Jan Waclav Makhaïski (Maurício Tragtenberg, 1981)

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  • 8/2/2019 Jan Waclav Makhaski (Maurcio Tragtenberg, 1981)

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    Jan Waclav Makhaski1Por Maurcio Tragtenberg

    Jan Waclav Makhaski (1866-1926) Entre os fins do sculo XIX e incios dosculo XX o desenvolvimento industrial russo suscita a formao de inmeros partidospolticos e organizaes socialistas que pretendem representar a classe operria emformao; a social-democracia alem constitui o modelo e Kautsky, seu terico, o mestreseguido. nesse contexto que aparecem os textos de Makhaski que, inicialmente, critica asocial-democracia reformista do ponto de vista da ortodoxia marxista e, posteriormente,submete a crtica o bolchevismo enquanto ideologia de intelectuais que pretendem tutelar omovimento operrio, fundados na distino entre trabalho simples (material) e complexo(intelectual), com direito a maior remunerao, conforme exposio de Marx no O Capital.Ele privilegia o trabalho de direo em detrimento do trabalho de execuo. Tal posiotem repercusso na Rssia entre 1905/1912 e inspira uma atividade revolucionria sob onome de makhaievchtchina. Makhaski nasceu em Pintzov, provncia de Kielce, naPolnia submetida Rssia, em 15/12/1866. Aps os estudos em nvel colegial ingressa naUniversidade de Varsvia, matriculando-se no curso de cincias naturais e, posteriormente,em medicina. Participa da luta poltica contra o czarismo, interessado nos objetivosnacionalistas poloneses a que vincula uma proposta socialista. preso pela primeira vez naGalcia em 1891 por introduo clandestina de literatura revolucionria. Aps quatro mesesde priso em Cracvia, emigra para Zurique. Por ocasio da grande greve de Lodz em 1892e sua represso, detido na fronteira germano-russa, na sua tentativa de ingressar naPolnia, pela polcia czarista. Durante trs anos permanece preso, em Cracvia e depois em

    S. Petesburgo (atual Leningrado); condenado posteriormente a cinco anos de exlio daSibria, em Vilouisk, aldeia perdida na Yakutia, em 1895. Em 1898 publica seu livro AEvoluo da Social-Democracia onde critica o oportunismo da social-democracia alem.Em 1902 em Irkoutsk tem um encontro com Trotsky. Aps cinco anos de exlio siberiano autorizado a voltar Rssia europia. Por ocasio da comemorao do 1 de Maio em1902, ele redige um texto revolucionrio; novamente preso, condenado a sete anos deexlio administrativo em Kolyma na Sibria, tristemente clebre no perodo stalinista. Fogecom auxlio de um social-democrata suo. Em 1903 instala-se em Genebra, em 1905reedita seu livro O Trabalhador Intelectual e publica anonimamente dois textos: ABancarrota do Socialismo no Sculo XIX e A Revoluo Burguesa e a Causa Operria. Em

    1905 suas idias encontram eco em grupos de trabalhadores de Ekaterinoslav, Vilna,Bilostock, Varsvia e S. Petesburgo. Em 1906 participa do grupo A ConspiraoOperria em S. Petesburgo. Publica as duas primeiras partes do Trabalhador Intelectual euma traduo anotada da Sagrada Famlia de Marx. Em 1907 deixa a Rssia devido represso; passando por Cracvia instala-se na Sua. Em 1908 em genebra publica o niconmero da revista A Conspirao Operria. Entre 1909 e 1911 reside em Zakopane,pequena cidade montanhosa na fronteira entre ustria e Polnia; sobrevive com aulasparticulares.

    1 Retirado da apresentao aos textos de Jan Waclav Makhaski, contidos no livroMarxismo Heterodoxo, So

    Paulo, Brasiliense, 1981.

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    Emigra pra Paris empregando-se como funcionrio de banco quando a revoluo de1917 o surpreende. Arruma as malas viajando para a Rssia. L edita a revista RevoluoOperria, porm sua crtica aos novos dirigentes leva interdio da mesma. Ocupa o

    cargo de revisor tcnico da revista oficial Economia Popular, morre a 19/2/1926.O Socialismo de Estado (1900) um texto preocupado em mostrar que, mesmo no

    sendo classe possuidora, a intelectualidade (intelligentsia) se aproxima por seu nvel devida burguesia. A mais-valia extorquida pelos capitalistas no garante somente umaexistncia parasitria a um punhado de capitalistas e latifundirios. Possibilita um nvelde vida burgus aos trabalhadores intelectuais que se beneficiam de parte do lucro nacionallquido.

    Se essa intelligentsia anticapitalista, ela no deixa de perseguir seus prprios fins,lutando por uma partilha maior para si da mais-valia global. Isso tudo s custas do operriomanual que, mediante o aumento da produtividade de seu trabalho, permite que uma

    camada social (intelligentsia) se exima do trabalho material. O capitalismo condenamilhares de indivduos ao trabalho manual e a cultuar uma minoria com seu grandetalento. A transferncia dos meios de produo ao Estado o ideal desses intelectuais,acentua Makhaski, da a social-democracia e o bolchevismo a seus olhos reduzirem aluta operria construo do Socialismo de Estado, que distribuir a renda nacional entreos membros da nova burocracia formada pelos trabalhadores intelectuais.

    Na A Cincia Socialista: Nova Religio dos Intelectuais (1905) Makhaski abordaum tema central da esquerda mundial, profundamente atual: de que a abolio dapropriedade privada condio necessria implantao do socialismo, porm no condio suficiente, desde que seja mantida a diviso social do trabalho fundada na

    separao entre trabalho Manuel e o intelectual, entre quem pensa e quem faz.Na A Conspirao Operria (1908) volta ao tema do operrio e do intelectual;enquanto o primeiro vende seu suor e sangue, o intelectual emprega no mercadoconhecimentos adquiridos graas ao trabalho dos operrios, assim como deles o capitalistaadquiriu sua fbrica. Em suma o intelectual vende aos capitalistas sua habilidade paraextrair o melhor possvel o suor e sangue dos operrios. Ele vende o diploma que adquiriugraas a essa explorao (pp. 26-27).

    Enquanto o salrio do operrio parte do valor de seu trabalho pessoal, o salrio dointelectual parte do lucro patronal, uma frao do produto do trabalho dos operrios. Porsuas funes de organizao, o patro obtm uma renda que partilha com seus auxiliares.Os patres cessaram de organizar o trabalho os operrios, passaram essa tarefa intelligentsia assalariada, enquanto eles contentam-se em receber os dividendos de suasaes. Pergunta Makhaski: assim o fazendo so menos exploradores do que quandoextraam diretamente a mais-valia operria? Um explorador um parasita, organize ou nodiretamente a explorao. Uma sociedade dividida entre organizadores daproduo/exploradores e escravos executantes no realiza a explorao do trabalho? Oestado democrtico significa apenas que o sbio toma o lugar da polcia, ou melhor, que elese pe no mesmo nvel que a polcia (p.35).

    Makhaski mostra quo falaz a proposta da democratizao do Estado capitalista, aparticipao no Parlamento, citando o exemplo alemo, quando mais de cem deputadossocialistas foram eleitos na Alemanha, revelaram-se faladores completamente inteis... (p

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    48) que, com a falcia do sufrgio universal tm seu nmero aumentado sentados sobre ascostas dos trabalhadores (p. 48).

    Da mesma maneira, tem ele como v a idia de que a classe operria precisaria ter

    nvel cultural para compreender seus interesses, pois sob o regime da explorao, seria voaos operrios aspirarem a adquirir conhecimentos, pois eles no poderiam dispor seno deuma cultura de escravos que seria cultivada na medida em que desse vantagens aos amospossuir escravos mais inteligentes, mais rentveis (p 54). esse o sentido oculto dasescolas tcnicas e do ensino profissionalizante, que apenas reproduzem o trabalho simples,so escolas de pobre. Crtica a cegueira da intelligentsia em no perceber que estudouporque outros lhe forneceram alimento, roupa e habitao enviando seus filhos deste ainfncia ao trabalho forado por toda a vida (p. 55). Da ver ele a importncia da lutaoperria pelo aumento salarial que dever atingir o nvel de renda dos intelectuais. Somenteuma escola nica, superando o dualismo escolar destinado formao de amos e escravos

    -, permitir que todos possam ser inteligentes, onde ningum ser explorado.A Revoluo Operria (junho-julho 1918) se constitui num dos mais importantes

    textos de Makhaski. Analisando o bolchevismo v que ele criou um poder e que estepoder no o da classe operria (p.62) pois defende a pequena-burguesia urbana e rural ea intelligentsia que dirige a produo. V nos bolcheviques imitadores dos jacobinos quetambm instauraram uma ditadura dos pobres, to ilusria quanto a dos bolcheviques (p.64). Para ele, uma classe no possuidora e dirigente um contra-senso total, que podeconverter a ditadura bolchevique no reforo da revoluo burguesa, uma espcie de cpiarussa da ditadura dos jacobinos (p. 65).

    Makhaski observa que, sob o bolchevismo, o poder passou dos capitalistas para a

    intelligentsia na medida em que ela um capitalista do saber e organiza a produo,garantindo para si o direito s rendas de seus amos. Na medida em que a intelligentsiamonopolizar os conhecimentos a classe operria ter que lutar contra ela a fim de elevarsua remunerao ao nvel dos intelectuais (p. 67). A emancipao operria liga-se lutapela igualdade e de oportunidades educacionais.

    Makhaski critica uma das ambigidades do bolchevismo que proclamou aps adissoluo da Assemblia Constituinte a introduo imediata do socialismo e que o quese viu foi basta de revoltas. Viva a ptria. Trabalho reforado para os operrios, disciplinade ferro nas fbricas (p. 68). Como complemento a proibio de greves a pretexto que oEstado operrio!. Isso a pretexto de concluir sua formao iniciada e no terminadapelos capitalistas (dos operrios), provavelmente pelo carter prematuro da revoluo (p.78).

    Nota Makhaski que, aps a tomada do poder pelos bolcheviques, reprimem-seferozmente os marinheiros e os socialistas libertrios que antes eram o estimulados rebelio, pois com o novo curso o Estado comunista no necessita ter no ExrcitoVermelho elementos crticos e sublevados, fuzilando-se hoje aqueles que encorajavaontem (p. 79). Referia-se ele represso aos marinheiros de Kronstad, definidos nopassado por Trotsky como a glria da Revoluo.

    To inimigo do operrio quanto o capitalista o intelectual que detmconhecimentos que vende por um salrio privilegiado. Da Makhaski criticar a sabotagemdos intelectuais tentativa dos operrios gerirem a produo. Enquanto os operrios tm

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    interesse em transferir a seu favor os lucros com que os capitalistas beneficiavam seupessoal de direo, para os bolcheviques o lucro obtido pelo patro pertencer ao Estado eno aos operrios, isto , servir manuteno dos funcionrios do Estado, privilegiados e

    de todos os dirigentes e educadores da classe operria. (p. 93).A reproduo da explorao e da dominao do trabalhador, onde aps a abolio

    da propriedade privada o Estado atua como explorador coletivo, foi um dos temas cruciaisde toda a histria do movimento operrio organizado.

    Assim, no Congresso de Genebra da I Internacional em 1866 a delegao francesa,composta de Malon, Varlin e Fribourg, prope a excluso da intelligentsia limitando aostrabalhadores manuais a qualificao de proletrios, para evitar o perigo da invaso daAssociao por ambiciosos, homens de partido, carreiristas que poderiam transform-la eminstrumento para seus fins egostas. Vencida essa proposta, propuseram que s os operriospudessem eleger e serem eleitos na formao da delegao ao Congresso da AIT

    (Associao Internacional dos Trabalhadores), por medo que capitalistas e profissionaisliberais tivessem hegemonia no mesmo. Da Toulain considerar como adversrios todos osmembros das classes privilegiadas , seja em nome do capital, seja por possuir um diploma(J. Freymond, A Internacional, T II, genebra, pp. 68/75).

    O tema da construo de um novo poder aps a derrubada do capitalismo reapareceno debate Bakunin e Marx na I Internacional, onde Bakunin polemiza com Marx a respeitoda conquista do poder poltico se constituir na grande tarefa dos trabalhadores (K. Marx,Oeuvres, T. I, Ed. La Pliade, p. 467). Segundo Bakunin, o princpio da constituio doproletariado como classe dominante provocar a centralizao de todos os meios deproduo nas mos do Estado, controlando de fato por uma minoria ilustrada. Da dizer

    ele: nO Estado Popular, de Marx, nos diz ele que no haver classe privilegiada. Todossero iguais, no somente do ponto de vista jurdico e poltico, mas tambm econmico.Essa a promessa, embora pairem dvidas sobre sua realizao. No haver classes, masum governo e, note-se bem, excessivamente complexo, que no se contentar emadministrar as massas politicamente, como o fazem todos os governos de hoje em dia, masque ainda os administrar economicamente concentrando em suas mos a produo e ajusta diviso de riquezas, a cultura da terra, organizao das fbricas, da troca, enfim, aaplicao do capital produo por um s banqueiro, o Estado. Tudo isso exigir muitacincia, ser o reino da inteligncia cientfica, o mais aristocrtico, o mais desptico, o maisarrogante e o mais desprezvel de todos os regimes2. Haver uma nova classe, umahierarquia nova de sbios reais e fictcios e o mundo se dividir numa minoria dominanteem nome da cincia e uma imensa maioria de ignorantes. Tal regime despertar muitosdescontentamentos nessa massa e, para cont-la, o governo iluminador e emancipatrio deMarx necessitar de uma fora armada no menos sria. (Carta aos Companheiros do Jura,in Archives Bakounine, T. III Leiden, 1963, p.204).

    Essa inteligncia cientfica na URSS em 1917 tinha 1 milho de membros, passoupara 2.725.000 em 1926; 14 milhes entre 1939/41; 25,3 milhes em 1965 e 37 milhes em1977. O nmero de trabalhadores intelectuais como so chamados os membros daintelligentsia cresceu 37 vezes em 60 anos. Isso reflete na composio dos dirigentes do

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    Veja-se G Konrad e I. Szelny, La Marche au Pouvoir ds Intellectuels. Ed. Du Seuil, Paris, 1979.

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    PC, 99,4% dos secretrios dos comits centrais do PC, de distritos e regies e repblicaspossuem diploma do ensino superior; os membros da classe operariam hegemnica, estoausentes. Tal predomnio da intelligentsia reforado, quando por ocasio do IX Plano

    Qinqenal (1971/5) 448 membros da intelligentsia receberam a medalha de Heris dotrabalho Socialista. Em idntico perodo, s 23 operrios receberam tal distino, mas porcolaborarem com os sbios em trabalhos cientficos.

    Makhaski mostra que o chamado socialismo de Estado nada mais do que ogoverno da imensa maioria das massas por uma minoria privilegiada, composta por ex-operrios promovidos a governantes e representantes do povo olhando-o de cima pra baixodo alto do Estado, representando a si prprios e suas pretenses de poder. Por isso nenhumEstado, por mais democrticas que sejam suas formas, mesmo a repblica mais vermelha,popular unicamente no sentido dessa mentira conhecida como representao do povo, nopoder dar a ele o que ele necessita, a livre organizao de seus prprios interesses, da base

    ao topo, porque todo Estado, mesmo republicano e o mais democrtico, mesmo opseudopopular imaginado por Marx, no outra coisa na sua essncia que o governo dasmassas de cima abaixo por uma minoria ilustrada e por isso mesmo privilegiada, quepretende compreender melhor os verdadeiros interesses do povo do que o prprio povo(Bakounine, op. Cit. T. IV, pp. 219/220).

    Essa minoria ilustrada ter o salrio maior em funo do trabalho complexo (comoadministrador, engenheiros, mdicos) que a maioria do operariado reduzida ao trabalhosimples. Alm de os primeiros serem burocratas do Estado.

    Makhaski v na definio de Marx de valor da fora de trabalho como sendo ojusto valor dos meios de subsistncia da fora de trabalho, a justificativa dos salrios

    diferenciais e hierarquizados. A cada um segundo suas capacidades e sua obra, preceitode S Smin que Marx adotara, justifica essa diferenciao. nesse sentido que Makhaskidiz que o socialismo deixa de ser a ideologia do proletariado, tornando-se daintelligentsia ou o que ele chama de capitalistas do conhecimento.

    Na Europa do Leste a redistribuio opera como mecanismo principal que garante aexpropriao e todos os que tm interesse na maximizao do poder de redistribuio soos membros de uma nova classe dominante na medida em que seus interesses ope-se aosprodutores diretos. cada vez mais ntido que a classe dominante a intelligentsiagestora do Estado e do Partido. O importante no procurar definir a oposio de classesatravs das formas de propriedade, mas sim entre os que possuem os meios de produo eos que deles esto privados. Os intelectuais tm maior chance em obter apartamentossubvencionados pelo Estado, ocupam as casas de campo dos sindicatos, tm acesso aoshospitais do Partido bem equipados, podem consumir utilizando dlares nas lojasespeciais. O operrio nesse contexto no expropriado do produto de seu trabalho como desua identidade de classe, onde a intelectualidade cria a ideologia dominante: da existnciade uma sociedade sem classes diferenciadas por estratos sociais, como h 30 anosKingsley Davis criticava a teoria burguesa da estratificao social dominante no leste como uma ideologia que legitima as desigualdades sociais como funcionais.