22
INTRODUC ¸ ˜ AO ` AS TRANSFORMADAS DE RADON ANT ˆ ONIO S ´ A BARRETO 1. Introduc ¸˜ ao Estas s˜ao notas de cinco aulas de um mini-curso que foi parte do “Symposium on Spectral and Scattering Theory,” realizado em Recife e Serrambi, de 11 a 22 de Agosto de 2003. O prop´osito desse mini-curso foi de apresentar ao estudante de gradua¸c˜ ao t´ ecnicas modernas deequa¸c˜ oes a derivadas parciais atrav´ es de um t´opico relativamente simples, mas ao mesmo tempo bastante moderno, e que talvez seja o primeiro contato do estudante de gradua¸c˜ ao com um assunto de matem´atica desenvolvido no s´ eculo 20. Os principais pr´ e-requisitos para se ler essas notas s˜ao um bom conhecimento de c´alculo avan¸ cado e uma certa maturidade matem´atica. Em seu famoso artigo [14], de 1917, Johann Radon definiu a seguinte aplica¸c˜ ao: Dada uma fun¸c˜ ao cont´ ınua no plano R 2 e de suporte compacto– isto ´ e, existe C> 0 tal que f (x, y)=0 para |(x, y)| >C – e um vetor ω R 2 com |ω| =1, a integral de linha da fun¸c˜ ao f ao longo da reta L(ω,s) que ´ e perpendicular a w, e que est´a a uma distˆancia s da origem, veja a figura 1, ser´ a denotada por Rf (ω,s)= Z L(ω,s) fdl, s R, |ω| =1, (1.1) Essa ´ e uma aplica¸c˜ ao que leva fun¸c˜ oes de (x, y) em fun¸c˜ oes de (ω,s). Na verdade vamos demonstrar que R : C 0 (R 2 ) -→ C 0 (S 1 × R) f 7-→ Rf (1.2) leva uma fun¸c˜ ao C de suporte compacto em R 2 em uma fun¸c˜ ao C de suporte compacto em S n-1 × R. H´a v´arias perguntas naturais sobre esta aplica¸c˜ ao: 1) R ´ e injetiva? 2) Qual ´ e a imagem de R? 3) ´ E possivel se encontrar uma f´ormula para a inversa de R? Tamb´ em ´ e f´acil de se ver que, se f (x, y) = 0 para todo (x, y) com |(x, y)| > ρ, ent˜ ao Rf (s, ω)= 0 para |s| > ρ, veja figura 2. Uma pergunta natural e muito importante ´ e se a rec´ ıproca ´ e verdadeira. Ou seja 4) Se Rf (ω,s) = 0 para |s| e para todo ω S 1 , ´ e verdade que f (x, y) = 0 para todo (x, y) tal que |(x, y)| ? Finalmente, provavelmente o leitor est´a se perguntando: 5) Por que cargas d’´agua Radon ia se preocupar com uma coisa dessas? A resposta da ´ ultima pergunta ´ e f´acil: Eu n˜ao sei, e nem tenho certeza que Radon tinha de fato um prop´osito para estudar essas perguntas. Fritz John escreve em [7] que o interesse de 1

INTRODUC¸AO˜ AS TRANSFORMADAS DE RADON`sabarre/Papers/radon1.pdf · introduc¸ao˜ as transformadas de radon`

  • Upload
    leduong

  • View
    225

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

INTRODUCAO AS TRANSFORMADAS DE RADON

ANTONIO SA BARRETO

1. Introducao

Estas sao notas de cinco aulas de um mini-curso que foi parte do “Symposium on Spectraland Scattering Theory,” realizado em Recife e Serrambi, de 11 a 22 de Agosto de 2003.

O proposito desse mini-curso foi de apresentar ao estudante de graduacao tecnicas modernasde equacoes a derivadas parciais atraves de um topico relativamente simples, mas ao mesmotempo bastante moderno, e que talvez seja o primeiro contato do estudante de graduacao comum assunto de matematica desenvolvido no seculo 20. Os principais pre-requisitos para se leressas notas sao um bom conhecimento de calculo avancado e uma certa maturidade matematica.

Em seu famoso artigo [14], de 1917, Johann Radon definiu a seguinte aplicacao: Dada umafuncao contınua no plano R2 e de suporte compacto– isto e, existe C > 0 tal que f(x, y) = 0para |(x, y)| > C– e um vetor ω ∈ R2 com |ω| = 1, a integral de linha da funcao f ao longo dareta L(ω, s) que e perpendicular a w, e que esta a uma distancia s da origem, veja a figura 1,sera denotada por

Rf(ω, s) =∫

L(ω,s)fdl, s ∈ R, |ω| = 1,(1.1)

Essa e uma aplicacao que leva funcoes de (x, y) em funcoes de (ω, s). Na verdade vamosdemonstrar que

R : C∞0 (R2) −→ C∞

0 (S1 × R)

f 7−→ Rf(1.2)

leva uma funcao C∞ de suporte compacto em R2 em uma funcao C∞ de suporte compacto emSn−1 × R. Ha varias perguntas naturais sobre esta aplicacao:1) R e injetiva?2) Qual e a imagem de R?3) E possivel se encontrar uma formula para a inversa de R?

Tambem e facil de se ver que, se f(x, y) = 0 para todo (x, y) com |(x, y)| > ρ, entaoRf(s, ω) =0 para |s| > ρ, veja figura 2. Uma pergunta natural e muito importante e se a recıproca everdadeira. Ou seja4) Se Rf(ω, s) = 0 para |s| > ρ e para todo ω ∈ S1, e verdade que f(x, y) = 0 para todo (x, y)tal que |(x, y)| > ρ?

Finalmente, provavelmente o leitor esta se perguntando:5) Por que cargas d’agua Radon ia se preocupar com uma coisa dessas?

A resposta da ultima pergunta e facil: Eu nao sei, e nem tenho certeza que Radon tinha defato um proposito para estudar essas perguntas. Fritz John escreve em [7] que o interesse de

1

2 SA BARRETO

L(s, ω)

ω

s

x

y

Figura 1. L(ω, s) = z = (x, y) : 〈z, ω〉 = s s ∈ R, ω ∈ S1.

f=0

ρ

L(s, ω), ρ

x

y

s >

Figura 2. Se f(x, y) = 0 quando |(x, y)| > ρ, entao Rf(ω, s) = 0 quando |s| > ρ.

Radon por estas questoes foi motivado por problemas em mecanica do contınuo, mas nao dadetalhes. Entretanto, recentemente as transformadas de Radon tem sido aplicadas em muitosproblemas praticos.

Muitas coisas em matematica, ou de um modo mais geral em ciencias, sao assim, se estudaum problema por que ele e interessante, e a princıpio pode vir a ter aplicacoes ou nao.

Como este e um curso de matematica, aqui nos vamos procurar entender rigorosamente aspropriedades dessa transformada. Tambem vamos estudar a transformada raio-x.

2. Uma Breve Introducao A Tomografia

A tomografia e uma das tecnologias de maior sucesso em medicina. Ha varios tipos detomografia, e pelo menos uma delas, a tomografia classica, segundo Barret & Swindell [1],

TRANSFORMADAS DE RADON 3

ΩI

0

I

ξ

Figura 3. Raios-x incidente e emergente.

e baseada na transformada de Radon. A ideia basica desse procedimento, que primeiro foidiscutida em [3], e a seguinte:

Seja Ω ⊂ Rn um objeto no espaco Rn; n = 2, 3, sao os casos que interessam na pratica. Seja ξ

uma reta no Rn e suponha um raio-x e direcionado a Ω ao longo da reta ξ. Veja figura 3. SejamI0 e I a intensidade do raio-x antes de penetrar em Ω e depois de sair de Ω repectivamente.Quando o raio-x percorre uma distancia ∆x ao longo de ξ ele sofre uma perda de intensidade∆I. O modelo fısico diz que

∆I

I= −f(x)∆x,

onde f(x) e chamado de coeficiente de absorcao.Portanto

dI

I= −f(x) dx

Integrando esta equacao ao longo da reta ξ temos

log(

I0

I

)=

ξf(x) dx.

A. Cormack, autor de [3], e um fısico sul-africano e um dos pioneiros nas aplicacoes to-mograficas dos raios-x. A. Cormack conta em [4]– um artigo que escreveu para uma conferenciaque festejou os setenta e cinco anos da transformada de Radon– que chegou a este problemaem 1956 quando trabalhava no departamento de radiologia do hospital Groote Schurr (o mesmoonde foi feito o primeiro transplante de coracao) na cidade do Cabo, Africa do Sul.

A aplicacao desta ideia e imediata. O medico deseja saber informacoes sobre os diferentestecidos de uma determinada parte do corpo humano a partir de medidas feitas com raios-x.Por exemplo, a presenca de uma anomalia num tecido gera uma diferenca no seu coeficiente deabsorcao e, se determinando o coeficiente de absorcao, determina-se a presenca de algo estranhono tecido. Mas essas medidas nao dao diretamente o valor do coeficiente de absorcao, apenassua integral ao longo da reta percorrida pelo raio-x, veja figura 4. Portanto esta questao de

4 SA BARRETO

Sensor

Maquina de Raios−x

Objeto com diferentes~

Sensor

Maquina de Raios−x

coeficientes de absorcao

~Figura 4. Espera-se detectar anomalias nos tecidos atraves de medidas de raios-x.

medicina e traduzida exatamente no problema de Radon, ou seja, e possıvel se determinar ocoeficiente de absorcao a partir de sua integral ao longo de retas?

Este exemplo tambem mostra a dificuldade de aplicacao do metodo. Do ponto de vistapratico e impossıvel se fazer medidas ao longo de todas as retas. Aı aparecem outras perguntas,como quantas medidas se deve fazer para se ter uma aproximacao boa, etc, que nao vao serconsideradas nestas notas de curso. Para mais detalhes o leitor deve consultar [1] e a bibliografiala citada. Para mais aplicacoes da transformada de Radon, ver [20].

3. Preliminares e a Transformada de Fourier

Antes de estudarmos as transformadas de Radon, precisamos relembrar alguns fatos ele-mentares sobre a transformada de Fourier, que deve ser conhecida do leitor. Para o leitor quenao conhece a transformada de Fourier, esta e uma otima oportunidade de conhece-la. Como ve-remos, a transformada de Fourier sera importante no estudo da transformada de Radon, emboraa princıpio nao sejam relacionadas.

Seja C∞0 (Rn) o conjunto das funcoes infinitamente diferenciaveis em Rn que tem suporte

compacto, isto e

C∞0 (Rn) = f ∈ C∞(Rn); existe C > 0, tal que f(x) = 0, se |x| > C.

Exercıcio 3.1. Construa uma funcao em C∞(Rn) que tenha suporte compacto.Sugestao: Mostre primeiro que a funcao f(x) = e−

1x se x > 0 e f(x) = 0 se x ≤ 0, e C∞ e

TRANSFORMADAS DE RADON 5

todas as suas derivadas se anulam em x = 0. Mostre que g(x) = f(x)f(1−x) e uma funcao C∞

e que g(x) = 0 se x ≤ 0 ou x ≥ 1.

A transformada de Fourier e definida pela seguinte integral

Ff(ξ) = f(ξ) =∫

Rn

e−i〈x,ξ〉f(x) dx, f ∈ C∞0 (Rn),(3.1)

onde 〈x, ξ〉 = x1ξ1 + ... + xnξn e o produto interno canonico no espaco euclideano.Seja S(Rn) o conjunto das funcoes infinitamente diferenciaveis em Rn que satisfazem

|x|k ∣∣Dm1x1

Dm2x2

...Dmnxn

f(x)∣∣ < Ck,m1,...,mn , ∀ x ∈ Rn, k, m1, ..., mn ∈ N,(3.2)

onde |x| = (x21 + ... + x2

n)12 .

Nos vamos necessitar dos seguintes resultados sobre a transformada de Fourier.

Teorema 3.1. A transformada de Fourier (3.1) satisfaz

F : S(Rn) −→ S(Rn).(3.3)

Alem disso, e uma aplicacao inversıvel e sua inversa e dada por

f(x) =1

(2π)n

Rn

ei〈x,ξ〉f(ξ) dξ.(3.4)

Exercıcio 3.2. a) Demonstre que ∂∂ξj

f(ξ) = −ixjf(ξ).

b) Demonstre que ξj f(ξ) = −i ∂∂xj

f(ξ).c) Use os ıtens a) e b) acima para demonstrar (3.3).d) Demonstre que se

∫Rn |f(x)|2 dx < ∞ e se f(ξ) = 0 para todo ξ ∈ Rn entao f(x) = 0 para

todo x ∈ Rn.

A demonstracao de (3.4) nao sera dada aqui. O leitor pode encontra-la no livro [11].

4. Transformada de Radon em Rn

A transformada de Radon foi extensivamente estudada por S. Helgason [10], F. John [8],P. Lax & R. Phillips [12], D. Ludwig [13] e por muitos outros. Helgason estendeu a teoriapara espacos homogeneos mais gerais, icluındo o espaco hiperbolico. A referencia principal eo excelente livro de S. Helgason [10]. Os teoremas incluıdos aqui sao classicos e podem serencontrados nas referencias acima, mas algumas das provas sao um pouco diferentes das queencontrei na literatura.

Dados um vetor unitario ω na esfera de raio 1 em Rn, que sera denotada por Sn−1, e umnumero real s, o conjunto

H(ω, s) = x ∈ Rn : 〈x, ω〉 = s(4.1)

consiste de um hiperplano a uma distancia |s| da origem e perpendicular ao vetor ω. A figura 1contem uma ilustracao do caso bidimensional.

6 SA BARRETO

Dada uma funcao f ∈ S(Rn) considere a integral de superfıcie da funcao f ao longo do planoH(ω, s), isto e

Rf(ω, s) =∫

H(ω,s)f dS.(4.2)

Ha duas importantes obervacoes a serem feitas sobre a funcao Rf(ω, s). Primeiro note queH(ω, s) = H(−ω,−s), portanto

Rf(ω, s) = Rf(−ω,−s).

Segundo, observe que dado k ∈ N,∫

RskRf(ω, s) ds =

R

H(ω,s)〈x, ω〉kf(x) dS ds.(4.3)

Porem 〈x, ω〉k e um polinomio homogeneo de grau k em ω, com coeficientes que tambemsao polinomios homogeneos de grau k em x. Quando calculamos a integral (4.3) obtemos umpolinomio homogeneo de grau k em ω.

Essas duas observacoes nos dizem que para uma funcao F (ω, s) estar na imagem da aplicacaoR e necessario que F satisfaca duas condicoes:

F (ω, s) = F (−ω,−s),(4.4)∫

RskF (ω, s) ds = Pk(ω) e um polinomio homogeneo de grau k em ω.(4.5)

Exercıcio 4.1. Verifique que se f ∈ S(Rn), a integral (4.3) converge.

Exercıcio 4.2. a) Demonstre que se ej = (0, 0, .., 1, 0, ..., 0), 1 na j-esima posicao, e fh(x) =f(x + hej)

Rfh(ω, s) =∫

〈y,ω〉=sf(y + hej) dSy =

〈x,ω〉=s+hωj

f(x) dSx =

Rf(ω, s + hωj).

b) Use a) para demonstrar que

R(∂f

∂xj)(ω, s) = ωj

∂Rf

∂s(ω, s).

c) Seja ∆f =∑n

j=1∂2f∂x2

j. Use b) para demonstrar que R(∆f)(ω, s) = ∂2Rf

∂s2 (ω, s).

Exercıcio 4.3. Demonstre que

Rf(ω, s) =∫

ω⊥

∫ ∞

0f(sω + tθ)tn−2 dt dθ,

onde ω⊥ = θ ∈ Sn−1 : 〈ω, θ〉 = 0. Veja figura 5.

Exercıcio 4.4. Uma funcao f : Rn −→ R e dita ser radial se existe g : R −→ R tal quef(x) = g(|x|), para todo x ∈ Rn. Prove que se f e radial, entao

Rf(ω, s) = F (s) =∫

Rn−1

g((s2 + |y|2) 1

2

)dy = Ωn−1

∫ ∞

0g

((s2 + t2)

12

)tn−2 dt.(4.6)

TRANSFORMADAS DE RADON 7

ωsz= ωs + t θ

Figura 5. Exercıcio 4.3

Ωn−1 denota a area da superfıcie da esfera de raio 1 em Rn−1. Sabe-se que Ωn−1 = 2 πn−1

2

Γ(n−12 ) .

Assim definimos S(Sn−1 × R) como o conjunto das funcoes F que satisfazem:

F ∈ C∞(Sn−1 × R)

|s|k∣∣∣∣

∂l

∂sl

∂m1

∂ωm11

...∂mn

∂ωmnn

F

∣∣∣∣ ≤ Ck,l,m1,...,mn , para todos k, l, m1,m2, ..., mn ∈ N.(4.7)

O primeiro teorema e:

Teorema 4.1. A transformada de Radon e uma aplicacao 1-1

R : S(Rn) ←→M def= F ∈ S(Sn−1 × R) : F satisfaz (4.4) e (4.5).(4.8)

Para demonstrar o Teorema 4.1 necessitamos antes explorar a conexao entre as transformadasde Radon e de Fourier. Comecamos pelo

Teorema 4.2. Se f ∈ S(Rn) entao a transformada de Fourier de Rf(ω, s) com respeito avariavel s satisfaz

Rf(ω, λ) =∫

RRf(ω, s)e−iλs ds = f(λω).(4.9)

Demonstracao. Observe que para todo k ∈ N, temos em virtude de (3.2),

|s|k |Rf(ω, s)| ≤∫

H(ω,s)|〈ω, x〉|k|f(x)| dS ≤

H(ω,s)|x|k|f(x)| dS < ∞.

Desta forma a integral em (4.9) converge. Por outro lado, da definicao de H(ω, s) e do teoremade Fubini, temos que

RRf(ω, s)e−iλs ds =

Re−iλs

(∫

H(ω,s)f(x) dS

)ds =

R

(∫

H(ω,s)e−iλ〈ω,x〉f(x) dS

)ds =

Rn

e−iλ〈ω,x〉f(x) dx = f(λω).

8 SA BARRETO

Isto completa a demonstracao do Teorema 4.2. ¤

Exercıcio 4.5. Seja

P : Sn−1 × (0,∞) −→ Rn

(ω, s) 7−→ sω = x.

a) Demonstre que P e um difeomorfismo e que

P−1 : Rn −→ Sn−1 × (0,∞)

x 7−→ (x

|x| , |x|)

e a inversa de P.

b) Demonstre que se f ∈ C∞(Rn) entao f P ∈ C∞(Sn−1× [0,∞)). Note que o intervalo incluis = 0.

c) Seja F ∈ C∞(Sn−1 × R). Mostre que F P−1(x) = F ( x|x| , |x|) e C∞ (Rn \ 0) , ou seja e C∞

em todos os pontos, exceto possivelmente a origem.d) Seja F ∈ C∞(Sn−1 × R). Demonstre que f = F P−1 ∈ C∞(Rn), ou seja e C∞ na origem,se e somente se

F ∈ C∞(Sn−1 × [0,∞)), ou seja incluindo s = 0, e que

(∂k

∂skF )(0, ω) = Pk(ω) para todo k ∈ N

e um polinomio homogeneo de grau k.

Sugestao: Escreva a serie de Taylor de F em r = 0. Use isto para provar que f tems uma seriede Taylor em x = 0 e que portanto e C∞ na origem.

Exercıcio 4.6. Utilize os fatos que

FRf(ω, λ) = f(λω) e que f ∈ S(Rn)

para concluir que F(s, ω) ∈ S(R× Sn−1).

Exercıcio 4.7. Mostre que R e uma aplicacao linear.

Exercıcio 4.8. Aplique as formulas (3.4) e (4.9) para demonstrar que se f ∈ S(Rn) e Rf = 0,

entao f = 0. Use isto para mostrar que R e injetiva.

Agora estamos em posicao de demonstrar o Teorema 4.1.

Demonstracao. Nos resta provar que R definida em (4.8) e sobrejetiva. Ou seja, dada F (s, ω) ∈M, demonstraremos que existe f ∈ S(Rn) tal que F (s, ω) = Rf(s, ω).

De fato, como∫

RskF (s, ω) ds = skF (0, ω) = ik

∂k

∂λkF (0, ω)

e por hipotese um polinomio homogeneo de grau k, o exercıcio (4.5) nos da que para ξ = λω,

f(ξ) = F (|ξ|, ξ|ξ|) ∈ C∞(Rn), e como F ∈ S(R× Sn−1), concluımos de (3.3) que f ∈ S(Rn). De

(4.9) deduzimos que F = RF−1f. Isso termina a demonstracao do Teorema 4.1. ¤

TRANSFORMADAS DE RADON 9

Portanto ja sabemos que R : S(Rn) ←→ M tem uma inversa. E portanto natural tentarcomputar R−1. Aqui aparece uma grande diferenca entre os casos n par e ımpar.

Ja que sabemos inverter a transformada de Fourier, e temos uma formula que relaciona astranformadas de Radon e de Fourier, vamos portanto utiliza-las.

Teorema 4.3. Seja n > 1 ımpar. Entao

f(x) =1

2(2iπ)n−1

Sn−1

∂n−1Rf

∂sn−1(〈x, ω〉, ω) dS.(4.10)

Demonstracao. Usando coordenadas polares em (3.4) temos:

f(x) =1

(2π)n

Rn

ei〈x,ξ〉f(ξ) dξ =1

(2π)n

Sn−1

∫ ∞

0ei〈x,λω〉f(λω)λn−1 dλ dSω.

Como n− 1 e par, temos em consequencia de (4.2)

f(x) =12

1(2π)n

Sn−1

∫ ∞

−∞ei〈x,λω〉f(λω)λn−1 dλ dSω =

12

1(2π)n

Sn−1

∫ ∞

−∞ei〈x,λω〉Rf(λ, ω)λn−1 dλ dSω.

Visto que∫ ∞

−∞eiλsλn−1Rf(λ, ω) dλ =

1in−1

∂n−1

∂sn−1

∫ ∞

−∞eiλsRf(λ, ω) dλ = (2π)

1in−1

∂n−1

∂sn−1Rf(s, ω),

(4.10) esta demonstrada. ¤

Essa formula tem uma propriedade muito importante que merece ser destacada. Para se obtero valor da funcao f num ponto x0, precisa se conhecer os valores Rf(s, ω) para s = 〈x0, ω〉.Assim precisamos conhecer as integrais de f ao longo de planos que distam |〈x0, ω〉| da origem.Essa distancia e no maximo igual a |x0|. Nao e necessario se conhecer as integrais de f ao longode todos os planos.

Isso, como veremos a seguir, e muito diferente quando n e par. Note que nesse caso a provado Teorema 4.3 nao funciona e temos de modifica-la. Para isto devemos introduzir o operadorH conhecido como a transformada de Hilbert.

Definicao 4.1. Para λ ∈ R seja sgn(λ) = 1 se λ ≥ 0 e sgn(λ) = −1 se λ < 0. Para f ∈ S(R) ek ∈ N, seja

Hf(s) =12π

Reiλs sgn(λ)f(λ) dλ.

Teorema 4.4. Seja n > 1, par. Entao

f(x) =1

2(2iπ)n−1

Sn−1

(∂n−1

∂sn−1HRf

)(〈x, ω〉, ω) dS.(4.11)

Exercıcio 4.9. Demonstre o Teorema 4.4.

O objetivio do proximo exercıcio e encontrar uma formula mais direta para (4.11) quandon = 2.

10 SA BARRETO

x1

R

R

ρ 0

1

2

x2

Figura 6. Descricao das hipoteses da proposicao 4.1

Exercıcio 4.10.

O Proximo objetivo e demonstrar a propriedade de suporte da transformada de Radon, quee enunciado no seguinte resultado de Helgason [9], veja tambem [10]. Este teorema diz que,se f(x) decai mais rapidamente do que qualquer potencia negativa de |x| entao o suporte def(x) e controlado pelo suporte de sua transformada de Radon. Ver a figura 2. O leitor deve seperguntar por que assumimos esta propriedade de decaimento de f(x). Nos provaremos que oteorema e falso sem esta hipotese.

Teorema 4.5. Seja f ∈ C∞(Rn) tal que |x|k|f(x)| → 0, quando |x| → ∞, para todo k ∈ N. SeRf(s, ω) = 0 para |s| > ρ entao f(x) = 0 para |x| > ρ.

Demonstracao. Ha varias provas e muitas generalizacoes deste teorema, entre elas citamos [2, 5,9, 10, 13, 18, 16]. Nos seguiremos a demonstracao de Helgason [10], que alem de muito elegante,tambem e muito instrutiva. Com a excecao da demonstracao de Strichartz [18], que na verdadee para o caso particular em que n = 2, todas as outras demonstracoes sao mais sofisticadas.

Comecaremos a prova do Teorema 4.5 com um resultado que a princıpio nao tem relacaonenhuma com o que queremos provar, mas que sera muito util. Este resultado tambem eimportante por si mesmo.

Proposicao 4.1. Seja f : Rn −→ R uma funcao C∞ que satisfaz |x|kf(x) → 0 quando |x| → ∞.

Para x ∈ Rn, e r > 0 sejamS(x, r) = y : |y − x| = r

a esfera centrada em x de raio r, e

B(z, r) = y ∈ Rn : |y − z| < ra bola centrada no ponto z e de raio r. Suponha que existe ρ > 0 tal que∫

S(x,r)f(y) dSy = 0, para todos x, r tais que B(x, r) ⊃ B(0, ρ),

Veja a figura 6. Entao f(x) = 0 para todo x tal que |x| > ρ.

TRANSFORMADAS DE RADON 11

Demonstracao. Fixemos uma bola B(x, r) = y : |y − x| < r tal que B(x, r) ⊃ B(0, ρ). Temosportanto que

B(x,r)f(y) dy =

Rn

f(y) dy = C, uma constante

Escrevendo z = y − x deduzimos que∫

B(0,r)f(x + z) dz = C

Tomando a derivada em xj temos que∫

B(0,r)

∂f

∂xj(x + z) dz =

B(0,r)

∂f

∂yj(x + z) dz = 0, j = 1, 2, ..., n.

Considere o campo vetorial F (y) = f(x + y)(0, ...0, 1, 0, ..., 0), 1 na k-esima posicao. O teoremada divergencia nos da que

B(0,r)div F (y) dy =

S(0,r)〈F,~n〉 dS.

Mas div F (y) = ∂f∂yk

(x + z) e 〈F,~n〉 = f(x + y)ωk = f(x + y)ykr . Portanto obtivemos que

S(0,r)f(x + y)yk dS =

S(0,r)f(x + y)(xk + yk) dS = 0.

Isso quer dizer que as hipoteses do teorema continuam valendo para a funcao xkf(x). Repetindoo argumento concluimos que

S(x,r)f(y)P (y) dSy = 0, para todo polinomio P (y).(4.12)

Exercıcio 4.11. Use o Teorema de Weierstrass, veja por exemplo o Teorema 7.24 de [15], parademonstrar que (4.12) implica que f(x) = 0 se |x| > ρ.

Isto conclui a prova da proposicao 4.1. ¤

Como em [10], provaremos primeiro o Teorema 4.5, com a hipotese adicional de que f e radial.Ver exercıcio 4.4 para a definicao. Neste caso, sabemos do exercıcio 4.4 que

F (s) =∫ ∞

0g

((s2 + t2)

12

)tn−2 dt.

Comecemos pelo caso n > 2. Tomando a derivada de F (s) obtemos

1s

dF (s)ds

=∫ ∞

0g′

((s2 + t2)

12

) t

(s2 + t2)12

tn−3dt =∫ ∞

0

∂t

[g

((s2 + t2)

12

)]tn−3dt.

Se n = 3 temos

1s

dF (s)ds

= g(s).

12 SA BARRETO

Isso portanto garante que g(s) = 0 se s > ρ, como querıamos demonstrar. Se n > 3 repetimos oargumento usado acima n− 2 vezes e obtemos

(1s

d

ds

)n−2

F (s) =dn−3g(s)dsn−3

.(4.13)

Portanto, usando as hipoteses de decaimento de g, concluımos que g(s) = 0 se s > ρ. Istotermina a demonstracao para n > 2. O caso n = 2 e mais difıcil pois o argumento usado acimanao funciona. Neste caso temos

F (s) =∫ ∞

0g

((s2 + t2)

12

)dt.(4.14)

Comecemos pelo seguinte

Exercıcio 4.12. O objetivo deste exercıcio e provar que se T : R −→ R e uma funcao de classeC1 e H(u) e definida por

H(u) =∫ u

0

T (v)

(u2 − v2)12

dv,

entaoπ

4T (v) =

d

dv

∫ v

0

uH(u)

(v2 − u2)12

du.

Sugestao. Faca o seguinte:Passo 1: Multiplique H(u) por u(λ2−u2) e integre de 0 a λ. Use o teorema de Fubini para trocara ordem de integracao.Passo 2: Mostre que

∫ λ

su(u2 − v2)−

12 (λ2 − u2)−

12 du =

π

4

Fazendo a mudanca de variaveis u = s−1 e v−2 = u2 − s2 em (4.14) obtemos

1u

F

(1u

)=

∫ u

0

v−2g(v−1)

(u2 − v2)12

dv.

Aplicando o exercıcio 4.12 para H(u) = 1uF

(1u

)e T (v) = v−2g(v−1) obtemos

v−2g(v−1) =d

dv

∫ v

0

F (u−1)

(v2 − u2)12

du

Como F (s) = 0 para s > ρ segue que F (u−1) = 0 se u < 1ρ . Portanto se v < 1

ρ a integral e zero.Assim g(v−1) = 0 se v < 1

ρ , como querıamos demonstrar.Portanto demontramos que se f e radial, decai mais rapidamente que qualquer potencia

negativa de |x| quando |x| → ∞, e que se Rf(ω, s) = 0 para |s| > ρ, entao f(x) = 0 para|x| > ρ.

Exercıcio 4.13. Observe que no caso em que f e radial nos provamos um resultado mais forte.Veja que o fato de que f(|x|) decai mais rapidamente de que qualquer potencia negativa de|x| quando |x| → ∞ nao foi na verdade utilizado. Analise a prova do teorema para este casoparticular e estabeleca a ordem de decaimento necessaria para que o argumento funcione.

TRANSFORMADAS DE RADON 13

Agora iremos reduzir o caso geral a uma combinacao do caso radial com a Proposicao 4.1.Seja |S(x, r)| a area da superfıcie da esfera S(x, r). Dada uma funcao contınua f : Rn −→ R,

a media esferica de f com respeito a S(x, r) e definida por

Mf (x, r) =1

|S(x, r)|∫

S(x,r)f(y) dSy.

Mas |S(x, r)| = rn−1Ωn, onde Ωn a area da esfera de raio 1 em n dimensoes. Por exemploΩ2 = 2π, Ω3 = 4π2. Fazendo a mudanca de variaveis y − x = rθ, θ ∈ Sn−1, deduzimos que

Mf (x, r) =1

Ωn

Sn−1

f(x + rθ) dSθ

Consideremos r = |z|, z ∈ Rn. Tomando a transformada de Radon de Mf (x, •) com respeito az temos, conforme exercıcio 4.4,

RMf (x, s) =Ωn−1

Ωn

Sn−1

∫ ∞

0f(x + (s2 + t2)θ)tn−2 dtdSθ.

Por outro lado, consideremos a integral

I(x, s) =∫

Sn−1

Rf(ω, s + 〈x, ω〉) dSω.

Usando a definicao da transformada de Radon temos

I(x, s) =∫

Sn−1

(∫

〈y,ω〉=〈x,ω〉+sf(y) dSy

)dSω =

Sn−1

(∫

〈y−x,ω〉=sf(y) dSy

)dSω =

Sn−1

(∫

〈z,ω〉=sf(x + z) dSz

)dSω.

Do exercıcio 4.3 temos que

I(x, s) =∫

Sn−1

(∫

ω⊥

∫ ∞

0f(x + sω + tθ)tn−2 dt dθ

)dSω.

Como 〈θ, ω〉 = 0, podemos escrever sω + tθ = (s2 + t2)12 γ, onde γ = γ(t, s, θ, ω) ∈ Sn−1 pode ser

visto como uma rotacao de ω. Assim temos, apos trocar a ordem de integracao,

I(x, s) = Ωn−1

Sn−1

∫ ∞

0f(x + (s2 + t2)

12 ω)tn−2 dt dSω.(4.15)

Portanto concluımos que

RMf (x, s) =1

Ωn

Sn−1

Rf(ω, s + 〈x, ω〉) dSω.(4.16)

Como |s + 〈x, ω〉| > ||s| − |x|| e como Rf(ω, s) = 0 se |s| > ρ, segue que RMf (x, s) = 0 se||s| − |x|| > ρ. Como Mf (x, |z|) e radial em z segue do que ja demonstramos que Mf (x, |z|) = 0se |z| > ρ + |x|. Isso implica que∫

S(x,r)f(y) dSy = 0 para todos x, r tais que S(x, r) ⊃ B(0, ρ) = 0.

Portanto da Proposicao 4.1 concluimos que f(x) = 0 se |x| > ρ. Isto conclui a demonstracao doTeorema 4.5. ¤

14 SA BARRETO

x

R

1A

By

Figura 7. Exercıcio 4.14. Mostre que a integral na regiao limitada pela reta epelo semi-cıculo e igual a zero. Popr outro lado, a integral ao longo do semi-cıculovai para zero quando R →∞.

Como uma consequencia imediata do Teorema 4.5 temos:

Corolario 4.1. A transformada de Radon e uma aplicacao 1− 1 de

R : C∞0 (Rn) −→ F ∈M : F tem suporte compacto.

Finalmente apresentamos um contra-exemplo que mostra que a hipotese de decaimento naopode ser removida do Teorema 4.5. Este exemplo foi tirado de [10].

Exercıcio 4.14. Seja z = x + iy um numero complexo e sejam f(z) = z−k, k ∈ N e φ(z) def=φ(x, y) ∈ C∞(R2), tal que φ(z) = 0 se |z| < 1

2 , e φ(z) = 1 se |z| > 1. Entao g(z) = φ(z)f(z) euma funcao C∞(C) que e holomorfa para |z| > 1.

a) Use o Teorema de Cauchy para mostrar que∫l g dSl = 0 para toda reta l que nao intercepta

a bola B(0, 1). Veja figura 7.b) Prove que se S(z0, r) ⊃ B(0, 1)

S(z0,r)g dSω = r

S(z0,r)

1zk(z − z0)

dz.

c) Mostre que o resıduo de 1zk(z−z0)

em z = z0 e 1zk0

e em z = 0 e − 1zk0.

d) Use o calculo dos resıduos para mostrar que∫S(z0,r) g dSω = 0 para todo cırculo S(z0, r) que

contem B(0, 1).c) Conclua que o Teorema 4.5 nao se aplica neste caso.

O Teorema 4.5 tem sido estendido para situacoes muito mais gerais do que a transformadade Radon em Rn. Veja por exemplo [16, 17], porem esta questao do decaimento de f nao e bemcompreendida. O objetivo do proximo exercıcio e de dar uma demonstracao para o Teorema 4.5para o caso n = 2. Esta prova deve-se a R. Strichartz [18].

Exercıcio 4.15.

TRANSFORMADAS DE RADON 15

5. A equacao das ondas

Aqui aplicaremos a transformada de Radon para resolver o problema de Cauchy para aequacao das ondas em dimensao n ımpar utilizando a transformada de Radon. A referenciabasica deste tratamento da equacao da onda e [8]. Tambem referimos o leitor a [19]. Comece-mos pelo caso n = 1.

Uma funcao u(x, t) de classe C∞(R2) e uma solucao do problema de Cauchy para a equacaoda onda se, dadas funcoes f1(x), f2(x) ∈ C∞

0 (R),

∂2u

∂t2− ∂2u

∂x2= 0 em R× (0,∞)

u(x, 0) = f1(x),∂u

∂t(x, 0) = f2(x)

(5.1)

Nosso proposito e encontrar uma formula para u(x, t) em termos do dados iniciais f1(x) ef2(x).

Exercıcio 5.1. Demontre que se uma funcao u(y, z) ∈ C∞(R2) satisfaz ∂2u∂y∂z = 0, entao existem

F, G ∈ C∞(R) tais que

u(y, z) = F (y) + G(z).

Fazendo a mudanca de coordenadas

y = x + t, z = x− t

e denotando U(y, z) = u(y+z

2 , y−z2

)= u(x, t), segue de (5.1) que

∂2U

∂y∂z= 0.

Do exercıcio 5.1 concluımos que U(y, z) = F (y) + G(z). Portanto temos que

u(x, t) = F1(x + t) + F2(x− t), F1, F2 ∈ C∞(R).

As condicoes iniciais de (5.1) nos dao que

F1(x) + F2(x) = f1(x)

F ′1(x)− F ′

2(x) = f2(x).

Tomando a derivada da primeira equacao e somando-a a segunda obtemos

2F ′1(x) = f ′1(x) + f2(x).

De modo semelhante obtemos

2F ′2(x) = f ′1(x)− f2(x)

Usando o teorema fundamental do Calculo encontramos que

F1(x)− F1(x0) =12f1(x)− 1

2f1(x0) +

12

∫ x

x0

f2(s) ds.

F2(x)− F2(x0) =12f1(x)− 1

2f1(x0)− 1

2

∫ x

x0

f2(s) ds.

16 SA BARRETO

(x,t)

x−t x+t x

t

Figura 8. Interpretacao geometrica da solucao da equacao da onda em dimensao1. O valor da solucao u(x, t) no ponto (x, t) so depende do valor do dado inicialno intervalo [x− t, x + t].

Portanto temos que

u(x, t) =12

(f1(x + t) + f1(x− t)) +12

∫ x+t

x−tf2(s) ds.(5.2)

Esta formula tem uma interpretacao geometrica interessante. Ver a figura 8.

Exercıcio 5.2. a) Mostre que se f1(x) = 0 e f2(x) = 0 para |x| > R, entao u(x, t) = 0 se|x| > t + R.

b) A interpretacao fısica deste resultado e que as informacoes que se propagam atraves de (5.1)o fazem com velocidade finita.

O proximo passo e resolver a equacao das ondas em dimensoes maiores do que um. Primeirorecordamos que o Laplaciano ∆ em Rn e definido por:

∆v(x) =∂2v

∂x21

+∂2v

∂x22

+ ... +∂2v

∂x2n

Nos estudaremos o problema de valor inicial (ou problema de Cauchy)

∂2u

∂t2−∆u = 0 Rn × (0,∞)

u(x, 0) = f1(x),∂u

∂t(x, 0) = f2(x), f1, f2 ∈ C∞(Rn).

(5.3)

Ou seja, como fizemos acima, queremos encontrar uma formula para u(x, t) em termos de f1 e f2.

A ideia principal e a de reduzir este caso ao uni-dimensional. Esta e a utilidade da transformadade Radon. O primeiro passo e lembrarmos que do exercıcio 4.2,

∂2Rf

∂s2(ω, s) = R(∆f)(ω, s).(5.4)

TRANSFORMADAS DE RADON 17

Denotemos a transformada de Radon na variavel x de u(x, t) por Ru(ω, s, t). De (5.4) obtemos

∂2Ru

∂t2(ω, s, t)− ∂2Ru

∂s2(ω, s, t) = 0

Ru(ω, s, 0) = Rf1(ω, s),∂Ru

∂t(ω, s, 0) = Rf2(ω, s).

Aplicando (5.2) encontramos que

Ru(ω, s, t) =12

(Rf1(ω, s + t) +Rf1(ω, s− t)) +12

∫ s+t

s−tRf2(ω, µ) dµ.

Agora temos de tomar a transformada inversa de Radon de Ru. Como ja vimos antes, ha umadiferenca entre os casos n par e ımpar, sendo o caso ımpar mais simples. De (4.10) obtemos que,com Cn = 1

2(2iπ)n−1 ,

u(x, t) = Cn

Sn−1

∂n−1Ru

∂sn−1(ω, 〈x, ω〉, t) dSω =

12Cn

Sn−1

(∂n−1Rf1

∂sn−1(ω, 〈x, ω〉+ t) +

∂n−1Rf1

∂sn−1(ω, 〈x, ω〉 − t)

)dSω+

12Cn

Sn−1

(∂n−2Rf2

∂sn−2(ω, 〈x, ω〉+ t)− ∂n−2Rf2

∂sn−2(ω, 〈x, ω〉 − t)

)dSω.

Agora observamos que, como n e ımpar e Rf(ω, s) = Rf(−ω,−s), temos

Sn−1

∂n−1Rf1

∂sn−1(ω, 〈x, ω〉+ t) dSω =

Sn−1

∂n−1Rf1

∂sn−1(ω, 〈x, ω〉 − t) dSω

Sn−1

∂n−2Rf2

∂sn−2(ω, 〈x, ω〉+ t) dSω = −

Sn−1

∂n−2Rf2

∂sn−2(ω, 〈x, ω〉 − t) dSω.

Portanto como n e ımpar,

u(x, t) = Cn

Sn−1

(∂n−1Rf1

∂sn−1(ω, 〈x, ω〉+ t) +

∂n−2Rf2

∂sn−2(ω, 〈x, ω〉+ t)

)dSω.(5.5)

Esta formula nos da u em termos das transformadas de Radon de f1 e f2 e e a base da Teoriade Espalhamento de Lax & Phillips, [12]. Pode-se transforma-la em uma formula envolvendo f1

e f2 diretamente, mas nos so faremos isso aqui no caso n = 3.

Tomando n = 3 em (5.5) obtemos

u(x, t) = − 18π2

Sn−1

∂2Rf1

∂s2(ω, 〈x, ω〉+ t) dSω − 1

8π2

Sn−1

∂Rf2

∂s(ω, 〈x, ω〉+ t) dSω =

− 18π2

∂2

∂t2

Sn−1

Rf1(ω, 〈x, ω〉+ t) dSω − 18π2

∂t

Sn−1

Rf2(ω, 〈x, ω〉+ t) dSω.

18 SA BARRETO

xt

t

t

(x,t)

R3

S(x,t)

Figura 9. Para se obter u(x, t) integra-se o dado inicial sobre a superfıcie daesfera centrada em x e de raio t.

Visto que Ω2 = 2π, obtemos de (4.15) que

−4πu(x, t) =

∂2

∂t2

Sn−1

∫ ∞

0f1(x + (s2 + t2)

12 ω)s ds dSωy)) +

∂t

Sn−1

∫ ∞

0f(x + (s2 + t2)

12 ω)s ds dSω =

∂t

(t

Sn−1

∫ ∞

0

∂sf1(x + (s2 + t2)

12 ω) ds dSω

)t

Sn−1

∫ ∞

0

∂sf2(x + (s2 + t2)

12 ω) ds dSω.

Portanto

u(x, t) =∂

∂t

(t

Sn−1

f1(x + tω) dSω

)+

t

Sn−1

f2(x + tω) dSω.(5.6)

Veja a figura 9 para uma interpretacao geometrica desta solucao.O caso n > 3 ımpar nao e muito diferente, apenas e necessario um certo cuidado quando se

toma as derivadas, mas o calculo nao e muito diferente do que foi feito para se chegar a equacao(4.13). Pode se mostrar que se n > 3 e ımpar entao

cnΩnu(x, t) =

∂t

((1t

∂t

)n−32

tn−2

Sn−1

f1(x + tω) dSω

)+

(1t

∂t

)n−32

(tn−2

Sn−1

f2(x + tω) dSω

).

O leitor interessado deve ler [8] para mais detalhes.

TRANSFORMADAS DE RADON 19

suporte de f e f

u=0

u=0

u=0

1 2

Figura 10. Princıpio de Huygens em dimensao ımpar.

Exercıcio 5.3. Seja v(x, t, s) uma solucao de

∂2v

∂t2−∆xv = 0, para x ∈ Rn, t > s ≥ 0

v(x, 0, s) = 0 para x ∈ Rn s ≥ 0

∂v

∂t(x, 0, s) = f(x, s) para x ∈ Rn s ≥ 0.

Mostre que

u(x, t) =∫ t

0v(x, t− s, s) ds

satisfaz

∂2u

∂t2−∆xu = f(x, t) para x ∈ Rn, t > 0

u(x, 0) = 0,∂u

∂t(x, 0) = 0 para x ∈ Rn.

Esta relacao e conhecida como o prinıpio de Duhamel.

Exercıcio 5.4. Obtenha uma formula para a solucao de

∂2u

∂t2−∆xu = f(x, t) para x ∈ R3, t > 0

u(x, 0) = f1(x),∂u

∂t(x, 0) = f2(x) para x ∈ Rn.

Exercıcio 5.5. Mostre que se n = 3 e f1(x) = f2(x) = 0 para |x| > R, entao a solucao de (5.3)satisfaz

u(x, t) = 0 se t < |x| −R ou se t > |x|+ R.

Este fenomeno e conhecido como o princıpio de Huygens. Veja figura 10.

Exercıcio 5.6. Compare o exercıcio 5.5 com o caso n = 1. Qual e a diferenca?

20 SA BARRETO

L(ω

ω

ω

z, )

z

x

y

z

Figura 11. Parametrizacao da reta L.

6. A Transformada Raio-x

Nas secoes anteriores nos tratamos a transformada de Radon, mas nas questoes que levantamosna primeira secao, as integrais obtidas eram ao longo de retas, e nao ao longo de hiperplanos.

Aqui estudaremos um pouco da transformada raio-x. Primeiro necessitamos encontrar umaparametrizacao para as retas do Rn. Vimos no caso da transformada de Radon, que os hiper-planos sao parametrizados por um vetor ω ∈ Sn−1 e um numero real s, ou seja qualquer hiper-plano H pode ser descrito por (4.1).

No caso de uma reta L, sabemos que para caracteriza-la necessitamos de um vetor ω ∈ Sn−1,

o vetor diretor, e um ponto, mas temos de ter um pouco de cuidado, pois a parametrizacao temde ser 1 − 1. Tomemos o ponto z = L ∩ ω⊥, onde ω⊥ e o hiperplano perpendicular a ω. Vejafigura 11. E denotamos L = L(ω, z).

Dada uma funcao contınua f ∈ S(Rn), considere a aplicacao

Xf(ω, z) =∫

L(ω,z)f(y) dly.

Esta e a chamada transformada raio-x de f ao longo da reta L(ω, z).

Exercıcio 6.1. Demonstre que se n = 2,

Xf(ω, z) = Rf(ω⊥, |z|).Primeiro vamos estabelecer a relacao entre as transformada raio-x e a transformada de Radon.

Proposicao 6.1. Dados ω ∈ Sn−1 e s ∈ R, temos

Rf(ω, s) =∫

θ⊥∩H(ω,s)Xf(θ, z) dz,

TRANSFORMADAS DE RADON 21

ω

θ

z

L( θ,z)

ωθ ω

Figura 12. Como se obtem a transformada de Radon a partir da transformadaraio-x.

onde θ e qualquer vetor unitario satisfazendo 〈θ, ω〉 = 0.

Demonstracao. Basta olhar a figura 12. ¤

Portanto, conhecida Xf(ω, z) para toda reta L, tambem se conhece Rf(x, s) para todo ω ∈Sn−1 e todo s ∈ R. Assim deduzimos dos teoremas ja demonstrados para a transformada deRadon

Teorema 6.1. Sejam f, g ∈ C∞0 (Rn) e suponha que dado ρ > 0

L(ω,z)(f(y)− g(y)) dly = 0

para toda reta L(ω, z) que nao intercepta B(0, ρ). Entao f(x) = g(x) para todo x 6∈ B(0, ρ).

Este resultado tem uma interpretacao interessante. Por exemplo, nao creio que seja muitosaudavel bombardear o fıgado ou o coracao de alguem com raios-x. Mas o teorema acima dizque para se obter informacoes sobre outros orgaos, nao e necessario atingir essas partes vitaiscom radiacao.

Pode-se estabelecer uma relacao entre a transformada raio-x e a transformada de Fourier, demodo semelhante ao que foi feito com a transformada de Radon. Tambem pode se usar estarelacao para conseguir uma formula para a inversa da transformada raio-x. Referimos o leitorpara o livro de Helgason [10].

7. Agradecimentos

Este trabalho foi financiado em parte pela National Science Foundation projeto numero DMS-0140657.

Agradeco ao CNPq, a FINEP e ao Instituto do Milenio pela generosidade em financiar oSymposium on Scattering and Spectral Theory, mesmo em tempos economicamente difıceis. Aajuda da International Mathematical Union tambem foi fundamental para a realizacao desteevento.

Os Professores Francisco Brito, Fernando Cardoso e Gunther Uhlmann foram generosos emlerem essas notas, fazeres correcoes e darem sugestoes.

Tambem agradeco ao Departamento de Matematica da UFPE pela hospitalidade durante asemana em que este curso foi ministrado.

22 SA BARRETO

Referencias

[1] H. Barret & W. Swindell. Radiological imaging. Academic Press, (1981).

[2] J. Boman. Helgason’s support theorem for Radon transforms– a new proof and a generalization. Mathematical

Methods in Tomography (Oberwolfach, 1990), Lecture Notes in Math.1497, 1-5 Springer, Berlin, (1991).

[3] A. Comrack. Representation of a function by its line integrals. J. Appl. Phys., 34, 2722-2727, (1963).

[4] A. Cormack. My connection with the Radon transform. 75 years of Radon transform. Conference Proceedings

and Lecture Notes in Mathematical Physics, Vol. 4. S. Gindikin & P. Michor, editores. International Press

Inc. Boston, (1992).

[5] B. Droste. A new proof of the support theorem and the range characterization for the Radon tranform.

Manuscripta Math. 2-3, 289-296, (1983).

[6] P. Funk. Uber eine geometrischr anwendung der abelschen integralgleichung. Math. Ann. 77, 129-135, (1916).

[7] F. John. Reminiscences. 75 years of Radon transform. Conference Proceedings and Lecture Notes in Mathe-

matical Physics, Vol. 4. S. Gindikin & P. Michor, editores. International Press Inc. Boston, (1992).

[8] F. John. Plane waves and spherical means. Wiley-Interscience, New York, (1955).

[9] S. Helgason. A duality in integral geometry: some generalizations of the Radon transform. Bull. Amer. Math.

Soc. 70 , 435-446, (1964).

[10] S. Helgason. Radon transform. Birkhauser 1980, 2a edicao (1999).

[11] J. Hounie. Teoria elementar das distribuicoes. XII Coloquio brasileiro de Mat. IMPA, (1979)

[12] P. Lax & R. Phillips. Scattering theory. Academic press (edicao revisada) (1989 ).

[13] D. Ludwig. The Radon transform on Euclidean space. Comm. Pure Appl. Math. 23, 49-81, (1966).

[14] J. Radon. Uber die Bestimmung von Funktionen durch ihre integralwerte langs gewisser Mannigfaltigkeiten.

Ber. Verch. Sachs. Akad. Wiss. Leipzig Math. Nat. Kd. 69, 262-277, (1917)

[15] W. Rudin. Princıpios de analise matematica. Editora da Universidade de Brasılia, (1971).

[16] A. Sa Barreto. Radiation fields on asymptotically Euclidean manifolds. A ser publicado em Comm. in. P.D.E.

[17] A. Sa Barreto. A support theorem for radiation fields and inverse scattering on asymptotically hyperbolic

manifolds. Pre-publicacao, 2003.

[18] R. Strichartz. Radon inversion– variations on a theme. Amer. Math. Monthly. 89, 377-384, (1982).

[19] G. Uhlmann. Analise microlocal e teoria de espalhamento. VIII Escola Latino-Americana de Matematica.

IMPA (1986).

[20] J. Zubelli. An introduction to inverse problems. Examples, methods and questions. 22o Coloquio Brasileiro

de Matematica. IMPA, (1999).

Department of Mathematics, Purdue University, 150 North University Street, West Lafayette

IN 47907, USA

E-mail address: [email protected]