Injeção Acidental de Hipoclorito de Sodio Na Região Periapical Durante o Trat. Endo

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  • ISSN 1806-7727

    Injeo acidental de hipoclorito de sdio naregio periapical durante tratamentoendodntico: Relato de casoAccidental injection of sodium hypochlorite inperiapical region during endodontic treatment:Case reportRenata Grazziotin SOARES*Cristhiane DAGNESE**Luis Eduardo Duarte IRALA***Alexandre Azevedo SALLES***Orlando LIMONGI***

    Endereo para correspondncia:Renata Grazziotin SoaresRua Bento Gonalves, 1.624Caxias do Sul RS CEP 95020-412E-mail: [email protected]

    * Especialista em Endodontia, mestranda em Endodontia pela ULBRA Canoas (RS).** Especialista em Endodontia pela Sociedade Brasileira de Cirurgies-Dentistas SOBRACID Porto Alegre (RS).*** Professores do curso de graduao em Odontologia e ps-graduao em Endodontia da ULBRA Canoas (RS).

    Recebido em 30/9/06. Aceito em 27/11/06.

    Palavras-chave:hipoclorito de sdio;endodontia; irrigantes.

    ResumoA finalidade deste trabalho foi relatar um caso clnico em que ocorreua injeo acidental na regio periapical da soluo irrigadora dehipoclorito de sdio 2,5% durante tratamento endodntico de umprimeiro molar superior. Os autores demonstraram, por meio dadescrio deste caso clnico, que solues concentradas de hipocloritode sdio, quando extrudadas inadvertidamente para a regio periapical,causam danos teciduais, desconforto para o paciente e,conseqentemente, dvidas quanto habilidade do cirurgio-dentista.

    AbstractThe authors aim was to report a clinical case of accidental injection ofsodium hypochlorite 2,5% into periapical region during the root canaltreatment of the upper right first molar. It was demonstrated that sodiumhypochlorite concentrate solutions injection induces tissular injuries,discomfort for the patient and doubts about the dentists ability.

    Keywords:sodium hypochlorite;endodontics; irrigators.

  • Soares et al.Injeo acidental de hipoclorito de sdio na regio periapical durante tratamento endodntico: Relato de caso18

    Introduo e reviso de literaturaO hipoclorito de sdio empregado como soluo

    irrigadora durante o tratamento endodntico essencial. Tal substncia encontrada nasconcentraes de 0,5% a 5,25% e apresentaimportantes propriedades, como aoantimicrobiana, poder de dissoluo de matriaorgnica e capacidade desodorizante [4, 10].

    A efetividade de uma soluo irrigadora(capacidade de limpeza, ao antimicrobiana e poderde dissoluo tecidual) depende, entre outrosaspectos, de seu ntimo contato com o condutoradicular, ou seja, depende da sua capacidade deumectao. Dessa forma, a profundidade com quea cnula de irrigao penetra no canal, o volume e afreqncia da irrigao so aspectos que influenciamna competncia do agente irrigante [10].

    A irrigao deve ser executada mantendo-se umtrajeto de refluxo entre a cnula injetora cilndrica eo canal radicular. O menor segmento do trajeto derefluxo situa-se no nvel da ponta da cnula injetora,denominado rea de refluxo, imprescindvel para oretorno do lquido irrigador; quanto menor ele for,mais difcil ser a sada desse lquido do canalradicular. Se a cnula de irrigao ficar muitoafastada da regio apical, a limpeza dessa rea serprecria; porm, se ela se aproximar em demasia,ficar ajustada s paredes do canal, eliminando area e o trajeto de refluxo [4].

    Quanto maior a concentrao da soluo dehipoclorito de sdio, maior seu poder de dissoluotecidual (tecido vivo ou necrtico) e maior acapacidade de neutralizao do contedo do canalradicular. No entanto, quanto mais concentrado,maior ser seu efeito irritante quando em contatocom os tecidos vivos apicais e periapicais [7].

    Conforme Pcora e Estrela [10], nos tratamentosendodnticos em que a polpa est necrosada, o efeitoantimicrobiano deve predominar, em associao coma capacidade de dissoluo tecidual. Assim, ohipoclorito de sdio em concentraes de 1% a 2,5%deve ser selecionado. Independentemente dascondies da polpa dentria, Lopes e Siqueira [8]indicam usar como soluo qumica auxiliar dainstrumentao solues de hipoclorito de sdio a2,5% (gua sanitria); a nica exceo para oscanais amplos e com polpa vital, nos quaisaconselham o uso de soluo de menorconcentrao.

    Uma pesquisa que avaliou in vitro a atividadeantimicrobiana de algumas substncias irrigadorasde canais radiculares entre as quais o hipocloritoa 0,5%, 1% e 5,25% foi a dos autores MachadoJunior et al. [9]. O experimento foi realizado com

    seis tipos de microrganismos cultivados em meiosseletivos: Staphylococcus aureus, Escherichia coli,Streptococcus alfa hemoliticos, Candida albicans,Pseudomonas aeruginosa e Lactobacillus sp. Elesforam semeados e colocados em 6 tubos, juntamentecom 1 mL do agente qumico diludo em 4 mL degua destilada. Todas as solues de hipocloritomostraram poder antibacteriano, com destaque paraa de 1%.

    oportuno acrescentar que a efetividade de umasoluo irrigadora depende do seu ntimo contatocom o canal radicular e da constante renovao dasoluo. A profundidade com que a cnula penetrano canal, o volume e a freqncia de irrigao soaspectos que devem ser muito bem considerados[10]. Nesse sentido, cuidados devem ser tomadospara evitar acidentes durante as manobras deirrigao.

    Apesar de Becking [1] afirmar que os incidentesenvolvendo hipoclorito de sdio durante tratamentoendodntico so raramente relatados, a literaturacomprova a ocorrncia de acidentes gravesprovocados pela injeo da soluo no tecidoperiapical, tendo como conseqncias dor intensa,edema imediato dos tecidos adjacentes, hemorragiano canal radicular e interstcio na pele e mucosa(equimose), necrose tecidual, infeco secundriacom formao de abcesso e parestesias persistentes.H relatos de pacientes alrgicos ao hipoclorito desdio que, alm de apresentarem as alteraesteciduais citadas, exibem concomitantementeproblemas respiratrios [4].

    Freitas e Alves [2], em uma reviso sobre asprincipais complicaes advindas do usoinadequado do hipoclorito de sdio, relataram quea toxicidade do hipoclorito pode causar reaesinflamatrias graves, como edema, dor severa,equimoses e hematomas, necrose, parestesia eanestesia temporria. A maioria dos casosmencionados no trabalho ocorreu com a injeotransforaminal da soluo. Observaram tambm oaparecimento de enfisema subcutneo.

    Nos relatos de Reeh e Messer [11], durante oretratamento de um incisivo central superior comuma perfurao no tero mdio na face vestibularda raiz, o hipoclorito foi inadvertidamente forado,atravs da perfurao, para dentro dos tecidosadjacentes. As conseqncias desse acidenteincluram dor severa e inchao, com subseqentedesenvolvimento de fstula, alm de um tempoprolongado de parestesia do assoalho e da asa donariz e da regio infra-orbital.

    Sabala e Powell [13] publicaram um artigo emque descreveram um caso clnico sobre as

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    conseqncias da injeo de hipoclorito de sdionos tecidos periapicais. A mesma inteno tiveramVarella et al. [14], que relataram um caso de extrusoacidental de hipoclorito, durante a irrigao de umprimeiro pr-molar superior com a soluoconcentrada a 5%. O paciente apresentou grandedor e sensao de queimao na regio infra-orbitria. O tratamento para o caso foi paliativo ecom acompanhamento, at a total remisso dossinais e sintomas, e, aps o problema sersolucionado, procedeu-se obturao do canalradicular.

    Autores afirmam que, entre os acidentesocorridos durante a terapia endodntica, a extrusode hipoclorito para os tecidos periapicais pode serum dos mais alarmantes, por causa das suasmanifestaes clnicas imediatas, provocando dorintensa e edema instantneo. Desse modo, necessria uma correta identificao do problema,seguida de tratamento imediato. O tratamento emtais casos serve apenas como atenuante, e deve-seaguardar a remisso dos sintomas por meio doacompanhamento do paciente [12].

    Graves resultados foram observados por Gatotet al. [5] aps injeo inadvertida de hipocloritodurante irrigao de um dente incisivo centralsuperior. O paciente sofreu dor severa, necrose dotecido subcutneo e da mucosa. Uma intervenocirrgica foi necessria para conter o processodestrutivo que se estendia desde o lbio superiorat o olho. O exame histopatolgico demonstrou aalta toxicidade do hipoclorito nos tecidos vitais.

    Fundamentado nessa breve reviso de literatura,este trabalho tem por objetivo relatar o caso clnicode um acidente durante as manobras de irrigaodos canais radiculares com a soluo de hipocloritode sdio.

    Relato de casoO paciente foi atendido em uma escola de ps-

    graduao em Endodontia de Porto Alegre (RS) Sobracursos/Centro de Ps-graduao , ondeassinou um termo de compromisso permitindo apublicao do caso clnico. Esclareceu-se ao pacienteque ele no seria identificado por divulgao de seunome nem por fotografias que exibissem o rostointeiro.

    Para a realizao da endodontia do dente 16(primeiro molar superior direito), portador denecrose pulpar sem leso periapical visvelradiograficamente, o profissional utilizou hipocloritode sdio 2,5% como soluo irrigadora coadjuvante

    ao preparo biomecnico. Aps o trmino dainstrumentao e a colocao de hidrxido de clciocomo medicao intracanal, o paciente foidispensado, e agendou-se uma posterior obturaodos canais. Passados 30 minutos da consultaodontolgica, o paciente retornou ao consultrio comgrande edema na face, bem como com edema ehematoma na mucosa e no palato e alguns pontos denecrose na regio de fundo de sulco do dente emtratamento (figuras 1 e 2). Depois de exame clnico ediagnstico, sugeriu-se ao paciente que permanecesseem repouso at a diminuio do inchao. Omonitoramento da situao clnica do paciente foi feitonos primeiros dois dias, a fim de observar a regressodo edema. No foi receitada medicao sistmica.

    Figura 1 Aspecto clnico do paciente 30 minutos aps otrmino da consulta

    Figura 2 Edema e hematoma na mucosa e no palato e algunspontos de necrose na regio de fundo de sulco do dente emtratamento

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    DiscussoA literatura comprova a ocorrncia de acidentes

    graves provocados pela injeo de hipoclorito de sdio,conforme relatam os autores Reeh e Messer [11],Sabala e Powell [13], Becking [1], Gatot et al. [5],Hlsmann e Hahn [6], Freitas e Alves [2], Garcia [4],Rendn et al. [12].

    Garca Zuluaga et al. [3] relatam que a possibilidadede o agente desinfectante, utilizado na irrigao doscanais radiculares, entrar em contato com os tecidosperirradiculares e outras estruturas adjacentes alta.

    A infiltrao sob presso da substncia qumica,alm de provocar leso fsica (caracterizada pelodesgarramento tecidual), induz leso qumica, tambmem decorrncia da sua ao irritante sobre os tecidosvitais. Conforme o caso clnico exposto, o tecido agredidoexibe reao inflamatria, edema dos tecidos adjacentes,hematomas e equimoses e, eventualmente, necrose, quepode se estender mucosa bucal, dependendo dovolume e da concentrao da soluo injetada. A dorpode tambm estar presente, entretanto no foi o quese observou neste relato clnico. O paciente informouque sentia desconforto, presso, calor no local e,obviamente, incmodo em relao sua aparncia fsica.Nesse sentido, deve-se lembrar que a dor umaexperincia sensorial particular de cada pessoa, variade organismo para organismo, um fatoridiossincrsico.

    A melhor forma de evitar acidentes na irrigao adotar medidas preventivas, como o uso doisolamento absoluto, a identificao dos tubetesanestsicos, quando da utilizao destes como refilpara a soluo irrigadora, a colocao de cursoresde borracha nas limas e agulhas de irrigao, aintroduo da agulha livremente no interior doconduto e a irrigao lenta [2].

    No caso estudado neste trabalho, provavelmente oprofissional tenha introduzido e aprisionado a agulhade irrigao dentro do conduto, sem deixar uma via derefluxo, injetando assim a soluo para os tecidosperirradiculares. Garcia [4] explica que, para manter area de refluxo entre a cnula injetora e o canal radicular, importante o operador mover a cnula em movimentosde vaivm ao longo do canal durante as manobras deirrigao, pois ao contrrio ocorrer a obstruo dorefluxo, forando o extravasamento do lquido irrigador,sob presso, pelo forame apical. Isso poder acontecermais facilmente em dentes com forame apicalarrombado ou destrudo por reabsoro, bem comoem canais perfurados ou razes fraturadas e ainda emdentes com rizognese incompleta.

    Em relao ao tratamento do paciente, no foireceitada medicao sistmica analgsica, pois ele notinha dor; porm deve-se lembrar que imprescindvel

    o monitoramento da situao do paciente nos diasseguintes ao acidente. O tratamento da dor, se presente,serve apenas como atenuante, e preciso aguardar aremisso dos sintomas por meio do acompanhamentodo caso, conforme explicam Rendn et al. [12]. Tambmno foi prescrito antibitico sistmico, entretanto podeser necessrio em alguns casos, como: injeo acidentalde hipoclorito de sdio em dentes com grandes lesesperiapicais associadas sobreinstrumentao, emfuno da possibilidade de disseminao da infeco,principalmente quando o dente envolvido inferior,podendo atingir o espao submandibular.

    A descrio de um caso clnico a respeito de umacidente durante a irrigao dos canais com hipocloritode sdio essencial na viso dos autores, pois tais casospoucas vezes so abordados nos livros de Odontologia.Em razo disso, objetivou-se fornecer fundamentocientfico e tcnico ao leitor cirurgio-dentista.

    Consideraes finaisOs autores demonstraram por intermdio da

    descrio deste caso clnico que solues concentradasde hipoclorito de sdio, quando extrudadasinadvertidamente para a regio periapical, causamdanos teciduais, desconforto para o paciente e,conseqentemente, dvidas quanto habilidade docirurgio-dentista.

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    contracapav4_n1_final.pdfPgina 1

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