DWLYDPHQWH� GH� WDLV� DWRV�ID]HQGR�D�MXVWLoD�HQWUH�SHVVRDV�UHDLV´�

Deve-se notar que já existem, no ordenamento jurídico brasileiro, duashipóteses explícitas de desconsideração da personalidade jurídica, ambas já citadasno presente trabalho: art. 25 (FDSXW e parágrafo 5º) do Código de Defesa doConsumidor (lei 8.078/90) e o art. 18 da Lei de Proteção da Concorrência (lei8.884/94). Ao que se diz, tal instituto está previsto, igualmente, no projeto do novoCódigo Civil.

Especial atenção tem sido dada à determinação de que tipos de ocorrênciasensejariam, ao menos potencialmente, a desconsideração da pessoa jurídica.Quanto a isso, o abuso mais comum tem sido o uso da distinção da personalidadejurídica de uma subsidiária com relação à personalidade jurídica da controladorapara permitir a essa controladora uma série de atos que, comumente, não poderiapraticar; no âmbito dos Conglomerados Financeiros brasileiros, o campo potencialde aplicação da desconsideração da personalidade jurídica liga-se a um membronão-formal (isto é, não reconhecido) do Conglomerado Financeiro, usualmentesituado no exterior, utilizado para transações que a legislação pátria e as normas doSistema Financeiro Nacional não permitem nem a uma empresa sediada no Brasil,nem a ligadas, partes relacionadas ou subsidiárias formais, e nem a membros domesmo Conglomerado Financeiro.

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A análise dos inúmeros casos de desconsideração da personalidade jurídica,especialmente nos tribunais norte-americanos, permite que se elenque uma relação(não exaustiva) de situações que poderiam sugerir indícios de validade de aplicaçãoda Regra da Instrumentalidade:

��� A controladora e a controlada têm os mesmos, ou quase os mesmos,acionistas, em proporções iguais ou muito próximas; uma situação extrema desseitem seria a controlada ser dominada por um único acionista;

��� O capital social da controlada é insuficiente para o fim social a que esta sedestina, ou inadequado ao nível de risco do negócio, ou então não é totalmenteintegralizado, nesse estado permanecendo indefinidamente;

��� A controladora e a controlada possuem os mesmos, ou quase osmesmos, diretores ou administradores;

��� A controladora e a controlada possuem departamentos comerciaisidênticos ou quase idênticos;

��� A controladora e a controlada utilizam-se de forma indistingüível, ouquase, de um mesmo nome ou marca comercial, tornando, aos olhos do públicoconsumidor de bens e/ou serviços, difícil distinguir uma da outra;

��� A controladora financia, direta ou indiretamente, todos os, ou a maioriados, negócios da controlada;

����A controlada foi constituída pela controladora;

��� A controladora paga certas despesas da controlada, como folha salarial;

��� Os negócios da controlada lhe são dados, totalmente ou em grande parte,pela controladora;

��� A controladora usa bens da controlada como se fossem seus, e vice-versa;

��� A controlada não obedece a uma série de requisitos formais ligados auma existência própria, como manutenção de livros contábeis, atas de reuniões ouassembléias, etc.

��� As operações usuais quotidianas da controladora e da controlada não sãoregistradas de modo separado e individualizado, tornando difícil estabelecer suaorigem;

��� A controlada é criada com o fim de a controladora furtar-se a algumaobrigação, ou para perpetrar uma fraude.

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Evidentemente, a mera existência de um, de alguns ou mesmo de muitos dositens listados acima (com a exceção do nº 13) não significa que se está diante de umcaso em que se deva desconsiderar a personalidade jurídica; conforme visto, taldesconsideração é específica e temporária, e a relação acima apenas fornece umaprimeira idéia do grau de probabilidade de se estar lidando não com duas pessoasjurídicas distintas, mas com um fantoche comandado por hábeis mãosmanipuladoras, com o intuito de se furtar à lei.

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01. O instituto da pessoa jurídica não é uma criação teórica H[�QLKLOR, maso resultado de uma lenta evolução, na qual sempre estiveram presentes asnecessidades do bem comum; pode ser considerado, com muito mais acerto, comouma concessão do Estado que objetiva incentivar o crescimento econômico epromover o bem-estar da sociedade.

02. Tanto a personalidade jurídica quanto o princípio contábil da entidadedesenvolveram-se a partir da progressiva corporificação de entes econômicos,ocorrida a partir dos finais do Império Romano; a personalidade jurídica, por umlado, ligava-se ao reconhecimento de tais entes corporificados possuírem existênciaprópria no plano da aquisição de direitos e de deveres, ao passo que o princípio daentidade, por outro, dizia respeito ao fato de tais entes corporificados possuíremregistro próprio da evolução de sua situação patrimonial; dentro dessa necessidade,as técnicas contábeis evoluíram de modo consistente, já possuindo altacomplexidade e sofisticação desde a época romana.

03. A existência e o desenvolvimento das pessoas jurídicas, especialmentedas sociedades comerciais, não foram impedidos pela ausência do reconhecimentode tais corpos como pessoas. Desse modo, os conceitos da personalidade jurídica eda entidade não apenas configuram-se como efetivamente distintos, mas o princípioda entidade alça-se como condição VLQH� TXD� QRQ para a própria existência dasempresas, ao passo que o princípio da personalidade jurídica e, posteriormente, dalimitação de responsabilidade dos sócios/administradores quedou-se como elementoassessório, embora importante.

04. Em todas as suas características fundamentais, já estava o princípio daentidade, bem como as técnicas contábeis que lhe davam suporte, desenvolvido eplenamente operante nos inícios do séc. XVI; por contraste, as sociedades porações somente alcançariam independência com relação à autorização estatal nosmeados do séc. XIX, ao passo que as sociedades por quotas de responsabilidadelimitada somente surgiriam nos finais do séc. XIX.

05. A partir do instante em que tiveram reconhecida a personalidadejurídica, ganharam também as empresas o atributo da nacionalidade. No ponto-de-vista tradicional, a nacionalidade de uma pessoa jurídica lhe é reconhecida peloEstado, que utiliza, consoante sua vontade, critério de incorporação, sede social oucontrole. Pode haver, assim, empresas com várias nacionalidades, ou comnenhuma. Deve-se notar que o próprio mercado, considerado globalmente, também

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tem a possibilidade de atribuir nacionalidade a uma empresa que nele atue, devendoguiar-se, quanto a isso, por critérios de racionalidade econômica, atribuindo umaúnica nacionalidade a cada empresa. As recentes crises, em que o governobrasileiro sofreu descrédito por causa de empresas financeiras que, tecnicamente,pelo critério da incorporação, não gozariam da nacionalidade pátria, fez ver que ocritério comumente utilizado pelo consenso do mercado é o da sede social,mesclado com o do lugar da principal atividade econômica e com o do controle; masQXQFD o da incorporação.

06. Como qualquer outro instituto, o da personalidade jurídica e o daresponsabilidade limitada dos sócios e/ou administradores presta-se igualmente aabusos se o seu uso for indiscriminado, ilimitado e descontrolado; diante disso, alegislação vem repetidamente suavizando e relativizando tais conceitos,aumentando a responsabilidade de sócios ou controladores, ou mesmo tornando-asilimitadas, numa série de eventos, principalmente quando os sócios e/ouadministradores podem vir a exercer, de direito ou de fato, poderes absolutos oudiscricionários no seio da organização.

07. Os abusos ao instituto da personalidade jurídica podem ser,usualmente, abusos ligados à forma, quando a empresa se constitui de um modomas opera de outro; ligados à confecção de complexos Conglomerados, commiríades de empresas entretecidas entre si; enfim, ligados ao uso da territorialidadedas leis para escapar à jurisdição e à supervisão das autoridades monetáriasnacionais, albergando-se em paraísos fiscais com o intuito de praticar o mal. Osdois últimos tipos, quase sempre, se misturam, e são bastante freqüentes nosConglomerados Financeiros de índole transnacional.

08. Dispõe a supervisão bancária nacional de todo um arcabouço legal enormativo para mapear e consolidar os Conglomerados Financeiros, por maiscomplexos que sejam; tal arcabouço teve por base as novas tendências dajurisdição criminal extraterritorial, no âmbito do Direito Internacional Privado, quevêm progressivamente matizado o rígido princípio territorial de que a jurisdição dosatos ilícitos é local. Também se baseia nos novos princípios de supervisão bancáriapostos à luz pelo Comitê da Basiléia, bem como os comentários e análises levados acabo por esse mesmo Comitê, e resultou na Resolução 2.674/99, plenamentesuficiente para o correto mapeamento de tais estruturas, ao menos em suas linhasgerais.

09. Como arma complementar, pode-se utilizar a desconsideração dapersonalidade jurídica, quando se ignora a própria pessoa jurídica a fim de sealcançar diretamente a pessoa do sócio, seja ele pessoa física ou jurídica,responsabilizando-o diretamente por fraudes ou outros ilícitos praticados em nomeda instituição. A utilização de tal instituto liga-se à chamada Regra daInstrumentalidade, quando se pode demonstrar não passar a subsidiária de meroLQVWUXPHQWR para a consecução da vontade da controladora; se tal vontade seguepelas sendas do ilícito, da fraude ou do abuso do poder, a retenção do princípio dapersonalidade jurídica poderia levar a injustiças, razão pela qual a jurisprudênciainternacional vem, mais e mais, admitindo que se a ignore, embora de forma

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temporária e apenas na exata extensão necessária para remediar os malesdetectados.

10. Nota-se, assim, que, após um período de estabelecimento e defortalecimento do princípio da personalidade jurídica e da responsabilidade limitadados sócios/administradores, a tendência atual é a da relativização desses conceitos,tendo em vista a diluição das próprias fronteiras nacionais num mundo globalizado,fazendo com que vários dos pressupostos sustentadores de tais princípiosencontrem-se ou esgarçados ou sob constante contestação.

11. É necessário que a próxima etapa de calibração normativa desenvolva-se a partir de uma modificação no conceito brasileiro de nacionalidade, passando-odo conceito da incorporação para o da sede social, subsidiado pelo do controle,critério esse mais coerente e mais apto a aumentar a transparência e a credibilidadedo próprio instituto da personalidade jurídica, fortalecendo igualmente, no SistemaFinanceiro Nacional, as atividades de supervisão bancária; igualmente, sãonecessários estudos mais profundos concernentes à possível incorporação, naambiência normativa da supervisão bancária brasileira, do princípio dadesconsideração da personalidade jurídica, não apenas diante de fatosconsumados, como no Código de Defesa do Consumidor ou na Lei Antitruste, mas,principalmente, numa forma preventiva, a partir da identificação precisa dapossibilidade de se aplicar, num Conglomerado, a Regra da Instrumentalidade. Taissão, do ponto de vista do Autor deste trabalho, os próximos desafios com os quaisdefrontar-se-á a supervisão bancária na sua luta contínua para garantir a saúde doSistema Financeiro Nacional, dentro de um clima de transparência e decredibilidade.

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